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Contribuições de Frege para a Filosofia da Matemática

No prefácio da sua Conceitografia, Frege descreve em linhas gerais seu projeto


filosófico e as dificuldades que o levaram a elaborar o seu sistema formal e sua
notação, isto é, sua ‘Conceitografia’. Frege nos diz:
O método de prova mais seguro consiste, obviamente, em seguir estritamente a
lógica, que abstraindo as características particulares das coisas, apoia-se
exclusivamente nas leis sobre as quais se baseia todo o conhecimento. Por esta
razão, dividimos todas as verdades que requerem prova em duas espécies: aquelas
cuja prova pode ser conduzida por meios puramente lógicos e aquelas cuja prova se
apoia em fatos empíricos.
[...] quando indago a qual destas duas espécies [de verdade] pertencem os juízos
aritméticos, devo de início investigar até que ponto se procede em aritmética
apenas por meio de inferências [formais], pelo uso tão somente das leis do
pensamento que transcendem a todas as particularidades [...] A Aritmética seria,
portanto, apenas uma lógica mais desenvolvida, cada proposição aritmética uma lei
lógica, embora derivada.

Frege tentou reduzir a matemática à lógica, estabelecendo uma linguagem formal para
expressar pensamentos e ideias matemáticas de forma precisa.
À sua maneira, ele queria fornecer uma base sólida para a matemática, buscando
estabelecer as noções fundamentais em que toda a matemática poderia ser construída
de forma consistente e livre de contradições.
Considerou a linguagem precária para lidar com a empreitada de revisar e reformular
a matemática de um modo coerente, lógico e completo. Então recorreu a sinais novos
e metodologia própria, de modo a simplificar o caminho que seria demasiado longo e
complexo, ao lidar com a matemática que havia.
Ele procurou exprimir o pensamento com recursos gráficos, que podem concluir pela
verdade ou falsidade das proposições. Essa abordagem analítica possibilitou que
representasse as questões, por meio de proposições, cuja forma simbólica se tornou
mais clara e resumida.
Um conceito importante introduzido por Frege foi o de "função" (ou "conceito
funcional"). Ele considerava que as sentenças podiam ser compostas por funções e
argumentos.
Frege também se valeu da teoria da verdade, atribuindo significado às sentenças
declarativas através de condições de verdade. Pois uma sentença é verdadeira se
corresponde a um fato ou à relação apropriada entre os objetos referidos em sua
expressão. Ele tratou os números naturais como objetos, e incluiu o conceito de
quantificação, permitindo quantificar sobre conjuntos de objetos, além da lógica do
sinal de identidade. Essas ideias foram fundamentais para a lógica de predicados e
teoria dos conjuntos.
Com a sua conceitografia, Frege tratou de evitar o risco de surgirem interferências
da intuição, o que poderia afetar a coerência das conclusões obtidas por meio da
lógica, gerando uma complexidade inconveniente, que poderia causar "desvios de
rota", levando a erros, ou - pelo menos - dificultando manter a coerência do
processo.
Num primeiro momento ele foi bem sucedido, pois introduziu um método que podia
simplificar as abordagens feitas à matemática - e acho que esse é o seu mérito.
Contudo Frege não logrou encontrar um conceito adequado para "número", e - apesar
das contribuições significativas para a lógica e a matemática - a conceitografia de
Frege não foi completamente bem-sucedida em seu objetivo original de reduzir a
matemática à lógica formal. No início do século XX, Bertrand Russell descobriu uma
contradição na teoria dos conjuntos de Frege, conhecida como "Paradoxo de Russell",
que lançou dúvidas sobre os fundamentos de toda a lógica formal. Essa descoberta
levou a uma série de esforços para revisar e aperfeiçoar os sistemas lógicos e
matemáticos, dando origem à lógica e à teoria dos conjuntos modernos. No entanto, a
conceitografia de Frege continua sendo uma das bases para o estudo da lógica e da
filosofia analítica. Em 1903, o próprio Russell considerou o trabalho de Frege como
sendo superior ao seu, e o recomendou.
Frege perseguiu o propósito de fundamentar a aritmética em uma base lógica sólida,
ou seja, mostrar que as leis e os conceitos aritméticos podem ser derivados de
princípios lógicos mais fundamentais, sem precisar se basear nem na experiência,
nem na intuição, para as suas demonstrações.
Usando a sua "conceitografia", desenvolveu o conceito de "função", e definiu os
números naturais como valores de uma função. Em outras palavras, ele considerava
cada número natural como o valor de uma função aplicada a um argumento específico.
Então abordou o problema da definição dos números naturais, utilizando o zero, o
número um e o sucessor de cada número se valendo de formulações.
Após determinar que a indicação numérica contém um enunciado sobre um conceito, ele
tentou definir os números zero e 1.
Para definir o zero, lhe pareceu válido afirmar que a um conceito convém o número O
se vale universalmente, para qualquer a, a proposição de que a não cai sob este
conceito.
Para definir o 1, ele afirmou que a um conceito F convém o número 1 se não vale
universalmente, para qualquer a, a proposição de que a não cai sob F, e se das
proposições "a cai sob F" e b cai sob F" segue-se universalmente que a e b são o
mesmo.
Para definir de modo geral a sucessão de um número ao imediata#mente seguinte,
formulou que ao conceito F convém o número (n + 1) se existe um objeto a que cai
sob F e tal que ao conceito "cai sob F mas não é a", convenha o número n.
No entanto, essas definições não o satisfizeram, pois encontrou os seguintes
problemas:
- relacionado a sucessão concluiu que o sentido da expressão "ao conceito G convém
o número n" é tão desconhecido quanto o da expressão "ao conceito F convém o número
(n + 1)", pois se poderia dizer o que significa "ao conceito F convém o número 1 +
1", e a partir desse resultado, indicar o sentido da expressão "ao conceito F
convém o número 1 + 1 + 1", etc.; mas por meio dessas definições não poderia
decidir se a um conceito convém o "número Júlio César", ou seja, se algo é, ou não,
um número. De modo geral seria impossível demonstrar uma igualdade numérica, pois
não se poderia apreender um número determinado.
Ele concluiu que não havia feito a definição que pretendia. Apenas havia
determinado o sentido das locuções que citavam que "o número zero convém a" e que
"o número 1 convém a", mas não havia demonstrado que zero e 1 seriam objetos
independentes e possíveis de serem reconhecidos novamente, pois a citação de um
número que convém a um determinado conceito, apresenta uma relação desse número com
tal conceito, mas não é, propriamente, a definição desse número.
Por fim, ele conclui que o número não é algo físico nem subjetivo; mesmo que o
anexemos a um nome, não poderemos apreendê-lo, após essa anexação.

Para criar uma definição da noção de número, por meio de um “critério de identidade
numérica”, Frege recorreu a um estratagema que simplificasse o processo. Após
estabelecer que os numerais são objetos independentes, buscou formular proposições
que tivessem sentido e possibilitassem um reconhecimento. Com um sinal a designando
um objeto, precisava de um critério para decidir, em qualquer caso, se b é o mesmo
que a. Após ter logrado um meio de apreender um número determinado e reconhecê-lo
novamente como sendo o mesmo, poderia atribuir-lhe um numeral como nome próprio. A
intenção era formar o conteúdo de um juízo que se deixaria apreender por meio de
uma equação.
Por meio do conceito de igualdade, já de antemão estabelecido, e do conceito de
número, deveriam resultar as condições nas quais números seriam iguais entre si,
sem que para isso houvesse ainda a necessidade de uma definição particular.
Frege pretendia modificar um esquema montado substituindo o que lhe conviesse.
A partir da proposição "a reta a é paralela à reta b", procurou significar que "a
direção da reta a é igual à direção da reta b". Simbolicamente a//b, pode ser
apreendido como uma equação. Ao fazê-lo, podia obter o conceito de direção e dizer:
"a direção da reta a é igual à direção da reta b". Bastava substituir o sinal "//"
pelo sinal mais geral "=", para que, partindo do conteúdo inicial, chegasse a um
novo conceito.
No entanto, Frege concluiu que todas as equações resultariam em reconhecer como o
mesmo, aquilo que é dado da mesma maneira, ou seja, algo evidente e tão estéril que
não valeria a pena formulá-lo.

Para Frege, os números cardinais são conceitos que existem no pensamento e na


linguagem, mas não possuem uma existência física ou concreta no mundo real.
Podemos atribuir a um número cardinal conjuntos que possuem elementos contáveis.
Por exemplo, podemos atribuir o número 2 ao conjunto de satélites de Marte, pois
são contáveis e sabemos que existem dois deles. O sujeito do enunciado, nesse caso
constitui um conceito, delimita um conjunto, pois é referente a "satélites de
Marte", ao qual atribuimos o número 2.
Conforme Frege, uma indicação numérica contém um enunciado sobre um conceito. Em
relação ao número zero, por exemplo, se dizemos que "Vênus tem zero luas", não há
absolutamente nenhuma lua, ou agregado de luas, relacionado ao que se enuncia.
Dessa forma é atribuída, ao conceito "lua de Vênus", a propriedade de não incluir
nada, ou da ausência de algo. Frege adverte que, dependendo da forma de expressar
um conceito, podemos modificar as suas propriedades. Por exemplo: ao conceito
"habitante do império alemão no Ano Novo de 1883, hora de Berlim" convirá o mesmo
número por toda a eternidade, enquanto que dizer "a é um habitante do império
alemão" não define o tempo relacionado, e dizer: "a habita no império alemão", se
refere precisamente ao momento presente.

Frege considerava que os números cardinais são os que estão em conexão com a
operação de contagem, representam a quantidade de elementos que pertencem a um
conjunto e podem cumprir uma relação biunívoca entre conjuntos.
Para Frege são Zahlen todos os números de todas as espécies (inteiros e
fracionários, positivos e negativos, racionais e irracionais, reais e complexos),
mas são Anzahlen apenas os que respondem à questão "Quantos?", os que chamamos de
cardinais.
Os números 0 e 1 são conceitos abstratos que representam quantidades específicas. O
número 0 representa a ausência de elementos em um conjunto, enquanto o número 1
representa a existência de um único elemento nesse conjunto.
Na visão de Frege, zero é o número que convém ao conceito "diferente de si
próprio"... mas, também, o número que convém ao conceito "igual a zero, mas não
igual a zero", enquanto o 1 segue na série natural dos números imediatamente após
zero. Se sob o conceito F cai um objeto, e se, caso x caia sob o conceito F e y
caia sob o conceito F, se pode concluir em geral que x = y, então 1 é o número que
convém ao conceito F.
A relação de um número n com seu sucessor n+1 é uma relação de continuidade. O
sucessor de um número n é o número que possui uma quantidade de 1 elemento
adicionada ao conjunto que corresponde ao número n. Por exemplo, o sucessor de 2 é
3, pois ao adicionar um elemento a um conjunto com 2 elementos, obtemos um conjunto
com 3 elementos.
Segundo Frege, ao conceito F convém o número (n + 1) se existe um objeto a que cai
sob F e tal que ao conceito "cai sob F mas não é a", convenha o número n.

A grande contribuição de Frege para a lógica matemática foi a criação de um sistema


de representação simbólica (a conceitografia) para representar formalmente a
estrutura dos enunciados lógicos e suas relações, e a contribuição para a
implementação do cálculo dos predicados.
Na estrutura interna das frases, Frege substituiu a dicotomia sujeito-predicado,
herdada da tradição lógica Aristotélica, pela oposição matemática função-argumento.
Ao articular o conceito de quantificação, Frege possibilitou sua manipulação em
regras de dedução formal (expressões "para todo o x", "existe um x", etc.)

Ao contrário de Aristóteles, e de George Boole, em vez de se ocupar com as chamadas


"leis do pensamento", Frege buscou a sistematização do raciocínio matemático,
encontrar uma caracterização do que é uma “demonstração matemática”. Frege havia
notado que os matemáticos frequentemente cometiam erros em suas demonstrações,
supondo que certos teoremas estavam demonstrados, quando na verdade não estavam.
Para corrigir isso, Frege procurou formalizar as regras de demonstração, iniciando
com regras elementares, sobre cuja aplicação não houvesse dúvidas. Assim chegou ao
desenvolvimento do cálculo de predicados (ou lógica de predicados).

Segundo Frege, a referência de um nome é aquilo que o nome denota, e o sentido é o


modo de apresentação do objeto denotado, como em sentenças de identidade
informativa, do tipo A=B. (Veja (*) no final do texto)
Tyler Burge, intérprete de Frege, distingue três noções de sentido na obra de
Frege:
- O modo de apresentação (contendo valor informativo) associado a uma expressão;
- O determinante da referência/denotação associada à expressão;
- O que providencia entidades a serem denotadas em contextos oblíquos.

Com um tratamento rigoroso das ideias de funções e variáveis, Frege queria mostrar
que a matemática se desenvolve a partir da lógica. Ele inventou a lógica de
predicados axiomática, que resolveu o problema da generalidade múltipla. A "notação
conceitual" de Frege pode representar inferências envolvendo afirmações matemáticas
indefinidamente complexas. A análise dos conceitos lógicos e a formalização que é
essencial para a Principia Mathematica (3 vols., 1910-1913), a teoria das
descrições de Russell, os teoremas de incompletude de Kurt Gödel (1906-1978), e a
teoria da verdade de Alfred Tarski (1901-1983), são, em última análise, devido a
Frege.
Um dos propósitos de Frege era isolar os princípios lógicos de inferência, de modo
que na representação adequada da prova matemática, seria sem nenhum apelo a
"intuição" - esta deveria ser representada em separado como um axioma, enquanto a
prova era para ser puramente lógica e sem lacunas.
Frege defendia o logicismo.
Frege tentou obter, pelo uso de seu simbolismo, todas as leis da aritmética de
axiomas que ele afirmou como lógicas.

Frege é um dos fundadores da filosofia analítica, principalmente por causa de suas


contribuições à filosofia da linguagem, incluindo a:
Função-argumento análise da proposição;
Distinção entre conceito e objeto (Begriff und Gegenstand);
Princípio da composicionalidade;
Princípio do contexto;
A contribuição de Frege para o avanço da lógica cede espaço também para o avanço da
semântica. Ao analisar temas como “sentido”, “referência”, “identidade”, “negação”,
“objeto”, “asserção” e “verdade/falsidade’”, Frege influenciou profundamente a
filosofia da linguagem no século XX.

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