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Letras em dia, Português, 11.

° ano Questão de aula – Educação Literária

Nome: N.º: Turma:

Avaliação: O(A) professor(a):

Eça de Queirós, Os Maias


Lê atentamente o excerto de Os Maias, de Eça de Queirós.

Com um gesto Carlos recusou, e veio sentar-se no terraço. A tarde descia, calma, radiosa,
sem um estremecer de folhagem, cheia de claridade dourada, numa larga serenidade que
penetrava a alma. Ele tê-la-ia pois encontrado, ali mesmo naquele terraço, vendo também cair a
tarde – se ela não estivesse impaciente por tornar a ver a filha, algum bebezinho loiro que ficara
5 só com a ama. Assim, a brilhante deusa era também uma boa mamã; e isto dava-lhe um encanto
mais profundo, era assim que ele gostava mais dela, com este terno estremecimento humano
nas suas belas formas de mármore. Agora, já ela estava em Lisboa; e imaginava-a nas rendas
do seu peignoir, com o cabelo enrolado à pressa, grande e branca, erguendo ao ar o bebé nos
seus esplêndidos braços de Juno, e falando-lhe com um riso de ouro. Achava-a assim adorável,
10 todo o seu coração fugia para ela... Ah! poder ter o direito de estar junto dela, nessas horas de
intimidade, bem junto, sentindo o aroma da sua pele, e sorrindo também a um bebé. E, pouco a
pouco, foi-lhe surgindo na alma um romance, radiante e absurdo: um sopro de paixão, mais forte
que as leis humanas, enrolava violentamente, levava juntos o seu destino e o dela; depois, que
divina existência, escondida num ninho de flores e de sol, longe, nalgum canto da Itália… E toda
15 a sorte de ideias de amor, de devoção absoluta, de sacrifício, invadiam-no deliciosamente –
enquanto os seus olhos se esqueciam, se perdiam, enlevados na religiosa solenidade daquele
belo fim da tarde. Do lado do mar subia uma maravilhosa cor de ouro pálido, que ia no alto diluir
o azul, dava-lhe um branco indeciso e opalino, um tom de desmaio doce; e o arvoredo cobria-se
todo de uma tinta loura, delicada e dormente. Todos os rumores tomavam uma suavidade de
20 suspiro perdido. Nenhum contorno se movia como na imobilidade de um êxtase. E as casas,
voltadas para o poente, com uma ou outra janela acesa em brasa, os cimos redondos das
árvores apinhadas, descendo a serra numa espessa debandada para o vale, tudo parecera ficar
de repente parado num recolhimento melancólico e grave, olhando a partida do Sol, que
mergulhava lentamente no mar...
QUEIRÓS, Eça de, 2016. Os Maias. Porto: Porto Editora (pp. 254-255)

1. Comprova a presença do espaço psicológico no excerto.

2. Caracteriza a figura feminina que ocupa o pensamento de Carlos.

3. Explica a relação entre Carlos e a paisagem observada.

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Letras em dia, Português, 11.° ano Sugestões de resolução

Eça de Queirós, Os Maias

1. O excerto representa o espaço psicológico de Carlos, naquele momento da ação. Aqui se apresenta o
interior de uma personagem, os seus pensamentos e sentimentos. Carlos imagina o que poderia ter
acontecido («Ele tê-la-ia pois encontrado, ali mesmo naquele terraço», l. 3), o que estará a amada a fazer
naquele momento («Agora, já ela estava em Lisboa; e imaginava-a», l. 7), imaginando a sua maneira de ser
(«era também uma boa mamã», l. 5; «com este terno estremecimento humano», l. 6). O excerto mostra o
encantamento de Carlos («isto dava-lhe um encanto mais profundo, era assim que ele gostava mais dela», ll.
5-6; «Achava-a assim adorável, todo o seu coração fugia para ela», ll. 9-10) e revela o teor do seu sonho, de
olhos abertos («Ah! poder ter o direito de estar junto dela, nessas horas de intimidade, bem junto, sentindo o
aroma da sua pele», ll. 10-11; «foi-lhe surgindo na alma um romance, radiante e absurdo», l. 12; «um sopro
de paixão [...] levava juntos o seu destino e o dela», ll. 12-13; «que divina existência, escondida num ninho
de flores, longe, nalgum canto de Itália...», ll. 13-14; «e toda a sorte de ideias de amor, [...] invadiam-no
deliciosamente», ll. 14-15).
2. Fisicamente, a figura feminina é apresentada como bela («belas formas de mármore», l. 7; «esplêndidos
braços de Juno», l. 9), alta («grande», l. 8), de pele clara («de mármore», l. 7; «branca», l. 8), com um riso
maravilhoso («riso de ouro», l. 9), sendo considerada uma verdadeira deusa («a brilhante deusa», l. 5).
Carlos imagina-a também uma mãe dedicada e carinhosa («era também uma boa mamã», l. 5; «erguendo ao
ar o bebé», l. 8; «falando-lhe com um riso de ouro», l. 9) e boa pessoa («com este terno estremecimento
humano»,
l. 6).
3. A paisagem observada parece uma projeção dos sentimentos de Carlos. Tranquilizado por saber que
apenas não se cruzara naquele lugar com a mulher dos seus sonhos porque esta estava preocupada com a
sua filha, Carlos ganha uma nova esperança, sentindo o entardecer como tranquilo e luminoso («A tarde
descia, calma, radiosa, sem um estremecer de folhagem, cheia de claridade dourada, numa larga serenidade
que penetrava a alma.», ll. 1-3). Contempla, então, a paisagem como se contemplasse a sua amada
(«enquanto os seus olhos se esqueciam, e perdiam, enlevados na religiosa solenidade daquele belo fim de
tarde», ll. 15-17). A paisagem ganha as cores da sua amada, loira («Do lado do mar subia uma maravilhosa
cor de ouro pálido», l. 17; «o arvoredo cobria-se todo de uma tinta loura», ll. 18-19) e de pele clara («dava-lhe
um branco», l. 18). Os elementos da natureza confundem-se com os sentimentos e gestos amorosos («um
tom de desmaio doce»,
l. 18; «uma suavidade de suspiro perdido», ll. 19-20; «na imobilidade de um êxtase», l. 20; «janela acesa em
brasa», l. 21). A mulher sonhada é a luz de Carlos, o seu sol, e toda a paisagem, nos seus elementos
naturais e não naturais, é personificada numa atitude de reverência e adoração ao sol, que se vai pondo
lentamente no mar. Tal como o mundo não fica indiferente a um espetáculo tão nobre e belo, não fica
também indiferente à passagem desta mulher-sol («a brilhante deusa», l. 5), vista por Carlos, desde a
primeira vez, no Hotel Central, como uma deusa, deixando, ao passar, um rasto de claridade e reflexos de
ouro.

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