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Grandy, R. & Duschl, R.

Reconsidering the character and role of inquiry in school


science: An analysis of a conference. Science & Education, n. 16, p. 141-166, 2007.

Grandy e Duschl (2007) discutem os consensos sobre o ensino investigativo e


suas implicações, e ainda, em quais áreas são necessárias mais pesquisas e discussões, a
partir da sistematização e interação dos estudos sobre a natureza da ciência, a sua
aprendizagem e a pesquisa sobre o seu ensino com foco em situações de aprendizagem
que promovam a investigação e que facilitam a dinâmica avaliativa. Um dos principais
resultados alcançados neste contexto, através de uma revisão da criação desta área de
pesquisa nos EUA, é que os alunos devem aprender a fazer uma investigação científica
e compreender a investigação científica.
Nesta situação, percebeu-se que a pesquisa em ensino de ciências não
acompanhou a evolução da ciência:
O ensino de Ciências continua a ser dominado pela visão hipotético-
dedutiva da ciência, enquanto os filósofos da ciência têm demonstrado
que a investigação científica tem outros elementos igualmente
essenciais: o desenvolvimento da teoria, a mudança conceitual e a
modelização. Isso não quer dizer que os cientistas não se envolvem em
experiências. Pelo contrário, o papel dos experimentos está situado na
teoria e na construção do modelo, testar e rever, e o caráter dos
experimentos está situado em como podemos realizar observações e
medições, ou seja, coleta de dados. O perigo é privilegiar um aspecto de
fazer ciência em detrimento de outros (Grandy e Duschl, 2007, p.143).
Dessa forma, os autores assumem que unidades de imersão na ciência e
aprendizagem baseada em problemas são verdadeiras formas de investigação e
constituem o chamado ensino por investigação.
Os principais consensos que emergem nessas propostas que envolvem a
estrutura conceitual e os processos cognitivos dizem respeito às visões tradicionais
simplificadas e distorcidas da ciência que partem de uma observação, seguidas da
elaboração de hipóteses, dedução de suas consequências indo às observações que levam
a aceitar o refutar as hipóteses, o que pressupõe a existência de um único método
científico. Elas ignoram o papel dos modelos na estrutura conceitual da ciência, além da
estrutura epistêmica de produção e avaliação do conhecimento científico e do processo
social que determina como ele é descoberto, comunicado, representado e argumentado.
Assim, Grandy e Duschl (op.cit.) apresentam uma lista de tópicos a serem incluídos ao
longo de um ensino investigativo, que envolvem elementos epistêmicos e sociais:
Fazer perguntas; refinar perguntas; avaliar questões; planejar
experimentos; refinar experimentos; interpretar experimentos; fazer
observações; coleta de dados; representação de dados; análise de
dados; relacionar dados a hipóteses / modelos / teorias; formulação de
hipóteses; teorias de aprendizagem; modelos de aprendizagem; teorias
de refino; modelos de refino; comparar teorias alternativas / modelos
com dados; fornecer explicações; dar argumentos a favor / contra
modelos e teorias; comparar modelos alternativos; fazer previsões;
registo de dados; organização de dados; discussão de dados; discutir
teorias / modelos; explicar teorias / modelos; escrever sobre dados;
escrever sobre teorias / modelos; ler sobre dados; ler sobre teorias /
modelos (Grandy e Duschl, 2007, p.144/5).
Destaca-se que estes itens devem ser considerados junto dos aspectos cognitivos
e que eles não podem ser todos abordados apenas em uma aula, ou mesmo uma
sequência didática. Isso leva a delinear o que seria uma educação científica ideal, na
qual se tem por metas a aprendizagem dos conceitos e da natureza da ciência, que tem
como impedimentos:
 O nível cognitivo dos estudantes, que apesar agirem como cientistas ao fazerem
hipóteses e encontrarem regularidades, divergem nos seguintes aspectos: ...
cientistas têm uma forte estrutura social para apoiar investigação; cientistas
têm fortes motivações para a investigação; cientistas procuram evidências
ativamente; cientistas leem sobre dados, teorias e modelos; cientistas escrevem
sobre os dados, as teorias e os modelos; cientistas debatem os méritos das
teorias e modelos; teorias científicas e modelos geralmente invocam variáveis,
entidades e processos ocultos ou não diretamente observáveis; teorias
científicas e modelos são limitadas pelas teorias e modelos relacionados;
teorias científicas muitas vezes dependem de matemática para representar
dados; teorias científicas muitas vezes dependem de matemática para
representar modelos e teorias; cientistas avaliam teorias e modelos
contrastando-o com evidências (Grandy e Duschl, 2007, p.146/7).
 A dificuldade de tempo, treinar professores, criar ambientes de aprendizagem e
criar uma cultura escolar para desenvolver estes aspectos.
Para criar uma situação de aprendizagem em um contexto investigativo, o aluno
precisa engajar nos processos a seguir em um currículo de longo prazo visando a
mudança do foco de ensino do lado direito para o esquerdo:
O continuo aluno/professor
Aluno se envolve cientificamente em Professor se envolve cientificamente em
perguntas orientadas perguntas orientadas
Aluno dá prioridade à evidência para Professor dá prioridade às evidências para
responder às perguntas responder a perguntas
Aluno formula explicações a partir de Professor formula explicações a partir de
evidências evidências
Aluno conecta explicações ao Professor liga explicações ao
conhecimento científico conhecimento científico
Aluno comunica e justifica explicações Professor comunica e justifica explicações
Aluno responde adequadamente às críticas Professor responde adequadamente às
de explicações críticas de explicações
Aluno pode formular crítica apropriada de Professor pode formular crítica apropriada
explicações alternativas de explicações alternativas
Aluno pode criticar suas próprias Professor pode criticar suas próprias
explicações explicações
Aluno pode construir testes para Professor constrói para testes para
discriminar entre as explicações discriminar entre as explicações
Aluno pode refletir sobre o fato de que Professor pode refletir sobre o fato de que
algumas vezes existem múltiplas algumas vezes existem múltiplas
explicações e não há atualmente uma explicações e não há atualmente uma
resposta definitiva resposta definitiva
Talela: (Grandy e Duschl, 2007, p.147).
Sendo que há uma dependência direta entre cada conteúdo de cada coluna. Falta
ainda um estudo longitudinal de alunos que passam todo um currículo de investigação.
Em particular, os autores trabalham com atividades de modelização, superando as
visões empírico-dedutivistas, criticadas por Kuhn e seus contemporâneos, de onde
resultam três pontos fundamentais: destacam o papel dos modelos e da construção de
dados no empreendimento científico, diminuindo o papel da teoria; aponta a
comunidade científica como parte fundamental deste processo; e vê os processos
cognitivos científicos com um sistema distribuído que inclui o uso de ferramentas.
Eles destacam que os modelos são um auxílio externo do pensamento,
funcionando como uma “prótese cognitiva” com fins sociais e epistêmicos. Por
exemplo, um modelo matemático fornece formas para manipular dados com o objetivo
de prever e explicar. Assim, os modelos são parte fundamental da comunidade
científica.
É importante destacar ainda que a filosofia da ciência contemporânea modificou
a forma de se conceber a ciência contemporânea, que é dirigida por empreitadas
experimentais, teóricas e modelizadoras, nas quais o conhecimento científico é tanto
uma consequência da investigação quanto um objetivo desta última, na medida em que
ampara a tecnologia de ponta e dá suporte para as demandas sociais, como encontrar
uma energia limpa e renovável. Coloca-se em pauta assim as formas como o
conhecimento é gerado e validado, além da sua mera justificação.
Isto põe em cheque as visões empírico-indutivistas de investigação científica,
que são radicalmente suplementadas a partir da análise profunda de seus dogmas,
promovendo uma visão mais complexa do referencial da educação científica e do
método científico para uma investigação científica escolar. A saber:
1. Existe uma significativa diferença epistemológica entre a linguagem
experimental e a linguagem teórica e esta distinção pode ser feita em termos sintáticos
ou gramáticos. Onde se ignora a necessidade de um corpo teórico de conhecimentos
para fazer as observações, ajudando a tomar decisões, na escolha dos dados e quais usar
como provas, a escolher as perguntas etc – ou seja, aspectos essenciais para se
incorporar nas práticas pedagógicas.
2. Algumas formas da lógica indutiva encontradas podem ser usadas como
critério de avaliação da teoria, porém diferentes pesquisadores podem ter interpretações
divergentes de como os dados concordam com a teoria, já que isto envolve os
preconceitos dos mesmos. Destaca-se, portanto, a necessidade de avaliação de modelos
alternativos e teorias para refiná-los, tanto como aceitá-los ou rejeitá-los. Sendo
importante considerar essas práticas na sala de aula através de atividades dialógicas,
discutindo os méritos de cada modelo alternativo e teoria e procurando critérios para
avaliá-los (estudar Kelly (2005), Chinn & Samarapungavan (2005), Edelson (2005) e os
comentários respectivos por Rudolph (2005), Krajick (2005) e Bordeaux (2005)).
3. Há uma importante dicotomia entre o contexto de descoberta e contexto de
justificação, já que o contexto de desenvolvimento da teoria e de modificação conceitual
é o que toma mais tempo na atividade científica. Ou melhor, a maior parte do tempo de
trabalho dos cientistas se dá em torno dos processos dialógicos de desenvolvimento da
teoria e lidar com dados anômalos – situação em que se destaca a abdução no processo
de raciocínio científico. Dessa forma, os estudantes precisam engajar nestas formas de
produção do conhecimento científico, como interpretar novos dados e as novas teorias
para interpretá-los, mostrando como os cientistas fazem tentativas de explicação
baseados em hipóteses ou raciocínio científico.
4. O cientista individual é a unidade de análise para compreender a ciência, trata-
se de uma crença bastante difundida e que foi inicialmente criticada por Kuhn ao
introduzir o conceito de comunidade científica, nas quais “... existem importantes
processos dialógicos acontecendo como reivindicações de conhecimento e crenças que
são postulados e justificados. Investigação científica envolve um conjunto complexo de
processos discursivos” (p. 153).
5. Diferentes referenciais teóricos científicos são comensuráveis, o que não se
configura já que os paradigmas representam visões de mundo distintas e possuem
linguagem própria. Assim, mudança de paradigma envolve um processo de persuasão,
além de complexos processos discursivos:
Embora o teste de hipótese seja e sempre será uma pedra angular da
ciência, o teste de hipóteses de hoje ocorre dentro de estruturas mais
complexas que requerem estratégias mais sutis para a representação e o
raciocínio com provas. As estratégias sutis[...] não são dirigidas por
regras, mas sim emergem das práticas dialógicas ou dialéticas da
ciência. Desafiar as crenças 4 e 5 destaca a importância das dimensões
sociais da ciência: a representação, a comunicação e as práticas de
argumentação (Longino 1990; Salomão 2001, 2005). Atenção para os
quadros teóricos ou modelo baseado neles fornecem as concepções
norteadoras para todos os aspectos da investigação científica, bem como
a fundamentação para o envolvimento em práticas discursivas está
ausente da escola de ciência (Chinn & Samarapungavan 2005; Windshitl
2005). (p.154).
6. O desenvolvimento científico é cumulativamente progressivo é uma crença a
ser desafiada, uma vez que a escolha teórica é uma importante característica do fazer
científico, que pode levar a novos e originais domínios de investigação (além disso,
existe a incomensurabilidade de paradigmas). Dessa forma, os alunos precisam engajar
em situações em que necessitam analisar explicações alternativas, usando suas
concepções como ponto de partida desse processo, além de alocar um espaço no
currículo para que eles possam avaliar os critérios de seleção de explicações.
7. A afirmação de que as teorias científicas podem ser mais proveitosas se
consideradas como um conjunto de sentenças em linguagem formal, limita a visão sobre
elas. Deste modo as teorias científicas são consideradas como famílias de modelos
fundamentados entre evidências empíricas e formais e explicações teóricas. Logo, o
modelo hipotético-dedutivo da ciência não faz jus às complexidades inerentes da
produção científica.: “Parâmetros funcionais e pragmáticos são importantes
considerações para descrever e compreender o desenvolvimento do conhecimento
científico e os métodos que acompanham a investigação científica” (p. 155).
Os autores argumentam que ao refletir sobre essas sete crenças no ensino de
ciências, traz a necessidade de ampliar a visão de método científico reconhecendo o
papel da experiência e do teste de hipóteses, destacando que as práticas de investigação
científica possuem dimensões conceituais, epistemológicas e sociais essenciais que
envolvem o engajamento em estratégias dialógicas e discursivas. O método científico
seria ampliado e inclui três imagens simultâneas e sequenciais da natureza da ciência: a
ciência dirigida pelo experimento hipotético-dedutivo, a ciência impulsionada pela
mudança conceitual da teoria e a ciência baseada em modelos1.
Não há consenso em dois aspectos sobre como desenvolver nos estudantes um
entendimento da natureza da ciência (NC):
 Um sobre a própria NC: há um consenso sobre a inadequação das sete crenças
apresentadas, porém, não existe acordo sobre o que é NC, alguns afirmam que a
ciência é mecanicista o que já foi amplamente criticado, ou ainda, que ela é
causal, o que entra em conflito com as distribuições estatísticas não causais
1
Hypothetico-deductive experiment driven science; Conceptual Change theory driven science; Model-
based driven science.
usadas nas pesquisas, além disso, não existe concordância sobre o que é a
causalidade. Por outro lado, há quem afirme que as hipóteses científicas
precisam ser testáveis, mas não se consegue delimitar regras claras para
estabelecer o que se pode testar ou não, já que esse processo fundamenta-se em
práticas sociais que dependem das particularidades de cada ocasião.
 Outro sobre como ensiná-la – sugere-se listar os tópicos necessários sobre NC e
planejar atividades para analisar e refletir sobre eles, ou ainda, planejar uma
sequência de atividades que contemple esta lista e que faça os estudantes
debaterem sobre a ciência como uma forma de conhecer.
Isto traz implicações para o ensino, já que os princípios físicos e leis são
elementos importantes para desenvolver critérios do que é científico ou não. Ao criticar
as sete crenças obtêm-se componentes que servem como contextos que facilitam as
atividades e processos cognitivos dialógicos embutidos em fazer ciência, trazendo
implicações para o currículo.
Os autores destacam ainda que uma vez que a ciência envolve coletar dados e
transformá-los em evidências, e depois, em explicações, o currículo deve preparar os
estudantes para fazer descobertas científicas e iniciar-se nas investigações científicas
examinando o desenvolvimento ou a aquisição de dados (através de questões orientadas;
dando prioridade à evidência, que permite desenvolver e avaliar explicações
respondendo às questões; formulando explicações para as evidências e também
responder às questões; avaliando suas explicações a partir de explicações alternativas,
principalmente às que envolvem entendimento científico; comunicando e justificando
suas explicações), e ainda, transformar dados através de evidências/explicações
continuas. Assim, os estudantes são iniciados nas práticas cognitivas, epistêmicas e
sociais do fazer científico em três etapas: selecionando dados para transformá-los em
evidência, analisando evidências para gerar modelos e/ou localizar padrões de
evidência, e por fim, encontrar as explicações científicas que representam os modelos
ou padrões de evidência. É necessário ainda que se responda criticamente aos outros, se
formule críticas apropriadas aos outros, se faça uma crítica das próprias explicações e
que se reflita sobre explicações alternativas e não se tenha uma única solução.
Estes tipos de atividades que englobam as características apresentadas são
chamados de unidades de imersão, onde opta-se por sequências instrucionais mais
extensas, baseadas em temas fundamentais da física, influenciadas pelas ciências
cognitivas que pesquisam sobre progressões de aprendizagem. Essas pesquisas impõem
três questões que interferem na reflexão sobre o caráter, a composição e a natureza da
ciência na escola:
1. Quais são as origens das formas de pensamento científico?
2. Para onde ele vai?
3. Quais são os suportes que produzem mudança de pensamento? (p.158)
A primeira questão está bem respondida pelas pesquisas, já nas outras duas há
pouca pesquisa e suas respostas são fundamentais para repensar a educação científica,
que atualmente é limitada pelas condições econômicas, políticas e ideológicas, e sua
transformação só será possível se introduzir os resultados das pesquisas na cultura
escolar ou mudá-la por completo para acomodar estes resultados, procurando evitar
práticas compartimentadas da ciência, que enfatizam apenas o conceito em detrimento
do sistema de aprendizagem de conhecimento, focam em atividades investigativas de
completar experimentos no lugar de testar e revisar modelos explicativos. Dessa forma,
não se desenvolvem práticas cognitivas, epistêmicas e sociais que permitem a embasar
tais modelos.
Devemos ajudar os alunos com o desenvolvimento de processos
dialógicos para a construção e avaliação de alegações de conhecimento.
Assim, através do planejamento, os alunos têm extensas oportunidades
de explorar e criticar as relações entre evidência e explicação. Para este
fim, uma recomendação de consenso é situar a investigação sobre
sequências instrucionais temáticas mais longas, onde o tema é definido
não somente pelas estruturas conceituais de conteúdo científico. Em vez
disso, a sequência de instrução é projetada para suportar a aquisição e
avaliação de evidências, bem como habilidades cognitivas, discursivas e
de raciocínio que promovam processos discursivos dialógicos.
(p.158/159)
Dessa forma, o currículo precisa promover sequências instrucionais mais longas
sobre 'grandes ideias', unificando temáticas e princípios científicos.

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