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Seminário Aprofundados em Psicologia I

Abuso e Negligência na Infância e Adolescência

Docente Alexandra Carneiro

Trabalho realizado por:

Inês Marques Leichsenring Franco (320120021)

Novembro, 2023
Mestrado em Psicologia Clínica e da Sáude
Faculdade de Educação e Psicologia | Universidade Católica Portuguesa
De acordo com o Relatório Anual 2022 da Associação Portuguesa de Apoio à
Vítima (APAV, 2022), o abuso de crianças e adolescentes continua a ser uma
preocupação significativa em Portugal – no decorrer do mesmo ano registou-se um total
de 1356 crimes sexuais contra crianças e jovens. Deste modo, irei posicionar-me
criticamente sobre a importância da intervenção e avaliação em casos de abuso e
negliência na infância e adolescência.
De facto são múltiplos os autores (Dahake et al., 2018; Figueiredo, 1998;
Finkelhor, 2020; Gewirtz-Meydan & Finkelhor, 2010; Peverill et al., 2023; Trickett &
McBride-Chang, 1995) que exploram o impacto que as diferentes formas de abuso e
negligência na infância e na adolescência têm no desenvolvimento dos indivíduos.
Efetivamente, défices de competências sociais, dificuldades na regulação emocional,
desadequação social, maior predisposição para o desenvolvimento de perturbações de
comportamento, perturbações de ansiedade, depressão, problemas cognitivos a nível da
flexibilidade e de aprendizagem e alterações no desenvolvimento da personalidade são
apenas algumas das consequências psicológicas que este tópico (Dahake et al., 2018;
Figueiredo, 1998; Finkelhor, 2020; Gewirtz-Meydan & Finkelhor, 2010; Gruhn &
Compas, 2020; Lazenbatt, 2010; Peverill et al., 2023; Spann et al., 2012; Trickett &
McBride-Chang, 1995). Note-se, ainda, que mesmo que a criança mude de contexto o
impacto desenvolvimental será igualmente significativo (Peverill et al., 2023; Silva,
2020), pelo que eu, enquanto furuta psicóloga irei desempenhar um papel preponderante
no que toca à sinalização, avaliação e intervenção de crianças que se encontrem nesta
situação.
Pelo que interiorizei deste seminário, o papel dos profissionais de psicologia na
abordagem do abuso de crianças e adolescentes em Portugal é multifacetado. De acordo
com a Lei nº 147/99 de 1 de setembro, intitulada Lei de Protecção de Crianças e Jovens
em Perigo, a sinalização deve ser feita, e.g. aquando da identificação de fatores de risco
familiares, falta de colaboração da família, existência de lesões físicas ou sinais de
negliência, ou quando a criança assume comportamentos ou se entrega a atividades ou
consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou
desenvolvimento sem que o representante legal ou quem tenha a guarda, de facto, se lhes
oponham de modo adequado a mitigar essa situação. Porém esta sinalização deve ser
feita, com o envolvimento imediato das autoridades relevantes, tais como a Associação
Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a Emergência Infantil (EI), o Instituto de Apoio
à Criança (IAC), o Centro de Estudos Judiciários (CEJ), o Projecto de Apoio à Família e
à Criança (PAFAC), as diversas Instituições Particulares de Solidariedade Social, as
Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (CPCJ), bem como da
articulação com as diferentes estruturas penais e de proteção (Basto-Pereira et al., 2016;
Dahake et al., 2018). De destacar que de acordo com a lei referida anteriormente, a
intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo deve
ter em conta o interesse superior da criança ou jovem e, igualmente, deve ser efetuada no
respeito da intimidade, direito à imagem e pela reserva da sua vida privada. Essa
intervenção deve ser feita, no entanto, de modo consensual com os pais, representantes
legais ou quem tenha a guarda de facto da criança ou jovem, e mediante a não oposição
do menor com idade igual ou superior a 12 anos (Lei nº 147/99 de 1 de setembro).
Nas etapas de avaliação integrada e intervenção, enquanto futura psicóloga, devo
ter em conta que a capacidade da criança ou jovem de revelação e fornecimento de
informação, irá depender da etapa desenvolvimental em que a mesma se encontra, e que
muitas vezes a vergonha perante estranhos, a necessidade de agradar aos adultos e a
expectativa de que o adulto sabe mais do que ela podem levar a que a criança possa revelar
um relato “lacunar” (ou seja, com dificuldades a nível da evocação de detalhes), de forma
episódica e não sequencial (Habigzang et al., 2005; Antão et al., 2019). O nosso papel
enquanto futuros psicólogos será permitir que a revelação seja feita pela criança ou jovem
de forma espontânea, motivada e desencadeada, algo que é facilitado pela existência de
um contexto relacional no qual a criança se sinta apoiada e protegida (Lanktree & Briere,
2008; McKenzie & Kossar, 2013). Logo, oferecer um espaço securizante e adequado à
idade da criança ou jovem, o manter uma postura relaxada e manter o contacto ocular
com a criança irá transmitir segurança, irá valorizar o papel da criança ou jovem no
processo e permitirá maximizar as competências de transmissão de informação da mesma
(Lanktree & Briere, 2008; McKenzie & Kossar, 2013). Por outro lado, o aceitar das
“lacunas” de informação permitem que a criança ou jovem tenham a opção de discurso
livre e relato espontâneo sobre a situação.
Concluindo, a intervenção e avaliação do abuso e negligência na infância e na
adolescência representam uma responsabilidade fundamental para os futuros psicólogos.
No entanto, a colaboração com serviços de proteção infantil, entidades legais e
profissionais de saúde é fundamental para garantir uma abordagem holística (Basto-
Pereira et al., 2016; Dahake et al., 2018).
Referências

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