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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO

Universidade Federal de Alfenas - UNIFAL-MG


Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação
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A NARRATIVA DO MEDO E A FIGURA DO PROFESSOR


DOUTRINADOR: AS CONSEQUÊNCIAS DO
ULTRACONSERVADORISMO NA EDUCAÇÃO

​ elatório Final apresentado à Pró-Reitoria de


R
Pesquisa e Pós-Graduação por exigência do
término do projeto de Iniciação Científica –
PIVIC VOLUNTÁRIO, referente ao período de:
01 de março de 2022 a 23 de novembro de 2023

Discente: Alexia Alves de Souza

Curso: Ciências Sociais

Período: 8º

Orientador: Thiago Antônio de Oliveira Sá


Instituto: Universidade Federal de Alfenas


​ lfenas, agosto de 2023
A
1 INTRODUÇÃO

A sociologia do currículo, é a área da Ciências Sociais responsável por problematizar


e/ou descrever as questões que envolvem o processo de instituição dos conhecimentos. Esse
processo de instituição dos conhecimentos é contestado pelos sociólogos pois, pela ótica
crítica, o currículo é resultado de uma relação desigual de poder que seleciona valores,
culturas e conhecimentos de uma determinada classe dominante. Em sua obra “Documentos
de Identidade” (2016) Thomaz Silva se dedica em investigar, baseado em uma perspectiva
crítica, a ideia de que a seleção dos conhecimentos que compõem currículo é articulada para
que a hegemonia cultural, econômica e ideológica da classe dominante se mantenha. Portanto,
o poder tem a capacidade de classificar o que é e o que não é legítimo de estar no currículo,
nas palavras de Silva:
“O ensino e a aprendizagem que ocorrem nas salas de aula representam uma das maneiras de construir
significados, reforçar e confirmar interesses sociais, formas de poder, de experiência, que tem sempre
um significado cultural e político” (SILVA, 2011, p.165).
Dessa forma, entende-se que o currículo é a ferramenta usada pela classe dominante para
garantir que seus conhecimentos sejam legitimados, isto em detrimento da cultura e
conhecimento das classes mais baixas. Bernstein e Young afirmam que o currículo se firma
em uma orientação cultural e ideológica que permite às classes dominantes mantenham o
controle sobre as classes mais baixas (APPLE, 2006, p.35). Apple (2006) destaca como o
currículo é construído a partir de perspectivas e visões de mundo específicas, que muitas
vezes exclui outras formas de conhecimento e reforça as desigualdades sociais. Neste sentido,
a escola não é um ambiente neutro, é uma força ativa, que legitima a ideologia e o capital
cultural das classes que detém o capital econômico. A partir da prática de legitimação apenas
do conhecimento das classes dominantes, a instituição que deveria ocupar-se de diminuir as
desigualdades sociais, as reproduz. Os sociólogos do currículo Apple e Silva, evidenciam que
a consciência e a subjetividade são um campo de batalha onde os que têm poder buscam
alternativas para manterem sua posição dentro da ordem existente. Por esta razão o currículo é
identificado como o local em que a classe dominante certifica que sua cultura será
compreendida como “tradicional” ao passo que outras serão negligenciadas e marginalizadas.
Nesse sentido, a educação ao invés de promover a emancipação e o pensamento crítico, serve
as estruturas de poder e dominação. Já a escola, mais especificamente o currículo, estabelece
uma falsa consciência capaz de legitimar os valores e conhecimentos da classe que detém o
poder econômico.
O currículo, quando usado para servir a classe dominante, o faz através da legitimação
da ideologia proposta por determinado grupo social. Apple (2006) afirma que a ideologia é
uma ferramenta de controle social, assim como o currículo. Neste sentido, tais mecanismos
são os responsáveis pela reprodução cultural e econômica dos princípios da classe dominante.
Para o sociólogo do currículo, ideologia é “um sistema de idéias, crenças, compromissos
fundamentais, ou valores sobre a realidade social” (APPLE, 2006, p.53) que, historicamente,
se fundamenta como uma falsa consciência, capaz de distorcer a realidade social e desse
modo servir aos interesses de uma determinada classe dominante. A classe dominante faz uso
da ideologia pois é necessário alienar a população, na perspectiva de Apple, para nacionalizar
um povo multifacetado é preciso que as instituições disseminem idéias e ideais que legitimem
a ordem social vigente (APPLE, 2006, p.111). A discussão proposta por Apple (2006) atém-se
em frisar que os conhecimentos instituídos no currículo são estabelecidos de forma a sustentar
a ideologia dominante. A ideologia posta no currículo, ideologia da classe dominante, tem a
capacidade de orientar cultural e economicamente a consciência dos indivíduos.

2 REVISÃO DE LITERATURA

2.1 Importância do currículo para o movimento conservador e liberal

Em vista da capacidade que a instituição escola e, mais especificamente o currículo,


tem de servir como instrumento de controle social, a educação se tornou o foco de
movimentos conservadores e liberais. O fato do currículo institucionalizar certos
conhecimentos ao passo que exclui outros interessa para os movimentos de cunho
conservador e liberal. No que diz respeito aos movimentos liberais estes, focados no lucro,
não estão de fato preocupados com as questões ética, sociais e pedagógicas que serão
institucionalizadas no currículo. A agenda neoliberal surge para estabelecer conexões mais
íntimas entre a escola e a economia. Tal lógica, quando instituída no currículo, tem efeitos
negativos para uma perspectiva de ensino emancipatório, isto porque, veem a educação como
um aparato para o desenvolvimento econômico. Neste sentido, a escola tem como única
finalidade a formação de uma mão de obra preparada para a inserção no mercado de trabalho.
Para tais grupos políticos a educação deve ser compreendida como um tema técnico, isto
significa que os problemas encontrados no ambiente escolar, a partir da perspectiva liberal,
devem ser tratados como problemas administrativos, de natureza gerencial. Com foco no
lucro, a disputa neoliberal é para que a educação seja “despolitizada”. No que diz respeito ao
movimento conservador, o currículo é frequentemente visto como uma ferramenta capaz de
preservar tradições, valores culturais e conhecimentos clássicos. A finalidade do embate do
movimento conservador na educação é para que o currículo esteja alinhado à postura moral e
teológica a que eles creem.

2.2 A formação do movimento conservador

O conservadorismo é definido por Solano (2019) como o movimento de defesa de


valores e instituições tradicionais que surge como resposta a situações de mudanças
estruturais. A definição que Solano explora em sua obra “As direitas nas redes e nas ruas: a
crise política no Brasil” (2019) é a definição de Pierucci do que é o conservantismo, ainda
assim, esta contribui para o entendimento da formação do movimento conservador. Segundo o
francês, o fenômeno age na direção de reforçar seus ideias, valores e moral, o trecho
destacado por Solano exibe a maneira pela qual o conservadorismo se constitui como agenda
política:
“O conservantismo é antes de mais nada uma proposta de sociabilidade. [...] é uma combinação de
práticas (de distinção, hierarquização, desprezo, humilhação, intolerância, agressão, profilaxia,
segregação), de discursos espontâneos e discursos doutrinários abrangendo a esfera pública e a vida
privada, de soluções políticas e econômicas mas também de restauração moral, de racionalizações e
afetos, princípios e estereótipos, fantasmas e preconceitos girando em torno ou nascendo em raio de
uma obsessão identitária, isto é, de uma necessidade sempre autorreferida de preservação à outrance
de um ‘eu’ ou um ‘nós’ ameaçado [...]” (PIERUCCI apud SOLANO, 2019, p.178).
No que diz respeito ao movimento neoconservador este é designado como as manifestações
mais recentes contra as transformações da primeira metade do século XX. Já o movimento
neoliberal é definido pelas suas pautas, que são estrategicamente pensadas para a manutenção
do capitalismo. A noção fundamental defendida pelo movimento é a reprodução e
perpetuação do sistema capitalista. Porém, o que Apple identifica é que tais movimentos,
atualmente, não podem ser compreendidos isoladamente, o movimento neoconservador e o
movimento neoliberal se justapõem no que denomina-se “modernização conservadora”, que
nada mais é do que uma aliança entre os movimentos hegemônicos - neoconservadores,
neoliberais, populistas autoritários. A finalidade da modernização conservadora é convergir os
movimentos que possuam certas afinidades para que as iniciativas do grupo tenham maior
impacto nas políticas que serão adotadas. Quanto à educação, a restauração conservadora age
para redefinir o propósito do ambiente escolar, a intenção é reinserir no currículo os valores
conservadores, além disso, empenha-se para uma maior proximidade entre as escolas e a
economia.

2.3 O afloramento do movimento conservador na educação e a presidência de Jair


Bolsonaro

No Brasil, a emergência da disputa do conteúdo a ser ensinado no currículo e das


práticas que seriam adotadas no ambiente escolar ocorreu em um contexto de crise, em que a
aliança entre ultraliberalismo e ultraconservadorismo conquistou hegemonia política. Tais
grupos dominantes usaram a crise para lutar pela retomada dos valores conservadores na
educação e quaisquer outros âmbitos da vida pública. Assim como exemplificou Apple, “às
vezes o domínio retorna não por causa de planos inteligentes, mas por eventos históricos que
são “acidentais”, que não são previsíveis” (APPLE, 2008, p.224). Quanto à eventualidade do
Brasil esta foi o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a consequência deste ato - a
atribuição do cargo a Michel Temer. A dinâmica que surgiu no momento das manifestações
fez com que a direita liberal pudesse canalizar os sentimentos de frustração e
descontentamento dos cidadãos, segundo Girardet (1987) esse fenômeno ocorre pois “a
demonização de um grupo social real ou imaginário é um dos pilares do “mito do complô”,
que assume função social explicativa das mais importantes no universo da política”
(GIRARDET apud SOLANO, 2019, p.197). O momento histórico pelo qual o país
atravessava e aliança que se instalava naquele momento foi precursora de retrocessos, assim
como Fernando Cássio (2019) afirma, a convergência entre as idéias conservadoras e a
atribuição do cargo de presidente da República a Michel Temer enfraqueceu as instituições e
reprimiu os avanços democráticos projetados pela Constituição de 1988. O retorno de ideias
como a militarização das escolas e projetos como o Escola Sem Partido refletem a agenda
ideológica que os ultraconservadores pretendiam instituir no campo educacional. O discurso
ideologizado e as tentativas de mudança estrutural do espaço intelectual tomou proporções
ainda maiores após a posse de Jair Bolsonaro. O cientista político Renato Ribeiro (2019)
destaca que a campanha à presidência de Jair Bolsonaro, pela primeira vez em décadas, em
vez de nomear a educação como uma promessa, a apresentou como ameaça. Na perspectiva
de Bolsonaro e de seus eleitores, o problema do Brasil é a educação e imoralidade que dela
decorre. Olavo de Carvalho, um dos maiores representantes da extrema-direita brasileira e
aliado de Jair Bolsonaro, defende que a educação pública no Brasil deveria moldar-se para
doutrinar os alunos com pautas conservadoras e liberais. O anti-intelectualismo é a marca d
'água do ultraconservadorismo, o movimento legitima o desmonte das instituições públicas de
ensino com a justificação de que todas estão aparelhadas para a doutrinação (ROCHA, 2021,
p.271). As ações do ex-ministro da educação, Ricardo Vélez Rodrigues, ratifica a afirmação
de que as ações ultraconservadoras/liberais expandiram em dimensão e extremismo após a
admissão de Jair Bolsonaro. Em lugar de proteger as instituições de ensino, o ex-ministro
escolheu endossar as preocupações de pais e mães que se sentiam restringidos pela “retórica
marxista que tem permeado o ambiente educacional”. A justificativa para o posicionamento
de Ricardo Vélez é a suposta “promoção contínua da ideologia de gênero”, os esforços da
oposição para desmantelar as “tradições nacionais” e a aderência irresponsável a um
pragmatismo sofisticado, disfarçado de uma perspectiva globalista, que aproveita as ideias de
Gramsci. Como destaca Carlotto (2019), os grupos ultraconservadores do Brasil, em especial
os bolsonaristas
“Não se empenham em uma destruição pura e simples do espaço de produção e difusão do
conhecimento mas, antes, se armam para operar nele uma intensa e longa disputa pelos critérios de
geração e legitimação da verdade” (CARLOTTO, 2019, p.124).
A título de exemplo tem-se a reforma do ensino médio que, apesar de não ser uma destruição
pura e simples do conhecimento, corrobora para a conservação da estrutura social vigente. A
reforma aprovada em 2017 por Michel Temer, é descrita por Corti (2019) como uma vitória
dos ramos empresariais, as mudanças previstas indicam que há uma enorme influência do
setor na formulação da Lei n. 13.146. A descarada promoção da privatização da esfera pública
esvazia o caráter crítico da educação ao passo que possibilita um estreitamento entre a relação
do Estado e dos setores empresariais, que dessa forma garante a continuidade do seu processo
de acumulação. Segundo Corti, reformas como a do novo ensino médio é o artifício preferido
do Estado neoliberal,
“não apenas pelo seu baixo custo em relação ao enfrentamento dos problemas estruturais, mas também
por serem uma fórmula para reduzir o investimento em educação, favorecerem a privatização e
atuarem como peças de marketing político capazes de aplacar a sede da população por melhorias”
(CORTI, 2019, p.52).
Além da iniciativa ultraconservadora tomada por figuras centrais dos governos que
sucederam o impeachment de Dilma Rousseff, a agenda ultraconservadora teve a adesão da
população. De origem popular, o Movimento Escola Sem Partido (MESP) foi fundado no ano
de 2004, mas só alcançou notoriedade nacional a partir das manifestações a favor do
impeachment da presidente Dilma Rousseff. Apesar da notoriedade que conquistou em
meados de 2016, foi na campanha de Jair Bolsonaro à presidência e mais tarde, em sua posse,
que as ideias promovidas pelo Escola Sem Partido ocuparam espaço de relevância na agenda
governamental. Ligado aos movimentos mais reacionários da sociedade, o MESP tem como
principal pauta a criminalização do debate de ideias nas escolas, neste sentido, o que seus
atores buscam é uma suposta neutralidade em sala de aula, o argumento usado pelos
defensores do movimento é o de que a escola é um ambiente de doutrinação. Porém, como
demonstra Alexandre Bezerra (2019), a neutralidade proposta pelo movimento Escola Sem
Partido e seus apoiadores têm como objetivo desconectar a sala de aula da realidade social,
“querem que a escola não seja palco dos debates da sociedade” (BEZERRA, 2019, p.133). A
política restaurativa do movimento encoraja a família a defender seus filhos contra a
“violência intelectual acometida pelas escolas”. O recorte retirado do site oficial do MESP
evidencia o discurso em que o professor e a escola são acusados de romper com os valores e
conhecimentos tradicionais:
“Se você sente que seus professores ou os professores dos seus filhos estão comprometidos com uma
visão unilateral, preconceituosa ou tendenciosa das questões políticas e sociais; se percebe que outros
enfoques são por eles desqualificados ou ridicularizados e que suas atitudes, em sala de aula,
propiciam a formação uma atmosfera de intimidação incompatível com a busca do conhecimento; se
observa que estão engajados na execução de um projeto de engenharia social, que supõe a
implementação de uma nova escala de valores, envie-nos uma mensagem relatando sua experiência
(...)”.

Sob a desculpa de combater a propagação partidária em sala de aula, o MESP na


verdade pretende erradicar a dimensão educacional da escola. Perante a ótica conservadora, os
professores devem apenas transmitir o conteúdo previsto no currículo sem que isso mobilize
valores, isto é, sem que o conteúdo tenha qualquer relação com a realidade. Neste sentido, o
Movimento Escola Sem Partido argumenta que a família e a religião são os responsáveis por
educar, ao passo que os professores devem somente instruir os alunos para que estes estejam
qualificados para o mercado de trabalho, aniquilando com o caráter emancipatório da
educação. Apesar do objetivo institucional da escola ser educar para o exercício da cidadania,
o projeto do MESP visa a proibição da “veiculação de conteúdos ou a realização de atividades
que possam estar em conflitos com as convicções religiosas ou morais dos pais ou
responsáveis pelos estudantes” (Art.3º PL 867/2015). Tal movimento viabiliza um discurso
reacionário que questiona os avanços das políticas públicas educacionais e para mais, os
avanços na produção de materiais didáticos que discutem questões de gênero, raça, etnia e
sexualidade, isto porque, por meio do pânico moral - ferramenta política de manipulação - “o
discurso reacionário quer fazer acreditar que a escola tem como objetivo transformar os
jovens em gays e lésbicas, a fim de destruir a família “tradicional” e ensinar “pedofilia”
(GALLEGO, 2018). Sendo assim, as consequências para o campo educacional são graves, a
adesão ao discurso de ódio contra a figura do professor leva a práticas persecutórias e ao
denuncismo, além de dificultar a discussão sobre determinadas temáticas previstas em
diretrizes educacionais.
O que se observa é a insinuação de que o professor é o responsável pela doutrinação e
para mais, é o responsável por abordar temas não condizentes com os valores, determinados
por eles como tradicionais. Este movimento de personificação do inimigo tem sérias
consequências para o educador. Os educadores são acusados de doutrinar os alunos e
transformar as salas de aulas em palanque político (SOLANO, 2018, p.258). Os professores
perdem sua autonomia em sala de aula, já que são impedidos de abordar determinados
assuntos. Quando abordados, se não de forma velada, correm em risco de serem acusados de
doutrinação ideológica e por isso tem suas vidas expostas, principalmente nas redes sociais, é
o que denomina-se de linchamento virtual (PASSOS e MENDONÇA, 2021). O fato é que
esses professores têm trechos de suas aulas, retirados de contexto e compartilhados a fim de
expor o docente e seus “maus” ensinamentos. Seus partidários encorajam os estudantes a
gravar e reportar professores que apresentam argumentos contrários às visões do movimento.
Procuram criar desconforto e espalhar o temor dentro da sala de aula. Advogam por um
sistema educacional que evita o ensino, a discussão e a reflexão sobre questões sociais,
filosóficas e científicas. O termo “ideologização” se transformou em uma fórmula mágica
usada para explicar todas as adversidades encontradas nas instituições educacionais.

2.4 A narrativa do medo

Os professores foram um dos alvos dos apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro.


Os educadores eram/são acusados de doutrinar os alunos e transformarem as salas de aulas em
palanque político. O anti-intelectualismo, descrito acima, é um movimento que questiona a
figura profissional docente, na perspectiva de Solano:
“Se trata de apelo contínuo ao medo e de manipulação dos afetos negativos como instrumento
político. Nesse sentido, para atacar o campo progressista e acadêmico, vale todo tipo de investida, mas
preferivelmente as morais, como apresentar esses atores como aqueles que negam a possibilidade de
existência da família tradicional cristã [...]” (SOLANO, 2018, p.259).
O movimento conservador, para atacar o campo progressista, apresenta esses atores
como aqueles que negam a possibilidade e existência da família tradicional cristã. A estratégia
de atuação no ambiente escolar consiste na construção de um inimigo comum, que no atual
contexto se personifica na figura do “professor doutrinador”. Tal movimento acusa
educadores de influenciar as escolhas políticas, morais e religiosas dos alunos, exercendo
sobre eles um poder de persuasão. Esta iniciativa de ataque a escola e a figura do professor
tem suas raízes no neoconservadorismo, movimento que além de promover uma guerra
cultural visando a ordem patriarcal e manutenção do sistema capitalista, é protagonista nas
articulações pró status quo. O discurso reacionário é pautado no ódio aos professores, a
manipulação política do pânico moral é a estratégia que fundamenta o movimento. O lócus da
aliança conservadora é a ameaça à família tradicional, isto porque, para a coalizão, o cenário
atual e as mudanças na estrutura social e política põem esta instituição em risco. A ideia de
família mobilizada pelos conservadores é usada como um dispositivo de controle, isto porque,
este segmento da sociedade acorda com a formação social atual, e para mais, protege o
capitalismo neoliberal e suas concepções. Na perspectiva das autoras Passos e Mendonça
(2021) é por estes motivos que a estratégia fatal e determinante para o avanço do
neoconservadorismo é o medo (PASSOS e MENDONÇA, 2021, p.20). O discurso reacionário
promovido pelo bolsonarismo crê haver uma conspiração mundial contra a família, e a escola
seria o espaço estratégico para a imposição dessas ideologias que doutrinam as crianças e as
afastam da família, na perspectiva do grupo bolsonarista,
“os professores, em vez de cumprir o currículo, buscam usurpar dos pais o protagonismo na educação
moral de seus filhos para doutriná-los com ideias contrárias às convicções e os valores da família”
(JUNQUEIRA, 2019, p.135)
A partir do movimento de intimidação e estigmatização da figura do professor, aqueles que
apoiam a família “tradicional” se unem com a finalidade de impulsionar a restauração ou uma
reconfiguração conservadora, para que assim reforcem a sua influência predominante,
reiterem os seus princípios fundamentais, hierarquias e o sistema de autoridade, bem como as
estruturas de vantagens. No momento em que reivindicam a primazia da família na educação,
os segmentos ultraconservadores na verdade atuam a favor da colonização da esfera pública
por interesses privados, familiares e religiosos (JUNQUEIRA, 2019, p.139).
3 METODOLOGIA

O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica destinada a compreender as


consequências do movimento ultraconservador na educação. Com a finalidade de um contato
com a sociologia do currículo - já que a mesma é fundamental para interpretar a narrativa do
medo promovida pela restauração conservadora - as leituras iniciais miravam o entendimento
do conflito de interesse que permanece no currículo e a compreensão das razões para tal
interesse na dinâmica escolar. Para isso, buscou-se os autores clássicos da sociologia do
currículo, Michael Apple e Tomás Tadeu Silva. Depois de compreender o conflito de interesse
na educação, especialmente no currículo, fez-se necessário a passagem por leituras que
elucidassem a maneira que a escola, enquanto instituição, é responsável por reproduzir e/ou
manter as desigualdades sociais. A necessidade de buscar tais fontes teóricas veio do fato da
escola ser uma poderosa ferramenta de preservação da ordem social e neste sentido,
instrumento de desejo do ultraconservadorismo. Para tal fim, as fontes consultadas foram
capazes de elucidar o funcionamento da escola como instrumento que legitima a reprodução
das desigualdades sociais. Porém, antes de partir para as leituras sobre os efeitos da narrativa
do medo na educação e sobre o fenômeno de personificação do professor doutrinador
percorreu-se por leituras capazes de explicitar o que é o movimento conservador e o que é o
movimento liberal, quais suas origens, quando e porque tais movimentos emergiram no
Brasil, enfim, bibliografias que agregassem em informações sobre o movimento
ultraconservador e ultraliberal. Por último, dedicou-se a obra “Educação contra barbárie: por
escolas democráticas e pela liberdade de ensinar” (2019) e o livro “O professor é o inimigo:
uma análise sobre a perseguição docente no Brasil” (2021), isto porque, tais referenciais
proporcionariam a compreensão das consequências do fenômeno ultraconservador no âmbito
educacional.

4 RESULTADOS

As ações conservadoras que emergiram no Brasil a partir das manifestações a favor do


impeachment de Dilma Rousseff acarretaram em consequências na educação. Entre elas:
a) A defesa que a educação pública no Brasil deveria moldar-se para doutrinar os
alunos com pautas conservadoras e liberais. Olavo de Carvalho, aliado de Jair
Bolsonaro, advoga pela transformação da educação pública no Brasil com o
objetivo de inculcar valores conservadores e liberais nos alunos;
b) O endossamento, promovido pelo ex-ministro da educação Ricardo Vélez ,as
preocupações de pais e mães que sentiam que o ambiente educacional estava
permeado pela "retórica marxista";
c) A reforma do ensino médio, contribuição extraordinária para a manutenção da
estrutura social existente;
d) A promoção a privatização do setor educacional e o esvaziamento da
capacidade crítica da educação;
e) A reemergência do Movimento Escola Sem Partido (MESP) e o objetivo de
criminalizar o debate de ideias nas escolas;
f) A política restaurativa do MESP e o encorajamento as famílias para
protegerem seus filhos contra o que consideram uma violência intelectual
cometida pelas escolas;
g) Surgimento de uma narrativa baseada no medo e a criação de um inimigo
comum, personificado na figura do "professor doutrinador".

5 CONCLUSÕES

Embora o senso comum acredite que a educação tenha como responsabilidade a


formação de cidadãos críticos, desde o século XIX, o controle social é a finalidade das
políticas educacionais, isto significa que a “função latente” do currículo é a preservação da
cultura dominante, nas palavras de Apple:
“Em vez de interpretá-las como “os grandes motores da democracia”, podemos considerá-las
instituições que executam funções econômicas e culturais e incorporam regras ideológicas que tanto
preservam quanto ampliam um conjunto existente de relações estruturais” (APPLE, 2008, p.104).
Isto significa que apesar da Constituição de 1888 traçar que a educação deva servir para tornar
os alunos cidadãos críticos, às políticas educacionais propostas nos últimos anos caminham no
sentido contrário. As ações hegemônicas, resultado dos movimentos conservadores e liberais,
lutam para que a educação adquira um caráter econômico e que para mais, sirva como uma
ferramenta de dominação política. A consolidação de uma aliança ultraliberal e ultra
reacionária que se deu em 2016 a partir do Impeachment de Dilma Rousseff é o movimento
responsável por barrar as políticas progressistas que vinham sendo implementadas no campo
da educação. O Movimento Escola Sem Partido (MESP) ascendeu novamente neste momento,
isto porque, a agenda ultraconservadora retornou ao espaço político. Além disso, a ascensão
do movimento ultraconservador no Brasil produziu o que hoje denomina-se de narrativa do
medo, esta é responsável por produzir a figura do professor “doutrinador”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Horizonte: Autêntica, 2016.

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