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Por que as pessoas são irracionais sobre a

política
Michael Huemer
Tradução de Hélio S. C. Carneiro

1. Introdução: o problema da discordância política


Talvez a característica mais marcante no que se refere à política é o quão ela é suscetível
de discordância – apenas a religião e a ética competem com a política enquanto fonte
de desacordo. Há três características principais das discordâncias políticas que quero
apontar: (i) são muito difundidas. Não se trata apenas de algumas pessoas discordando
sobre alguns assuntos; em vez disso, quaisquer duas pessoas escolhidas aleatoriamente
provavelmente discordarão sobre vários temas políticos. (ii) São fortes, ou seja, as
partes discordantes estão normalmente muito convencidas de suas próprias posições,
que não são de maneira alguma provisórias. (iii) São persistentes, ou seja, é
extremamente difícil resolvê-las. Várias horas de discussão normalmente não
conseguem resultar em progresso. Algumas disputas têm persistido por décadas (com
os mesmos personagens ou com diferentes partes ao longo de múltiplas gerações).
Essa situação deveria nos parecer muito estranha. A maioria dos outros assuntos –
por exemplo, geologia, linguística ou álgebra – não está de maneira alguma suscetível
a discordâncias desse tipo; suas disputas são muito menores em número e ocorrem no
âmbito de um acordo substancial acerca da teoria básica; e tais discordâncias tendem a
ser mais provisórias e mais facilmente resolvidas. Por que é a política sujeita a
discordâncias tão amplas, fortes e persistentes? Considere-se quatro explicações gerais
para a prevalência de desacordo político:
A. Teoria do Engano: As questões políticas estão sujeitas a muitas disputas porque
são muito difíceis; assim, muitas pessoas simplesmente cometem erros – análogos a
enganos cometidos ao trabalhar com problemas matemáticos difíceis –, o que as leva a
discordar de outras pessoas que não cometeram erros ou que cometeram erros
diferentes, levando-as a conclusões diferentes.
B. Teoria da Ignorância: Em vez de serem inerentemente difíceis (devido à sua
complexidade ou abstração, por exemplo), as questões políticas são difíceis de resolver
devido à informação insuficiente e/ou porque diferentes pessoas
têm diferentes informações disponíveis. Se todos tivessem o conhecimento factual
adequado, a maioria das disputas políticas seria resolvida.
C. Teoria dos Valores Divergentes: As pessoas discordam em questões políticas
principalmente porque tais questões dependem de questões morais/valorativas, e as
pessoas têm valores fundamentais divergentes.
D. Teoria da Irracionalidade: As pessoas discordam em questões políticas
principalmente porque as maioria das pessoas é irracional quando se trata de política.
As discordâncias políticas indubitavelmente têm mais do que uma causa contributiva.
Ainda assim, mantenho que a explicação D, a da irracionalidade, é o fator mais
importante, e que as explicações A-C, na ausência da irracionalidade, não conseguem
explicar quase nenhuma das características mais notáveis da discordância política.

2. As disputas políticas não são explicadas por engano ou


ignorância
Começaremos com as duas explicações cognitivas – ou seja, com teorias que procuram
explicar as disputas políticas em termos do funcionamento normal das nossas
faculdades cognitivas. Esse é o tipo mais natural de explicação a que deitar mão na
ausência de indícios específicos contra uma explicação cognitiva.
As explicações cognitivas, contudo, não conseguem explicar as seguintes
características relevantes das crenças e disputas políticas:

a. A força das crenças políticas


Se as questões políticas são apenas muito difíceis, então deveríamos esperar que a
maioria das pessoas defendesse, no máximo, posições provisórias, ou então que
suspendesse o juízo de uma vez. É isso o que acontece com outras questões que são
intrinsecamente difíceis. Se acabamos de resolver um problema matemático muito
complicado, tendemos a manter no máximo uma crença provisória na resposta a que
chegamos. Se uma outra pessoa inteligente diz ter solucionado o mesmo problema e
chegado a uma resposta diferente, isso abala a nossa confiança na nossa resposta;
encaramos isso como uma prova forte de que podemos estar errados. Mas em questões
políticas as pessoas tendem a defender as suas posições com grande confiança, e a tratá-
las como se não fossem muito difíceis de verificar, ou seja, como se fossem óbvias. E
nem a mera presença de outra pessoa com uma crença política oposta tipicamente abala
a nossa confiança.
A Teoria da Ignorância se sai um pouco melhor, visto que se as pessoas ignorarem
não só os fatos relativos a uma questão política, mas também a sua própria ignorância,
a sua confiança nas próprias crenças políticas seria compreensível. No entanto, ainda é
misterioso o motivo pelo qual as pessoas ignorariam o seu próprio nível de ignorância
– isso, por si só, necessita de uma explicação adicional. Além disso, a Teoria da
Ignorância tem dificuldade de explicar a seguinte característica de disputas políticas:

b. A persistência das disputas políticas


Se as disputas políticas tivessem uma explicação puramente cognitiva, esperaríamos
que elas fossem mais facilmente susceptíveis de serem resolvidas. Uma parte poderia
fazer notar à outra em que altura foi cometido um erro no raciocínio – um erro de cálculo
–, caso em que a segunda pessoa poderia corrigir o seu erro. Ou, no caso de as duas
partes terem informações diferentes disponíveis, poderiam simplesmente se encontrar,
compartilhar suas informações e então chegar a um acordo. Apesar de as partes nas
disputas políticas normalmente de fato compartilharem as suas razões e provas entre si,
as disputas persistem.

c. A correlação de crenças políticas com traços não-cognitivos


As crenças políticas das pessoas tendem a se correlacionar fortemente com sua raça,
sexo, estatuto econômico, ocupação e traços de personalidade. Os membros de minorias
têm maior probabilidade de apoiar ações afirmativas do que os homens brancos. Os
membros da indústria de entretenimento têm muito mais probabilidade de serem
progressistas do que conservadores. As pessoas que gostam de ternos têm maior
probabilidade de serem conservadoras do que pessoas que gostam de blusas
psicadélicas. E assim por diante. Nenhuma dessas correlações seria de esperar caso as
crenças políticas tivessem uma origem inteiramente cognitiva. Esses fatos sugerem que
é o tendenciosismo, e não um mero erro de cálculo, que tem um papel central na
explicação dos enganos políticos.

d. O agrupamento de crenças políticas


Duas crenças não têm relação lógica se nenhuma delas, ainda que verdadeiras,
constituiria prova contra ou a favor da outra. Diversas crenças sem relação lógica estão
correlacionadas – ou seja, é frequentemente possível prever a crença de alguém sobre
um assunto baseando-se na sua opinião sobre outra questão sem relação alguma com a
primeira. Por exemplo, as pessoas que apoiam o controle de armas têm muito mais
probabilidade de apoiar programas de bem-estar social e o direito ao aborto. Visto que
esses temas não têm relação lógica entre si, numa teoria puramente cognitiva das
crenças políticas das pessoas seria de esperar que não houvesse tal tipo de correlação.
Às vezes as correlações observadas são o oposto do que seria de esperar com base
apenas na razão – ou seja, às vezes as pessoas que sustentam uma crença
têm menor probabilidade de sustentar outras crenças que são apoiadas pela primeira.
Por exemplo, alguém poderia ingenuamente esperar que aqueles que defendem os
direitos dos animais tenham maior probabilidade de se opor ao aborto do que aqueles
que rejeitam a noção dos direitos dos animais; de maneira simétrica, quem se opõe ao
aborto deveria ter maior probabilidade de aceitar os direitos dos animais. Isto porque
para aceitar os direitos dos animais (ou dos fetos), uma pessoa deve ter uma concepção
mais expansiva dos tipos de seres que têm direitos do que aqueles que rejeitam os
direitos dos animais (ou dos fetos) – e porque os fetos e os animais parecem partilhar a
maior parte das mesmas propriedades moralmente relevantes (e.g., são ambos
sencientes, mas nenhum é inteligente). Não estou dizendo que a existência de direitos
dos animais implica que os fetos têm direitos, ou vice-versa (há algumas diferenças
entre fetos e animais); estou apenas dizendo que se animais têm direitos, é bem mais
provável que os fetos também os tenham, e vice-versa. Assim, se as crenças políticas
das pessoas tiverem em geral explicações cognitivas, seria de esperar
uma correlação estatística positiva entre ser pró-vida e ser a favor dos direitos dos
animais. De fato, o que observamos é precisamente o oposto.
Alguns agrupamentos de crenças sem relação lógica poderiam explicar-se
cognitivamente – por exemplo, por meio da hipótese de que algumas pessoas tendem,
no geral, a ser boas na tarefa de alcançar a verdade (talvez porque são inteligentes, têm
um bom nível de conhecimento, etc.). Suponha-se, então, que seja verdadeiro que as
ações afirmativas são justas e que o aborto é moralmente permissível. Essas questões
não estão logicamente relacionadas; contudo, se algumas pessoas são em geral boas a
chegar à verdade, então quem acredita numa dessas proposições muito provavelmente
acreditaria na outra.
Mas note-se que, nessa hipótese, não seria de esperar a existência de um
agrupamento oposto de crenças. Ou seja, suponha-se que as crenças progressistas
sejam, no geral, verdadeiras, e que isso explica por que há tantas pessoas que geralmente
abraçam esse agrupamento de crenças. (Assim, as ações afirmativas são justas, o aborto
é permissível, os programas de bem-estar social são bons, a pena de morte é má, os
seres humanos estão seriamente prejudicando o meio ambiente, etc.). Por que haveria
um número significativo de pessoas que tendem a abraçar as crenças opostas em todas
essas questões? Não é plausível supor que há algumas pessoas que são em geral atraídas
pela falsidade. Ainda que haja pessoas que não sejam muito boas em chegar à verdade
(talvez sejam estúpidas, ignorantes etc.), as suas crenças deveriam, no pior dos
casos, não ter qualquer alinhamento com a verdade; não deveriam estar
sistematicamente afastadas da verdade. Portanto, mesmo que possa haver um
“agrupamento verdadeiro” de crenças políticas, estas considerações sugerem
fortemente que nem o agrupamento progressista nem o conservador o é.
3. As disputas políticas não são explicadas por valores
divergentes
As questões políticas são normativas; dizem respeito ao que as pessoas devem fazer:
deve o aborto ser permitido? Devemos cortar nos gastos militares? E assim por diante.
Talvez as disputas políticas persistam porque as pessoas partem de diferentes valores
fundamentais, e então corretamente raciocinam a partir desses valores e chegam a
conclusões politicamente divergentes.
Esta hipótese traz à tona a seguinte questão mais ampla: por que têm as pessoas
diferentes valores fundamentais? Se os valores são objetivos, então essa pergunta é tão
intrigante quanto a inicial (“Por que discordam as pessoas acerca de questões
políticas?”). Mas muitos acreditam que as questões relativas a valores não têm resposta
objetiva, e que os valores são apenas uma questão de sentimentos e preferências
pessoais. Isso tenderia a explicar, ou ao menos a não tornar surpreendente, a razão pela
qual várias pessoas têm valores divergentes e são incapazes de resolver essas diferenças
de valor.
Há três razões pelas quais discordo dessa explicação. A primeira é que as questões
de valor são objetivas e o anti-realismo moral é completamente injustificado.2 3 A
segunda razão é que essa hipótese falha em explicar o agrupamento de crenças descrito
anteriormente. Na Teoria dos Valores Divergentes, seria de esperar que os
agrupamentos de crenças políticas prevalecentes correspondessem a diferentes teorias
morais básicas. Assim, deveria haver alguma posição moral central que unisse todas ou
a maior parte das crenças políticas “progressistas”, e uma posição moral diferente que
unisse todas ou a maior parte das crenças políticas “conservadoras”. Que tese moral
subjacente sustenta as perspectivas segundo as quais a) o capitalismo é injusto, b) o
aborto é permissível, c) a pena de morte é má e d) as ações afirmativas são justas? Não
preciso afirmar aqui que essas crenças sempre andam juntas, mas apenas que estão
correlacionadas (se uma pessoa defende uma delas, provavelmente defenderá outra
delas); a hipótese dos Valores Divergentes não consegue explicar isso. E o exemplo
anterior sobre o aborto e os direitos dos animais (seção 2d) mostra que em alguns casos
os agrupamentos de crenças políticas que encontramos são o oposto do que
esperaríamos de pessoas que estivessem raciocinando corretamente a partir de teorias
morais fundamentais.
O terceiro problema, e o maior, com a teoria dos Valores Divergentes é que as
disputas políticas envolvem todo o tipo de disputas não-morais. As pessoas que
discordam acerca da justiça da pena de morte também tendem a discordar acerca
dos fatos não-morais sobre a pena de morte. Quem defende a pena de morte têm muito
mais probabilidades de acreditar que tem um efeito dissuasor, e que poucos inocentes
foram executados. Quem se opõe à pena de morte tende a acreditar que não tem um
efeito dissuasor, e que vários inocentes foram executados. Estas são questões factuais,
e meus valores morais não deveriam ter efeito sobre o que penso acerca dessas questões
factuais. Se a pena de morte dissuade criminosos ou não é algo a determinar pela análise
de provas estatísticas e de estudos científicos sobre o tema – e não invocando as nossas
crenças sobre a natureza da justiça. É claro que pode acontecer que os meus valores
morais afetem as minhas crenças sobre tais questões factuais porque sou irracional –
isso seria consistente com a teoria avançada nesse artigo.
Similarmente, as pessoas que defendem o controle de armas geralmente acreditam
que as leis de controle de armas reduzem crimes violentos de maneira significativa.
Aqueles que se opõem ao controle de armas geralmente acreditam que as leis de
controle de armas não reduzem crimes violentos de maneira significativa, e até mesmo
que aumentam os crimes violentos. Essa também é uma questão factual, e não se pode
determinar que efeito as leis de controle de armas têm na ocorrência de crimes
invocando as próprias crenças morais.
Como exemplo final, os socialistas tendem a culpar o capitalismo pela pobreza no
terceiro mundo; mas os defensores do capitalismo tipicamente o veem como
a solução da pobreza no terceiro mundo. Mais uma vez, essa é uma questão factual que
não pode ser resolvida invocando crenças morais.
Haverá algumas diferenças de valores fundamentais? Provavelmente. Algumas
discordâncias políticas se devem a discordâncias morais? Quase certamente que sim (as
ações afirmativas e o aborto são bons candidatos). Ainda assim, o ponto é
que várias discordâncias políticas são discordâncias factuais e não podem ser
explicadas – sem se invocar uma hipótese de irracionalidade – invocando discordâncias
morais.

4. Ignorância racional e irracionalidade racional


As considerações anteriores, à primeira vista, dão suporte à importância da
irracionalidade na explicação de discordâncias políticas – nenhuma das outras
explicações parece muito boa. Mas precisamos saber mais sobre a Teoria da
Irracionalidade – como e por que as pessoas são irracionais na política?
Primeiro, vejamos uma teoria relacionada. A teoria da Ignorância Racional diz que
as pessoas frequentemente escolhem – racionalmente – permanecer ignorantes porque
os custos de coletar informações são maiores que o valor esperado das informações.
Isso é frequentemente verdadeiro com relação à informação política. Para ilustrar, em
diversas ocasiões dei palestras sobre o assunto deste artigo, e sempre pergunto às
pessoas da audiência se sabem quem é o congressista que elegeram. A maioria não sabe.
Entre cidadãos mais velhos, talvez metade levante a mão; entre estudantes de faculdade,
talvez um quinto. Em seguida pergunto se alguém sabe qual foi a última votação
ocorrida no Congresso. Até agora, de centenas de pessoas a quem perguntei, nenhuma
respondeu afirmativamente. Por quê? Simplesmente não vale a pena perder tempo a
coletar essa informação. Se você tentasse se manter atualizado acerca de todo político
e burocrata que supostamente o estaria representando (ou servindo), você
provavelmente passaria toda sua vida fazendo isso. Ainda assim, isso não lhe traria bem
algum – talvez viesse a saber em que político votar na próxima eleição, mas os outros
milhares de eleitores no seu distrito iriam à mesma votar em quem quer que seja que
iriam votar antes de você coletar a sua informação.
Compare-se isso com o que ocorre quando você compra um produto no mercado. Se
você tirar um tempo para ler a Consumer Reports a fim decidir que tipo de carro
comprar, você sai e compra o carro escolhido. Mas se tirar um tempo para pesquisar os
registros das atividades dos políticos para decidir em quem votar, não obtém mesmo
assim o candidato que escolheu. Vai continuar com o candidato em quem a maioria da
população votou (a não ser que o resultado seja exatamente um empate, que é uma
possibilidade desprezível).4 Do ponto de vista do autointeresse, normalmente é
irracional coletar informação política.
Similarmente, a teoria da Irracionalidade Racional diz que as pessoas frequentemente
escolhem – racionalmente – adotar crenças irracionais porque os custos de formar
crenças racionais excedem os seus benefícios.5 Para entender isto, é preciso distinguir
dois significados da palavra “racional”:

 Racionalidade instrumental (ou “racionalidade meios-fim”): consiste em escolher os meios


corretos para se atingir os reais objetivos de alguém, dadas as reais crenças de alguém. Esse é o
tipo de racionalidade que economistas geralmente pressupõem ao explicar o comportamento
humano.
 Racionalidade epistêmica: consiste, grosso modo, em formar crenças de maneiras que conduzem
à verdade – aceitar crenças que são bem sustentadas por provas, evitar falácias lógicas, evitar
contradições, revisar as próprias crenças à luz de novas provas contrárias, e assim por diante. Esse
é o tipo de racionalidade que os livros de lógica e de pensamento crítico procuram estimular.

A teoria da Irracionalidade Racional diz que frequentemente


é instrumentalmente racional ser epistemicamente irracional. Em termos mais
coloquiais (mas menos precisos): as pessoas frequentemente pensam ilogicamente
porque é de seu interesse fazê-lo. Isso é particularmente comum em relação a crenças
políticas. Considere-se um dos exemplos de Caplan.6 Se eu acreditar, irracionalmente,
que as relações entre mim e as outras pessoas é prejudicial, sou eu quem suporta os
custos dessa crença. Mas se eu acreditar – também irracionalmente – que as relações
entre o meu país e os outros é prejudicial, não sou em quem suporta praticamente
nenhum dos custos dessa crença. Há uma probabilidade minúscula de que a minha
crença vá ter algum efeito sobre as políticas públicas; se isso acontecer, os custos serão
suportados pela sociedade como um todo; só uma porção insignificante terá de ser
suportada por mim pessoalmente. Por essa razão, tenho um incentivo para ser mais
racional acerca dos efeitos das relações que ocorrem no âmbito individual do que acerca
dos efeitos gerais das relações entre nações. Em geral, tal como não recebo quase
nenhum benefício na minha coleta de informação política, também não recebo quase
nenhum benefício ao pensar racionalmente sobre questões políticas.
A teoria da Irracionalidade Racional faz duas pressuposições centrais. Primeiro, os
indivíduos têm preferências não-epistêmicas de crença (também conhecidas como
“tendenciosismo”). Ou seja, há certas coisas em que as pessoas querem acreditar, por
razões independentes do valor de verdade de certas proposições ou do quão bem
sustentadas por provas o estejam. Segundo, os indivíduos podem exercer algum
controle sobre suas crenças. Dada a primeira pressuposição, há um “custo” em se pensar
racionalmente – nomeadamente, pode-se acabar não acreditando no que se queria
acreditar. Dada a segunda pressuposição (e dado que os indivíduos
são instrumentalmente racionais), a maioria das pessoas vai aceitar esse custo apenas
se receberem maiores benefícios por pensarem racionalmente. Mas visto que os
indivíduos não recebem quase nenhum benefício por serem epistemicamente racionais
acerca de questões políticas, é de prever que as pessoas vão frequentemente escolher
ser epistemicamente irracionais acerca de questões políticas.
Pode ser que haja pessoas para as quais ser epistemicamente racional seja, em si, um
valor suficientemente grande para superar quaisquer outras preferências que possam ter
relativas às suas próprias crenças. Tais pessoas continuariam a ser epistemicamente
racionais até mesmo em questões políticas. Mas não há razão para esperar que todo o
mundo teria esse tipo de estrutura de preferência. Para explicar por que alguns
adotariam crenças políticas irracionais, precisamos apenas supor que algumas
preferências não-epistêmicas de crença dos indivíduos são mais fortes do que o seu
desejo (se é que há algum) de ser epistemicamente racional.
Nas duas seções seguintes, discutirei e defenderei as duas pressuposições centrais da
Teoria da Irracionalidade que acabei de mencionar.

5. Fontes das preferências de crença


Por que as pessoas preferem acreditar em algumas coisas que não são verdadeiras ou
não são sustentadas por provas? Que tipos de preferências não-epistêmicas de crença
nós temos?
Uma resposta razoavelmente detalhada exigiria um estudo psicológico extenso. Vou
mencionar só alguns fatores que parecem desempenhar algum papel no que as pessoas
preferem acreditar – sem dúvida, tais fatores merecem uma investigação posterior, e
também não há dúvida de que há outros fatores a serem considerados.

a. Tendenciosismo de interesse-próprio
As pessoas tendem a abraçar as crenças políticas que, se fossem geralmente aceitas, as
beneficiariam a elas mesmas ou ao grupo com o qual preferem identificar-se. Assim,
quem tem probabilidade de beneficiar de programas de ações afirmativas tem maior
probabilidade de acreditar na justiça de tais programas, os professores das escolas
públicas têm maior probabilidade de apoiar um aumento nos gastos com a educação
pública, e os médicos já existentes têm maior probabilidade de apoiar exigências mais
restritas de formação de novos médicos.
A frase em itálico, “o grupo com o qual preferem identificar-se”, é importante em
alguns casos. Os professores universitários, por exemplo, preferem identificar-se com
a classe trabalhadora e não com os empresários; consequentemente, apoiam políticas
que consideram benéficas para os trabalhadores. Como este exemplo ilustra, um grupo
com o qual alguém se identifica não tem de ser um grupo ao qual alguém de fato
pertence. (Por essa razão, o termo “tendenciosismo de interesse-próprio” é levemente
enganador.)

b. As crenças constroem a imagem de si


As pessoas preferem manter crenças políticas que melhor se encaixam com a imagem
de si mesmas que elas querem adotar e projetar. Por exemplo, uma pessoa pode querer
apresentar-se (tanto para si própria como para outras pessoas) como uma pessoa
compassiva e generosa. Nesse caso, será motivada a endossar a desejabilidade e a
justiça de programas de bem-estar social, e até mesmo a exigir um aumento nesse tipo
de despesa (independentemente de qual seja o nível atual de despesa), apresentando-se
assim como mais generosa/compassiva que quem estabeleceu o sistema atual. Outra
pessoa pode querer apresentar-se como durona, caso em que será motivada a advogar o
aumento em despesas militares (novamente, independentemente do nível atual de
despesa), apresentando-se assim como mais durona que quem estabeleceu o sistema
atual.
Presumivelmente, foi por reconhecimento desse viés que o presidente Bush definiu a
sua filosofia como “conservadorismo compassivo”.7 O grau de compaixão dos
conservadores não tem relevância lógica para os méritos das políticas conservadoras,
mas Bush evidentemente percebeu que alguns indivíduos gravitam ao redor do
progressismo a partir de um desejo de ser (ou de ser visto como) compassivo.
c. As crenças como ferramentas de integração social
As pessoas preferem ter as crenças políticas de outras pessoas de quem gostam e com
quem querem se associar. É improvável que uma pessoa que não gosta da maioria dos
conservadores passe a ter crenças conservadoras. Analogamente, a atração física das
pessoas influencia a tendência dos outros a concordarem politicamente com elas. Um
estudo das eleições federais canadenses descobriu que os candidatos atraentes recebiam
mais do dobro dos votos do que os candidatos que não são atraentes – apesar de a
maioria dos entrevistados negar nos termos mais fortes possíveis que a atração física
tenha tido qualquer influência nos seus votos.8
O papel social de crenças políticas provavelmente explica boa parte do agrupamento
de crenças sem relação lógica. As pessoas com as mesmas orientações políticas têm
maior probabilidade de passar mais tempo juntas do que as pessoas com orientações
políticas divergentes. Uma boa quantidade de provas mostra que as pessoas tendem a
se conformar às crenças e disposições dos que os rodeiam, particularmente daqueles
que veem como semelhantes a si mesmas.9 Assim, pessoas com um nível substancial de
concordância política inicial tenderão a convergir mais ao longo do tempo – ainda que
a coleção particular de crenças sobre as quais há convergência possa ser largamente
uma questão historicamente acidental (daí a dificuldade de elaborar um princípio geral
que una as crenças progressistas ou as conservadoras).

d. Tendenciosismo de coerência
As pessoas são tendenciosas acerca de crenças que “caem bem” com as suas crenças
prévias. É claro que, em certo sentido, a tendência para preferir crenças que combinam
com um sistema de crenças prévio é um procedimento racional, e não tendencioso. Mas
essa tendência também pode funcionar como tendenciosamente. Por exemplo, há
muitas pessoas que acreditam que a pena de morte reduz o crime e muitas pessoas que
acreditam que não há tal redução; há também várias pessoas que acreditam que gente
inocente é frequentemente condenada e várias pessoas que creem que isso não acontece.
Mas há relativamente poucas pessoas que ao mesmo tempo pensam que a pena de morte
reduz o crime e que várias pessoas inocentes são condenadas. Da mesma maneira,
poucas pessoas acreditam que a pena de morte não consegue reduzir o crime, mas que
pouca gente inocente é condenada. Em outras palavras, as pessoas tenderão ou a adotar
as duas crenças factuais que tenderiam a fortalecer o partido favorável à pena de morte,
ou a adotar as duas crenças factuais que tenderiam a enfraquecer o partido favorável à
pena de morte. Num caso similar, relativamente poucas pessoas acreditam que o uso de
drogas é extremamente prejudicial à sociedade, mas que as leis contra as drogas não
são e continuarão a não ser eficazes. No entanto, a priori, não há razão para se pensar
que tais posições (i.e., posições nas quais uma razão a favor de uma política particular
e uma razão contra essa política têm ambas uma base factual sólida) deveriam ser
menos prováveis do que as posições que são de fato prevalecentes (i.e., posições
segundo as quais todas as considerações relevantes apontam na mesma direção).
Num estudo psicológico, os sujeitos foram expostos a provas de estudos sobre o efeito
dissuasor da pena de morte. Um estudo concluiu que a pena de morte tem um efeito
dissuasor, e outro concluiu que esse efeito não existe. Todos os sujeitos da experiência
tiveram em mãos resumos dos dois estudos, e foi-lhes pedido que avaliassem qual era
a conclusão, no geral, mais sustentada pelas provas que tinham acabado de ver. O
resultado foi que quem inicialmente já apoiava a pena de morte alegou que as provas
de que tiveram conhecimento sustentam, no geral, que a pena de morte tem um efeito
dissuasor. Quem inicialmente já se opunha à pena de morte achou que essas mesmas
provas sustentam, no geral, a conclusão de que a pena de morte não tem efeito dissuasor.
Em cada caso, os partidários deram razões (ou racionalizações) para explicar por que o
estudo cuja conclusão favorecia a sua própria posição era metodologicamente superior
ao outro. Isso aponta para uma razão pela qual as pessoas tendem a ficar polarizadas
sobre questões políticas: tendemos a avaliar provas que apontam em direções diferentes
para sustentar crenças que já temos inclinação para adotar – caso em que aumentamos
o nosso grau de crença.10

6. Mecanismos de fixação de crença


A teoria defendida nas duas últimas seções pressupõe que as pessoas têm controle sobre
as suas próprias crenças; explica as crenças das pessoas da mesma maneira que
geralmente explicamos as ações das pessoas (invocando os seus desejos). Mas vários
filósofos pensam que não podemos controlar nossas crenças – ao menos não
diretamente.11 Para mostrá-lo, costumam dar exemplos de proposições obviamente
falsas e então perguntam se você pode acreditar nelas – por exemplo, você pode, se
quiser, acreditar que está neste momento no planeta Vênus?
Talvez não possamos acreditar em proposições obviamente falsas por vontade
própria. Ainda assim, podemos exercer um controle substancial sobre as nossas crenças
políticas. Um “mecanismo de fixação de crenças” é uma maneira por meio da qual
podemos nos fazer acreditar nas coisas que queremos acreditar. Vejamos alguns desses
mecanismos.

a. Ponderação tendenciosa de provas


Um método é simplesmente atribuir um pouco mais do que o peso devido às provas que
suportam a perspectiva que se prefere, e atribuir um pouco menos de peso às provas que
enfraquecem tal perspectiva. Esse método requer apenas um pequeno desvio da
racionalidade perfeita em cada caso, mas pode ter grandes efeitos quando aplicado
consistentemente a uma grande diversidade de provas. A ponderação tendenciosa não
tem de ser inteiramente consciente; os nossos desejos de apoiar uma dada conclusão
podem ter o efeito de vermos cada prova favorável como um pouco mais importante.
Um fenômeno relacionado é que temos mais facilidade em recordar fatos ou
experiências que sustentam as nossas crenças, em detrimento daquilo que as
enfraquece.

b. Atenção e energia seletivas


A maioria de nós passa mais tempo pensando em argumentos que apoiam as nossas
crenças do que em argumentos que apoiam crenças alternativas. Em resultado, os
argumentos que sustentam as nossas crenças têm mais impacto psicológico em nós, e
tendemos a ficar menos dispostos a dar atenção a razões para duvidar das nossas
crenças. Quando ouvimos um argumento a favor de uma conclusão na qual não
acreditamos, a maioria de nós imediatamente se prepara para descobrir “o que está
errado com o argumento”. Mas quando ouvimos um argumento a favor de uma
conclusão na qual acreditamos, estamos muito mais dispostos a aceitar o argumento tal
como está em vez de procurar algo de errado, solidificando assim nossa crença. Isso é
ilustrado pelo experimento acerca da pena de morte mencionado anteriormente (seção
5d): os pacientes colocaram sob escrutínio minucioso aqueles estudos com os quais
discordavam, procurando falhas metodológicas, ao passo que aceitaram sem maiores
esforços os estudos com cuja conclusão concordavam. Quase todos os estudos possuem
algum tipo de imperfeição epistemológica, de modo que essa técnica permite manter
quaisquer crenças factuais que se quiser sobre a sociedade.

c. Seleção de fontes de prova


De maneira semelhante à anterior, as pessoas podem selecionar a quem ouvir para obter
informações e argumentos sobre questões políticas. Se você vir alguém sentado no
aeroporto lendo o National Review, imagina que seja um conservador. Já o homem
lendo o New Republic é presumivelmente um progressista. Similarmente, os
conservadores tendem a ter amigos conservadores, de quem eles ouvem argumentos
conservadores, ao passo que os progressistas têm amigos progressistas. Uma das razões
é que é desagradável ouvir afirmações e argumentos partidários (ou, como se pode
chamar também, “tendenciosos”), a menos que concordemos com eles. Outra razão
pode ser que simplesmente não queremos ser expostos a informações que possam
enfraquecer as crenças que queremos ter. Se eu não ouvir as pessoas de quem discordo,
é praticamente impossível mudar as minhas crenças. (Raramente é o caso de um lado
do debate ser tão incompetente a ponto de não conseguir vencer tendo 95% do tempo
para falar.)

d. Argumentos subjetivos, especulativos e fortuitos


As pessoas frequentemente se valem de argumentos fortuitos – argumentos que
invocam exemplos particulares em vez de estatísticas – para sustentar generalizações.
Por exemplo, ao dizer que o sistema de justiça americano é ineficiente, posso citar os
julgamentos de O. J. Simpson e dos irmãos Menedez. Obviamente, o problema é que
um único caso, ou até mesmo diversos casos, constitui prova insuficiente para se fazer
generalizações indutivas. Cito isso como mecanismo de fixação de crença porque, para
a maioria das questões sociais controversas, sempre haverá casos que sustentam duas
generalizações contrárias quaisquer – certamente haveria casos que alguém poderia
citar em que o sistema de justiça funcionou corretamente, por exemplo. Assim, o
método fortuito é normalmente capaz de sustentar qualquer crença que queiramos
manter.
Uma afirmação “subjetiva”, no sentido aqui relevante, é aquela que é difícil de refutar
decisivamente porque exige algum tipo de ultimato subjetivo. Há graus de
subjetividade. Por exemplo, a frase “os programas americanos de televisão são muito
violentos” é relativamente subjetiva. Uma frase menos subjetiva seria “o número de
mortes retratadas numa hora média na programação da televisão americana é maior que
o número de mortes retratadas numa hora média na programação da televisão britânica”.
A segunda frase requer menos juízo subjetivo para a sua avaliação. Os cientistas têm
criado maneiras de reduzir o máximo possível a sua dependência de frases subjetivas
para avaliar as suas teorias – um cientista defendendo uma teoria deve usar afirmações
relativamente objetivas como prova. Mas no campo da política as afirmações subjetivas
são abundantes. As afirmações subjetivas são mais facilmente influenciadas por
tendenciosismos; consequentemente, depender desse tipo de afirmações para avaliar
teorias torna mais fácil acreditar no que queremos acreditar.
Um fenômeno relacionado é depender de juízos especulativos. Trata-se de juízos que
podem ter condições de verdade claras, mas simplesmente há falta de provas decisivas
contra ou a favor deles. Por exemplo, “a Guerra Civil foi causada primariamente por
motivos econômicos” é uma frase especulativa; “esta mesa tem aproximadamente 1,5
metro de altura” não é. Nas ciências, fazemos as nossas teorias dependerem o máximo
possível de afirmações não-especulativas como a segunda. Na política, é frequente
tratar especulações como provas a favor ou contra teorias políticas. Pessoas com
perspectivas políticas iniciais opostas tenderão a considerar especulações opostas
plausíveis, fazendo que cada um mantenha o que quer acreditar.
Uma implicação interessante surge a partir da consideração dos mecanismos de
fixação de crença. Normalmente, a inteligência e a educação auxiliam a aquisição de
crenças verdadeiras. Mas quando um indivíduo tem preferências não-epistêmicas de
crença nem sempre isso é assim; um alto nível de inteligência e um amplo conhecimento
podem piorar a probabilidade de um indivíduo formar uma crença verdadeira (ver
gráfico abaixo).12 A razão é que uma pessoa tendenciosa usa a sua inteligência e
educação como instrumentos para a racionalização de crenças. As pessoas muito
inteligentes podem pensar em racionalizações para suas crenças em situações nas quais
os menos inteligentes seriam forçados a desistir e conceder que erraram, e as pessoas
muito educadas têm mais reservas de informações, a partir das quais podem procurar
seletivamente informações que apoiam uma crença preferida. Assim, é quase
impossível mudar a cabeça de um acadêmico sobre qualquer assunto importante,
especialmente quando se trata do seu próprio campo de estudo. Isso é particularmente
verdadeiro no caso de filósofos (a minha própria ocupação), que são profissionais em
argumentação.

Probabilidade de se chegar à verdade com diferentes traços


intelectuais

Inteligência Tendenciosismo

1. + - (melhor caso)
2. - -

3. - +

4. + + (pior caso)

7. O que fazer
A irracionalidade política é o maior problema social que a humanidade enfrenta. É um
problema maior que o crime, que o vício em drogas ou até mesmo que a pobreza
mundial, pois se trata de um problema que nos impede de resolver outros problemas.
Antes de podermos resolver o problema da pobreza, devemos antes de mais nada ter
crenças corretas sobre a pobreza: o que a causa, o que a reduz, e quais são os efeitos
colaterais de políticas alternativas. Se as nossas crenças sobre essas coisas são guiadas
pelo grupo social ao qual queremos pertencer, pela autoimagem que queremos manter,
pelo desejo de evitar admitir que estivemos errados no passado, e assim por diante,
então seria puro acidente se um número suficiente de nós de fato formasse crenças
verdadeiras para resolver o problema. Uma analogia: suponha que você vai ao médico,
se queixando de uma doença. O médico então tira de uma cartola um procedimento
médico para realizar. Você teria sorte se o procedimento não piorasse sua situação.
O que podemos fazer em relação a esse problema?
Primeiro: Entender a natureza da irracionalidade política é, por si, um grande passo
para combatê-la. Em particular, a atenção explícita aos mecanismos discutidos na seção
6 deve fazer com que se evite utilizá-los. Quando estivermos aprendendo sobre uma
questão política, por exemplo, devemos coletar informação de gente de todos os lados
da questão. Devemos passar um tempo pensando sobre objeções aos nossos próprios
argumentos. Quando nos sentirmos inclinados a fazer uma afirmação política, devemos
parar para nos perguntarmos que razões temos para acreditar nela, e devemos tentar
acessar o caráter subjetivo, especulativo e fortuito dessas razões – e talvez reduzir a
nossa confiança nelas de acordo com a variação de tal caráter.
Segundo: Devemos identificar casos em que somos particularmente suscetíveis a ser
tendenciosos, e então hesitar em assentir as crenças que seriam alvo do nosso
tendenciosismo. (Nota: as pesquisas indicam que maioria das pessoas se considera mais
inteligente, mais imparcial e menos tendenciosa que uma pessoa média – mas a maioria
dessas crenças são elas mesmas tendenciosas.13) Nesses casos inclui-se:

a. Casos em que os nossos próprios interesses estão envolvidos.


b. Questões sobre as quais temos fortes reações emocionais. Se, por exemplo, você se chateia quando
conversa sobre o aborto, então as suas crenças sobre esse tema provavelmente não são confiáveis.
c. Se as suas crenças tendem a se agrupar do jeito tradicional (ver seção 2d), então várias são
provavelmente produto de tendenciosismo.
d. Se as suas crenças políticas são largamente o que seria de se esperar com base na sua raça, no seu
sexo, na sua ocupação e nos seus traços de personalidade, então a maioria delas é provavelmente
produto de tendenciosismo.
e. Se tem uma opinião sobre uma questão empírica antes de coletar dados empíricos – ou se as suas
crenças sobre alguma questão não mudam quando você coleta muito mais dados –, então
provavelmente é tendencioso acerca dessa questão. Para citar um exemplo particularmente
impressionante: 41% dos americanos acredita que ajuda externa é uma das duas áreas em que há
mais despesa do governo federal.14 Essa crença poderia ser facilmente conferida de maneira direta,
e mostraria que é terrivelmente imprecisa; portanto, aparentemente, essa tem de ser uma crença
sustentada na ausência de provas.

Terceiro: Devemos reparar na irracionalidade de terceiros e, nessa exata medida, ajustar


nosso grau de confiança na informação transmitida. Deve-se reconhecer que muito da
informação apresentada em debates políticos é provavelmente a) falsa, b) altamente
capciosa e/ou c) incompleta. Esta é uma das razões pelas quais precisamos ouvir os dois
lados antes de aceitar qualquer argumento. Logicamente, o problema é que, ao ouvir
um indivíduo argumentando em defesa de uma posição específica,
estamos selecionando provas. As provas que aquele indivíduo nos apresenta não são
uma seleção aleatória das provas disponíveis; todas as provas contra a conclusão sendo
defendida foi deixada de fora. Se tivermos isso em mente, devemos ficar muito menos
impressionados com os argumentos dos ideólogos políticos. Exemplo: um proponente
do controle de armas apresenta estatísticas de assassinato na Inglaterra (que tem um
controle estrito de armas) e nos Estados Unidos (que tem menos controle de armas). Os
números parecem ser impressionantes. E então nos lembramos que Inglaterra e Estados
Unidos não foram aleatoriamente selecionados entre os países dos quais temos dados –
provavelmente foram escolhidos porque são os casos mais favoráveis à posição sendo
defendida, sendo os casos mais desfavoráveis excluídos.
Quarto: Deve você acusar os outros de irracionalidade se suspeitar que são
irracionais? Há um dilema aqui. Por um lado, reconhecer a irracionalidade de alguém
pode ser necessário para combatê-la. Meramente apresentar provas sobre a questão em
disputa pode não ser suficiente, visto que essas provas vão continuar a ser analisadas
irracionalmente. A vítima do tendenciosismo pode precisar de um esforço consciente
para combatê-los. Por outro lado, as pessoas que são acusadas de serem irracionais
podem encarar a acusação como um ataque pessoal, e não como um ponto relevante
para o debate político, e assim responder defensivamente. Se isso ocorrer, é quase
impossível que elas mudem a sua posição política.
Testemunhei poucas conversões políticas, de modo que o máximo que posso oferecer
é uma especulação de como poderia ocorrer. Para começar, para que uma pessoa seja
persuadida a mudar de posição, não deve ver o debate como uma competição pessoal.
Por essa razão, devemos ter cuidado para evitar até mesmo observações levemente
ofensivas no percurso de discussões políticas – sejam elas direcionadas aos indivíduos
presentes ou a terceiros com quem eles possam se identificar.
Uma segunda sugestão é que se deve primeiro tentar levar o interlocutor a suspender
o juízo, em vez de tentar levá-lo a uma posição oposta à sua. Pode-se tentar realizar isso
primeiro ao identificar afirmações empíricas das quais a sua posição depende. Após
assegurar concordância acerca de quais são as questões empíricas relevantes, pode-se
tentar assegurar concordância acerca de qual tipo de provas seria necessário para
resolver tais questões. Na maioria dos casos, pode-se então apontar que nenhuma das
partes da discussão realmente tem esse tipo de provas. A linha de raciocínio por trás
desse procedimento é a de que a pergunta “que tipo de provas é relevante para X?” é
normalmente mais fácil de responder do que a perguntar “X é verdadeiro?”. Por
exemplo: suponha que está discutindo com alguém sobre o porquê de os Estados Unidos
ter um alto índice de crimes violentos. A outra pessoa sugere que isso se deve à
violência na TV e nos filmes. Essa é uma afirmação empírica. Como descobriríamos se
ela é verdadeira? Aqui estão algumas sugestões: uma série de dados temporais sobre a
quantidade de violência retratada na televisão (por exemplo, o número de assassinatos
por cada hora de entretenimento) durante um período de vários anos; índices de crimes
violentos durante o mesmo período de tempo; dados similares de outros países; estudos
psicológicos de criminosos violentos de fato que tenham tirado conclusões acerca dos
motivos pelos quais os crimes foram cometidos; dados sobre a correlação estatística
entre possuir uma televisão e a ocorrência de crimes; dados sobre a correlação estatística
entre o número de horas que indivíduos passam assistindo e o risco de virem a cometer
crimes. Esses são só alguns exemplos. O ponto importante é que, na maioria dos casos,
nenhuma das partes do debate tem qualquer dado desse tipo. Ao se aperceber disso,
ambas as partes devem concordar em suspender o juízo sobre se a violência na televisão
contribui para a ocorrência de crimes, e quanto contribui.
A minha terceira e última sugestão é demonstrar imparcialidade, o que pode induzir
um interlocutor a ter confiança e a demonstrar imparcialidade similar. Pode-se
demonstrar imparcialidade a) ao restringir apropriadamente as afirmações – ou seja,
reconhecer possíveis limitações no próprio argumento e não fazer afirmações mais
fortes do que é assegurado pelas provas; b) trazer provas que sabidamente militam
contra a própria posição favorecida; c) reconhecer pontos corretos feitos pelo
interlocutor.15
Não sei se estas sugestões seriam bem-sucedidas. Parecem entrar em conflito com a
prática aceita entre aqueles que podemos considerar profissionais no debate político;
por outro lado, a prática aceita parece altamente malsucedida em produzir concordância
(mas parece bem-sucedida em produzir polarização, i.e., aumentar a confiança daqueles
que já mantêm uma posição particular).

8. Sumário
Baseando-se no nível de discordância, os seres humanos são muito pouco confiáveis
para identificar afirmações políticas corretas. Isso é extremamente lamentável, visto
que significa que temos pouca probabilidade de resolver problemas sociais e uma boa
probabilidade de criá-los ou exacerbá-los. A melhor explicação reside na teoria da
Irracionalidade Racional: os indivíduos obtêm recompensas psicológicas por manter
certas crenças políticas, e já que cada indivíduo não sofre quase nenhum prejuízo
causado por suas próprias crenças políticas falsas, frequentemente faz sentido (pois dá
o que ele quer) adotar tais crenças independentemente de serem verdadeiras ou de
estarem bem sustentadas.
As crenças que as pessoas querem manter são frequentemente determinadas pelo seu
autointeresse, pelo grupo ao qual se quer pertencer, pela autoimagem que se quer
manter, e pelo desejo de querer se manter coerente com as próprias crenças anteriores.
As pessoas podem lançar mão de vários mecanismos para as habilitar a adotar e manter
as suas crenças preferidas, incluindo-se aqui fazer uma avaliação tendenciosa das
provas, focar a sua atenção e energia em argumentos que favorecem as suas próprias
crenças preferidas, coletar provas apenas de fontes com as quais já se concorda, e se
valer de afirmações subjetivas, especulativas e fortuitas como provas a favor de teorias
políticas.
A hipótese da irracionalidade é superior às explicações alternativas devido à sua
capacidade para explicar diversas características das crenças e discussões políticas: o
fato de as pessoas manterem as suas crenças políticas com um alto grau de confiança,
o fato de as crenças políticas estarem correlacionadas com fatores como a raça, o sexo,
a ocupação e outros traços cognitivamente irrelevantes, e o fato de numerosas crenças
políticas sem relação lógica – e até mesmo, em alguns casos, crenças que racionalmente
se enfraquecem entre si – tenderem a existir em conjunto. Essas características das
crenças políticas não são explicadas pelas hipóteses segundo as quais as questões
políticas são meramente muito difíceis, que não coletamos informação suficiente acerca
delas, ou que as disputas políticas são causadas primariamente pela divergência dos
sistemas de valores fundamentais das pessoas.
Pode ser possível combater a irracionalidade política, primeiro, ao reconhecer a nossa
própria suscetibilidade ao tendenciosismo. Deve-se reconhecer os casos em que há
maior probabilidade de ser tendencioso (como questões que despertam fortes emoções),
e deve-se conscientemente evitar usar os mecanismos discutidos anteriormente, que
servem para manter crenças irracionais. Perante o tendenciosismo generalizado, deve-
se também tomar uma postura cética acerca de provas apresentadas por terceiros,
reconhecendo que as provas provavelmente foram selecionadas e de alguma maneira
distorcidas. Por último, é possível combater a irracionalidade dos outros ao identificar
o tipo de provas empíricas que se exigem para testar as afirmações proferidas, bem
como ao fazer uma abordagem imparcial e cooperativa, em vez de combativa, nas
discussões. Ainda é uma questão de especulação saber se essas medidas irão aliviar
significativamente o problema da irracionalidade política.

Michael Huemer
Publicado originalmente na página web do autor.

Referências
 Caplan, Bryan. 2003. “The Logic of Collective Belief”, Rationality and Society 15: 218–42.
 Caplan, Bryan. 2007. The Myth of the Rational Voter. Princeton, N.J.: Princeton University Press.
 Cialdini, Robert B. 1993. Influence: The Psychology of Persuasion. New York: William Morrow
& Company.
 Downs, Anthony. 1957. An Economic Theory of Democracy. New York: Harper.
 Feynman, Richard. 1974. “Cargo Cult Science”, commencement address at Caltech. Reprinted in
Richard Feynman, Surely You’re Joking, Mr. Feynman (New York: Bantam Books, 1989).
 Friedman, David. 1989. The Machinery of Freedom. LaSalle, Ill.: Open Court.
 Gilovich, Thomas. 1991. How We Know What Isn’t So. New York: Free Press.
 Hanson, Robin and Tyler Cowen. 2003. “Are Disagreements Honest?” Unpublished ms.,
http://hanson.gmu.edu/deceive.pdf.
 Huemer, Michael. 2005. Ethical Intuitionism. New York: Palgrave Macmillan.
 Hume, David. 1975. An Enquiry Concerning Human Understanding in Enquiries Concerning
Human Understanding and Concerning the Principles of Morals, edited by L.A. Selby-Bigge.
Oxford: Clarendon.
 Kornblith, Hilary. 1999. “Distrusting Reason”, Midwest Studies in Philosophy 23: 181–96.
 Owens, David. 2000. Reason without Freedom: The Problem of Epistemic Normativity. London:
Routledge.
Notas
1. Ver Huemer 2005. ↩︎
2. http://www.owl232.net/objectiv.htm ↩︎
3. Friedman (1989, pp. 156–9) faz essa observação. ↩︎
4. A teoria tem origem em Caplan (2007). ↩︎
5. Caplan 2003, pp. 221–2. ↩︎
6. Num discurso proferido em 20 de abril de 2002. ↩︎
7. Cialdini 1993, p. 171. ↩︎
8. Cialdini 1993, cap. 4. ↩︎
9. Resumido em Gilovich 1991, pp. 53–4. ↩︎
10. E.g., Hume (1975, seção V.II) e Owens (2000). ↩︎
11. Kornblith (1999, p. 182) faz essa observação. ↩︎
12. Gilovich 1991, p. 77. ↩︎
13. Caplan 2007, pp. 79–80. A ajuda externa na verdade é menos de 1% da despesa. ↩︎
14. Compare-se com a excelente discussão feita por Feynman (1974) sobre os requisitos da ciência,
fazendo um paralelo com os pontos a e b. ↩︎

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