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HISTÓRIA DO

BRASIL
COLÔNIA

Caroline Silveira Bauer


O ciclo do ouro
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar o contexto europeu frente ao interesse de desbravar territórios


além do litoral brasileiro.
 Descrever o movimento de entradas e bandeiras.
 Comparar a estrutura política e social do período açucareiro com o
período minerador.

Introdução
Uma das motivações para a expansão marítimo-comercial portuguesa
foi a busca por metais preciosos, em função das concepções metalistas
vigentes na Europa. Em um primeiro momento, a produção econômica
para exportação desenvolvida na colônia americana foi o cultivo da cana
e a produção do açúcar. Contudo, com as entradas e bandeiras, e outras
iniciativas de interiorização no continente americano, descobriram-se as
minas de ouro no Sudeste, o que significou uma grande transformação
na colônia e em sua relação com a metrópole e o comércio atlântico
triangular.
Neste capítulo, você vai compreender o interesse de Portugal na
busca por metais preciosos e sua relação com a interiorização da colo-
nização na América portuguesa. Estudará os movimentos de entradas e
bandeiras, suas características e seus resultados. Por fim, analisará com-
parativamente a estrutura política e social do Nordeste açucareiro e do
Sudeste minerador.

1 A busca por metais preciosos


Parte da motivação de Portugal para a realização das grandes navegações
esteve vinculada à busca de metais preciosos. Essa orientação vinculava-se a
teorias econômicas debatidas na Europa durante a Idade Moderna, que foram
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chamadas de práticas mercantilistas, e, dentro dessas práticas, a concepção


metalista de riqueza. Vejamos um pouco mais sobre esse tema.
Chamamos de mercantilismo o conjunto de práticas econômicas como
o metalismo, a intervenção estatal na economia e a manutenção da balança
comercial favorável por meio de práticas protecionistas, desenvolvidas de dife-
rentes formas por alguns estados europeus durante a Idade Moderna (SILVA;
SILVA, 2009). O mercantilismo também está diretamente relacionado ao
colonialismo e à exploração comercial de territórios conquistados no ultramar.
Na concepção metalista, a propriedade de metais preciosos é indicativa da
riqueza de um determinado reino, não somente pela posse em si dos metais
preciosos, mas também pela quantidade de moeda (em metais nobres) acu-
mulada. Nesse sentido, as concepções metalistas: de autores:

[...] interpretavam a moeda como um meio para obter riqueza em terras e em


títulos, não a riqueza financeira em si. Para a mentalidade capitalista, moeda
e riqueza são sinônimos, mas não para a mentalidade barroca do Antigo
Regime. Essa diferença pode parecer sutil, mas é a distinção entre interpre-
tar as práticas em seu significado original ou atribuir-lhes significados que
elas nunca tiveram, e estão mais em consonância com nossa realidade atual
(SILVA; SILVA, 2009, p. 284).

O que foi feito com o ouro enviado à metrópole em formato de impostos? No perí-
odo auge da exploração de ouro na América Portuguesa, entre os anos 1735 e 1754,
acredita-se que a exportação anual girava em torno de quase 15 toneladas. Boa parte
dos metais preciosos arrecadados pela coroa como tributos na exploração das Minas
foi utilizado para o pagamento de dívidas de Portugal com a Inglaterra, contraídas em
função da ajuda econômica e militar fornecida pelos ingleses durante o período do
domínio espanhol. Assim, alguns autores afirmam que a exploração mineradora da
América Portuguesa foi fundamental para o financiamento da Revolução Industrial
na Inglaterra. De acordo com Fausto (2004, p. 99):

[...] os metais preciosos realizaram assim um circuito triangular: uma


parte ficou no Brasil, dando origem à relativa riqueza da região das
minas; outra seguiu para Portugal, onde foi consumida no longo rei-
nado de Dom João V (1706–1750) [...]; a terceira parte, finalmente, de
forma direta, via contrabando, ou indireta, foi para em mãos britânicas,
acelerando a acumulação de capitais na Inglaterra.
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A partir dessa teoria econômica e dessa concepção de riqueza, a coroa


portuguesa orientou a expansão marítimo-comercial, não somente como
ampliação de mercados, mas também como expansão territorial, colonização
para cultivo de açúcar e busca por metais preciosos. Mas e antes da descoberta
do ouro na colônia americana, de onde provinham os metais portugueses? De
acordo com Godinho (1953), os portugueses conseguiam prata para a cunha-
gem de moedas e realização do comércio junto à Espanha, fosse mediante
a exportação de açúcar, tabaco ou pau-brasil ou pela triangulação comercial
entre Espanha, Holanda e Portugal. Além disso, antes do século XVIII, o ouro
português era obtido da Mina e da Guiné, na África, e de Sofala e Samatra,
na Ásia (GODINHO, 1953).
No momento da “descoberta” ou “achamento” do território americano,
havia uma expectativa em relação à descoberta de metais preciosos, prin-
cipalmente pelas notícias que chegavam da Espanha e suas descobertas na
América Espanhola. Essa expectativa lusitana fica evidente desde a primeira
viagem à América, como podemos observar na carta de Pero Vaz de Caminha,
redigida em 1º de maio de 1500:

Depois andou o Capitão para cima ao longo do rio, que corre sempre chegado
à praia. Ali esperou um velho, que trazia na mão uma pá de almadia. Falava,
enquanto o Capitão esteve com ele, perante nós todos, sem nunca ninguém o
entender, nem ele a nós quantas coisas que lhe demandávamos acerca de ouro,
que nós desejávamos saber se na terra havia. [...] Nela, até agora, não pudemos
saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho
vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados
como os de Entre Douro e Minho, porque neste tempo de agora os achávamos
como os de lá (CAMINHA, 2002, documento on-line).

A ideia de se encontrar facilmente ouro na América era oriunda de ima-


ginários e mitologias em torno do “El Dorado”, a abundância em ouro no
continente. O interesse da coroa na exploração dos metais preciosos era tão
evidente que, mesmo sem conhecer as reservas presentes no território, sua
posse já estava garantida a Portugal desde 1521, pelas Ordenações Manue-
linas, que reservavam à coroa “[...] a posse de todos os veeiros de ouro ou
qualquer outro metal, assegurando ao descobridor o direito à lavra mediante
o pagamento do quinto (a quinta parte dos metais extraídos), salvo de todos
os custos” (TEIXEIRA, 1993, p. 16).
Nas expedições lusitanas seguintes, não foi possível aferir a existência de
metais preciosos, e, portanto, a colonização e expansão territorial na América
Portuguesa iniciou-se com o escambo e o cultivo da cana e a produção de
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açúcar. Contudo, os interesses pelos metais preciosos não arrefeceram e a coroa


portuguesa seguiu investindo na descoberta de jazigos de ouro. Nas expedições
promovidas pelos “paulistas” no final do século XVII, seriam encontrados
os primeiros indícios da existência de ouro na região sudeste da colônia.
Posteriormente, confirmou-se que existiam minas nos atuais estados de Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso. Essas descobertas ocorreram em um momento
de crise econômica da coroa portuguesa, em função da perda de entrepostos
comerciais na Ásia, do esgotamento do ouro nas feitorias africanas e dos
problemas oriundos da competitividade no mercado de açúcar internacional.

2 As bandeiras e as entradas
A interiorização da colonização portuguesa na América ocorreu por diferentes
motivos: a necessidade de expansão da zona de cultivo da cana e produção
de açúcar, a atividade pecuária, o aprisionamento indígena, e a exploração
do território na prospecção por metais preciosos. De acordo com Resende
(2005, documento on-line):

[...] por todo o período colonial, as entradas para os sertões de Minas foram
movidas por este tripé de interesses: a terra (que era concedida como ses-
maria àquele que dela se apossasse), a busca do ouro e das pedras raras (que
estimulava os mais ávidos pela riqueza) e a preagem dos índios (que, a mais
das vezes, se prestava como reduto de mão-de-obra para a lavra mineral ou
agrícola e, sobretudo, como escravos domésticos, vivendo sob a administra-
ção dos colonos).

Na historiografia, durante muito tempo estabeleceu-se uma diferenciação


entre o movimento de entradas e de bandeiras. Contudo, novas abordagens
historiográficas têm ressaltado que se trata de terminologias sinônimas para
o mesmo evento, utilizadas em momentos e espaços diferentes. Segundo as
análises de Lima (2011, p. 16):

[...] apesar do termo “expedição” ser usado como uma referência genérica
a todas as incursões em direção ao interior do Brasil desde o início da sua
colonização e por diferentes partes do território, a sua variação ocorreu de
lugar para lugar e de tempos em tempos [...]. Tamanho, composição, objetivos
e responsabilidades são os fatores que determinaram a nomenclatura destas
atividades. A dificuldade em se conhecer os pormenores de cada expedição,
isto é, a sua organização estrutural, definiu assim a própria discordância entre
as opiniões correntes na historiografia brasileira.
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A distinção que se estabelecia entre o caráter público ou estatal e o privado


ou particular das bandeiras nem sempre procede, ou seja, devem ser abordadas
as práticas e as funções distintas que passam a ser designadas pelo mesmo nome.

Bandeiras, entradas, conquistas, descobrimentos, jornadas, partidas, companhias


ou campanhas, todos termos que foram tomados uns pelos outros na Minas do
século XVIII. [...] Daí, a bandeira e seus termos correlatos poderiam ser com-
postos de variadas formas e funções (RESENDE, 2005, documento on-line).

Assim, abordaremos entradas e bandeiras em conjunto, assinalando algumas


especificidades ao longo do texto.
A “gente de São Paulo” ou os “paulistas” eram pessoas que participavam
de expedições pelo interior da colônia entre os séculos XVI e XVIII. A de-
nominação “bandeirantes” foi difundida somente a partir do século XVIII
(VAINFAS, 2000). As expedições buscavam aprisionar indígenas para suprir
a necessidade de mão-de-obra na agricultura da capitania de São Vicente.

Com certeza, para a maioria dos paulistas, os índios constituíam a ver-


dadeira riqueza a ser extraída do interior — o ouro vermelho na feliz
expressão de Antônio Vieira. Curiosamente, a própria coroa tentou, em
várias ocasiões, concretizar esta analogia ao cobrar o quinto real sobre os
cativos, imposto este associado à extração de riquezas minerais (MON-
TEIRO, 1999, p. 96).

É preciso lembrar que durante o domínio espanhol houve uma interferência


no tráfico transatlântico de escravizados, e a demanda de mão-de-obra passou
a ser suprida, novamente, pelos cativos indígenas. Além disso, o bandeiran-
tismo também estava associado à marginalização econômica da capitania de
São Vicente, o que obrigou seus habitantes a buscarem alternativas além da
agricultura de exportação. O apresamento indígena, assim, foi um recurso
econômico (VAINFAS, 2000).
Essa dinâmica teria sido a que prevaleceu até aproximadamente 1640,
quando houve uma mudança na orientação geográfica das expedições, devido
à necessidade de se buscar um substituto adequado aos indígenas guaranis
capturados anteriormente.

Inicialmente, a despeito da distância envolvida, algumas expedições partiram


para o miolo do continente, na região do Araguaia-Tocantins, conhecido como
o sertão do Paraupava. Os paulistas já tinham conhecimento da região, pois
pelo menos duas expedições haviam penetrado nestes sertões nos anos iniciais
do século (MONTEIRO, 1999, p. 79).
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Porém, até aquele momento, a principal forma de enriquecimento dos


paulistas se dava pelo aprisionamento dos indígenas e sua venda como escra-
vizados, já que não se encontravam metais preciosos: “[...] todas as expedições
tinham características comuns: voltavam com muitos cativos e sem nenhuma
riqueza mineral” (MONTEIRO, 1999, p. 60).

A partir da descoberta das jazidas de ouro na região das Minas, os membros das expe-
dições procuravam ocultar alguns achados, de maneira a preservar a exploração para
si. Costumava-se manter em segredo algumas expedições para realizar a “guerra justa”
contra os indígenas, capturá-los e escravizá-los, ou seja, o sigilo era uma prática naquele
meio. Contudo, a coroa imediatamente identificou a ocultação como forma de vantagem
pessoal e promulgou o Decreto de 17 de abril de 1702, que proibia o segredo das des-
cobertas. “Estava, portanto, criada a relação entre descobrir um tesouro e guardar o seu
segredo. Relação presente no imaginário das bandeiras” (BONOME; LEMES, 2014, p. 168).

As bandeiras eram expedições que podiam ser formadas por milhares de


homens e que tinham duração variada, de meses até anos. Estabeleciam ao
longo dos trajetos acampamentos temporários, que lhes permitiam explorar
as regiões em busca de cativos e metais preciosos.

A prática mais comum era obter a concessão, na forma de patente, para montar
a bandeira. Muitos que ousavam fazer entrada sem a permissão oficial eram
presos sem delonga. Afinal, as conquistas significavam ganhos territoriais da
coroa e implicavam a expansão de seus domínios, e, em consonância com as
políticas e interesses dos capitães generais, contaram com recursos e anuência
do Estado. Para os afortunados, concedia-se uma sesmaria como mercê, que
funcionava como benesse e estímulo (RESENDE, 2005, documento on-line).

Vejamos alguns dos principais “paulistas” ou bandeirantes e os resultados


de suas excursões (FAUSTO, 2004):

 Raposo Tavares e Manuel Preto — em 1629, lideram uma expedição com


centenas de participantes. Atacaram aldeamentos jesuíticos na fronteira com
o Paraguai, aprisionando milhares de indígenas. Posteriormente, Raposo
Tavares realizou outra grande bandeira, entre os anos de 1648 e 1651, saindo
de São Paulo, chegando ao Peru e retornando pelo Amazonas até o Pará.
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 Fernão Dias Paes — realizou, entre os anos 1674 e 1681, uma expedição
pela região do atual Estado de Minas Gerais, em busca de metais e pedras
preciosas. Juntamente a Raposo Tavares, realizou outra expedição em
direção ao sul, rumo às reduções guaraníticas.
 Bartolomeu Bueno da Silva — conhecido como Anhanguera, realizou
expedições em busca de metais preciosos, alcançando o Rio Vermelho,
no sudoeste de Goiás, entre 1680 e 1682.
 Domingos Jorge Velho — sua expedição partiu rumo ao Nordeste,
durante os anos 1695 e 1697. Capturou indígenas no Maranhão e em
Pernambuco e contribuiu para o extermínio do Quilombo dos Palmares.

Do ponto de vista da expansão colonial e ocupação territorial, o movimento


das bandeiras permitiu o reconhecimento e a ocupação do “sertão” e o conhe-
cimento de suas “drogas”, produtos que despertaram interesse comercial e
econômico. Nesse momento, foram alcançadas a região amazônica e o extremo-
-sul da colônia, adentrando em território espanhol e alcançando o Rio da Prata.
Nas investidas ao sul, objetivava-se capturar gado. O domínio dessa região,
principalmente a Colônia do Sacramento, foi um dos pontos de confronto mais
intenso entre as coroas ibéricas, estendendo-se ao longo de todo o século XVIII,
finalizando apenas em 1777, com a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, em
que a Espanha garantiu a soberania sobre a Colônia do Sacramento e Portugal a
posse sobre o Rio Grande de São Pedro, ampliando suas possessões coloniais.

3 Política e sociedade entre o açúcar e o ouro


Com a descoberta das minas de ouro, houve uma série de transformações na
América Portuguesa, em diferentes âmbitos. Com a mudança do principal produto
de exportação na lógica colonial, houve um progressivo deslocamento do eixo eco-
nômico colonial do nordeste para o centro-sul da colônia. Esse deslocamento teve
seu ápice com a transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro em 1763.
Essa situação foi sintetizada por Del Priori e Venâncio (2010, p. 67) no
trecho a seguir:

A Colônia deu as costas ao litoral e começou a se entranhar sertões adentro.


Com a queda do preço do açúcar, Bahia e Pernambuco não eram mais cen-
tros nevrálgicos, embora continuassem funcionando como relevantes eixos
administrativos e sociais do decadente império português. Entre Olinda e
Recife começam a aguçar-se as rivalidades entre a gente da terra e os reinóis.
A tensão eclodiria em 1710 numa guerra civil. [...] Paulistas, sertanejos do
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rio São Francisco e densa corrente imigratória vinda da metrópole come-


çavam a ocupar os ermos sertões. Através de rios e córregos transformados
em caminhos, homens em busca da mítica serra das esmeraldas subiam na
direção do Nordeste, vasculhavam o vale do Amazonas e desciam a margem
esquerda do rio da Prata.

Em relação ao trabalho na lavoura da cana e o trabalho no engenho, que


não se alteravam do ponto de vista da técnica, a atividade mineradora exigia
uma constante adaptação por parte dos trabalhadores, porque os jazigos não
se concentravam em apenas um local. Era preciso avançar pelos leitos dos rios,
pelos vales e por serras em busca do mineral precioso e atrás de oportunida-
des e planos de ganhos. Com essa constante migração de acampamento em
acampamento, foi preciso desenvolver novas técnicas e, sobretudo, relações
de trabalho diversificadas, “[...] não redutíveis aos protagonistas convencio-
nais — senhores e escravos —, e nem ao agenciamento do feitor ou de um
administrador da lavra” (ANDRADE; REZENDE, 2013, p. 387).
Também é importante ressaltar que a região das Minas não se reduziu
à exploração de metais e pedras preciosas. Na capitania de Minas Gerais,
produzia-se mandioca, algodão, açúcar, entre outros gêneros, além da pecuária
e da suinocultura (LAMAS, 2008).
Do ponto de vista administrativo e político, também houve transformações
significativas. A coroa portuguesa precisava adaptar seu estilo de administração
da colônia, de forma a controlar a cobrança de tributos e evitar as práticas de
contrabando e sonegação de impostos. Assim, foi criada a Intendência das
Minas, órgão responsável por controlar a atividade mineradora e arrecadar os
impostos. A entidade tinha em sua chefia um superintendente, responsável pela
supervisão geral dos trabalhos, bem como um guarda-mor, que fiscalizava as
jazidas. O superintendente era subordinado diretamente à coroa, e não foram
poucos os casos de conflitos entre os interesses locais e os metropolitanos.
Essas figuras e demais funcionários responsáveis pela fiscalização do
cumprimento das leis e a execução a justiça agiam na articulação entre o
estabelecido nos regimentos e o direito consuetudinário:

Os direitos minerários na América portuguesa fundavam-se numa articulação


casuísta entre os costumes locais e os direitos régio e comum. Nos costumes,
sobretudo ainda no século XVIII, encontrava-se a legitimidade dos usos
comuns e prescritos dos moradores coloniais, moldando-se às situações e às
novidades. Em muitas ocasiões e temas, era por meio dos costumes, com sua
gênese no mundo das práticas populares e da oralidade, que se chegava ao
conhecimento e às interpretações do direito escrito (ANDRADE, REZENDE,
2013, p. 391).
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Existiram diferentes impostos cobrados durante a mineração colonial,


como o quinto, ou seja, 20% do ouro encontrado, que era cobrado nas casas de
fundição e a capitação, valor cobrado de mineradores (por escravizado maior
de 12 anos), de faiscadores e de estabelecimentos comerciais, entre outros. Em
1765, foi cobrada a “derrama”, ou os impostos atrasados, que gerou inúmeras
revoltas dos mineradores, que tiveram bens confiscados.

Um dos principais desafios enfrentados pela coroa portuguesa foi lidar com o contra-
bando e com a sonegação de impostos. Na luta contra as práticas ilícitas dos colonos,
até mesmo os indígenas foram considerados aliados. Nesse sentido, Resende (2005,
documento on-line) afirma que:

[...] a impossibilidade da autoridade colonial de controlar o extravio do


ouro fez com que o Estado mantivesse intencionalmente populações
indígenas afastadas do contato, como um cinturão de resistência nos
sertões, intimidando a penetração dos contrabandistas, ávidos em
explorar as jazidas minerais à revelia do interesse metropolitano. Por
isso mesmo, durante a primeira metade do século XVIII, o governo
da capitania não se incumbiu da “civilização” dos índios, que, muitas
vezes, prestavam melhores serviços intimidando os colonos na pene-
tração no interior.

Do ponto de vista social, a sociedade mineradora também se distinguia da


sociedade açucareira. Na sociedade das minas, houve uma maior possibilidade
de mobilidade social, promovida pela descoberta e comercialização do ouro.
Nesse sentido, por exemplo, alguns africanos e afro-brasileiros escravizados
conseguiram comprar sua liberdade e aventureiros conseguiram enriquecer
ao descobrir jazidas. Houve também uma especialização de alguns trabalhos,
com o surgimento de certos ofícios e certas profissões, como os tropeiros, os
oficiais e burocratas, os profissionais liberais, etc. (FAUSTO, 2004). Assim,
podemos afirmar que a sociedade mineradora era mais diversa que a sociedade
açucareira.
Ainda no âmbito social, é preciso fazer referência ao aumento da população
na região das minas, em virtude da migração interna entre as províncias e
da vinda de grandes contingentes populacionais da Europa. De acordo com
Boris Fausto (2004, p. 98), até 1760, “chegaram de Portugal e das ilhas do
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Atlântico cerca de 600 mil pessoas, em média anual de 8 a 10 mil, gente da


mais variada condição”.
Além disso, é importante ressaltar o incremento no tráfico transatlântico de
escravizados entre 1720 e 1750, tanto para o trabalho na atividade mineradora
quanto na agrária e pecuária, bem como para atividades urbanas e domésticas.
A maioria da população da Capitania de Minas Gerais em 1776 era de negros
(52,2%) e pardos (25,7%), enquanto somente 22,1% eram brancos (FAUSTO,
2004).

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Leituras recomendadas
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