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política
Michael Huemer
Tradução de Hélio S. C. Carneiro
a. Tendenciosismo de interesse-próprio
As pessoas tendem a abraçar as crenças políticas que, se fossem geralmente aceitas, as
beneficiariam a elas mesmas ou ao grupo com o qual preferem identificar-se. Assim,
quem tem probabilidade de beneficiar de programas de ações afirmativas tem maior
probabilidade de acreditar na justiça de tais programas, os professores das escolas
públicas têm maior probabilidade de apoiar um aumento nos gastos com a educação
pública, e os médicos já existentes têm maior probabilidade de apoiar exigências mais
restritas de formação de novos médicos.
A frase em itálico, “o grupo com o qual preferem identificar-se”, é importante em
alguns casos. Os professores universitários, por exemplo, preferem identificar-se com
a classe trabalhadora e não com os empresários; consequentemente, apoiam políticas
que consideram benéficas para os trabalhadores. Como este exemplo ilustra, um grupo
com o qual alguém se identifica não tem de ser um grupo ao qual alguém de fato
pertence. (Por essa razão, o termo “tendenciosismo de interesse-próprio” é levemente
enganador.)
d. Tendenciosismo de coerência
As pessoas são tendenciosas acerca de crenças que “caem bem” com as suas crenças
prévias. É claro que, em certo sentido, a tendência para preferir crenças que combinam
com um sistema de crenças prévio é um procedimento racional, e não tendencioso. Mas
essa tendência também pode funcionar como tendenciosamente. Por exemplo, há
muitas pessoas que acreditam que a pena de morte reduz o crime e muitas pessoas que
acreditam que não há tal redução; há também várias pessoas que acreditam que gente
inocente é frequentemente condenada e várias pessoas que creem que isso não acontece.
Mas há relativamente poucas pessoas que ao mesmo tempo pensam que a pena de morte
reduz o crime e que várias pessoas inocentes são condenadas. Da mesma maneira,
poucas pessoas acreditam que a pena de morte não consegue reduzir o crime, mas que
pouca gente inocente é condenada. Em outras palavras, as pessoas tenderão ou a adotar
as duas crenças factuais que tenderiam a fortalecer o partido favorável à pena de morte,
ou a adotar as duas crenças factuais que tenderiam a enfraquecer o partido favorável à
pena de morte. Num caso similar, relativamente poucas pessoas acreditam que o uso de
drogas é extremamente prejudicial à sociedade, mas que as leis contra as drogas não
são e continuarão a não ser eficazes. No entanto, a priori, não há razão para se pensar
que tais posições (i.e., posições nas quais uma razão a favor de uma política particular
e uma razão contra essa política têm ambas uma base factual sólida) deveriam ser
menos prováveis do que as posições que são de fato prevalecentes (i.e., posições
segundo as quais todas as considerações relevantes apontam na mesma direção).
Num estudo psicológico, os sujeitos foram expostos a provas de estudos sobre o efeito
dissuasor da pena de morte. Um estudo concluiu que a pena de morte tem um efeito
dissuasor, e outro concluiu que esse efeito não existe. Todos os sujeitos da experiência
tiveram em mãos resumos dos dois estudos, e foi-lhes pedido que avaliassem qual era
a conclusão, no geral, mais sustentada pelas provas que tinham acabado de ver. O
resultado foi que quem inicialmente já apoiava a pena de morte alegou que as provas
de que tiveram conhecimento sustentam, no geral, que a pena de morte tem um efeito
dissuasor. Quem inicialmente já se opunha à pena de morte achou que essas mesmas
provas sustentam, no geral, a conclusão de que a pena de morte não tem efeito dissuasor.
Em cada caso, os partidários deram razões (ou racionalizações) para explicar por que o
estudo cuja conclusão favorecia a sua própria posição era metodologicamente superior
ao outro. Isso aponta para uma razão pela qual as pessoas tendem a ficar polarizadas
sobre questões políticas: tendemos a avaliar provas que apontam em direções diferentes
para sustentar crenças que já temos inclinação para adotar – caso em que aumentamos
o nosso grau de crença.10
Inteligência Tendenciosismo
1. + - (melhor caso)
2. - -
3. - +
4. + + (pior caso)
7. O que fazer
A irracionalidade política é o maior problema social que a humanidade enfrenta. É um
problema maior que o crime, que o vício em drogas ou até mesmo que a pobreza
mundial, pois se trata de um problema que nos impede de resolver outros problemas.
Antes de podermos resolver o problema da pobreza, devemos antes de mais nada ter
crenças corretas sobre a pobreza: o que a causa, o que a reduz, e quais são os efeitos
colaterais de políticas alternativas. Se as nossas crenças sobre essas coisas são guiadas
pelo grupo social ao qual queremos pertencer, pela autoimagem que queremos manter,
pelo desejo de evitar admitir que estivemos errados no passado, e assim por diante,
então seria puro acidente se um número suficiente de nós de fato formasse crenças
verdadeiras para resolver o problema. Uma analogia: suponha que você vai ao médico,
se queixando de uma doença. O médico então tira de uma cartola um procedimento
médico para realizar. Você teria sorte se o procedimento não piorasse sua situação.
O que podemos fazer em relação a esse problema?
Primeiro: Entender a natureza da irracionalidade política é, por si, um grande passo
para combatê-la. Em particular, a atenção explícita aos mecanismos discutidos na seção
6 deve fazer com que se evite utilizá-los. Quando estivermos aprendendo sobre uma
questão política, por exemplo, devemos coletar informação de gente de todos os lados
da questão. Devemos passar um tempo pensando sobre objeções aos nossos próprios
argumentos. Quando nos sentirmos inclinados a fazer uma afirmação política, devemos
parar para nos perguntarmos que razões temos para acreditar nela, e devemos tentar
acessar o caráter subjetivo, especulativo e fortuito dessas razões – e talvez reduzir a
nossa confiança nelas de acordo com a variação de tal caráter.
Segundo: Devemos identificar casos em que somos particularmente suscetíveis a ser
tendenciosos, e então hesitar em assentir as crenças que seriam alvo do nosso
tendenciosismo. (Nota: as pesquisas indicam que maioria das pessoas se considera mais
inteligente, mais imparcial e menos tendenciosa que uma pessoa média – mas a maioria
dessas crenças são elas mesmas tendenciosas.13) Nesses casos inclui-se:
8. Sumário
Baseando-se no nível de discordância, os seres humanos são muito pouco confiáveis
para identificar afirmações políticas corretas. Isso é extremamente lamentável, visto
que significa que temos pouca probabilidade de resolver problemas sociais e uma boa
probabilidade de criá-los ou exacerbá-los. A melhor explicação reside na teoria da
Irracionalidade Racional: os indivíduos obtêm recompensas psicológicas por manter
certas crenças políticas, e já que cada indivíduo não sofre quase nenhum prejuízo
causado por suas próprias crenças políticas falsas, frequentemente faz sentido (pois dá
o que ele quer) adotar tais crenças independentemente de serem verdadeiras ou de
estarem bem sustentadas.
As crenças que as pessoas querem manter são frequentemente determinadas pelo seu
autointeresse, pelo grupo ao qual se quer pertencer, pela autoimagem que se quer
manter, e pelo desejo de querer se manter coerente com as próprias crenças anteriores.
As pessoas podem lançar mão de vários mecanismos para as habilitar a adotar e manter
as suas crenças preferidas, incluindo-se aqui fazer uma avaliação tendenciosa das
provas, focar a sua atenção e energia em argumentos que favorecem as suas próprias
crenças preferidas, coletar provas apenas de fontes com as quais já se concorda, e se
valer de afirmações subjetivas, especulativas e fortuitas como provas a favor de teorias
políticas.
A hipótese da irracionalidade é superior às explicações alternativas devido à sua
capacidade para explicar diversas características das crenças e discussões políticas: o
fato de as pessoas manterem as suas crenças políticas com um alto grau de confiança,
o fato de as crenças políticas estarem correlacionadas com fatores como a raça, o sexo,
a ocupação e outros traços cognitivamente irrelevantes, e o fato de numerosas crenças
políticas sem relação lógica – e até mesmo, em alguns casos, crenças que racionalmente
se enfraquecem entre si – tenderem a existir em conjunto. Essas características das
crenças políticas não são explicadas pelas hipóteses segundo as quais as questões
políticas são meramente muito difíceis, que não coletamos informação suficiente acerca
delas, ou que as disputas políticas são causadas primariamente pela divergência dos
sistemas de valores fundamentais das pessoas.
Pode ser possível combater a irracionalidade política, primeiro, ao reconhecer a nossa
própria suscetibilidade ao tendenciosismo. Deve-se reconhecer os casos em que há
maior probabilidade de ser tendencioso (como questões que despertam fortes emoções),
e deve-se conscientemente evitar usar os mecanismos discutidos anteriormente, que
servem para manter crenças irracionais. Perante o tendenciosismo generalizado, deve-
se também tomar uma postura cética acerca de provas apresentadas por terceiros,
reconhecendo que as provas provavelmente foram selecionadas e de alguma maneira
distorcidas. Por último, é possível combater a irracionalidade dos outros ao identificar
o tipo de provas empíricas que se exigem para testar as afirmações proferidas, bem
como ao fazer uma abordagem imparcial e cooperativa, em vez de combativa, nas
discussões. Ainda é uma questão de especulação saber se essas medidas irão aliviar
significativamente o problema da irracionalidade política.
Michael Huemer
Publicado originalmente na página web do autor.
Referências
Caplan, Bryan. 2003. “The Logic of Collective Belief”, Rationality and Society 15: 218–42.
Caplan, Bryan. 2007. The Myth of the Rational Voter. Princeton, N.J.: Princeton University Press.
Cialdini, Robert B. 1993. Influence: The Psychology of Persuasion. New York: William Morrow
& Company.
Downs, Anthony. 1957. An Economic Theory of Democracy. New York: Harper.
Feynman, Richard. 1974. “Cargo Cult Science”, commencement address at Caltech. Reprinted in
Richard Feynman, Surely You’re Joking, Mr. Feynman (New York: Bantam Books, 1989).
Friedman, David. 1989. The Machinery of Freedom. LaSalle, Ill.: Open Court.
Gilovich, Thomas. 1991. How We Know What Isn’t So. New York: Free Press.
Hanson, Robin and Tyler Cowen. 2003. “Are Disagreements Honest?” Unpublished ms.,
http://hanson.gmu.edu/deceive.pdf.
Huemer, Michael. 2005. Ethical Intuitionism. New York: Palgrave Macmillan.
Hume, David. 1975. An Enquiry Concerning Human Understanding in Enquiries Concerning
Human Understanding and Concerning the Principles of Morals, edited by L.A. Selby-Bigge.
Oxford: Clarendon.
Kornblith, Hilary. 1999. “Distrusting Reason”, Midwest Studies in Philosophy 23: 181–96.
Owens, David. 2000. Reason without Freedom: The Problem of Epistemic Normativity. London:
Routledge.
Notas
1. Ver Huemer 2005. ↩︎
2. http://www.owl232.net/objectiv.htm ↩︎
3. Friedman (1989, pp. 156–9) faz essa observação. ↩︎
4. A teoria tem origem em Caplan (2007). ↩︎
5. Caplan 2003, pp. 221–2. ↩︎
6. Num discurso proferido em 20 de abril de 2002. ↩︎
7. Cialdini 1993, p. 171. ↩︎
8. Cialdini 1993, cap. 4. ↩︎
9. Resumido em Gilovich 1991, pp. 53–4. ↩︎
10. E.g., Hume (1975, seção V.II) e Owens (2000). ↩︎
11. Kornblith (1999, p. 182) faz essa observação. ↩︎
12. Gilovich 1991, p. 77. ↩︎
13. Caplan 2007, pp. 79–80. A ajuda externa na verdade é menos de 1% da despesa. ↩︎
14. Compare-se com a excelente discussão feita por Feynman (1974) sobre os requisitos da ciência,
fazendo um paralelo com os pontos a e b. ↩︎