O texto oferecido como aporte teórico na quinzena nos trouxe reflexões
importantes. A autora Anna Paula Menezes apresentou o conceito de transposição didática sustentado por dois autores, Michel Verret e Yves Chevallard. Este artigo começou elencando três correntes filosóficas sobre o conhecimento, sendo elas: a filosofia empirista, em que o conhecimento era registrado na mente do indivíduo a partir da experiência vivida; a filosofia racionalista, baseada em Platão e seu mundo das ideias; e a visão interacionista, em que o conhecimento é uma construção, considerando a interação entre sujeito e objeto. Seguindo a linha, a autora aproveita para trazer a distinção entre saber e conhecimento em se tratando da didática da Matemática. Nessa distinção, o saber diz respeito a uma construção científica, histórica e cultural, distante do conhecimento, esse encontrado na relação
A transposição didática, conceito que dá nome ao título do capítulo lido,
é o fenômeno que acontece na transformação do saber no caminho percorrido entre sua origem e o ponto final – no caso, o aluno na escola. Há aqui o desejo de que o aluno se aproprie desse saber, mas não exatamente da maneira como ele foi produzido. Neste sentido, a autora traz duas considerações importantes. A primeira é a de que o saber está localizado, ancorado em uma instituição, de maneira que a transposição didática permitiria o translado desse saber entre instituições diferentes, dando a ele significados ou, nos termos utilizados, “roupagens” diferentes. A segunda é a necessidade de se apresentar esse saber à sociedade, permeada por pressões externas. Poderíamos dizer neste sentido que essa apresentação cumpre papel também de validação. Pesquisas são, certa maneira, investimentos. Em se tratando de fomento privado, os investidores recebem relatórios e esperam ver o fruto do seu capital aplicado. Pesquisas realizadas em instituições públicas, fomentadas pelo governo e por impostos também acabam não fugindo à regra. Embora as publicações não tenham esse objetivo específico, elas acabam por também validar o saber produzido. Ainda, sobre essa necessidade de se apresentar o saber à sociedade, cabe lembrar o papel determinante que Carl Sagan teve, a título de exemplo, na política de fomento à ciência estadunidense. Seu livro – e programa de TV homônimo – Cosmos trouxe descobertas científicas e históricas a milhares de pessoas, despertando-lhes o interesse em biologia, física, química, dentre outras ciências. O caminho trilhado por Sagan é hoje repetido e ampliado em plataformas digitais como o Youtube, onde inúmeros influenciadores, professores, estudiosos e acadêmicos criam canais para levar o saber científico ao seu público. Tanto Sagan quanto os youtubers estão, certa maneira, fazendo transposições didáticas.
Dando sequência, a autora trouxe o conceito de noosfera. Em sua
leitura, fundamentada em Chevallard (1991), a noosfera é um tipo de instituição velada, escondida, que decide e valida o que deve ser ensinado na escola. Anna Paula trata em seu texto de dois tipos de transposição didática, uma externa, permeada por essa noosfera e outra interna, essa a cargo do professor em sala de aula. Sendo a noosfera composta por inúmeros setores, dentre eles a sociedade civil, uma preocupação pipocou na fala de alguns colegas e também na minha, no tocante à maneira como a sociedade civil define o que deve ou não ser ensinado nas escolas. Estamos no Brasil, país permeado por ideologias conservadoras e por vezes negacionistas. Essas ideologias reforçaram a onda de ataques já tradicionais à educação, de maneira que diversos conteúdos e disciplinas sofreram com a ascensão de movimentos anti-ciência. No campo da Geografia com o terraplanismo voltando a figurar na discussão e também no campo da Biologia, que se antes já tinha que se preocupar com a volta do criacionismo, agora se deparou com discursos anti-vacinas e contra o isolamento social, protocolos necessários no combate à pandemia do COVID-19. Nosso país perdeu centenas de milhares de vidas, boa parte delas em razão de discursos como esse terem ganhado voz e palanque.
Finalmente, ao considerarmos a transposição didática interna, nos debruçamos
ao trabalho realizado pelo professor com seus alunos. A autora traz leituras de Bessa de Menezes (2004) que contribuem com o pensamento de que essa transposição muitas vezes acontece sem que o professor tenha sequer consciência do processo, tendo-a como algo inerente à sua função. Pelo contrário, o professor pensa estar sendo absolutamente fiel ao saber, apenas verbalizando seus elementos. Há na fala de alguns colegas em fórum a preocupação de o professor permaneça em seu papel de maneira a transformar o conhecimento em algo generalizável, despersonalizando e descontextualizando o saber. Por um lado, é importante que haja certa personalização na construção do conhecimento por parte do professor, entendendo que cada um possui seu conjunto de vivências e pensará na maneira que julgar melhor para adaptar o saber científico em algo palatável aos alunos. Por outro, há de se considera também a existência dos contratos realizados na construção do conhecimento. No texto a autora traz alguns exemplos, do campo da álgebra – operações básicas – em que contratos são definidos, à forma de algoritmos, para a realização da operação, porém mostra que no caminhar da vida acadêmica do aluno muitos contratos são atualizados ou mesmo quebrados para a definição de novos contratos, ressignificando compreensões anteriores. Assim, essa plasticidade também faz parte da transposição didática realizada pelo professor, influenciando esse fenômeno.
Concluo com a certeza de que o texto me trouxe uma nova maneira de
compreender toda a mudança que ocorre do saber à sala de aula. A oportunidade de ler as conclusões dos colegas, trazer as minhas conclusões e estabelecer diálogo fez dessa quinzena uma oportunidade rica de construção de conhecimento.
REFERÊNCIA
MENEZES, Anna Paula Brito. Contrato Didático e Transposição Didática: Inter-
relações entre os fenômenos didáticos na iniciação à álgebra na 6ª série do Ensino Fundamental. 410f. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2006. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/3811/1/arquivo253_1.pdf. Acesso em: 16 mai. 2023
(Trans) Disciplinaridade e Campo Acadêmico: Apontamentos Epistemológicos e Pensamento Complexo Na Fundamentação e Institucionalização Dos Estudos Comunicacionais