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História do Brasil

1.1 Expansão Marítima XV - XVI


O processo de consolidação e formação da exploração Colonial tem
como base, respectivamente, um longo processo de formação dos
chamados Estados Nacionais na Europa e por uma relação de aliança
entre a Nobreza, já constituída desde os tempos feudais, e da Burguesia,
como classe em ascensão que contribuiu para a aceleração da
Modernidade e da desintegração dos laços de dependência, típicos do
Feudalismo e da relação entre servo e Senhor Feudal.

É perceptível que a partir do século XIII, a partir de uma série de Batalhas


e conflitos foram definindo-se as atuais fronteiras da Europa. Dentro
desses espaços definidos foram surgindo paralelamente ao Estado uma
organização política centralizada, cuja figura do Rei ou do Príncipe,
apoiava-se na burocracia e na legitimação da Monarquia e da Nobreza.
Lembre-se do caso desse sistema, designado de Absolutismo, o exemplo
do Rei-Sol Luís XIV, na França, que se personifica como a própria
existência do Estado, declarando-se: “O Estado Sou Eu”. Nesse sentido,
podemos falar ainda em uma aliança entre nobreza e burguesia, no
entanto, esta última dependente da primeira, sem que houvesse ainda
relações com as Revoluções Burguesas que irão marcar os séculos XVII e
XVIII.

Faz-se necessário, portanto, determinar que o ápice desse processo de


centralização e formação das Monarquias Nacionais, base da existência
do Absolutismo, ocorreu entre 1450 e 1550, com algumas consideráveis
diferenças entre Portugal (a pioneira), Espanha (em 1492 com o episódio
denominado de Reconquista), França (com a dinastia dos Bourbons de
Luís XIV em diante) e a Inglaterra (com a dinastia dos Tudor e dos Stuart).

Há de considerar-se salutar a partir desse momento que houvesse uma


necessidade de superar a crise que a Europa enfrentava desde o início do
séc. XIV (anos 1300) e que consequências como essas teriam
impulsionado a expansão geográfica no além-mar e a exploração de
matéria-prima e mão-de-obra indígena ou escrava.
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Ao passo de reduzirmos a simplicidade da crise enfrentada pela Europa à


necessidade da expansão marítima, se faz necessário destacar elementos
importantes para o processo de consolidação da Fase dos
Descobrimentos ou, como se referência atualmente, o “achamento” das
Américas. É deste modo que os historiadores consideram uma série de
fatores que expliquem esse processo, mas acima de tudo, o papel da
Monarquia Portuguesa nesse processo.

A Dinastia de Avis pode ser considerada a precursora desse movimento


expansionista. Sempre de tendência a voltar-se para fora da Europa, os
portugueses já haviam acumulado experiência necessária ao longo dos
séculos para ultrapassar o comércio então dominado por genoveses e
venezianos. Aja vista o próprio Cabral ter sido genovês e trabalhar a
serviço dos interesses portugueses. Lisboa, portanto, transformava-se já
num poderoso centro de distribuição mercantil ligado ao comércio da
península Itálica. O constante contato com o mundo islâmico, o avanço
das trocas e da utilização de moedas, a posição geográfica portuguesa
foram sem dúvida fatores que impulsionaram o comércio e a sua
expansão. Em todos os aspectos, no entanto, Portugal percebeu melhores
condições para a unificação de seus Reinos do que outros modelos
europeus. Sem dúvida a menor suscetibilidade de instabilidades, invasões,
disputas contou a favor desse processo. A somar-se a isso a Revolução
designada de Avis foi importante na sucessão da dinastia em Portugal.
Diferente das revoltas camponesas do resto da Europa, a revolução
apresentou um caráter especialmente burguês. Burguês no sentido ainda
distante das revoluções que irão assolar a Europa no futuro, mas
possibilitando setores essenciais da sociedade portuguesa a desafiar os
mares, colocar seus interesses a frente do Estado e
impulsionar a arre cação de impostos para a
Monarquia. Para tanto, a burguesia disponibilizaria o espírito aventureiro
e o Rei os meios necessários para alcançá-los, criando a perspectiva de
um bom negócio para a burguesia; e para o rei a oportunidade de novas
receitas, onde a nobreza apoiava seu prestígio, a Igreja expandia seus
limites e a Metrópole consumia produtos manufaturados vindos da
Colônia. Somado a todos esses fatores, o declínio do comércio com as
Índias, o fechamento do Mar Mediterrâneo em 1453
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teriam sido pontos favoráveis para o desenvolver do espírito aventureiro


do séc. XV.

O Império Ultra-marino Português

Acima de tudo, a coroa Portuguesa obteve largos interesses em buscar a


expansão de seus mercados. A Europa tornava atraente a busca,
principalmente, por especiarias e ouro. O alto valor das especiarias
explicava-se pelos hábitos cultivados na Europa. Derivado de substância,
o termo especiaria era associado a produto raro e usado em pequenas
quantidades, geralmente para disfarçar o gosto estragado de alimentos e
produtos. Desde a canela, o cravo, a noz-moscada, o gengibre e até o
açúcar foram produtos usados com objetivo de alimentar os mais
diferentes gostos, daí a expressão “caro como pimenta” para designar
especiarias tão procuradas na Europa.

Nesse sentido, a exploração ultramarina Portuguesa tem início no séc. XV.


Corriqueiramente associada a conquista de ilhas no Atlântico e na costa
da África, Ceuta foi a primeira cidade tomada por portugueses já em
1415. Localizada no Norte da África, é associada a busca do Ouro no
Sudão, incursões piratas, saques e até gosto pela aventura.

Ao longo de 53 anos a costa da África foi aos poucos sendo tomada pelo
interesse de desbravadores e até o alcance das Índias por Vasco da Gama
em 1498. Sem explorar intensamente o território africano, os
comerciantes portugueses usaram-se da instalação de feitorias na costa
da África e do cultivo da cana-de-açúcar nas Ilhas Canárias, da Madeira e
de Cabo Verde.

As feitorias tornavam mais rápidas e baratas a exploração e agilizavam a


comercialização de matéria-prima. Era uma troca comercial considerada
precária e que recorria somente às armas e a segurança dos espaços
delimitados. Geralmente, os feitores tinham a função de estabelecer
mercadorias que seriam transportadas e estocá-las nas feitorias na costa
do continente. Já eram perceptíveis controles burocráticos que obrigavam
a cunhagem de Moedas pela exploração do Ouro, do Marfim, da pimenta
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malagueta e, sobretudo, já de escravos que eram comercializados.


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Nas ilhas do Atlântico, as primeiras experiências já demonstravam o


plantio em larga escala, da mesma maneira que será usada no Brasil.
Implantaram, depois da perda das Canárias para espanhóis, por volta de
1471 dois sistemas agrícolas paralelos: o trigo produzido por camponeses
portugueses; e produção de cana-de-açúcar, investidas por comerciantes
genoveses e judeus que usavam do trabalho escravo do negro que vinha
da costa da África. O comércio não durou muito, já que sofreu
concorrência do açúcar brasileiro.

Já o descobrimento e a efetiva colonização do Brasil irão ocorrer só com a


chegada das 13 naus de Cabral em 1500. A experiência da África e o
contato com o comércio das Índias irão atrasar a produção no Brasil, que
só ocorrerá efetivamente em 1549 com o governo geral. Isso nos leva a
constituir que o Brasil nesse momento já era alvo de interesses europeus,
que consideraram nesse momento a exploração pura e definida, sem levar
em consideração a cultura do indígena e a disputa com a coroa Espanhola
da separação dos territórios na América, que sofreram mediação da Igreja
em Roma, levando a assinatura do Tratado de Tordesilhas em 1494.
Colombo, que descobriu a América em 1500, achava ter chego as Índias e
irá creditar esse feito até a sua morte. Somente com Américo Vespúcio
em 1505 teremos a certeza de termos alcançado um novo Continente.

1.2 Brasil Colônia


Comumente associamos a colonização do Brasil em 3 fases distintas: a
fase de Reconhecimento e Instalação das Capitanias Hereditárias até
1549; a fase que vai da instalação do Governo-Geral até a eclosão de
movimentos como a Inconfidência Mineira em 1789-90; e a crise do
Sistema Colonial que irá compreender a chegada da Família Real em 1808
e a Independência do Brasil em 1822.

As primeiras tentativas de exploração do território brasileiro irão se dar a


partir do primeiro contato do elemento colonizador com os indígenas
brasileiros. Nesse sentido, essa primeira tentativa, pois ela irá apresentar-
se com uma série de problemas a coroa, representa um esforço que irá
dispender, ou seja, desconsiderar a necessidade de muitos investimentos
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na América. A extração do pau-brasil foi nesse período a primeira


matéria- prima que gerou interesse material e comercial em terras
brasileiras. Usada para tingimento de tecidos e na fabricação de móveis,
navios e outros instrumentos, a madeira já era comercializada na Ásia. Foi,
portanto, nesse momento de poucos investimentos que o mesmo sistema
de feitorias adotado na costa da África serviu melhor ao contexto da
exploração. Somado a isso, algumas expedições particulares receberam o
monopólio do Rei para exploração das terras. Ainda desconhecidas e sem
muito respaldo, a mais famosa expedição teria sido a de Fernão de
Loronha ou Noronha (nome das Ilhas). Essa forma de exploração durou
até 1505, quando a coroa retomou a exploração das terras.

A extração do pau-brasil era realizada através do escambo com os


indígenas, uma forma de comércio mais simples e que dispendia o uso de
cédulas ou moeda. Desse período não demoraria em assumir outras
formas de exploração, como a da escravização do indígena. Denominadas
de guerra justa, a escravização era usada como forma de defesa ao
“ataque” de tribos indígenas, usado de desculpa para subordinar em
trabalho compulsório escravo o indígena.

Nesse momento, a fase de reconhecimento, irá despertar interesses de


outras potências sobre o Brasil, como a Inglaterra e a França, que não
reconheciam a legitimidade do Tratado de Tordesilhas assinado por
mediação da Igreja em 1494. Segundo os preceitos da época, só era
conhecido verdadeiro legítimo da terra aquele que a ocupasse, dentro do
preceito do uti possidetis. Nesse contexto, que Franceses e Holandeses
tomarão conta do espaço brasileiro em períodos distintos. Franceses
chegaram a invadir a cidade do Rio de Janeiro e a região do Maranhão,
antes de serem expulsos definitivamente pelos portugueses.

Capitanias Hereditárias

Temendo o risco de perder a efetiva posse das terras, a coroa portuguesa


irá testar a primeira tentativa real de colonização do Brasil com a divisão
de 15 lotes de terras, distribuídos entre Capitães donatários. Estes
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receberiam a posse da terra, mas não a sua propriedade. Os 12 donatários


teriam funções de instalar vilas com intuito de ocupá-las e protegê-la. Os
donatários teriam suas funções determinadas pela Carta de Foral e de
Doação. Asseguravam-se assim deveres desde a arrecação de impostos e
tributos, criação de vilas e aplicação da Justiça. No entanto, não podiam
vender, arrendar ou alugar as terras. Podiam distribuir sesmarias, que na
prática ‘doava’ porções de terras com intuito de produzi-las num prazo
máximo de 5 anos.

Apesar de amplas tentativas de efetivar a colonização as capitanias


enfrentaram problemas desde a sua instalação em 1535, vindo a ser re-
estatizada pela coroa Portuguesa e substituída pelo Governo-Geral em
1549. Coincidindo com a descoberta de Prata pela Espanha em Potosí, na
atual Bolívia, e com o declínio do comércio com as Índias, o governo-
geral seria a solução para a substituição do modelo de capitanias. Esse
modelo de substituição iria aproximar os laços entre Metrópole e Colônia,
aumentando a capacidade de organização e de rendimentos dos
territórios.

Tomé de Souza, 1º governador-geral do Brasil chegou até a Baía de todos


os Santos em 1549, fundando a cidade de Salvador e a elevando a Capital
da Colônia, que duraria até 1763. Vinham com ele os primeiros jesuítas e
as primeiras determinações do Rei de Portugal.
Essas determinações permitiam uma centralização política, diminuindo o
poder dos donatários e criando Câmaras Municipais nas vilas. De fato, na
prática, esse fator irá desencadear em toda a história da Colônia os
principais conflitos entre os homens-bons, grandes latifundiários, que
entrarão em constante conflito com o abuso e o autoritarismo do Rei
sobre a Colônia. Em toda a história da colonização, inclusive segundo as
regras do Pacto Colonial e do Mercantilismo, deveria ocorrer um
monopólio sobre a exploração, que na prática também relegava a
Portugal um sistema de relativa flexibilidade e incapacidade de
investimentos e produção, deixando em diferentes momentos a cargo da
Holanda e da Inglaterra a comercialização de Produtos.
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O ciclo do açúcar

As dificuldades enfrentadas pela administração portuguesa foram


sentidas em vários aspectos. Desde o ataque de índios repercutindo em
falta de mão-de-obra, escassos investimentos, falta de metais preciosos
em território brasileiro. Essa ausência de bons rendimentos gera como
consequência a aproximação entre Metrópole e Colônia.

O Governo-Geral nesse sentido começa por estabelecer os primeiros


núcleos de produção agrícola para abastecer de especiarias o mercado
europeu. A produção estabelecida em latifúndios irá acompanhar o
sistema de Plantation: uma monocultura, agro-exportadora e baseada no
uso do trabalho escravo.

É, portanto, na produção açucareira que irá se dar a transição da mão-de-


obra escrava indígena pela escrava negra. Inicialmente, os índios
proibidos de escravização pelos jesuítas irão marcar uma alternativa para
a força de trabalho que, por inúmeros motivos, impossibilita a vinda de
força de trabalho livre, mas encontra alta rentabilidade no escravo negro.
Isso porque o negro era visto como mercadoria, esta que gerava lucros,
circulação de mercadorias, cobrança de impostos, interessada a todas as
partes envolvidas, além de uma capacidade produtiva muito superior a do
indígena. Apesar de ter sido deixada de lado, a mão-de-obra do índio
nunca deixou de ser usada, inclusive em períodos de escassez do negro
(uma brecha de escravização pelo fato da guerra justa).

A sociedade açucareira foi o grande motor da economia da colônia nos


primeiros tempos. A Coroa até relegava a propulsão da produção a
parceiros econômicos. A Holanda tinha, acima de tudo, a
responsabilidade do investimento, do refino, do transporte e da
comercialização do produto na Europa. Isso irá possibilitar que a Holanda
enquanto parceira comercial da coroa portuguesa permaneça com
amplos interesses até o controle dos territórios metropolitanos e coloniais
por parte da Espanha. Era o início da União Ibérica ou Hispania, período
relacionado a crise de sucessão do trono português pelo
desaparecimento de dois Reis D. Sebastião (que desaparece numa
batalha no Marrocos sem deixar herdeiros) e seu sobrinho D. Henrique
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(que também deixa o trono sem herdeiros)


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O período da Hispania, de 1580 a 1640, representa para o Brasil e


Portugal um período bastante conturbada que afeta diretamente os
privilegiados na produção do açúcar e gera como consequência a tomada
dos territórios brasileiros pela Holanda (Invasões Holandesas) e o declínio
da produção do açúcar e sua respectiva substituição pela economia
aurífera, como descobrimento do Ouro em 1693 na região das Minas
Gerais.

Nesse aspecto, podemos afirmar que a consolidação da estrutura


açucareira restringe a colonização ao Nordeste do Brasil, numa faixa de
terra bastante litorânea e essencialmente agrícola. Isso repercutia nos
pesados investimentos e na realização de acordos comerciais e, acima de
tudo, numa estrutura social completamente dependente do elemento
africano. A dinamização da sociedade, portanto, era baixa, caracterizando-
se por uma sociedade extremamente fechada, com pouca mobilidade
social, baixos índices de alforria para escravos e alto índice de Status
social baseado na propriedade da terra e do número de escravos. Essa foi
por excelência a típica forma de organização social que vigorou até o
descolamento do eixo Sudeste entre a região da Capitania de São Vicente
(atual Estado de São Paulo), Rio de Janeiro e a elevação de Minas Gerais a
Vila.

A sociedade açucareira foi baseada no modelo tradicional Patriarcal, forte


religiosidade, adesão aos ritos católicos. As mulheres brancas eram
escassas e a ausência de núcleos urbanos caracterizavam uma sociedade
permeada pelas relações de trocas de favores, o clientelismo.

A expansão territorial e interiorização da Colônia

Podemos efetivamente perceber que até os séculos XVII a colonização do


Brasil esteve determinada pela sociedade eminentemente agrária e
concentrada nas faixas litorâneas da colônia. Nesse sentido, não havíamos
ainda percebido o desenvolvimento do que hoje caracteriza-se pelo
interior do Brasil.

Esse deslocamento para o eixo RJ=SP, só estará relacionado a presença


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de dois importantes eventos: a fase de Restauração Portuguesa em 1640,


com
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o fim do domínio espanhol sobre os portugueses e a expulsão dos


Holandeses do Brasil em 1654; e de outro lado, isso não teria sido
possível sem a presença do desbravador, do aventureiro paulista na
capitania de São Vicente: estamos nos referindo ao papel do Bandeirante.

Dentro desse contexto, o bandeirante foi importante no sentido que


permitia o aumento das fronteiras da colônia e ao mesmo tempo em que
impulsionava uma nova estrutura econômica: o Ouro. Esse processo se
deu pela concorrência do açúcar brasileiro com o açúcar holandês
produzido nas Antilhas e pela definição das fronteiras a partir de 3
grandes Tratados:
o de Madri (1750), o de Santo Ildefonso (1777) e o de Badajós (1801). A
partir deste último e de outras determinações, ficava acertado que o
território dos Sete Povos das Missões passasse ao controle de Portugal e
a Colônia de Sacramento no Uruguai ao controle da Espanha.

1.3 Brasil Colônia e economia Aurífera


Entre meados do séc. XVI pode-se perceber uma relativa distância entre a
estrutura de produção do nordeste e as do sul, longes dos interesses dos
feitores e senhores de Engenho. Por esse motivo a região sul da Colônia
ficou imortalizada até esse período como uma terra sem Lei e nem Rei.
Decorrente tanto das Missões Religiosas quanto da presença de
Bandeirantes Paulistas esparramados pelo território brasileiro percebeu-
se um relativo desenvolvimento das fronteiras territoriais da colônia.

A pecuária teria sido a primeira atividade econômica que possibilitou


amplas concentrações de pessoas. Inicialmente acompanharam o curso
dos rios e foram adentrando ao interior com o objetivo de abastecer as
regiões dos engenhos. Ao decorrer do tempo foram possibilitando a
expansão ao Norte do Brasil, principalmente região do Maranhão e
Amazonas, e também a região Sul do Brasil, em Santa Catarina e Rio
Grande do Sul com grandes investidas no mercado de charque e couro.

Na região central da colônia a função das expedições de bandeiras e


entradas buscaram conter invasões estrangeiras, recuperar escravos negros
fugidos, apresar indígenas (apesar da resistência dos jesuítas) e encontrar
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ouro. O que as diferiam era de que as entradas tinham organizações


oficiais, ou seja, financiadas pela coroa até o período da Restauração não
ultrapassaram o limite de Tordesilhas; já as Bandeiras foram expedições
particulares organizadas a partir de São Vicente.

De caráter desbravador, as bandeiras e a figura do bandeirante


enalteceram no séc. XIX os interesses dos Paulistas e sua relativa
superioridade. Orgulhava-se de demonstrar que a presença fraca do
negro na região sudeste havia possibilitado um melhor desenvolvimento
para a capitania, constituindo quase uma raça especial que do
cruzamento do branco e do índio provocou o êxito da empreitada
expansionista. Tudo fantasias e mitos usados com pretensões científicas.

Em muitos aspectos, a presença do indígena na sociedade paulista


implicou numa sociedade mais miscigenada, claro, mas longe de ser mais
“desenvolvida” que o nordeste brasileiro. A exaltação do bandeirante foi
estabelecida de fato por uma sociedade mais rústica, de fraca agricultura,
solo pobre e que prevaleceu o costume e a língua indígena. Vestígios
disso? O fato das bandeiras terem sido representadas por mais 3 mil
homens que percorriam milhares de quilômetros Brasil adentro, mas em
sua maioria indígenas que apresavam outros indígenas, de tribos rivais ou
inimigos, contaminados pelo interesse do comércio, do abastecimento da
atividade agrícola. Estima-se que 300 mil indígenas tenham sido
capturados com intuito de abastecer a lavoura no momento de carência
de escravos africanos, isso entre 1625 e 1650.

E o Ouro?

A economia da sociedade aurífera teria se diferenciado da estrutura de


organização social estabelecida no Nordeste. Fatos que reforçam esse
argumento demonstram uma sociedade muito mais dinâmica, de
composição social diferenciada e, sobretudo, de classe média mais larga,
devido ao aumento de atividades paralelas no circuito do Ouro.

A sociedade aurífera foi de fato a grande contribuinte para o primeiro


fluxo migratório (e imigratório) para o Brasil, tendo aproximadamente
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600 mil
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pessoas chegando a região das Minas. Mas não pensemos que isso
facilitou a exploração, justamente pela característica da sociedade ter sido
marcada pela restrição e circulação de pessoas em Minas Gerais. A coroa
portuguesa havia dispendido interesses no ouro e o contrabando deveria
ser evitado. Para tanto se criou a Intendência das Minas, que
administrava, fiscalizava e tributava a exploração do ouro. Toda
descoberta deveria ser comunicada as autoridades que demarcavam os
espaços e lotes, que passavam a chamar lotes. Deveria se comprovar um
número de escravos para poder candidatar-se ao sorteio das minas.
Posteriormente as Casas de Fundição, instaladas por toda a Coroa,
deveriam tributar e selar o ouro que seguia para a Europa. Todo ouro
natural ou em pepita era proibido de circular.

A cobrança de impostos realizada pela Coroa deveria estabelecer o


Quinto (20%) de tudo que se extraia da Mina, além da Capitação,
impostos que deveria ser cobrado em cima das cabeças de escravos que
trabalhavam nas Minas. No caso de extração em faisqueiras (ouro
encontrado na margem das montanhas e dos rios, portanto mais barato)
o explorador pagava imposto sobre ele mesmo e seus trabalhadores.
Arrecadas impostos e organizar a sociedade das minas foi o objetivo da
Coroa Portuguesa no Brasil. Para tanto, Ordens Militares foram criadas
com intuito de cercear a circulação de indivíduos nas Minas. Foram
estabelecidas juntas e ouvidores que poderiam intervir em determinados
casos e milícias armadas que poderiam enfrentar casos de emergência. No
entanto, isso não acabou com o contrabando. Caso das Ordens
Religiosas, que mesmo impedidas de entrar nas regiões das Minas,
conseguiam contrabandear ouro em Pó em imagens de Santos para a
Europa.

Esse contexto, portanto, nos leva a pressupor que a sociedade aurífera


não tenha sido necessariamente mais rica que outras formas de
exploração. Pelo contrário, o ouro gerava riqueza e aumento de preços,
dado a sua amplitude e o seu aumento de produção agrícola e de
comércio de produtos. Os produtos chegavam a custar 50 vezes mais que
em outras regiões da Colônia. Poucos enriqueceram, mas permitiram uma
sociedade mais flexível e que, inclusive, importará ideias da Europa, ideais
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esses que serão essenciais para os movimentos de emancipação e


independência.
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Fator principal que nos leve a constituir a região das Minas como uma
sociedade mais dinâmica é o fator que propulsiona um número maior de
movimentos de resistência e de contestação aos impostos cobrados pela
coroa Portuguesa. Até o período de instituição da sociedade açucareira,
séc. XVI, a coroa Portuguesa agora administrada pela dinastia dos Orleans
e Bragança foi responsável por esgotar as formas de cobrança de
impostos, levando a população a se revoltar contra o autoritarismo do
Rei. Em nada, portanto, esses movimentos tiveram de ideais radicais, de
movimentos ideológicos bem definidos. Essa série de movimentos será
chamada de Nativistas por esse principal Motivo. Em muitos aspectos
estiveram relacionados a revoltas de Quilombos, com escravos fugidos, e
revoltas como a dos Beckman no Maranhão, em 1642; a dos Mascates
entre Olinda e Pernambuco, em 1710-11; a Guerra dos Emboabas pelo
controle das regiões das minas entre Paulistas de um lado e Estrangeiros
de outro; e, por último, a Rebelião de Filipe dos Santos em 1720. Todos
eles apresentam em comum o fato de terem se revoltado contra o abuso
da cobrança de impostos e pela criação de Companhias de Comércio que
monopolizavam a distribuição de produtos em certas regiões.

O séc. XVIII e início do séc. XIX por outro lado foram marcados por rebeliões
mais bem definidas com propostas bem sólidas. É o caso das Rebeliões
de caráter Emancipacionista ou Separatista. A colônia até então havia sido
definida pela ausência de uma elite letrada, o que agora em meados do
séc. XVIII é possível por meio dos ideais iluministas e impulsionados pela
independência dos EUA (1776). Grandes partes dos envolvidos na
Inconfidência Mineira estavam matriculados na Universidade de Coimbra,
10 dos 19 eram brasileiros de Minas Gerais.

Isso acaba por justificar que o abuso na cobrança da Derrama tenha sido
o estopim para a traição a Coroa (a Inconfidência). No entanto, observado
a fundo os ideais iluministas percebemos que o levante em MG em 1789
não conseguiu ganhar contornos populares e distanciar-se das elites, à
exceção de Joaquim José da Silva Xavier, o único julgado, condenado e
esquartejado, representando que o limite para os Inconfidentes terminava
onde começa a abolição da escravidão. Por esse motivo, a inconfidência
não radicalizou seus ideais, apesar de defender a criação de uma
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República,
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pelo fato de a maioria de seus integrantes terem sido grandes


latifundiários.

A Conjuração Baiana ou dos Alfaiates em 1798 já apresentou outros


interesses. Considerada a 1ª Revolução Social do Brasil, seus integrantes,
na maioria, buscaram ideais mais igualitários, o que representa que
estavam dispostos a alcançar tendências ainda mais libertárias, rompendo
definitivamente com a condição de exploração que o Brasil até então se
encontrava.

1.4 A crise do Sistema Colonial Brasileiro, 1790 - 1822


A situação que se encontrava a Coroa Portuguesa até o descobrimento
do Ouro em 1693 era precária. Suprimia apenas uma dívida que só tendia
a aumentar à medida que sua dependência passava diretamente da
Holanda para a Inglaterra. Em 1703, um Tratado entre Portugal e
Inglaterra demonstrava bem isso. Estabelecido com o intuito de alavancar
o comércio do Vinho do Porto (já em mão dos Ingleses), o Tratado de
Methuen por outro lado obrigava o Brasil e a Coroa a importar tecidos
das indústrias Inglesas. Já deu pra imaginar como pagaríamos pelas
Manufaturas? Com Ouro!

Portanto, de fato compreendemos que o nosso ouro serviu ao capital


necessário para a Revolução Industrial inglesa. Com objetivo de um
último suspiro, o rei D. José I estabelece medidas que serão necessárias a
algumas reformas do sistema Mercantilista. Essas reformas serão de
responsabilidade do secretário de Estado do Reino, Marquês de Pombal.

Por um curto período de tempo, Portugal sofrerá respectivamente crises


econômicas, um terremoto que irá destruir Lisboa, rebeliões que serão
insustentáveis para a manutenção de sua colônia e invasões que serão
desencadeadas por Napoleão, o conquistador da França.

É nessa perspectiva, que em 1808, um acordo entre a coroa Portuguesa e


a Monarquia inglesa transformarão a Colônia em sede da Coroa
Portuguesa do dia para a noite. Aproximadamente 15 mil nobres
chegarão a Salvador escoltados pela Marinha de guerra inglesa. Esse
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período,
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denominado de Joanino de 1808 a 1821, durará 13 anos de permanência


da Família Real no Brasil e mudará o curso do Brasil, culminando com a
Independência em 1822.

A primeira grande mudança para o Brasil consistiu na abertura dos Portos


para as Nações Amigas em 1808. A primeira lei promulgada pelo regente
no Brasil, D. João VI, será a responsável pelo primeiro aumento da dívida
externa brasileira, elevando o Brasil ao 3º maior mercando consumidor de
produtos ingleses. Com essa medida, a Inglaterra tem 14 anos de
abertura de mercados na América, discussões sobre a questão da
gradativa abolição (que só ira se concretizar em 1888), além de
extraterritorialidade a cidadãos ingleses e benefícios de 15% de tarifação
sobre mercadorias inglesas exportadas para o Brasil.

Esse processo representa um passo importante no sentido de elucidar


melhor a capacidade de organização por parte dos primeiros Partidos
Políticos no Brasil. Em 1815, findada a Era Napoleônica, o Brasil é elevado
a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e a exigência do retorno do
Rei a Portugal acontece com uma Revolução em Lisboa, a Revolução do
Porto em 1820.

De caráter Liberal, a Revolução do Porto implica numa condição


irreversível para o Brasil: a recolonizarão do território brasileiro. Formado
a partir dos principais interesses dos latifundiários, o Partido Liberal no
Brasil será constituído com o objetivo de impedir esses objetivos da
Coroa Portuguesa. D. João é obrigado a retornar ao país de origem, no
entanto, a permanência de seu filho, D. Pedro I, representará a articulação
das elites para privilegiar interesses da produção agrícola. Nascia assim
um Novo Império, mais presente nas suas continuidades do que suas
rupturas e a exemplo de outros modelos latino-americanos que irá
demorar em se constituir República (1889) e para a sua efetiva abolição a
escravatura. O Brasil nascia como um Império Liberal e ao mesmo tempo
conservador por estar baseado nas tradições coloniais da plantation:
monocultura, agroexportadora e escravocrata.
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1.5 Brasil Império – ascensão e queda


De acordo com a historiografia brasileira, o período designado de Império
no Brasil teve início com o processo de proclamação da Independência
por
D. Pedro I, filho de D. João VI que acabara de retornar a Portugal pelo fim
da dominação Napoleônica. Ao exato dia de 7 de Setembro, portanto, as
elites coloniais brasileiras interessadas em não retornar a condição do
Brasil à Colônia impulsionam o processo de rompimento com a antiga
Metrópole, Portugal. Os territórios do então Império do Brasil
compreendiam parte dos territórios do atual país além da faixa do
Uruguai. De antiga Colônia e sede do governo Monárquico Português
entre 1808 e 1821, o Brasil agora desmembrado irá coroar o Imperador D.
Pedro I e garantir a legitimidade dos interesses das elites, bem como, da
continuidade das características monocultoras, latifundiárias e baseadas
no trabalho escravo que marcaram o período de abastecimento de
matérias- primas e produtos manufaturados o comércio exterior.

O Período designado de Brasil Império irá compreender, portanto, 3 fases


políticas distintas: a fase do governo de D. Pedro I (1822 – 1831); uma
fase intermediária de Regência, quando se governa em nome de uma
autoridade ou Monarca, marcada por disputas de poder entre as
principais facções políticas do país (1831 – 1840); e uma fase mais extensa
marcada pelo governo de D. Pedro II, coroado antecipadamente aos 14
anos pelo Golpe da Maioridade articulado entre as elites do país (1840 –
1889); findando apenas com a Proclamação da República por um novo
golpe militar em 15 de novembro.

Os primeiros anos da Independência foram marcados por um período de


bastante incertezas e divergências políticas no país. Haviam se formado
grupos com diferentes interesses que, por ora, apoiaram o governo de D.
Pedro, ora se colocavam como contrários às medidas tomadas na
discussão da 1ª constituição que o Brasil terá como Império.

Esses fatos levam a crer os historiadores que a figura do Imperador


apresentasse distintas marcas de contradições. Foi um Imperador de
tendências liberais (apoiou o rompimento com a Monarquia Portuguesa)
mas com discursos autoritários, reflexos de um período de habilidades de
23

governo ainda voltadas ao sistema colonial, as práticas mercantilistas e ao


Absolutismo Monárquico. A Constituição outorgada em 1824 foi o melhor
exemplo do autoritarismo de um governante, que fechou o Congresso
Nacional, cancelou a Constituinte, rasgou uma constituição (a da
Mandioca proposta em 1823 pelos latifundiários) e decretou o Poder
Moderador, àquele que definia intervenção quando lhe interessasse em
determinados assuntos. Resultado: foi obrigado a abdicar ao trono, deixar
o filho com apenas 4 anos no poder, retomar o trono em Portugal
afetado por problemas dinásticos e abrir precedentes para a crise política,
apenas solucionada com a ascensão ao trono do futuro d. Pedro II.

A fase Regencial (1831 – 1840) não havia sido diferente. Mostrava ainda
os problemas e a falta de habilidade política deixada pelo Imperador D.
Pedro
I. Fora marcada por constantes disputas entre liberais e conservadores no
poder, onde se elegiam regentes por períodos de 4 anos para governar
em nome do Imperador. Temerosos que as Revoltas Regenciais pudessem
trazer uma radicalização e fragmentação do poder, o partido Liberal
consegue aprovar junto aos setores ultraconservadores uma antecipação
da coroação do Imperador. Coroado aos 14 anos, o futuro Imperador
enfrentará desafios a serem buscados pela conciliação e pacificação de
Partidos Políticos.

Hábil estrategista e político, D. Pedro II governa com maiores habilidades


que fora o pai enquanto Imperador. Concede maiores títulos de nobreza
(18 títulos de Barões/ano), permite o revezamento da composição do
Parlamento (aproximadamente 33 governos diferente em 50 anos), e dá
maior flexibilidade as escolhas de representantes no Congresso Nacional,
como determinação da mesma Constituição de 1824. Agora, portanto,
Conservadores e Liberais compreenderam que disputas políticas que
colocavam o país em guerra não seria positivo aos negócios, firmando
assim políticas de alianças ente os dois grupos antagônicos. Essa fase
denominada de Parlamentarismo às Avessas é o maior legado do 2º
Reinado, já que possibilitou acordos políticos mediados pela figura do
Imperador. Às avessas, justamente, pois num Parlamentarismo tradicional
(como a Inglaterra) a escolha das Câmaras cabe a própria votação de
24

representantes, no Brasil, ao contrário, o Imperador pode mediar essas


25

decisões pelo menos até meados de 1870, antes dos ares Republicanos
afetarem decisivamente os rumos políticos do país.

A participação do Exército na Guerra do Paraguai em 1865, a debilidade


da saúde do Imperador, o fato de não possuir herdeiros masculinos para
a sucessão de um 3º Reinado, somado aos fatores Abolicionistas da
escravidão aceleraram a queda do Império no País. Por todos os cantos
ecoavam sintomas de novas ideologias, regimes e modernização. Os
cafeicultores do Oeste Paulista viam a necessidade de substituição da
mão- de-obra escrava por livre, perdendo assim, a base de sustentação
dos latifundiários sob o regime Imperial. A chegada de imigrantes
europeus será decisiva para acelerar a crise de um Império já em
decadência, que se mostrava insustentável perante as rápidas mudanças
do mundo industrial e capitalista.

1.6 República Velha, da Espada a crise das Oligarquias e do Café, 1889


– 1930.
A República Velha é o período designado pelo modelo republicano
adotado pelo Brasil após o fim do Império com a Proclamação em 15 de
novembro. Articulado pelas camadas do exército e uma parcela da elite
civil interessada em manter seus privilégios na produção agrícola, o golpe
de Estado que colocou no exílio a Família Real foi fruto de uma falta de
mobilização popular, que ocorreu sem muitos abalos, sem que houvesse,
assim, rupturas com o Brasil agrário e latifundiário dos tempos da
Colônia.

Célebre ficou a frase do jornalista brasileiro Aristides Lobo, ao qual o país


assistia ‘bestializado’ a proclamação da República, em que o exército que
desferiu o golpe de estado mais parecia com um desfile militar do que
qualquer outra coisa. Nesse sentido, os anos que sucederam a
Proclamação foram de muita instabilidade e incerteza política, marcado
pelos ares da antiga monarquia e pelo retorno da Família Real.

Nas duas fases que sucederam a República Velha, a da Espada e a


Oligárquica, houveram, portanto, articulações e acordos a serem feitos
para garantir o desenvolvimento do novo regime político. Os Militares
26

agora,
27

eleitos indiretamente para a Presidência da República, Deodoro da


Fonseca e Floriano Peixoto, se encarregariam de normalizar e garantir o
funcionamento do país. De outro lado, a parcela civil se apressaria para
promulgar a nova Constituição, a primeira republicana, de 1891.

O modelo escolhido, de influência das grandes potências, fora o


Federalismo. O Brasil se reconheceria pelo nome de Estados Unidos do
Brasil, e suas antigas provinciais seriam elevadas a condição de Estados.
Estes agora, poderiam ter relativa autonomia para criar leis, taxar
impostos sobre produtos de exportação, delinear Tribunais de Justiça e,
acima de tudo, para garantir os jogos eleitorais, compor milícias armadas.

Estava organizada a base do Coronelismo, o sistema de arranjo político


que estabelecia a figura do Coronel, grande proprietário de terras, como
intermediário na captação e “compra” de votos para firmar alianças com o
governo federal. Essa política, estabelecida no governo Campos Sales,
1902, é a característica mais marcante da República Oligárquica. Essa
aliança irá firmar um revezamento político no poder entre as mais
importantes Oligarquias do país, a de São Paulo e Minas Gerais. Através
dela os grandes produtores de café e gado (leite), tomariam um acordo
definido como “Política dos governadores”, onde os governos dos
estados elegeriam presidentes, que em troca possibilitaria a distribuição
de recursos para áreas que tivessem apoiado sua campanha política
eleitoral. Não obstante, o período da República Velha ter sido marcado,
quase todo ele, por presidentes de origem civil, sem ligações com os
meios militares, exceto em 1910 com a eleição de Hermes da Fonseca,
sobrinho do ex- presidente Deodoro.

Em vários aspectos, portanto, essa política favorável ao protecionismo do


setor cafeeiro foi responsável por privilegiar empréstimos que tornavam o
Estado o grande articulador e gestor da exportação e regulação de preços
do produto no mercado internacional. O Estado agia como um
intermediário na aquisição do produto frente aos cafeicultores. Essa
política, em vários, momentos responsabilizava o Estado por gerar dívidas
com o café enquanto que o resto do Brasil dependia de sua própria
produção e exportação.
28

No decurso da República Velha, no entanto, foram se formando grupos e


ideologias contrárias ao desenvolvimento e proteção ao café. Esses
grupos emergiram de um descontentamento dentro das estruturas do
próprio exército. Denominado de Tenentismo, o movimento foi,
sobretudo uma insatisfação sobre a política do café e as oligarquias. O
movimento que tomou contornos armados e em vários momentos
percorreu milhares de quilômetros Brasil adentro, foi responsável,
simbolicamente, pela desintegração das oligarquias a partir da Revolução
em 1930 que colocou Vargas no poder. O poder simbólico dos jovens
tenentes foi primordial para engatilhar o movimento revolucionário e que,
somado à crise internacional em 1929, tornou insustentável o governo
brasileiro proteger e defender única e exclusivamente o café.

1.7 A Era Vargas, 1930- 1945


Contexto Internacional -
Introdução

Foi consenso entre as sociedades e grandes potências desde a Revolução


Francesa que o regime democrático seria a melhor alternativa para decidir
o destino da organização das sociedades, que, por meio de eleições,
representantes seriam escolhidos para mudar os rumos da Nação.

No entanto, os séculos XIX e XX permitiram ao lado da crise de 29 uma


radicalização de ideologias que permitissem alcançar alternativas para a
então crise do Liberalismo e do Sistema a Capitalista. Esses movimentos
denominados de antidemocráticos e antiliberais surgiam para tomar o
poder e ganhavam a simpatia pela Europa. Justificavam um autoritarismo
de Estado para justificar a “defesa da democracia”, elevando a
necessidade das pessoas creditarem a essas ideologias força e poder.
Sendo assim, prenderam, censuraram, torturaram e mataram todos que se
opunham a suas ideias.

Esse período denominado na história geral de Entre-guerras (1918 –


1939) foi o período de maior suscetibilidade e fragilidade da democracia
através dos Regimes Fascistas e Nazistas na Europa. Respingaram
influências no regime de Francisco Franco na Espanha (Franquismo),
29

no governo de
30

Antônio Salazar em Portugal (Salazarismo) e influenciou o regime


brasileiro sob a égide de um futuro Ditador, Getúlio Vargas.

A Revolução de 30 e a Era Vargas

A República do Café (1894 – 1930) que se encontrava no revezamento do


poder político do país sofria um duro golpe de Estado em 24 de outubro
de 1930. Começava assim a Revolução de 30 que findava a república das
oligarquias e colocava no poder o início da Era Vargas, de 1930 a 1945.

Os grupos ligados aos setores militares foram primordiais para colocar


em curso as contestações ao protecionismo que o café recebia desde a
Proclamação da República. O movimento então designado de Tenentismo
(pois caracterizava militares de baixa ou média patente) foi responsável
pela rebeldia contra o governo da República e, sobretudo, as oligarquias
que usavam do poder militar para intervir na política local.

Ligados aos setores médios, urbanos e democráticos os Tenentes


conheceram duas fases de seu movimento: antes de 30 e depois de 30.
Até 1930, foi consenso que o exército deveria exprimir um papel de
defesa dos interesses da nação, devendo “moralizar” a República,
defendendo o fim das fraudes eleitorais, o fim do voto de “cabresto” e,
principalmente, a centralização de poder. Economicamente, defendiam a
estabilidade do país, criticavam empréstimos do capital estrangeiro e
aumento da dívida externa, opunham-se a proteção econômica do setor
cafeeiro, defendendo assim, que a política deveria ser de uma pluralidade
econômica maior (café, algodão, cacau, açúcar (álcool), além de uma
indústria expressiva).

Esses interesses representam na prática, os novos rumos que o


Tenentismo enfrentará depois de 1930. Nessa segunda fase, os antigos
tenentes serão o sustentáculo da Era Vargas, importantes tanto na queda
da República Velha e na deposição de Vargas em 1945.

Portanto, em plena eleição de 1929 o café enfrenta uma situação


delicada: a safra que esperava-se ser de produção reduzida, alcançou
quase 30 milhões de sacas. De outro lado, com a crise, os preços
31

internacionais
32

caíram bruscamente devido à alta oferta do produto no mercado. Houve


retração do consumo e os fazendeiros agora endividados levavam o
Estado também a ficar sem saída. Assim, os prejuízos deveriam ser
compartilhados entre o governo e produtores.

O presidente paulista em gestão, Washington Luís, deveria enfrentar a


crise concedendo novos empréstimos e moratória de dívidas (quando se
atrasa novos pagamentos) para os cafeicultores. O banco do Brasil
deveria ser o credor da dívida do café. Estava aberto assim o
desentendimento entre o setor cafeeiro e o governo federal.

Os desentendimentos aumentaram ainda mais quando o presidente


insistiu em uma candidatura paulista para sua sucessão, quando pelo
acordo um presidente de MG deveria ser o próximo candidato nas
eleições. É provável que a candidatura do então governador de São Paulo,
Júlio Prestes, teria sido para garantir a permanência da proteção e o
incentivo da produção cafeeira.

Independente dos fatores, o mais importante é a formação da Aliança


Liberal que forçou um novo acordo: agora entre Mineiros e Gaúchos. Nos
arranjos eleitorais lançava-se Getúlio Vargas como candidato a presidente
e João Pessoa a vice-presidente. Esse eixo RS-MG-PB reforçava assim o
descontentamento e projetava o pano de fundo da Revolução de 1930.

A Aliança Liberal tinha características bastante próximas das quais


defenderam os Tenentes e não faltaram fraudes e apoio de “máquinas
eleitorais” que produziam votos para os opositores da política do café. No
entanto, o eixo São Paulo saía vencedor e Júlio Prestes fora eleito com o
então reconhecimento e até apoio de parte da Aliança Liberal.

O estopim da Revolução

Outra parte da Aliança Liberal despontava com uma parcela que queria a
resposta pelas armas, era o grupo dos “tenentes civis”. Embora derrotado
em sua primeira fase, o movimento surgia através de uma nova geração
de carreiras políticas que simpatizavam com a carreira no interior do
Exército
33

e pela experiência militar. A única exceção dos acordos entre a AL fora


Luís Carlos Prestes (líder da Antiga Coluna) que agora se declarara
socialista revolucionário e condenava o apoio ás oligarquias dissidentes
dos paulistas. Mais tarde, o mesmo Prestes aparecerá nos movimentos
radicais perseguidos pelo Varguismo.

Foi um acontecimento inesperado, no entanto, que abriu possibilidades


para a revolução acontecer. O assassinato por motivos públicos e
particulares de João Pessoa. Os primeiros foram aproveitados para
colocar em prática a ação de mártir da Revolução. Fora assim, que um
jovem Tenente-coronel, Goís Monteiro, cuja carreira tivera alianças com o
Rio Grande do Sul permitiu desfechar o golpe que acabava com a
Primeira República. Todos se preparavam para invadir São Paulo. Do Sul
as tropas marcharam e garantiram a força a posse de Getúlio Vargas na
presidência, marcando o início do Governo Provisório (1930 – 1934).

O Governo Provisório, 1930 – 1934

Empossado como presidente por uma junta provisória, Getúlio Vargas


tomaria algumas decisões que viriam a radicalizar o descontentamento
pela democracia e a aproximação de regimes de caráter autoritário como
aqueles que ganhavam popularidade na Europa de Mussolini e Hitler.
Getúlio deixaria isso bem claro em seu diário: “A política, o interesse
político, as manobras políticas deturpam ou sacrificam quase tudo para
vencer”.

Getúlio tomou providências para rasgar a primeira, das duas


Constituições que rasgaria a de 1891 e a de 1934. Dessa forma, fechava-
se o Congresso Nacional, as assembleias estaduais e acabava-se com a
República tal qual a conhecíamos. Nos governos estaduais (menos o de
MG) os interventores foram nomeados, em sua maioria todos tenentes. A
autonomia dos Estados determinada pelo Federalismo da Constituição de
1891 foi reduzida além da proibição de contração de empréstimos
externos. Nos novos tempos, a política brasileira passaria por um
processo de centralização política em detrimento da autonomia das
federações.
34

Para tanto, das 3 vertentes políticas do período (Alinhamento nazifascista,


retorno do pacto oligárquico e ideais democráticos), Getúlio demonstrava
aproximação e simpatia pelas medidas políticas e econômicas assumidas
na Europa. Domesticado os opositores podemos sintetizar 3 grandes
problemas passíveis de solução pelo governo.

A Paz Social

Foram criados de imediato 2 novos Ministérios: o da Educação e Saúde e


o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Essa preocupação
designada como social, visava estabelecer uma relação de cooperação
entre os agentes produtores, investidores e estado. Dessa forma,
acabava-se com conflitos entre classes, e minando qualquer resquício do
movimento operário de inspiração anarquista e socialista. Para o
Varguismo, o primeiro grande problema a ser enfrentado pelo Estado era
alcançar a Paz Social, tendo o Estado como mediador de conflitos.

Claramente de inspiração fascista, esse modelo imposto pelo Varguismo


buscou criar mecanismos para solução de problemas trabalhistas numa
primeira instância. Assim, a harmonia e a colaboração entre empregados,
patrões era alcançada através da mediação do Estado e seus Ministérios
através da regulação de profissões e de direitos como férias,
aposentadoria, jornada de trabalho, etc. Esse sistema político
denominado de Corporativismo atribuía a corporações a função de
representar perante o governo os interesses de classe e da participação
política. Diferente das ideologias comunistas, o corporativismo deixará
marcas profundas na organização dos trabalhadores no sentido de coibir
práticas de luta de classes. Getúlio despontava assim, como um líder que
tornar-se-ia o emblema do “Pai dos Pobres”, que pela via autoritária
transformava os trabalhadores em agentes de sustentação do Estado.
35

Criação do Conselho do Café

Percebemos que o problema relacionado as forças de produção foi


intensamente aplicado não apenas pelo Estado, mas em consonância com
defensores dessa política na burguesia industrial e entre os militares.
Porém, o problema primordial para ser solucionado foi em relação ao
café. O Brasil deve-se lembrar, que era responsável por quase toda
riqueza de exportações pautadas no café. O Café representava 69% das
exportações de produtos e respondia ainda por 60% da produção
mundial de café. Portanto, problemas de ordem internacional que
atingiam o preço do produto deveriam merecer a atenção do governo
brasileiro.

Para proteger ainda o preço do café, o governo Varguista precisou


comprar estoques dos agricultores e queimar o produto, esperando assim
uma redução da oferta de café e forçando um aumento brusco de preços.
De 1930 a 1944 o governo queimou mais de 78 milhões de sacas de café,
uma quantia necessária para abastecer o mercado por três anos. Impedia-
se assim a falência do agricultor e uma desvalorização do preço da
mercadoria no mercado internacional. Se os preços caíssem bruscamente
isso poderia levar a falência desde os agricultores, bancos e governo que
credenciava empréstimos para a produção.

Para resolver o problema do café, o governo iniciou uma política de


federalização do produto. Criava-se em 1931 o Conselho Nacional do
Café (CNC) que vinha a substituir o Instituto Estadual de São Paulo,
reiterando assim que o “monopólio” não era função do Estado e sim da
União. Em 1933, o CNC passou a ser o Departamento Nacional do Café.

Para resolver o problema da dívida externa suspensa até 1934, o governo


recorreu a medidas através de uma renegociação de dívidas através de
um funding loan (reescalonamento da dívida). Aumentou-se taxas de
juros, de importação, criou-se novos impostos e desvalorizou-se o câmbio
no sentido de evitar falência de setores da cafeicultura. Isso incentivou em
longo prazo uma transferência de setores da agricultura para a indústria.
36

A diversificação da produção agrícola e a Indústria

Cientes de que o problema econômico enfrentado pelo Brasil não seria


apenas solucionado com o café, restava apostar na criação de novos
mecanismos que pudessem incentivar a diversidade agrícola. Assim o
Estado passava a facilitar o descolamento de recursos para outras áreas e
regiões do país. Em 1932 foi criado o Instituto do Cacau, responsável pela
política do produto no Nordeste. E em 1933 foi criado o Instituto do
Açúcar e do Álcool, sob o qual o estado passava a incentivar a produção
da cana, além de regular o controle de preços do açúcar e do álcool.

Portanto, a crise de 29 possibilitava uma conjuntura desfavorável no


mercado internacional, mas que serviu para revisar e impulsionar políticas
internas de equilíbrio financeiro que se tornou um fator de crescimento e
de diversidade agrícola. Fora assim que o Brasil na Era Vargas soube
extrair consequências positivas para a economia num período de
fragilidade dos mercados internacionais. Passava-se assim a uma
produção agrícola que representava agora 57% de produtos, enquanto
que a indústria subia de 21% para 43% de representatividade econômica.

O Governo Constitucional, 1934 – 1937

Consequência de uma reação por parte dos Paulistas, a Revolução de


1932, o Governo Provisório inicia-se a partir da eleição indireta de Vargas
para Presidente pelo Congresso Nacional. Seu mandato deveria durar até
1938.

Para tanto, suas ações que descontentavam setores das oligarquias e


forçavam uma reação por parte dos derrotados, o governo de São Paulo.
A Revolução de 1932 em si não obteve os resultados desejados de depor
o governo Varguista, no entanto, conseguiu ao menos a Constituinte.
Designada de Revolução Constitucionalista de 1932, na prática alcançou
repercussão a ponto de forçar, respectivamente, eleições para os cargos
do Congresso (1933), abertura de uma Constituinte e a aprovação da
Constituição em 1934 (a 2ª que Vargas rasgaria).
37

Nas eleições de 1933 importantes mudanças foram alcançadas:

- Inspirada na Constituição da República Federativa de Weimar na


Alemanha;

- Voto deixa de ser aberto e passa a ser secreto;

- O voto feminino em eleições federais;

- Inspiração Nacionalista no que relaciona economia;

- Nacionalização de minas, jazidas, quedas d’água e desapropriação de


empresas estrangeiras;

- Leis trabalhistas;

Pelo temor de que um novo arranjo entre as oligarquias pudesse ocorrer


o governo antecipará o golpe de Estado, criando o Estado Novo em 1937.
Período de intensas radicalizações ideológicas, o governo Constitucional
marca uma fase de perseguições, estados de sítio, decretos de Lei de
Segurança Nacional e do surgimento das mobilizações de Esquerda e de
Direita.

Representantes da Revolução Socialista irão se concentrar sob a sigla da


ANL, A Aliança Nacional Libertadora. Formada por grupos radicais de
tenentes e sob a liderança de Luís Carlos Prestes, compartilhavam a ideia
de que somente uma Revolução poderia colocar em curso o Socialismo
no País. Para Vargas, a ANL representava os ideais mais radicais da
revolução de 1930 e, por isso, haviam traído o movimento quando
rediscutiam a questão da reforma agrária e o fim da propriedade privada.
O medo comunista assolava o país e para tanto deveriam ser perseguidos,

O outro extremo concentrava os ideais da Direita, difundindo a ideia do


anticomunismo a aumentando a paranoia contra uma nova revolução no
país. Em 1932, vários grupos ligados ao fascismo funda a Ação
Integralista Brasileira (AIB). Chamado de fascismo brasileiro, a AIB
formava um grupo paramilitar (de cidadãos armados e fardados, que não
pertencem ao exército) que pregavam a permanência da propriedade
privada, do regime
38

de ditadura com partido único e forte e comandado por um líder


carismático (semelhante àqueles da Europa).

Aprovada em 1935 uma Lei que previa perseguições a grupos radicais,


Vargas abriu fogo contra a esquerda. Fortaleceu a direita enquanto pôde,
acabou com adversários políticos e controlou enquanto pode a oposição.
Em julho de 1935, um Manifesto que exigia o fim do governo justificou a
ação de fechamento da ANL, que teve como consequência um levante
militar nos principais quartéis do país que ficaria conhecida como a
Intentona Comunista de 1935. As tropas legalistas (as do governo)
reprimiram todo o levante, iniciado em Natal (RN), e foram rendidos.

Aumentada à tensão política, a paranoia comunista havia se instalado no


país. Constantes Estados de Sítio foram decretados e Vargas assumia uma
tendência autoritária que justificaria outro golpe de Estado. Reprimidos
tanto liberais quanto comunistas, haveria ainda uma esperança que as
eleições de 1938 poderiam ocorrer. Não havia mais volta para o regime:
estava preparado o Estado Novo (a ditadura de fato Varguista)

O Estado Novo, 1937 – 1945

Justificado a partir de um suposto plano, o Plano Cohen, que consistiria


em um novo levante semelhante ao de 1935, Vargas justificava o golpe
em 11 de novembro de 1937. O suposto Plano na verdade descobriu-se
fazer parte de um documento forjado por um capitão integralista que
serviu de pretexto para realizar atitudes autoritárias e a abolição das
liberdades democráticas.

Fato disso é que o Estado Novo surgia gestado a partir de uma


Constituição, a Polaca, de 1937. Inspirada nos ideais fascistas e na
Constituição da Polônia anos antes do fascismo, ela legitimava o apoio a
um ditador que era civil, mas com apoio dos Militares. Durante esse
período uma ampla máquina estatal sustentada pela propaganda
disseminava a imagem de um ditador que conciliava diferentes interesses
na figura de líder do Estado.
39

Todos os partidos foram extintos além das Assembleias e das votações


para Governos de Estado. A polícia política concentrada no DOPS
(Departamento de Ordem Pública e Social) foi fortalecida. Praticava-se
ampla espionagem, cerceamento das liberdades, prisões e até mesmo
torturas piores que a do Regime de 64.

A cultura de massa se popularizou a partir de 1940 com os meios de


comunicação como o cinema e o rádio. Com o passar dos anos, o
governo ampliava o acesso aos meios de comunicação, popularizando-os.
Apoiando-se nesses meios de comunicação o Estado se fortalecia. Fora
criado para esses fins o DIP (Departamento de Imprensa e
Propaganda), responsável por limitar desde a censura até a difusão da
imagem e da propaganda pró-Vargas. Buscou se estatizar estações de
Rádio, como o caso da Rádio Nacional, empresa até então de domínio
privado. Além da criação da Voz do Brasil, programa de rádio para
difusão de informações do governo, foi criado a Educação Moral e Cívica
nas escolas para impulsionar uma identidade nacional em detrimento da
língua de imigrantes que as preservavam quando aqui chegavam.
Cartilhas difundidas nas escolas foram responsáveis por disseminar um
culto a Getúlio, pintado ao mesmo tempo como “Pai dos Pobres” e “Mãe
dos Ricos”, em alusão a defesa da indústria nacional e da propriedade
privada da burguesia. Note, portanto, o caráter anticomunista e
antidemocrático assumido pelo Estado Novo, que condenava as vias
assumidas pelo Liberalismo norte-americano, mas que valorizava a
capacidade do Estado regulamentar políticas de crescimento industrial,
comercial, de subordinação de sindicatos sob o Estado (os sindicatos
pelegos), o planejamento, etc.

Para tanto, o Estado Varguista se definia pelo intenso: Intervencionismo,


pelo nacionalismo exacerbado, que buscou agora produzir o que antes
importávamos (a industrialização de substituição de importações), que
soube aproveitar-se da situação e das oportunidades para valorizar aquilo
que pensava ser o melhor para o Brasil, e por isso, provocando
alinhamento por vezes com a Alemanha (1937), com os EUA e a II Guerra
(1941) e, por último, com semelhanças com a esquerda (1945) pela figura
do Camarada
40

Vargas e pelo Populismo, que é outra história de tantas faces de um líder


como Vargas.

1.8 A República Populista, 1946 – 1964

O Fim do Estado Novo e a Redemocratização, 1945

Por que um Estado programado com tanta cautela durou apenas 8 anos?

O problema em relação ao Fim do Estado Novo se encontra numa


conjuntura externa desfavorável somada a divergências internas no
interior do Governo. Os Alinhamentos do Brasil na II Guerra provocado
pela pressão dos EUA repercutiram em um modelo de governo ditatorial
que levou os pracinhas a Europa combater ditaduras.

Sendo assim, os políticos liberais, inimigos do Varguismo, perceberam


uma brecha para enfraquecer o governo, tendo como consequências a
articulação de eleições e projeção de Partidos além do fato das Forças
Armadas apoiarem a Redemocratização.

Em 1945, Getúlio imerso nesse contexto de forças contrárias e forçado a


renunciar. Reconhece o fim do Estado Novo e legitima a abertura de
novas eleições. Presos foram anistiados e a liberdade de imprensa
aprovada.

As Forças Políticas se concentraram nos principais partidos desse período.


A UDN formava a oposição liberal alinhada com os EUA. Eram os
verdadeiros inimigos do Varguismo. E os Partido de aliança a Vargas
formavam-se a partir do PTB e PSD. O primeiro representando
trabalhadores e sindicalistas do governo e o segundo, dissidentes do
aparato burocrático do Estado Novo, funcionários públicos.

Foi nesse contexto que surgiu um movimento de apoio a Vargas no


poder. Denominado de Queremismo, com o lema de ‘queremos Getúlio’,
e apoiado pelo líder da antiga ANL, Luís Carlos Prestes, esse grupo
representava os interesses da classe trabalhadora no poder, ao mesmo
tempo que minava qualquer possibilidade de oposição fortalecer a
41

hegemonia dos EUA no Brasil.


42

O Governo Dutra, 1946 – 1950

O governo do General Dutra foi eleito pela ampla aliança com o PTB e o
declarado apoio de Getúlio, que por não ter sido deposto não foi exilado
do país. No aspecto econômico o governo Dutra foi marcado
respectivamente por uma fase mais conservadora liberal, com ampla
abertura de mercado e livre comércio; e uma segunda fase mais
intervencionista, influência das consequências econômica que voltaram a
permitir uma maior ingerência do Estado. Esse livre mercado permitiu que
o governo esgotasse as reservas cambiais (montante de dinheiro
estrangeiro acumulado pelo país durante a Era Vargas) com produtos
supérfluos, de chicletes a cigarros.

Segundo a nova constituição de 1946, amplos direitos constitucionais


eram garantidos, mas a greve e o movimento sindical ainda ficavam sob a
tutela do Estado e perdia grande parte de sua autonomia. Fato esse, que
garantiu que a pouca representatividade do PCB fosse cassada e seus
parlamentares tivessem seus direitos cessados. Apesar disso, salários
foram congelados, a inflação esteve em alta.

O 2º Governo Vargas, 1950 – 1954 (data do suicídio)

Nessa fase de um novo governo Vargas irão se acentuar as diferenças


presentes entre as Forças Armadas: ideologicamente estavam dividas
entre “Nacionalistas e Entreguistas”. Os Nacionalistas creditavam ao
papel do estado o de mantenedor da ordem, do crescimento, da relativa
autonomia frente ao interesse estrangeiro no país, e da ‘nacionalização’
de setores estratégicos como indústrias. Portanto, eram os apoiadores do
ideal do Varguismo, que sustentarão desde a Campanha pelo Petróleo,
como a fundação do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento
econômico para financiar a indústria).

Os Entreguistas estavam concentrados nos inimigos do Varguismo,


aqueles que creditavam ao capital estrangeiro a iniciativa privada o
‘direito’ de explorar e investir no Brasil. Era a corrente dos adeptos do
liberalismo econômico e da prática de livre comércio defendida por
43

aqueles que
44

‘entregavam’ o Brasil ao eixo EUA. Nacionalistas, na sua maioria,


apresentavam-se como direita ou esquerda, no entanto, entreguistas
tendiam ser sempre mais ‘conservadores’ em relação a economia,
liderados pela UDN.

Vargas eleito pelo PTB e por setores do PSD buscou incentivar novamente
o crescimento do país e o controle da inflação. Baseava-se na política
trabalhista como proposta de governo, além do incentivo a indústria
nacional.

Nesse contexto surge a Campanha pelo “Petróleo é Nosso” em 1951,


numa clara alusão a política de defesa dos interesses nacionais, baseado
no monopólio da extração petrolífera e seguida de forte apoio popular.
Surgia, assim, em 1953 a Petrobrás.

Aumentando investimentos nas áreas estratégicas, Vargas ainda


monopolizou o setor energético com a criação da Eletrobrás em 1954 e
que seria efetivada em 1962. Soma-se ainda o projeto de limitar remessas
de lucros ao exterior por lei de caráter nacionalista. E por fim, em 1954,
em alusão a comemoração do dia do trabalhador, o salário mínimo é
amentado em 100%.

Vargas através de medidas consideradas populares, aumentava sua


capacidade de representante do povo e se aproximava ideologicamente
de uma política comum e característica na América Latina, antecedendo a
fase de intervenções Militares, o Populismo.

Todo Populismo típico da América Latina poderia apresentar-se como


tipicamente de esquerda ou direita, reforçando assim, uma ausência de
Partidos definidos pelo Populismo. Vargas, Ademar de Barros, Jango (João
Goulart) JK, Jânio Quadros, Brizola eram típicos populistas no Brasil. Na
América há ainda forte presença do Peronismo na Argentina e do
Cardenismo no México.
45

A queda e o suicídio de Vargas

Rotulando as medidas tomadas por Vargas pelo Nacionalismo de


Esquerda, a principal oposição representada na UDN por Carlos Lacerda
tecia críticas e calúnias apresentadas no Jornal Tribuna da Imprensa.

A corrupção e a associação ao comunismo denunciadas pela UDN,


levaram o governo a tomar atitudes drásticas de tentativa de assassinato
de Carlos Lacerda em agosto de 1954. O atentando, porém, matara o
major da aeronáutica Rubem Vaz. O Atentado da Rua Toneleros, como
ficou conhecido o episódio e tema de filme sobre os últimos dias de
Vargas, foi um dos motivos mais perceptíveis da queda de Vargas.

A investigação agora conduzida pela aeronáutica conseguira implicar,


mesmo que indiretamente, a responsabilidade de Vargas pelo atentado.
Veracidade ou não, a alta Cúpula das forças Armadas, a República do
Galeão, agora implicara na saída e na renúncia de Vargas do Palácio do
Catete no RJ. Diante disso, Vargas desfecha o suicídio e acusa, em sua
carta testamento, a espoliação do Brasil e as difamações como
responsáveis pelo ato. Uma clara alusão aos inimigos externos, como os
EUA, são responsabilizados diretamente por Vargas em seu testamento.

Dois episódios são importantes para caracterizar a sucessão de Vargas e a


garantia das próximas eleições: o 1° impeachment do Brasil, do
presidente da Câmara dos Deputados (que permanece por 4 dias no
poder) Carlos Luz; e o Golpe Preventivo do General Lott, o primeiro
caso político em que um golpe servirá para garantir a posse de um
presidente eleito, Juscelino Kubitschek, e não para depô-lo.

O governo JK, 1956 – 1960

O presidente eleito JK surgia como uma esperança após um período de


instabilidade política no país. Seguindo o discurso Nacionalista,
pretendeu modernizar o país através de uma política que irá defini-la
como desenvolvimentista ou nacional-desenvolvimentista.
46

Para tanto criou como Slogan de Campanha o crescimento do Brasil de


50 anos em 5, representando os “Anos dourados” do crescimento
brasileiro. Combinava, portanto, ações que se diferenciavam no
Nacionalismo Varguista em alguns pontos, como a combinação do capital
privado e estrangeiro ao capital Nacional. Esses três capitais conjuntos
formariam o Plano de Metas que consistia em 30 objetivos mais 1, a
construção de Brasília. Áreas como Saúde, Transporte, Energia,
Alimentação, indústria de base seriam contempladas pelo Plano.

Em meio a um moderado processo de desenvolvimento, JK buscara


combinar o melhor de ambos os projetos: o de nacionalizar e modernizar
o Brasil com apoio do capital estrangeiro. Amplos incentivos de
Multinacionais se estabeleceram no Brasil ganharam repercussão no
período, com destaque para a indústria automobilística.

O crescimento cresceu significativamente até 1961, mas com um alto


custo: grande quantidade de emissão de papel moeda, aumento
significativo da dívida externa e de empréstimos, altos índices de inflação
que repercutiram negativamente numa tentativa de reeleição de JK.
Vários setores do Exército e da UDN eram contrários aos ideais
desenvolvimentistas, mas foram controladas pela habilidade de General
Lott, que conseguiu conter a oposição e as eleições para 1960.

O Governo Jan-Jan: Jânio Quadros, UDN, e João Goulart (Jango),


PTB, 1960-60

Jânio e Jango foram os primeiros presidentes a assumirem a presidência


da República na recém-inaugurada Brasília. Agora, no entanto, presidente
eleito pela UDN e vice eleito pelo PTB-PSD pertenciam a coligações
diferentes (sim, isso era possível pela constituição de 1946), o que
permitirá um vazio nos curtos 7 meses de Governo Jânio Quadros.

Antecipado por motivo da renúncia, não muito bem explicada pelo


próprio presidente, Jânio foi o governo mais curto de um presidente da
República:
7 meses! A sucessão de acontecimentos será inclusive contraditória,
47

mesmo para um Populista como Jânio.


48

Internamente e externamente, uma ambiguidade política. Nem mesmo


seu vice que estava na China no momento sabia da sua renúncia, abrindo
possibilidades para um golpe de Estado em 1960. Jango era visto com
desconfiança por encarnar um dos maiores herdeiros do Getulismo
(Jango fora Ministro da Fazenda em 1954 de Getúlio).

O Brasil passará, portanto, em pouco tempo, por uma política Janista que
se definirá como uma Política Externa Independente; condecorará Che
Guevara em solo brasileiro com a maior honraria que um civil possa
receber em 1961; entregará Ministérios a UDN e permitirá um crise de
sucessão que só será solucionada pela intervenção de Brizola com a
Campanha da Legalidade para garantir posse de Jango (semelhante ao
Golpe Preventivo de Lott).

O governo Jango, 1961 – 63, e o Parlamentarismo

Um breve período de sistema político Parlamentarista foi a condição entre


o acordo dos setores militares e do governo para que Jango assumisse a
presidência. O Período de Parlamentarismo durou pouco mais de 2 anos
apenas, sendo revogado por uma antecipação de um plebiscito de caráter
popular, sendo retomado o Presidencialismo e os poderes do Presidente.
No sistema Parlamentarista, Jango teve seus poderes reduzidos e
dificuldade de aprovação de projetos, tornando-se refém do Congresso
Nacional e do 1º Ministro.

As medidas que Jango defendia eram pautadas nas Reformas de Base,


que compreendiam além da nacionalização de empresas e controle de
remessas de lucro ao exterior a Reforma Agrária e Urbana. Num segundo
momento, fora lançado ainda como programa de governo, já
estabelecido o Presidencialismo, o Plano Trienal. No plano econômico,
pretendia-se reduzir a inflação e estabelecer o índice de crescimento
necessário ao país.

No entanto, a preocupação em relação a medidas do governo aumentou


quando se revelou a possibilidade de suspender a dívida externa
(moratória) e a negociação de desapropriação de empresas estrangeiras
49

de petróleo e de serviços públicos como telefonia e energia.


50

Pressionados pela parcela civil das Reformas de Base, trabalhadores


iniciaram greves por todo o país e alertavam as Forças Armadas para uma
possibilidade de golpe. No campo, as Ligas Camponesas, organizações
formadas por trabalhadores rurais fortaleciam as medidas e reformas do
governo juntando-se a sindicatos, trabalhadores e movimentos estudantis
como a UNE.

Não tendo êxito no Congresso Nacional pela aprovação de Reformas


constitucionais, o governo convocava a população às ruas para pressionar
as bases de oposição do governo. Foram realizados, no início de 1964,
uma série de comícios que empunhavam bandeiras vermelhas e milhares
de simpatizantes do governo. Em 13 de março a significativa presença de
150 mil pessoas na estação Central do Brasil reforçava a ideia da
aprovação de medidas consideradas populares.

Pelo temor de que Jango proclamasse uma República Sindicalista no


país apoiado por manifestações nas ruas e possivelmente armando a
população, os setores conservadores reagiram convocando a população
para a Marcha para a família com Deus, que reuniu 500 mil pessoas em
SP. Faltava apenas o apoio da parcela favorável ao golpe para em 31 de
março (madrugada de já 01 de abril) para os militares deflagrarem a
deposição de Jango, exilado agora com a maioria dos populistas para
evitar uma guerra civil. Era o início de um regime que duraria 21 anos, até
1985.

1.9 O Regime Militar, 1964 – 1985

Introdução

Durante o período de vigência do Regime militar, na prática, houve pela


primeira vez decisões que foram tomadas pela mais alta instância das
Forças armadas para a indicação/votação de presidentes.

No entanto, esses mesmos militares na sua maior parte do tempo


dividiram-se entre correntes que divergiam quanto aos rumos tomados
pelo regime. Era as alas dos militares mais moderados e mais radicais, a
51

linha-dura do regime. Somados essas correntes os militares ainda


52

contavam com a parcela civil interessada e privilegiada pelo golpe em 64.


Essa parcela civil evidenciou seus interesses na formulação da economia e
de medida que contribuíram para instaurar um liberalismo econômico de
interesse dos EUA e do alinhamento político em plena Guerra Fria. De um
lado, figuras como o ministro da Fazenda Delfim Netto e Mário Simonsen,
privilegiaram setores do Estado que se associavam aos militares na
tomada de decisões que favorecessem um associação ao capital
internacional e aos ideias de livre-comércio. Não foi acaso que o país
percebeu seus maiores ritmos de desenvolvimento e crescimento nesse
período de associação ao Regime.

De fato, percebe-se, portanto, que o período de desenvolvimento de


regimes militares tanto no Brasil quanto na América Latina representaram
interesses da política de boa-vizinhança imposta pelo governo norte-
americano. Não foram regimes que se apresentaram como fascistas, onde
se organizaram as massas a favor do Estado; mas ao contrário,
mantiveram-se as aparências de um regime semidemocrático, permeado
pela presença da esquerda (mesmo que perseguida), onde o temor de
perseguição levava a uma despolitização do indivíduo ou uma apatia
política. Há de fato, setores que consideram que salvo o governo Médici,
o Brasil se impôs a uma situação quase que autoritária para legitimar
interesses do período pós-guerra do que por Totalitarismo ditatorial de
fato.

Para tanto, esse regime impôs um fim de fato ao Populismo, deixando de


ser guiada pela classe operária e pelos programas assistencialistas, mas
sem o desaparecimento dos sindicatos e dos movimentos sociais do
período. Houve, claramente, um benefício a classe dominante (não
exclusivamente), mas em grande parte permanecendo a presença do
Estado na atividade e regulação econômica. O empréstimo e o estímulo
ao capital estrangeiro desde JK tornar-se-ia fator propulsor do necessário
crescimento e desenvolvimento. Chamado de desenvolvimento
associado permitiu estímulos tanto a multinacionais quanto empresas
estatais e privadas nacionais.
53

Politicamente falando, não mais que um período onde o regime


presidencialista continuou vigorando (com 5 presidentes) em períodos
que variaram de 4 a 6 anos; pela existência, mas constantes fechamentos,
do Congresso Nacional; pela eleição de deputados, senadores, em muitos
casos prefeitos; pela existência, inicial, de vários partidos para um modelo
Bi-partidarista; e, acima de tudo, um período em que Presidentes Militares
foram escolhidos para governar o país divididos em duas cisões
ideológicas distintas.

O Governo Castelo Branco, 1964 – 67

A partir do Golpe que depôs o presidente Jango, o poder


automaticamente passava para o Congresso Nacional e, respectivamente,
ao Comando Supremo da Revolução, uma junta provisória que teria dois
objetivos: primeiro, afastar o perigo do comunismo e, segundo, restaurar
a democracia, pelo menos na teoria.

Nosso primeiro presidente, portanto, era classificado por uma linha mais
moderada, que admitia uma democracia mais restringida, com
perspectivas determinadas de intervenção para então restaurar o regime
constitucional do país. Esse grupo ligado a ESG, representava a principal
ligação do Brasil com os EUA e a CIA, doutrinados a defender o
capitalismo e assumir o caráter de livre-mercado na América.

Estabelecido o governo, os militares trataram de baixar os Atos


Institucionais (AI´s), que funcionavam como decretos a serem cumpridos
do Executivo pelo Congresso Nacional. Ao todo foram 17 AI´s e 104 atos
complementares a Constituição outorgada em 1967.

Os primeiros Atos vieram colaborar com o fortalecimento do Executivo.


Fecharam o Congresso Nacional, cassaram deputados (AI-1). Logo em
seguida, vieram o fim dos Partidos Políticos, ou seja, foi instituído o
Bipartidarismo (ARENA dos militares e MDB da oposição pelo AI-2), a
determinação das eleições indiretas para governos e prefeitos (AI-3)
sintetizadas pelo SNI (Serviço Nacional de Informações) e pela política de
perseguição ao comunismo.
54

No aspecto econômico, outros pontos foram relevantes para os interesses


do grande capital. Se definiu políticas de privatizações, benefícios a
grandes indústrias, revogação da Lei de Remessas ao Exterior e de
quebra no monopólio de setores energéticos. De outro lado, medidas de
austeridade (corte de gastos) foram perceptíveis. Suspendeu-se o direito
a greve, reduziu-se salários com objetivo de reduzir preços e inflação
além de acabar com estabilidade de emprego, mas pela criação do FGTS
(Fundo de garantia para trabalhadores). Essas ações foram realizadas
através do PAEG (Plano de Ação Econômica do Governo), sob
responsabilidade dos ministros civis do Planejamento e da Fazenda. Na
prática até surtiram um efeito desejado, pois aumentaram a arrecadação
de reservas através de exportações que redirecionaram áreas de
exploração estratégicas, como bens de consumo, produção agrícola e
riquezas naturais.

Em dezembro de 1966, era baixa o AI-4 com intuito de discutir uma nova
constituição para o país, a de 1967.

O Governo Costa e Silva e o enrijecimento da ‘Ditadura’

Movimentos de Resistência

Nesse contexto da história do Brasil, o regime Militar entrava no seu


período de maior perseguição politica que irá durar até o Governo de
Médici (1969 -1974).

Durante esse período, o ex-presidente Castelo Branco havia morrido em


acidente de avião sob circunstâncias duvidosas, fortalecendo assim
tendências autoritárias e repressivas sob o regime. As influências dessa
fase da Ditadura forma impulsionadas pelo ano de 1968. Decisivo e
particularmente definido por uma geração de pessoas que nasceram sob
a insígnia do Baby-boom, de 1946 a 1964. Essa juventude nasceu sob a
ideologia ultraliberal, condenava as antigas estruturas de poder político
arcaicos e defendiam a liberdade, a paz, o fim da guerra. Nos EUA os
baby- boomers protestavam contra a ofensiva americana no Vietnã,
55

em Paris
56

estudantes protestavam contra o governo De Gaulle, na antiga


Tchecoslováquia a cidade de Praga protestava contra o comunismo,
Martin Luther King era assassinado quando discursava em movimento
grevista negro Americano e no Brasil a repressão enrijecia o governo
Militar.

Aproximadamente 75 milhões de pessoas só nos EUA era afetados por


essa chamada Revolução Comportamental de 68. Era uma geração de
jovens que crescia tendo como referência os valores de oposição de uma
sociedade considerada por eles ultrapassada. O acesso a informação, os
programas de televisão ao vivo, o aumento de rede de comunicações
permitiu o despertar de uma consciência que impulsiona inúmeros
movimentos sociais ao longo do globo. Simplesmente, manifestantes
sabiam uns dos outros pela TV.

Assim, no Brasil, o lema dessa geração inspirava-se no “é proibido


proibir”. As antigas oposições, incluindo Carlos Lacerda, Brizola, JK
compunham, sem sucesso, uma Frente Ampla que buscava do exílio no
Uruguai reivindicar o fim do regime. A UNE tomava as ruas reivindicando
os mesmos objetivos. Em 1968, a famosa Passeata dos 100 mil no RJ foi
em consequência da morte de um estudante de 18 anos, Edson Luís,
morto pelas forças militares.

O Congresso Nacional também viria a ser fechado em consequência do


discurso inflamado do deputado Marcio Moreira Alves (MDB) em boicote
aos desfiles do 7 de Setembro. Os militares haviam pedido a cassação do
deputado que fora negada pelos parlamentares. Em resposta, o Governo
Costa e Silva baixava o ato mais repressivo de todo o regime Militar, o AI-
5 em 13 de dezembro de 1968 que fechava o ano das revoluções
comportamentais em todo o mundo.

O AI-5 viria coincidir com Os Anos de Chumbo e findar com aprovação da


Lei da Anistia em 1979.
57

O governo Médici, 1969 – 1974

Como estratégia de combate aos grupos de Esquerda, o Regime adotara


e baixara o AI-5. O governo apresentava sinais de fraqueza e titubeava
com o afastamento de Costa e Silva do cargo por problemas de saúde.
Temendo um retorno dos civis ao poder (o vice Pedro Aleixo era civil), os
militares baixaram o AI-12 para compor uma junta Militar que elegeria
Médici.

Chefe do Estado-Maior de Costa e Silva, Médici encarnava o melhor da


linha dura. Já fora militar da AMAN e chefe do SNI durante o governo
castelista. Ao mesmo tempo que usava da repressão para conter os
grupos armados e movimentos sociais, apostava numa fase de esperança
econômica para a população, mascarando assim o autoritarismo do
governo. Essa foi a fase do Milagre econômico.

Essa foi a justificativa do uso de força militar contra grupos considerados


armados e perigosos. Enquanto alguns partiam da transformação social a
partir de manifestações, outros grupos creditavam ser a Revolução o
único meio de acabar com os militares no poder. Em prol da Segurança
Nacional, portanto, o AI-5 estabelece entre suas medidas mais
importantes o fim do habeas corpus. Entre outras medidas(AI-6) a
Justiça Militar ficará responsável por julgar crimes e também banir do
território e até condenar a pena de morte envolvidos em crimes contra o
Estado (AI-13-14).

Esses grupos armados que se formavam no Brasil tinham inspiração na


Revolução Chinesa e Cubana. Adotavam como táticas de guerrilha
Armada o meio para se alcançar uma guerra civil contra o regime.
Cometiam assassinatos e atentados a bomba e para levantar fundos
realizavam desapropriações através de assaltos a bancos e carros-fortes.

Os grupos que mais se destacaram foram, inclusive, os responsáveis por


táticas de sequestro como forma de negociar libertação de presos
políticos. Foram eles: VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), MR-8
(Movimento Revolucionário 8 de outubro) e a ALN (Ação Libertadora
Nacional).
58

Nas zonas rurais, destacaram-se as táticas de guerrilha rural, como a da


Guerrilha do Araguaia nos Estados do Pará, Tocantins e Maranhão. A
repressão das Forças Armadas foi decisiva para acabar com o movimento
59

que tentava a simpatia de trabalhadores e camponeses. De 69


guerrilheiros do Araguaia, hoje 61 ainda são considerados desaparecidos.

De outro lado, enquanto a repressão se intensificava, o governo adotava


medidas para neutralizar a população com esperança de um crescimento
econômico associado ao governo. Resultado combinado de ações do
governo para estabelecer o crescimento do País, o Milagre possibilitou a
maior entrada de capital no país, desde indústrias estrangeiras e no
investimento de obras de infraestrutura.

Aumentaram-se as exportações bem como o aumento da produção e das


taxas do PIB. No entanto, áreas como do setor de serviços sofriam grande
baixa. Saúde e educação deixavam de ser prioridade. O grande problema
do Milagre fora a má distribuição de renda, em que a fatia do bolo,
como definia o Ministro da Fazenda, crescia, mas não era dividida.
Aproximadamente 22% da população apenas recebia entre 1 e 2 salários
mínimos.

Fora um período em que o Regime se apropriava de propagandas que


levantassem o povo em defesa do Militarismo. Um amplo acesso de
televisores contribuía para propagandas de caráter ufanista, incluindo a
vitória da seleção brasileira na Copa de 70.

O Governo Geisel, 1974 – 1979

Nessa fase do regime, o governo dos moderados assumia novamente o


poder e prometiam segundo as palavras do próprio presidente uma
Abertura lenta, gradual e segura. Dificuldades no contexto internacional
impediam o governo de abrir completamente o regime. Passava-se por
fases de oscilação entre abertura e repressão.

Dificuldades recorrentes do milagre econômico somado a crise do


Petróleo em 1973 eram apontados como fatores. O preço do barril do
petróleo subia 300% e deixava o país a beira da recessão. Medidas de
incentivo a Produção de álcool (Proálcoo) e investimentos no programa
60

Nuclear com a construção de Angra I e II apresentavam-se como


alternativas para o desenvolvimento.

Fora permitido o retorno de exilados políticos como forma de abertura


política. Em 1974 o acontecimento das eleições irá mudar o rumo tomado
pelos moderados. Visando dificultar a vitória da oposição (MDB) nas
eleições, o governo decreta algumas medidas políticas de enrijecimento
do regime. É criada a Lei Falcão em 1976, que proíbe a apresentação de
propostas políticas por candidatos a deputados. Depois da morte de
Vladmir Herzog nas dependências do DOI-CODI o governo ainda criará
maiores mecanismos para impedir a oposição de assumir o congresso. O
Pacote de Abril é aprovado e reduz em 1/3 o número de deputados
“criados” a partir de Senadores biônicos, ou seja, são deputados eleitos
por voto indireto. Além disso, o mandato do Executivo aumentaria para 6
anos.

O Governo Figueiredo, 1979 – 1985

Durante o governo Figueiredo algumas outras medidas contribuirão para


diminuir o poder dos militares. É instituída a Lei da anistia que perdoa
tanto subversivos e presos políticos quanto agentes do estado, incluindo
responsáveis por tortura e prisões arbitrárias. Ocorre também o fim do
Bipartidarismo.

No final da década de 70 o clima de abertura, permite o surgimento de


novos focos de representação política e partidária. Inicia-se com o
surgimento de Movimentos Sindicais na região do ABC Paulista. O Novo
Sindicalismo, como era chamado, extingue o sindicato de orientação
Varguista (os pelegos) e dá autonomia para o movimento sindical. Líderes
como Lula, Luís Inácio, metalúrgico são essenciais para o movimento.

Partidos de oposição são criados e siglas ideológicas representam o


período. Em 1982, eleições diretas para governador são estabelecidas
entre as siglas partidárias do PP, PT, PMDB e o PDS(antiga ARENA).
61

É apenas em início dos anos 1980 que movimentos populares irão


defender a democracia plena. Em 1983, Ulysses Guimarães, presidente do
PMDB lidera um movimento que toma quase 1 milhão de pessoas nas
ruas em defesa do lema das “Diretas Já”, onde presidente e vice seriam
eleitos por sufrágio universal por brasileiros maiores de 30 anos. O texto
da Emenda Dante de Oliveira (deputado do PMDB), no entanto, fora
derrotada no Congresso, causando grande frustração na população. As
eleições ainda permaneceriam indiretas, mas dois candidatos civis se
projetaram para as eleições, Tancredo Neves do PMDB-PFL e Paulo Maluf
do PDS. Apesar de tudo, 21 anos após o golpe de 64, elegia-se
indiretamente o 1º presidente civil do país: Tancredo Neves que, não
sendo empossado por problemas de saúde, transfere o cargo ao vice José
Sarney.

1.10 Nova República e as características do Estado Democrático


de Direito estabelecidas pela Constituição de 1988.
Governo Sarney, 1985 – 1989

Resquícios do Regime Militar precisavam agora ser superados pelos


governos da Nova República, em que o presidente eleito Tancredo Neves
não toma posse, vítima de uma grave infecção intestinal que o leva a
morte. Seu vice, José Sarney, refém de decisões ministeriais de seu
antecessor deve governar levando em conta problemas na economia
deixados pelo Milagre econômico.

O maior desafio proposto era conter a inflação, cuja medida fora


constantemente a desvalorização da moeda. Em 1986, era lançado pelo
governo o Plano Cruzado. Além da desvalorização da moeda, o
programa estabelecia obrigatoriamente o congelamento de preços e,
caso, subissem em taxa superior a 20% um aumento automático de
salários, chamado de gatilho salarial.

O que não se esperava é que o congelamento de preços faria, primeiro,


com que houvesse uma crise de abastecimento de produtos e, em
segundo, boicote por parte de produtores descontentes com o
62

tabelamento de preços que não obedeciam a lei de procura de


mercadorias. No mais importante aspecto do governo, formaram-se os
“Fiscais do Sarney”, convocados pelo presidente a fiscalizar preços de
produtos nas prateleiras, denunciando-os ao governo.

No Plano Cruzado II, houve nova desvalorização da moeda em relação ao


dólar e elevação de impostos sobre produtos, acarretando em diminuição
de exportações e o aumento da dependência das importações. Como
consequência houveram esgotamento de reservas cambiais do país.

Em 1987, o país precisou decretar moratória, influenciando ainda mais na


inflação. Os planos do governo sustentarão duas novas medidas
econômicas o Plano Bresser e o Plano Verão. Novos tabelamentos de
preços e corte de gastos foram prometidos, o que resultou em
hiperinflações que chegaram a 1639%.

Nesse mesmo período a constituinte foi discutida e aprovada em 1988. A


chamada Constituição Cidadã, resultava num esforço de conciliação entre
divergências políticas para garantir melhores direitos ao cidadão, como o
caso do voto universal e facultativo entre 16 e 18 anos.

O Governo Collor, 1989 – 1992

Um jovem político eleito presidente concorreu com o candidato do PT,


Luís Inácio Lula da Silva. Ex-governador do Alagoas, eleito pelo PRN,
Collor fora eleito como uma alternativa a radicalização da esquerda no
país centrada no PT. A força da propaganda, as promessas de caça a
corrupção, aos Marajás, além da figura jovem sustentada pelo ideal
neoliberal ganharam força nas eleições.

Eleito primeiro presidente através de voto direito depois de 30 anos,


Collor enfrentava uma difícil situação de conciliar os problemas
econômicos de hiperinflações além de trazer esperança para uma
população desiludida com o país.

Sua primeira medida, talvez equivocada, visava estabelecer o Plano Collor,


que consistia no confisco em todos os depósitos bancários em poupanças
63

acima de 50 mil cruzados. Com o objetivo de reduzir os preços de


produtos, a medida consistia em retirar dinheiro de circulação, forçando a
diminuição da procura de produtos e a sua redução de preços. O Plano
constava na devolução do dinheiro em 18 meses com juros e correção.

O Plano repercutia por atitudes extremamente impopulares e por um


fracasso completo. Empresas foram a falência e a indústria percebeu uma
significativa estagnação. O presidente, enquanto isso, apostava na
imagem de uma figura jovem, com aparições em público, em carros
esporte e em atividades físicas.

Isso acaba por fortalecer denúncias de corrupção contra seu governo que
resultam no impeachment do presidente em 1992. Aberta uma CPI no
congresso Nacional, apurou-se que uma denúncia de lavagem de
dinheiro envolvendo o ex-tesoureiro da campanha presidencial Paulo
Cesar Farias, e teria impulsionado movimentos populares contra o
governo do então presidente. O movimento dos caras-pintadas
mobilizava aproximadamente 1 milhão de pessoas exigindo a saída do
presidente.

Grande repercussão dada ao movimento foi suficiente para que um


veículo Elba fosse o estopim do caso de impeachment votado pelo
Congresso Nacional. Collor era o 2º presidente a sofrer um processo
decidido e votado pelo Congresso Nacional.

Governo Itamar Franco

Garantido o impeachment do Presidente, Collor renuncia a seu cargo e


seus direitos políticos são suspensos por 8 anos repassando assim o
governo a seu Vice Itamar Franco. Assumindo a presidência, as coligações
irão definir os acordos políticos necessários para a estabilidade
econômica.

Buscando controlar os altos índices de inflação é criado o Plano Real, pelo


então Ministro das Relações Exteriores Fernando Henrique Cardoso. A
64

equipe formada pelo presidente deveria colocar em prática o já alinhado


sistema político neoliberal, bastante popular nos anos 90 na América.

O mercado, portanto, deveria partir da prerrogativa da não intervenção


do Estado na Economia, permitindo a livre entrada de capitais e produtos
no país, desafogando a máquina pública com privatizações e reduzindo
gastos em saúde e educação. O Plano Real, foi o pioneiro a adotar
medidas como essas na América foi o Brasil com FHC. Equiparando o Real
ao dólar a economia foi reduzindo seus níveis de inflação e a economia
estabilizada, o que implicaria numa alta popularidade que projetaria FHC
como candidato a presidência após a fase Itamar Franco.

Permeada por uma fase de cooperação econômica entre países da


América, o Brasil fecha o acordo de criação do Mercosul em 1994.
Estabilizado, mais democrático, com o fim das ditaduras os países latino-
americanos fechavam sua primeira formação de Bloco econômico. Brasil,
Argentina, Uruguai, e Paraguai fariam parte do Mercosul.

Era FHC, 1994 – 2002

Assumindo o poder em 1995 e derrotando o candidato do PT nas


eleições, o governo de FHC irá marcar uma era de desenvolvimento e
posições ideológicas que irão definir uma Era. Seus dois mandatos
consecutivos, portanto, representa, em certos aspectos, a continuidade de
programas já criados no governo Collor-Itamar e a hegemonia dos
regimes de caráter liberal e neoliberal.

Levando em conta aspectos da redução do papel do Estado essas


tendências representam o fim dos obstáculos ao desenvolvimento do
livre-comércio e de um aparelho de Estado com menos atribuições e mais
eficiente.

Esses pontos do governo FHC consistem na privatização de empresas


estatais como a Vale do Rio Doce, a Embraer, a Telebrás. Criticadas pela
oposição esquerdista, as privatizações foram encarnadas como o ápice do
‘Entreguismo’ do Brasil aos países estrangeiros. Até mesmo a Petrobrás
65

passou por tentativas de privatização sem sucesso, mas que repercutiram


no fim do monopólio de extração energética no país.

As privatizações possibilitaram uma dinamização da economia, inserindo


o Brasil no patamar mercado global além de fomentar uma maior
diversificação da velha estrutura. Modernizado, o país viu alguns de seus
serviços tornarem-se mais caros a partir da privatização, porém, mais
dinamizados a partir da ingerência de concorrência na economia.

Marcado por constantes críticas da esquerda, o 2º mandato da Era FHC


não seria diferente, já que um projeto de emenda permitiu a realização de
reeleições a Presidência da República e ao governo de Estados.
Empossado em 1999, tivera já um importante desafio: controlar a crise do
Plano Real, devido a constantes crises internacionais. A dívida pública
aumentava e as taxas de juros disparavam.

Crise de abastecimento de energia também marcaria os anos 2000.


Racionamentos de energia e apagões foram características do governo
FHC. O aumento da desigualdade social e do índice de empregos
informais cresceu em relação aos formais e ao desemprego.
Intensificaram-se ainda movimentos sociais como os do MST. Alguns
assentamentos foram realizados, mas longe de apresentar uma solução
para o problema da Reforma agrária.

Na área da Saúde, destaque para o Ministro José Serra que instituiu


quebra de patentes de medicamentos, dando origem aos medicamentos
genéricos. O combate a AIDS foi levado a cabo pelo governo e
representou o tratamento gratuito fornecido pelo Estado a pacientes com
a doença.

1.11 A ERA LULA, 2003 – 2010


Desgastado politica e economicamente o PSDB perde as eleições para o
PT em 2002. Desemprego em alta, altos índices de desestabilidade
econômica garantem ao PT uma nova alternância sucessória pautado na
figura de um líder sindical que chegava à Presidência da República.
66

Apoderando-se de um discurso menos agressivo, mais moderado e


próximo das elites e da classe média, a Era Lula será capaz de projetar a
importância de um dos mais populares líderes na América. Resgatando
uma espécie de neopopulismo, Lula garante esperanças a um momento
necessário para reduzir as diferenças e projetar um país a sua importância
política equiparada ao países emergente como Rússia e China.

No início, formando seu governo por grande parte dos dissidentes do


regime Militar, torturados, perseguidos, subversivos e que participaram
da Luta Armada, Lula pautava seu primeiro mandato em aspectos
semelhantes e divergentes da Era FHC.

Aproveitando-se de ampla aliança política no Congresso para governar e


o objetivo de controlar a crise econômica, adotou diferente de seu
antecessor uma oposição ao neoliberalismo. Assumiu um caráter mais
interventor na economia e na criação e manutenção de programas e
medidas sociais fundidas em apoio às massas.

Com o objetivo de reduzir a miséria do país, Lula funde programas


criados por FHC e os torna lemas da Campanha Petista. Até 2006 serão
quase 16 milhões de pessoas beneficiadas que abandonam a linha da
miséria. Programas como Bolsa Família e Fome Zero, buscam criar apoio e
auxílio a famílias que recebem até 140 reais de renda per capita.

Dada a enorme popularidade do governo, o programa de obras públicas


de infraestrutura irá gerar mais empregos através do PAC (Programa de
aceleração do Crescimento), e que, inclusive irá fechar acordos pela
realização da Copa do Mundo em 2014 e das Olímpiadas em 2016.

As classes C e D, pela primeira vez no país foram contempladas com uma


ampla iniciativa de crédito e acesso a capitais, que permitiram mobilizar e
movimentar o consumo e a economia. Impulsionando, assim, o 2º
mandato de Lula. Privilegiado pela movimentação da Economia, o
governo ganha maior repercussão no mercado e política internacional. O
país passa de devedor ao FMI a credor, equiparando-se ao estágio de
países concentrados pelos BRIC´s.
67

Grande impulso da produção agrícola brasileira e da descoberta de


reservas de Petróleo no pré-sal contrastam com denúncias de corrupção,
uma das maiores do país, a do mensalão. De seus condenados vários
envolvidos com o PT e seus correligionários. Nada que impeça ainda a
sucessão de 2 mandatos consecutivos para a presidente eleita e sucessora
de Lula, Dilma Roussef, que apesar de enfrentar novas denúncias de
corrupção é reeleita em 2014.

Pode-se afirmar que o crescimento do país em termos econômicos vem


elevando também a taxa de insegurança e criminalidade nos grandes
centros. Problemas que se agravaram desde o governo Sarney, em que 1
a cada 10 trabalhadores eram afetados pelo desemprego, repercutiu
negativamente na criminalidade e nos altos índices de desigualdade,
alargando o espaço de segregação entre ricos, que se fecham em
condomínios e carros blindados, e pobres que se mantém a mercê da
necessidade e da proteção do governo.

A educação enfrenta problemas, bem como a saúde, devido a baixa


remuneração e despreparo de agentes e profissionais das áreas.
Programas inclusivos aos mais pobres, como Pro-Uni e FIES, parecem não
conseguir solucionar problemas ainda mais graves e conjunturais, aqueles
que dependem de uma reforma completa do Estado e suas instituições.

1 Cidadania e movimentos sociais.

Reivindicações Populares Urbanas

Modernização e Sociedade Brasileira: a criação da ‘Favela”


Por volta de 1893, o Brasil passou por uma fase complicada quanto às
moradias, foi nessa época que a favela começou a tomar força e ser
“montada”. Tudo começou com o primeiro prefeito do Rio de Janeiro,
Barata Ribeiro, por ser médico ele não ignorou as condições precárias que
os habitantes dos cortiços viviam. A população dos cortiços no centro da
cidade totalizava 25% dos habitantes cariocas em condições precárias e
de saúde prejudicada decorrente do meio.
68

Essa operação tornou-se conhecida como a grade limpeza, onde Ribeiro


retirou todos os cortiços da cidade para uma melhoria na saúde, porém
não tomou uma ação quando os moradores começaram a invadir e
construir novas moradias nos morros, formando as favelas. A primeira
favela ficou conhecida na época como Morro da Providência, pela
montagem de moradias ilegais nos morros. Mais tarde com a ocupação
dos soldados que lutaram na Guerra de Canudos, como uma forma
também de ganhar a casa própria como recompensa aos soldados
sobreviventes, porem nada disso aconteceu, o governo não liberou as
moradias pelos heróis que voltaram com vida, com isso o morro ganhou
os soldados como novos moradores, passando a ser conhecido como
Morro da Favela, mesmo nome utilizado em um morro de Monte Santo
na Bahia, onde havia uma vegetação conhecida como favela, que era
onde os soldados que lutaram bravamente na Guerra de Canudos
ficavam.
O nome favela é usado até hoje para áreas desagregadas, usadas por
populações pobres, geralmente em morros de grandes cidades. Esses
morros são caracterizados pelas moradias precárias, risco de vida por ser
evidente o risco de desabamento, sem infraestrutura e regularização
fundiária (terrenos com um número limitado de propriedades).
Com a entrada de um novo prefeito na cidade do Rio, Francisco Pereira
Passos, fez com que as moradias populares sofressem mais uma
mudança, mandou demolir em torno de 641 casas desabrigando milhares
de indivíduos. O ato nada mais foi que um projeto de reforma
segregacionista (política que tem por objetivo separar e isolar as
minorias).
A discriminação existe ha muito tempo, algo arrogante e de fato
asqueroso, convivemos com ela o tempo todo, infelizmente. No começo
das favelas, todos os crimes que aconteciam eram os culpados os
“favelados”, sem nem antes pensar antes de julgar, a sociedade tinha
esses indivíduos como os criminosos da cidade, o que não era verdade,
isso adquiriu o nome na época de Violência Simbólica. O Estado punia as
ações cometidas nas classes sociais baixas, de determinadas regiões
deixando de punir os verdadeiros criminosos.
Pensamos no seguinte: se a polícia já pensava dessa maneira, punir
“criminosos” de determinadas regiões e classes sociais, imagina os
moradores e indivíduos com uma melhor situação financeira. Com todos
esses fatos era fácil imaginar o que acontecia, as pessoas de nível social
mais baixo, mulatos, negros e moradores da favela eram “eleitos” como
indivíduos vulneráveis ao crime.
Dogma: algo apresentado para a sociedade como o caminho certo a ser
69

seguido, algo certo, indiscutível e inquestionável.


70

Para a época um dogma comum era o do significado da favela, como sendo


algo de segregação, marginalidade, exclusão e a pobreza. Favela era o
local onde era o centro de problemas sociais, uma carência absoluta, falta
de tudo. Porem essa falta de tudo não significa a falta de educação, de
valores morais, paz social.

Escola de Chicago
Uma nova ideia de controle social surge no século XX. A escola de
Chicago tinha um pensamento de investigação (1915 e 1940), os mesmos
eram estudados através de professores e estudantes de sociologia da
Universidade de Chicago. Os principais temas desses estudos e
investigações eram a imigração e a assimilação dos imigrantes na
sociedade, relações étnicas, criminalidade entre outros temas que eram
curiosos para os pesquisadores.
Para a época, o imigrante nos EUA era em uma grande quantidade por
isso dos estudos sobre os mesmos. Para estes estudos, a perspectiva era o
problem solving (problema resolvido), era destinada para a solução de
problemas que eram decorrentes dos imigrantes, a curiosidade dos
estudiosos era perceber as consequências que uma sociedade sofria com
a chegada dos imigrantes.
Os estudos feitos na Escola era uma forma de intervir na política da
sociedade, podendo direcionar melhor o governo para prevenção de
efeitos perversos que poderiam ocorrer na sociedade.
Controle social: intervenções públicas utilizadas para intervenções em
áreas de sociedade pobre, onde a probabilidade de criminalidade e
delinquência em maior nível.
Ecologia humana: o ser humano é responsável pelo comportamento e as
condições sócias dispostas ao meio.
Modernização da sociedade do Brasil
A modernização do Brasil começou em 1850, tendo como principal meta
a superação ao trabalho escravo. Para isso ocorrer várias medidas foram
tomadas, uma delas era a proibição de tráfico de escravos no país. Porem
muitas outras medidas foram essenciais para esse processo de
modernização como: promulgação de um alei de terras podendo assim
regulamentar o acesso à propriedade territorial, promulgação do primeiro
Código Comercial, fortalecimento do Poder central, surgimento da
burocracia estatal. Todo o capital antigamente usado para o tráfico de
escravos, passou a serem utilizadas para o faturamento interno do país,
possibilitando o surgimento de bancos, indústrias entre outros benefícios.
A melhor modernização que poderia ocorrer no Brasil seria a
modernização
71

do transporte, para uma melhor expansão cafeeira, como principal fonte


de renda para o país.
Para uma modernização com sucesso seria necessária “extinguir” um dos
tipos de sociedade:
Sociedade TRADICIONAL: era tida como a sociedade que não
acompanhava as mudanças na sociedade, tida como atrasada e
subdesenvolvida;
Sociedade MODERNA: uma sociedade mais voltada para o meio
industrial, crescimento junto a indústria, uma sociedade desenvolvida e
urbana;
Para entender melhor a modernização temos teorias que enfatizam a
importância de dois fatores, endógenos (desenvolvimento inteiramente
dependente da sociedade) e exógenos (transferência de valores,
especializações na área da pobreza e tecnologias).
Modernização conservadora do Brasil
A modernização conservadora ocorrer de um jeito estranho, a
modernidade chegou ao Brasil, porem continuou com costumes antigos,
como a desigualdade social. Essa atividade foi importante para o nosso
país, porem as medidas que foram adotadas para a modernização
ocorreu de forma inadequada, pois mesmo com as mudanças os coronéis
e senhores das suas terras continuavam tomando decisões próprias no
governo.

Movimentos e Lutas Sociais na História do Brasil


Os movimentos Sociais que se tornaram perceptíveis nos últimos anos no
Brasil podem ser considerados muito mais antigos e enraizados na cultura
popular brasileira. Desde os tempos do Brasil Colônia já era perceptíveis
revoltas de caráter político que envolvia diferentes setores da Colônia e
representantes da Metrópole. No entanto, apenas a partir da década de
80 com os governos autoritários que os movimentos sociais deixaram
cicatrizes abertas que definiram outras grandes ondas de protesto, como
as de 2013.
Naquele contexto, a década de 80 passava por Regimes Militares,
cerceamento da liberdade, atos de repressão e autoritarismo, democracia
restringida e mediada pela despolitização. A geração de 68, filhos dessa
revolução, no entanto, foi florescer a partir da década de 90. O ápice do
neoliberalismo, com a redução de gastos públicos, sucateamento de
serviços e privatizações contribuiu para uma nova leva de movimentos
sociais que buscariam através da ação coletiva de grupos ou indivíduos a
manutenção ou a transformação da Ordem. É nesse sentido, que você
72

deve
73

lembrar daquele período em que a Sociologia era permeada por


diferentes forças sociais, desde reacionários, conservadores e
revolucionários. A Marcha da família com Deus e pela Liberdade que
apoiou e sintetizou os interesses do golpe de 64 é o melhor exemplo
disso e que em 2014 também rememorou os eventos do golpe de 64.
Portanto, toda forma de organização social pautada em Movimentos
Sociais pode estar associada a diferentes formas de Movimentos, desde
Populares, Sindicais ou Operários e até mobilizados por Organizações
não- governamentais. Por vezes aparecem como movimentos
espontâneos, e por serem desvinculados do Estado são sociais.
Começaram a ocorrer em maior número a partir da urbanização e da
forte industrialização da sociedade brasileira, o que implica uma maior
concentração de ideias.
A expressão é muito usada para caracterizar e descrever a participação do
cidadão em elementos de mudança na sociedade. Tem sido empregado
como uma categoria ampla de discurso desde a década de 70,
principalmente, na Europa e na América Latina. Diferentemente de
revoluções, são usados como termos mais instáveis do que aquelas
usadas por longos períodos de tempo.
No caso específico do Brasil, o processo de redemocratização se deu pela
ampla importância de movimentos sociais que foram essenciais para
pressionar o governo por melhores condições políticas, naquele caso as
Diretas-Já e o movimento dos Caras-pintadas tiveram suas importâncias
em seus respectivos períodos. Nos últimos anos, a geração herdeira dos
grandes movimentos sociais também foi primordial pelo desenvolvimento
de manifestações sociais.
Mais especificamente em 2013, a onda de manifestações e protestos
estiveram relacionadas ao aumento das tarifas do transporte público e,
indiretamente, relacionadas aos altos custos com a Copa do Mundo,
sediado no país em 2014. Naquele momento a sociedade brasileira
divergiu no sentido que tomaria as ruas do país, considerado por alguns
uma Manifestação, por outros Protesto, ou até mesmo Revoltas e
Revoluções.
Marcos Nobre, professor da Unicamp, considera que 2013 foram as
revoltas de julho que definiram àquelas mobilizações, como se o ano
encerrasse o que se iniciou com a redemocratização em 1989. O que
ainda não surtiu efeito deve levar um tempo para que as mudanças
possam ocorrer.
Segundo outros especialistas, cabem muito a se fazer ainda, porém, do
ponto de visa político ainda estamos parados no mesmo lugar. Houve de
fato também muita manobra política, que provocou um desvio no foco
74

das
75

questões que se iniciaram com o transporte público e se alastraram até as


denúncias de corrupção e de impeachment da Presidente Dilma Rousseff.
Questões agrárias e até questões do MTST desfocaram a questão para
assuntos paralelos, impedindo uma real discussão dos rumos sociais a
serem tomados a partir de agora.
No entanto, a pressão pelo aumento das tarifas até surtiram efeitos
imediatos, já que muitas isenções fiscais foram concedidas pela pressão
de movimentos como as Jornadas de Junho e pela questão dos R$0,20.
Muito também serviu para levantar a questão da truculência e da
violência das Polícias Militares. Algumas instituições foram
desestabilizadas, ainda que temporariamente, e seus impactos
transpuseram barreiras sagradas como o próprio futebol, a do Copa do
Mundo, o que pode nos remeter a resquícios que ficarão para futuras
manifestações.

Trabalho, Estratificação e Cidadão Livre


A partir de meados dos séculos XVI e XVII, começava a partir da Europa
uma lenta transformação social que permitir redefinir as relações sociais,
de trabalho e, consequentemente, aquilo que ao mesmo tempo se
tornaria um objeto (a ser estudo, analisado) e um problema (que
demandava maiores investigações) sobre área da Sociologia.
Nesse contexto é que emergiu o cidadão livre. Longe das amarras dos
Senhores Feudais a qual devia obrigações, o cidadão livre pôde estar
preparado agora para uma nova forma de organização social, agora
pertencente a sociedade capitalista. Isso implicou na primeira grande
consequência que foi objeto de estudos: a estratificação social.
Toda forma de organização social depende de um critério de
estratificação, podendo variar de escalas de sociedades simples e
complexas, com menor ou maior grau de estratificação e, acima de tudo,
pela presença ou não de abertura entre classes, que chamamos de
permeabilidade social. Quanto mais permeável a estratificação de uma
sociedade, mais abera ela terá suas classes.
Portanto, toda estratificação social depende do posicionamento dos
indivíduos no meio, sendo representada pela velha e tradicional Pirâmide
Social. É nesse sentido que chamamos de estratificação toda classe, grupo
ou posição que o indivíduo ocupa no meio, sendo mais comum para as
teorias marxistas estarem associados à condição econômica dos
indivíduos e, consequentemente, a função produtiva que esse indivíduo
ocupa sendo trabalhador, operário, camponês ou patrão.
76

No funcionamento das atribuições do sistema capitalista é importante


destacar o nível de complexidade da sociedade. Isso se justifica pelo fato
de que a partir da Revolução Industrial, o nível de especificação do
trabalho e a sua divisão em etapas acentuou as camadas socais que os
indivíduos possam vir a ocupar. Esses sem número de funções ocupadas
nas relações de trabalho tornam a estratificação bem mais complexa que
no feudo, por exemplo, onde as funções já eram bem definidas desde o
nascimento. Porém, por outro lado, a existência da propriedade privada e
a busca pelo lucro permitem as sociedades mais complexas maiores
abertura. Justifica- se, assim, que aja uma permeabilidade típica de
mobilidade, onde o indivíduo tenha capacidade de se movimentar entre
as classes, alterando e mudando assim suas próprias condições
econômicas, bem como a situação desempenhada nas suas atividades
produtivas.
É o que defendem teóricos da Sociologia que divergem das perspectivas
revolucionárias, como Émile Durkheim. Positivista por formação, diverge
da principal ideia de que o Estado é o organismo usado para legitimar os
interesses da classe dominante, ou que sirva como mecanismo de
exploração dos indivíduos. Para o positivismo, o Estado é a base do
direito dos indivíduos, cuja função é organizar e garantir as liberdades
individuais. Afirma, acima de tudo, que poderíamos perceber a escala
evolutiva de estratificações sociais, tendendo a compor sociedades mais
simples até sociedades constituídas por grupos profissionais específicos,
que desempenham sua função na organização produtiva. Em sua mais
famosa obra, A divisão do trabalho social, de 1893 inclusive afirmava que
seria uma tendência de sociedades modernas e tecnológicas a divisão de
tarefas. Essa divisão, inclusive, permitiria a cada um seguir suas vocações
profissionais, abrindo precedentes para a garantir das liberdades
individuais.
No entanto, o pensamento de Durkheim se insere no atribulado
momento da intensificação do movimento operário, fazendo-se
necessário instituir uma alternativa para o socialismo. Buscando teorizar
sobre os rumos que a sociedade industrializada assumia, Durkheim
defendia superarmos o estado de Anomia, decorrentes ainda da
Revolução Francesa. O Estado de anomia era o estado de ausência de
regras sociais e que se fazia necessário estabelece-las pelo estágio de
consciência que os indivíduos tomariam em relação aos outros.
Durkheim imaginava a composição de dois tipos de sociedades: as tribais
e industrializadas. Segundo ele, em sociedades de tendências mais
simples, os indivíduos tendem as se relacionar pelas suas semelhanças,
diminuindo assim a consciência individual e reforçando a consciência
77

coletiva do meio. Assim, os sujeitos se assemelham pelas suas funções do


trabalho.
78

E sociedades complexas?
Em sociedades industrializadas haveria uma tendência de complexidade
em relações e estímulos entre os indivíduos. Fazia-se assim necessário
apresentarmos estímulos que forneceriam respostas a uma aproximação
entre os sujeitos. Decorrentes de uma individualidade maior e uma
diminuição de consciência coletiva, Durkheim afirmava ser condição para
a existência de relações suas funções na sociedade e um sistema de
aproximação dos indivíduos, já que dependeriam uns dos outros para
sobreviverem. Exemplo disso, é que ninguém vive sozinho, dependemos
de trabalhadores manuais como não-manuais.
Em resumo, podemos concluir que os objetivos das teorias positivistas era
não se ater a luta de classes, mas perceber os benefícios e as formas de
organização que garantiriam as relações entre profissionais de diferentes
classes ou agrupamentos sociais. A primeira forma de organização social
chama-se de Solidariedade Mecânica. Devido a sua simplicidade os
indivíduos respondem a estímulos que são quase ou praticamente
“automáticos” em sociedade, reconhecendo suas semelhanças na
organização do trabalho. Toda solidariedade depende, portanto, de
estímulos que os indivíduos recebem do meio em que se encontram. Nas
sociedades mais complexas esses estímulos também se determinam por
estímulos mais complexos. Em resposta a isso, o indivíduo recebe um
estímulo que irá, contrariamente, fazer como que sinta-se dependente do
meio e de suas funções. Esse é chamado de Solidariedade Orgânica. O
sentido de orgânico aqui remete ao organismo e seus órgãos, que em
diferentes funções devam cumprir com seus objetivos para o bom
desenvolvimento da sociedade.
Isso parece remeter a uma sociedade muito conformista, mas que
depende do desempenhar de funções do indivíduo para que permita
também o amplo desenvolvimento da coletividade. Em outras palavras, a
sociedade pensada enquanto um organismo com funções já pré-
determinadas é a condição para pensar o desenvolvimento de relações
onde a especialização do trabalha levaria a dependência de indivíduos e
não a luta de classes, como previa Marx.
Por esse motivo, a valorização do Estado e das Instituições sociais é tão
importante para o pensamento de Durkheim, que será inclusive estudado
em vários outros momentos de análise da sociedade. A sociedade é fruto
de relações que são determinantemente homogêneas, implicando numa
série de valores e condutas assimiladas e introjetadas pelo indivíduo para
o seu bom desempenhar de ser social. É apenas dessa maneira que faz
79

sentido pensarmos na constituição do Estado Moderno a partir de visões


consideradas mais ‘conservadoras’ como o positivismo.

Movimentos e Lutas sociais


Movimento social é uma "expressão técnica" que designa a ação coletiva
de setores da sociedade ou organizações sociais para defesa ou
promoção, no âmbito das relações de classes, de certos objetivos ou
interesses - tanto de transformação como de preservação da ordem
estabelecida na sociedade.
A categoria é ampla e pode congregar, dependendo dos critérios de análise
empregados, desde a ação de grupos sociais voltados à promoção de
interesses morais, éticos e legais (e.g. entidades voltadas para a defesa de
direitos humanos) até as ações mais radicais que visam transformações
drásticas da ordem, incluindo: sistemas normativos, políticos e
econômicos vigentes, sob a égide dos mais variados suportes ideológicos
e em diferentes contextos históricos e sociais.
Segundo Alain Touraine, "movimentos sociais são a ação conflitante de
agentes das classes sociais, lutando pelo controle do sistema de ação
histórica". Para o autor, em cada sociedade existe um movimento social
que encarna não uma simples mobilização, mas um projeto de mudança
social. Nenhum movimento social se define somente pelo conflito, mas
pela sua aspiração a controlar o movimento da história. Segundo o autor,
a definição do movimento social se dá através de três princípios:
Princípio de identidade: corresponde à auto definição do ator social e a
sua consciência de pertencer a um grupo ou classe social. Um movimento
social só pode se organizar se essa definição for consciente, entretanto a
formação do movimento precede essa consciência. É o conflito que
constitui e organiza o ator.
Princípio de oposição: um movimento só se organiza se puder nomear
seu adversário, mas a sua ação não pressupõe essa identificação. O
conflito faz surgir o adversário, forma a consciência dos atores;
Princípio de totalidade: os atores em conflito, mesmo quando este seja
circunscrito ou localizado, questionam a orientação geral do sistema. Um
movimento social não é inteligível senão na luta tendo em vista o
"controle da historicidade", isto é, dos modelos de conduta a partir dos
quais uma sociedade produz suas práticas.

Uma vez que esses três princípios estejam reunidos, pode-se falar de
"consciência coletiva". Segundo Touraine, o movimento social é
80

fundamentalmente uma instância relativamente autônoma na qual ocorre


a explosão do conflito em torno da ação histórica e de visões de mundo
opostas. No entanto, progressivamente, Touraine vai abandonar essa tese.
Atualmente, ele considera que não há hoje nenhum movimento que
corresponda a essa definição de movimento social.
Já Manuel Castells refere-se ao movimento social urbano como um
sistema de práticas que resulta da articulação de uma conjuntura definida,
ao mesmo tempo, pela inserção dos agentes suportes tanto na estrutura
urbana como na estrutura social, de modo que seu desenvolvimento
tende objetivamente para a transformação estrutural do sistema urbano
ou para uma modificação substancial da correlação de forças na luta de
classes, ou seja, em última instância, do poder do Estado. Para ele, os
movimentos sociais urbanos "sistema de práticas sociais contraditórias,
isto é, que controvertem a ordem estabelecida a partir das contradições
específicas da problemática urbana."
Clarence Elmer Ranwater, por sua vez, define os movimentos sociais como
"uma série de eventos envolvendo ajustes a uma situação social;
conectados por uma relação de causa e efeito; possuindo uma extensão
no tempo e espaço, e revelando estágios, transições, tendências que são
correlacionadas com um conceito mutante de sua função e indicativas de
sua evolução".
Nildo Viana apresenta uma outra concepção de movimentos sociais,
destacando que são movimentos de grupos sociais, distintos de
movimentos de classes sociais e outros fenômenos (partidos,
manifestações, protestos). Segundo ele, os movimentos sociais são
movimentos de grupos sociais quando integrantes destes entram em
fusão, a partir de determinada situação social que gera insatisfação social,
promovendo também um processo de criação de senso de
pertencimento, objetivos e mobilização.

Diferentes Movimentos Sociais


Segundo Scherer-Warren, a sociedade civil é a representação de vários
níveis de como os interesses e os valores da cidadania se organizam em
cada sociedade para encaminhamento de suas ações em prol de políticas
sociais e públicas, protestos sociais, manifestações simbólicas e pressões
políticas. Num primeiro nível, encontramos o associativismo local
(associações civis, os movimentos comunitários) e sujeitos sociais
envolvidos com causas sociais ou culturais do cotidiano, ou voltados a
essas bases, como são algumas organizações não governamentais
(ONGs),
81

o terceiro setor. Para citar apenas alguns exemplos dessas organizações


localizadas: núcleos dos movimentos de sem-terra, sem-teto,
empreendimentos solidários, associações de bairro, etc. As organizações
locais também vêm buscando se organizar nacionalmente e, na medida
do possível, participar de redes transnacionais de movimentos
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Movimento Nacional
dos Catadores de Materiais Recicláveis, Movimento Indígena, Movimento
Negro, etc.), ou através de articulações inter-organizacionais.
Observa-se que as mobilizações na esfera pública são fruto da articulação
de atores dos movimentos sociais localizados, das ONGs, dos fóruns e
redes de redes, mas buscam transcendê-los por meio de grandes
manifestações na praça pública, incluindo a participação de simpatizantes,
com a finalidade de produzir visibilidade através da mídia e efeitos
simbólicos para os próprios manifestantes (no sentido político-
pedagógico) e para a sociedade em geral, como uma forma de pressão
política das mais expressivas no espaço público contemporâneo.
No Brasil, há alguns casos que ilustram essa forma de organização, que
inclui a participação de vários setores. A Marcha Nacional pela Reforma
Agrária, de Goiânia a Brasília (maio de 2005), foi organizada por
articulações de base como a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Grito dos
Excluídos e o próprio MST e por outras, transnacionais, como a Via
Campesina.
Festival de Woodstock um significativo momento do Movimento hippie.
Passeatas e/ou manifestações públicas.
A Parada do Orgulho Gay tem aumentado expressivamente a cada ano,
desde seu início em 1995 no Rio de Janeiro, fortalecendo-se através de
redes nacionais, como a LGBT, de grupos locais e simpatizantes. A Marcha
da Reforma Urbana, em Brasília (outubro de 2005), resultou não só da
articulação de organizações de base urbana (Sem Teto e outras), mas
também de uma integração mais ampla com a Plataforma Brasileira de
Ação Global contra a Pobreza. A Marcha Mundial das Mulheres tem sido
integrada por organizações civis de todos os continentes. A Marcha
vinculada à III Cúpula dos Povos, em Mar Del Plata (novembro de 2005),
“foi convocada pela Aliança Social Continental, por estudantes,
trabalhadores, artistas, líderes religiosos, representantes das populações
indígenas e das mulheres, juristas, defensores dos direitos humanos, parte
desse movimento plural, que, pela terceira vez, celebra o encontro, após
os realizados em Santiago do Chile (1998) e Québec (2001)” A Marcha
Zumbi
+ 10 desmembrou-se em duas manifestações em Brasília (uma em 16 e
82

outra em 22 de novembro de 2005), expressando a diversidade de


posturas quanto à autonomia em relação ao Estado.
Em outras palavras, o movimento social, em sentido mais amplo, se
constitui em torno de uma identidade ou identificação, da definição de
adversários ou opositores e de um projeto ou programa, num contínuo
processo em construção e resulta das múltiplas articulações acima
mencionadas. A ideia de rede de movimento social é, portanto, um
conceito de referência que busca apreender o porvir ou o rumo das ações
de movimento, transcendendo as experiências empíricas, concretas,
datadas, localizadas dos sujeitos/atores coletivos.
Do ponto de vista organizacional, inclui várias redes de redes, como por
exemplo, desde a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades
Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), criada em 1996, até as
organizações das comunidades locais “mocambos”, “quilombos”,
“comunidades negras rurais” e “terras de preto”, que são várias
expressões de uma mesma herança cultural e social, e ONGs e
associações que se identificam com a causa. Do ponto de vista da ação
movimentalista, apresenta as várias dimensões definidoras de um
movimento social (identidade, adversário e projeto): unem-se pela força
de uma identidade étnica (negra) e de classe (camponeses pobres) – a
identidade; para combater o legado colonialista, o racismo e a
expropriação – o adversário; na luta pela manutenção de um território
que vive sob constante ameaça de invasão, ou seja, pelo direito à terra
comunitária herdada – o projeto. Nesse momento, unem-se também ao
Movimento Nacional pela Reforma Agrária na luta pela terra, mas
mantendo sua especificidade, isto é, pela legalização da posse das terras
coletivas.
No município de São Paulo, em 1° de dezembro de 2011, foi sancionada a
lei 15.496 de autoria do político Chico Macena, criando o Dia de Luta
contra a Criminalização dos Movimentos Sociais, a ser comemorado todos
os anos em 5 de abril - data que diversos movimentos sociais escolheram,
sob as bandeiras da igualdade social, direito a moradia, contra a
homofobia, pelos direitos das mulheres, pelos direitos das crianças,
adolescentes e idosos, porque nesse dia um líder dos movimentos sociais,
Luiz Gonzaga da Silva, o Gegê, do Movimento de Moradia do Centro
(MMC) de São Paulo foi absolvido por unanimidade, em júri popular, da
acusação de coautoria de um homicídio ocorrido em 18 de agosto de
2002, durante uma ocupação do MMC. O processo foi considerado por
muitos como um caso de tentativa de criminalização dos movimentos
sociais. Horas antes do júri anunciar sua decisão, o promotor Roberto
Tardelli, responsável pela acusação, já havia atestado a inocência do
83

militante.
84

Movimentos Sociais e Educação


Nota: O texto a seguir é uma compilação de trechos do artigo de Ilse
SCHERER-WARREN, Das Mobilizações às Redes de Movimentos Sociais,
Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1, p. 109-130, jan./abr. 2006/2007.
O Fórum Social Mundial (FSM) bem como outros fóruns e redes
transnacionais de organizações têm sido espaços privilegiados para a
articulação das lutas por direitos humanos em suas várias dimensões
sociais. Assim, através dessas articulações em rede de movimento
observa- se o debate de temas transversais, relacionados a várias faces da
exclusão social, e a demanda de novos direitos. Essa transversalidade na
demanda por direitos implica o alargamento da concepção de direitos
humanos e a ampliação da base das mobilizações.

O ativismo nas redes de movimento


Há um outro tipo de ativismo, que se alicerça nos valores da democracia,
da solidariedade e da cooperação e que vem crescendo
significativamente nos últimos anos. Por exemplo, o Movimento de
Economia Solidária, que tem suas expressões empíricas nos
empreendimentos populares solidários, no Fórum Brasileiro de Economia
Solidária (FBES) e na Rede de Entidades Brasileiras de Economia Solidária
(REBES), mostrou sua força organizativa no Fórum Social Mundial de
2005, pelo número de oficinas, experimentos e tendas organizados.
O ativismo de hoje tende a protagonizar um conjunto de ações
orientadas aos mais excluídos, mais discriminados, mais carentes e mais
dominados da sociedade. A nova militância passa por essa nova forma de
ser sujeito/ator.
Os movimentos sociais são o meio que os trabalhadores/pessoas veem
para protestar ou querer direitos que são do dever deles. Ou seja, reunião
de pessoas que se opõe a algo.

Lutas Sociais no Brasil


Os movimentos sociais brasileiros ganharam mais importância a partir da
década de 1960, quando surgiram os primeiros movimentos de luta
contra a política vigente, ou seja, a população insatisfeita com as
transformações ocorridas tanto no campo econômico e social. Mas,
antes, na década de 1950, os movimentos nos espaços rural e urbano
adquiriram visibilidade. Os principais movimentos sociais no Brasil – As
ações coletivas mais conhecidas no Brasil são o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST),
85

o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MSTS) e os movimentos em


defesa dos índios, negros e das mulheres.

Diferentes Movimentos
A sociedade aurífera foi de fato a grande contribuinte para o primeiro
fluxo migratório (e imigratório) para o Brasil, tendo aproximadamente 600
mil pessoas chegando a região das Minas. Mas não pensemos que isso
facilitou a exploração, justamente pela característica da sociedade ter sido
marcada pela restrição e circulação de pessoas em Minas Gerais. A coroa
portuguesa havia dispendido interesses no ouro e o contrabando deveria
ser evitado. Para tanto se criou a Intendência das Minas, que
administrava, fiscalizava e tributava a exploração do ouro. Toda
descoberta deveria ser comunicada as autoridades que demarcavam os
espaços e lotes, que passavam a chamar lotes. Deveria se comprovar um
número de escravos para poder candidatar-se ao sorteio das minas.
Posteriormente as Casas de Fundição, instaladas por toda a Coroa,
deveriam tributar e selar o ouro que seguia para a Europa. Todo ouro
natural ou em pepita era proibido de circular.
A cobrança de impostos realizada pela Coroa deveria estabelecer o
Quinto (20%) de tudo que se extraia da Mina, além da Capitação,
impostos que deveria ser cobrado em cima das cabeças de escravos que
trabalhavam nas Minas. No caso de extração em faisqueiras (ouro
encontrado na margem das montanhas e dos rios, portanto mais barato)
o explorador pagava imposto sobre ele mesmo e seus trabalhadores.
Arrecadas impostos e organizar a sociedade das minas foi o objetivo da
Coroa Portuguesa no Brasil. Para tanto, Ordens Militares foram criadas
com intuito de cercear a circulação de indivíduos nas Minas. Foram
estabelecidas juntas e ouvidores que poderiam intervir em determinados
casos e milícias armadas que poderiam enfrentar casos de emergência. No
entanto, isso não acabou com
o contrabando. Caso das Ordens Religiosas, que mesmo impedidas de
entrar nas regiões das Minas, conseguiam contrabandear ouro em Pó em
imagens de Santos para a Europa.
Esse contexto, portanto, nos leva a pressupor que a sociedade aurífera
não tenha sido necessariamente mais rica que outras formas de
exploração. Pelo contrário, o ouro gerava riqueza e aumento de preços,
dado a sua amplitude e o seu aumento de produção agrícola e de
comércio de produtos. Os produtos chegavam a custar 50 vezes mais que
em outras regiões da Colônia. Poucos enriqueceram, mas permitiram uma
sociedade mais flexível e que, inclusive, importará ideias da Europa, ideais
86

esses que serão essenciais para os movimentos de emancipação e


independência.
87

Fator principal que nos leve a constituir a região das Minas como uma
sociedade mais dinâmica é o fator que propulsiona um número maior de
movimentos de resistência e de contestação aos impostos cobrados pela
coroa Portuguesa. Até o período de instituição da sociedade açucareira,
séc. XVI, a coroa Portuguesa agora administrada pela dinastia dos Orleans
e Bragança foi responsável por esgotar as formas de cobrança de
impostos, levando a população a se revoltar contra o autoritarismo do
Rei. Em nada, portanto, esses movimentos tiveram de ideais radicais, de
movimentos ideológicos bem definidos. Essa série de movimentos será
chamada de Nativistas por esse principal Motivo. Em muitos aspectos
estiveram relacionados a revoltas de Quilombos, com escravos fugidos, e
revoltas como a dos Beckman no Maranhão, em 1642; a dos Mascates
entre Olinda e Pernambuco, em 1710-11; a Guerra dos Emboabas pelo
controle das regiões das minas entre Paulistas de um lado e Estrangeiros
de outro; e, por último, a Rebelião de Filipe dos Santos em 1720. Todos
eles apresentam em comum o fato de terem se revoltado contra o abuso
da cobrança de impostos e pela criação de Companhias de Comércio que
monopolizavam a distribuição de produtos em certas regiões.
O séc. XVIII e início do séc. XIX por outro lado foram marcados por rebeliões
mais bem definidas com propostas bem sólidas. É o caso das Rebeliões
de caráter Emancipacionista ou Separatista. A colônia até então havia sido
definida pela ausência de uma elite letrada, o que agora em meados do
séc. XVIII é possível por meio dos ideais iluministas e impulsionados pela
independência dos EUA (1776). Grandes partes dos envolvidos na
Inconfidência Mineira estavam matriculados na Universidade de Coimbra,
10 dos 19 eram brasileiros de Minas Gerais.
Isso acaba por justificar que o abuso na cobrança da Derrama tenha sido
o estopim para a traição a Coroa (a Inconfidência). No entanto, observado
a fundo os ideais iluministas percebemos que o levante em MG em 1789
não conseguiu ganhar contornos populares e distanciar-se das elites, à
exceção de Joaquim José da Silva Xavier, o único julgado, condenado e
esquartejado, representando que o limite para os Inconfidentes terminava
onde começa a abolição da escravidão. Por esse motivo, a inconfidência
não radicalizou seus ideais, apesar de defender a criação de uma
República, pelo fato de a maioria de seus integrantes terem sido grandes
latifundiários.
A Conjuração Baiana ou dos Alfaiates em 1798 já apresentou outros
interesses. Considerada a 1ª Revolução Social do Brasil, seus integrantes,
na maioria, buscaram ideais mais igualitários, o que representa que
estavam dispostos a alcançar tendências ainda mais libertárias, rompendo
88

definitivamente com a condição de exploração que o Brasil até então se


encontrava.

Principais rebeliões do período Regencial


Várias rebeliões marcaram o período regencial, vistas pela historiografia
em geral de duas formas de abordagem: uma mais conservadora, que ali
retrata "desordens", e outra que procura se ufanar de que tiveram "causas
populares".
Dentre as rebeliões regenciais contam-se três revoltas de escravos: a
Revolta das Carrancas (1833, em Minas), a Revolta dos Malês (1835,
Salvador) e a revolta de Manuel Congo (1838, no Rio de Janeiro). As
rebeliões eclodiram, num período de nove anos, em quase todo o país, a
maioria delas decorrente da insatisfação das elites regionais aliadas com a
classe média urbana (formada por profissionais liberais como jornalistas,
funcionários e militares) que, insatisfeitos com o poder central do Rio de
Janeiro, protestavam contra as dificuldades econômicas, o aumento dos
impostos e a nomeação de governadores sem respaldo local.

As principais rebeliões do período foram:

Balaiada (1838 – 1841)


O movimento ocorrido no Maranhão teve por causa econômica a crise na
produção algodoeira, que veio a estourar numa revolta de escravos e
vaqueiros das grandes fazendas, em dezembro de 1838, contando com o
apoio dos liberais das cidades, que faziam oposição aos senhores de
terras. Tendo por principal líder Manuel Francisco dos Anjos Ferreira, um
fabricante de balaios, tomou daí o nome da rebelião. Já em 1839
tomaram a cidade de Caxias, enquanto os escravos fugidos se instalavam
em quilombos na selva. As lutas se dilataram por 3 anos, causando
enorme prejuízo aos fazendeiros, mas conservavam sem um denominador
político comum que os organizasse, sendo finalmente derrotados pela
reação da elite, com apoio das tropas imperiais sob o comando do então
coronel Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de Caxias.

Cabanagem (1835 – 1840)


A rebelião teve início no ano de 1835 em Belém, então uma cidade de 12
mil habitantes com poucos brancos e maioria de indígenas, escravos e
89

mestiços, após desentendimentos na elite sobre a escolha do novo


presidente da província que, então, bem poucos laços tinha com o Rio de
Janeiro: foi então proclamada a independência.
Belém foi então atacada por uma tropa integrada na maioria por
mestiços, índios, negros, dentre os quais destacou-se como líder o
cearense Eduardo Angelim, que para aquela província migrara após
grande seca, e contava então 21 anos.
Chamados de cabanos, os rebelados tinham por objetivos restaurar o
Pará ao Brasil, a defesa de D. Pedro II como monarca e o combate aos
estrangeiros. Seu saldo dos anos de lutas, em que os legalistas venceram,
foi a morte de 20% da população da província, sua desestruturação
econômica e a destruição da capital.

Sabinada (1837 – 1838)


A rebelião teve início em Salvador, a 7 de novembro de 1837, e teve esse
nome derivado de um dos seus líderes, o médico Francisco Sabino.
Logrou êxito inicial, após o levante que teve início no levante do Forte de
São Pedro, que se espalhou pelas demais guarnições, provocando a fuga
das autoridades, dentre elas o governador Francisco de Sousa Paraíso.
Formou-se então um governo provisório, dentro do contexto de uma
República Bahiense, que, entretanto, seria interina até a maioridade do
Imperador: o que provocou controvérsias entre os historiadores sobre o
efetivo caráter liberal e republicano do movimento.
O governo permaneceu inoperante, sob presidência do vice-governador
João Carneiro da Silva Rego; no começo de janeiro do ano seguinte suas
posições foram sendo perdidas, até a final derrota com a ocupação militar
da cidade a 13 de março, e que durou até logo após a maioridade do
imperador. Morreram cerca de 1800 revoltosos, após as lutas que se
travaram corpo a corpo.

Levante dos Malês (1835)


Salvador tinha metade de sua população composta por negros que
exerciam atividades liberais rentáveis para seus senhores, em profissões
como alfaiate, carpinteiro, ambulante, etc.. Em janeiro de 1835 os escravos
de orientação religiosa muçulmana, chamados então de malês,
organizaram uma revolta que teve intensa reação do governo, que os
dizimou.
90

Foi o mais importante dos levantes urbanos de escravos do país, embora


tenha durado menos de um dia; cerca de 600 escravos tomaram a capital
baiana, a maioria deles alfabetizada em árabe e sob o contexto religioso
de uma jihad. Nas lutas intensas 70 escravos morreram, e cerca de 500
foram presos e condenados a açoites, prisão ou morte.
Seu principal efeito, junto aos demais levantes escravos do período, foi
semear o temor na classe dominante, que reagiu de duas formas: de um
lado reforçou as leis repressivas e, de outro, abriu o debate sobre a
questão servil.

Cabanada (1832 – 1835)


Eclodiu em Pernambuco, nas camadas mais simples da população -
também ali chamados cabanos, como na Cabanagem paraense - e foi um
movimento causado sobretudo pela incompreensão das classes humildes
face as mudanças no regime decorrentes da abdicação de D. Pedro I,
razão pela qual tiveram apoios dos restauradores do Recife.
Com ideais religiosos, que a tornam similar à Guerra de Canudos, a
Cabanada foi derrotada finalmente em 1835 por Manuel de Carvalho Pais
de Andrade - o mesmo que em 1824 proclamara a Confederação do
Equador e presidia a província.

Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos (1835 – 1845)


A Farroupilha ou Farrapos foi a maior, mais importante e duradoura das
rebeliões que eclodiram no período regencial, se estendendo além dele
até 1845.
Sua causa econômica imediata foi o aumento dos impostos à província
gaúcha, que afetaram diretamente os estancieiros já insatisfeitos com a
concorrência dos produtores argentinos e uruguaios.
No dia 20 de setembro de 1835, Porto Alegre foi tomada e proclamou-se
a República Rio-Grandense. O líder Bento Gonçalves foi aprisionado e
enviado para Salvador, onde consegue fugir e retornar, governando a
província em 1837. Sob comando de Giuseppe Garibaldi proclamam em
Santa Catarina a República Juliana, unida confederadamente à Rio-
Grandense.
As regências não conseguiram por um fim ao levante, que somente veio a
ocorrer no Segundo Reinado.
91

Revolta do Vintém (Rio de Janeiro)


A Revolta do Vintém foi um protesto ocorrido entre 28 de dezembro de
1879 e 4 de janeiro de 1880, nas ruas do Rio de Janeiro, capital do
império brasileiro, contra a cobrança de um tributo de vinte réis, ou seja,
um vintém, nas passagens dos bondes, instituída pelo ministro da
fazenda, Afonso Celso de Assis Figueiredo, futuro Visconde de Ouro
Preto. Aos gritos de "Fora o vintém" a população espancou os condutores,
esfaqueou os burros, virou os bondes e arrancou os trilhos ao longo da
Rua Uruguaiana. O valor aproximado em reais, seria de menos de vinte
centavos na moeda que atualmente vigora no país, o que na época
poderia render em torno de 139 gramas de açúcar e 29 gramas de banha,
pouco significativo, mas relevante quando considerado que os usuários
desse serviço público eram de baixa renda.
A estatística de feridos e mortos não é precisa, estima-se que houve no
mínimo 3 mortes. Desgastado, o ministério caiu, tendo o novo ministério
revogado o tributo.
No final de 1879, a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil
Imperial, assistiu a deflagração de uma revolta de caráter eminentemente
popular. Um levante de aproximadamente cinco mil manifestantes se
colocou em frente o campo de São Cristóvão, sede do palácio imperial,
para exigir a diminuição da taxa de vinte réis (um vintém) cobrados sobre
o transporte público feito pelos bondes de tração animal que serviam a
população.
Contidos pelas autoridades policiais, os revoltosos esperavam uma
resposta de um dos principais líderes daquele protesto: o jornalista Lopes
Trovão. O imperador, que prometia abrir negociação para resolver a
contenda, teve seu pedido negado pelo jornalista republicano que adotou
uma nova estratégia. Lançando seus argumentos no jornal Gazeta da
Noite, Lopes Trovão convocava a população carioca a reagir com
violência contra a medida imperial.
No primeiro dia do ano seguinte, data em que o valor seria oficializado,
novos levantes seriam organizados pelos populares simpatizantes à causa.
Mais uma vez incitados por Lopes Trovão, uma massa de revoltosos se
dirigiu até o Largo de São Francisco, local de partida e chegada da
maioria dos bondes. A presença de autoridades policiais só aumentou o
clima de tensão instaurado. Impacientes, os revoltosos começaram a
gritar “fora o vintém”, esfaquear mulas e espancar os condutores dos
bondes.
Os policiais, sem condições de fazer oposição ao protesto, logo pediram
o auxílio das autoridades do Exército. A chegada das tropas exaltou ainda
mais os ânimos da multidão, que passou a lançar pedras contra a
92

cavalaria
93

oficial. Ameaçados pela turba, os oficiais abriram fogo contra a multidão.


Em pouco tempo, a saraivada de tiros dispersou os manifestantes a custa
de uma dezena de mortos e feridos. Passado o calor dos acontecimentos,
o motim popular foi completamente desarticulado nos dias posteriores.
O alvoroço trazido pelo episódio trágico forçou as autoridades e
companhias de bonde a anularem o reajuste do transporte. Na verdade,
essa medida de reajuste era um reflexo das medidas orçamentárias
tomadas pelo governo mediante a recessão econômica experimentada no
ano de 1877. Nesse sentido, a cobrança do vintém atingia em cheio o
bolso de setores médios e baixos da população do Rio de Janeiro. Mesmo
não sendo uma revolta de caráter republicano, a Revolta do Vintém foi
um indício das mudanças sociais, políticas e econômicas dos finais do
governo de Dom Pedro II.

Movimentos sociais no Brasil - Período Republicano


Uma perspectiva ampla é necessária para abordar os movimentos sociais
brasileiros, de vez que suas características são muito variáveis. Algumas
rebeliões ficaram somente da fase conspiratória. Em alguns casos, foi
mínimo, quase insignificante, o grau de participação das classes
populares. Em outros, não houve razões de ordem política ou econômica
para o movimento, que foi impulsionado somente por razões religiosas.
Eis os principais movimentos sociais durante a República:
A Guerra de Canudos

Nos sertões da Bahia, milhares de sertanejos, fugindo da miséria trazida


pelas secas e sujeição aos coronéis, juntaram-se ao redor do pregador
viajante Antônio Vicente Mendes Maciel, mais conhecido como Antônio
Conselheiro.

Em 1893, Antônio Conselheiro se estabeleceu no Arraial de Canudos.


Estima-se que entre 1893 e 1897 o vilarejo cresceu até contar com 25.000
habitantes, vivendo às margens do rio Vaza-Barris. Em Canudos vigorava
um sistema de solidariedade onde, apesar de haver diferenças sociais,
ninguém precisava passar fome porque a maior parte da produção era
dividida. [1] Antônio Conselheiro era contrário ao casamento civil, que o
regime republicano instituíra. Na visão do governo, Canudos ameaçava o
regime republicano, e por isso havia a necessidade de acabar com o
movimento popular. Apesar de não haver nenhum motivo direto, o
94

governo estadual envia a primeira de quatro expedições a Canudos, com


o intuito de destrui-la.
Após a derrota destas tropas pelos conselheiristas, o governo federal
resolve mandar tropas para conter os revoltosos. Também estas foram
derrotadas, pois os conselheiristas conheciam muito bem a região, o que
facilitava suas ações. Porém, o governo federal, disposto a terminar com a
revolta, forma um exército para o ataque a Canudos, que, após quase um
ano de guerra, acabou sendo arrasado, resultando na destruição total do
vilarejo.
Antônio Conselheiro, que havia falecido duas semanas antes do final do
conflito, foi desenterrado e teve sua cabeça cortada e levada para ser
examinada em laboratório. Acreditava-se que "a sua demência e loucura"
pudessem ser concluídas a partir do exame de seu crânio. Depois de um
longo exame, foi concluído que tratava-se de um "crânio normal".

A Revolta da Chibata
Em novembro de 1910 as tripulações do Encouraçado São Paulo, do
Encouraçado Deodoro, do Encouraçado Minas Gerais e do Cruzador
Bahia, lideradas pelo marinheiro João Cândido, se revoltaram no Rio de
Janeiro contra os maus tratos, a má alimentação e o excesso de trabalho.
Com os canhões das belonaves apontados para a capital do país, exigiram
o fim dos castigos físicos a bordo. O governo da República prometeu-o, e
os marinheiros devolveram os navios à Marinha do Brasil. Foram,
entretanto traídos e o seu líder preso.

A Guerra do Contestado
Em 1912, a fronteira entre Santa Catarina e Paraná foi motivo de uma
disputa pela posse de terras que recebeu o nome de Guerra do Contestado.
Sertanejos, imigrantes e nordestinos faziam parte do grande número de
pessoas, sem terras e na miséria, que participaram deste conflito de
cunho milenarista e messiânico.
As terras do Contestado foram cedidas, pelo governo, a companhias
norte- americanas que contribuiriam para a construção de uma estrada
de ferro que fariam para a extração da madeira. Desde fins do século XIX
vários pregadores (líderes religiosos) que ocupavam a região acabaram
atraindo, com seu discurso, os posseiros que haviam sido expulsos da
região. Os pregadores, chamados de "monges", que tinham como líder
José Maria que anunciava que a República terminaria e o povo teria
dias melhores.
95

Essas ideias trouxeram vários confrontos entre fazendeiros, tropas do


governo do Paraná e os seguidores dos "monges". Os combates duraram
longos cinco anos terminados somente em 1916, quando Venceslau Brás
dividiu as terras do Contestado entre o Paraná e Santa Catarina.

Os Movimentos Sociais Contemporâneos ou Novos Movimentos


Sociais
Os movimentos sociais no Brasil passaram a intensificar-se a partir da
década de 70, com fortes movimentos de oposição ao regime militar que
então se encontrava em vigência, mantendo uma luta social e uma forte
resistência, como afirma Ilse Scherer-Warren: “o movimento social mais
significativo pós-golpe militar de 1964 foi o de resistência à ditadura e ao
autoritarismo estatal” (2008, p. 09 - ver também: SCHERER-WARREN,
2005). A população Brasileira se manteve forte para com a ditadura que
havia no país e dentro desse contexto ditatorial foi prevalecida a força e a
organização dos movimentos estudantis e da classe operária em seus
sindicatos (CARVALHO, 2004), comunidades eclesiais de base (CEBs) e
pastorais, que ganhou força com a participação dos demais setores da
sociedade que sofriam as consequências desta forma de governo.
O período da Ditadura Militar no Brasil provocou um tempo propício para
a efervescência dos movimentos sociais uma vez que, dentro das
Universidades, as inserções e consolidação dos cursos de Ciências Sociais
com a reforma pedagógica dos cursos propiciaram um pensamento mais
crítico frente à interpretação de nossa realidade. Os estudantes, com um
entendimento da situação junto a indignação dos demais indivíduos que
não aceitavam esse modelo de governo ditatorial, formaram uma massa
de combate organizada. Sobre o papel dos movimentos sociais neste
contexto, Gohn (2011, p. 23) pondera o quanto é inegável “que os
movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram
decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de
vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Constituição
Federal de 1988”. O movimento de oposição e contestação ao regime
militar tinha um propósito claro: defesa dos valores do Estado
democrático e crítica a toda forma de autoritarismo estatal.
A resposta do governo militar foi sempre dura no sentido de reprimir tais
manifestações, com violência, tortura, e alcançou seu auge com o famoso
AI-5 (Ato Institucional número 5), que vigorou de 1968 a 1979.
Um bom exemplo de organização e luta podemos encontrar através do
movimento indígena no século XX na luta pelos seus direitos e
96

reconhecimento de seus valores, cultura e tradição. A dissertação de


mestrado de Evangelista (2004 - (veja mais em: Direitos indígenas: o
debate na Constituinte de 1988) nos fornece um amplo debate em torno
da defesa dos direitos indígenas que culmina com a promulgação da
Constituição de 1988.
Nesse período, cada movimento social foi forjando sua identidade, suas
formas de atuação, pautas de reivindicações, valores, seus discursos que o
caracterizavam e o diferenciavam de outros. "Foram grupos que
construíram uma nova forma de fazer política e politizaram novos temas
ainda não discutidos e pensados como constituintes do campo político.
Nesse processo ampliam o sentido de política e o espaço de se fazer
política" (EVANGELISTA, 2004, p. 35). Nesse período a sociedade civil
organizada, por meio dos movimentos sociais e populares, irá buscar
espaço para influenciar nas decisões políticas e na construção da
Constituinte de 1988. É uma participação efetiva de cidadãos e cidadãs,
na busca por direitos e por políticas que os afetam diretamente. E foi a
própria Constituição Federal de 1988 que "[...] abriu espaço, por meio de
legislação específica, para práticas participativas nas áreas de políticas
públicas, em particular na saúde, na assistência social, nas políticas
urbanas e no meio ambiente” (AVRITZER, 2009, p. 29-30), seja através de
plebiscitos, referendos e projetos de lei de iniciativa popular (art. 14,
incisos I, II e III; art. 27, parágrafo 4º; art. 29. Incisos XII e XIII), seja através
da participação na gestão das políticas de seguridade social (art. 194), de
assistência social (art. 204) ou dos programas de assistência à saúde da
criança e do adolescente (art. 227).

Movimentos Sociais e Lutas pela Moradia


As Ligas Camponesas
As Ligas Camponesas foram associações de trabalhadores rurais criadas
inicialmente no estado de Pernambuco, posteriormente na Paraíba, no
estado do Rio.de Janeiro, Goiás e em outras regiões do Brasil, que
exerceram intensa atividade no período que se estendeu de 1955 até a
queda de João Goulart em 1964.

Formação
As ligas assim conhecidas foram precedidas de alguns movimentos de
natureza idêntica que, em virtude de seu isolamento, não tiveram a
mesma repercussão social e política. Este seria o caso, por exemplo, do
conflito de
97

Porecatu, no norte do Paraná (1950-1951), e do movimento de Formoso


(1953-1954), que, no entanto, influíram de maneira durável nas
respectivas áreas de origem.
O movimento que se tornou nacionalmente conhecido como Ligas
Camponesas iniciou-se, de fato, no engenho Galileia, em Vitória de Santo
Antão, nos limites da região do Agreste com a Zona da Mata de
Pernambuco. A propriedade congregava 140 famílias de foreiros nos
quinhentos hectares de terra do engenho que estava de "fogo morto". O
movimento foi criado no dia 1º. de janeiro de 1955 e autodenominou-se
Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco (SAPPP).
Coube a setores conservadores, na imprensa e na Assembleia, batizar a
sociedade de "liga", temerosos de que ela fosse a reedição de outras ligas
que, em período recente (1945-1947), haviam proliferado abertamente na
periferia do Recife e nas cidades satélites, sob a influência do Partido
Comunista Brasileiro, então Partido Comunista do Brasil (PCB). De fato, o
movimento de Galileia parece ter recebido influência desses antigos
núcleos, geograficamente próximos, sobretudo através de José dos
Prazeres, dirigente da antiga Liga de Iputinga, nos arredores de Recife.
Existem muitas versões sobre a criação da Liga de Galileia. A mais
conhecida, e a mais lendária, atribui à entidade o objetivo de arrecadar
recursos para enterrar os mortos, até então depositados em vala comum.
Esta versão, divulgada por Antônio Calado em suas célebres reportagens
no Correio da Manhã (setembro de 1959), tiveram enorme repercussão
pública. Outra versão, mais completa, nos diz que a sociedade recém-
criada tinha finalidades assistenciais mais amplas e que escolhera como
presidente de honra o próprio dono do engenho, Oscar de Arruda
Beltrão. O objetivo do grupo era gerar recursos comuns para a assistência
educacional e de saúde, e para comprar adubos, com a finalidade de
melhorar a produção.
A criação da Liga de Galileia provocou a reação do filho do proprietário
do engenho, temeroso, como era natural, de que a consolidação de um
núcleo de produção camponesa pudesse sustar a utilização mais rentável
da pecuária nas terras esgotadas do engenho. Nesta e em outras
propriedades, para deslocar a mão-de-obra já sem utilidade imediata, e
para tornar a terra mais lucrativa, lançou-se mão então do aumento
generalizado no preço do foro, o que teve como consequência imediata a
luta comum contra o aumento da renda da terra e contra as ameaças
mais diretas de expulsão.
Para defendê-los na Justiça, os representantes da SAPPP procuraram
Francisco Julião Arruda de Paula, advogado em Recife, que se havia
98

notabilizado por uma original declaração de princípios em defesa dos


trabalhadores rurais, a "Carta aos foreiros de Pernambuco", de 1945.
Julião aceitou defendê-los, assim como a muitos outros. A pendência se
prolongou até 1959, quando foi aprovada a proposta de desapropriação
do engenho, encaminhada à Assembleia Legislativa pelo governador Cid
Sampaio com base num antigo projeto de Julião. A questão deu
notoriedade aos camponeses de Galileia e, ainda mais, transformou o
primeiro núcleo das Ligas Camponesas no símbolo da reforma agrária
que os trabalhadores rurais almejavam. Essa vitória localizada do
movimento teve, porém, consequências contraditórias, pois se, por um
lado, ela conseguiu apaziguar os ânimos e alimentar a esperança de
acomodação através de soluções legais, por outro, estimulou as
lideranças a prosseguirem na mobilização em favor de uma reforma
agrária radical que atendesse às reivindicações camponesas em seu
conjunto.
Nesse mesmo período, numerosos núcleos das Ligas foram criados em
Pernambuco. Até 1961, 25 núcleos foram instalados no estado, com
predominância visível da Zona da Mata e do Agreste sobre o Sertão.
Dentre esses núcleos destacavam-se os de Pau d'Alho, São Lourenço da
Mata, Escada, Goiana e Vitória de Santo Antão.
A partir de 1959 as Ligas Camponesas se expandiram também
rapidamente em outros estados, como a Paraíba, estado do Rio (Campos)
e Paraná, aumentando o impacto político do movimento. Dentre esses
núcleos, o mais importante foi o de Sapé, na Paraíba, o mais expressivo e
o maior de todos. A expansão da Liga de Sapé se acelerou a partir de
1962, quando foi assassinado seu principal líder, João Pedro Teixeira, a
mando do proprietário local. Pouco depois esse núcleo congregaria cerca
de dez mil membros, enquanto outros núcleos iriam se espalhar pelos
municípios limítrofes.
Entre 1960 e 1961, as Ligas organizaram comitês regionais em cerca de
dez estados da Federação. Em 1962 criou-se o jornal A Liga, porta-voz do
movimento, que pretendia ter uma difusão nacional, mas que na
realidade permaneceu ligado a um número reduzido de leitores, que
eram os próprios militantes do movimento. Também nesse ano fez-se
uma tentativa de constituir um partido político que se chamou
Movimento Revolucionário Tiradentes. O que ocorreu, no entanto, é que
enquanto as reivindicações camponesas pela terra, advogadas pelas Ligas,
ganhavam corpo, as pretensões políticas da cúpula do movimento se
esvaziavam diante de um movimento sindical organizado e mais ligado à
Igreja e ao Estado.
99

Atuação
De um modo geral, as associações criadas tinham caráter civil, voluntário,
e por isso mesmo dependiam de um estatuto e de seu registro em
cartório. Para constituir legalmente uma liga, bastava aprovar um
estatuto, registrá- lo na cidade mais próxima e lá instalar a sua sede.
Como disse um jornalista da Paraíba, "a liga começa na feira, vai para o
tabelião e ganha o mundo". As finalidades das Ligas eram
prioritariamente assistenciais, sobretudo jurídicas e médicas, e ainda de
autodefesa, nos casos graves de ameaças a quaisquer de seus membros.
As mais comuns eram aquelas que, contrariando o Código Civil,
obrigavam à expulsão sem indenização pelas benfeitorias realizadas, e
nesse sentido específico a ação das Ligas parece ter sido bastante eficaz.
As lideranças pretendiam também, a médio e longo prazos, fortalecer. a
consciência dos direitos comuns, que compreendiam a recusa em aceitar
contratos lesivos, tais como o cumprimento do "cambão" (dia de trabalho
gratuito para aqueles que cultivavam a terra alheia) e outras prestações
de tipo "feudal".
A expansão e o crescimento de associações voluntárias como as Ligas ou
associações do tipo da União de Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do
Brasil (ULTAB) se explica em função das dificuldades político-burocráticas
que durante muitos anos impediram a criação e o reconhecimento oficial
dos sindicatos rurais. De fato, embora o Decreto-Lei nº. 7.038,
promulgado por Getúlio Vargas em novembro de 1944 como extensão da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), previsse a sindicalização rural, só
a partir de 1962 é que os sindicatos começariam a ser efetivamente
reconhecidos, como proposta alternativa (e mais institucionalizada) às
Ligas Camponesas, identificadas com a liderança de Francisco Julião.
As Ligas falavam em nome de uma ampla e diversificada categoria de
trabalhadores que incluía foreiros, meeiros, arrendatários e pequenos
proprietários, que produziam uma cultura de subsistência e
comercializavam os excedentes produzidos em terra própria ou em terra
alheia. Nesse sentido, convém lembrar que a utilização do termo
"camponês" parece ter sido fator de auto identificação e de unidade para
designar categoria tão ampla em oposição a um adversário comum,
politicamente denominado pelas lideranças como "o latifúndio
improdutivo e decadente". Sendo as camadas representadas basicamente
dependentes da produção direta em terra cedida, alugada ou própria
(minifúndios), podemos compreender porque se aglutinaram em torno de
reivindicações ligadas à posse e ao usufruto imediato da terra. O processo
de politização global ocorrido nesse período, sobretudo a partir de 1960,
facilmente converteu demandas individuais ou localizadas pela posse da
100

terra, tais como o Código Civil o previa, em reivindicações mais


abrangentes, estimuladas pelas lideranças, de reforma agrária radical.
A mudança parece ter ocorrido, de fato, a partir do I Congresso de
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, realizado em Belo
Horizonte em novembro de 1961, onde o grupo de Julião e das Ligas
Camponesas se confrontou com outro, mais moderado, sob influência
comunista, e sob liderança da ULTAB. Nessa ocasião, Julião recusou
alianças e entendimentos mais duradouros com João Goulart, então
presidente da República, que havia comparecido ao congresso. O
resultado desse confronto foi a vitória formal de Julião e de seus
seguidores, que advogavam então uma "reforma agrária na lei ou na
marra". Essa vitória, porém, foi politicamente enganosa, pois a partir daí o
Estado reforçaria a ação sindical em detrimento da liderança das Ligas.
Podemos, por isso mesmo, definir as Ligas como um movimento
autônomo, avesso à colaboração com o Estado. Esta posição, assumida
em Belo Horizonte, confirmou-se por ocasião do plebiscito que restituiu
plenos poderes ao presidente João Goulart (janeiro de 1963), e diante do
qual, em posição extremamente minoritária, as Ligas pregaram - ou
melhor, Julião pregou - a abstenção. O mesmo ocorreria durante o
governo de Miguel Arrais em Pernambuco (1963-1964) - abertamente
aliado das populações camponesas -, diante do qual algumas facções
mais radicais das Ligas - já fora do controle das próprias lideranças - não
hesitaram em criar confrontos radicais, de difícil solução, que levaram
inclusive à prisão de alguns membros.
A recusa a colaborar com o Estado teve, portanto, consequências
imediatas, concedendo às organizações sindicais mais oficializadas maior
poder de controle sobre o movimento camponês do período. A partir daí,
redefiniu-se o papel das Ligas, que passaram muitas vezes a expressar os
interesses mais autônomos da base camponesa que representavam, em
detrimento de uma liderança populista ligada a camadas e interesses
políticos externos ao campesinato enquanto classe: estudantes,
intelectuais, jornalistas, militantes de partidos políticos de origem urbana
etc. Enquanto isso, a liderança intermediária, e de origem camponesa,
manifestou muitas vezes sinais mais evidentes de autonomia. Nesses
casos, ora coexistiam, ora eram absorvidas pelas organizações sindicais,
mas, ao serem incorporadas, induziam os sindicatos a adotar - sob pena
de perder o controle sobre seus próprios associados - as reivindicações
básicas de luta pela terra às quais esses mesmos sindicatos eram
inicialmente pouco sensíveis.
101

Por outro lado, os sindicatos - organizações substancialmente mais


poderosas - diversificaram a plataforma das Ligas, acentuando a
necessidade de estender ao trabalhador rural os benefícios sociais já
usufruídos pelos trabalhadores urbanos e de fazer aplicar o recém-
aprovado Estatuto do Trabalhador Rural (1963) ao campo.
Cabe destacar no movimento a importância das lideranças intermediárias,
que constituíram o seu cerne. Em Galileia, Zezé da Galileia, João Virgínio e
José Francisco; em Sapé, João Pedro Teixeira, Pedro Fazendeiro, Elizabeth
Teixeira e João Severino Gomes foram alguns dos mártires do movimento
e os que alimentaram a sua mística. Tinham em geral um nível
educacional mínimo, eram pequenos proprietários ou exerciam,
intermitentemente ou não, atividades artesanais, o que lhes permitia a
autonomia de ação indispensável ao exercício da própria liderança.
No plano nacional o maior destaque coube à liderança de Francisco
Julião, que aglutinou o movimento em torno de seu nome e de sua figura,
reunindo estudantes, idealistas, visionários, alguns intelectuais, além de
nomes como os de Clodomir de Morais, advogado, deputado, ex-
militante comunista e um dos organizadores de um malogrado
movimento de guerrilha sediado em Dianópolis, em Goiás (1963).
Julião foi eleito deputado federal por Pernambuco, após ter sido
deputado estadual naquele mesmo estado. Foi nesse momento que as
Ligas Camponesas chegaram ao ápice de seu prestígio político. A partir
de 1962 essa influência decaiu, embora Francisco Julião mantivesse o
prestígio do movimento. Essa notoriedade se deveu em grande parte às
repercussões internacionais das Ligas. De fato, a Revolução Cubana
alertou os políticos e a opinião pública dos EUA para os perigos de outros
focos revolucionários semelhantes, e o temor recaiu sobre o Nordeste
brasileiro, a mais extensa e povoada zona de pobreza do mundo
ocidental.
As Ligas Camponesas foram como que um grito de alerta e de protesto
que atraiu para Pernambuco a atenção do mundo e para seus núcleos
mais expressivos visitas ilustres, como Robert Kennedy, Arthur Schlesinger
Jr., Sargent Shriver, Jean-Paul Sartre e Iuri Gagarin, entre outros. A
televisão e a imprensa, em diversos países do mundo, transformaram
Julião e as Ligas em símbolo do Terceiro Mundo emergente. Nessa época,
as aproximações de Julião com Cuba foram notórias, especialmente após
viagem que realizou àquele país em 1960, acompanhando Jânio Quadros,
e em 1961, seguido por uma centena de militantes.
Criadas em uma conjuntura favorável de liberalização política, que
coincidiu com o governo Kubitschek, as Ligas seriam marcadas pelo
período de ascensão do populismo. De fato, a existência mesma do
102

movimento parece estar ligada às ideologias desenvolvimentistas, de


integração nacional e de expansão da cidadania. Nesse sentido, as
reivindicações camponesas ecoavam como parte de um único e amplo
projeto.
A desagregação do movimento, em 1964, eliminou as organizações mas
não desarticulou suas reivindicações básicas, que seriam incorporadas
pelos sindicatos rurais no período seguinte (1965-1983). Convém notar
que esses sindicatos rurais têm sido particularmente ativos nas antigas
zonas de influência das Ligas.

Fonte:
Movimento Social. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Movimento_social. Acesso em: Março de
2018.
Movimentos sociais – resumo. Disponível em:
https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/movimentos-sociais-
resumo/. Acesso em: Março de 2018.
Movimentos sociais no Brasil - Período Republicano. Disponível em:
https://www.sabedoriapolitica.com.br/products/breve-historia-dos-
movimentos-sociais-no-brasil/. Acesso em: Março de 2018.
Período Regencial. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Per%C3%ADodo_regencial_(Brasil)#Principais
_rebeli%C3%B5es_do_per%C3%ADodo_Regencial. Acesso em: Março de
2018.
Rebeliões na Primeira República do Brasil. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Rebeli%C3%B5es_na_Primeira_Rep%C3%BAb
lica_do_Brasil. Acesso em: Março de 2018.
Revolta do Vintém. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_do_Vint%C3%A9m_(Rio_de_Janeiro).
Acesso em: Março de 2018.
103

1 Relações entre indivíduo e sociedade


Educação e sociedade

A sociedade foi criada através de normas, normas essas a serem seguidas


pelo meio que as criou, no entanto, essas normas são iguais para todos,
no sentido de que em outros países e até mesmo em outros estados
algumas normas são diferentes e/ou são seguidas de maneira distinta do
que as nossas leis e normas.

Para uma melhor compreensão, um exemplo básico é o trânsito, a maioria


das regras são iguais no nosso pais, porem em outros países as leis são
diferentes. Em um semáforo quando está vermelho, paramos, pois
sabemos que para outro motorista em sentido contrário o sinal estará
verde, respeitamos, pois é uma norma a ser seguida e se quebrada a
mesmos prejuízos poderão ocorrer e respeitamos a norma por receber
tratamento semelhante ao outro motorista.

Temos dois processos de socialização, a primária e a secundária:

Socialização Primária: essa socialização é a educação que o indivíduo


recebe no seio familiar. São os modos da família, como as tradições
familiares, as tradições perante a sociedade, valores sociais, a fala correta,
o modo de agir, de se vestir e de comer, conforme regras estabelecidas
por um indivíduo de maior autoridade perante a uma sociedade e das
normas a serem submetidas pelo meio.

Socialização Secundária: essa socialização é a parte em que o indivíduo


coloca em pratica toda a socialização primária, onde vai agir conforme as
regras e normas aprendidas na infância e o modo correto de agir
conforme as regras do meio.

O processo de socialização primária tem por objetivo os valores recebidos


na família, o que em determinada época e região a família não tem os
mesmos integrantes do que para nós, brasileiros. No Brasil em uma
determinada época a formação de uma família era com o pai (nível
máximo da hierarquia), mãe (submissa ao pai, responsável pela educação
dos filhos e destinada aos trabalhos domésticos) e os filhos (submissos
aos pais até uma determinada idade). Com o passar dos anos as
104

tarefas de cada
105

indivíduo da família foi alterado e modernizado, pois com o tempo o


movimento feminista tomou partida e assim mudando a forma de ver a
mulher dentro de casa. Já em outros países a família é constituída dos
pais, filhos, tios, tias e primos, todos esses participam da educação e da
formação do indivíduo para a sociedade.

Voltando um pouco mais no tempo, em 1914 a 1918 Malinowski, famoso


antropólogo, estudou uma comunidade na Nova Guiné, em que
participou das tradições e ensinamentos da mesma. Ele observou e
constatou que o modo de vida e da educação deste povo era
diferenciado de todos os outros. Nesta Ilha após o casamento a mulher e
seus filhos eram sustentados pelo irmão mais velho.

Porem a socialização primária de hoje em dia não é mais como a de


antigamente, pois a família está delegando as funções para as escolas,
portanto os pais e familiares não se preocupam mais com a educação que
o filho leva de casa, deixando essa educação sob responsabilidade das
escolas em que os filhos são matriculados. O grande problema é que a
educação de mais valia é a recebida e transferida em casa e não na
escola, pois a mesma é responsável somente de fazer o indivíduo botar
em pratica o que lhe foi passado quando criança. Uma sociedade de
sucesso só é passada para frente quando o indivíduo recebe essa
educação primária correta, quando a “bola” não é passada para quem não
tem obrigação de ensinar o indivíduo as tradições de uma sociedade.

A formação social

Hoje em dia sabemos que cada sociedade é padronizada ao meio em que


vive, portanto, o indivíduo será moldado pelo meio em que vive e não ao
que nasce. Um exemplo é a adoção, se um bebê nascido na Europa e
trazido ao Brasil ele será moldado ao meio, no caso os costumes e tradições
do Brasil. O processo de formação de um ser é obtido pelo conhecimento
transmitido pela família e pela sociedade mesmo que a última sendo
indireta, fazendo com que assim a formação do indivíduo dependa das
regras e normas de uma sociedade em que vive.
106

Para Durkheim, o mínimo necessário para uma sociedade é a


homogeneidade. Portanto a sociedade precisa que os membros troquem
informações reais e compartilhem valores comuns para todos. É
necessário para o indivíduo não somente o conhecimento de normas e
valores próprios e os recebidos no seio familiar, mas como as normas
perante a sociedade de um entendimento comum para todos os
indivíduos, fazendo com que a sociedade tenha uma homogeneização de
padrões e valores básicos para uma sociedade. Já na educação, explica
que a formação remete a conformação do indivíduo no meio em que vive,
sendo um processo continuo de aprendizado.

A Educação além da Escola

Para a sociologia e educação vai além da assimilação de conhecimentos


adquiridos através das escolas e outras fontes de ensino, busca a
assimilação dos hábitos que receberam na infância junto à família. Esses
hábitos vão da maneira a se portar perante a sociedade e a forma de
comer conforme norma e regras da etiqueta. Contudo todo e qualquer
grupo social possui suas normas e regras ligadas ao meio que vive, não
deixando de lado as leis exigidas pela supremacia.

O fato social se dá no simples fato de que todo individuo gera um resultado


correspondente ao meio que está ligado, portanto, qualquer indivíduo irá
por escolha do meio a se vestir perante a sociedade em que vive. Com
isso a maneira de falar, vestir, comer, sentar é externa ao meio. A ação
educativa é a transmissão de conteúdos e conhecimento, visando a
imposição de valores ligada a sociedade em que vive.

Para uma melhor interpretação, vamos nos basear pela vida em uma
aldeia de esquimós. Para eles a questão de comer peixe cru e carne de
urso é completamente normal, pois desde sempre este é o meio que o
mesmo encontra-se e por isso seus hábitos são idênticos. As decisões
tomadas para o bem da sociedade são tomadas por um líder espiritual
que dirá como será melhor ser feito e como será feito. A prática de
sacrifícios para bebês recém-nascidos é algo normal, por se tratar do
sexo feminino e
107

possivelmente ultrapassar a quantidade de recém-nascidos do sexo


masculino, (o que para ele é improprio). Para nós brasileiros, nascidos e
criados aqui o fato de comer peixe cru não é tão anormal, pois
adquirimos um pouco da culinária japonesa, mas comer carne de urso já
algo grosseiramente ruim para muitos, pois não estamos acostumados e
nem visualizamos este tipo de comida. O mesmo se diz para o sacrifício
de recém-nascidos do sexo feminino, para nós isto é um crime
inconstitucional, tirar uma vida pelo simples fato de ser do sexo feminino.
Muito menos ter nossas decisões perante o governo e ao país tomado
por um líder espiritual, podendo fazer mudanças de terras ou por outras
leis sem ter nada que regulamente tal decisão que não irá geral algum
problema em um futuro próximo. Tudo isto está ligado ao meio em que
vivemos e com as tradições que nos foram estabelecidas quando éramos
crianças, o mesmo acontece com o que estamos “acostumados” a viver, a
vestir, o tipo de gírias a usar entre outros fatores que nos ligam
diretamente a uma sociedade em que vivemos.

Para Foucault o ser humano era submetido às leis e regras da sociedade,


portanto só faria o que fosse permitido perante as leis estabelecidas pelos
governantes da época. Intitulando assim os corpos dóceis, por tratar de
indivíduos que eram moldados pelas leis e regras estabelecidas pela
sociedade.

Gênero e Sexualidade

Vamos aprender um pouco mais sobre gênero e sexo, o que


aparentemente são a mesma coisa, mas na verdade são coisas bem
diferentes.

Sexo: características do corpo que nascemos formas anatômicas do


indivíduo, recebidas biologicamente;

Gênero: a construção do ser social, dependente da posição social que


ocupa;
108

Estrutura de gênero e sexualidade nada mais é que o conjunto de


imagens e valores ideais e estão presentes em todas as instituições sociais
moldando os corpos, comportamento e relações entre as pessoas. Porem
nada disto é algo natural, a estrutura é socialmente construída podendo
assim serem transformados.

O papel da sociologia neste caso é desnaturalizar as condições que


parecem naturais para muitos indivíduos. Portanto questiona como as
instituições e organizações contribuem com o preconceito, injustiça e
desigualdade.

Antigamente a família era constituída do pai, nível máximo da hierarquia


familiar, a mãe que era submissa ao pai, responsável pela educação dos
filhos e pelo serviço doméstico e os filhos, que eram submissos aos pais.
Nessa forma de família o pai era responsável por sustentar a família já
que a mulher não poderia trabalhar fora e o homem era conhecido pela
sua masculinidade dependendo da quantidade de filhos que tinha em um
único casamento. O homem era sinônimo de destreza, força, múltiplas
habilidades para poder ser a principal fonte de sustento da família não
deixando a mulher, sexo frágil como era conhecida, tomar partido dessa
função designada pela sociedade ao homem. Já a mulher foi submissa ao
homem por muito tempo, porém os anos se passaram e muitas
conquistas foram alcançadas.

Padrões de beleza

Os padrões de beleza mudam constantemente, antigamente na França o


padrão de beleza era o homem andar com salto alto, pó de arroz do rosto
e as bochechas bem marcadas com blush, para a época era extremamente
normal esse estilo diferenciado. Em um tempo não muito distante na
Escócia o padrão de beleza para o homem é usar saias, o que para outros
países é inadmissível esse tipo de comportamento.

Hoje em dia os padrões de beleza não aceitam que homem use salto alto
e maquiagem, pois esse tipo de beleza é destinado somente a mulher,
onde todos os dias é permitido e “exigido” a mulher ter boa aparência
109

perante a
110

sociedade, pois os padrões permitem a mulher a sair arrumada para


trabalhar, sair maquiada e sempre se portar conforme uma dama. Já o
homem procura na mulher esse tipo de beleza exótica que cada mulher
tem, pois cada uma terá o seu jeito de se portar perante a sociedade e de
vestir.

O corpo é a arma de cada um, o que nos diferencia é o órgão reprodutor


e a quantidade de pelos espalhados no corpo que cada um tem, na época
em que vivemos é normal o homem depilar as axilas e outras partes da
anatomia, isso varia dos gostos que cada um carrega consigo. Porem a
sociologia explica que isso não é natural, esses aspectos variam da
sociedade e do meio que o indivíduo está ligado.

Desejo

A família é a principal responsável de ensinar quais serão as pessoas


ideais para ter o relacionamento, no caso, explicar ao ser que a família é
um tipo de afeto e que entre familiares não pode haver relações, pois as
mesmas só poderão ocorrer com indivíduos do sexo oposto e não ligados
a família de sangue, pois o mesmo já é designado de incesto (ter relações
sexuais com familiares de sangue). É na educação que a família transmite
ao indivíduo que o mesmo saberá quais os objetivos e objetos de desejo
apropriados para cada um.

O Estado como sendo líder em assuntos políticos, informa que é uma


obrigação do governo fazer campanhas para promover a prevenção
contra as doenças sexualmente transmissíveis, por se tratar de um
assunto que envolva a saúde pública que está diretamente ligada ao
Estado, com isso a dedicação extrema do governa com informação e
pedido as famílias para a correta orientação dentro de casa.

Para Freud, que dedicou uma boa parte de sua vida no estudo das
orientações sexuais de cada ser humano, afirma que os bebês vêm ao
mundo sendo bissexuais, e com o passar do tempo, no decorrer da
infância de forma inconsciente constroem a sua orientação sexual. É na
infância que a criança aprende que a família ensina e orienta sobre as
111

delimitações do
112

prazer. O prazer tem suas delimitações e aprendemos isto com base na


família e na formação que tivemos juntamente a sociedade e com o
convívio de outras pessoas.

Já Foucault, afirma que além de destruir os desejos a sociedade constrói


os desejos que os indivíduos têm interesse, além da repressão os desejos
são modelados pelo meio. Michel também sustenta a ideia que a família e
a escola são as principais fontes de conhecimento sobre o desejo, mesmo
que não se fale diretamente, como ele chama é a linguagem sem voz, o
dito pelo não dito. A partir do momento que a família cria estórias para
explicar a origem da chegada do filho ao mundo, é uma maneira cifrada
de explicar o surgimento da criança não explicando como ele realmente
foi “feito”.

Para uma sociedade padronizada, o bebê do sexo feminino quando nasce


está destinado a crescer e ser homem e gostar de mulheres e ser um pai
de família respeitado, já quando o bebê é do sexo feminino, está
destinado a crescer, ser uma mulher e acima de tudo inserida dentro da
cultura e da estrutura social vigente.

2 Diferenças entre espaço público e privado: cidadania e indivíduo


O espaço público é aquele de uso comum e posse de todos. Nestes locais
desenvolvemos atividades coletivas, como o convívio de diversos grupos
que chamamos de sociedade urbana. Existem (pelo menos) dois tipos de
espaços públicos:
Os espaços públicos livres (em que é pleno o direito de ir e vir) definidos
de circulação (ruas e avenidas) espaços de lazer e conservação (praças,
praias e parques).
Ainda, existem os espaços públicos com restrição ao acesso e à
circulação, nestes a presença é controlada e restrita a determinadas
pessoas, como os edifícios públicos (Prefeituras, Fóruns, residências
oficiais de governantes), instituições de ensino, hospitais, entre outros.
A manutenção dos espaços públicos é de responsabilidade do município,
estado ou União.
113

Os espaços privados são de propriedade privada (pessoas ou empresas),


ou seja, casas, lojas comerciais, escolas particulares, Shopping Centers. Os
responsáveis pela manutenção e preservação locais são os proprietários.
Os locais acessíveis ao público (que são locais privados), ou seja, em que
é facultado às pessoas, o acesso mediante o preenchimento de certas
condições, tais como, pagamento de ingresso e/ou despesas pela
utilização do local e/ou serviços.
Assim, não se confunde lugar público com espaço acessível ao público
(ou aberto ao público). Exemplificando, os shopping centers e bancos são
estabelecimentos comerciais privados, acessíveis ao público em
determinado horário.
Portanto, os locais acessíveis ao público não ferem o direito de ir e vir, ao
impedir o acesso fora dos horários pré-determinados, quando proíbem o
acesso de crianças e animais em seus espaços. Sendo certo que, em
alguns locais, a lei proíbe o acesso por questões de segurança e higiene.
Tampouco, fere o direito de ir e vir, impedir o acesso de pessoas que
estão provocando tumulto ou pânico, portando-se de modo
inconveniente ou desrespeitoso e perturbando o trabalho e o sossego
alheio.

Público e Privado: Limites e Relações


1. A filosofia grega entendia o homem como um ser social. O homem é
um produto da cidade e só na cidade se pode realizar como Homem. Esta
ideia é muito clara na célebre afirmação de Aristóteles quando afirma: "O
Homem é um animal político".
A vida pública desenvolve-se em torno da praça, do mercado ou na
ágora. É neste espaço público que os cidadãos se conhecem, discutem e
confrontam os seus argumentos políticos.
O espaço privado (Oikos), isto é, aquilo a que era próprio de cada um, era
visto como uma privação, algo inferior, desvalorizado face à vida pública.
Nele o senhor limita-se a decidir sobre os seus problemas de subsistência,
a resolver assuntos domésticos (família, escravos, etc.). A posição e
participação na vida privada, como é evidente, dependia da autonomia da
vida privada. Só o cidadão livre, que não necessitava de trabalhar é que
114

tinha o direito a participar na vida pública.


115

2. Uma das mais importantes contribuições do romanos para o direito e a


política, foi terem desenvolvido o conceito de direito privado que
regulava os direitos das famílias, da propriedade privada, dos contratos e
testamentos entre os membros da sociedade romana. Estabeleceram
deste modo, uma distinção entre:
 Domínio Público: o que diz respeito ao Estado;
 Domínio Privado: o que diz respeito à vida das famílias e dos
indivíduos e só estes têm competências para intervir.

Esta distinção foi retomada e desenvolvida ao longo da Idade Moderna


(séculos XVI-XVIII). A questão central do espaço privado centrou-se em
torno da liberdade individual (liberdade de expressão e de religião). Até
que ponto era legitimo ao Estado interferir e controlar as acções dos
indivíduos?

3. Contra as interferências dos Estados nas vida dos cidadãos, filósofos


como John Locke, defendem uma clara delimitação entre o que é do
domínio público e aquilo que é do domínio privado.
O domínio público é tudo aquilo que pode afectar directamente outros
cidadãos.
O privado o que é matéria de consciência de cada um, como por exemplo
as crenças religiosas, mas também aquilo que decorra fora dos olhos dos
restantes cidadãos e não tenha para os mesmos qualquer implicação.
Defende-se o estabelecimento de limites à intervenção do Estado na vida
privada.
Os movimentos políticos, segundo uma tradição que remontava à antiga
Grécia, valorizaram os espaços públicos como locais de debate das
questões que a todos dizem respeito. É neles que se forma a Opinião
Pública, que procura influenciar as decisões tomadas pelo Estado.
Os debates nas praças públicas, nos clubes e cafés, mas também as
discussões que ocorriam nos jornais tiveram um papel fundamental na
criação de um espaço público democrático intermédio entre a sociedade
e o Estado. Foi neles que surgiram os movimentos políticos que
impulsionaram as grandes revoluções democráticas que desde o início do
século XVIII alteram progressivamente os regimes na Europa e no mundo.
116

A "Opinião Pública" afirma-se como a "voz" que julga, aprova ou


desaprova as decisões políticas. A única autoridade do Estado legitima era
a que assentava em princípios reconhecidos e aceites pelos cidadãos.
.
Estes movimentos políticos foram acompanhados pela valorização da
esfera privada. Trata-se de um processo histórico ligado à valorização do
trabalho, do amor romântico e da família nuclear, a que muito se deveu
também a melhoria do conforto doméstico, e a generalização do ócio e
do consumo. A vida privada, e com ela a intimidade passou a ter
inúmeros atrativos antes inexistentes. Os cidadãos passaram a defender a
intimidade e a privacidade como um bem precioso, afirmando a sua
autonomia face ao Estado.

4. Se os meios de comunicação social, no início permitiram ampliar as


correntes de opinião públicas, não tardaram a partir do século XIX a
tentarem substituírem-se aos próprios cidadãos na formação das ideias
políticas.

5. A primeira metade do século XX foi caracterizada por gigantescas


operações de domínio do espaço público por parte dos regimes
autoritários. As grandes praças ficaram associadas a manifestações de
propaganda de massas. Os cidadãos viram-se privados de muitos dos
espaços públicos. A imprensa (controlada) procurava deliberadamente
manipular a opinião dos cidadãos.

6. Nas últimas décadas do século XX, nas sociedades economicamente mais


desenvolvidas, tem-se assistido a um progressivo desinteresse dos
cidadãos pelo espaço público, isto é, pela intervenção na vida pública. As
razões deste fenómeno são múltiplas:
.
a) a massificação das nossas sociedades, onde os cidadãos são tratados
como meros consumidores, bombardeados continuamente por uma
publicidade manipuladora das consciências.
b) o debate público foi substituído por simulacros de debates criados
pelas rádios e as televisões, onde personagens escolhidas em função de
117

interesses ocultos são apresentadas como representantes das várias


correntes de opinião que existem numa dada sociedade;
c) o apuramento de consensos através de debates públicos foi substituído
por sondagens à opinião pública;
d) a participação dos cidadãos na esfera pública foi drasticamente
limitada às épocas eleitorais. A intervenção dos cidadãos é totalmente
controlada pelas máquinas partidárias.
O resultado de tudo isto foi o progressivo afastamento dos cidadãos da
esfera pública e da intervenção cívica.
..
7. O cenário de um afastamento total dos cidadãos da esfera pública não
parece ter qualquer fundamento. Na verdade, assiste-se atualmente ao
surgimento de de novos espaços públicos como a Internet. Neste meio de
comunicação e informação, os cidadãos de todo o mundo estão a descobrir
também novas formas de debaterem as questões públicas locais ou
globais, e já mostraram que são capazes de formar importantes correntes
de opinião e intervir de forma eficaz na esfera pública.

O que são direitos humanos?


Os direitos humanos são uma importante ferramenta de proteção a
qualquer cidadão no mundo. Ainda assim, existem diversos casos de
desrespeito a esses direitos, colocando pessoas em situações de abuso,
intolerância, discriminação e opressão.
A promoção desses direitos é imprescindível para o pleno exercício de
qualquer democracia. Por isso, o Politize! vai explicar tudo o que você
precisa saber para entender a importância destes direitos.

Primeiro, qual a definição de direitos humanos?


Os direitos humanos consistem em direitos naturais garantidos a todo e
qualquer indivíduo, e que devem ser universais, isto é, se estender a
pessoas de todos os povos e nações, independentemente de sua classe
social, etnia, gênero, nacionalidade ou posicionamento político.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), os direitos humanos
são “garantias jurídicas universais que protegem indivíduos e grupos
contra ações ou omissões dos governos que atentem contra a dignidade
118

humana”. São exemplos de direitos humanos o direito à vida, direito à


integridade física, direito à dignidade, entre outros.
Quando os direitos humanos são firmados em determinado ordenamento
jurídico, como nas Constituições, eles passam a ser chamados de direitos
fundamentais.

Como surgiram os direitos humanos?


Refugiados do Congo em ato contra violações de direitos humanos e por
garantia de eleições presidenciais em seu país. Fernando Frazão/ Agência
Brasil
Os direitos humanos são garantias históricas, que mudam ao longo do
tempo, adaptando-se às necessidades específicas de cada momento. Por
isso, ainda que a forma com que atualmente conhecemos os direitos
humanos tenha surgido com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, assinada em 1948, antes disso, princípios de garantia de
proteção aos direitos básicos do indivíduo já apareciam em algumas
situações ao longo da história.
A primeira forma de declaração dos direitos humanos na história é
atribuída ao Cilindro de Ciro, uma peça de argila contendo os princípios
de Ciro, rei da antiga Pérsia. Ao conquistar a cidade da Babilônia, em 539
a.C. Ciro libertou todos os escravos da cidade, declarou que as pessoas
teriam liberdade religiosa e estabeleceu a igualdade racial.
A ideia espalhou-se rapidamente para outros lugares. Com o tempo,
surgiram outros importantes documentos de afirmação dos direitos
individuais, como a Petição de Direito, um documento elaborado pelo
Parlamento Inglês em 1628 e posteriormente enviada a Carlos I como
uma declaração de liberdades civis. A Petição baseou-se em cartas e
estatutos anteriores e tinha como principal objetivo limitar decisões do
monarca sem autorização do Parlamento.
Já em 1776, foi deflagrado o processo de independência dos Estados
Unidos, contexto em que foi publicada uma declaração que acentuava os
direitos individuais (direito à vida, à liberdade e à busca pela felicidade) e
o direito de revolução. Essas ideias não só foram amplamente apoiadas
pelos cidadãos estadunidenses, como influenciaram outros fenômenos
similares no mundo, em particular a Revolução Francesa, em 1789.
Os marcantes acontecimentos da Revolução Francesa resultaram na
elaboração de um histórico documento chamado Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão. Nele, foi garantido sobretudo que todos os
119

cidadãos franceses deveriam ter direito à liberdade, propriedade,


segurança e resistência à opressão.
Esses documentos são considerados importantes precursores escritos
para muitos dos documentos de direitos humanos atuais, entre eles a
Declaração Universal de 1948.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos


A Segunda Guerra Mundial resultou na perda de um grande número de
pessoas, sobretudo com as muitas violações a direitos individuais
cometidas por governos fascistas durante o período. Logo após o fim do
conflito, formou-se a Organização das Nações Unidas (ONU), cujo
objetivo declarado é trazer paz a todas as nações do mundo.
Além disso, foi criada uma comissão, liderada por Eleanor Roosevelt, com
o propósito de criar um documento onde seriam escritos os direitos que
toda pessoa no mundo deveria ter. Esse documento é a Declaração
Universal, formada por 30 artigos que tratam dos direitos inalienáveis que
devem garantir a liberdade, a justiça e a paz mundial.
Entre os diversos direitos garantidos pela Declaração Universal, estão o
direito a não ser escravizado, de ser tratado com igualdade perante as
leis, direito à livre expressão política e religiosa, à liberdade de
pensamento e de participação política. O lazer, a educação, a cultura e o
trabalho livre e remunerado também são garantidos como direitos
fundamentais.
Hoje, a Declaração Universal é assinada pelos 192 países que compõem
as Nações Unidas e, ainda que não tenha força de lei, o documento serve
como base para constituições e tratados internacionais.

Como esses direitos são garantidos?


As normas de direitos humanos são organizadas por cada país por meio
de negociação com organizações como a ONU e em encontros e
conferências internacionais. Vários países ainda firmam compromisso em
garantir os direitos humanos em tratados das Nações Unidas, sobre as
mais diversas áreas, como direitos econômicos, discriminação racial,
direitos da criança, entre outros. Para cada um desses tratados, existe um
comitê de peritos que avalia como as nações participantes estão
cumprindo as obrigações que assumiram ao se comprometer com o
tratado.
Além disso, outros órgãos da ONU, como a Assembleia Geral das Nações
Unidas, o Conselho de Direitos Humanos e o Alto Comissariado para os
120

Direitos Humanos constantemente se pronunciam sobre casos de


violações desses direitos em todo o mundo.
Outro instrumento para garantia destes direitos são as operações de
manutenção da paz, realizadas pela ONU e que fiscalizam o cumprimento
dos direitos humanos em diversas partes do mundo. Além disso, já
existem três tribunais de direitos humanos, um localizado na Europa, um
na África e um no continente americano.
A nível nacional, cada país é responsável por garantir os direitos humanos
dentro de seu território. Mas na fiscalização destes direitos atuam
também instituições de direitos humanos, organizações profissionais,
instituições acadêmicas, grupos religiosos, organizações não
governamentais, entre outros.

Na prática, os direitos humanos ainda são um desafio


Embora existam diversos documentos e instrumentos para garantir os
direitos humanos, na prática ainda há uma grande dificuldade em tirar
esses planos do papel. Segundo o doutor em Filosofia do Direito
Bernardo Guerra, o desafio para a eficácia dos direitos humanos está
relacionado principalmente à falta de vontade política, muitas vezes sob a
justificativa dos altos custos dos investimentos sociais.
Ainda hoje, os direitos humanos são desrespeitados em todas as regiões
do mundo. Um caso bastante notável é o da Síria, que, após anos em
guerra civil, enfrenta uma grave crise de refugiados, metade deles
crianças sem acesso à educação, sem documentos e que muitas vezes são
os responsáveis pelo sustento da família.

A evolução dos direitos humanos no Brasil


Os direitos humanos são um importante instrumento de proteção a toda
e qualquer pessoa no mundo. Por isso, são garantidos por inúmeros
tratados e documentos jurídicos em diversos países, um deles o Brasil.
Neste texto falaremos especificamente sobre os direitos humanos no
Brasil
Nosso país conta com uma série de ferramentas para garantir que os
direitos humanos sejam estendidos a todos os nossos cidadãos. Mas
infelizmente na prática ainda não atingimos este objetivo.
121

Os direitos humanos são garantidos pela nossa Constituição


No Brasil, os direitos humanos são garantidos na Constituição Federal de
1988, o que pode ser considerado um grande avanço jurídico, já que o
país conta com uma história marcada por episódios de graves
desrespeitos a esses direitos, sobretudo no período do Regime Militar.
A mais recente constituição garante os direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais dos nossos cidadãos. Essas garantias
aparecem, por exemplo, logo no primeiro artigo, onde é estabelecido o
princípio da cidadania, da dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho. Já no artigo 5º é estabelecido o direito à vida, à
privacidade, à igualdade, à liberdade e outros importantes direitos
fundamentais, sejam eles individuais ou coletivos.
Visando garantir a cidadania e a dignidade humana, a Constituição
defende princípios como:
 igualdade entre gêneros;
 erradicação da pobreza, da marginalização e das desigualdades
sociais;
 promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
gênero, idade ou cor;
 racismo como crime imprescritível;

 propôs direito de acesso à saúde, à previdência, à assistência social,


à educação, à cultura e ao desporto;
 reconhecimento de crianças e adolescentes como pessoas em
desenvolvimento;
 estabelecimento da política de proteção ao idoso, ao portador de
deficiência e aos diversos agrupamentos familiares;
 orientação de preservação da cultura indígena.

Ainda que a Constituição de 1988 seja o marco mais evidente dos direitos
humanos no Brasil, eles já apareciam anteriormente, até mesmo em
outras constituições. Entenda como ocorreu a evolução dos direitos
humanos no Brasil ao longo da nossa história.

A história dos Direitos Humanos no Brasil


Uma das formas de entender a evolução dos direitos humanos no Brasil é
através das diversas constituições brasileiras. Princípios de garantia dos
direitos políticos e civis apareciam já na Constituição de 1824, ainda que o
poder estivesse concentrado nas mãos do imperador. O objetivo era
122

garantir principalmente a liberdade, a segurança individual e a


propriedade.
Ainda assim, no período imperial continuava a existir a escravidão, em
que os escravizados eram tratados como produto e propriedade do
senhor. As violências sofridas por estas pessoas, com a perda de
liberdade, desrespeito à sua integridade física e a perda da própria vida
foram nitidamente um desrespeito aos direitos humanos.
Na Constituição de 1891, já no período republicano, foi garantido o
sufrágio direto para eleição de deputados, senadores, presidente e vice-
presidente. Mas o sufrágio não era universal, já que impedia o voto de
mulheres, mendigos e analfabetos. Esta constituição defendia os
princípios de liberdade, igualdade e justiça.
Entre algumas medidas da Constituição de 1891 estão o direito à plena
liberdade religiosa, à defesa ampla aos acusados, direito à livre associação
e reunião, sem contar a criação do habeas corpus, como forma de
remediar casos de violência ou coação por ilegalidade ou abuso de poder.
Com a revolução constitucionalista de 1932 e a posterior Constituição de
1934 foram estabelecidos algumas concepções de segurança ao
indivíduo, como proteção ao direito adquirido, proibição da prisão por
dívidas, criação da assistência judiciária aos necessitados (que até hoje
acontece em muitos estados brasileiros) e a obrigatoriedade de
comunicação imediata ao juiz competente sobre qualquer prisão ou
detenção.

A Constituição de 1934 também instituiu diversas garantias ao


trabalhador, como:
 A proibição de diferença salarial para um mesmo trabalho e da
diferença salarial em razão de idade, gênero, nacionalidade ou
estado civil;
 Proibição do trabalho para menores de 14 anos e do trabalho
noturno para menores de 16, além de proibir o trabalho insalubre
para menores de 18 anos e para mulheres;
 Determinou a estipulação de um salário mínimo ao trabalhador, o
descanso semanal remunerado e a limitação diária de jornada a 8
horas.
 A constituição estabeleceu diversos ganhos em direitos sociais, mas
vigorou por apenas três anos. Chegou a seu fim com o início do
Estado Novo, em 1937, período marcado pela quase inexistência
dos direitos humanos.
123

Os direitos humanos no Estado Novo


Tendo como principal figura política o presidente Getúlio Vargas, o
período do Estado Novo resultou em muitos obstáculos para o avanço
dos direitos humanos. Durante esses anos (1937 a 1945), ocorreu o
fechamento do Congresso e a proibição de funcionamento de quase
todos os partidos políticos. Se por um lado houve benefícios aos
trabalhadores, por outro houve o fim da liberdade política e a imposição
de mecanismos de controle da sociedade.
Com o início do Estado Novo passa a vigorar a Constituição de 1937, que
tinha influências fascistas e autoritárias. Na época, foi criado um Tribunal
de Segurança Nacional, com competência para julgar qualquer crime
contra a segurança do Estado. O governo assumiu amplo domínio sobre o
Poder Judiciário e foram nomeados diversos interventores nos estados
federativos.
Em meio a este cenário problemático, os direitos fundamentais foram
enfraquecidos e esquecidos, sobretudo por causa da Polícia Especial e do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que censurava as
comunicações orais e escritas, inclusive em correspondências.
Este cenário só foi alterado em 1946, quando chegou ao fim o Estado
Novo e uma nova constituição passou a vigorar. Essa constituição
restaurou os direitos e garantias individuais, além de ampliá-los, quando
em comparação com o texto de 1934. Mas esta melhoria não durou
muito, pois o desrespeito aos direitos fundamentais volta a aparecer em
1964, com a instauração do Regime Militar.

Os direitos humanos no Regime Militar


O período militar foi conturbado para os direitos humanos no Brasil. Em
1964 os militares assumiram o governo brasileiro com a promessa de que
a intervenção duraria um curto tempo, até que o país superasse os
problemas que levaram à intervenção. Apesar da promessa, o Regime
Militar durou 21 anos e, marcado por um centralismo e autoritarismo,
resultou em sérias consequências aos direitos fundamentais.
O principal âmbito afetado foi o sistema político, com medidas como a
cassação dos direitos políticos dos opositores, fechamento do Congresso,
extinção dos partidos políticos e a criação do Serviço Nacional de
Informações (SNI), uma espécie de polícia política.
Durante o período, a repressão policial aumentou em larga escala. As
forças militares tinham carta branca para prender opositores do governo
sem a
124

necessidade de acusação formal ou registro, sendo instituída inclusive a


pena de morte.
O Regime Militar foi um período marcado sobretudo pelas torturas,
sequestros, assassinatos e desaparecimento de opositores. Havia diversos
centros de tortura espalhados pelo país, ligados ao Destacamento de
Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-
Codi), um órgão de inteligência subordinado ao Estado.
Em 1979, o então presidente João Baptista Figueiredo decretou a lei de
anistia, que permitia a volta ao país dos opositores do regime, mas
também defendia que os militares não poderiam ser processados pelos
crimes cometidos durante a ditadura.
Em 2012, foi instaurada a Comissão Nacional da Verdade (CNV) para
investigar as violações contra os direitos humanos cometidas entre 1946 e
1988, com maior foco para o período da ditadura militar.
O relatório final, divulgado em 2014, apontou 434 vítimas entre mortos e
desaparecidos, e mostrou também 377 responsáveis pelos crimes
cometidos no período. Embora a comissão não tenha poder de punição,
defende que os 196 responsáveis ainda vivos sejam levados à Justiça.
Atuais desafios dos direitos humanos no Brasil
Os direitos fundamentais resguardados pela atual constituição colocam o
Brasil como um dos países com o mais completo ordenamento jurídico
em relação aos direitos humanos. Com isso, os direitos humanos
tornaram-se um compromisso do Governo Federal e hoje são conduzidos
como uma política pública. Contudo, décadas após a instauração da nova
constituição, ainda existem muitas dificuldades em tirar esses princípios
do papel.
Segundo o assessor de direitos humanos da Anistia Internacional,
Maurício Santoro, os direitos humanos no Brasil são uma questão
marcada por contradições. Para ele, o país apresenta ótimas leis sobre o
assunto, mas o grande problema é que elas ainda não são cumpridas.

O relatório Estado dos Direitos Humanos no Mundo, organizado pela


Anistia Internacional, mostra que entre as principais falhas do Brasil em
direitos humanos, aparecem problemas como:
 a alta taxa de homicídios no país, sobretudo de jovens negros;
 os abusos policiais e as execuções extrajudiciais, cometidas por
policiais em operações formais ou paralelas, em grupos de
extermínio ou milícias;
 a crítica situação do sistema prisional;
 a vulnerabilidade dos defensores de direitos humanos,
principalmente em áreas rurais;
125

 a violência sofrida pela população indígena, sobretudo pelas falhas


em políticas de demarcação de terras; e
 as várias formas de violência contra as mulheres.

A grande preocupação é que estes problemas persistem no país há cerca


de 30 anos, sem que as autoridades tenham criado soluções efetivas para
mudar o cenário. Para o diretor executivo da Anistia Internacional no
Brasil, Atila Roque, o Brasil vive em um estado permanente de violação de
direitos humanos. Mesmo que o país tenha avançado em algumas áreas,
como na redução da pobreza, a situação se manteve crítica em diversos
outros setores.
Segundo Roque, a boa notícia é que, apesar das falhas governamentais
em melhorar a situação dos direitos humanos, a sociedade tem investido
em transformar esse cenário. A mudança vem ocorrendo na mobilização
das periferias e favelas, principais vítimas das violações de direitos
humanos, e nas diversas manifestações de pessoas saindo às ruas ou
lançando campanhas para reivindicar seus direitos.

Declaração Universal dos Direitos Humanos


Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos
resultam em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e
que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de
palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da
necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem
comum,
Considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo
Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último
recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações
amistosas entre as nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta,
sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da
pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e
que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida
em uma liberdade mais ampla,
126

Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover,


em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos
humanos e liberdades fundamentais e a observância desses direitos e
liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades
é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse
compromisso,

A Assembleia Geral proclama:


A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal
comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo
de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente
esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover
o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas
progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu
reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os
povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios
sob sua jurisdição.

Artigo I - Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos.


São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às
outras com espírito de fraternidade.
Artigo II - Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidas nesta Declaração, sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra
natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer
outra condição.
Não será tampouco feita qualquer distinção fundada na condição política,
jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa,
quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo
próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.

Artigo III - Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança


pessoal. Artigo IV - Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a
escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo V - Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo
cruel, desumano ou degradante.
Artigo VI - Toda pessoa tem o direito de ser, em todos os lugares,
reconhecida como pessoa perante a lei.
Artigo VII - Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer
distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra
127

qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer


incitamento a tal discriminação.
128

Artigo VIII - Toda pessoa tem direito a receber dos tribunais nacionais
competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos
fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo IX - Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo X - Toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência
justa e pública por parte de um tribunal independente e imparcial, para
decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação
criminal contra ele.
Artigo XI- Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser
presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de
acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido
asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no
momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional.
Tampouco será imposta pena mais forte do que aquela que, no momento
da prática, era aplicável ao ato delituoso.

Artigo XII - Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na


sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua
honra e reputação. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais
interferências ou ataques.
Artigo XIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência
dentro das fronteiras de cada Estado.
Toda pessoa tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio, e a
este regressar.
Artigo XIV - Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e
de gozar asilo em outros países.
Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente
motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos
propósitos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XV - Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade.
Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do
direito de mudar de nacionalidade.
Artigo XVI - Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição
de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e
fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento,
sua duração e sua dissolução.
O casamento não será válido senão como o livre e pleno consentimento dos
nubentes.
129

A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à


proteção da sociedade e do Estado.
Artigo XVII - Toda pessoa tem direito à propriedade, só ou em sociedade
com outros.
Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo XVIII - Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião
ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino,
pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em
público ou em particular.
Artigo XIX - Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão;
este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de
procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e
independentemente de fronteiras.
Artigo XX - Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação
pacíficas.
Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo XXI - Toda pessoa tem o direito de tomar parte no governo de seu
país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente
escolhidos. Toda pessoa tem igual direito de acesso ao serviço público do
seu país.
A vontade do povo será a base da autoridade do governo; esta vontade será
expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto
secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.

Artigo XXII - Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à


segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação
internacional de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos
direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao
livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo XXIII - Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de
emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o
desemprego.
Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por
igual trabalho.
Toda pessoa que trabalha tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência
compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se
necessário, outros meios de proteção social.
Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para a
proteção de seus interesses.
História | Rodrigo Donin

Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a


limitação razoável das horas de trabalho e a férias periódicas remuneradas.
Artigo XXV - Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de
assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação,
vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis,
e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez,
velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em
circunstâncias fora de seu controle.
A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora de matrimônio, gozarão da
mesma proteção social.
Artigo XXVI

Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos
nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, está baseada no mérito.
A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol
da manutenção da paz.
Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será ministrada a seus filhos.
Artigo XXVII - Toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida
cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do processo
científico e de seus benefícios.
Toda pessoa tem direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção científica, literária ou artística da qual
seja autor.
Artigo XXVIII - Toda pessoa tem direito a uma ordem social e internacional
em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração
possam ser plenamente realizados.
Artigo XXIX - Toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o
livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível.
No exercício de seus direitos e liberdades, toda pessoa estará sujeita apenas
às limitações determinadas por lei, exclusivamente com o fim de assegurar
o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e
de

focusconcuros.com.br 10
0
História | Rodrigo Donin

satisfazer às justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar


de uma sociedade democrática.
Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos
contrariamente aos propósitos e princípios das Nações Unidas.
Artigo XXX - Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser
interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa,
do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado
à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.

Cidadania
Por que é importante falarmos em cidadania?
O conceito de cidadania é uma ideia dinâmica que se renova
constantemente diante das transformações sociais, dos contextos
históricos e principalmente diante das mudanças de paradigmas
ideológicos. A cidadania conhecida na antiguidade clássica não é a
mesma cidadania pela qual lutamos hoje e nem a que aspiramos
concretizar nas gerações futuras.
As ideias iluministas foram muito importantes para o desenvolvimento do
que hoje entendemos por cidadania. Os filósofos iluministas, sobretudo
John Locke, Voltaire e Jean-Jacques Rousseau, formularam as bases para a
percepção moderna da relação entre Estado e indivíduos, ao conceber o
ser humano como um indivíduo dotado de razão e de direitos intrínsecos
à natureza (“direitos naturais”), como o direito à vida, à liberdade e à
propriedade. Desta forma, abriu-se espaço para o nascimento do Estado
de Direito.
A base para a concepção de cidadania é a noção de Direito. E a história
do desenvolvimento da cidadania está relacionada à conquista de quatro
tipos de direitos: os direitos civis, políticos, sociais e humanos.
Há muito tempo cidadania deixou de ser simplesmente o direito de votar
e ser votado e assumiu a luta pela educação de qualidade, saúde,
informação, poder de participação na vida pública, igualdade de
oportunidades, etc. Desta forma, a história da cidadania foi por muitas
vezes confundida com a história das lutas pelos direitos humanos.

Mas afinal, o que é ser cidadão?


Ser cidadão é compor-se a uma sociedade. O homem é um ser
essencialmente social que se encontra inserido em um conjunto de redes
sociais mais amplas (família, amigos, vizinhos, etc.) na qual adquire sua

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identidade enquanto ser humano e os meios fundamentais para a sua


sobrevivência.
Ser cidadão é ter consciência de que é um sujeito de direitos. Direitos à
vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, enfim, direitos civis, políticos
e sociais. Entretanto, cidadania pressupõe também deveres. O cidadão
tem que ser consciente das suas responsabilidades enquanto parte
integrante de um grande e complexo organismo que é a coletividade e,
para que alcancemos o bom funcionamento, todos têm que dar sua
parcela de contribuição. Somente assim se chega ao objetivo final,
coletivo: a justiça em seu sentido mais amplo, ou seja, o bem comum.
A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá a pessoa a
possibilidade de participar ativamente da vida e do governo do seu povo.
Quem não tem esse direito está à margem ou excluído da vida social e da
tomada de decisões.

E hoje, a quantas anda nossa cidadania?


No Brasil o conceito de cidadania também passou por um processo
evolutivo, sendo a cidadania plena um objetivo a ser alcançado.
Desde a abolição da escravatura, da conquista do voto feminino,
passando pelo período de redemocratização do país, do movimento das
“diretas já”, do impeachment do Collor até a efetivação paulatina de
direitos sociais, temos conquistado espaços de maior presença dos
cidadãos na condução do destino de nosso país.
A Constituição da República de 1988 foi, sem dúvida, um dos marcos
deste avanço. Apelidada de Constituição Cidadã, foi a partir de 1988 que
novos instrumentos foram colocados à disposição daqueles que lutam
por um país cidadão, como por exemplo, o sufrágio universal, o voto
direto e secreto, além do surgimento de estatutos como o Estatuto da
Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, etc.
Mas ainda assim a cidadania é uma conquista diária. Não há como
compreendermos o conceito de cidadania sem considerarmos seus vários
aspectos e relacionarmos a com os direitos humanos, com a democracia e
com a ética.
Cidadania implica vivermos em sociedade, na construção de relações, na
mudança de mentalidade, na consciência e reivindicação dos direitos, mas
também no cumprimento dos deveres. Isto não se aprende com teorias,
mas na luta diária, nos exemplos e principalmente com a educação de
qualidade, grande propulsora para que o indivíduo possa desenvolver
suas potencialidades e conscientizar-se de seu papel social que pode e
deve

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fazer a diferença na construção de uma sociedade mais justa, livre e


solidária.

23 formas de exercer a cidadania além do voto


O voto é sempre apenas o primeiro passo da atuação de um cidadão
engajado, pois existem diferentes maneiras de participar ativamente da
política. Além das formas tradicionais de participação na política
partidária (como candidatar-se a um cargo eletivo, filiar-se ou apoiar um
partido político), é possível participar de um conjunto de espaços de
participação social garantidos por lei, ou até mesmo criar novas formas e
estratégias para influenciar as políticas e decisões públicas.
Abaixo estão listadas 23 maneiras para inspirar o exercício da cidadania
em nível municipal, que é a instância mais próxima para exercitarmos a
chamada democracia participativa. São apenas algumas possibilidades
para se consagrar como um cidadão protagonista e ativo no controle
social e na participação nas decisões públicas municipais.

Vamos lá:
1. Conhecer mais sobre os Conselhos temáticos da cidade e participar
de algum deles, como o Conselho da Saúde, da Educação, do Meio
Ambiente, entre outros.
2. Participar das reuniões do Orçamento Participativo (OP) para
propor que as necessidades coletivas da minha região possam, de
fato, entrar no orçamento público municipal. Caso não exista um
OP em minha cidade, uma opção é ir à Câmara de Vereadores para
propor a sua criação.
3. Acompanhar as Audiências Públicas de sua cidade, seja para
discussão do orçamento público, para definições do planejamento
urbano municipal, para licenças ambientais ou tantas outras
questões relevantes. Quando houver outros assuntos de relevância
social, propor a realização de mais audiências junto à Câmara de
Vereadores.
4. Montar um grupo de acompanhamento das sessões legislativas
que monitore de perto todo o trabalho realizado pelos vereadores
– assim como faz o pessoal do Voto Consciente (de São Paulo ou
Jundiaí, por exemplo), que possuem inclusive uma cartilha
explicando o método utilizado. Ou simplesmente adotar um
vereador para monitorar seu desempenho.

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5. Ficar de olho nos Portais da Transparência (da Prefeitura, da


Câmara de Vereadores e de Autarquias municipais), tanto para
acompanhar as licitações, os gastos e as receitas, quanto para ver
se as informações contidas estão de acordo com a Lei de Acesso a
Informação (para municípios com até 10 mil habitantes).
6. Solicitar ao Serviço de Informação ao Cidadão as informações
públicas que desejar receber para minha atuação cidadã. Este canal
de comunicação entre governo e sociedade civil – que deve
funcionar nos municípios brasileiros – tem a obrigação de
disponibilizar dados públicos a todos os cidadãos interessados:
tudo de acordo com a Lei de Acesso a Informação.
7. Organizar um “observatório cidadão” que possa acompanhar as
metas municipais determinadas pela Prefeitura e monitorar as
políticas públicas da cidade – algo inspirado nas iniciativas da Rede
Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis, tais como: a Rede
Nossa São Paulo, o Instituto Nossa Ilhéus, Ilhabela Sustentável etc.
8. Fomentar a organização de um grupo específico do Observatório
Social do Brasil em minha cidade, cujo foco é o acompanhamento
das compras e licitações públicas – a exemplo do que fazem várias
cidades no país organizadas nesta rede.
9. Solicitar o compromisso do Prefeito e dos Vereadores com o
Programa Cidades Sustentáveis, para que realizem a elaboração de
metas municipais associadas a um conjunto de indicadores que,
juntos, contribuem para uma gestão pública municipal mais
sistêmica e efetiva.
10.Participar das Conferências temáticas que ocorrerão na cidade.
Estas possuem o objetivo de debater e elaborar propostas de
políticas públicas, em áreas como: direitos humanos, educação,
idosos, saúde, mulheres, segurança, meio ambiente, assistência
social etc. É preciso estar atento ao calendário, pois costumam
ocorrer a cada dois anos.
11.Articular uma rede de mobilização local, com cidadãos ativos em
realizar o controle social na cidade, aos moldes do que fazem as
iniciativas da rede Nossas Cidades (como o Minha Sampa, Minha
Porto Alegre etc.) ou a Plataforma Engajados.
12.Adaptar ferramentas digitais já existentes (com licenças livres e
códigos abertos disponíveis) para que passem a conter informações
específicas sobre minha cidade e auxiliem no controle social, tal
como o Login Cidadão, a DemocracyOs, o Legislando ou o De Olho
nas Metas.

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13. Utilizar alguns aplicativos cívicos e aproveitar a tecnologia a favor


da participação e do controle social. Alguns exemplos de apps são:
Colab, Cidadera, Monitorando a Cidade etc.
14. Articular ou engajar-se em coletivos ou movimentos sociais dos
quais se identifique e, assim, provocar melhorias na cidade.
15. Provocar ações ativistas, vinculadas ou não a movimentos sociais,
também são maneiras de buscar uma maior participação nas
decisões públicas e na construção daquilo que é coletivo. A Escola
de Ativismo e o Imagina você na política, por exemplo, podem
ajudar nessa inspiração.
16. Articular uma iniciativa coletiva em prol da fiscalização municipal,
como o trabalho realizado pela Rede Amarribo, que conecta
centenas de grupos de diferentes municípios com a missão de
praticarem o controle social.
17. Realizar um concurso municipal que vise desenvolver e premiar
soluções colaborativas para problemas municipais. Uma ação como
essa pode ser viabilizada, por exemplo, por meio da plataforma
Cidade Democrática.
18. Propor a criação de fóruns que discutam políticas públicas da
cidade acerca de temas como, por exemplo: “resíduos sólidos”,
“mobilidade urbana”, “habitação”, “transporte público”.
19. Utilizar a ouvidoria pública do governo municipal como um canal
de denúncias ou sugestões de melhorias para a cidade.
20. Articular um grupo de estudos para monitorar alguma área/política
pública da cidade (como o Transporte Público, por exemplo) e
divulgar boletins para a população. Um exemplo é o trabalho do
Observatório Cidadão de Piracicaba, como nesses boletins de
Mobilidade Urbana e Transparência Pública.
21. Organizar ou participar de campanhas no Avaaz, Change.org ou no
Panela de Pressão, com a consciência de que são ferramentas
importantes, mas que é possível complementá-las com outras
formas de participação social.
22. Estudar um pouco mais sobre Política e Cidadania e buscar
formações especializadas (como este curso de Ciência Política
online oferecido de forma gratuita pela USP) e também utilizar
plataformas de educação política como o Meu Município ou o
próprio Politize.
23. Levar educação política para minha cidade! Você pode, por
exemplo, procurar a Escola de Cidadania Criativa do Instituto
Terroá, o Pé na Escola ou Fast Food da Política.

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As formas e estratégias de participação e controle social são infinitas. E é


importante que estejam sempre conectadas àquilo que é coletivo. Isto é,
a participação social, no campo democrático, precisa estar associada à
ampliação de direitos, ao acesso à cidade e à inclusão social.

Fonte extraída de:


23 formas de exercer a cidadania além do voto. Disponível em:
https://www.politize.com.br/cidadania-23-formas-de-exercer/. Acesso em
Outubro de 2019.
A evolução dos direitos humanos no Brasil. Disponível em:
https://www.politize.com.br/direitos-humanos-no-brasil/. Acesso em
Outubro de 2019.
Cidadania. Disponível em: https://www.politize.com.br/por-que-e-
importante-cidadania/. Acesso em Outubro de 2019.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-
permanentes/cdhm/comite-brasileiro-de-direitos-humanos-e-politica-
externa/DecUniDirHum.html. Acesso em Outubro de 2019.
O que são Direitos Humanos?. Disponível em:
https://www.politize.com.br/direitos-humanos-o-que-sao/. Acesso em
Outubro de 2019.
Público e Privado: Limites e Relações. Disponível em:
http://www.filorbis.pt/filosofia/CursoPublPrivadoCid.htm. Acesso em
Outubro de 2019.

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Democracia e o papel das instituições de segurança pública.


Combate à corrupção (atividades policiais, judiciais de primeira
instância e dos Tribunais Superiores);

O que é corrupção?
Conteúdo do portal Politize! escrito por Bruno André Blume.

Em um sentido amplo, corrupção pode ser definida como o ato ou efeito


de se corromper, oferecer algo para obter vantagem em negociata onde
se favorece uma pessoa e se prejudica outra. Já a corrupção política, em
particular, é definida por Calil Simão como o “uso do poder público para
proveito, promoção ou prestígio particular, em benefício de um grupo ou
classe, de forma que constitua violação da lei ou de padrões de elevada
conduta moral”.

Corrupção ativa
A forma ativa do crime de corrupção, prevista no artigo 333 do Código
Penal, se dá pelo oferecimento de alguma forma de compensação (dinheiro
ou bens) para que o agente público faça algo que, dentro de suas
funções, não deveria fazer ou deixe de fazer algo que deveria fazer.
A corrupção ativa é sempre cometida pelo corruptor, que em geral é um
agente privado. Um exemplo de corrupção ativa é oferecer dinheiro ao
guarda de trânsito para que ele não lhe dê uma multa (ou seja, suborno).
Note que o simples ato de oferecer o suborno ao guarda já configura o
crime de corrupção ativa, independente de o guarda aceitar ou não tal
oferta.
A pena para o crime de corrupção ativa é de dois a 12 anos de prisão,
além de multa

Corrupção passiva
O Código Penal, em seu artigo 317, define o crime de corrupção passiva
como o de “solicitar ou receber, para si ou para outros, direta ou
indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em
razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem. ”
Se a corrupção ativa tem a ver com o ato de oferecer a compensação
ilícita, então a modalidade passiva está relacionada com o ato de receber
essa compensação. Esse tipo de corrupção é cometido pelo agente
público corrompido. Um exemplo para deixar esse crime bem claro: um

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juiz que

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insinua que você “pague um cafezinho” para ele, a fim de que ele acelere
a análise de seu processo na justiça.

Será que só os políticos são corruptos? E você? Clique aqui para entender!

Mas note que, apesar de chamado de “passivo”, isso não significa que o
corrompido não tenha algum papel ativo, por assim dizer, na prática da
corrupção. Afinal, muitas vezes ele solicita a compensação para que ele
deixe de fazer seu trabalho ou faça algo que não é condizente com as
suas funções.
Da mesma forma como acontece com a corrupção ativa, o crime de
corrupção passiva já é configurado pelo simples ato de solicitar ou
receber vantagem indevida, sem que seja necessário que a pessoa
solicitada atenda ao pedido.
A pena para o crime de corrupção passiva varia de dois a 12 anos de
prisão (reclusão), mais multa.

Mais um detalhe: o crime de concussão


Para complicar um pouco mais as coisas, o Código Penal, no artigo 316,
ainda relaciona um outro tipo de crime, quase idêntico à corrupção
passiva. No crime de concussão, o funcionário público não apenas solicita
ou recebe a compensação: ele a exige. A diferença é sutil, mas nessa
situação, a audácia do funcionário público é ainda maior, já que ele
impõe o recebimento de uma compensação, e não simplesmente a
propõe.
A pena para o crime de concussão varia de dois a oito anos de prisão,
além de multa.

Corrupção ativa e passiva: duas partes de um só crime


O que podemos extrair a partir da diferenciação feita pelo Código Penal
entre corrupção ativa e passiva? Ora, essa distinção nos faz lembrar de
um fato muito importante sobre a corrupção: é um crime que, para ser
consumado, envolve geralmente duas partes. Geralmente nos limitamos a
atribuir a alcunha de corruptos para os agentes públicos corrompidos.
Mas para que eles se corrompam, às vezes é necessário que haja um
corruptor no ato, alguém que oferece, ou que cede à coação.
Assim, lembre-se que quando você oferece uma “ajuda para o leite das
crianças” para aquele guarda que deveria multar você e ele aceita, ambos
estão sendo igualmente corruptos. A diferença é que você cometeu
corrupção ativa, enquanto o guarda cometeu corrupção passiva.

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Corrupção no Brasil
A corrupção no Brasil afeta diretamente o bem-estar dos cidadãos
brasileiros quando diminui os investimentos públicos na saúde, na
educação, em infraestrutura, segurança, habitação, entre outros direitos
essenciais à vida, e fere criminalmente a Constituição quando amplia a
exclusão social e a desigualdade econômica. Na prática, a corrupção
ocorre por meio de desvio de recursos dos orçamentos públicos da
União, dos Estados e dos Municípios destinados à aplicação na saúde, na
educação, na previdência e em programas sociais e de infraestrutura que,
entretanto, são desviados para financiar campanhas eleitorais, corromper
funcionários públicos, ou mesmo para contas bancárias pessoais no
exterior.
Estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de 2009 estimam que
economia brasileira perde com a corrupção, todos os anos, de um a
quatro por cento do Produto Interno Bruto (PIB), o equivalente a um valor
superior a 30 bilhões de reais. No ano seguinte, um estudo da Federação
das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) apontou que o custo anual
da corrupção no país é de 1,38 por cento a 2,3 por cento do PIB. Em 2013,
um estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostrou que
cada um real desviado pela corrupção representa um dano para a
economia e para a sociedade de três reais.
A Polícia Federal considera a Operação Lava Jato a maior investigação de
corrupção da história do país, e o Departamento de Justiça dos Estados
Unidos considera o esquema de corrupção do Grupo Odebrecht,
investigado pela Lava Jato, como o maior pagamento de propina da
história mundial. A Lava Jato revelou um quadro de corrupção sistêmica
no Brasil, mostrando que a corrupção passou a fazer parte do próprio
sistema. Em 2015, uma pesquisa de opinião realizada pelo instituto
Datafolha, indicou que a corrupção é o maior problema no Brasil. Em
junho de 2017, a Diretoria de Combate ao Crime Organizado (DICOR/PF)
totalizou que, a partir de 2013, as perdas com diversos desvios atingiram
perto de 123 bilhões de reais.
Em março de 2018, a Netflix lançou a primeira temporada da série "O
Mecanismo", dirigida por José Padilha, que retrata o mecanismo da
corrupção sistêmica brasileira, retratando o escândalo do Banestado e o
escândalo da Petrobras, conhecido como Petrolão, investigado pela força-
tarefa da Operação Lava Jato, composta por procuradores da República
do Ministério Público Federal e agentes da Polícia Federal do Brasil.

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Causas
Excesso de burocracia
Segundo Abdenur, diretor do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial
(ETCO), o excesso de burocracia pode fazer parte do ciclo vicioso da
corrupção. "A ineficiência alimenta a corrupção e a corrupção alimenta a
ineficiência", afirmou Abdenur.
Em 2017, duas pesquisas divulgadas em outubro, mostram que para os
brasileiros, o excesso de burocracia facilita a corrupção. Além disso, a
papelada atrapalha tanto a rotina das empresas quanto a do cidadão
comum. As duas pesquisas foram feitas em fevereiro, a pedido da Fiesp e
Ciesp. O objetivo das pesquisas era saber como o brasileiro percebe a
burocracia no dia a dia. Para mais de 90 por cento, o excesso de
burocracia abre espaço para corrupção e dificulta o desenvolvimento
econômico e o ambiente de negócios do Brasil.

Instituições frágeis
Em um artigo na Gazeta do Povo, os jornalistas Antônio Geraldo da Silva
e Fernando Portela Câmara apontam que "se a corrupção é endêmica em
nosso país, a causa não está no caráter, mas no afrouxamento de todas as
instituições na observância da lei, moralidade e ética". Ainda de acordo
com o artigo, em uma cultura institucionalizada do "molhar a mão do
guarda" somos levados ao que denominamos de cegueira ética, uma
doença crônica social que altera a percepção e o julgamento da maioria
das pessoas.
O Transparência Internacional, que mede o Índice de Percepção de
Corrupção, concluiu que nas últimas colocações do índice são
caracterizados pela ampla impunidade da corrupção, governança fraca e
instituições frágeis.

Dirigismo estatal
O economista Paulo Guedes afirmou que a causa principal da corrupção é
a manutenção do dirigismo estatal. O jornalista Rodrigo Constantino
afirmou que a estrutura administrativa centralizada permanece, e que o
dirigismo econômico estatal seria a causa maior da corrupção, indo de
acordo com Paulo Guedes.
O jornal O Globo, em editorial, afirmou que "é necessário, porém, atacar
pilares estruturais do roubo do dinheiro do contribuinte e da sociedade
em geral, como a quantidade absurda de estatais. É a existência delas
que

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facilita a corrupção, pois fica mais fácil desviar dinheiro graúdo onde há
operações vultosas de compra e venda. Não é por coincidência que, nos
Estados Unidos, existe pouca ou nenhuma corrupção do tipo praticado no
Brasil."
Segundo Ari Cunha, do Correio Braziliense " é preciso destacar a forte
herança patrimonialista, herdada da colonização e que, ainda hoje,
permeia alguns setores do Estado. É justamente esse modelo que acabou
gerando ao longo do tempo uma centena e meia de estatais, onde estão
fincadas as origens da corrupção, sua retroalimentação e perpetuação."
De acordo com o colunista, "apenas os governos Lula e Dilma foram
responsáveis pela criação de mais de 40 estatais, fundadas sob o falso
verniz ideológico do Estado forte, mas cujo objetivo era angariar recursos
para o partido".

Morosidade das investigações


Segunda a Revista Veja, um outro problema é a morosidade para se
investigar. As investigações sobre corrupção concluídas pela Polícia
Federal no país duram, em média, um ano e dez dias. Segundo a PF a
falta de disponibilidade de recursos é apontada como causa da demora
das apurações.
Morosidade da Justiça
Para o historiador Marco Antônio Villa a "morosidade da Justiça fortalece
a impunidade e estimula a corrupção". Marco Antônio Villa lembrou ainda
a existência de acusações gravíssimas no caso do poder judiciário que
envolvem vendas de sentenças. "Quando não se pune ninguém, esses
fatos vão crescendo em progressão geométrica. E há uma absoluta
desvalorização da estrutura democrática brasileira e do Estado brasileiro.
A punição deve ser rápida e exemplar. A morosidade da Justiça fortalece a
impunidade e estimula a corrupção", afirmou Villa.

Foro privilegiado
Para o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, o foro
privilegiado é uma das causas da corrupção na política. Segundo o
ministro, o "foro privilegiado cria impunidade" e precisa ser extinto em
todas as instâncias públicas. "O foro privilegiado é uma jabuticaba que já
apodreceu no Brasil", afirmou Barroso.
Os juízes federais Marcelo Bretas e Sérgio Moro, considerados pilares no
combate à corrupção, também defendem a restrição ao foro privilegiado.
Em outubro de 2017, Bretas defendeu que o foro privilegiado é a principal

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barreira no combate à corrupção. Na visão do Sérgio Moro, o princípio do


foro "fere a ideia básica da democracia de que todos devem ser tratados
como iguais."
Em maio de 2017, o procurador da República e coordenador da força-
tarefa da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol em um evento do Brazil
Conference realizado pelas Universidades de Harvard e MIT criticou o foro
privilegiado, que segundo ele "quebra o direito de igualdade perante a
lei". Em abril de 2018, o procurador e membro da força-tarefa da
operação Lava Jato Carlos Fernando dos Santos, escreveu em suas redes
sociais que as pessoas deveriam lutar pelo fim do foro privilegiado. "Lute
pelo fim do foro privilegiado, de mudanças nas leis penais e no
fortalecimento da democracia", escreveu o procurador.
O fato de os políticos gozarem de direitos como o foro privilegiado e
serem julgados de maneira diferente da do cidadão comum também
contribui para a impunidade. Segundo o advogado e político brasileiro
Tarso Genro, "a demora no processo está vinculada à natureza
contenciosa, que assegura direitos para as partes de moverem até o
último recurso." Da mesma forma manifestou-se o então presidente do
STF Joaquim Barbosa, em discurso feito na Costa Rica em maio de 2013.
Segundo Barbosa, uma das causas da impunidade no Brasil seria o foro
privilegiado para autoridades.
Defensores do foro privilegiado, todavia, alegam que sua extinção
poderia tornar ainda mais morosa a tramitação de processos judiciais
contra autoridades, e influências políticas de todo tipo sobre juízes de
primeira instância. Segundo Cláudio Weber Abramo, da ONG
Transparência Brasil, que classifica o judiciário brasileiro como o "pior do
mundo", a Ação Penal 470 (mais conhecida como "Mensalão") poderia
levar até 60 anos para chegar à decisão final, se os réus interpusessem
todos os recursos possíveis previstos pela legislação. O raciocínio também
pode ser aplicado na análise da ação penal denominada "mensalão
tucano" (e que precedeu o "mensalão petista"), onde os implicados foram
beneficiados pelo desmembramento do processo e seu retorno para a
primeira instância. Segundo a subprocuradora Deborah Duprat, "nunca
sabemos se esse julgamento um dia chegará ao fim".
O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF)
defende que o foro há desvantagens, já que a pessoa julgada não pode
recorrer a instâncias superiores. No entanto, o apego de políticos
investigados à prerrogativa de foro mostra que, na prática, a situação é
vista como um privilégio. Há dados que explicam essa percepção. Um
levantamento do projeto Supremo em Números, da FGV Direito Rio,

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História | Rodrigo Donin

mostrou que, de janeiro de 2011 a março de 2016, apenas 5,8 por cento
das decisões em inquéritos no STF foram desfavoráveis aos investigados,
com a abertura da ação penal. Ainda segundo a pesquisa, o índice de
condenação de réus na Corte é inferior a um por cento.

Impunidade
Um dos principais problemas que dificultam o combate à corrupção é a
cultura de impunidade ainda vigente no país, apontada inclusive pelo
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU em maio de
2009. A justiça é morosa, e aqueles que podem pagar bons advogados
dificilmente passam muito tempo na cadeia ou mesmo são punidos.
Em estudo divulgado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB),
foi revelado que entre 1988 e 2007, isto é, um período de dezoito anos,
nenhum agente político foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal
(STF). Durante este tempo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou
apenas cinco autoridades. Esta situação começaria a mudar em 2013,
quando 12 condenados na Ação Penal 470 foram levados à prisão sob
variadas acusações de suborno, corrupção e lavagem de dinheiro. Na
opinião de analistas, decisões futuras do STF estabelecerão se este foi um
julgamento de exceção, ou se representou um avanço contra a
impunidade.
Segundo Abdenur, a impunidade seria uma causa da corrupção. O
principal problema do Brasil, na opinião do especialista, é a falta de
punição correta para esse tipo de crime. "No Brasil existe um problema
sério de impunidade. Nos Estados Unidos, a média para que uma
sentença em casos de corrupção saia é de um ano. Já no Brasil, esse
tempo é de dez". Ainda segundo Abdenur, a quantidade de recursos
permitidos pelo sistema judiciário brasileiro contribui para que casos
sejam arrastados até sua prescrição, fazendo com que culpados saiam
impunes de suas acusações. "Isso cria uma cultura de leniência com as
transgressões. O cidadão pode pensar: se o político rouba e não acontece
nada, então também vou deixar de pagar meus impostos", diz.

Combate
Por parte da sociedade civil, instituições como a Transparência Brasil e
movimentos como Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral fazem o
seu papel de denunciar e combater as manifestações de corrupção. Em

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2014, novos movimentos surgiram no embate à corrupção como


Movimento Brasil Livre e Movimento Vem pra Rua.
Um outro instrumento eficaz no combate à corrupção é a transparência
(prestação pública de contas dos atos administrativos). Conforme indica o
economista Marcos Fernandes da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo,
"para combater a corrupção, é preciso ter políticas de longo prazo,
preventivas, é preciso fazer uma reforma administrativa(...). Disseminar a
bolsa eletrônica de compras, informatizar os processos de gestão,
permitir que o cidadão fiscalize a execução orçamentária on-line".
Segundo o relatório anual Assuntos de Governança, publicado desde
1996 pelo Banco Mundial, há uma curva ascendente no índice que mede
a eficiência no combate à corrupção no Brasil. O índice, que avalia 212
países e territórios, registra subida descontínua da situação brasileira
desde 2003, tendo atingido seu pior nível em 2006, quando atingiu a
marca de 47,1 numa escala de 0 a 100 (sendo 100 a avaliação mais
positiva). Mesmo se comparado a outros países da América Latina, o
Brasil ficou numa posição desconfortável: Chile, Costa Rica e Uruguai
obtiveram nota 89,8. O índice do Banco Mundial mede a percepção
dominante entre ONGs e agências internacionais de análise de risco,
sobre a corrupção vigente num determinado país. Por isso alguns
questionam a influência no índice de uma maior atuação fiscalizadora da
imprensa e dos órgãos policiais, em especial a Polícia Federal, que desde
2003 realizou mais de 300 operações. De fato, conforme asseverou em
2014 o cientista político Antônio Lassance, apenas em 2003, a partir da
definição das competências da Controladoria Geral da União (criada em
2001), pode-se falar em efetivo combate à corrupção no Brasil. O número
de servidores públicos demitidos por corrupção entre 2003 e 2013 subiu
de 268 em 2003, para 528 em 2013, e somente em 2013 foram realizadas
296 operações pela Polícia Federal, contra 18 em 2003. Em 2014, de
acordo com a CGU 363 servidores públicos foram expulsos por corrupção.
Desde 2003, informou a Controladoria- Geral da União, já foram expulsos
do serviço público 5.390 funcionários da administração pública federal,
dos quais 3.599 por corrupção representando 66,7%.
A Operação Lava Jato, comandada pelo coordenador da força-tarefa
Deltan Dallagnol e julgada em primeira instância pelo juiz federal Sérgio
Moro ficou amplamente conhecida por combater a corrupção no Brasil
com mais de 150 prisões de empresários, políticos, lobistas e doleiros.
Além das prisões, houve mais de 100 condenações, com uma pena total
superior a
1.200 anos de prisão. A operação ganhou diversas premiações pelo
combate à corrupção. O juiz federal americano Peter Messitte, disse que o

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julgamento do mensalão e a Operação Lava Jato deixaram para trás os


tempos em que escândalos de corrupção política terminavam em pizza
no Brasil. A Lava Jato fez com que milhões de pessoas tomassem as ruas
em diversos protestos contra a presidente Dilma e pela defesa das
investigações.
Em agosto de 2016, o juiz federal Sérgio Moro, depois de defender a
proposta das "Dez medidas contra a corrupção" em audiência no
Congresso, afirmou que o quadro de corrupção no país é "desalentador".
Em palestra na Escola da Magistratura Federal do Paraná (Esmafe-PR), o
juiz defendeu mudanças na legislação. O juiz detalhou de forma técnica
alguns dos pontos das "Dez Medidas Contra a Corrupção", projeto de
autoria do Ministério Público Federal e que está em trâmite no Congresso
Nacional. Uma das medidas que ele considerou de maior relevância é a
criminalização do caixa dois das campanhas eleitorais. — "As eleições tem
que ser limpas. Dinheiro não contabilizado significa burlar as regras da
eleição" — afirmou Moro.
Segundo o Transparência Internacional, processos judiciais decorrentes
da operação Lava Jato, poderão ajudar o Brasil a frear a corrupção. A
organização afirma que apenas reformas institucionais "sérias" permitirão
acabar com a corrupção no Brasil.
Em 2018, a Transparência Internacional em parceria com a Fundação
Getúlio Vargas (FGV) publicou um pacote de combate à corrupção com
mais de 80 sugestões de proposições legislativas, como emendas
constitucionais e projetos de lei.

Pequenas corrupções
Também são atos de corrupção, as pequenas corrupções. Muitas delas
acabam sendo disfarçadas no famoso "jeitinho brasileiro", como por
exemplo, sonegar imposto, roubar TV a cabo, furar a fila, entre outros.
Em junho de 2013, a Controladoria-Geral da União (CGU), lançou a
Campanha “Pequenas Corrupções – Diga Não”. De acordo com a CGU, as
"peças buscam chamar a atenção e promover a reflexão sobre práticas
comuns no dia-a-dia dos brasileiros, como falsificar carteirinha de
estudante; roubar TV a cabo; comprar produtos piratas; furar fila; tentar
subornar o guarda de trânsito para evitar multas; entre outras". Outro
exemplo são as frequentes fraudes ao seguro-desemprego.

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Atuação Judicial
Atuação como fiscal da lei
Quando um processo em andamento na Justiça Federal envolve interesse
público relevante, como um direito coletivo ou individual indisponível, o
Ministério Público Federal deve ser ouvido, mesmo que não seja autor da
ação. Essa é a atuação como fiscal da correta aplicação da lei (custos
legis). Mesmo não sendo parte no processo, o MPF pode recorrer na
condição de custos legis.

Atuação na área cível


Na área cível, o MPF ingressa com ações em nome da sociedade para
defender:
 interesses difusos (interesses que não são específicos de uma
pessoa ou grupo de indivíduos, mas de toda a sociedade);
 interesses coletivos (interesses de um grupo, categoria ou classe
ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica) e
 interesses individuais homogêneos (que têm um fato gerador
comum, atingem as pessoas individualmente e da mesma forma,
mas não podem ser considerados individuais, como os direitos do
consumidor).
Nesses casos, o MPF age por meio da ação civil pública, da ação civil
coletiva ou da ação de improbidade administrativa.

Improbidade administrativa
As ações de improbidade administrativa são ajuizadas pelo MPF contra
agentes públicos que lesam a União, inclusive quando o fato ocorre em
âmbito estadual ou municipal, se há dinheiro da União envolvido. As
ações de improbidade também podem ser propostas contra todos os que
contratam com a Administração Pública (pessoas físicas ou jurídicas).
São exemplos de atos que podem gerar ação de improbidade:
enriquecimento ilícito, dispensa ilegal de licitação, operações financeiras
ilícitas, fraude em concurso público, superfaturamento e uso particular de
bens públicos. Todos os casos estão descritos nos artigos 8º, 9º e 10º da
Lei 8.429/1992.
Por meio da ação de improbidade, são aplicadas apenas sanções civis e
políticas, como, por exemplo, a perda dos bens, o ressarcimento ao erário,
a perda da função pública e a proibição de contratar com o Poder
Público. Por isso, cópias da ação são encaminhadas aos procuradores
da área

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História | Rodrigo Donin

criminal, para que eles avaliem se houve crime e os envolvidos serão ou


não denunciados.

Atuação na área criminal


Na área criminal, cabe ao Ministério Público Federal promover a ação
penal pública quando a competência para o julgamento é da Justiça
Federal. O MPF também propõe ações nos casos que envolvem
autoridades com foro por prerrogativa de função, que só podem ser
julgadas pelos tribunais federais ou pelos tribunais superiores, conforme
o caso.
Também cabe ao Ministério Público Federal o controle externo da
atividade policial. Por isso, a prisão de qualquer pessoa deve ser
comunicada ao MPF quando feita pela Polícia Federal ou quando se tratar
de autoridade com foro no Supremo Tribunal Federal (STF) ou no
Superior Tribunal de Justiça (STJ).
As atribuições e os instrumentos de atuação do Ministério Público estão
previstos no artigo 129 da Constituição Federal, dentro do capítulo "Das
funções essenciais à Justiça".

Corrupção policial e a teoria das "maçãs podres"


(NOTA PRÉVIA. O presente artigo é a tradução, resumida e adaptada, de
DA SILVA, Jorge. “Fighting police corruption in Brazil: The case of Rio de
Janeiro”. In: SARRE, Rick et al. (Orgs.). Policing corruption: International
perspectives. Lanham, Maryland: Lexington Books, 2005, v. 1, pp. 247-258)

O que fazer contra a corrupção policial? Em geral, as propostas de


solução para o problema vão mais ou menos na mesma direção: proceder
a uma depuração radical, com a punição rigorosa dos corruptos e a sua
pronta expulsão dos quadros da polícia para que não “contaminem” os
bons; selecionar candidatos a policiais honestos (“sem vícios”), e treiná-los
no marco da lei e dos direitos humanos. Para isso, deveriam ser criadas ou
reforçadas as corregedorias e ouvidorias, e reformulados os currículos das
academias. Por outro lado, os policiais deveriam ser remunerados
condignamente. Em suma, verdadeira receita de bolo, palatável a
eruditos, informados e leigos.
No início de 2001, fui convidado a participar, na Polônia, de um encontro
de acadêmicos e executivos públicos de vários países para discutir, em
reuniões fechadas, o tema da corrupção (“Corrupção: Uma Ameaça à
Ordem Mundial”). Os patrocinadores (o “International Police Executive

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Symposium” – IPES e o Ministério do Interior e da Administração polonês)


pediam aos participantes que as exposições fossem acompanhadas de
um texto para posterior publicação em livro coletivo. Como eu dispunha
de mais de dois meses para escrever o texto, despreocupei-me. Achava
que seria fácil; que, de uma só sentada, daria cabo da tarefa. A mais ou
menos uma semana da viagem, resolvi escrevê-lo. Entrei em pânico, pois
não consegui sair do primeiro parágrafo, preso à idéia de que a solução
era realmente punir com todo rigor os desviados, excluí-los, selecionar
novos policiais, e mudar os currículos. E eu, que tinha de escrever entre
dez e quinze páginas? Como? Só então, às pressas, fui dar uma estudada
no assunto de forma objetiva. Logo constatei que, em se tratando da
atividade policial, o que chamam de “teoria das maçãs podres” constitui-
se numa falácia, grosseira simplificação. Ainda que o caminho fosse esse,
ficaria faltando saber, antes: Quem são os corruptos da polícia? Quantos e
quais são? O que é um candidato a policial “sem vícios”? Um treinamento
adequado para fazer o quê?

Corrupção Individual x Corrupção Sistêmica


É fato conhecido que um dos principais problemas de gerência com o
qual se defronta qualquer autoridade governamental ou executivo da
polícia é a luta contra a corrupção policial. Essa tarefa parece mais fácil
em sociedades democráticas estabelecidas do que nas emergentes ou em
transição, devido à relativa transparência inerente às primeiras e à
opacidade das segundas.
Lutar contra a corrupção policial de forma objetiva é empreendimento a
ser necessariamente precedido de pelo menos três indagações: (a) qual é
o nível de corrupção existente na polícia em relação ao que se poderia
considerar nível “zero”?; (b) qual o nível de corrupção geral existente na
sociedade em que se cogita combater a corrupção policial?; e (c) num
ambiente determinado, o que estaria pesando mais: os desvios isolados
de policiais com fraqueza de caráter ou a estrutura social e/ou os
modelos gerenciais que favorecem a corrupção sistêmica?
Estas não são questões fáceis de responder; porém, por alguma razão,
sequer costumam ser formuladas. As ações contra a corrupção policial
são adotadas quase sempre de forma reativa, sobretudo em função da
divulgação pela mídia de casos pontuais. Nessas ocasiões, o contexto
social e/ou organizacional parece não ter maior importância, sendo a
polícia tratada como se tivesse existência no vácuo ou como um
apêndice da

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História | Rodrigo Donin

sociedade, e os policiais envolvidos tratados pelos dirigentes como


“maçãs podres”, exceções à regra da integridade institucional.
O cerne do meu argumento diz respeito ao escapismo contido nessa
forma moralista, no mau sentido, de enfrentar a corrupção policial. Na
verdade, colocando-se a “culpa” pela corrupção organizacional nos que
são eventualmente apanhados com a mão na massa, parece que todos,
nas organizações, no governo e na sociedade em geral, estariam isentos
de qualquer responsabilidade. Este quadro torna possível, por exemplo,
que pessoas participantes de esquemas de corrupção se apresentem
publicamente dando apoio a campanhas moralistas anticorrupção na
polícia como se fossem arautos da moralidade. Daí por que, sempre que
explodem os escândalos, lá estão cidadãos até então “acima de qualquer
suspeita”, partícipes da corrupção sistêmica, estrutural.
O texto divide-se em três partes. Inicialmente, faz-se uma breve
aproximação teórica sobre a corrupção, mostrando-se como a mesma
tem sido analisada ultimamente em diferentes sociedades. Depois, tendo
em mente a sociedade brasileira, analisa-se a corrupção em seu aspecto
societário, indagando da relação que possa existir entre a corrupção
como um mal que afeta a sociedade como um todo e a corrupção
exclusivamente policial. Em terceiro lugar, levantam-se as dificuldades
enfrentadas para lutar contra a corrupção policial, com ênfase em
algumas características sociais que contribuem para essa dificuldade,
como, no caso do Rio de Janeiro, a incoerência de se incitar a polícia à
truculência (há mesmo quem, explícita ou veladamente, prefira que os
policiais executem os criminosos em vez de prendê-los) e de querer que
essa mesma polícia seja íntegra. E finalmente apresentam-se algumas
sugestões.

Corrupção como Tema de Estudo


A luta contra a corrupção é complicada por inúmeros fatores; porém a
dificuldade básica é definir o que seja a corrupção, independentemente
de sua definição legal, que varia enormemente de uma sociedade para
outra. O termo tem sido empregado para se referir a um amplo espectro de
ações. Pode ser usado para designar ações ilegais ou antiéticas
perpetradas por pessoas em posição de autoridade ou de confiança no
serviço público, ou por cidadãos e empresas em sua relação com os
agentes públicos. Consequentemente, parece claro que a luta contra esse
mal não pode ser confinada ao setor público e restringir-se a medidas
punitivas, penais e administrativas, dirigidas a agentes individuais, pois
não há dúvida de que

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a corrupção interna quase sempre depende da relação entre as


autoridades e os cidadãos.
Antes de partir para o enfrentamento da corrupção, é mister que se esteja
cônscio de sua complexidade e das diferentes perspectivas a partir das
quais se pode abordá-la. É possível que estejamos falando de corrupção
como uma questão filosófica, especulando sobre valores morais e éticos.
Ou vendo-a de uma perspectiva econômica, como um subproduto do
capitalismo. Ou como questão político-cultural, indagando, por exemplo,
por que em determinados países a “grande corrupção” é punida com
penas duras, incluindo a pena de morte, e em outros com penas brandas,
quando chega a ser punida. Ou como tema criminal, quando a corrupção
é vista simplesmente como uma infração da norma penal, descartadas as
considerações filosóficas, econômicas e político-culturais, como é comum
acontecer no Brasil.
Assim, pensar em enfrentar a corrupção de forma reativa, tendo em
mente apenas a racionalização do direito penal, é definitivamente uma
atitude reducionista. O código penal é um instrumento formal, tipificando
condutas individuais em abstrato. Acontece que estamos falando de
relações concretas, que explicam a corrupção muito mais como um
sistema de vasos comunicantes. Na sociedade brasileira, por exemplo,
além do peculato, que consiste na apropriação, pelo funcionário, de
dinheiro ou outros bens públicos (Conferir Art. 312 do Código Penal); da
extorsão, que consiste na obtenção de vantagem com o uso da violência
ou grave ameaça (modalidade muito praticada por maus policiais
(Conferir Arts. 158- 160)), a legislação penal distingue formalmente entre
“corrupção passiva”, crime cometido por servidor público, que consiste
em “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela,
vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem” (Art. 317) e
“corrupção ativa”, crime cometido pelo cidadão comum, consistente em
“Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para
determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício” (Art. 333). A
legislação ainda distingue a concussão, cuja diferença da corrupção
passiva reside no fato de o funcionário “exigir” a vantagem.
Oliveira (1994:66) discorre sobre algumas peculiaridades do direito
brasileiro em relação ao de outros países na caracterização do crime de
corrupção e similares. Mostra, por exemplo, que em determinados países,
como a Itália, o crime é dito bilateral, a partir do entendimento de que
corrupto e corruptor praticaram o mesmo crime, diferentemente do Brasil,
em que é considerado crime autônomo. Um ponto que merece um

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comentário especial refere-se à natureza da autoridade do policial. Esse


autor, esclarecendo a diferença entre os três tipos de ato do funcionário
público (vinculado, discricionário e arbitrário), mostra que, em se tratando
de corrupção, a discricionariedade pode ser usada, ou não, para favorecer
comportamentos corruptos, pois o ato discricionário:
"é daqueles atos em que a lei regula a competência, a forma e a
finalidade e deixa o mais à prudência da autoridade. Cabe a essa avaliar a
oportunidade, a conveniência e o modo de realização do ato. A rigor,
discricionário é o poder da autoridade, não propriamente o ato por ela
praticado no exercício desse poder.”
Assim, diante de uma situação concreta, essa avaliação pode ser
comprometida pelo interesse escuso da autoridade. Em se tratando do
policial, não é difícil imaginar o grande número de situações em que o
seu poder discricionário (poder de que, em determinadas situações, é
investido até mesmo o policial menos graduado), pode ser usado por ele
próprio, “solicitando” ou “exigindo” vantagem para praticar ou deixar de
praticar ato de ofício; ou usado pelo particular para “oferecer” ou
“prometer” vantagem indevida, ou seja, para praticar o suborno. Tais
sutilezas da legislação brasileira, principalmente o fato de a corrupção
passiva e a ativa serem crimes autônomos, talvez sejam parte da
explicação do porquê de ser comum que funcionários que tenham
recebido dinheiro em tais circunstâncias acabem enfrentando acusações
criminais sozinhos, sem que os corruptores o sejam[1].
Pode parecer que esses comentários sobre a legislação sejam
exabundantes; porém eles são apresentados por dois motivos: primeiro,
para que fique claro que a legislação não dá conta da corrupção policial
sistêmica, organizacional; e segundo, para jogar luz no outro lado da
moeda. Exceto nos casos de extorsão e de concussão principalmente, boa
parte da corrupção policial é induzida pelo comportamento corrupto de
maus cidadãos.
Este fato não pode ser usado para justificar a corrupção policial, porém a
luta contra ela implica a conscientização ético-moral da população em
geral, e, mais que tudo, dos jovens. Se, de um lado, há funcionários
prontos a participar de esquemas corruptos, é preciso reconhecer que,
de outro lado, há cidadãos supostamente honestos, viciados em
oferecer-lhes propinas e em tentar suborná-los. Questão político-cultural,
como vimos. Não é só no Brasil que a corrupção tem sido abordada de
maneira moralista, como desvio individual de caráter, ou seja, de uma
forma que poderíamos chamar de moralista-individualista. Algumas
análises sobre o assunto, contudo, têm ido além dessa perspectiva,
como é o caso do

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História | Rodrigo Donin

estudo de Carvalho (1987: 61-82), o qual afirma que a corrupção não deve
ser encarada como um fenômeno isolado ou como um mal que se possa
curar simplesmente demitindo os agentes “contaminados”. Para esse
autor, o principal problema é a corrupção sistêmica, quando se inverte a
ética da organização e a violação das normas se torna o padrão de
conduta. Em tal contexto, os que se dispõem a seguir as normas podem
ver-se em apuros. O que dizer dos policiais que querem agir
corretamente, mas que percebem que fogem ao padrão do que é aceito
como “normal” por muitos?
“Nos atos ilícitos isolados, providências internas (originadas na própria
organização) são suficientes para corrigir desvios e restabelecer o respeito
à norma. O mesmo não se dá com a corrupção sistêmica, quando a
organização assume um caráter ‘cleptocrático’, contrariando por seus atos
e omissões o prescrito nas leis [...]. Não se corrigem os desvios sistêmicos
com o afastamento de seus beneficiários. Mudam-se os atores, mantêm-
se os papéis. Trocam-se os artistas, mas se preserva o enredo da peça”. (p.
73) Em certo sentido essa visão corresponde à de Harberfeld et al (2000:
41- 72), que distinguem a “abordagem individualista” da corrupção
(moralista) da “abordagem organizacional” (sistêmica). De fato, a
corrupção é muito mais do que um mero defeito moral atribuído a
indivíduos isolados. Ela também é isto, mas se torna realmente uma
grande questão quando assume forma sistêmica e se espraia por toda
uma sociedade ou determinada organização. A ideia de combater a
corrupção policial com a “teoria das maçãs podres” desconsidera o dado
de que os casos sempre tidos por governantes e dirigentes da polícia
como isolados, podem refletir muito mais um problema organizacional,
do sistema em que a polícia está inserida, do que corresponder a um
defeito moral deste ou daquele policial. Daí concluir-se que o combate
aos casos individuais deve ser parte de uma estratégia mais abrangente,
em que a responsabilidade dos governantes e autoridades pelo
desmando da polícia e pela corrupção policial sistêmica seja avaliada.

Corrupção como Problema Societário. Abordagens


Nas últimas duas décadas, a comunidade internacional tem mostrado
grande preocupação com a corrupção. Os países em desenvolvimento
têm sido retratados como sendo mais vulneráveis a ela do que os países
avançados, e esta avaliação, embora até certo ponto seja procedente, não
leva em conta que grande parte da corrupção nos países em
desenvolvimento tem muito a ver com as relações comerciais destes com

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aqueles. Portanto, um aspecto relevante da questão que não se deve


deixar de lado é a necessidade de compreensão clara dos valores culturais
da sociedade em análise. Se considerarmos o contexto brasileiro, por
exemplo, veremos que, além de ser um país em desenvolvimento, o Brasil
continua a exibir em sua estrutura social fortes marcas do
patrimonialismo, em que público e privado às vezes se misturam como
numa oligarquia.
Uma importante contribuição para o entendimento da corrupção como
um problema societário é o estudo de Carvalho, citado acima, que
identificou, além da concepção tradicional (ista) das “maçãs podres”,
outras três formas de abordar a corrupção. As quatro abordagens
identificadas por ele são as seguintes:

(1) Abordagem Tradicionalista


Também chamada de moralista-individualista, trata-se de uma
abordagem em que a corrupção é vista como um desvio das normas por
estes ou aqueles indivíduos que, descobertos, passam a ser tidos como
possuidores de falhas de caráter. Baseia-se na crença de que, retirando-se
os indivíduos desviados do convívio dos bons, as coisas voltariam à
ordem desejável.

(2) Abordagem Funcionalista


Os funcionalistas preocupam-se com o contexto em que as práticas
corruptas ocorrem. Segundo essa visão, o nepotismo, o suborno e outras
práticas corruptas podem desempenhar funções sociais positivas, e
mesmo integradoras, dependendo do contexto sociocultural. É uma visão
não moralista, que favorece a manutenção do status quo.

(3) Abordagem Evolucionista


Segundo essa visão, a corrupção será banida na medida em que a
sociedade evolua. Mudanças para melhor serão o resultado inevitável da
modernização. Valores e métodos externos provenientes das sociedades
desenvolvidas exerceriam forte influência sobre as subdesenvolvidas,
forçando as mudanças.

(4) Abordagem Ético-Reformista


Os ético-reformistas não descartam o aspecto ético-moral da corrupção,
porém concentram-se na sua forma sistêmico-organizacional. Pensam
que as mudanças podem ocorrer independentemente da modernização
se forem envidados esforços no sentido de destruir os sistemas que
favorecem a corrupção.

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História | Rodrigo Donin

Se pensarmos nos frequentes escândalos acontecidos em muitos países, e


também no Brasil, fica claro que a abordagem tradicional tem tido o
efeito de fortalecer a corrupção sistêmica, num interminável círculo
vicioso, do qual se pensa sair com a produção de normas e mais normas
voltadas para desvios supostamente individuais. Tal fórmula se presta a
que pessoas participantes da corrupção sistêmica, como já mencionado,
articulem uma retórica moralista, desviando a atenção de todos para
casos pontuais.
Em nenhuma hipótese se pode justificar a corrupção policial, pois os
policiais são os primeiros guardiões da lei e da ordem. Porém, isto não
significa que se possa lutar contra a corrupção policial sem fazer conta do
contexto em que a polícia atua. Sem que se avalie se as “expectativas da
população” em relação ao comportamento dos policiais guarda coerência
com a forma de a população relacionar-se com eles. A propósito das
“expectativas da população” deve-se estar sempre atento para o fato de
que a indignação contra a corrupção policial pode não corresponder à
indignação contra a corrupção em geral, pois a população sempre espera
um comportamento íntegro da polícia, validando um princípio que deve
nortear as políticas anticorrupção na esfera policial: em toda sociedade, a
população espera ter uma polícia íntegra, a despeito dos níveis de
corrupção vivenciados por esta mesma sociedade. É óbvio que isto é uma
complicação, mas não deve servir de desculpa para justificar a corrupção
no seio da polícia.
O Rio de Janeiro ofereceu, em 1994, um exemplo perfeito desse princípio.
Refiro-me ao escândalo do “jogo do bicho”. Quando membros do
Ministério Público e da polícia estadual apreenderam os arquivos do
“chefão” do jogo, descobriram que os policiais envolvidos não estavam
sozinhos na lista das propinas. Lá estavam também, em número
expressivo, cidadãos supostamente honestos de diferentes setores da
sociedade, das áreas pública e privada, inclusive políticos. Este exemplo
mostra que a corrupção há que ser enfrentada em todas as suas
dimensões. Mostra também que o Rio de Janeiro, pelo menos em 1994,
era um caso acabado de uma sociedade em que a tolerância à ilegalidade
e à corrupção atingira provavelmente o seu ponto mais alto.
Ao discorrer sobre a corrupção policial especificamente, Haberfeld et al
(Op. cit: 42) também criticam a abordagem tradicionalista, a qual,
segundo eles, é “por vezes chamada de teoria da ‘maçã podre’”. Para
esses autores, medidas burocráticas limitadas aos cuidados com a seleção
do pessoal e ao rigor com os agentes corruptos são insuficientes, pois a
corrupção policial apresenta características que a tornam particularmente
difícil de controlar e medir, tais como: a relutância dos policiais em relatar

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História | Rodrigo Donin

atividades

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História | Rodrigo Donin

corruptas de seus colegas (o código do silêncio); a relutância dos


administradores policiais em admitir a existência da corrupção sistêmica;
e o fato de a típica transação corrupta beneficiar ambas as partes
envolvidas. Interessados na mensuração objetiva da corrupção, esses
autores entendem ser mais fácil medir os meios usados para resistir à
corrupção como um problema organizacional, do que tentar medi-la
como um problema de fraqueza de caráter destes e daqueles policiais.
Esses autores apresentam então uma lista das “dimensões mensuráveis”
da corrupção:

(1) Regras organizacionais


Refere-se à maneira como as normas são elaboradas, comunicadas e
compreendidas. O problema aqui é a diferença entre o que é
formalmente considerado proibido (por exemplo, trabalhar nas horas de
folga, receber favores, gorjetas, pequenos presentes, refeições grátis) e a
política não- oficial da corporação de ignorar informalmente tais
comportamentos. Exemplo típico desse “arranjo” é o “bico” dos policiais
no Rio de Janeiro, proibido por lei, mas tolerado pelas cúpulas das forças
de segurança e pelo Governo.

(2) Técnicas de controle da corrupção


Refere-se ao espectro de providências e atividades empregadas para
prevenir e controlar a corrupção policial (educação ética, investigação
proativa e reativa, testes de integridade, disciplina e punição etc.).

(3) “O Código”
Refere-se ao código do silêncio, isto é, ao nível de consenso informal
sobre o que não deve sair do círculo restrito dos policiais, impedindo-os
de relatar o mau comportamento dos colegas envolvidos em práticas
corruptas.

(4) Influência das expectativas da população


Tem a ver com o nível de influência sobre as instituições e agências,
exercido pelo ambiente social e político em que as mesmas operam,
influência esta que pode variar até em áreas da mesma cidade ou bairro.
No Rio de Janeiro, a influência de moradores das camadas altas da Zona
Sul em relação à dos moradores de favelas e periferia, por exemplo.
Com efeito, essas “dimensões mensuráveis” são mais fáceis de medir. É
possível mensurar o aparato normativo de uma organização para lidar
com a corrupção e como, na prática, ele funciona; igualmente, não é tão

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História | Rodrigo Donin

complicado listar as técnicas preventivas utilizadas na seleção, na


formação e na disciplina interna; idem no que tange ao nível de
acobertamento mútuo entre os policiais; e bem assim mensurar o grau de
expectativa, positiva ou negativa, em relação ao seu comportamento. Os
autores demonstraram a possibilidade de se proceder a essa mensuração
em pesquisa por eles realizada com a aplicação de questionários em que
utilizaram a técnica de “survey”. Pediram a integrantes de polícias de
alguns países que avaliassem a corrupção na sua corporação. Foram
apresentados onze cenários hipotéticos de situações que poderiam ou
não ser consideradas corruptas, a fim de que eles opinassem, variando as
situações entre aceitar uma refeição de graça a casos mais graves, como
um de truculência policial. Daí, atos considerados lícitos num lugar
podem ser tidos por corrupção em outro.
Em suma, estou tentando chamar a atenção para aquilo a que Klitgaard
(1994: 78) se refere como “culturas que favorecem a corrupção”. Como
exemplo, ele menciona a sociedade mexicana, onde as relações pessoais
desempenhariam um papel importante nesse sentido. Não é diferente no
Brasil. O chamado “jeitinho brasileiro”, que muitos brasileiros ainda
consideram uma característica cultural positiva, é na verdade, em na
maioria dos casos, uma forma de fazer aquilo que é ilegal ou errado.
Quando alguém pede a um funcionário público, em especial a um policial,
para “dar um jeito”, está na verdade dando a senha para a barganha.
Num país em que praticamente toda semana a mídia relata casos de
corrupção envolvendo pessoas de elevada posição na sociedade; em que
se divulga que milhões e milhões de dólares têm sido enviados para
contas pessoais em paraísos fiscais; em que os altos níveis de corrupção,
como percebida pela população, colocaram o País em 49o lugar no
ranking da Transparência Internacional[2] relativo ao ano 2000; em que o
establishment político no poder tem resistido com todo o vigor à criação
de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar a
“grande corrupção”; em que a impunidade é percebida pela população
como sendo a norma, não se pode esperar ter muito sucesso na luta
contra a corrupção policial.
Estas ponderações não devem ser tomadas, repito, como justificativa para
a corrupção policial ou como pretexto para não se empreender uma ação
vigorosa contra ela, independentemente de qualquer esforço que se faça
contra a corrupção em geral. Elas são apresentadas aqui como uma
advertência aos que realmente desejam combater a corrupção policial,
mas combatê-la como um problema organizacional, sistêmico, e que não
queiram ser confundidos com aqueles outros que, no seio da sociedade,

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História | Rodrigo Donin

articulam o discurso moralista como mero disfarce, procurando realçar as


mazelas da polícia com o propósito de sair do foco. Em se tratando de
mensuração, uma boa providência seria desenvolver uma pesquisa para
saber em que nível se situa a prática do suborno (e de sua tentativa) na
sociedade brasileira. Como se sabe, não são só bandidos que tentam
subornar policiais e outros operadores do sistema de justiça e segurança,
oferecendo dinheiro e outras vantagens para corrompê-los. Muitos
cidadãos “idôneos” são dados a essa prática.

Corrupção e Truculência Policiais, Irmãs Siamesas


Na atividade policial, corrupção e truculência costumam ser irmãs
siamesas, pois ambas as práticas têm a ver com o descumprimento das
leis e das normas formais das corporações. Tal equivale a dizer que
condescender com a segunda é estimular a primeira, sendo redondo
contrassenso estimular uma e abominar a outra. É o que se observa no
Rio de Janeiro. Ora, não se pode pensar em combater a corrupção policial
na cidade sem levar em conta o seu sistema social; sem levar em conta o
fato aparentemente óbvio de que se trata de uma cidade brasileira, e de
que estamos falando de um país latino-americano. O Brasil foi um imenso
palco onde a escravidão e o colonialismo europeu foram praticados
durante séculos, com a opressão de milhões e milhões de negros e
indígenas. Em 1872, a população era constituída de quase dois terços de
não-brancos de ascendência africana. E não se deve esquecer de que o
País esperou até as vésperas do século XX (1888) para abolir a escravatura.
Ora, é desnecessário explicar como os escravos e libertos eram
controlados. A polícia, que sucedeu formalmente às milícias privadas dos
proprietários de terras, continuou com a tarefa de “controlar” os ex-
escravos e seus descendentes. Dados relativos ao censo de 2000 dão
conta de que 45,3% de seus 169 milhões de habitantes (mais ou menos a
mesma proporção do Rio) mostram na cor da pele a ascendência
predominantemente africana. Hoje, como sustenta Peralva (2000), a
“continuidade autoritária”, acentuada durante o regime militar, representa
um obstáculo a qualquer tentativa de reforma das instituições
encarregadas da ordem pública no sentido de sua democratização.
Para complicar, sendo um país latino-americano, o Brasil foi afetado de
forma muito peculiar por duas “guerras”: a “guerra ao comunismo” e a
“guerra às drogas”, ambas tendo o efeito de produzir mais violência entre
os brasileiros e, no caso desta última, de aumentar a criminalidade
organizada e seu subproduto vital: a corrupção. Em suma, sem falar das
elevadas taxas de desemprego e do enorme fosso social entre pobres e

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ricos, estamos falando de uma cidade cujas características sociais


favorecem a criminalidade e a corrupção.
Há consenso em que o Rio de Janeiro é uma “cidade partida”, como a
descreveu Ventura (1994) e como Da Silva (2000:121-30) reforçou. De um
lado, a cidade dos “cidadãos”; de outro, a cidade dos “suspeitos”. No
meio, as forças da ordem, hesitando entre operar segundo os cânones de
uma sociedade democrática ou fazê-lo de acordo com a tradição
autoritária, demandada por setores com mais poder e voz na sociedade.
Ora, num país fortemente marcado pela assimetria social, não é difícil
imaginar o que acontece com as forças de segurança. Dependendo do
contexto, o “comportamento policial”, para usar a expressão de Wilson
(1978) varia em função de as comunidades serem consideradas
“perigosas” ou “inofensivas”, e os indivíduos serem rotulados a priori
como “cidadãos” ou “marginais”, tudo em conformidade com as
idiossincrasias tanto das corporações policiais, as quais se alinham às
idiossincrasias de setores com mais poder e voz na sociedade.
Dependendo do contexto, portanto, os detentores do poder podem ser
levados a imaginar que a função da polícia é somente manter a ordem, o
que pode ser confundido com manter a ordem tradicional, informal, e não
a ordem democrática, constitucional. Nesse quadro, os frequentes atos de
truculência são descritos como exceções à regra, com a mesma lógica das
“maçãs podres” no que se refere à corrupção. Assim, tomados os erros
como exceções, a sociedade fica à mercê de outros problemas: (a) os
executivos da polícia e os policiais mais graduados não são questionados
quanto a decisões equivocadas e às suas habilidades gerenciais; (b) os
atos não revelados abertamente continuam a ser cometidos de forma
sistêmica; (c) os policiais de baixo escalão são usados como bodes
expiatórios por seus superiores e governantes sempre que desvios
específicos vêm à tona.

Problemas Gerenciais
Se se pretende empreender uma ação decidida contra a corrupção
policial sistêmica, entendo que pelo menos três principais problemas
gerenciais devem ser resolvidos de antemão, conforme já mencionei
alhures[3]: primeiro, o da falta (ou debilidade) de um sistema de
responsabilidade objetiva (accountability); segundo, o que poderíamos
chamar de “motivação negativa”; e terceiro, a conexão brutalidade-
corrupção.
Por “falta (ou debilidade) de um sistema de responsabilidade objetiva
(accountability) ”, refiro-me à ausência de um sistema que estabeleça

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claramente a relação entre autoridade e responsabilidade, nos diferentes

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níveis hierárquicos, em função das responsabilidades organizacionais


atribuídas a priori aos chefes e policiais em caso de má conduta dos
integrantes da instituição. Deve-se notar que o discurso das “maçãs
podres” é frequentemente usado por executivos da polícia e pessoal de
alto escalão como forma de escapar à responsabilidade, numa estratégia
que se poderia chamar de “culpismo escapista”, sempre dirigida aos que
estão em baixo.
Por “motivação negativa”, refiro-me ao antagonismo sistemático contra as
entidades de direitos humanos que autoridades, políticos e até
comentaristas da mídia costumam colocar em seu discurso, afirmando
abertamente que a ação dessas entidades objetiva a proteção de
criminosos. A prevalência desse discurso tem tido um duplo efeito entre
os policiais: ele realmente os motiva a agir, mas levando-os a se
imaginarem com autoridade e poder são ilimitados, o que leva
necessariamente à brutalidade.
Por “conexão brutalidade-corrupção”, quero reafirmar a corrupção e a
truculência são irmãs siamesas. Isto não significa que todo policial
corrupto seja truculento, mas que, em ambiente formalmente
democrático, nas ruas, o policial truculento (que usa o poder e a arma de
fogo com desrespeito às leis) tende a ser também corrupto. Na verdade,
apenas aqueles policiais violentos conseguem acumular cacife para, por
exemplo, barganhar com traficantes igualmente violentos.
Na luta contra a corrupção policial, pode ser considerado um guia de
grande utilidade o contido no relatório do “Fórum Global do Vice-
Presidente sobre a Luta contra a Corrupção: Salvaguardando a
Integridade entre Autoridades da Justiça e da Segurança”, realizado em
Washington,
D.C. (1999). Em tal relatório são relacionados doze princípios orientadores,
dos quais podem ser destacados três como os mais importantes:

(a) Estabelecer códigos de conduta éticos e administrativos que


proscrevam conflitos de interesses, assegurem o uso adequado dos
recursos públicos e promovam os mais elevados níveis de
profissionalismo e integridade.
(b) Assegurar que a mídia e o público em geral tenham liberdade para
receber e partilhar informações sobre assuntos relacionados à corrupção,
sujeitando-os apenas às limitações ou restrições que são necessárias
numa sociedade democrática.
(c) Promover, encorajar e apoiar, em bases contínuas, a pesquisa e a
discussão pública de todos os aspectos que se refiram a assegurar a
integridade e prevenir a corrupção entre funcionários da justiça e da

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segurança, assim como outros servidores públicos cujas


responsabilidades se relacionem com a manutenção das regras da lei.

Esses princípios foram elaborados especificamente para enfrentar a


corrupção. Uma estratégia mais ampla deveria incluir, e combinar-se com,
os três problemas “gerenciais” listados acima.

Conclusão e Sugestões
É possível afirmar que o ponto de partida na formulação de qualquer
programa para o enfrentamento da corrupção policial sistêmica deveria
ser a consciência das limitações práticas inerentes à abordagem
moralista- individualista. Não que se deva negligenciar, na formação dos
policiais, a importância dos valores morais. Nada obstante, é preciso
reconhecer que terá muito mais efeito dissuasório nessa luta concentrar o
foco nas estruturas que favorecem a corrupção, e bem assim elevar os
custos da prática corrupta (em relação aos ganhos), com a criação de
mecanismos que aumentem de forma substancial as possibilidades de os
agentes da corrupção serem descobertos e punidos. Para cumprir tal
desiderato, e tendo em mente a sociedade e a polícia brasileiras, seria
necessário:

(a) investir em padrões de gestão da segurança pública baseados no


princípio da responsabilidade objetiva e solidária dos dirigentes
(accountability), principalmente quando a corrupção policial e a
truculência tiverem assumido dimensão sistêmica, organizacional. Com
isso se evita o círculo vicioso garantido pela “teoria das maçãs podres”,
que opera com a lógica da busca culpados na ponta da linha, feitos bodes
expiatórios, para eximir da responsabilidade os de cima.

(b) mensurar a corrupção sistêmica, ou melhor, os meios usados para


resistir a ela, usando as “dimensões mensuráveis da corrupção” sugeridas
por Haberfeld et al: “regras organizacionais”, “técnicas de controle da
corrupção”, “o Código” e “a influência das expectativas da população”,
como vimos acima;

(c) criar mecanismos destinados a dificultar a prática da corrupção (e não,


deixar que aconteça para punir depois), com isso aumentando as
probabilidades de os agentes da corrupção serem descobertos e punidos
antes que ela se espraie.

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(d) estabelecer uma espécie de “código de integridade”, tendo como


objetivo principal substituir o código do silêncio (o “Código”) ou
minimizar os seus efeitos;

(e) identificar os tipos de corrupção policial que têm conexão íntima com
a brutalidade policial e com o crime organizado. Talvez se chegue à
conclusão de que, dependendo da forma que a corrupção assume, seja
necessário desenvolver um programa paralelo de combate à brutalidade
policial, especialmente quando exercida em comunidades pobres,
dominadas por traficantes locais;

(f) adotar os “princípios orientadores” do Relatório do Fórum Global do


Vice-Presidente, especialmente os três princípios destacados acima.

(g) criar um sistema de supervisão civil, oferecendo aos cidadãos em


geral, e à sociedade organizada em particular (nos diferentes níveis...),
mecanismos institucionalizados de acesso para que possam interagir com
a polícia e controlá-la, como corregedorias e ouvidorias externas à polícia
etc.

(h) direcionar os currículos (e especialmente a metodologia) das


academias e escolas da polícia, para disciplinas que respondam às
necessidades de uma sociedade livre, tais como: o papel da polícia numa
democracia, direitos humanos e cidadania, relações polícia-comunidade,
prevenção policial, investigação policial, criminologia, criminalística,
informática, patrulhamento preventivo;

(i) modernizar a estrutura da polícia, de modo a ajustá-la aos modelos


organizacionais do mundo competitivo de hoje, reduzindo os níveis
decisórios e tornando todos os policiais individualmente responsáveis
(accountable) perante a organização e o público;

(j) motivar os policiais de forma “positiva”, com ênfase na importância do


seu papel social, a fim de que tenham orgulho dele, além de oferecer-lhes
salários decentes e condições de trabalho adequadas; e não motivá-los
negativamente, como se devessem ser honestos para não serem pegos,
na base de recompensas passageiras e ameaças de punição. Como a
motivação daquele aluno que só estuda se for para ganhar a bicicleta.

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História | Rodrigo Donin

Há quem acredite sinceramente que a corrupção policial é um problema


em si mesmo, resultado de desvios individuais de caráter, como se cada
policial fosse uma ilha, e o seu comportamento não pudesse ser
condicionado, para o bem ou para o mal, pelo contexto e pelos interesses
internos e externos, de dirigentes, superiores, colegas e setores da própria
sociedade. Esperamos – e seria bom que isso não fosse utopia – que uma
couraça moral que revestisse os policiais os tornasse infensos a
configurações sociais em que os valores morais não tivessem prevalência.
Há policiais assim, como há pessoas assim em qualquer setor de
atividade. Que bom se fossem todos!... Portanto, enfrentar a corrupção
policial sem fazer caso de suas raízes e dos múltiplos fatores que a
condicionam em determinado contexto, é atitude que, antes de ser
equivocada, é incompreensível. Ou compreensível, se o objetivo
inconfessável dos administradores da segurança publica e da polícia é
fugir à própria responsabilidade pelos desacertos resultantes muito mais
da má gestão do que de outra coisa. Mais fácil pinçar, aqui e ali,
indivíduos supostamente desprovidos de moral e jogar neles todas as
culpas do sistema. Como se, dentro das instituições (e isto é válido para o
setor público em geral) só permanecessem os honestos. Boa receita para
não resolver o problema.

Fonte:

Atuação Judicial. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/conheca-o-


mpf/atuacao/atuacao-judicial. Acesso em: junho de 2018.
Conteúdos retirados do portal Politize!. Disponível em:
http://www.politize.com.br/corrupcao-ativa-e-corrupcao-passiva/. Acesso
em: junho de 2018.
Corrupção no Brasil. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Corrup%C3%A7%C3%A3o_no_Brasil. Acesso
em junho de 2018.
Corrupção policial e a teoria das "maçãs podres". Disponível em:
http://www.jorgedasilva.com.br/artigo/30/corrupcao-policial-e-a-teoria-
das-. Acesso em junho de 2018.

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Material complementar

Violência contemporânea nacional e internacional (prováveis causas,


soluções e desafios)

A origem da criminalidade
Sem contar as vidas perdidas, o crime custa ao Brasil mais de 100 bilhões
de reais. Para curar essa chega, é preciso primeiro entender como ela é
fabricada.
A sensação de insegurança no Brasil não é sem fundamento. Somos, de
fato, um dos países mais violentos da América Latina, que por sua vez é a
região mais violenta do globo. Em uma pesquisa da Organização das
Nações Unidas, realizada com dados de 1997, o Brasil ficou com o
preocupante terceiro lugar entre os países com as maiores taxas de
assassinato por habitante. Na quantidade de roubos, somos o quinto
colocado. A situação seria ainda pior se fossem comparados os números
isolados de algumas cidades e regiões metropolitanas, onde há o dobro
de crimes da média nacional. São Paulo, por exemplo, já ultrapassou
alguns notórios campeões da desordem, como a capital da Colômbia,
Bogotá.
O país perde muito com isso. Só por causa dos assassinatos, o homem
brasileiro vive um ano e poucos meses a menos, em média. Se esse
homem vive no Rio de Janeiro, o prejuízo é ainda maior: quase três anos a
menos. As mulheres também não passam incólumes. Na cidade de São
Paulo, em 2001, o assassinato foi, pela primeira vez, a principal causa de
mortes de mulheres, ultrapassando os números de mortes por doenças
cerebrovasculares e Aids.
O total das perdas causadas pela criminalidade é incalculável – como
medir o valor de uma vida para os familiares de uma vítima de
assassinato? –, mas, de um ponto de vista puramente monetário, um
cálculo feito pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) dá
uma ideia do impacto financeiro do crime no Brasil. Segundo essa
estimativa, que leva em conta prejuízos materiais, tratamentos médicos e
horas de trabalho perdidas, o crime rouba cerca de 10% do PIB nacional,
o que dá mais de 100 bilhões de reais por ano. Nos Estados Unidos, que
está longe de ser um país pacífico e ordeiro, a porção da riqueza que
escoa pelo ralo do crime é bem menor: 4%.
Embora tão grave e nociva, a chaga do crime é pouco entendida no Brasil.
Prova disso é a reação de políticos e autoridades diante de um crime
grave como o sequestro e a morte do prefeito de Santo André, Celso
Daniel. O presidente Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, convocou

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a nação a

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História | Rodrigo Donin

empreender uma “guerra” contra o crime, como se os criminosos fossem


inimigos externos, e não parte da sociedade. E não faltou quem
classificasse os criminosos simplesmente de “vagabundos”, querendo
dizer que com isso encerravam o assunto.
Mas, afinal, qual é a origem do crime? Por que alguns lugares, como o
Brasil, reúnem mais pessoas dedicadas a infringir a lei? Por que, em uma
mesma população, algumas pessoas resolvem romper as regras enquanto
outras as obedecem?
Existem muitas teorias para explicar o que gera a criminalidade. Cada uma
delas se aplica perfeitamente a pelo menos uma situação criminosa, mas
nenhuma consegue explicar o nascedouro de todos os crimes. Para o
antropólogo e cientista político Luiz Eduardo Soares, que foi coordenador
de Segurança, Justiça e Cidadania no governo de Anthony Garotinho
(PSB) no Rio de Janeiro, isso acontece porque “crime” é um conceito
muito amplo. “Não há uma teoria geral sobre criminalidade porque não
há uma criminalidade ‘em geral’. Quando falamos em crime, estamos nos
referindo à transgressão de uma lei, e isso engloba uma infinidade de
situações diferentes, cada uma favorecida por determinadas condições”,
diz ele. Em outras palavras: crimes diferentes têm causas diferentes. “Um
menino de rua que rouba para cheirar cola tem uma motivação
completamente diferente da que move o operador financeiro que lava
dinheiro para traficantes. No entanto, ambos estão cometendo crimes.”

Ênfase no indivíduo

Há quem procure as causas do crime no indivíduo que o comete. Nesse


caso, há duas linhas de pesquisa. A primeira explica o comportamento
criminoso de um ponto de vista biológico. Uma das mais famosas dessas
teorias – hoje completamente descartada – é a frenologia, criada no
século XVIII, segundo a qual o criminoso possui características físicas,
como saliências no crânio, que o diferenciam das demais pessoas. Outros
pesquisadores encontraram indícios de que o crime é algo transmitido
geneticamente comparando famílias de condenados. Segundo esses, está
nos genes a explicação para o fato de que entre a população carcerária é
mais comum encontrar pessoas com parentes também envolvidos no
crime. E há ainda as linhas de pesquisa que culpam a má nutrição pelo
comportamento criminoso.
A outra linha de pesquisa com foco no indivíduo procura as causas do
crime na psique do criminoso. Segundo Sigmund Freud, o pai da
Psicanálise, o comportamento antissocial e a delinquência são
decorrentes

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História | Rodrigo Donin

de um desequilíbrio entre o ego, o superego e o id, as três partes que


constituem a personalidade individual. Se o superego – que representa a
internalização do código moral da sociedade – é muito fraco, o indivíduo
não consegue reprimir seu id – seus instintos e desejos naturais.
Resultado: ele força as regras sociais e comete um crime. A equação
psicológica também resulta criminosa se o superego é forte demais.
Nesse caso, a pessoa, por seus traços psicológicos, sente-se culpada e
envergonhada e procura o crime esperando ser punida, para satisfazer
seu desejo de culpa. No começo do século XX, a popularização dos testes
de QI (quociente de inteligência) possibilitou o surgimento de uma nova
teoria criminológica, segundo a qual os criminosos têm intelecto abaixo
da média. Nos anos 70, um estudo mais sofisticado na mesma linha, feito
por dois pesquisadores americanos, revelou que os delinquentes tinham
em média oito pontos menos nos testes de QI, se comparados ao resto
da população. A explicação dos pesquisadores, que focaram
especialmente adolescentes infratores, foi de que os jovens menos
inteligentes se envolvem mais facilmente com crimes porque têm pior
desempenho escolar, menos capacidade de entender e de se engajar na
moral da sociedade e, por fim, são menos capazes de avaliar as
consequências de seus atos, além de serem mais influenciáveis por outros
jovens delinquentes. O problema dessa abordagem é que ela está no
limiar do racismo e pode justificar preconceitos perigosos.
O papel da personalidade no comportamento criminoso foi reforçado por
pesquisas posteriores, como um estudo publicado há cinco anos sobre
adolescentes neozelandeses. Descobriu-se que os jovens com maior
índice de delinquência eram os que mais frequentemente tinham reações
nervosas e sentimentos de terem sido traídos. Eram também os que mais
facilmente recorriam a agressões ou a posturas impositivas. Em uma outra
pesquisa, está de longo prazo, iniciada na década de 80 naquele país, os
cientistas detectaram que as crianças neozelandesas mais irritáveis,
impulsivas e impacientes desenvolveram na adolescência maior
propensão ao crime. Outro fator detectado foram os problemas
neuropsicológicos, como dificuldade de comunicação e memória fraca,
entre outros. Os garotos que aos 13 anos tinham as maiores dificuldades
neuropsicológicas eram os adolescentes com maior nível de delinquência,
cinco anos mais tarde.

Ênfase na sociedade
Para quem vê na sociedade a causa das mazelas do mundo, como os
sociólogos, as explicações biológicas e psicológicas para o crime são

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importantes e podem ajudar muito na recuperação de delinquentes e


criminosos. Mas teriam pouca utilidade para prevenir a criminalidade.
Seria a mesma coisa que tentar atacar as doenças cardiovasculares com
cirurgias, sem atacar a alimentação gordurosa, o tabagismo e o
sedentarismo da população. Para os sociólogos, o crime é a resposta do
indivíduo ao meio em que vive. E depende do cruzamento de vários
fatores sociais. Há muitas teorias diferentes sobre o assunto, cada uma
com fórmula própria, realçando este ou aquele aspecto da vida em
sociedade para explicar por que, de repente, um monte de gente resolve
roubar, matar ou estuprar. Muitas dessas teorias – em geral as mais
simplórias – tornaram-se populares, como as que culpam só a pobreza
pelos crimes.
Se isso fosse verdade, o Brasil, com 50 milhões de indigentes – que
ganham menos de 80 reais por mês –, já teria sucumbido. Fossem todos
criminosos, não haveria espaço para vida honesta no país. Fosse a
pobreza a causa maior e única da criminalidade, o Piauí teria os maiores
índices de ocorrência de roubos, furtos e homicídios do país. Mas os
maiores índices, como se sabe, estão nos Estados mais ricos – em São
Paulo, no Distrito Federal e no Rio Grande do Sul. Alguns dos mais pobres
países africanos têm baixas taxas de crime, enquanto a nação mais rica do
globo, os Estados Unidos, tem uma alta taxa de criminalidade.
Há explicações melhores e mais sofisticadas para o fenômeno do crime.
Uma das mais modernas destaca-se por ter invertido a questão básica da
criminologia. Assim, em vez de tentar responder “por que algumas
pessoas cometem crimes?”, os criminologistas passaram a se perguntar
“por que algumas pessoas não cometem crimes?”. Faz sentido. Se os
meios para viver bem estão aí, à disposição, muitas vezes sem ameaças a
quem se dispuser a tomá-los, por que o roubo e o furto não são a via
normal de obtenção de riquezas? Por que a maioria de nós discute e
argumenta após um acidente de trânsito, em vez de resolver tudo no
muque ou na bala?
Basicamente, porque a humanidade prosperou vivendo em sociedade, há
centenas de milhares de anos, e só é possível viver em sociedade se
forem respeitadas algumas regras. Esses laços sociais são o alicerce da
sociologia, e o primeiro a apontá-los foi justamente o pai dessa disciplina,
Emile Durkheim, que viveu há um século. Segundo ele, os laços sociais
são as normas que todos aprendem a respeitar, que mantêm a sociedade
unida. Sem eles, tudo seria um caos.
Às vezes a História nos fornece uma oportunidade de observar o que
ocorre quando essas regras sociais são subitamente rompidas. A queda
do regime comunista nas repúblicas da antiga União Soviética, a partir de

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1989, foi um desses momentos. O resultado foi um aumento significativo

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dos índices de criminalidade. Entre 1990 e 1994, o número de crimes em


Moscou dobrou. Em 1994, houve 2 830 assassinatos lá, 240 mais que em
Nova York. O mesmo ocorreu na República Checa, em 1989, onde os
crimes aumentaram 30,5% de 1990 a 1991.

Teoria dos controles


Segundo uma das principais correntes da criminologia, há três
mecanismos que mantêm o comportamento dos indivíduos sob
controle. Não por acaso, essa tese é chamada de “teoria dos controles”.
O primeiro deles é o autocontrole, um processo interno que estabelece o
compromisso de cada um com as regras sociais. “O autocontrole resulta
da socialização, pela qual as crianças, que são naturalmente agressivas e
possessivas, aprendem a não ser assim”, diz o sociólogo e pesquisador
da Universidade de Chicago Robert J. Sampson. Segundo Steven Barkan,
professor da Universidade do Maine, Estados Unidos,
esse controle pessoal é determinado pela
consciência individual, o compromisso com a lei e a auto avaliação
positiva. Para o antropólogo Luiz Eduardo Soares, o autocontrole é a
força maior que evita a barbárie. “O solo mais firme e fundo da mediação
que evita o crime é o reconhecimento de seu valor que a criança recebe
na família e no seu grupo social. Por outro lado, se a criança só
experimenta rejeição, ressentimento, insegurança e ódio de si mesma, ela
tende a não se identificar com esses valores da sociedade”, diz Soares. É
claro que isso depende dos valores que importam para os pais e amigos:
faz diferença se ela cresce entre pessoas que acham bacana ser
“esperto” e “levar vantagem” ou se o comportamento ideal é ser
“trabalhador” e “honesto”. O segundo fator que desvia as pessoas do
cometimento de crimes é o medo da punição, ou seja, o controle formal
que a sociedade exerce sobre cada indivíduo. Quanto mais forte for a
mensagem de que a punição está ali, à espreita, menor será o
cometimento de crimes. É a essência do recado do jurista italiano Cesare
Becaria, que no século XVIII proferiu a célebre frase: “O que inibe o
crime não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição”. Há, no
entanto, quem defenda que só uma pena rigorosa pode desencorajar um
potencial criminoso, porque a chance de uma pessoa ser punida por um
crime é ínfima, mesmo nos países com sistemas legais exemplares. É
aqui que entra em cena a qualidade dos trabalhos da polícia, da Justiça e
do sistema prisional. Quanto mais eficiente for o sistema criminal,
mais forte será o sentimento de punição e justiça.

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História | Rodrigo Donin

A força da cultura

O terceiro fator, e considerado por muitos o mais importante, é o controle


social informal. Como dito acima, mesmo em países com sistemas penais
altamente punitivos e céleres, como o americano, a porcentagem de
criminosos punidos é muito pequena. Nos Estados Unidos, segundo
dados de 1992, o número de pessoas sentenciadas a penas de prisão
equivale a 4,2% do total de crimes ocorridos. É importante notar, porém,
que a comparação entre os dois dados não é perfeita, já que a maioria
dos crimes é cometida por um pequeno número de criminosos. Na
Filadélfia, cientistas acompanham há décadas um grupo de 10 000
garotos nascidos em 1945. Descobriram que 6% da amostra era
responsável por mais da metade dos crimes que os 10 000 cometeram na
adolescência. Mas, ainda assim, a desproporção entre o volume de crimes
e o de condenados supera essa ressalva.
Ou seja, há pouquíssima chance de um criminoso ser punido. Sendo
assim, o que resta para nos desviar do caminho do crime seriam a
vergonha, a moral e outras normas sociais que não estão escritas em lei
alguma, mas nos foram ensinadas por pessoas próximas e
emocionalmente importantes
– a mãe, a avó, o irmão mais velho, o grupo de amigos. Entre alguns
torcedores de futebol, por exemplo, agredir – e às vezes até matar –
torcedores de outros times faz parte das normas sociais do grupo. Em
algumas sociedades, seguir a lei é “careta”, é “burrice”. O certo é levar
vantagem em tudo. Reconheceu o discurso? Pois é. A Lei de Gérson tem
tudo a ver com a aparente falta de regras que cerca a sociedade brasileira.
Ela funciona assim: imagine um sujeito ordeiro e honesto parado em um
congestionamento na estrada. Ele está lá há quase uma hora, quando, de
repente, alguns carros começam a ultrapassá-lo pelo acostamento (o que
é ilegal). Mais à frente, pensa ele, esses carros piorarão a lentidão do
tráfego quando tentarem voltar à pista. Mas nenhum policial aparece para
multá-los. Depois de 15 minutos vendo os carros passar, ele pensa que
respeitar a lei só vai prejudicá-lo e vai para o acostamento. O cinismo em
relação às regras sociais formais é uma característica do controle social
informal brasileiro.
O grau de coincidência entre as normas legais e as regras informais de
conduta é diretamente proporcional à legitimidade que a população
enxerga no governo, nas autoridades e na lei. Em outras palavras: quanto
mais legítimos os governantes e as autoridades, maior será o respeito da
população às regras daquela comunidade. Nesse momento é que pesa na
balança a enorme desigualdade social brasileira, uma das maiores do

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mundo. Em uma sociedade desigual, os menos favorecidos tendem a achar


que regras tão injustas não se aplicam a eles, e a delinquência aumenta.
Ainda assim, há muita gente que acha o Brasil injusto, gente que não vê
perspectiva de melhorar na vida, mas nem por isso pega um revólver e sai
por aí roubando e matando inocentes. O que mantém essas pessoas na
linha são, justamente, as regras informais, em geral herdadas da família,
da escola ou da religião. Pesquisas realizadas na periferia de grandes
cidades americanas entre jovens pertencentes às classes menos
favorecidas mostram que os mais propensos à criminalidade e à
delinquência são aqueles com menor envolvimento com as instituições
sociais tradicionais. “É por meio da religião, da profissionalização, da
educação e da família que são transmitidos os valores sociais. Sem eles,
os jovens crescem sem o legado da civilização”, diz Claudio Beato,
coordenador do Crisp (Centro de Estudos de Criminalidade
e Segurança Pública), ligado à UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais), de Belo Horizonte. A religião tem
papel importante. “É como disse o escritor francês Albert Camus: ‘Se Deus
não existe, então vale tudo’”, diz Beato. Não por acaso, os países
islâmicos, nos quais a religião ocupa um espaço na vida das pessoas
muito maior que no Ocidente, têm as mais baixas taxas de roubos do
mundo, apesar de serem nações em geral muito pobres e desiguais. “O
grupo de amigos e os familiares também cumprem essa tarefa.”

Enfim, a pobreza
É aqui que a pobreza começa a fazer diferença, porque diminui o contato
entre pais e filhos e enfraquece a transmissão do legado familiar sobre
como viver em sociedade. Primeiro, porque pai e mãe passam o dia fora
trabalhando, e deixam os filhos para serem criados na rua, à mercê da
influência de outros jovens, muitos deles já delinquentes. Isso quando há
pai e mãe. “O grau de delinquência de uma comunidade é diretamente
proporcional ao número de famílias monoparentais, ou seja, em que os
filhos são criados só pelo pai ou pela mãe”, afirma o sociólogo Tulio Kahn,
do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para a Prevenção do
Delito e o Tratamento do Delinquente (Ilanud). Não bastasse isso, em
vizinhanças mais pobres, cujas casas geralmente são compartilhadas por
várias famílias e vivem abarrotadas, os jovens preferem passar seu tempo
fora de casa, longe dos olhos dos pais. Conforme estudos feitos por
Robert
J. Sampson, a supervisão das atividades dos filhos é um grande inibidor
de delinquência.

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É bom lembrar que a maior parte da criminalidade gerada em meio à


pobreza tem como vítimas os próprios pobres, que ainda vivem o drama
de não ter a quem recorrer, visto que, em muitos bairros de baixa renda, a
presença da polícia e de serviços de saúde é muito menor. Isso é
verdadeiro especialmente em relação aos crimes violentos, enquanto os
crimes contra o patrimônio, guiados muito mais pela oportunidade,
ocorrem nas regiões mais ricas das cidades, onde há patrimônio para ser
subtraído.
Entre tantas causas da criminalidade, há pelo menos duas que
independem de outras e, sozinhas, em sociedades ricas ou igualitárias,
geram criminalidade, que são o sexo e a idade da população. É simples
assim: quanto maior for o percentual de homens jovens na população,
maior será a taxa de criminalidade. “Sexo e idade são os dois únicos
fatores inequivocamente relacionados à criminalidade. O censo mais
recente mostra que houve um crescimento da população de 15 a 24 anos.
Se esse grupo diminuir, o crime diminui naturalmente. Na Califórnia isso
ocorreu”, diz Claudio Beato, da UFMG.
Segundo Steven Barkan, da Universidade do Maine, isso dá uma certa
previsibilidade ao crime. “Uma grande taxa de natalidade irá, em 15 a 20
anos, gerar uma onda de criminalidade, conforme essa população entra
na adolescência. Uma das razões para o aumento da criminalidade nos
EUA nos anos 60 foi a entrada da geração baby boom – nascida após a
Segunda Guerra – na adolescência”, diz ele. Steven Lewitt, do
Departamento de Economia da Universidade de Chicago, e John Donohue
III, da Escola de Direito da Universidade Stanford, foram mais longe. Para
eles, a queda nos índices de criminalidade ocorrida no início dos anos 90
deve-se à legalização do aborto, ocorrida 18 anos antes. Com menos
filhos indesejados, concluíram, o número de delinquentes caiu.
Há muita divergência sobre a causa dessa correlação. Argumenta-se que
a adolescência é uma idade em que: 1) as influências de amigos e o
desejo de amizade são especialmente fortes; 2) há necessidade crescente
de dinheiro, mas só existem subempregos à disposição; 3) há necessidade
de afirmação de valores individuais, em contraposição aos aceitos pela
sociedade. Ao sair da adolescência, os jovens param de delinquir porque
estreitam seus laços com a sociedade, por meio do emprego, do
casamento. Quanto ao sexo, as melhores explicações, além daquelas
hormonais, são as que dizem que os meninos, diferentemente das
meninas, são incentivados a serem agressivos, impositivos, machões.
Antes de aprovar leis mais rigorosas, inundar as favelas de policiais,
construir mais cadeias ou comprar mais carros de polícia, é preciso

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entender a origem dos crimes no Brasil. E admitir que cada um de nós é


parte de suas causas.

Fonte:
VERGARA, Rodrigo. A origem da criminalidade. Disponível em:
https://super.abril.com.br/ciencia/a-origem-da-criminalidade/. Acesso em
fevereiro de 2018.

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