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EAD

Aspectos Econômicos
da Colonização
Americana
3
1. OBJETIVOS
• Conhecer e apresentar a dinâmica da economia colonial
considerando os seus principais elementos como: a agri-
cultura, a mineração, o trabalho e o comércio.
• Identificar e entender as principais características da eco-
nomia das treze colônias britânicas na América.

2. CONTEÚDOS
• As haciendas e a “nova” agricultura americana.
• A exploração e a extração de metais preciosos na América.
• Os tipos de trabalho existentes na colonização da América.
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3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) No Tópico 5, citaremos a obra de Eduardo Galeano As
Veias Abertas da América Latina que já está em sua 46ª
edição em português e foi traduzido para inúmeras lín-
guas, entre elas o turco. Em 2002, em discurso na ONU,
o presidente da Venezuela Hugo Chávez recorreu à obra
do uruguaio para dizer que a dívida externa da América
Latina era infinitas vezes menor do que a quantidade de
ouro e prata que havia sido extraída no território duran-
te a colonização. É importante salientar que essa visão
de Galeano é consonante com a óptica anti-imperialista
que reinava nas academias latino-americanas das déca-
das de 1970 e 1980. Assim, a resistência contra os regi-
mes militares também se traduziu em perspectivas que
buscavam nos imperialismos europeu e norte-america-
no as causas para as mazelas latino-americanas. Na mes-
ma direção, segue Júlio Chiavenatto ao abordar a Guerra
do Paraguai (1864-1870) em Genocídio americano.
2) Para saber mais a respeito da Era geológica Cenozoica,
especificamente, os períodos Terciário e Quaternário,
leia a Unidade 1 da obra História da América I.
3) No tópico A mineração, você entenderá que a procura
por ouro e prata foi essencial para a expansão da coloni-
zação, uma vez que levou os espanhóis a, rapidamente,
reconhecerem todo o território a ser colonizado. Antes
da metade do século 16, os espanhóis já haviam enviado
expedições a todas as porções de terra de seus domí-
nios.
4) A formação geológica do ouro e da prata na América se
deu no período terciário. Muito antes do aparecimen-
to do homem no globo terrestre, o período Terciário
encontra-se na era geológica Cenozóica, localizada no
éon Fanerozóico, entre 65 milhões a 1,8 milhões de anos
atrás. A vida humana também surgiu na era Cenozóica,
porém, no período quaternário. Você deve estar se lem-
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brando de ter estudado sobre esse assunto na unidade


1 da obra História da América I. Desse modo, sugerimos
que retome o conteúdo para que possa fazer uma rela-
ção entre as duas abordagens.
5) Saiba que as minas de Potosí são a principal referência
para a história da exploração mineral americana. A ci-
dade de Potosí encontra-se a 4800 metros de altitude.
Além da prata e do ouro, outros dois importantes mi-
nerais explorados por espanhóis, ainda que em propor-
ções menores, foram o mercúrio e o cobre. Potosí foi
descoberta em 1545, três anos antes da proibição da
escravidão indígena e três anos depois da extinção das
encomiendas. Justamente por isso, o tipo de trabalho
utilizado foi exclusivamente a mita.
6) Você sabia que, durante o século 18, houve uma signifi-
cativa queda da exploração mineral nos territórios espa-
nhóis da América e que a redução dos impostos fez par-
te das reformas Bourbônicas que procuraram estimular
a produção de ouro e prata na América Colonial? Você
saberá mais sobre isso no decorrer dos estudos desta
unidade.
7) Sobre o sistema de produção adotado nas haciendas
hispano-americanas: na época de entressafra, muitos
fazendeiros não tinham produtos a oferecer para o mer-
cado colonial, uma vez que a produção de suas terras ga-
rantia somente o consumo interno. Apenas os grandes
fazendeiros que possuíam armazéns para a estocagem
de alimentos é que disponibilizavam produtos no mer-
cado. Tal monopólio garantia a esses poucos um maior
lucro com a valorização de seus produtos garantida pela
escassez. No entanto, em sua maioria, as fazendas na
América espanhola não eram de grande porte.
8) Na Nova Espanha, território cujo vice-reinado era a
Cidade do México, os repartimientos foram chamados
de “Cuatéquitl”. Na Colômbia, receberam o nome de
“concierto”.
9) Sobre a escravidão nos EUA: houve, também, casos de
escravidão indígena nas colônias da Inglaterra na Amé-

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rica, como na Carolina do Sul. Porém, os números são


muito inferiores àqueles referentes à escravidão negra.
10) Sobre o estatuto social da escravidão e da servidão: uma
semelhança entre servos e escravos era o fato de que
ambos eram proibidos de casar perante as leis coloniais.
Isso não quer dizer que uniões não ocorreram. Lembre-
-se de que, na América espanhola, o casamento de es-
cravos era, diferentemente, permitido.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Na unidade anterior, você acompanhou como se deu a cons-
trução e o funcionamento dos mecanismos de administração da
colônia por parte de espanhóis e britânicos. É importante lembrar
que a administração colonial tinha como objetivo a regulação da
vida colonial. Regular as leis e a política da colônia significava, tam-
bém, controlar o seu trabalho, a sua produção e o seu comércio.
Não é novidade que o principal objetivo da empresa colonial
foi a obtenção de riquezas e recursos financeiros para as metrópoles,
tanto a Espanha quanto a Inglaterra. Vários dos recursos aqui produzi-
dos direcionavam-se a endereços certos no mercado europeu.
No entanto, para manter essa "fonte de riqueza", foram ne-
cessários muito trabalho e trabalhadores, a criação de uma rede
de produção e suporte aos colonizadores, a construção de novas
cidades e igrejas, entre tantas outras instituições.
Conclui-se que a história da economia colonial não se resu-
me à história da exploração dos recursos minerais em nosso con-
tinente. Consiste, também, na história das pessoas e do trabalho
aqui desenvolvido.
Mas, afinal, o que se produziu na América? Como se susten-
tavam os homens que aqui viviam? Quais foram as fontes de rique-
zas exploradas por eles? Como eles trabalhavam?
Essas são algumas perguntas que procuraremos responder
ao longo desta unidade. Ao trabalho!
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5. A EXPLORAÇÃO DE RECURSOS MINERAIS


Não poderíamos começar esta unidade por outro assunto
que não fosse a mineração e a extração de riquezas minerais. Des-
de os primeiros dias dos europeus na América, a busca por ouro
e prata foi uma constante. Como vimos na primeira unidade, nos
diários de Colombo as referências aos metais preciosos são um
dos destaques nos rastros deixados por sua pena.
Da mesma forma, Cortéz e Pizarro constantemente pergun-
tavam aos nativos sobre as suas fontes de ouro e pedras preciosas.
A fixação pelo metal era algo tão evidente que Atahualpa logo per-
cebeu os reais interesses de seu algoz e, por isso, ofereceu a ele
um resgate pago em ouro.
Não apenas para os colonizadores o ouro e a prata foram
assuntos importantes na América. Para a historiografia também.
A historiografia marxista, em específico, deixou duras críticas à ex-
tração das riquezas minerais na América e à exploração do traba-
lho humano.
Uma das críticas mais conhecidas, sem dúvida, está inserida
no livro do escritor uruguaio Eduardo Galeano (veja a Figura 1),
intitulado As veias abertas da América Latina. Para o autor, o pro-
cesso de colonização foi ditado, primordialmente, pelos interesses
econômicos do capitalismo mercantilista europeu dos séculos 16
a 18.

Figura 1 Eduardo Galeano.

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Assim, a busca pelo ouro e prata seria algo tão marcante que
influenciaria até mesmo na construção da religiosidade america-
na. Conforme descreve Galeano sobre o poder da prata na cidade
de Potosí:
[...] de prata eram os altares das igrejas e as asas dos querubins nas
procissões: em 1658, para a celebração do Corpus Christi, as ruas
da cidade foram desempedradas, da matriz até a igreja dos Reco-
letos, e totalmente cobertas com barras de prata. [...] A espada e a
Cruz marcharam juntas na conquista e na espoliação colonial. Para
arrancar a prata da América, encontravam-se em Potosí os capi-
tães e ascetas, toureiros e apóstolos, soldados e frades (GALEANO,
1994, p 32).

Seguindo a óptica marxista, Galeano compreende que a ex-


ploração serviu para movimentar e fomentar o capitalismo comer-
cial da Europa com altas injeções de ouro e prata. Assim, com a ex-
ploração da América, não somente a Espanha teria se beneficiado,
mas principalmente a Inglaterra e outros países que começavam a
investir na produção industrial de mercadorias. Como ironiza Ga-
leano (1994, p. 34), “a Espanha tinha a vaca, mas outros tomavam
o leite”.
Assim, a época colonial teria sido fundamental como etapa
de fortalecimento do capitalismo industrial, como o momento de
acumulação primitiva de capitais. Em contrapartida, deixaria como
legado para a América espanhola um futuro e presente de explora-
ção, pobreza e injustiça social.
É inegável que a entrada da prata espanhola na Europa te-
nha, de fato, transformado os mercados consumidores e produto-
res daquela época. Devido à abundância de moeda circulante, a
inflação dos produtos manufaturados passou a ser uma constante
no Velho Mundo. Porém, achamos um pouco limitado atribuirmos
a história de pobreza recente da América Latina somente aos anos
de exploração mineral deste território.
Aliás, durante muitos anos se tentou afirmar que a pobreza
da América Latina e a opulência da América Britânica eram resul-
tados de dois tipos de colonização distintos: a exploração (Espanha
e Portugal) e o povoamento (Inglaterra).
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Em outras palavras, a presença dos metais preciosos na


América Latina desviou os colonizadores de um projeto de cons-
trução "civilizatório", enquanto nos Estados Unidos a construção
da nação foi favorecida pela falta de recursos materiais, o que obri-
garia os norte-americanos a buscar novas fontes de riqueza que
não o ouro e a prata. Como resumiu Galeano (1994, p. 21), seria “a
pobreza do homem como resultado da riqueza da terra”.
Acreditamos ser tal explicação reducionista demais. Parece
um simples jogo de causa e efeito em que os elementos econômi-
cos ditam a história, o pensamento e a sociabilidade de um povo.
A economia é parte dessa história, mas não é a única.
Além disso, afirmar que na América espanhola e portuguesa
não existiram projetos de povoamento do continente é algo que
não se sustenta diante da análise de nossa história. Nesse ponto,
concordamos com o historiador Karnal (2003, p. 17-18) quando
escreve que a colonização da América Ibérica:
[...] foi, em quase todos os sentidos, mais organizada, planejada e
metódica que a anglo-saxônica. Caso atribuamos valor à organiza-
ção, é inegável que a colonização ibérica foi muito "melhor" que
a anglo-saxônica. [...] Na verdade, só podemos falar em projeto
colonial nas áreas portuguesa e espanhola. Só nelas houve a pre-
ocupação sistemática quanto às questões da América. [...] Decor-
ridos cem anos da colonização, se comparássemos as duas Amé-
ricas constataríamos que a ibérica tornou-se muito mais urbana
e possuía mais comércio, maior população e produções culturais
e artísticas mais "desenvolvidas" que a inglesa. [...] Continuando
neste caminho, notamos elementos que não confirmam a idéia de
exploração e povoamento. O mundo ibérico dá a idéia de perma-
nência. Construir e reformar permanentemente, ao longo de três
séculos, uma catedral como a da cidade do México não é atitude
típica de quem quer apenas enriquecer e voltar para a Europa. [...]
Não é, certamente, nesta explicação simplista de exploração e po-
voamento que encontraremos as respostas para as tão intrigantes
diferenças na América.

Desse modo, a colonização da América espanhola, bem


como a portuguesa correspondiam a um projeto colonial que en-
volvia, também, a exploração mineral, mas não só isso. Em torno
da mineração houve, ainda, a consolidação de uma vida própria e

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exclusivamente colonial que seria a base da estrutura sociopolítica


da América independente.
No que tange à mineração e à extração de recursos minerais,
gostaríamos de, a partir de agora, apresentar algumas característi-
cas de seu desenvolvimento na América espanhola.

A mineração
Conforme abordado anteriormente, a busca pelo ouro na
América esteve presente desde o primeiro instante do desembar-
que da expedição de Colombo. Durante a conquista do México, por
exemplo, Cortéz afirmou a um mensageiro de Montezuma: "eu e
meus companheiros sofremos de uma doença do coração que so-
mente o ouro pode curar" (LÓPEZ DE GÓMARA, 1966, p. 58).
De fato, muito ouro foi encontrado pelos espanhóis, princi-
palmente durante a conquista do Peru. No entanto, na história da
mineração da América espanhola, a grande protagonista foi a pra-
ta. Após o primeiro período de saques aos povos indígenas promo-
vidos pela conquista (1520-1540), principal fonte de ouro, a prata
passou a ser predominante não apenas no volume, mas também
no valor.
As primeiras fontes de exploração mineral da prata foram en-
contradas nos domínios da Nova Espanha (zona mesoamericana),
nas cidades de Sultepec e Zumpango, nas proximidades da cidade
do México, em 1530. Contudo, a principal fonte de prata da colô-
nia espanhola, a mina da cidade de Potosí, no atual território da
Bolívia, foi encontrada somente quinze anos mais tarde, em 1545.
Veja a representação do Cerro de Potosí na Figura 2.
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Figura 2 Cerro de Potosí.

Ao longo das décadas e séculos, outras importantes minas


de prata e ouro foram surgindo em toda extensão do território his-
pano-americano. Se considerarmos somente as mais importantes,
haverá 37 minas, sendo 17 na parte sul-americana e 20 na região
mesoamericana, como você pode ver nos mapas (Figuras 3 e 4).

Fonte: Bakewell (2004, p. 101).


Figura 3 Principais distritos de mineração na Nova Espanha.

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Fonte: Bakewell (2004, p. 100).


Figura 4 Principais distritos de mineração na América do Sul.

A descoberta de fontes de exploração de minerais não acar-


retou somente mudanças na vida da metrópole, resultado da "en-
xurrada" de prata que se descarregou em portos espanhóis. Na
realidade, ela foi muito mais significativa para a alteração do coti-
diano da sociedade colonial.
Com o desenvolvimento da mineração, houve um expressivo
crescimento das vilas. Consequentemente, o aumento da vida ur-
bana trouxe consigo um acréscimo no comércio. Por sua vez, tanto
o comércio quanto as minas exigiram a abertura de novas estradas
para a maior comercialização de produtos e escoamento da pro-
dução mineral.
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Conforme apresenta o historiador Bakewell (2004, p. 102-103):


[...] à medida que os distritos começaram a vomitar metal, cresce-
ram as vilas em muitas regiões inóspitas [...] onde antes só haviam
vivido populações esparsas e primitivas. As estradas e o comércio
expandiram-se rapidamente à medida que se desenvolveram no-
vos circuitos econômicos. Roupas, vinhos, e ferro da Espanha, es-
cravos da África, sedas e especiarias do Oriente fluíam para as vilas
mineiras; e para pagar por tudo isso, enormes quantidades de me-
tal precioso, principalmente a prata, começaram a fluir na direção
oposta. Todavia, nem todo o comércio era externo. A mineração
também estimulou o desenvolvimento interno [...] e em toda parte
os transportes e o trabalho especializado.

A origem da prata e do ouro no continente americano é re-


sultado de um processo natural que ocorreu durante a formação
das cadeias montanhosas dos Andes e do México no Período Ter-
ciário.
Muitas vezes, as fissuras entre as rochas foram preenchidas
pela sedimentação de minerais como a prata. Como se trata de
formações rochosas de alta altitude, a maioria dos veios para a ex-
tração de prata encontrava-se acima dos 3.000 m, na zona andina
central, e entre 2.000 e 2.500 m, na Nova Espanha. Já a sedimen-
tação do ouro deu-se em altitudes mais baixas.
A sedimentação da prata acima do lençol freático resultava
em concentrações do metal em uma profundidade de 50 a 100
m no nível do solo. Tratava-se de um metal menos rico, mas de
mais fácil trabalho e extração. A sedimentação abaixo dos lençóis
freáticos, porém, requeria a utilização de melhores e mais caros
recursos para a extração, uma vez que, além de se encontrarem
em maiores profundidades, provocavam o alagamento do local de
mineração.
Em contrapartida, a existência de muitos veios localizados a
poucos metros da superfície do topo das montanhas permitiu que
o primeiro momento da exploração mineral fosse feito de maneira
amadora e sem a necessidade de grandes investimentos.

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Assim, ao contrário da imagem que fazemos da mineração


colonial, realizada por grandes companhias mineradoras e fomen-
tada pelo investidor capitalista, a mineração na América teve seu
início associado ao trabalho amador de oportunistas da prata, de
pessoas comuns e simples que viram na prata uma grande oportu-
nidade para enriquecer.
Conforme afirma Bakewell (2004, p. 105):
[...] o mineiro de prata colonial normalmente atacava um veio com
um poço aberto, depois escavava mais fundo em busca de concen-
trações particularmente ricas de minério. Este processo que levou
à abertura de túneis sinuosos e estreitos foi, às vezes, chamado na
Nova Espanha de sistema del rato (que significa "sistema oportu-
nista", porém traduzido mais tarde para o inglês, errônea mas lite-
ralmente, por "rat-hole system”, sistema de buraco de rato).

Nesse primeiro momento, a Coroa pouco fez para estimular


uma exploração mais profissional e racionalizada da prata, já que,
de uma forma ou de outra, a livre-iniciativa desses aventureiros
lhe garantia uma boa quantidade de impostos e royalties sobre a
exploração da prata.
Conforme já afirmamos, o sistema del rato trata-se de uma
técnica completamente amadora, baseada principalmente na for-
ça bruta do trabalho humano e com poucos recursos tecnológicos.
Justamente por isso perdurou como principal técnica de extração
de prata durante boa parte do século 16, enquanto a mão de obra
indígena foi abundante. Já no final do século 16, quando a popula-
ção indígena caiu a níveis mínimos, elevando o preço do trabalho,
tal sistema tornou-se muito caro e inviável, sobrevivendo somente
em algumas iniciativas individuais.
Em seu lugar, ainda no fim do século 16, foi adotado o siste-
ma de galeria de acesso ou socavones, que substituiu os antigos
poços verticais do sistema del rato por rampas diagonais que da-
vam acesso aos veios de minerais.
Tal estratégia permitiu a utilização de carriolas e animais
para o transporte dos produtos extraídos, em substituição à escas-
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sa mão de obra humana. Com esse novo sistema de exploração,


foram desenvolvidas bombas manuais ou de tração animal para
a drenagem de águas das minas, instrumentos que permitiram a
exploração dos veios abaixo do lençol freático.
Somente no século 18, os mineiros, em busca de uma pa-
dronização de suas atividades, passaram a interligar as diversas
rampas de acesso, produzindo um sistema interligado que se asse-
melha a uma grande e única mina.
Exatamente nesse período, surgiram as grandes companhias
de mineração. Antes mesmo disso, ainda no século 18, a dinamite
já era utilizada como recurso para a abertura de novas galerias de
acesso. Porém, no início do século 19, com a chegada das grandes
mineradoras, outra novidade viria para revolucionar o sistema de
extração mineral: a energia a vapor.
Podemos afirmar, então, que a exploração mineradora na
América espanhola se deu, primordialmente, pela iniciativa priva-
da. No entanto, cabe aqui uma pergunta: a Coroa espanhola não
se interessou em explorar tais recursos por conta própria? Não foi
a Coroa espanhola que explorou a América?
Realmente, no início da exploração de recursos minerais, a
Coroa maximizou os seus lucros desempenhando ela própria a mi-
neração. Entretanto, ao perceber que tal empreendimento era por
demasiado grande, devido à extensão do território e do número
de minas a se explorar, decidiu liberar a atividade nas minas a ter-
ceiros, garantindo a ela, por força de lei, uma parte sobre qualquer
novo foco de mineral descoberto.
A partir desse ponto, então, a Coroa:
[...] invocando seu antigo direito de proprietária universal das ja-
zidas de metais preciosos, exigia um direito sobre a produção,
outorgando ao mesmo tempo aos súditos espanhóis liberdade de
prospecção e de usufruto dos minérios (BAKEWELL, 2004, p. 130).

Ao longo do período colonial, os royalties cobrados variaram


de dois terços da produção a até um vigésimo.

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Todavia, o percentual mais usual foi o de 1/5, o famoso


quinto, estipulado em 1504. Como informa Bakewell (2004, p.
131):
Os direitos reais sobre o ouro permaneceram por muito tempo
no patamar de um quinto, havendo reduções a um décimo na
Nova Espanha em 1723 e um vigésimo na Guatemala em 1738.
Nos Andes, no entanto, o quinto foi cobrado até 1778 – quando
foi ordenada uma redução geral para toda a América espanhola:
três por cento a ser cobrado nas colônias e mais dois por cento na
chegada do ouro à Espanha.

Além disso, outra forma que a Coroa encontrou para arre-


cadar dinheiro com a mineração foi o arrendamento de suas mi-
nas particulares para a exploração de terceiros. Estes, por sua vez,
além dos tributos, também pagavam o aluguel das minas.
Para sustentar a mineração, foi necessário o desenvolvimen-
to da vida social da colônia, da produção de alimentos e de ferra-
mentas de trabalho. Um elemento importante nesse processo foi
a formação das fazendas. Nelas, além da produção voltada para
a exportação, os recursos elementares para a subsistência da co-
lônia também puderam se desenvolver. Olhemos mais de perto
como isso ocorreu.

6. AS HACIENDAS
A chegada dos espanhóis à América produziu uma segunda
revolução agrícola no continente. Se a primeira revolução ocorreu
ainda no período pré-histórico, a segunda foi promovida pelo en-
contro de duas tradições agrícolas: a europeia e a americana.
Da tradição agrícola americana, manteve-se a plantação de
feijão, milho, abóbora e batata, esta cada vez mais incorporada
ao cotidiano do espanhol e do europeu. Por parte dos europeus,
houve a introdução do cultivo de trigo e cevada e a domesticação
de novos animais, como o gado ovino e o suíno. A carne suína, por
exemplo, rapidamente ganhou espaço entre os indígenas.
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Além disso, algumas técnicas agrícolas foram inseridas no


continente pelos espanhóis, como o carro de boi, a canga e o ara-
do. De outra maneira, outras técnicas próprias da América come-
çaram a surgir, como o rodeo – original das terras do norte da Nova
Espanha, no atual território do México e dos estados norte-ame-
ricanos do Novo México, Texas e Arizona (veja a Figura 5). Com o
rodeo, nasceu a figura do vaqueiro (em inglês, o cowboy).

Figura 5 Rodeo americano.

Um dos produtos trazidos pelos espanhóis que se adaptou


muito bem ao nosso continente foi a cana-de-açúcar. Hernan Cor-
téz, protagonista da conquista do México, foi pioneiro no cultivo
desta planta. Como ele, outros investidores passaram a plantar e
processar a cana em terras hispano-americanas. No entanto, tra-
tava-se de um processo muito caro e que exigia uma disposição
financeira que poucos dos primeiros colonos possuíam.
Entre todos os novos fatores, porém, aquele que causou
maior alteração da paisagem americana foi a importação de ga-
dos. Conforme escreve o historiador Florescano (2004, p. 152):
Entre as muitas surpresas que aguardavam os colonos, nenhuma
produziu um impacto tão grande quanto a multiplicação das vacas,
dos cavalos, das ovelhas, das cabras, dos porcos, das mulas e dos
asnos, que atingiram números prodigiosos e em poucos anos povo-
aram a Nova Espanha. [...] os animais europeus invadiram e destru-

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íram o sistema de cultura em campo aberto, transformaram a terra


arável em pasto, mudaram o padrão do povoamento e reduziram
as fontes de alimento dos nativos.

Por conta disso, a pecuária converteu-se, rapidamente, em


um excelente negócio para os novos colonos, atraindo, com a mi-
neração, sucessivas levas de brancos e povoadores negros e indí-
genas.
Dessa maneira, a pecuária provocou uma mudança não so-
mente na paisagem americana, mas nos hábitos e na estrutura
da colônia. Para o transporte de pessoas e mercadorias agrícolas,
foram abertas novas estradas. Já as vestimentas e a alimentação
cada vez mais passaram a demonstrar a influência do couro e da
carne vermelha.
Todavia, não somente de pecuária viveram as haciendas
americanas. Houve, também, o cultivo de produtos tropicais para
a exportação e de outros itens que tinham importância no merca-
do europeu, como o algodão, a cana-de-açúcar, o arroz, a uva, o
vinho etc. A produção de trigo para o mercado interno, ou seja, a
fabricação de pães e de outros alimentos essenciais à dieta colo-
nial, também se destacou.
Há de se ressaltar, ainda, que, por conta da abundância de
terras e do alto preço de mercadorias para o consumo interno e
externo, houve, também, a criação de haciendas mistas que, como
o nome nos sugere, mesclavam a pecuária com a produção agrí-
cola.
No auge das haciendas, até o final do século 17, os grandes
fazendeiros, que lucravam com a alta dos preços de seus produtos
em tempo de escassez e com a exploração da mão de obra indíge-
na, ocuparam os principais cargos públicos da cidade e, principal-
mente, os cabildos. Alguns relatos de época ressaltavam a maior
obstinação desses homens com o poder do que com a riqueza.
De qualquer maneira, a "indústria" agrícola na América não
foi um dos primeiros objetivos dos espanhóis. Enquanto a produ-
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ção agrícola indígena supriu as necessidades dos colonos, a agri-


cultura propriamente colonial não existiu.
Contudo, à medida que o número de colonos aumentou e
a população indígena assombrosamente encolheu, o interesse
da Coroa pela distribuição de terras e pela formação de fazendas
(haciendas) aumentou. Isso ocorreu em meados do século 16.
Aliás, essa foi uma regra no processo colonial: existe uma relação
direta entre a diminuição da população indígena e o aumento da
concessão de terras pela Coroa.
As primeiras medidas para a distribuição de terras e forma-
ção das primeiras haciendas da colônia foram implementadas ain-
da com Cortez, no início do século 16. Conforme nos conta Flores-
cano (2004, p. 156):
[...] com a intenção de interessar os conquistadores na agricultura
e limitar o tamanho das propriedades, Cortés distribuiu pedaços
de terra a todos os soldados da infantaria que participaram da con-
quista, as chamadas peonías, e a todos os soldados da cavalaria,
as caballerías (lotes cinco vezes maiores que as peonías), mas não
tiveram sucesso significativo.

Da mesma forma, ao longo de todo esse século, a Coroa não


conseguiu estabelecer estratégias concretas e eficazes para a dis-
tribuição e a regulamentação de terras na colônia. É bem verdade
que, na década de 1530, os oidores da segunda audiência atribu-
íram aos cabildos, seguindo uma tradição da Reconquista espa-
nhola, a responsabilidade de conceder terras a pais de família, os
chamados “vecinos”.
A concessão previa a doação de um lote de terra para a cons-
trução de uma casa com horta, conjuntamente a uma ou duas ca-
ballerías, em que o vecino deveria “cavar e cultivar”. “No território
da Nova Espanha, por exemplo, entre 1540 e 1620, ocorreu a con-
cessão de 12.742 caballerías a espanhóis e outras mil para índios”
(FLORESCANO, 2004, p. 157).
Entretanto, os meios mais utilizados para a aquisição de no-
vas terras ou para a expansão de haciendas já existentes passaram

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longe dos mecanismos legais criados pela Coroa. As ocupações ile-


gais, a invasão de terras indígenas e os contratos de gaveta esta-
vam entre os métodos mais aplicados pelos colonos.
Consciente dessa realidade, em 1591, a Coroa espanhola
deu início a um processo de regularização das terras ilegais que
se realizava por meio do pagamento de uma taxa ao tesouro, cha-
mada de “composición”. A composición foi cobrada até meados do
século 18.
A expansão das haciendas em território americano não foi
reflexo somente da diminuição da população indígena. Existe tam-
bém outro fator importante: a mineração. À medida que a mine-
ração avançou no continente, exigindo um número maior de mão
de obra, mais haciendas precisaram ser criadas para servir como
suporte na produção alimentícia às zonas mineradoras.
De certa maneira, essa foi a principal função das haciendas
na colonização espanhola: o suporte às áreas de mineração. Di-
ficilmente encontraríamos no mapa da colônia uma fazenda que
estivesse muito distante de uma mina de ouro ou de prata.
O abastecimento das zonas de mineração com produtos agrí-
colas era feito por intermédio dos comerciantes. Cabia a eles fazer
a compra das mercadorias produzidas pelas haciendas e vendê-las
às minas. No entanto, essa compra não ocorria com moedas ou
minerais brutos, mas sim por meio da troca por outros produtos
de interesse do hacendado (fazendeiro). Aliás, durante o período
colonial muito pouco dinheiro em espécie circulou na América es-
panhola.
Vejamos como isso funcionava!

O comércio
As fazendas produziam o alimento necessário para a subsis-
tência dos trabalhadores das minas de prata e ouro da América
espanhola. Esses produtos chegavam até as zonas de mineração
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 139

levados por comerciantes, chamados de “aviadores” entre os mi-


neiros. Os comerciantes, por sua vez, não pagavam, efetivamente,
por essas mercadorias.
Na realidade, assim como forneciam muitos produtos de
primeira necessidade para as minas, as fazendas também preci-
savam de recursos primordiais para o seu funcionamento, como
ferramentas e roupas. É bem verdade que as grandes fazendas
chegaram a possuir centros próprios de artesanato, mas isso não
foi uma regra.
Além desses produtos, os fazendeiros precisavam adquirir
algumas mercadorias que suprissem as suas "necessidades" aris-
tocráticas, tais como: roupas, tecidos, perfumes, móveis, livros,
entre outros produtos importados da Europa. Tudo o que fosse
necessário para manter um padrão de vida "digno” de um “nobre
europeu” ou de um homem de "importante vida pública". Essas
mercadorias também não eram fabricadas nas próprias fazendas e
precisavam ser adquiridas junto aos comerciantes.
Desse modo, os comerciantes estabeleciam uma relação
triangular entre mineiros, artesãos e fazendeiros. Esses comer-
ciantes compravam os alimentos produzidos pela fazenda e paga-
vam com os produtos confeccionados pelos artesãos das cidades
ou pelos indígenas. Já os alimentos comprados junto aos fazendei-
ros eram vendidos nas minas e, por isso, recebiam prata e ouro em
espécie.
Veja a representação do intercâmbio de produtos entre indí-
genas e mercaderos espanhóis na Figura 6.

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140 © História da América II

Figura 6 Intercâmbio de produtos entre indígenas e mercaderos espanhóis.

O interessante é que, como já dissemos, nesse grande


negócio movimentado pelos comerciantes, muito pouco dinheiro
circulava. Veja como Florescano (2004, p. 176) nos explica essa
relação mercantil, tendo como exemplo a Nova Espanha:
O procedimento era o seguinte: o dono da fábrica de tecidos abria
uma conta para o proprietário de gado numa casa de comércio na
Cidade do México, onde lhe creditava o valor do gado, do couro
ou da lã que recebesse dele. Por sua vez, quando o dono do gado
recebia os tecidos e outros artigos do dono da fábrica, emitia um
recibo de libranza (carta de crédito) em favor do último, pagável
igualmente nos estabelecimentos comerciais da capital ou negociá-
vel em troca de outros créditos. Essa prática tornou-se comum em
transações entre hacendados e entre estes últimos e os comercian-
tes. Estes, graças à experiência e ao poder que haviam adquirido
sobre a oferta de dinheiro, o crédito e os produtos importados, em
última análise monopolizavam os negócios dos produtores. Desse
modo, a ausência de qualquer troca comercial monetária efetiva
tornava os produtores dependentes dos comerciantes.

Perceba que, na ausência de instituições financeiras na Amé-


rica, os comerciantes passaram a se comportar como uma espécie
de bancos de crédito. Por conta disso, em épocas de entressafra,
os comerciantes vendiam produtos aos fazendeiros sem receber
mercadoria nessa troca. Essa transação fazia dos comerciantes,
credores dos fazendeiros.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 141

A participação dos comerciantes como intermediários en-


tre fazendeiros, mineradores e artesãos não quer dizer que eles
ocuparam um papel secundário na sociedade colonial. Não eram
meros atravessadores. Ao contrário. Como vimos anteriormente,
com o passar dos anos, nessa própria lógica comercial, muitos co-
merciantes tornaram-se credores de fazendeiros que, sem dinhei-
ro "vivo" para comprar as mercadorias oferecidas pelos "interme-
diadores", acabavam contraindo dívidas com eles.
Já no século 17, muitos fazendeiros tiveram de vender as
suas terras aos comerciantes e à Igreja, como forma de saldar dívi-
das impagáveis. Os comerciantes possuíam dinheiro por conta dos
recebimentos junto às minas, e a igreja, por sua vez, acumulava
dinheiro graças às doações e aos dízimos, muitas vezes, ironica-
mente, dos próprios fazendeiros.
O interessante foi que muitos fazendeiros, para salvar o nome
das famílias e as suas próprias terras, promoveram o casamento
entre os seus filhos mais velhos e as filhas de grandes comercian-
tes e vice-versa. Processo semelhante acontecia na Europa com os
nobres endividados pelos gastos com a Corte, dívidas contraídas
junto aos comerciantes, particularmente os de produtos de luxo.
Além dessa alternativa, outra estratégia adotada para pro-
teger os bens da família foi a da não divisão da fazenda entre os
herdeiros, garantindo ao primogênito o direito exclusivo sobre to-
das as terras e bens. Essa prática foi consolidada por meio da lei
do mayorazgo.
A união das famílias de fazendeiros com comerciantes e mi-
neiros, somada à lei do mayorazgo, fez com que se formasse na
América um grupo de pouco mais de uma centena de famílias que
detinham quase todos os patrimônios e a riqueza do continente.
Tais famílias seriam fundamentais no processo de independência
da América.
Outro ponto a se ressaltar sobre os comerciantes é que,
além das trocas comerciais entre fazendeiros, artesãos e zonas mi-

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142 © História da América II

neradoras, muitas fortunas foram construídas graças ao comércio


exterior. Isso pode ser visto principalmente quando analisamos a
realidade colonial da cidade de Lima.
Capital do vice-reinado do Peru, a cidade de Lima, ao lon-
go do século 18, construiu uma aristocracia comercial que viveu
da exportação da cana-de-açúcar produzida em pequenos sítios
e chácaras da costa peruana do Oceano Pacífico. Ao contrário de
várias outras localidades da América em que a aristocracia era for-
mada pelos grandes fazendeiros ou mineradores, em Lima, a aris-
tocracia beneficiou-se do comércio com a Espanha.
Conforme Galindo (1984), a aristocracia ganhava não apenas
com a exportação, mas também com a importação. Uma vez que
a produção interna era praticamente nula, vários itens essenciais
para a vida cotidiana, como o trigo, precisavam ser importados e
comercializados internamente. O trigo, por exemplo, vinha do Chi-
le.
Mais importante do que todas as mercadorias e metais pre-
ciosos produzidos e explorados na América foi, certamente, o tra-
balho necessário para que isso tudo existisse. Não demorou muito
para os espanhóis perceberem que a verdadeira riqueza da Amé-
rica não era o ouro ou a prata, mas sim os índios. Melhor dizendo,
o trabalho indígena.
O trabalho na América foi o grande responsável por sua ri-
queza. Por isso mesmo, o trabalho converteu-se em um item im-
portante para a economia colonial. Vejamos como ele se desen-
volveu.

7. O TRABALHO NA AMÉRICA ESPANHOLA


Durante a conquista espanhola, os índios das tribos conquis-
tadas por meio da força, como espólio das guerras, foram trans-
formados em escravos. Antes mesmo disso, nas Antilhas, as tribos
que lá residiam também foram convertidas em escravas. O resulta-
do direto disso foi a rápida redução dessas populações.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 143

Contudo, à medida que a empresa colonial avançou, outras


modalidades de trabalho foram direcionadas aos indígenas. O fim
da escravidão indígena veio em 1548. Uma das principais respon-
sáveis por esse término foi a pressão realizada por padres católi-
cos que se opunham à escravidão dos nativos, como, por exemplo,
Bartolomé de las Casas.
Outro fator decisivo para tal atitude da Coroa foi a diminui-
ção da população indígena como reflexo da exploração escrava,
como já havia ocorrido na experiência antilhana. De certa manei-
ra, a adoção de outros regimes de trabalho teve como objetivo
"proteger" os indígenas.
Conjuntamente à escravidão indígena, outro importante sis-
tema de trabalho utilizado nos princípios da colonização foi o siste-
ma de encomiendas. Falemos um pouco mais sobre ele.

A encomienda
A encomienda teve início na América Colonial no ano de
1509. Naquela data, a Coroa espanhola, por intermédio de uma
carta escrita a Diego Colombo, filho de Cristóvão Colombo, deter-
minou que a população indígena da Ilha de La Espanhola fosse re-
manejada.
Diante da sensível diminuição do número de mão de obra
nas Antilhas, a intenção da Coroa era a de redistribuir a população
indígena entre os colonos espanhóis. Dessa maneira, os colonos
poderiam cobrar impostos e serviços daqueles nativos e, em troca,
conforme previa a Coroa, ofertavam a catequese e garantiam a sua
proteção.
Com a expansão da conquista espanhola, essa prática tam-
bém foi adotada nas demais localidades do território americano.
Assim, os colonos que necessitavam de trabalhadores solicitavam
o envio de alguns indígenas sob "encomenda". Daí a origem do
nome “encomienda”.

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144 © História da América II

Veja a representação de trabalho indígena na colheita de


milho, por Guaman Poma de Ayala na Figura 7.

Figura 7 Representação de trabalho indígena na


colheita de milho, por Guaman Poma de Ayala.

Para regular o sistema de encomendas de indígenas, a Coroa


nomeou alguns membros da sociedade colonial que fariam a in-
termediação entre os habitantes de uma tribo ou aldeia e o colono
que solicitasse a mão de obra. Tais responsáveis seriam chamados
de “encomenderos”.
Segundo Cardoso (1985, p. 40):
[...] os encomenderos formavam um reduzido grupo de privile-
giados: das 23.000 famílias espanholas que viviam nos domínios
hispânicos do Novo Mundo em 1570, 4.000 apenas dispunham de
encomiendas.

Esclarecemos: o encomendero era uma pessoa que tinha di-


reitos sobre a administração da população indígena de uma ou mais
tribos. Ele não era o dono desses indígenas, somente fazia o agen-
ciamento entre os seus habitantes e os colonos. Da mesma forma,
quando o colono recebia uma quantidade de indígenas, ele não pas-
sava a ser dono deles. Somente poderia usufruir de seu trabalho
e impostos, desde que garantisse a sua proteção e catequese. Não
havia nenhum tipo de remuneração sobre o trabalho prestado.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 145

Repare que não podemos dizer que a encomienda significou


o mesmo que a escravidão. Apesar de não existir nenhum tipo de
remuneração sobre o trabalho, como na escravidão, tampouco
existiam a propriedade ou a venda dos indígenas por parte dos
colonos ou encomenderos.
A partir de 1542, a Coroa determinou que as encomiendas
somente poderiam cobrar tributos dos indígenas e não mais ser-
viços e trabalhos. Tal regulamentação, apesar de descumprida em
algumas localidades, como no Paraguai, Venezuela e Chile, fez com
que o sistema fosse, gradualmente, abandonado. Em seu lugar, fi-
cou instituído o repartimiento.
O repartimiento
Diante da grave redução do número de indígenas em todo o
continente americano, em meados do século 16 a Coroa decidiu
abolir os sistemas laborais de encomiendas e a escravidão indíge-
na. Em seu lugar, procurou estabelecer um sistema que preservas-
se a "existência das comunidades indígenas sem privar os colonos
da força de trabalho dos índios" (CARDOSO, 1985, p 88-89). Tal
sistema ficaria conhecido como “repartimiento”.
O repartimiento representou um avanço no sistema de tra-
balho colonial em direção à adoção do trabalho assalariado. Ao
contrário da encomienda, que previa o controle total dos mem-
bros de uma comunidade indígena, no repartimiento, "cada comu-
nidade ficava obrigada a fornecer levas anuais de trabalhadores,
separados dela só durante os meses de trabalho exterior (período
legalmente definido, embora variável)”, conforme esclarece Car-
doso (1985, p. 89). Os trabalhadores recrutados representavam
cerca de 1/7 da população total, sendo homens com idades de 18
a 50 anos.
Outra diferença entre o repartimiento e a encomienda é que o
trabalho passou a ser remunerado. Assim, com o valor arrecadado
pelos salários, os trabalhadores pagavam os tributos cobrados pela
Coroa ou pela administração local às suas comunidades de origem.

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146 © História da América II

Da mesma forma, diferentemente da encomienda, no


repartimiento, os trabalhadores cumpriam somente alguns meses
de trabalho e retornavam às suas comunidades. No ano seguinte,
não podiam ser enviados os mesmos trabalhadores. Uma nova
leva de homens deveria ser selecionada.
Apesar do salário pago, não podemos dizer que o
repartimiento se configurou como um trabalho assalariado, uma
vez que não contava com a livre-iniciativa do trabalhador em
vender a sua força de trabalho. Eram todos recrutados.
Na região andina, os repartimientos foram chamados de
“mita”. O nome foi dado em referência a um imposto homônimo
que existia no Império Inca. Assim como na mita incaica, a mita
espanhola também era prestada durante somente um período do
ano, e a renda conseguida nela servia para o pagamento de tri-
butos. Desse modo, os trabalhadores das mitas seriam também
chamados de mitayos.
Havia casos, também, de trabalhadores que iam para as mi-
nas e não retornavam. Muitas vezes, eles ficavam por lá, onde alu-
gavam os seus trabalhos por um valor cinco vezes maior do que
aquele estipulado no repartimiento. Outras vezes, tais trabalhado-
res ofereciam-se para ir às minas no lugar de outros selecionados
no repartimiento e, para isso, também cobravam. Esse tipo de tra-
balho de “aluguel” ficou conhecido como “minga”.
O sistema de repartimiento durou até 1632. A partir dessa
data, de maneira legal, somente poderiam vigorar nos territórios
espanhóis da América o trabalho assalariado e a escravidão negra.
Outro fator que contribuiu para a expansão do trabalho as-
salariado foi o aumento do número de mestiços na colônia. Falare-
mos mais sobre eles na Unidade 4.

A escravidão
Como já é de seu conhecimento, a escravidão indígena foi
abolida em 1548. Porém, isso não quer dizer que a escravidão
deixou de existir nos territórios hispano-americanos. A escravidão
negra continuou permitida.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 147

É bem verdade que, se compararmos com a história do tra-


balho no Brasil e nos Estados Unidos, a escravidão negra não foi
uma das preferências em territórios espanhóis. Conforme nos in-
forma Cardoso (1985, p. 38), “[...] se excetuarmos Cuba, os imen-
sos territórios sob governo hispânico receberam somente 9% dos
africanos transportados ao Novo Mundo pelo tráfico [...]".
A pouca preferência pelo trabalho escravo tinha um moti-
vo óbvio: o excesso de trabalhadores indígenas. Da mesma forma,
o recrutamento dessa mão de obra também esteve relacionado
com o trabalho indígena. Nos locais onde a população indígena foi
completamente extinta e não havia a possibilidade de reposição
por índios de outras localidades, devido à diminuição da popula-
ção nativa generalizada do continente no século 16, foi necessária
a compra de negros (como ocorreu na Colômbia, por exemplo).
O trabalho escravo desenvolveu-se, primordialmente, nas mi-
nas de extração de ouro, nas fazendas e nas casas localizadas nas
cidades (para serviços domésticos). Nas zonas urbanas, houve, tam-
bém, uma variação desse tipo de trabalho, visto que muitos donos
de escravos aproveitavam para sublocá-los em outras atividades.
Veja a representação do trabalho de escravos na agricultura
colonial na Figura 8.

Figura 8 Representação do trabalho de escravos na agricultura colonial.

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148 © História da América II

Assim, o escravo saía cedo em busca de um trabalho tempo-


rário e, no final do dia, deveria voltar com um valor em dinheiro
preestabelecido por seu dono. Caso não conseguisse a quantia es-
tabelecida, ou a sua totalidade, ficava em dívida com o seu senhor.
Muitas vezes, eram castigados por tal fracasso.
O interessante é que, em raros casos, alguns escravos con-
seguiam uma quantia superior àquela exigida e, com o exceden-
te, pagavam por sua liberdade. Geralmente, isso ocorria com os
escravos que se dedicavam ao artesanato e que, por isso, tinham
ganhos maiores.
De certa maneira, com o passar dos anos, a Coroa espanhola
abriu algumas brechas jurídicas que permitiam ao escravo a as-
censão social ou a mudança de trabalho. Conforme nos explica o
historiador peruano Galindo (1984, p. 133):
no transcurso dos três séculos coloniais, os escravos adquiri-
[...]
ram alguns direitos [...]: buscar um melhor amo (geralmente com
anuência do anterior); casar-se segundo o seu gosto (ainda que
requeriam a autorização do proprietário para que se realizasse o
casamento); comprar a sua liberdade; e possuir bens.

Dentro das fazendas controladas por jesuítas e que possu-


íam o trabalho escravo como mão de obra principal, os escravos
podiam ter um pedaço de terra onde plantavam os seus próprios
alimentos e criavam animais para a venda no comércio local, o
que, de certo modo, garantia um complemento importante para
sua subsistência.
No entanto, casos como esses foram exceções. O escravo,
na sociedade colonial, era visto como uma propriedade, como um
bem móvel. Em várias oportunidades, é possível encontrar relatos
da época que se referem aos escravos como peças de ébano ou
simples ferramentas de trabalho.
De modo geral, o cotidiano do escravo era de jornada dupla
(uma para o seu dono e outra para si) e de péssimas condições de
trabalho e moradia. Invariavelmente, os escravos eram expostos
a humilhações em público, açoitamentos e castigos que previam
chicotadas na Plaza Mayor.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 149

Por tudo isso, entre os séculos 16 e 18, o trabalho na Amé-


rica esteve associado a péssimas condições de vida, podendo ser
visto, hoje, como uma realidade desumana. Isso fica muito claro
quando olhamos para o trabalho nas minas de prata. Vejamos!

O trabalho nas minas


As formas de trabalho empregadas nas minas de ouro e pra-
ta da América espanhola, com uma ou outra exceção, não fugiram
das descritas anteriormente. Entretanto, o tipo de trabalho neces-
sário para a extração dos minérios deu a ele algumas peculiarida-
des importantes.
Em sua grande maioria, as minas de prata utilizaram a mão
de obra indígena. A explicação para esse fato está nas elevadas
altitudes em que se situavam as minas de prata. Assim, o trabalho
indígena, mais aclimatado às terras altas, era mais produtivo e lu-
crativo.
Já o trabalho de exploração do ouro, com exceção das minas
do Chile, ficou por conta da mão de obra escrava negra. O motivo
é justamente o mesmo: os negros adaptaram-se melhor às altas
temperaturas e à umidade das regiões auríferas do que os indíge-
nas que viviam, em sua maioria, em regiões frias.
Isso não quer dizer que não havia negros nas minas de prata.
Havia. Porém, dedicavam-se ao trabalho nas casas de refinamento,
tal como os índios à extração do ouro.
Como sabemos, a produção de prata foi infinitas vezes supe-
rior à extração de ouro. Tal fato contribuiu para que a mão de obra
indígena também fosse a mais utilizada. Assim, o tipo de trabalho
mais empregado nas minas foi o repartimiento, ou a mita, como
era chamado na região do Alto Peru, onde se localizava Potosí.
Aliás, Potosí pode ser um ótimo exemplo para compreender-
mos como funcionava o trabalho nas minas. Organizado na época
de D. Francisco Toledo (veja a Figura 9), vice-rei do Alto Peru, o tra-

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150 © História da América II

balho em Potosí exigia a utilização anual de 13.500 homens. Essa


mão de obra era recrutada junto a 16 províncias localizadas nas
proximidades da zona de mineração, pelo sistema de repartimiento.

Figura 9 D. Francisco Toledo.

A totalidade desses homens era chamada de “mita gruesa”.


Chegando ao local de trabalho, a mita gruesa era dividida em
outros três grupos de 4.500 trabalhadores, chamados de “mita
ordinaria”. Cada grupo trabalhava uma semana dentro das minas.
Enquanto isso, os outros dois grupos descansavam.
Na realidade, o trabalho era realizado durante cinco dias
ininterruptos, já que o domingo ficava reservado ao descanso sa-
grado, e a segunda-feira era o dia em que ocorria a separação dos
grupos, restando os outros dias para o trabalho. Durante as sema-
nas de descanso, o trabalhador que quisesse poderia oferecer o
seu trabalho em forma de minga e receber, pelos mesmos servi-
ços, um valor bem maior.
Dentro da mita ordinaria havia, também, uma divisão de
funções de trabalho. O trabalhador encarregado por abrir os bura-
cos e atingir os veios de prata era chamado de “barretero”, já que
utilizava barras de ferro para romper o solo. A terra e as pedras
excedentes, resultado do processo de escavação, eram retiradas
pelos tenateros. Esse nome provém das bolsas de couro ou palha
utilizadas para o transporte do excedente, chamadas “tenates”.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 151

Nessas bolsas, os tenateros podiam levar até 150kg de peso


em uma única viagem. Por conta da péssima iluminação no inte-
rior das minas, eles carregavam velas amarradas na fronte, ou no
dedo mínimo da mão que segurava a bolsa nas costas, iluminando,
assim, o caminho do trabalhador que viesse atrás.
Veja a representação de trabalho mineiro na colônia
espanhola na Figura 10.

Figura 10 Representação de trabalho mineiro na colônia espanhola.

Esse simples exemplo nos leva a supor o quanto as condi-


ções de trabalho eram precárias. Mais do que isso, eram, para os
padrões atuais, desumanas. Desde o material utilizado para a ex-
tração, até as condições climáticas das minas, tudo se apresentava
como uma ameaça à vida do mineiro.
As grandes diferenças de temperatura existentes entre o
interior e o exterior das minas e as enormes quantidades de pó
provocavam uma série de doenças respiratórias que levavam os
trabalhadores a óbito. Além disso, o trabalho de cinco dias conse-
cutivos produzia uma série de mortes por exaustão, por falta de
água ou ar. As condições precárias de trabalho eram responsáveis,
também, por uma série incontável de casos de mutilação de per-
nas, mãos e braços.

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152 © História da América II

Nas minas de mercúrio, as principais causas de morte de mi-


neiros foram a aspiração dos gases tóxicos emitidos pelo mineral e
os desmoronamentos mais comuns nessas áreas. Já nas minas de
ouro, as principais vilãs, aliadas às péssimas condições de traba-
lho, foram as doenças tropicais.
Não foi à toa que o trabalho na mineração foi um dos gran-
des responsáveis pela morte de indígenas na América espanhola.
Por essa razão, dominou boa parte das discussões historiográfi-
cas sobre o período da América espanhola colonial. A exploração
mineral foi vista como um dos principais motivos do atual atraso
econômico dos países latino-americanos.
Tal visão ganhava ainda mais força quando se olhava para o
trabalho e a economia na América britânica em sua época colo-
nial. Mas será que esta ideia procede? Na América britânica, como
ocorreu o trabalho? Quais eram as principais fontes de lucro?
Vamos conhecer as respostas para essas questões a seguir.

8. ASPECTOS ECONÔMICOS DA COLONIZAÇÃO NOR-


TE-AMERICANA
Na unidade anterior, para facilitar a compreensão da estru-
tura política da América britânica, dividimos as treze colônias em
três blocos: as colônias do norte, as intermediárias e as do sul.
Fizemos isso por conta das similaridades e diferenças existentes
entre elas, o que nos permite uma generalização da estrutura co-
lonial sem perder as especificidades de cada localidade.
Nesta unidade, para abarcarmos os aspectos econômicos
das colônias britânicas, faremos o mesmo exercício, no entanto,
privilegiando somente as colônias do norte e do sul. Aliás, aqui ele
nos aparece ainda mais importante devido a uma diferença geo-
gráfica existente entre essas colônias: o clima.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 153

De certa maneira, o clima foi preponderante para o tipo de


relação econômica produzida entre os homens e o seu meio am-
biente em cada uma das localidades. Começaremos pelo norte.

As colônias do Norte (ou Nova Inglaterra)


Nas colônias do norte, o clima temperado semelhante ao eu-
ropeu não permitia a produção de alimentos e produtos tropicais
para a exportação. Tal fato contribuiu para o desenvolvimento de
um núcleo econômico voltado à policultura e à produção interna.
A produção alimentícia, para a sustentação do mercado in-
terno, não exigiu a utilização de uma vasta mão de obra. Assim,
pautada primordialmente no trabalho familiar, a economia agríco-
la abrangeu como principais atividades a plantação do milho e a
pecuária. Além disso, outra importante atividade econômica des-
sas colônias foi a pesca, facilitada pelo litoral recortado que propi-
ciava a instalação de bons portos naturais.
Na realidade, a presença de madeira em abundância no
Novo Mundo permitiu, até mesmo, o surgimento de uma pequena
indústria naval. A construção de navios foi importante não somen-
te para a pesca, mas, também, para o comércio marítimo. Confor-
me descreve Remond (1989, p. 5):
Tripulações bem treinadas partiam todos os anos para proveitosas
campanhas de pesca do bacalhau, nos cardumes de Terra Nova, ou,
para mais longe, atrás de baleias. Zarpando de Newport ou Ports-
mouth, os navios iam até as Antilhas, onde carregavam, infringindo
o pacto colonial, o rum, o melaço e todos os produtos das ilhas.

A pesca e o comércio marítimo movimentaram a economia


interna e provocaram o surgimento de um sem-número de ofici-
nas, tais como usinas de açúcar, moinhos, serrarias e fábricas de
papel. Os produtos obtidos partiriam para a Europa ou, então, con-
tribuiriam para o fortalecimento do Comércio Triangular.
O Comércio Triangular foi, sem dúvida, uma das atividades
mais importantes da América colonial, envolvendo os navegadores
das colônias do norte. Segundo descreve Karnal (2003, p. 51):

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154 © História da América II

Esse comércio consistia, simplificadamente, na compra de cana e


melado das Antilhas, que na colônia seriam transformadas em rum.
O rum obtinha fáceis mercados na África, para onde era levado por
navios da Nova Inglaterra e trocados, usualmente, por escravos. Es-
tes escravos eram levados para serem vendidos para as Antilhas.
Após a venda, os navios voltavam para a Nova Inglaterra com mais
melado e cana para a produção de rum. Este comércio era altamen-
te lucrativo, entre outros motivos por garantir que o navio sempre
estivesse carregado de produtos para vender em outro lugar.

Veja o mapa representativo do Comércio Triangular das treze


colônias na Figura 11.

Figura 11 Comércio Triangular das Treze Colônias.

Essa atividade recebeu o seu nome por conta do formato


triangular que possuía a sua rota entre Nova Inglaterra, Antilhas e
África. Além disso, conforme ilustra o mapa anterior, o Comércio
Triangular podia se estender até a Europa, levando ao Velho Mun-
do o melaço, o açúcar, os produtos agrícolas, o rum e os pescados,
e os navios retornavam carregados de manufaturas, tecidos e mó-
veis.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 155

Um fato a se destacar nesse tipo de atividade é que, ao se


prolongar até as Antilhas e a África, esse comércio infringia clara-
mente o pacto colonial estabelecido entre a metrópole e a colônia,
o que demonstrava uma propensão da Nova Inglaterra a uma vida
mais independente da Inglaterra do que as colônias do sul, como
vimos na unidade anterior.
Essa autonomia também se refletiu na relação entre os co-
merciantes, que obedeciam muito mais à "mão invisível que rege
o mercado", à lei da oferta e da procura, do que à mão da Ingla-
terra, à lei do pacto colonial, o que ocorreu no desenvolvimento
de uma concepção de liberdade diferente das outras colônias do
continente americano. Nas colônias do norte, seriam justamente
os comerciantes os membros prioritários da aristocracia colonial.
Além disso, o tráfico negreiro movimentado pelos navios da
Nova Inglaterra não serviu somente para o comércio com as Anti-
lhas, já que muitos dos negros trazidos pelos barcos “norte-ameri-
canos" tinham como endereço as plantations das colônias do sul.

As colônias do sul
Ao contrário das terras temperadas do norte, que contribuí-
ram para o surgimento da policultura, o clima do sul permitiu o de-
senvolvimento de uma economia marcada pelas grandes fazendas
dedicadas à monocultura.
Além do fator climático, há de se ressaltar que o tipo de mi-
gração responsável pela colonização do Sul possuía uma concep-
ção de riqueza vinculada à posse da terra, conforme descreveu
Remond (1989, p. 8).
Culta, requintada, essa classe que descendia em parte de cavaleiros
e levava uma existência de nobreza rural transplantou para a Amé-
rica as maneiras de viver da aristocracia européia [...]

Enquanto isso, no norte, a chegada predominantemente de


puritanos (calvinistas) fez com que existisse uma compreensão do
empreendedorismo empresarial, do trabalho e do lucro como fontes

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156 © História da América II

de edificação do homem e de sua aproximação da graça divina. Algo


semelhante àquilo que Max Weber chamou de “ética protestante”.
De tal maneira, as colônias do sul desenvolveram um sistema
econômico pautado nas plantations, assim definidas por Cardoso
(1985, p. 88): "[...] grande propriedade que se caracterizava pelo
uso da mão-de-obra escrava para a produção de artigos tropicais
de exportação". Diferentemente do norte, o sul teve como grande
foco de sua produção agrícola o mercado externo.
Perceba que, se a economia do norte em nada se asseme-
lhava com as demais colônias do continente americano, nesse pri-
meiro momento as colônias do sul assemelhavam-se muito mais à
colonização brasileira do que à espanhola.
O primeiro grande produto a se estabelecer como fonte de
riqueza nas plantations sulistas foi o tabaco. Sendo um produto de
difícil cultivo, pois extrai do solo muitas quantidades de minerais,
demandou numerosa mão de obra. Durante todo o século 17, essa
necessidade foi suprida pela utilização do trabalho servil.
No entanto, com a introdução do cultivo do arroz e do anil,
no início do século 18, tornou-se inevitável a aquisição de mão de
obra escrava, fomentada primordialmente pelo Comércio Triangu-
lar. É o que informa o historiador americano Aptheker (1967, p.
40): "[...] com o século XVIII e a produção de arroz, anil e fumo em
grandes quantidades, a mão de obra escrava adquiriu uma impor-
tância decisiva para todas as colônias, de Maryland à Geórgia".
Sobre os tipos de trabalho existentes nas treze colônias bri-
tânicas, discutiremos agora.

A concepção de trabalho e o trabalho assalariado


Diferentemente da Espanha e de Portugal, na Inglaterra mo-
derna não predominou uma visão do trabalho como algo negativo
ou voltado para as camadas mais baixas da sociedade. Conforme
explica Karnal (2003, p. 49):
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 157

[...] na
Península Ibérica, os mouros e judeus tinham se dedicado a
atividades como o artesanato e o comércio. O verbo "mourejar",
sinônimo português de trabalhar, é uma herança desse fato. O ideal
da aristocracia ibérica era, exatamente, levar uma vida na qual o
trabalho braçal não fosse uma necessidade. O trabalho braçal era
coisa de mouros e judeus.

Já na Inglaterra, a existência de uma burguesia em evolução,


com participação até mesmo no Parlamento, o desenvolvimento
de novas técnicas e métodos de produção de mercadorias, e a mi-
gração maciça de camponeses para as cidades fizeram com que o
trabalho não tivesse a mesma conotação que tinha para os ibéri-
cos.
Outro elemento que contribuiu para uma visão positiva do
trabalho na Inglaterra foi a grande presença de religiões protes-
tantes, entre elas o calvinismo. Essa religião influenciou as concep-
ções religiosas do anglicanismo, religião oficial da Coroa Inglesa.
Dentre as várias religiões que sofreram sua influência, a ala mais
conservadora era representada pelos puritanos.
O advogado francês João Calvino havia desenvolvido uma
concepção de benção divina diferente da que possuíam os católi-
cos. Se, para os católicos, a graça divina seria atingida somente na
vida pós-túmulo, para os calvinistas o progresso financeiro repre-
sentava a predestinação dos céus, já na Terra.
Assim, a ascensão social e econômica promovida pelo traba-
lho era uma forma de se provar a benção de Deus. Essa concepção
atravessou os mares com os protestantes, servos, camponeses e
mercadores que vinham para a América em busca dessa graça di-
vina.
Por conta disso, o trabalho livre atingiu cerca de 2/3 da po-
pulação da América inglesa colonial, principalmente na Nova In-
glaterra. Para cerca de 70% da população livre e assalariada, a vida
na América era realmente mais próspera do que na Inglaterra. A
possibilidade de mobilidade social era realmente grande. Mobili-
dade tanto para cima quanto para baixo, visto que da mesma for-

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158 © História da América II

ma que se construíam grandes fortunas, outras tantas poderiam


ser perdidas ao longo de uma geração.
De qualquer forma, se os salários eram mais altos do que na
Inglaterra, o custo de vida também era. Os preços das mercadorias
manufaturadas e dos produtos de primeira necessidade consu-
miam boa parte dos salários dos norte-americanos, sendo um dos
principais motivos para a falta de poder real dos salários as polí-
ticas de controle da produção, do comércio e da moeda impostas
pela Coroa inglesa, como vimos na unidade anterior.
Tal realidade fez com que vários trabalhadores reivindicas-
sem melhores salários e condições de trabalho. Por conta disso,
a greve de trabalhadores assalariados esteve presente nas treze
colônias britânicas ainda no século 17.
Segundo Aptheker (1967, p. 56):
[...] a primeira dessas greves de operários (em contraste com gre-
ves de mestres artífices, que eram, na realidade, protestos contra
os níveis de preços regulados pelo Governo) foi a dos pescadores
ao longo da costa do atual Maine, em 1636, por um adiantamento
salarial.

Assim como os pescadores, na zona urbana existiram muitos


outros trabalhadores que viviam da venda de seu trabalho como
fonte de sustento. Entre eles estavam artesãos, marinheiros, tra-
balhadores comuns, pequenos comerciantes, artífices, mecânicos,
entre outros. “O salário de um desses trabalhadores girava em tor-
no de 25 a 85 centavos ao dia, como em Nova York” (APTHEKER,
1967, p. 39).
Além dos trabalhadores mencionados anteriormente, consi-
derados o grosso da mão de obra livre urbana, faziam parte dessa
modalidade de trabalho os grandes comerciantes e os donos de
indústrias nascentes.
Na zona rural, o trabalho livre era realizado por camponeses,
que trabalhavam tanto nas plantations do sul quanto em fazendas
particulares que empregavam o trabalho familiar. Já os grandes fa-
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 159

zendeiros aproveitavam-se da mão de obra alheia para a produção


de suas riquezas.
Além das péssimas condições de trabalho e das constantes
reivindicações por melhores salários, que acabavam invariavel-
mente no questionamento do poder real, o fato que mais impres-
siona na história do trabalho livre da América do Norte refere-se
às punições físicas. Como exemplo, podemos afirmar que várias
empregadas domésticas largavam os seus empregos por conta de
espancamentos promovidos por patrões.
Entretanto, essa prática de açoitamento a trabalhadores as-
salariados era infinitas vezes menor do que a servos e a escravos.
Começaremos pelos servos.

A servidão
O trabalho servil constituiu-se como uma das principais for-
mas de trabalho até meados do século 18. Estima-se que, durante
os quase dois séculos de colonização, cerca de 10% a 15% da popu-
lação branca das treze colônias teria vivido desse tipo de trabalho
forçado e sem remuneração.
Além disso, muitos dos imigrantes que chegaram à América
inglesa nesse período somente tornaram possíveis suas viagens
graças a acordos de servidão realizados ainda em território bri-
tânico. Muitos deles trocavam a passagem de vinda para o Novo
Mundo por um período de servidão que variava de dois a sete
anos. Dessa maneira, amortizavam a dívida adquirida com o seu
trabalho e, por isso, foram chamados de “amortizadores”.
Cerca de 70% de toda a imigração colonial foi composta por
amortizadores. Outro tipo de servidão comum na América do Nor-
te foi aquela formada por aprendizes. Os aprendizes eram crianças
americanas pobres que trocavam o seu aprendizado pela servidão,
que duraria até os 21 anos.

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160 © História da América II

Esses dois tipos de servos, os amortizadores e os aprendizes,


enquadravam-se em um tipo de servidão voluntária. Além disso,
ainda existiam aqueles que se tornavam servos involuntariamente.
Entre esses havia dois grupos:
• O primeiro grupo era constituído por homens que se con-
vertiam em servos em razão de dívidas e por aqueles que,
ao cometerem pequenos delitos, eram obrigados a cumprir
penas estabelecidas pelo Estado em forma de servidão.
• O segundo grupo era formado por pessoas raptadas, ge-
ralmente crianças de famílias muito pobres da Inglaterra,
e por presos condenados à morte ou com penas muito
longas, os quais trocavam suas condenações pela servi-
dão nas colônias da América. Essas novas penas poderiam
durar de 7 a 14 anos, ou a vida toda.
Perceba que, pela descrição apresentada anteriormente,
não vieram à América somente pessoas interessadas em construir
uma nova nação, como alega o mito da colônia de povoamento
mencionado no início desta unidade. De qualquer forma, discuti-
remos mais sobre esse assunto na próxima unidade.
Conforme nos conta Aptheker (1967, p. 48), durante o prazo
de servidão:
[...] o trabalhador não recebia pagamento em salário – sua com-
pensação vinha em forma de cama e comida, de aprender um
ofício e, geralmente, de uma pequena recompensa em dinheiro,
roupas e ferramentas ao fim do prazo, além de uma concessão de
terras, às vezes pelo Governo.

De qualquer maneira, as condições de vida e de trabalho


desses servos (homens, mulheres e crianças), apesar de brancos,
não fugiam daquela realidade imposta aos escravos negros. Ainda
segundo Aptheker (1967, p. 48):
[...]suas horas e condições de trabalho eram determinadas pelo
amo, e o dever do servo era obedecer e trabalhar diligentemente.
A punição ficava a critério do amo e incluía severos "corretivos"
físicos, enquanto a fuga era passível de punição não apenas por es-
pancamento, mas também pela duplicação ou triplicação do prazo
do contrato de servidão.
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 161

Por isso, muitos servos planejavam complôs ou levantavam-


-se contra os seus amos. Durante o século 17, no qual houve pre-
domínio da servidão na América inglesa, foram vários os casos de
conspirações de servos contra seus senhores. O estado da Virgínia
foi o que mais apresentou problemas dessa natureza, principal-
mente entre 1661 e 1681. Após esses anos, já em 1863, uma cons-
piração de servos, também na Virgínia, contou com a participação
de escravos negros, o que demonstra a proximidade entre servos
e escravos ao longo do período colonial.
Abordaremos esse assunto a seguir!

A escravidão
A primeira leva de escravos trazida para as colônias inglesas
deu-se em 1619, no atual estado da Virgínia. Cerca de cinco anos
depois, o primeiro afro-americano nasceria oficialmente na cidade
de Jamestown. Em apenas duas décadas, a escravidão negra já te-
ria se expandido por todas as treze colônias.
No entanto, conforme apresentamos anteriormente, esse
tipo de trabalho não teria uma importância na dinâmica da eco-
nomia colonial antes do século 18, já que, até então, a escravidão
estava relacionada, principalmente, ao trabalho doméstico.
De qualquer forma, ao longo do século 17, a escravidão
ganhou cada vez mais espaço para, no início do século seguinte,
apresentar uma estrutura muito bem definida. Conforme analisa
Aptheker (1967, p. 40), dentro de sua crítica marxista ao sistema
colonial norte-americano:
Por volta de 1720, a escravatura negra americana era um sistema
de escravização bem desenvolvido e comercializado de monocul-
tura e produção de mercadorias. Já passara da forma doméstica
para a plantação, onde as mercadorias eram produzidas para venda
num mercado amplo, de âmbito mundial. Isso, além da ideologia
que relacionava e sustentava o sistema, explica a intensa explora-
ção e brutalidade que caracterizaram o sistema de emprego do es-
cravo negro americano, no início do século XVIII, e continuariam a
caracterizá-lo durante 150 anos.

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162 © História da América II

Veja a representação do tráfico negreiro nos Estados Unidos


na Figura 12.

Figura 12 Representação do tráfico negreiro nos Estados Unidos.

A escravidão foi uma realidade em todo o território da Amé-


rica inglesa. Se por um lado ela esteve relacionada às plantations
no sul, por outro, no norte, mesmo que em escala bem menor, ela
se vinculou ao comércio.
Ainda no século 17, apareceram as primeiras leis que regu-
lamentavam a escravidão. Contudo, não podemos nos esquecer
de que, assim como para qualquer assunto, as leis direcionadas à
escravidão variavam entre as treze colônias.
A colônia da Virgínia, por exemplo, em 1662, decidiu que a
condição de escravo era algo transmitido pela mãe e nunca pelo
pai. Assim, somente o filho de mãe negra seria considerado escra-
vo, o que "condenava" à escravidão o filho de pai inglês com mãe
africana. Também na Virgínia, em 1669, decidiria que o senhor ou
capataz que matasse um escravo, como consequência de castigos
corporais, deveria ser absolvido.
O interessante dessa última lei é que ela nos permite com-
preender uma visão comum que se fazia do escravo na época co-
lonial. Para todas as colônias entre os séculos 17 e 18, o escravo
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 163

foi concebido como uma coisa, uma ferramenta de trabalho ou um


bem patrimonial. Desse modo, tal lei absolvia o dono do escravo,
uma vez que, conforme esclarece Karnal (2003, p. 60):
[...] matar o escravo não é ato intencional, posto que ninguém, in-
tencionalmente, procura destroçar “seus próprios bens”. Esta lei
revela a “reificação” (tornar coisa) do escravo na legislação colonial.

À medida que a escravidão se expandiu pelas treze colônias,


foi necessário expandir também a sua legislação e a sua regula-
mentação. Em outra colônia do sul, a Carolina do Sul, em 1712,
foi criado um amplo conjunto de leis que procuravam controlar e
regular o cotidiano do escravo. Segundo foi estabelecido:
[...] havia uma proibição de os negros saírem aos domingos para a
cidade a fim de evitar ajuntamento de negros nas cidades da Caro-
lina. Nenhum escravo poderia portar armas de qualquer espécie.
Recomendava-se rigor aos juízes que tratassem de crimes cometi-
dos por escravos, especialmente se o crime fosse de rebelião con-
tra a autoridade instituída (KARNAL, 2003, p. 60-61).

Além da ampliação da legislação escravista, aumentou com a


escravidão o medo dos brancos diante de uma possível sublevação
ou insurreição negra, temor que nunca se concretizou. Apesar dis-
so, a história americana está repleta de complôs e conspirações de
negros contra seus senhores, da mesma forma como houve entre
os servos.
O caso mais conhecido foi a tentativa de envenenamento do
sistema de água da cidade de Nova York, em 1740. Quando des-
coberto tal plano, os escravos foram severamente punidos com a
pena de morte e execução em praça pública.
Apesar dos casos conhecidos, podemos seguramente afir-
mar que o temor de possíveis insurreições escravistas foi bem
maior do que o número efetivo de conspirações e complôs. Assim,
à medida que a escravidão cresceu, também aumentaram a vio-
lência e a punição "preventiva" ao escravo.
Dessa maneira, podemos perceber algo que já havia sido
alertado por Aptheker (1967) no trecho anteriormente citado: a

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164 © História da América II

escravidão negra na América caracterizava-se pela "intensa ex-


ploração e brutalidade". Na realidade, assim como os servos, os
negros também eram vítimas de castigos cruéis, como espanca-
mento, chicotadas, marcação da pele com ferro e fogo, acorrenta-
mento no local de trabalho, ferimentos esfregados com sal, entre
tantos outros. Porém, no caso dos negros, essas agressões físicas
também partiam das mulheres dos senhores contra suas escravas
domésticas, como as babás.
Outra diferença entre servos e negros estava na maior pro-
teção aos servos brancos diante dos tribunais. Durante quase dois
séculos de colonização, nunca um escravo ganhou uma causa con-
tra um senhor. O contrário chegou a ocorrer com um servo branco
na colônia de Maryland, em 1657.
De qualquer maneira, a mão de obra escrava foi cada vez
mais empregada na América inglesa, o que acarretou o crescimen-
to da população negra nesse território.
No final do período colonial, às portas da Revolução de Inde-
pendência dos Estados Unidos, os negros já representavam cerca
de 40% da população do sul e 20% de toda a população norte-
-americana. Dos quase 2,5 milhões de habitantes, 500 mil eram
negros. Na Carolina do Sul, o número de negros chegou a ser maior
do que o de brancos.
Se somarmos o número de negros e o de servos da América
inglesa, chegaremos a 1/3 do total da população colonial. Sobre a
vida e o cotidiano dessas pessoas, discutiremos mais na próxima
unidade.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Qual a importância da discussão, proposta nesta unidade, para a sua formação?
© U3 - Aspectos Econômicos da Colonização Americana 165

2) Você sabe descrever como se organizavam as mitas?

3) Quais as principais diferenças entre escravidão e servidão?

4) Qual o papel do crédito para a movimentação comercial na hispano-América?

5) Quais eram as principais características das relações comerciais e de produ-


ção entre as metrópoles e as colônias?

10. CONSIDERAÇÕES
Nesta unidade, acompanhamos as principais características e
diferenças da economia e da produção da vida material na América
espanhola e nas treze colônias britânicas. Vimos como se desenvol-
veram o trabalho e a extração de riquezas na América colonial.
A fazenda, a mineração e o comércio foram os principais ele-
mentos da economia colonial em território espanhol, sustentados
pelo trabalho escravo negro ou pelo trabalho compulsório indígena.
Já na América inglesa, o comércio do Norte dividia as aten-
ções com as grandes plantações de fumo, arroz e anil do Sul. Lá
também se desenvolveu com grande importância o trabalho livre
e assalariado, em conjunto com a servidão branca e a mais terrível
escravidão negra da história da humanidade.
Esses são elementos que compõem a estrutura econômica
da sociedade colonial americana. Economia que era sustentada e
conduzida por homens e mulheres comuns que desenvolviam sua
vida em uma sociedade cada vez mais nova e particular. A socieda-
de colonial da América é o tema de nosso próximo assunto.

11. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
Figura 1 Eduardo Galeano. Disponível em: <http://blogmetropolitano.blogspot.
com/2008_03_01_archive.html>. Acesso em: 16 mar. 2009.

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166 © História da América II

Figura 2 Cerro de Potosí. Disponível em: <http://www.gabrielbernat.es/colonia/mineria/


assets/images/potosi2.JPG>. Acesso em: 8 jul. 2011.
Figura 5 Rodeo americano. Disponível em: <http: //www.uc.cl/sw_educ/historia/
america/html/f2_1-21.html>. Acesso em: 8 jul. 2011.
Figura 6 Intercâmbio de produtos entre indígenas e mercaderos espanhóis. Disponível
em: <http://www.puc.cl/sw_educ/historia/america/html/f2_1-32.html>. Acesso em: 11
jul. 2011.
Figura 7 Representação de trabalho indígena na colheita de milho, por Guaman Poma
de Ayala. Disponível em: <http://www.puc.cl/sw_educ/historia/america/html/f2_1-46.
html>. Acesso em: 11 jul. 2011.
Figura 8 Representação do trabalho de escravos na agricultura colonial. Disponível em:
<http://www.puc.cl/sw_educ/historia/america/html/not19.html>. Acesso em: 11 jul. 2011.
Figura 9 D. Francisco Toledo (1515-1584). Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_
tTFdYezGXMQ/SCuPyOMsbiI/AAAAAAAAAFU/1sGIMvPuAI0/s200/francisco_de_Toledo.
jpg>. Acesso em: 11 jul. 2011.
Figura 10 Representação de trabalho mineiro na colônia espanhola. Disponível em: <http://
www.puc.cl/sw_educ/historia/america/html/f2_1-1.html>. Acesso em: 11 jul. 2011.
Figura 11 Comércio Triangular das Treze Colônias. Disponível em: <http://www.
colegioanchieta-ba.com.br/profs/roberto_carlos/mapas/comerciotriangular.jpg>.
Acesso em: 6 mar. 2009.
Figura 12 Representação do tráfico negreiro nos Estados Unidos. Disponível em: <http://
www.marxist.com/images/stories/usa/blackstruggle/bslavery.jpg>. Acesso em: 12 jul. 2011.

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


APTHEKER, H. Uma nova história dos Estados Unidos: a era colonial. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1967.
BAKEWELL, P. A mineração na América Latina Colonial. In: BETHELL, L. (Org.). História
da América Latina: a América Latina Colonial. São Paulo: Edusp; Brasília: Fundação
Alexandre Gusmão, 2004. v. II.
CARDOSO, C. F. O trabalho na América Latina Colonial. São Paulo: Ática, 1985.
CHIAVENATTO, J. Genocídio americano. São Paulo: Moderna, 1998.
GALINDO, A. F. Aristocracia y Plebe: Lima, 1760-1830. Lima: Mosca Azul, 1984.
FLORESCANO, E. A formação e a estrutura econômica da hacienda na Nova Espanha.
In: BETHELL, L (Org.). História da América Latina: a América Latina Colonial. São Paulo:
Edusp; Brasília: Fundação Alexandre Gusmão, 2004. v. II.
GALEANO, E. As veias abertas da América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1994.
KARNAL, L. Estados Unidos: a formação da nação. São Paulo: Contexto, 2003.
LÓPEZ DE GÓMARA, F. C. The life of the conqueror by his secretary. Los Angeles: Berkeley,
1966.
REMOND, R. História dos Estados Unidos. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
EAD
Aspectos Socioculturais
da Colonização
Americana
4
1. OBJETIVOS
• Conhecer e apresentar as principais características da so-
ciedade e da cultura na América espanhola.
• Identificar e compreender as principais características da
sociedade e da cultura na América inglesa.

2. CONTEÚDOS
• Igreja, religião e religiosidade na América espanhola.
• A sociabilidade americana: miscigenação e religiosidades.
• Aspectos da sociedade e da cultura nas treze colônias in-
glesas.
168 © História da América II

3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE


Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que
você leia as orientações a seguir:
1) Em razão da importância histórica de José Gabriel Con-
dorcanqui, ou simplesmente Tupac Amaru II, saiba que:
Tupac Amaru II
Tupac Amaru II foi um dos líderes da rebelião indígena
da década de 1780 na região de Tinta no Peru. Dizia ser
descendente direto dos Incas. Hoje é visto como um dos
primeiros líderes do processo de independência latino-
americana que começaria duas décadas mais tarde. Aliás,
o nome “Tupac Amaru” sempre foi sinônimo de resistência
contra a opressão na América Latina. No Uruguai sob regime
militar, no século 20, o movimento guerrilheiro contrário ao
governo intitulava-se Movimento Tupamaro. Foi somente no
século 20 que este nome passou a compartilhar com outro, Che Guevara, o
imaginário latino-americano revolucionário e contrário à opressão (imagem
disponível em: <http://word.world-citizenship.org/wp-content/uploads/2007/10/
Jos%C3%A9%20Gabriel%20Condorcanqui.gif>. Acesso em: 15 jul. 2011).

2) Para aprimorar seus conhecimentos, saiba que do con-


tato entre brancos e índios na América do Norte, surgiu
a história de Pocahontas e do capitão inglês John Smith:
John Smith
Ainda no início da colonização, em 1607, a jovem indígena
(Pocahontas), com aproximadamente 11 anos, livrou da
morte o capitão John Smith. Aos 14 anos converteu-se ao
cristianismo e, anos mais tarde, partiu para a Inglaterra, onde
morreria tentando regressar à colônia (imagem disponível
em: <http://familyresearchlibrary.com/images/pocahontas.
jpg>. Acesso em: 13 jul. 2011).

3) Pesquise na bibliografia indicada sobre as congrecacio-


nes, denominação utilizada no México, e as reducciones,
no Peru. As reduções iniciaram-se no vice-reino da Nova
Espanha (1560) e depois no Peru (1570).
4) Pesquise em sites específicos sobre o seguinte assunto:
durante o período colonial surgiram ordens católicas es-
pecificamente americanas, como os hipolitanos, os an-
toninos e os belemistas.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 169

5) Quando mencionamos, por exemplo, o comércio ou as


riquezas naturais, também nos referimos às pessoas que
se ocuparam das funções de comerciantes e minerado-
res e às maneiras como as políticas imperiais alteraram
suas vidas. Além disso, tratamos dos diversos tipos de
trabalho e das modalidades de mão de obra indígena.
6) Nesta unidade, chamaremos de mestiços, genericamen-
te, as pessoas que descendem de todos os cruzamentos
inter-raciais. Na época colonial, chamavam de mestiços
somente os descendentes dos cruzamentos entre bran-
cos e indígenas. Já os descendentes dos cruzamentos
entre espanhóis e negros, por exemplo, eram chamados
de mulatos, e o de mestiços com espanholas, castizos.
7) Muitos espanhóis vindos para a América construíram
um passado nobre para suas ascendências. Os cronistas
medievais já construíam histórias de nobreza e "falsi-
ficavam" passados honrosos e gloriosos para quem os
contratasse. Assim, não é de se estranhar esse compor-
tamento dos aventureiros desbravadores da América.
8) Muitos espanhóis vindos para a América construíram
um passado nobre para suas ascendências. Os cronistas
medievais já construíam histórias de nobreza e "falsi-
ficavam" passados honrosos e gloriosos para quem os
contratasse. Assim, não é de se estranhar esse compor-
tamento dos aventureiros desbravadores da América.
9) A partir de meados do século 18, a restrição imposta aos
criollos quanto à ocupação das principais funções admi-
nistrativas e religiosas da colônia e o crescimento de sua
liderança regional foram fundamentais para o processo
de independência da América espanhola.

4. INTRODUÇÃO À UNIDADE
Durante as unidades anteriores, ao descrevermos o início da
colonização, seus aspectos políticos e econômicos, de uma forma
ou de outra, acabamos por apresentar elementos da sociedade e
da estrutura social da colônia.

Claretiano - Centro Universitário


170 © História da América II

De outra maneira, abordar as motivações que levaram à co-


lonização é citar, também, as expectativas e os sonhos que pos-
suíram os homens e as mulheres que participaram da empreitada
colonial, tanto na América espanhola quanto na britânica.
Desse modo, nesta unidade, apresentaremos algumas carac-
terísticas mais específicas dos grupos sociais que compunham a
sociedade colonial. Nessa averiguação, além de pessoas, aparece-
rão alguns elementos culturais, tais como a religião e a religiosida-
de, a educação, o cotidiano e o imaginário da sociedade colonial.
Ainda que de maneira bastante sucinta, esperamos demons-
trar como era a vida na colônia, para além das estruturas. Para nos
auxiliar nesse desafio, recorremos a algumas aquarelas de Pancho
Fierro (veja a Figura 1), um pintor mulato, nascido no final da épo-
ca colonial limenha, que teve como grande inspiração o cotidiano
de sua cidade. Serão 11 aquarelas no total.
Por ser um negro nascido na colônia, poderíamos pensar que
Pancho Fierro era "mais um escravo" como tantos outros. No en-
tanto, ao contrário, ele se apresentou como um artista, mostrando
que, na sociedade colonial, nem tudo era tão estático quanto po-
deríamos supor.
Assim, nesta unidade, Pancho Fierro é citado não apenas por
suas obras, mas também pela análise de sua própria vida, repre-
sentando uma forma de nos aproximar da sociedade colonial.

Figura 1 Pancho Fierro (1807-1879).


© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 171

5. A SOCIEDADE NA AMÉRICA ESPANHOLA


Antes de iniciarmos a caracterização da estrutura social da
colônia espanhola, gostaríamos de fazer uma advertência sobre
este tipo de exercício. Sabemos que é bastante tentador desenhar
uma pirâmide social e recortá-la em estamentos, apontando onde
cada grupo da sociedade se insere.
Na realidade, é até possível fazer algo assim e obter algum
sucesso. Entretanto, ao estabelecermos tal panorama, teremos a
impressão de que a sociedade colonial obedeceu a alguns padrões
mecânicos de sociabilidade, como se as estruturas fossem monolí-
ticas e todas as pessoas de um mesmo grupo tivessem as mesmas
aspirações, sonhos, medos e, principalmente, o mesmo destino.
Mas não é bem assim que podemos enxergar os fatos.
O historiador peruano Galindo (1984), em seu livro Aristo-
cracia y Plebe, já citado outras vezes nesta obra, fez a seguinte
observação ao analisar a estrutura da sociedade limenha dos sé-
culos 18 e 19: "persiste a tendência de imaginar a estrutura social
da colônia como integrada por personagens imóveis. Porém, como
todos os estereótipos, este tampouco resiste à menor indagação"
(GALINDO, 1984, p. 137).
Contrariando a tendência vigente, Galindo (1984) demons-
trou em seu livro que, ao olhar para a sociedade colonial, não ve-
mos somente escravos que tiveram suas vidas marcadas pelos tra-
balhos forçados e açoites diários, dormindo em taperas e presos a
grilhões pela garganta ou punhos.
É verdade que havia vários como esses escravos (quase a maio-
ria), contudo existiram também: aqueles que compraram a sua liber-
dade, que casaram com quem escolheram e, assim, formaram uma
família; aqueles que fugiram para palenques (espécie de quilombo
hispano-americano) ou preferiram viver em grupos de bandoleiros,
povoando o imaginário de viajantes e comerciantes que temiam a sua
aparição pelas carreteras; aqueles que se tornaram artesãos, ganha-

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172 © História da América II

ram dinheiro e compraram terras; aqueles que levaram seus amos


à corte dos cabildos e venceram tais processos, entre tantos outros.
Enfim, no mesmo tempo e espaço, houve homens e mulheres cujas
vivências diferiam muito de tantas outras de escravos.
Veja a representação de uma aquarela do pintor colonial
Pancho Fierro na Figura 2.

Figura 2 Aquarela intitulada Esclavo Aguadero,


do pintor colonial Pancho Fierro.

Com relação aos brancos, é comum pensarmos neles como


os homens ricos, os donos de fazendas, os prefeitos de cidades ou
os exploradores. Mais uma vez, é preciso reconhecer que a maio-
ria dessas atividades foram exercidas pelos brancos. No entanto,
não devemos nos esquecer de que também existiram os brancos
pobres, famintos e, também, excluídos.
Talvez a advertência que fazemos aqui soe como algo muito
romantizado. Porém, parece-nos importante lembrar que a história
não é uma ciência exata e que os personagens históricos não podem
ser analisados como moléculas dentro de um tubo de ensaio. Foram
pessoas quase sempre anônimas, mas com vidas próprias. A mesma
observação serve para o contexto da colonização britânica.
Justamente por isso, estamos de pleno acordo com o histo-
riador espanhol Malamud (2005, p. 137), tantas vezes já citado por
nós, quando ele escreveu, de forma bastante apropriada, que:
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 173

[...] nos territórios controlados pelos espanhóis, encontramos so-


ciedades complexas compostas por europeus e indígenas, assim
como por escravos e mestiços. Se de fato o papel do dominante foi
exercido por espanhóis, europeus, americanos ou criollos, a condi-
ção de homem branco não se traduzia automaticamente em uma
situação de predomínio na sociedade colonial. Era freqüente ob-
servar grupos importantes de espanhóis sem acesso à propriedade
da terra e, ainda mais, outros ocupando posições marginalizadas
da sociedade. Simultaneamente se podia ver caciques ou curacas
indígenas em postos de dominação nos âmbitos locais ou regionais.

Você já se imaginou lendo uma afirmação como esta: "indí-


genas em postos de dominação"? Acreditamos que não, mas os
postos de dominação existiram.
Assim, feitas essas observações, prossigamos com a caracte-
rização da sociedade colonial!

Os espanhóis
Os dois principais grupos étnicos que compuseram a socie-
dade colonial espanhola foram, sem dúvida, os espanhóis e os in-
dígenas. De certa maneira, ainda que a Coroa possuísse políticas
de inserção do indígena à sociedade colonial, esses dois grupos
acabaram por ocupar espaços diferentes da colônia, compondo
assim uma espécie de dicotomia colonial.
Dessa forma, ambos construiriam aquilo que as pessoas do
próprio século 16 chamaram de a República dos Espanhóis e a Re-
pública dos Índios, em uma clara alusão à nítida separação entre
os dois grupos. Essa divisão acabou por construir outra dicotomia,
agora de ordem geográfica, entre campo e cidade, sendo a cidade
o espaço do espanhol e o campo o lugar dos indígenas.
Dos dois grupos, os indígenas já estavam aqui desde tempos
imemoráveis, há mais de 10.000 anos seguramente, enquanto os
espanhóis somente começaram a sua história no continente com a
chegada das caravelas de Colombo. E, graças às expedições que se
seguiram ano após ano na primeira metade do século 16, os espa-
nhóis construíram a sua sociedade. Os primeiros conquistadores

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174 © História da América II

que aqui chegaram, à medida que avançavam sobre o continente,


autodenominaram-se hidalgos (fidalgos). Eles afirmavam ser fidal-
gos por linhagem ou por direito.
Essa percepção sobre si mesmos não era vã. Durante o pro-
cesso de reconquista, os espanhóis que participavam das campa-
nhas de expulsão dos muçulmanos, como recompensa por suas
"glórias militares", ganhavam pedaços de terras ou títulos nobi-
liários. Assim, os primeiros espanhóis na América pensavam que
deveriam receber os mesmos benefícios.
Tal atitude fazia parte de um pensamento importado da Europa
que se remetia a valores cruzadistas ou à maneira como se estabele-
ciam as relações de confiança entre nobres e rei. Uma evidência disso
é o fato de que, quando recebiam terras da Coroa ou eram denomi-
nados “encomenderos”, referiam-se a si mesmos como fiéis vassalos.
Perceba, portanto, que muitos dos primeiros espanhóis que
aqui chegaram não pertenciam à nobreza peninsular, ou, se per-
tenciam, não seria ao seu primeiro escalão. Porém, isso não quer
dizer que não souberam construir para e sobre si próprios uma
linhagem nobre que se remontava ao passado ibérico.
O historiador italiano Romano (1973), ao observar dois re-
latos contemporâneos sobre Hernán Cortéz, constatou que ele
deixou rapidamente de ser lembrado como “filho de um pobre
escudeiro”, para converter-se em um legítimo descendente de "hi-
dalgos pertencentes às linhagens nobres muito antigas e cheias de
honra". E, assim, decretaria Romano (1973, p. 26): "aí está: o que
era dúvida se torna realidade. A hidalguía é agora coisa adquirida".
A nobreza americana nasceu dessa maneira, de fato e não
de direito. Em sua grande maioria, uma fidalguia adquirida e não
herdada. De qualquer modo, não demorou para essa aristocra-
cia ganhar o continente. Em menos de uma geração, a sociedade
espanhola consolidou-se nos territórios em que se instalava, e à
medida que essa “nobreza” foi espalhando-se pela América, ela
também foi construindo espaços para sua atuação.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 175

Como afirmamos anteriormente, a cidade foi o local primordial


da aristocracia colonial. Na realidade, como sustenta Vainfas (1984), foi
o “grande palco de sua cena teatral”. Afirma o historiador brasileiro:
[...] era preciso um cenário onde os senhores ficassem juntos diante da
massa da população, e fizessem ver a ela e a si próprios a ostentação
de uma vida frívola. O palco espontâneo acabou sendo o das cidades,
núcleo essencial da cristalização da fidalguia (VAINFAS, 1984, p. 101).

Nas cidades, os espanhóis, imbuídos de seus títulos nobi-


liários, passaram a ocupar os melhores cargos da administração
espanhola, o que os converteu na elite da sociedade colonial. Tal
papel era corroborado por sua atuação nas cidades.
As principais instituições políticas, culturais, econômicas e
religiosas da colônia encontravam-se nas cidades. Quando se tra-
tava de uma grande cidade, como Lima e a Cidade do México, era
ali que se localizavam as universidades, a cabeça do arcebispado,
a sede da corte do vice-reinado, entre outras. Todas essas institui-
ções passavam pelas mãos de espanhóis brancos e peninsulares,
também conhecidos como “chapettones”.
Além disso, por serem os únicos com acesso à educação e à
formação superior, os espanhóis, tanto peninsulares como criollos,
eram os únicos a possuir uma profissão, figurando como jornalis-
tas, médicos e advogados.
Veja mais uma representação de aquarela do pintor Pancho
Fierro na Figura 3.

Figura 3 Aquarela intitulada El Médico,


do pintor colonial Pancho Fierro.

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176 © História da América II

Dessa maneira, os espanhóis eram os protagonistas da vida


urbana. A organização arquitetônica da cidade corroborava essa
disposição social e em torno dela se desenvolvia o teatro da “no-
breza colonial”.
Malamud (2005, p. 139) descreve, desse modo, a organiza-
ção das cidades e a vida da sociedade colonial:
As cidades se estruturaram em torno da Praça Maior [...]. Ali se en-
contravam o cabildo, a Igreja e os edifícios públicos. [...] A praça foi
o lugar de celebração do mercado e ali também tinham lugar os
festejos e os atos mais diversos, nos quais participava toda a po-
pulação. Nas principais cidades, era freqüente que na celebração
do patrono local, ou nas contadas ocasiões em que se celebrava
a chegada de um rei ao trono ou o nascimento de um príncipe,
realizavam-se corridas de touros ou outros festejos, como as mar-
chas de cavalos.

Veja a ilustração da cidade de Lima no século 17 na Figura 4.


Repare na cena que se apresenta na praça. Perto do chafariz cen-
tral, por exemplo, é possível ver uma pessoa sendo enforcada com
um crucifixo nas mãos.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 177

Figura 4 A cidade de Lima no século 17, segundo o cronista Guamán Poma de Ayala.

Perceba pela descrição e pela imagem de Guamán Poma de


Ayala a importância que a praça possuía para a cidade e para a
vida aristocrática. A praça era o local onde os espanhóis perfilavam
sua nobreza, em que afirmavam a sua religião e onde executavam
aqueles que se opunham a ela. De outra maneira, era ali também
onde eles se misturavam com negros e mestiços, no cotidiano co-
lonial.

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178 © História da América II

Com o passar dos anos, os primeiros espanhóis começaram


a ter seus filhos. A princípio, a Coroa determinava igualdade de
direitos entre espanhóis nascidos na península e na colônia. Po-
rém, não foi o que ocorreu na prática. Aos espanhóis nascidos na
América, chamados de criollos, dificilmente eram concedidos os
principais cargos da Coroa. A eles, restavam os cargos de artesãos
das corporações e a função de pequenos comerciantes, uma vez
que a burguesia mercantil era monopolizada pelos espanhóis pe-
ninsulares.
Fora do espaço urbano, nas fazendas, os criollos constituíam,
praticamente, maioria. Dominaram o campo e souberam construir
uma aristocracia forte. Por conta dessa presença e liderança no
campo, transladaram o seu poderio regional para as cidades pró-
ximas às fazendas, onde assumiram primordialmente os cargos de
alcades nos cabildos, como vimos na Unidade 2.
Veja mais algumas representações de aquarelas de Pancho
Fierro na Figura 5.

Figura 5 Aquarelas intituladas El Hacendado, Mujer a Caballo e El Notario Público, do pintor


limenho da época colonial Pancho Fierro.

À mulher espanhola, foi garantido o mesmo espaço que pos-


suíam suas iguais na elite peninsular: um papel dependente da fi-
gura masculina. Assim como na corte europeia da Idade Moderna,
a mulher não possuía muitos direitos e a sua cidadania passava
pela tutoria de seu marido, a exemplo do que ocorria com os me-
nores.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 179

Essa realidade ficava muito clara quando as mulheres per-


diam seus maridos. Elas, praticamente, também perdiam a sua
identidade e restavam-lhes poucas alternativas para suas vidas,
entre elas:
1) Voltar para a casa de seus pais.
2) Dedicar-se à vida monástica.
3) Converter-se em governanta na casa de um irmão soltei-
ro ou viúvo.
4) Morar com uma irmã casada.
Perceba que, mesmo após a morte de seu marido, a mulher
somente possuía uma "serventia" se ela se vinculasse à figura de
outro homem (pai, irmão, cunhado) ou, até mesmo, Cristo.
De qualquer forma, o número de mulheres espanholas não
era muito grande, uma vez que a maior parte dos imigrantes oriun-
dos da metrópole era composta por homens que buscavam opor-
tunidades no Novo Mundo. A colonização espanhola não foi reali-
zada por famílias de imigrantes, como ocorreu na Nova Inglaterra,
o que veremos mais adiante.
Além da aristocracia, havia, também, os espanhóis, mais
precisamente os criollos, que não conseguiam adquirir posse so-
bre terras e muito menos títulos nobiliários. Para eles, restavam al-
gumas opções. Aqueles que tinham aptidão poderiam desenvolver
uma carreira como artesãos livres, ou, então, tentar a vida como
pequenos comerciantes nas rotas entre as cidades. Já no campo,
poderiam vender a sua mão de obra como agricultores livres.
Veja mais algumas representações de aquarelas de Pancho
Fierro na Figura 6.

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180 © História da América II

Figura 6 Aquarelas intituladas Pulperia, Bizcochero e Misturera, do pintor limenho da época


colonial Pancho Fierro.

Além dessas ocupações coloniais, muitos brancos criollos


arriscaram uma vida na marginalidade e infiltraram-se nos palen-
ques, nas reducciones indígenas ou, então, formaram pequenos
bandos, armando assaltos em vias comerciais, ao lado de negros
e de mestiços. Sobre eles, discutiremos mais adiante, pois, logo a
seguir, veremos como se organizou a República dos Índios.

Os indígenas
As estimativas a respeito do número de indígenas que aqui
habitavam variam muito, bem como divergem as taxas atribuídas
à redução populacional indígena. Tal discrepância pode ser consta-
tada tanto em Joseph Barnadas (2004) quanto em Ciro Flamarion
Cardoso (na obra América Pré-Colombiana).
Dependendo dos números utilizados, pode-se incentivar a
manutenção da leyenda negra da colonização espanhola, tendên-
cia da historiografia que "vilanizou" os espanhóis, partindo de um
ponto de vista etnocêntrico e interesseiro, já que os incentivado-
res dessa lenda negra foram, sobretudo, os inimigos da Espanha:
Inglaterra, França e Holanda.
Ao longo de todo nosso estudo, mencionamos a assombro-
sa redução das populações indígenas durante a primeira metade
do século 16. Deixamos para tratar mais detalhadamente desse
assunto aqui, pois acreditamos que essa diminuição relaciona-se
com o tipo de sociabilidade que as sociedades nativas passaram a
desenvolver com o advento da colônia.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 181

Os números são realmente assustadores. Segundo estudos


de Sherburne F. Cook e Woodrow Borah, na Mesoamérica, entre
1519 e 1580, a população indígena diminuiu de 25 milhões para
1,9 milhão. "Já na região andina central, entre 1530 e 1590, a redu-
ção foi de 10 milhões para 1,5 milhão" (WATCHTEL, 2004, p. 200-
201).
Mas quais seriam as causas dessa catástrofe populacional?
Comumente a associamos ao massacre espanhol. Apesar de o
massacre espanhol ser um dos responsáveis pela redução da po-
pulação indígena, ele não consiste no principal motivo.
Conforme informa Wachtel (2004, p. 201):
A causa principal foram as doenças. Os europeus trouxeram consi-
go novas doenças (varíola, sarampo, gripe, peste) contra as quais
os índios americanos, isolados por milhares de anos do restante da
humanidade, não tinham defesa.

Além das doenças, houve mais três fatores que conduziram a


essa situação: as guerras, as migrações e o excesso de trabalho. As
guerras reduziram consideravelmente o número de nativos. Isso
fica claro quando observamos os primeiros censos demográficos
feitos na colônia. Tais censos apontaram um número muito mais
elevado de mulheres do que de homens, o que indica a influência
dos embates militares nesse desequilíbrio.
Todavia, os outros dois motivos, migração e excesso de tra-
balho, estão diretamente ligados à questão da sociabilidade in-
dígena. A retirada de populações inteiras de suas localidades de
origem, a formação das reduções e a adoção de novas dinâmicas
de trabalho fizeram com que muitos grupos não se adaptassem à
nova realidade e, por isso, estes acabaram morrendo.
Diante da diminuição assombrosa no número de nativos, a
Coroa espanhola teve de alterar suas políticas voltadas a essas po-
pulações. Como vimos na unidade anterior, as encomiendas foram
substituídas pelos repartimientos, e a figura do encomendero foi
substituída por um corregedor de índios que recolhia, junto às co-
munidades indígenas, trabalhadores para as mitas nas zonas mi-
neradoras.

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A Coroa confiou a missionários católicos o isolamento de


grupos indígenas, reunindo-os em tribos regulamentadas por leis
e menos dispersas do que os povos pré-colombianos se apresen-
tavam anteriormente. Essas tribos passaram a ser chamadas de
“reducciones” (reduções) ou “congrecaciones” (congregações). O
termo “redução” também pode ser aplicado às tribos indígenas
organizadas mesmo sem a presença da Igreja.
Para Wachtel (2004, p. 222):
As reduções estilhaçaram radicalmente os padrões de colonização
e tentaram obrigar os índios a viver em aldeias formadas sob o mo-
delo espanhol, no qual as ruas foram dispostas em padrão quadri-
cular e a praça era rodeada pela Igreja, pela residência do cabildo,
pela prisão e o pátio público.

Apesar de todas essas mudanças – destinação de homens


para as minas, submissão ao pagamento de impostos para a Co-
roa e obediência a missionários católicos – dentro das tribos conti-
nuou a prevalecer a ordem social que havia antes da chegada dos
espanhóis.
Os povos andinos continuaram baseando o seu trabalho nas
leis da reciprocidade (ayni), e o ayllu permaneceu como a estrutu-
ra social básica, assim como o calpulli continuou norteando a vida
dos indígenas mesoamericanos.
Longe das cidades, nas reduções, continuaram como oficiais
o idioma nativo e as tradições religiosas locais, bem como os mé-
todos de plantação e o culto aos ancestrais. Algumas vezes, os in-
dígenas incorporaram às suas vestimentas elementos espanhóis,
como o sombrero.
Veja a representação de mais uma aquarela do pintor Pan-
cho Fierro na Figura 7.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 183

Figura 7 Aquarela intitulada Índio de La Sierra,


do pintor colonial Pancho Fierro.

Contudo, no geral, os indígenas costumavam somar as tradi-


ções espanholas às suas, de maneira a justapô-las e não mesclá-
-las. Nas comunidades indígenas, a cultura espanhola foi adiciona-
da à cultura antiga e não misturada, o que também ocorreu com a
religião. O Deus e os santos dos espanhóis foram incorporados ao
panteão indígena. Podemos dizer que, nesse primeiro momento,
um sincretismo religioso somente existiu entre os índios da cida-
de, como veremos adiante.
Desse modo, a sociedade indígena continuou a obedecer
às regras de distribuição do trabalho social entre seus membros
da mesma forma que vigoravam anteriormente. Justamente por
isso, havia pouquíssima mobilidade social entre os indígenas nas
reduções. Caso quisessem "mudar de vida", deveriam tentar tal
feito na República dos Espanhóis, junto a mestiços e brancos sem
posse.
É bem verdade que a Coroa tentou promover a europeiza-
ção dos indígenas, oferecendo uma educação espanhola. O famo-
so colégio de Tlateloco, fundado em 1530 por franciscanos, foi um
exemplo disso. No entanto, somente os indígenas com origem na
aristocracia nativa tinham acesso a esses colégios.
Com isso, a administração espanhola esperava:

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184 © História da América II

[...] hispanizar um grupo privilegiado, a fim de criar uma classe go-


vernante que fosse obediente aos espanhóis. De acordo com essa
política, certos membros da nobreza nativa (conforme a sua posição)
adotaram as roupas européias e alguns símbolos de prestígio da cul-
tura dominante – andar a cavalo, carregar espada, ou usar um arca-
buz. [...] Dessa forma, o grupo de dirigentes fortaleceu sua função de
modelo a ser imitado pelos índios (WACHTEL, 2004, p. 221).

É preciso, entretanto, ressaltar que, à medida que a colo-


nização avançou, a rigidez social das comunidades indígenas foi
abrindo espaços para variações. Do mesmo modo, a sociedade es-
panhola também passou a incorporar de maneira mais ampla os
indígenas.
Na década de 1770, um exemplo claro da incorporação de
indígenas à sociedade espanhola foi Tupac Amaru II, que, além de
curaca (líder religioso/político) de sua tribo, era, também, um im-
portante comerciante de mulas.
Todavia, isso não quer dizer que a sociedade espanhola acei-
tou plenamente os indígenas em seu convívio diário, tampouco
que as sociedades indígenas deixaram de reproduzir sua organi-
zação tradicional. Até os dias de hoje, a figura do indígena é vista
com desprezo nas grandes cidades da América Latina. Da mesma
forma que, nas regiões rurais, é possível encontrar povos que ain-
da baseiam as suas vidas em costumes tradicionais.

Os negros
Infelizmente, por constituírem-se em grupos marginais ou
subalternos na sociedade colonial, pouco sabemos sobre os ne-
gros e os mestiços, o que não significa que não se produziu uma
história sobre eles.
Para resolver esse problema de falta de fontes históricas,
o historiador Galindo (1984) recorreu, por exemplo, à análise de
processos criminais que envolviam negros e mestiços. Tal estudo
consta em seu livro Aristocracia y Plebe: Lima, 1760-1830.
Para os estudos de escravos e negros no período colonial,
além dos processos criminais, outras fontes são os registros de ba-
tismos e os registros de compra e venda.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 185

Nessa averiguação, ainda que restrito ao ambiente da socie-


dade limenha dos séculos 18 e 19, Galindo (1984) consegue nos
apresentar as imagens de alguns rostos perdidos nessa “plebe",
como o autor mesmo se refere. Muito ao contrário do que po-
demos imaginar, essa plebe não era nada homogênea. Dentre os
muitos rostos, o autor destaca vários negros e escravos.
Conforme Galindo (1984), na época colonial espanhola, mui-
tos escravos, cientes de seu custo de investimento, ameaçavam o
suicídio como forma de chantagear seus amos contra abusos. Se
realmente fizessem isso, os amos perderiam todo o dinheiro inves-
tido e, se o escravo fosse casado, deveriam indenizar suas esposas,
ou seja, duplo prejuízo. Poucos realmente se mataram e muitos
amos cederam à pressão.
Ser negro na sociedade colonial é quase sinônimo de ser es-
cravo. No entanto, isso não garante que entre os escravos existis-
se um tipo de vida comum, nem mesmo uma unidade social. Os
próprios negros da sociedade colonial tinham resistências àqueles
que chegavam da África e aos outros que haviam nascido na Amé-
rica. Não admitiam sequer serem confundidos uns com os outros.
Nas cidades da costa peruana, por exemplo, os negros pos-
suíam uma ocupação muito clara – o serviço doméstico. Desem-
penhavam funções às quais os nobres aristocratas não estavam
dispostos. Cuidavam da cozinha, de crianças, do serviço braçal da
casa etc. A riqueza de um nobre poderia ser medida pelo número
de escravos que ele possuía.
Além disso, muitos senhores alugavam seus escravos para
serviços diários. Alguns, trabalhando como auxiliares de artesana-
to, conseguiam pagar o valor de seu aluguel e, ainda, juntar di-
nheiro para comprar a sua liberdade. Depois disso, tornavam-se
artesãos livres.
Era comum também encontrar negros vendendo produtos
agrícolas e animais de pequeno porte, geralmente excedentes da
plantação ou da criação em suas "próprias terras". Essa questão

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186 © História da América II

reclama nossa atenção, e você pode estar fazendo a seguinte per-


gunta: os negros possuíam terras?
Veja a representação de mais aquarelas do pintor Pancho
Fierro na Figura 8.

Figura 8 Aquarelas intituladas Prueba de Toro Montado e Sirvienta Espulgando


a su Ama, do pintor limenho da época colonial Pancho Fierro.

Os negrosrealmente poderiam possuir terras, uma vez que,


ao longo do período colonial, a Coroa permitiu aos escravos reali-
zar a compra de bens, como vimos na unidade anterior. Mas isso
ocorreu em número extremamente reduzido. Quando menciona-
mos terras próprias, referimo-nos a pedaços de terras que, geral-
mente, os jesuítas concediam aos escravos para que plantassem e
cultivassem seus próprios alimentos.
Nas chácaras jesuítas da costa peruana, muitos negros tra-
balharam como escravos no cultivo da cana-de-açúcar, uva, arroz
e algodão. Os jesuítas, não só no Peru, como na Venezuela, Caribe
e Brasil, utilizaram a mão de obra escrava em suas terras. Com o
trabalho escravo, plantava-se para exportar produtos tropicais à
metrópole ou para vendê-los no mercado interno.
Todavia, em troca desse trabalho, além de uma alimentação
básica, algumas peças de roupa e um lugar para dormir, os padres
emprestavam (ou arrendavam) uma pequena extensão de suas
terras aos negros. Tudo o que cultivassem ali poderia ser usado da
forma que bem desejassem.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 187

Por isso, muitos negros, aos finais de semana, pegavam suas


galinhas, suas frutas e outros alimentos e os vendiam nas praças
das cidades. Com o dinheiro das vendas, os negros compravam
roupas e alimentos que complementavam a pouca ajuda dada pe-
los jesuítas.
Além da vida no campo ou na cidade, alguns escravos pre-
feriam fugir, tendo um modo de vida alternativo. Ao fugirem, con-
vertiam-se em cimarrones, os quais podiam se agrupar em bandos
de até quatro pessoas e organizar roubos pelas rotas comerciais
entre as cidades ou chácaras. Entre seus cúmplices, poderiam exis-
tir mestiços ou, em raras ocasiões, brancos.
Alguns cimarrones converteram-se em verdadeiros mitos e,
nas cidades, corriam histórias sobre suas fugas, o número de pes-
soas que roubaram, a quantidade arrecadada em roubos, entre
outros feitos. Para muitos negros, eram tidos como verdadeiros
heróis.
Além da vida em bandos, outro destino mais frequente para
os cimarrones eram os palenques. Os palenques equivalem ao que
conhecemos aqui no Brasil por quilombos. Como descreve Galindo
(194, p. 119):
[...] trata-se de uma modalidade de protesto social negro por qual
um grupo de escravos, homens e mulheres, buscavam um lugar se-
parado, em que, protegidos por muros de cana e barro, tentavam
reproduzir suas formas tradicionais de vida.

Nos palenques, também era possível encontrar mestiços e


mulatos excluídos.
A vida de cimarron poderia durar por tempo indeterminado
e dependia da agilidade e esperteza dos negros para fugirem dos
capatazes, geralmente mestiços, de seus amos. Os escravos eram
peças valiosas, uma vez que tinham uma vida mais longa do que
os índios, os quais estavam mais sujeitos às doenças trazidas por
brancos e negros. Além disso, o escravo representava um investi-
mento inicial que o trabalhador indígena não acumulava.

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188 © História da América II

Sabemos que a realidade da escravidão e da vida dos negros


na sociedade limenha apresenta suas próprias características. Por
conta do excesso de mão de obra indígena, o vice-reino do Peru
apresentou um índice muito alto de imigração negra, algo em tor-
no de 40 mil pessoas. Uma população bastante inferior àquela que
habitava a Venezuela, a Colômbia e o Caribe, locais onde a mortan-
dade nativa foi substituída pela importação de escravos.
No vice-reino do Peru, tampouco existiram minas de ouro
importantes, fato que afastou ainda mais os negros. Contudo, ape-
sar da reduzida população negra e das peculiaridades da cidade
de Lima, não é difícil imaginar que, em outros lugares da colônia
espanhola, os palenques tenham tido a mesma importância para o
escravo refugiado como no Peru.
Da mesma forma, não é equivocado supor que, em outras
localidades, não tenham existido cimarrones que movimentaram
a vida marginal de suas cidades. Muitos agiram acompanhados de
seus amigos mestiços.

Os mestiços
O mestiço é o resultado quase natural da conquista ameri-
cana, uma vez que, entre os escravos e os colonos espanhóis, o
número de homens era predominantemente maior do que o de
mulheres e, por sua vez, entre os indígenas, por conta das guerras
de conquista, a proporção era inversa.
Tal situação deixou as “portas abertas” à mestiçagem, o que
não significa que essas uniões sejam consequências de casos de
amor e romances, que tiveram como “palco” a sociedade colonial.
Ao contrário, trata-se do resultado de uma mistura racial forçada e
brutal. Não é por menos ser insignificante o número de vezes que
pais espanhóis assumiram seus filhos com índias.
Quando isso ocorria, os filhos dos espanhóis recebiam todo
o tratamento de um criollo comum, com direito à educação e à
ocupação de cargos no cabildo, além de eles herdarem os bens de
seus pais, possuírem uma empresa de comércio etc. Porém, repe-
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 189

timos, foram raríssimas exceções. Geralmente, esses filhos eram


tratados como índios.
Conforme descreve Galindo (1984, p. 372-373), em sua obra
Buscando un inca:
Os mestiços, os verdadeiros filhos da conquista, produto dessa
orgia coletiva que foram as marchas das huestes peruleras. Filhos
naturais, pessoas ilegítimas. À sua condição étnica somaram uma
difícil inserção no mercado de trabalho: vagos, desocupados, mar-
ginais. O estereótipo os identificou como gente truculenta, disposta
a qualquer revolta.

De fato, a vida dos mestiços era repleta de dificuldades, uma


vez que não possuíam um respaldo da sociedade branca e, ao
mesmo tempo, não se sentiam parte da sociedade indígena, ou
negra. Quando sua aparência se assemelhava mais à de espanhóis,
poderiam sonhar em possuir boas colocações na sociedade colo-
nial. Entretanto, restavam-lhes poucas saídas. Um exemplo claro
disso foi o inca Garcilaso de La Vega (veja a Figura 9).

Figura 9 Inca Garcilaso de La Vega.

Filho de pai espanhol e mãe inca, Garcilaso teve toda edu-


cação e tratamento de um criollo. Por isso, durante toda sua vida
tentou se incorporar à vida fidalga dos espanhóis. Até mesmo foi
para a Espanha tentar se “converter em nobre”. Entretanto, a sua
ascendência indígena relegava-o a atividades inferiores. No fim de

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190 © História da América II

sua vida, ao perceber que não teria êxito em sua "espanholização",


resolveu assumir-se indígena, escrevendo sobre a origem de "seu
povo", os incas. Daí resultou sua célebre obra Comentários Reales.
Veja a representação de mais duas aquarelas de Pancho
Fierro na Figura 10.

Figura 10 Aquarelas Vendedora de Fruta e Jarana Peruana,


do pintor limenho da época colonial Pancho Fierro.

Os mestiços, primordialmente, dedicaram-se às atividades


assalariadas ou autônomas, como o artesanato ou o trabalho agrí-
cola. Todavia, alguns chegaram a ser pequenos comerciantes e a
desempenhar o trabalho livre nas cidades. Quando eram filhos de
negros e espanhóis, poderiam ser também escravos de nascimen-
to. No campo, em sua grande maioria, eram capatazes e estanciei-
ros, aqueles que cuidavam dos animais e dos pastos.
Os mestiços, da mesma forma que os cimarrones, poderiam
optar pela marginalidade. Quando eram filhos de negros, junta-
vam-se aos palenques ou convertiam-se em bandoleiros, ladrões
de rotas comerciais. Tais rumos também serviam para os filhos de
espanhóis com indígenas, apesar de que esses preferiam encami-
nhar-se às reduções.
Aliás, a proximidade entre negros e indígenas foi algo muito
raro. Apesar de sua dupla condição de explorados, isso não pro-
duziu um efeito de identidade entre os grupos. Costumava-se afir-
mar que os negros e os índios se odiavam muito mais do que aos
espanhóis.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 191

Na Argentina, os responsáveis por cuidar do gado eram cha-


mados de gaúchos, geralmente filhos de negros com indígenas.
Somente durante o século 20, como forma de se opor à imigração
europeia, os fazendeiros brancos argentinos passaram a se auto-
denominarem gaúchos, como forma de demonstrar a sua tradição
"puramente" argentina.

6. A IGREJA NA AMÉRICA COLONIAL


Já abordamos os aspectos políticos da influência da Igreja,
como as reduções e a Inquisição. Discutimos, também, as relações
entre a Igreja e o Estado, representadas pelo Padroado. Dessa ma-
neira, a história da colonização ibérica confunde-se com a história
da Igreja na América Latina.
Os primeiros padres, que vieram para a América, fizeram-no
por conta própria, embarcando nas expedições das conquistas. As
correntes filosóficas do milenarismo e do utopismo deram à co-
lônia um significado espiritual maior do que o natural. Segundo
Barnadas (2004, p. 525), nesse início de colonização,
[...] para muitos, o Novo Mundo era a oportunidade que a Provi-
dência oferecia para o estabelecimento do verdadeiro 'reino do
evangelho', ou o 'cristianismo puro'; a restauração da Igreja primi-
tiva.

À medida que a Coroa foi organizando o seu aparelho esta-


tal na colônia, passou a controlar, também, a vinda de padres e
missionários para as terras americanas. Por força do patronato,
organizou o recrutamento de clérigos na Península Ibérica. Os can-
didatos recrutados ficavam 1 ano em Sevilha, aguardando a au-
torização da Casa de Contratação para seguirem rumo ao Novo
Mundo.
Não foi à toa que a Coroa descartou a presença de monges
e ordens militares na empresa colonial. Consideravam os monges
desprovidos do "espírito aventureiro" necessário para a coloniza-
ção das almas americanas. Em seus lugares, preferiu os mendican-
tes. A preferência ocorreu por razões claras:

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192 © História da América II

não só estavam predispostos à aventura da pregação do evange-


lho, como também não tinham pretensões senhoriais, haviam feito
voto de pobreza e mostravam-se zelosos pela conversão (BARNA-
DAS, 2004, p. 529).

As quatro principais ordens mendicantes na América foram:


os franciscanos, os dominicanos, os agostinianos e os mercedá-
rios. Logo depois, na década de 1570, vieram se juntar a eles os
jesuítas, ordem criada em 1534, por Ignácio de Loyola, e oficial-
mente aprovada pelo papa Paulo III, em 1540.
Além desses, outros padres vinculados ao episcopado tam-
bém vieram para a América. Aos mendicantes e jesuítas coube a
formação de unidades evangélicas no campo, as chamadas “doc-
trinas”, e ao clero secular a formação de paróquias urbanas para
os espanhóis.
De outra maneira, as ordens religiosas dedicaram-se, tam-
bém, à organização das reduções ou, simplesmente, missões.
Além do aspecto evangelizador, as missões eram importantes,
pois, geralmente, os missionários chegavam onde nenhum colono
ou a Coroa tinha interesse de investir ou se estabelecer. Dentre
todas as ordens, aquela que apresentou os melhores resultados
foi a jesuíta.
Em suas "aldeias", incentivavam a produção agrícola, o ar-
tesanato, organizavam a vida social das tribos e, "ainda que a ca-
tequese tenha cedido às práticas religiosas indígenas, as reduções
constituíram o espaço mais organizado de evangelização", como
nos lembra Vainfas (1984, p. 95).
Veja a representação de missionários catequizando na Figura 11.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 193

Figura 11 Missionários catequizando.

Já nas cidades, havia as dioceses e as paróquias. A primeira


diocese a ser fundada em terras de além-mar, em 1504, foi a da Ilha
de Santo Domingo. O funcionamento da Igreja, como instituição,
dava-se por meio de seus bispados. Por meio deles, a Igreja, como
instituição, funcionava em território americano.
Nas regiões em que existiram grandes sociedades indígenas,
como na Cidade do México e em Cuzco, as igrejas geralmente eram
construídas em cima de antigos templos nativos, muitas vezes,
com as pedras do próprio templo. Como os cabildos, as paróquias
eram indispensáveis em qualquer cidade onde se formavam.
Veja a representação da Catedral de Cuzco na Figura 12.

Figura 12 Catedral de Cuzco. Prédio construído em cima de antigas ruínas incas. Localiza-
se à frente da Plaza de Armas, dividindo o espaço com mais três igrejas coloniais.

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194 © História da América II

Por isso mesmo, para além do aspecto religioso, a diocese


funcionava como um centro administrativo autônomo, participan-
do da administração civil das cidades e indicando nomes para os
cargos do cabildo ou para as audiências.
Outros importantes órgãos que se vinculavam às dioceses e
interferiam na dinâmica da sociedade eram os monastérios, onde
se formavam os novos padres.
Os padres formados em solo americano eram, em sua grande
maioria, brancos. Porém, desde a metade do século 16, por conta
da necessidade de se encontrar padres que dominassem a língua
nativa, também foram aceitos padres mestiços. No entanto, estes,
geralmente, constituíam-se em "clero de segunda categoria".
Mesmo entre os padres brancos houve diferenciações. Assim
como na máquina administrativa política, os peninsulares tiveram
todos os cargos mais importantes da colônia, enquanto os criollos
ficaram sempre à sua sombra, o que causou também muitos atri-
tos no final da época colonial.
Além da formação do novo clero, os monastérios também ti-
nham uma importante função na sociedade colonial, uma vez que
atuavam como colégios e centros universitários nas cidades.

A educação colonial
A partir do século 17, todas as instâncias da Igreja já pos-
suíam suas representações na América, o que provocou a estag-
nação do movimento de sua expansão. Somente em um aspecto a
Igreja continuou a se expandir: no campo educacional.
A participação da Coroa na educação superior foi pratica-
mente nula, mantendo e financiando somente as universidades
dos vice-reinos, San Marcos em Lima e a Universidade do México.
Além dessas duas, a iniciativa privada possuía outras três institui-
ções erguidas ainda no século 16, em Santo Domingo, Quito e Bo-
gotá.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 195

Veja a representação do pátio central da Universidade Autô-


noma de San Marcos na Figura 13.

Figura 13 Pátio central da Universidade Autônoma de San Marcos.


Primeira universidade fundada na América, em 1551.

Com relação aos demais, todos os esforços educativos para a


formação de colégios e universidades foram desempenhados pela
Igreja, principalmente pelas ordens religiosas. Como afirmamos
anteriormente, a formação de padres exigia uma instrução educa-
cional que era desempenhada nos monastérios. Estes, por sua vez,
estendiam seus "serviços" aos filhos da aristocracia espanhola.
Assim como no trabalho missionário, entre todas as ordens,
os que mais se destacaram no campo educacional foram os jesuí-
tas. Enquanto os franciscanos fundaram uma e os dominicanos
fundaram três universidades, os jesuítas fundaram sete. No total,
foram 11 universidades sob a direção das ordens religiosas contra
cinco fundadas pelo episcopado.
Certamente, o destaque dos jesuítas foi resultado do próprio
perfil estabelecido para a ordem religiosa em sua fundação. Desde
o início, os jesuítas viram na educação uma forma de evangelizar.
A preocupação com a educação era tão grande que, desde
sua fundação em 1540, até 1599, todas as estratégias e concep-
ções educativas foram compiladas e reunidas em sua sede em
Roma. Das estratégias com maior êxito, nasceu o Ratio Studiorum,

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196 © História da América II

o qual se converteu em um modelo educacional que foi replicado


e executado em vários locais em que existia uma missão jesuítica
(ARANHA, 1996).
Mesmo sendo indiscutível a importância da Igreja para a
educação colonial na América espanhola, Barnadas (2004, p. 528)
adverte que:
Segundo a opinião geral, uma parcela significativa dessas chama-
das universidades nada mais era que instituições para a educação
do clero; a maioria oferecia instrução apenas em filosofias e teo-
logia; apenas umas poucas possuíam cadeira de direito canônico
ou civil; um número menor ainda contava com cadeiras de línguas
indígenas ou clássicas; e até em pleno século XVIII pouquíssimas
eram as universidades que ofereciam ensino de medicina ou de
ciências naturais.

Ainda que levantemos essa advertência sobre a educação


oferecida pela Igreja, é inegável que a sua atuação na colonização
do mundo ibérico transcendeu os aspectos religiosos.
Esse papel protagonista da Igreja rendeu-lhe muitas e severas
críticas, principalmente por sua participação direta no processo de
subjugação de povos indígenas; pela sua contribuição à "acultura-
ção" dos povos nativos, o que enfraqueceu consideravelmente as
tradições nativas; e, logicamente, pelas mortes causadas tanto pela
Inquisição quanto pelo tribunal de extirpação de idolatrias.
De uma forma ou de outra, essa atuação também garantiu
ao catolicismo figurar como a maior religião da América Latina,
possuindo, em alguns países, uma importância tão grande quanto
na Espanha. Apesar disso, não podemos afirmar que o catolicismo
espanhol é idêntico ao latino-americano, desde a época colonial.
Vejamos por quê.

7. A RELIGIOSIDADE HISPANO-AMERICANA
Quando mencionamos os indígenas anteriormente, afirma-
mos que a religião espanhola não se infiltrou de maneira decisiva
nas comunidades rurais. Apesar de o cristianismo apresentar mais
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 197

adeptos entre os mexicanos do que entre os peruanos, de fato,


este não superou as religiões indígenas.
Wachtel (2004, p. 223) observa que:
Enquanto os espanhóis consideravam os deuses locais manifes-
tações do demônio, os índios interpretavam o cristianismo como
uma forma de idolatria. Em vez de se fundirem numa síntese, as
duas religiões permaneceram justapostas. Embora admitissem a
existência de um deus cristão, os índios consideravam que sua es-
fera de influência era limitada ao mundo espanhol; e eles mesmos
procuraram a proteção de seus deuses.

Não demorou para os espanhóis perceberem que muitos indíge-


nas iam às igrejas pelo simples fato de que elas estavam construídas, de
maneira estratégica, em cima de seus antigos templos e huacas.
Entretanto, é inegável o papel e a importância que o cato-
licismo teve para a formação de uma cultura nitidamente latino-
-americana. Até mesmo por conta da Inquisição, das missões e da
religiosidade do criollo, a fé católica embrenhou-se no cotidiano
colonial, seja de maneira justaposta, seja de maneira sincrética.
A religião mestiça, ou melhor, o sincretismo religioso, desen-
volveu-se de maneira mais evidente nas cidades. Local de encontro
entre a aristocracia católica, os negros, os mestiços e a aristocracia
nativa, a cidade apresentou um “caldo” cultural que lhe permitiu
construir uma religiosidade propriamente colonial.
Mesmo que um criollo se considerasse católico e obediente
à fé pregada por Roma, o seu culto, suas crenças e seus hábitos,
enfim, seu imaginário religioso diferenciava-se completamente do
que era praticado na Espanha.
Isso fica bastante claro quando lemos o artigo do historiador
espanhol Fuchs (1997), intitulado La construcción de un más allá
colonial: hechiceros en Lima (1630-1710). Por meio da análise de
arquivos e processos da Inquisição colonial no vice-reino do Peru,
Fuchs (1997) consegue demonstrar que, de fato, existiu uma reli-
giosidade propriamente colonial que se relacionava com um além-
-túmulo, ou melhor, com um além notadamente colonial.

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198 © História da América II

Assim, figuras indígenas e negras passam a figurar como


elementos integrantes da hierarquia católica. Um caso típico foi a
descrição dos Três Reis Magos, sendo cada um pertencente às três
principais etnias coloniais. Melchior era o europeu, Gaspar o índio
e Baltasar o negro.
Da mesma forma, o próprio diabo passou a ter uma nova
função no imaginário religioso da colônia. Se a Igreja pregava que
os rituais e os deuses das religiões indígenas eram manifestações
do demônio, logo, para os nativos, o "demônio" (deus nativo) não
era algo de todo mau, uma vez que os protegia.
Esses são apenas alguns dos muitos exemplos de elementos
próprios da religiosidade colonial trazidos pelo autor. Porém, o que
mais chama a atenção no artigo é o papel desenvolvido pelos feiti-
ceiros (tanto homens quanto mulheres) na sociedade colonial. Mes-
mo sendo colocados à margem da sociedade, muitos eram procura-
dos por mulheres da aristocracia espanhola, por mestiços, negros,
padres e freiras que buscavam os mais diversos tipos de feitiços, de
encantos de amor a outros que trariam maldição a alguém.
As feiticeiras eram geralmente mestiças, negras e índias. O
curioso é que alguns feitiços solicitados possuíam melhor eficá-
cia se realizados por feiticeiras negras e outros por feiticeiras in-
dígenas. Porém, quando isso ocorria, a feiticeira encaminhava sua
"cliente" para uma feiticeira de outra etnia e, acompanhando o
ritual, acabavam aprendendo um novo feitiço.
Assim como os exemplos trazidos por Fuchs (1997), há mi-
lhares de outros casos de sincretismo religioso. A comemoração
do dia do Senhor dos Milagres (El Señor de los Milagros) na cidade
de Cuzco é um exemplo disso. Apesar de se comemorar Jesus Cris-
to, os festejos e as danças em praça pública estão repletos de refe-
rências andinas, como as cores da bandeira inca, os artesanatos e
as roupas tipicamente incaicas.
Veja na Figura 14 a representação da Festa de Señor de los
Milagros, na cidade de Cuzco.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 199

Figura 14 Festa de Señor de los Milagros, na cidade de Cuzco. Em comemoração a Jesus


Cristo, a festa mescla elementos próprios da cultura andina.

O próprio Jesus Cristo, durante a época colonial, foi asso-


ciado à figura de deuses nativos, como o senhor dos terremotos.
De outra maneira, segundo o mito de Inkarri, a cabeça do último
governante da resistência inca em Vilcabamba, Tupac Amaru I,
decapitado após sua prisão, um dia reencontraria o seu corpo e,
tendo-se recomposto, restabeleceria o império que a ele havia
pertencido.
É impossível não pensar o Inkarri sem levar em conta a cren-
ça na ressurreição cristã e no restabelecimento da ordem e da jus-
tiça para os oprimidos. Como bem lembrou Galindo (1994, p. 46),
o “Inkarri implica na noção cristã de ressurreição dos corpos, esse
aspecto do apocalipse que o pensamento andino assimilou muito
cedo".
Sem dúvida, a análise do cotidiano da religiosidade colonial,
do papel das feiticeiras, dos rituais nas igrejas e dos festejos em
praça pública tem muito mais a nos informar sobre a sociedade
colonial do que uma simples pirâmide social.
Vamos ver se conseguimos fazer a mesma análise com as co-
lônias britânicas da América?

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200 © História da América II

8. ASPECTOS SOCIOCULTURAIS DA COLONIZAÇÃO


NORTE-AMERICANA
A imagem idealizada que possuímos dos colonos norte-ame-
ricanos, formada por famílias de imigrantes brancos e protestan-
tes, representa um dos elementos da construção de uma identi-
dade americana que surgiu após a independência ocorrida entre
1776 e 1783.
De certo modo, os movimentos de emancipação nasceram na
Nova Inglaterra e, por isso, a imagem da nova nação assemelhava-
se àquela dos colonos que lá se instalaram. Esse perfil de colono é
o que hoje chamamos de "WASP”, que significa white anglo-saxon
protestant (branco anglo-saxão protestante).
A identidade do homem típico norte-americano foi construí-
da em torno da figura do “WASP” em referência aos pais peregri-
nos (pilgrim fathers). Essa imagem do típico colono norte-ameri-
cano é tão incutida na cultura americana que, recentemente, ao
tomar posse da presidência dos EUA, o presidente negro Barack
Obama, em seu discurso, fez referência aos valores americanos
como aqueles pregados pelos pais fundadores da nação (homens
que protagonizaram a independência e que se identificavam com
esse grupo mencionado).
Uma forte marca deixada pelos pilgrim fathers na cultura
americana é a comemoração do Thanksgiving (Dia de Ação de
Graças), celebrado até hoje. Tido como uma das datas mais impor-
tantes dos EUA, o Dia de Ação de Graças remonta à comemoração
feita pelos puritanos após a primeira colheita de milho realizada
na América. O milho, alimento americano, foi plantado no lugar
do trigo inglês, que não vingou. Para acompanhar a celebração,
adicionavam outros alimentos nativos da América, o peru e a abó-
bora.
É bem verdade que as colônias que compõem o grupo do
norte e parte do grupo intermediário realmente foram colonizadas
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 201

por famílias brancas e protestantes que vieram para as Américas


a fim de romper com a realidade de pobreza e fome que vivencia-
vam na Europa.
Veja a representação do modelo idealizado de colonos norte-
americanos na Figura 15.

Figura 15 Modelo idealizado de colonos norte-americanos, os puritanos.

Isso fica bem representado pelo trato firmado pelos 120 tri-
pulantes do navio Mayflower, os chamados “pilgrim fathers”. O
acordo conhecido por “Mayflower Compact" foi assinado por 41
homens protestantes e com formação escolar desenvolvida. Com
as assinaturas, comprometeram-se a seguir leis iguais e justas.
Para Karnal (2003, p. 38):
[...] estes puritanos (protestantes calvinistas) tinham em altíssima
conta a ideia de que constituíam um 'novo Israel': um grupo esco-
lhido por Deus para criar uma nova sociedade de 'eleitos'.

Tal ideia também pode ser observada no caso de William


Penn (Figura 16), fundador da Pensilvânia. Fugindo da perseguição
de puritanos em Massachussetts, que viam os quakers como um
grupo religioso subversivo, Willian Penn imaginava criar uma
colônia capaz de abrigar todas as religiões cristãs perseguidas na
Europa ou na América. "Penn gostava de dizer: 'No cross, no crown’
(nem cruz, nem coroa)”, ainda segundo Karnal (2003, p. 47).

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202 © História da América II

Figura 16 William Penn.

No entanto, quando analisamos a composição social das


treze colônias, vemos que esses protestantes, sejam quakers, se-
jam puritanos, não representaram a totalidade dos colonos norte-
-americanos, tampouco seus objetivos eram os mesmos que os
dos pilgrim fathers. Protestantes franceses, católicos, negros, ín-
dios, servos, ladrões, órfãos, aventureiros, prostitutas, entre ou-
tros, ajudaram a erguer essa nova sociedade. Aprendamos um
pouco mais sobre eles.

A sociedade na América inglesa


Devemos considerar na análise da sociedade das treze colô-
nias britânicas o seu rápido aumento populacional. Na realidade,
um verdadeiro "boom". O historiador Aptheker (1967, p. 36) apre-
senta as seguintes cifras da evolução populacional norte-americana:
[...] excluindo os índios, havia 2.500 pessoas nas colônias em 1620;
114.000 em 1670; quase 300.000 em 1720; e acima de 2.500.000
(com cerca de 500.000 escravos) em 1775. E nessa última data, cer-
ca de um terço da população branca era de origem inglesa.

Isso quer dizer que, em pouco mais de um século e meio, a


população das treze colônias expandiu de 2.500 pessoas para quase
2.500.000, um número mil vezes maior do que o inicial. Além dessa
constatação, a citação de Aptheker (1967) permite-nos fazer outras
três observações importantes para a análise da sociedade colonial:
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 203

• O alto número de não ingleses.


• A porcentagem de negros.
• A exclusão indígena.
Analisemos cada uma delas.
Dois terços da população, no final da época colonial, não
eram de origem inglesa. Veja que, logo de início, podemos eliminar
um número de quase 1,6 milhão de pessoas que não se encaixam
na descrição dos pilgrim fathers, uma vez que não eram britânicos.
Mas quem eram eles?
Sem mencionarmos os negros, que veremos mais adiante,
podemos afirmar que a imigração para as colônias britânicas foi
feita por vários povos europeus, como os próprios britânicos (ir-
landeses, galeses, escoceses e ingleses), os franceses, italianos,
alemães, entre outros. A fome e as constantes guerras na Europa
incentivaram a fuga para as terras do Novo Mundo.
A Guerra de Sucessão espanhola foi um exemplo claro disso.
O conflito entre a aliança anglo-luso-alemã com a França e a Espa-
nha promoveu a imigração de muitos alemães ao território bretão
da América, devido ao apoio da Inglaterra à Alemanha.
Além desses, vieram outros grupos, como os escoceses e os
irlandeses, os últimos católicos, em sua grande maioria. Diferente-
mente dos alemães, ambos os grupos foram rapidamente assimi-
lados pela cultura inglesa da colônia. Já os alemães apresentaram-
-se mais resistentes ao idioma e à cultura colonial, mantendo sua
língua e seus costumes em suas comunidades.
Outro grupo de imigrantes europeus que veio para a Améri-
ca britânica foi o dos franceses. Inusitadamente, franceses protes-
tantes. Após décadas de perseguições aos calvinistas, a chegada
de Henrique IV, protestante convertido ao catolicismo, ao trono da
França resultou na promulgação do Édito de Nantes em 1598, que
previa a tolerância religiosa. Entretanto, com a ascensão de Luís
XIV, de origem católica, tal determinação foi revogada em 1685,

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204 © História da América II

marcando o início de novas perseguições e a fuga dos franceses


para a América protestante, a Nova Inglaterra.
De qualquer forma, os outros 800 mil americanos de origem
inglesa não eram todos “WASP”. Esses concentraram-se mais no
campo, em plantações e em fazendas de cultivo familiar, principal-
mente na Nova Inglaterra. Aliás, a base da colônia inglesa foi rural,
o que não significa que as cidades não tinham importância para a
dinâmica da sociedade colonial.
Ao longo da história das treze colônias, surgiram importantes
cidades com um número elevado de pessoas, tais como Nova York
(25 mil habitantes), Filadélfia (40 mil), Boston (16 mil), Charleston
(12 mil), entre outras. Porém, diferentemente da colônia espanho-
la, a cidade não consistiu no espaço da aristocracia por excelência.
Apesar de sua importância administrativa e da presença de aris-
tocratas vinculados à política, Aptheker (1967, p. 54) afirma que:
[...] nas cidades proliferava a prostituição, eram numerosos os men-
digos, os abrigos de pobres viviam cheios, os cortiços já estavam
presentes e as centenas de indivíduos que dependiam de ajuda pú-
blica para se manterem vivos tinham de usar um emblema denun-
ciando sua condição degradada.

Veja na Figura 17 a representação da cidade de Boston, em 1770.

Figura 17 Cidade de Boston, em 1770.

As famílias brancas não se distinguiam muito daquelas da


Europa do mesmo período. Formadas por um casal com seus inú-
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 205

meros filhos, uma média de sete, a família possuía o pai como figu-
ra maior da hierarquia do lar. Contudo, cabia à mãe a organização
da vida cotidiana, da confecção das roupas dos pais e filhos ao
jantar diário.
Da mesma forma que na América espanhola, as mulheres
não tinham identidade legal, o que as deixava sempre à sombra
dos pais ou dos maridos. Quanto às crianças, a partir dos sete
anos, já eram tratadas como pequenos adultos.
Outra parte significativa da população norte-americana era
formada por negros. Aproximadamente 20% do total de habitan-
tes. Como apresentamos na unidade anterior, ser negro na Amé-
rica era sinônimo de ser escravo, tanto na colônia ibérica quanto
na inglesa.
Entretanto, diferentemente das colônias espanholas, em
que a escravidão negra se vinculou à extração do ouro e também
fortemente à cidade, nas colônias inglesas a presença negra esteve
diretamente vinculada ao campo e à escravidão nas plantations do
sul.
Veja a Figura 18 que representa a escravidão nos Estados
Unidos.

Figura 18 Escravidão nos Estados Unidos.

Infelizmente, há poucos relatos a respeito da vida cotidia-


na dos negros que não sejam aqueles vinculados ao trabalho e às

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206 © História da América II

leis sobre a escravidão (mencionados na Unidade 3). Como você


bem sabe, durante muito tempo, as obras históricas dedicaram-se
à história da elite, omitindo os excluídos em suas páginas. Por esse
motivo, sabemos que, por exemplo, o acesso à educação, elemen-
to de destaque das colônias britânicas, foi nulo.
Mesmo reduzidos à condição de "coisa" e não possuindo ne-
nhum tipo de direito que se concedia aos brancos como previam
as leis coloniais, os negros souberam marcar seu espaço na cultura
americana. Nada deixa isso tão nítido como a música. Desde os
tempos coloniais, as músicas religiosas ganhavam nova roupagem,
adaptando-se ao sistema tonal dos africanos, mais falado do que
cantado, quase um lamúrio. Daí viria o jazz e o blues.
Com os negros, também vieram novos instrumentos musi-
cais, como o banjo feito de cabaça, o qual, com o tempo, passou
a ser um instrumento muito utilizado nos gêneros musicais folk e
country, tipicamente de brancos de zonas rurais do sul.
Não poderíamos terminar essa apresentação da sociedade
colonial norte-americana sem nos referirmos aos indígenas, ainda
que a história dos nativos praticamente não esteja relacionada à
dos demais colonos. Diferentemente do que vimos na colonização
espanhola, os ingleses não esboçaram nenhum intento de incor-
poração do indígena à lógica colonial.
É verdade que as primeiras leis elaboradas pela Coroa e que
se dirigiam às companhias colonizadoras, Plymouth e Cia. de Lon-
dres, previam a evangelização e a dominação dos indígenas. Po-
rém, como afirma Karnal (2003, p. 57):
[...] nunca fizeram um movimento efetivo pela conversão do índio.
O empreendimento foi tratado como empresa, não como epopéia.
As companhias não vinham estabelecer um império em que, neces-
sariamente, existisse a idéia de unidade.

As ações evangelizadoras dos indígenas foram realizadas de


maneira independente e sem uma organização do reino, algo bem
diferente do que foi feito pelos jesuítas, tanto nas colônias ibéricas
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 207

quanto na colônia francesa do Canadá. Um dos poucos casos regis-


trados foi a conversão de índios feita por puritanos do norte, que
chegaram a construir escolas para indígenas em Harvard.
Veja a representação de um nativo norte-americano na
Figura 19.

Figura 19 Nativo norte-americano pintado por John White


durante excursão pelas treze colônias.

A história norte-americana colonial registra um verdadeiro


genocídio de indígenas, causado tanto pelas armas quanto pela
proliferação de novas doenças. Um retrato desse genocídio é
encontrado na conhecida obra do norte-americano Dee Brown,
Enterrem meu coração na curva do rio. Essa obra marcou a his-
toriografia sobre os indígenas norte-americanos e sua produção
insere-se na óptica dos movimentos pela igualdade de direitos nos
Estados Unidos das décadas de 1960 e 1970.
Diferentemente do que ocorreu em terras espanholas, no
território britânico não havia grandes civilizações nativas. Para que
você tenha uma ideia, as mais de 300 tribos localizadas onde se
ergueram as treze colônias, juntas, somavam entre 200 e 500 mil
pessoas. Entre essas tribos, as culturas de maior destaque eram a
iroquês e a algonquina.
A disputa por essas terras levou a confrontos sangrentos en-
tre europeus e indígenas. A primeira página dessa história foi mar-
cada pela morte dos colonos vinculados à expedição de sir Walter

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208 © História da América II

Raleight, na Virgínia. Anos mais tarde, um fato inusitado marcou


o encontro entre holandeses e nativos às margens do Rio Hudson.
Os holandeses pagariam o equivalente a 25 dólares pelas terras
dos indígenas e lá fundariam a Nova Amsterdã, atual cidade de
Nova York.
Os demais encontros, em sua maioria, terminaram em vitória
dos brancos. Se a assimilação e a evangelização não foram instru-
mentos utilizados pelos europeus perante o indígena, não significa
que sua postura foi contraditória às suas concepções cristãs. Ao
contrário. Conforme nos conta, mais uma vez, Karnal (2003, p. 55):
A ocupação das terras indígenas por parte dos colonos baseava-
-se em argumentos de ordem teológica. Os peregrinos haviam se
identificado com o povo eleito que Deus conduzia a uma terra pro-
metida. Tal como Deus dera força a Josué (na Bíblia) para expulsar
os habitantes da terra prometida, eles acreditavam no seu direito
de expulsar os que habitavam sua Canaã.

Não poderia ser diferente, uma vez que a religiosidade foi


um elemento muito importante da sociedade colonial na América
britânica.

A religiosidade
Conforme já afirmamos, a religiosidade era um elemento
que compunha a vida dos homens europeus da Idade Média e de
boa parte da Idade Moderna. As concepções de vida eram muitas
vezes norteadas por preceitos religiosos, o que fazia com que a
religião fosse mais do que um elemento cultural, regulando a vida
e norteando as ações de homens, mulheres e instituições. Justa-
mente por isso, a religião, naturalmente, confundia-se com a pró-
pria política, como vimos na Unidade 2.
Assim, não há necessidade de explicar o quanto a religião e a
religiosidade foram importantes para a organização da vida social
das colônias americanas. No entanto, o grande diferencial entre
a América Inglesa e a Ibero-América é que, enquanto no mundo
ibero-americano prevaleceu a "unidade" católica, nas colônias in-
glesas houve uma pluralidade de religiões cristãs, predominante-
mente protestantes (puritanos, batistas e quakers).
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 209

Ainda que todos acreditassem em Jesus, suas concepções


de riqueza, de trabalho, de fé, de pecado, entre outras, divergiam
muito entre si. Conforme citamos anteriormente, os puritanos,
por exemplo, viam nos quakers um mau exemplo de cristanda-
de, verdadeiros subversivos. Por isso, perseguiram e excluíram os
quakers da dinâmica social de Massachussetts até que eles seguis-
sem rumo à sua nova terra prometida, que viria a ser a Pensilvânia.
Os primeiros puritanos a chegarem à América deixaram a
ilha britânica por descontentamento com as políticas de tolerância
religiosa da Igreja inglesa. Eles eram a favor de uma religião que
seguisse o evangelho de maneira mais pura, daí o seu nome, pu-
ritanismo.
A crença na religião como algo central na vida da comuni-
dade levou os puritanos a conceber uma Igreja que possuísse não
apenas poderes religiosos, mas também civis. Assim, obedecer à
Igreja significava também aceitar a organização da vida política da
sociedade.
Essa concepção de religião, que unia a Igreja ao Estado, foi
reproduzida de maneira bastante fiel em terras americanas na co-
lônia de Massachussetts. Nesta colônia da Nova Inglaterra, pecar
contra a bíblia significava cometer um ato criminoso, o que deriva,
irremediavelmente, em intolerância e em autoritarismo religioso.
Dessa forma, ao mesmo tempo em que a concepção de ri-
queza como a bênção divina dos puritanos levou à construção de
uma ética capitalista de trabalho na Nova Inglaterra, criou, tam-
bém, uma espécie de regime de exceção. As vidas das pessoas
eram controladas e qualquer espécie de contestação era severa-
mente punida, mesmo que esta partisse de acusações imaginárias.
Um exemplo de perseguição religiosa no território de Mas-
sachussets foi a caça às bruxas. O medo e a presença do Estado/
Igreja na vida cotidiana causaram verdadeiras histerias coletivas.
Por estarem tão ameaçadas por perigos imaginários, as pessoas
passavam a acreditar que eles realmente existiam, como foi o no-
tório caso das Bruxas de Salém, em 1692.

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210 © História da América II

Na cidade de Salém, a crença no poder das bruxas, fomen-


tada pelos discursos acalorados de pastores no púlpito das igrejas,
levou à ocorrência de verdadeiros surtos coletivos. Mulheres saí-
am gritando e rolando nas ruas, caíam doentes sem nenhum tipo
de sintoma anterior, animais morriam e frutos apodreciam antes
do tempo.
Sobre esse famoso episódio das Bruxas de Salém, alguns
autores acreditam que os surtos de Salém podem ser explicados
psicologicamente como reações inconscientes de jovens presos à
moral puritana que proibia, até mesmo, a prática de alguns espor-
tes. Já outras linhas defendem que, na realidade, tudo não passou
de contenda política, em que um grupo de famílias acusava outras
famílias de bruxaria com interesses políticos (Karnal, 2003).
Como não poderia deixar de ser, os casos de bruxaria eram
levados a julgamento, ocasião em que as bruxas eram analisadas
perante a comunidade, e os acusados de bruxaria, colocados fren-
te a frente com seus acusadores. Durante o julgamento, outras
manifestações misteriosas ocorriam.
Veja a representação de um julgamento na Figura 20.

Figura 20 Pintura retratando o julgamento de George Jacobs,


de 5 de agosto de 1692, feita por T. H. Matteson.

Fugindo dessa verdadeira realidade inquisitória de Mas-


sachussetts, um grupo de calvinistas liderados por William Penn
fundaria a colônia da Pensilvânia. De maneira oposta ao que
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 211

pregavam os puritanos, os quakers acreditavam na fé como um


elemento individual. Em vez de chamarem o seu semelhante de
"irmão", chamavam-no de "tu" e consideravam cada membro da
Igreja um pastor de si próprio. Conforme acreditava Penn, a luz de
Cristo brilhava dentro de cada homem, em seu interior.
Assim, William Penn atraiu vários grupos religiosos que fu-
giam das perseguições europeias e americanas. Prometendo terras
gratuitas e total liberdade religiosa, Penn converteu a Pensilvânia,
rapidamente, em um dos territórios mais povoados da colônia. No
final do século 18, a Filadélfia, capital da colônia, já possuía, apro-
ximadamente, 40 mil habitantes.
Outro fato impressionante é que a capital da Pensilvânia
também se converteu, rapidamente, em uma das cidades com o
maior número de pessoas alfabetizadas em toda a colônia. Uma
explicação para o desenvolvimento de uma educação mais efetiva
na Pensilvânia é a presença de vários grupos diferentes de protes-
tantes. De certa forma, a forte presença protestante na América
britânica, como um todo, é também uma das causas para o bom
desenvolvimento de instituições educativas nos Estados Unidos.

A educação
A relação do protestantismo com a educação remete-se
a seus primórdios. Quando Martinho Lutero (veja a Figura 21)
compreendeu que o acesso à Bíblia não poderia ser um monopólio
da Igreja, mas uma necessidade de cada cristão, decidiu traduzir o
texto sagrado do latim para sua língua nativa, o alemão. Todavia,
mesmo fazendo isso, Lutero percebeu que existia, ainda, outra
barreira entre o fiel e a Bíblia: o analfabetismo.

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212 © História da América II

Figura 21 Martinho Lutero (1483-1546).

Durante toda a Idade Média, o acesso à educação restrin-


giu-se aos homens pertencentes ao clero e à nobreza. Por isso, a
esmagadora maioria da população europeia era analfabeta. Para
superar essa realidade, Lutero, muito antes disso converter-se em
uma reivindicação iluminista, defendeu a adoção de uma educa-
ção extensiva a todos os membros da sociedade.
Giles (1987, p. 119), em seu livro História da Educação, afir-
ma que Lutero, em sua Carta aos Prefeitos e Conselheiros de Todas
as Cidades da Alemanha, a Propósito das Escolas Cristãs:
[...]lembra que a estabilidade da nova ordem espiritual depende
da capacidade de as crianças compreenderem as Sagradas Escritu-
ras, o que podem conseguir através da instrução. Para Lutero, não
há outra ofensa que pese tanto diante de Deus e que mereça maior
castigo que o pecado de negligenciar a educação das crianças. [...]
A nova Igreja reformada deve assumir a obra educativa outrora as-
sumida pela antiga Igreja; ela deve preencher o vazio deixado pelo
fechamento das escolas mantidas pela Igreja Católica.

A educação, portanto, passava a ser compreendida como


mais um atributo da própria Igreja Protestante. Quando vieram
para a América, os protestantes seguiram essa mesma concepção
que aplicavam na Europa. Além da formação de escolas, empreen-
deram a de universidades.
A vocação educacional norte-americana persistiu durante a
época independente. Em 1884, o educador brasileiro Leôncio de
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 213

Carvalho observava que "no Brasil, há uma escola para 1.356 habi-
tantes, ao passo que nos Estados Unidos há uma escola para 160"
(CLARK, s/d p. 6).
A primeira universidade norte-americana foi Harvard (veja
a Figura 22), fundada em 1636. Houve vinculação da educação
com a religião também na formação dos colégios e universidades.
Como nos lembra Remond (1989, p. 6):
[...] no começo eram instituições com fins essencialmente religio-
sos: serviam à formação dos futuros ministros. Essa marca deixada
pela religião nos primeiros estabelecimentos de ensino não desa-
pareceu inteiramente dos Estados Unidos.

Figura 22 Atual entrada da Universidade de Harvard, fundada em 1636.

Apesar dessa forte vinculação com a religião, a educação


obedecia a propósitos laicos: era paga pelos leigos e as aulas eram
ministradas por membros da própria comunidade. Dentro do ideal
de prosperidade calvinista, as universidades atendiam às necessi-
dades dos colonos que viam na formação superior uma forma de
ascender econômica e socialmente, sinal das bênçãos divinas.
Por esse motivo, seguindo o caminho aberto por Harvard,
outros colégios e universidades surgiriam ao longo dos séculos
17 e 18 na América inglesa, entre elas: Willian and Mary na Vir-
ginia (1693), Yale em Connecticut (1701), Princeton em Nova Jer-
sey (1746), Universidade da Pensilvânia (1754), Columbia em Nova
York (1754) e Brown University em Rhode Island (1764).

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214 © História da América II

Certamente, a educação e a alfabetização, bem como a plu-


ralidade religiosa, a leitura individual de textos bíblicos e a mo-
ral calvinista de prosperidade são elementos que nos ajudam a
compreender mais facilmente o êxito norte-americano do que a
simples explicação de colônias de exploração e povoamento, que
durante muito tempo dominou a historiografia sobre o tema.

9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu
desempenho no estudo desta unidade:
1) Qual a importância da discussão, proposta nesta unidade, para a sua forma-
ção?

2) Qual o papel das praças para a afirmação da vida aristocrática na Hispano-


-América?

3) Qual o lugar social do mestiço na Hispano-América?

4) Quais as diferenças elementares entre a sociabilidade nas colônias britâni-


cas do sul e do norte?

5) Qual o peso da religião para a formação de diferenças entre as sociedades


das treze colônias e da Hispano-América?

6) Como você analisa o peso da mestiçagem para o surgimento de uma religio-


sidade americana?

10. CONSIDERAÇÕES
Chegamos ao término da quarta e última unidade da obra
História da América II!
A sociedade colonial americana, tanto a espanhola quanto
a inglesa, era muito mais dinâmica do que foi visto nesta unidade.
Tentamos demonstrar como eram as vidas além das estruturas,
apesar de nós reconhecermos a influência destas no cotidiano das
pessoas.
© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 215

De qualquer maneira, quando analisamos as sociedades co-


loniais de nosso continente, as diferenças culturais, entre norte e
sul, aparecem mais nítidas do que quando analisamos a sua eco-
nomia e a sua política.
Observamos, por exemplo, que a pluralidade religiosa nor-
te-americana, a imigração maciça de outros povos europeus e a
valorização da educação foram vitais para a formação de mecanis-
mos de convivência que resultaram em uma cultura mais demo-
crática de sociedade, situação que não se manifestou em terras
espanholas. Esses mesmos elementos também fizeram com que o
peso da Coroa fosse muito mais leve em terras inglesas do que na
América hispânica.
A própria compreensão protestante de prosperidade e de li-
berdade individual permitiu que o Iluminismo avançasse com mais
facilidade entre a aristocracia norte-americana do que na colônia
espanhola no século 18. Não acidentalmente, a independência
norte-americana ocorreria antes mesmo da Revolução Francesa,
e a proclamação de independência faria um sem número de refe-
rências ao pensamento iluminista.
A América espanhola seguiu um caminho diferente e a sua
independência começaria no início do século 19, em um período
que se estendeu de 1808 a 1898, com a emancipação cubana. O
Iluminismo foi, também, um elemento importante em terras es-
panholas. Contudo, a desestruturação do Império, o crescimento
do poderio regional dos criollos e o aumento da rivalidade entre
criollos e ibéricos (nas áreas administrativas e clericais) foram ele-
mentos ainda mais decisivos.
Porém, essa é outra história!

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216 © História da América II

11. E-REFERÊNCIAS

Lista de figuras
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Figura 3 Aquarela intitulada El Médico, do pintor colonial Pancho Fierro. Disponível em:
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Figura 4 A cidade de Lima no século 17, segundo o cronista Guamán Poma de Ayala.
Disponível em: <http://img.kb.dk/ha/manus/POMA/poma550/POMA1039v.jpg>.
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Figura 5 Aquarelas intituladas El Hacendado, Mujer a Caballo e El Notario Público, do
pintor limenho da época colonial Pancho Fierro. Disponível em: <http://www.lablaa.org/
blaavirtual/todaslasartes/pancho/pancho3.htm>. Acesso em: 14 jul. 2011.
Figura 6 Aquarelas intituladas Pulperia, Bizcochero e Misturera, do pintor limenho da
época colonial Pancho Fierro. Disponível em: <http://bp1.blogger.com/__gsTkvqIgGM/
R9G9dW5l5dI/AAAAAAAAAC0/k1jOWyzEQZ4/s1600-h/Imagen2.jpg> e <http://www.
lablaa.org/blaavirtual/todaslasartes/pancho/pancho3.htm>. Acesso em: 14 jul. 2011.
Figura 7 Aquarela intitulada Índio de La Sierra, do pintor colonial Pancho Fierro. Disponível
em: <http://www.lablaa.org/blaavirtual/todaslasartes/pancho/pancho3.htm>. Acesso
em: 15 jul. 2011.
Figura 8 Aquarelas intituladas Prueba de Toro Montado e Sirvienta Espulgando a su Ama,
do pintor limenho da época colonial Pancho Fierro. Disponível em: <http://www.lablaa.
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Figura 9 Inca Garcilaso de La Vega. Disponível em: <http://weblogs.clarin.com/
revistaenie-nerdsallstar/archives/0072inca.jpg>. Acesso em: 18 jul. 2011.
Figura 10 Aquarelas Vendedora de Fruta e Jarana Peruana, do pintor limenho da época
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© U4 - Aspectos Socioculturais da Colonização Americana 217

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<http://dwave.files.wordpress.com/2007/10/harvard-business-school.jpg>. Acesso em:
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Site pesquisado
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