Você está na página 1de 6

ISSN 1980-3982

COMUNICADO
TÉCNICO Lignina frente a fungos
apodrecedores de madeira
455

Colombo, PR
Outubro, 2020

Tainise Vergara Lourençon


Washington Luiz Esteves Magalhães
2 Comunicado Técnico nº 455

Lignina frente a fungos apodrecedores de madeira

Tainise Vergara Lourençon, Engenheira Industrial Madeireira, doutora em Engenharia Florestal,


pesquisadora da Aalto University/Finlândia; Washington Luiz Esteves Magalhães, Engenheiro químico,
doutor em Ciências e Engenharia de Materiais, pesquisador da Embrapa Florestas, Colombo, PR

A lignina é um dos principais cons- ‘cimento’ da madeira. Além disso, é


tituintes da madeira e também está responsável pelo controle dos fluidos
presente em diversos vegetais, em no vegetal (Grabber, 2005). Outra im-
quantidades que variam bastante. Na portante função da lignina, amplamente
madeira estão presentes também com- afirmada na literatura, é a de proteger a
ponentes majoritários como celulose e planta contra ataques de microorganis-
hemicelulose, somados a componentes mos (Habermeht; Fliegner, 1998). Esse
não estruturais conhecidos como extra- conceito é muitas vezes utilizado com
tivos e compostos inorgânicos. referência à lignina após derrubada da
A lignina é o material aromático árvore, onde a lignina seria o agente de
renovável mais abundante na Terra proteção da madeira, no entanto sem
e o segundo polímero orgânico mais comprovações científicas.
abundante depois da celulose (Hatakka, Dentre os agentes biológicos capazes
2001). Além disso, é conhecida por sua de degradar a madeira, os fungos apo-
estrutura amorfa tridimensional, consti- drecedores são os responsáveis pelos
tuída por unidades fenilpropano metoxi- maiores danos. Além da destruição de
ladas (Chakar; Ragauskas, 2004). elementos da parede celular, o ataque
Segundo Gellerstedt e Henriksson desses fungos favorece a propensão
(2008), a lignina apresenta uma estrutura ao ataque de insetos (Stangerlin et al.,
altamente irregular em comparação com 2013).
a da celulose. Também é conhecida por Os fungos Trametes versicolor e
apresentar grandes diferenças na ma- Gloeophyllum trabeum são bastante
deira (onde é conhecida como protolig- conhecidos por causar apodrecimento
nina ou lignina in situ) e após o processo da madeira. Principalmente em países
de isolamento, que sempre envolve um como o Brasil, que apresenta uma com-
mecanismo de despolimerização. binação perfeita de umidade e calor,
A lignina na planta apresenta como propícia para o crescimento de fungos
uma das principais funções a sustenta- (Mattos et al., 2014).
ção mecânica, sendo responsável pela A lignina kraft é extraída da madeira
rigidez e, por isso, é conhecida como pelo processo de polpação chamado
Lignina frente a fungos apodrecedores de madeira 3

kraft, trata-se de uma lignina técnica. A dextrose, agar). Tal mistura resultou em
forma da lignina como está na madei- uma concentração de 2 g/L de cultura.
ra é muito difícil de ser extraída sem Esta mistura foi distribuída em 10 pla-
que haja a sua modificação química. cas de Petri seguida da adição de dis-
Desenvolvimento de aplicações com a cos dos fungos com diâmetro de 5 mm.
lignina kraft é de grande interesse para a O mesmo procedimento com adição de
indústria (Dessbesell et al., 2020), espe- etanol foi realizado sem a adição da
cialmente para a indústria brasileira de lignina, para obtenção de resultados
polpação, uma vez que é a única lignina controle.
técnica em escala industrial disponível Após a adição dos fungos (Figura
no País. 1), iniciou-se o processo de medições
Para avaliar o efeito da lignina frente diamétricas das placas até que as amos-
a microorganismos que causam os maio- tras atingissem o máximo crescimento
res danos em madeira, este trabalho (~20 dias). Assim, avaliou-se o cresci-
teve por objetivo isolar a lignina e avaliar mento micelial dos fungos com e sem a
o desenvolvimento dos fungos Trametes presença da lignina isolada.
versicolor e Gloeophyllum trabeum na
presença desse composto.

Metodologia

Fungos de podridão branca e parda


de madeira Trametes versicolor (Tv) e
Gloeophyllum trabeum (Gt), respecti- Figura 1. Início da avaliação do crescimento
vamente, foram utilizados para testar a micelial na presença de lignina (esquerda) e
capacidade antifúngica de lignina prove- placa controle (direita).
niente de processo kraft.
O licor negro onde encontrava-se a
lignina removida da madeira de eucalip-
to (processo kraft) foi doado pela Suzano Resultados e discussão
S.A.. Para isolar a lignina, fez-se uma
precipitação com ácido clorídrico (HCl De acordo com os resultados obti-
1 M) até pH 9 (Lourençon et al., 2015). dos (Figura 2), o fungo Tv completou o
A lignina foi separada por centrifugação crescimento in vitro por volta de 20 dias,
com 3.000 rpm, por 15 minutos. Após, tanto para a amostra controle quanto
as amostras foram secas, moídas e para amostra com lignina. Além disso,
diluídas em etanol P.A., para serem mis- nos primeiros 11 dias, observou-se que,
turadas ao meio de cultura BDA (batata, no substrato com a adição de lignina, o
4 Comunicado Técnico nº 455

Trametes versicolor Gloeophyllum trabeum


Trametes versicolor Gloeophyllium trabeum
100 100

80

(%)
80
Crescimento (%)

Crescimento (%)
(%)

Crescimento
60 60
Crescimento

40 40

20 20
lignina controle lignina controle
0 0
1 5 7 11 20 1 5 7 11
Dias
Dias Dias
Dias

Figura 2. Crescimento dos fungos Trametes versicolor e Gloeophyllum trabeum com e sem a
presença de lignina.

fungo desenvolveu-se ligeiramente mais 2016). No entanto, este fator poderia ser
que o fungo controle. excluído para o fungo Gt, que não teria
O desenvolvimento para o fungo Gt tal capacidade. E mesmo nesse caso,
foi bastante similar entre as amostras observa-se que a lignina não funcionou
analisadas. Porém, nesse caso o fun- como barreira para o desenvolvimento
go atingiu crescimento máximo em um do fungo.
menor período de tempo, aos 11 dias, Árvores dificilmente serão atacadas
quando comparado ao Tv. por fungos, pelo simples fato de não
Em todos os casos, pode ser ob- apresentarem umidade propícia (fluxo
servado que tanto o fungo de podridão de líquidos muito alto). No entanto, após
branca (Tv) quanto parda (Gt) não foram abatimento, o teor de água da madeira
inibidos com a adição de lignina no reduz drasticamente e a partir de então,
substrato. com umidade e calor favoráveis, poderá
O fungo de podridão branca Tv é sofrer degradação por fungos. Contudo,
conhecido por liberar enzimas capa- observa-se que o conceito de lignina
zes de degradar justamente a lignina como componente protetor da planta
(Johansson et al., 2002). Assim, a não contra ataques de microrganismos não
inibição do crescimento pela inserção de poderia ser utilizado após o abatimento
lignina poderia ser esperada para esse da árvore (i.e., madeira), pois nesse
fungo. estágio a classe de fungos pode ser o
Sabe-se que apenas alguns orga- microrganismo de ataque e, com base
nismos anaeróbicos e fungos de podri- nos resultados, a lignina isolada não
dão branca, como o Tv, são capazes mostrou evidências de inibição para o
de degradar a lignina (Nikolouli et al., crescimento do fungo.
Lignina frente a fungos apodrecedores de madeira 5

Madeiras com alta durabilidade natu- an alternative for petroleum-based polymers.


Renewable ans Sustainable Energy Reviews,
ral apresentam também altos teores de v. 123, 109768, 2020. DOI: DOI: <https://doi.
extrativos, que são componentes consi- org/10.1016/j.rser.2020.109768>.
derados bioativos (Valette et al., 2017).
GELLERSTEDT, G.; HENRIKSSON, G. Lignins:
Estes componentes são muito variados, major sources, structure and properties. In:
não fazem parte da parede celular da BELGACEM, M. N.; GANDINI, A. (Org.).
madeira e, normalmente, estão presen- Monomers, polymers and composites from
renewable resources. [S.l.]: Elsevier Science,
tes em pequenas proporções que tam- 2008. p. 201-224
bém podem variar bastante. Contudo,
os extrativos estariam mais fortemente GRABBER, J. H. How do lignin composition,
structure, and cross-linking affect degradability? A
relacionados com a biodegradabilidade review of cell wall model studies. Crop Science
da madeira do que a lignina. Society of America, v. 45, p. 820-831, 2005.

HABERMEHT, G. G.; FLIEGNER, W. Terpenes


and theirs biological revevance. In: Atta-ur-
RAHMAN, A. (Org.). Studies in natural products
chemistry: structure and chemistry (Part F). [S.l.]:
Conclusões Elsevier, 1998. p. 3.

A lignina técnica kraft precipitada por HATAKKA, A. Biodegradation of lignin. In:


HOFRICHTER, M.; STEINBUCHEL, A. (Org.).
HCl não apresentou capacidade de inibir Biopolymers: biology, chemistry, biotechnology,
o crescimento de fungos apodrecedores applications, Lignin, humic substances and coal.
de madeira Weinheim: Wiley, 2001.

Embora a lignina kraft não seja LOURENÇON, T. V.; HANSEL, F. A.; SILVA,
quimicamente idêntica à lignina natural T. A. da; RAMOS, L. P.; BOLZON DE MUNIZ,
G. I.; MAGALHAES, W. L. E. Hardwood and
encontrada no lenho das espécies
softwood kraft lignins fractionation by simple
arbóreas, estes resultados sugerem sequential acid precipitation. Separation and
que se deve ter cautela ao afirmar que a Purification Technology, v. 154, p. 82-88,
2015. DOI: DOI: <https://doi.org/10.1128/
durabilidade natural da madeira é devida aem.68.4.2077-2080.2002>.
à presença de lignina.
JOHANSSON, T.; NYMAN, P. O.; CULLEN, D.
Differential regulation of mnp2, a new manganese
peroxidase-encoding gene from the ligninolytic
fungus trametes versicolor. Applied and
Referências Environmental Microbiology, v. 68,
p. 2077-2080, 2002. DOI: DOI: <https://doi.
org/10.1128/ aem.68.4.2077-2080.2002>.
CHAKAR, F. S.; RAGAUSKAS, A. J. Review of
current and future softwood kraft lignin process MATTOS, B. D.; CADEMARTORI, P. H. G.
chemistry. Industrial Crops and Products, v. de; LOURENÇON, T. V.; GATTO, D. A.;
20, p. 131-141, 2004. DOI: DOI: <https://doi. MAGALHÃES, W. L. E. Biodeterioration of
org/10.1016/j. indcrop.2004.04.016>. wood from two fast-growing eucalypts exposed
to field test. International Biodeterioration
DESSBESELL, L.; PALEOLOGOU, M.; and Biodegradation, v. 93, p. 210-215,
LEITCH, M.; PULKKI, R.; XU, C. Global lignin 2014. DOI: DOI: <https://doi.org/10.1016/j.
supply overview and kraft lignin potential as ibiod.2014.04.027>.
6 Comunicado Técnico nº 455

NIKOLOULI, K.; POURNOU, A.; MCCONNACHIE, madeira de três espécies amazônicas submetidas
G.; TSIAMIS, G.; MOSSIALOS, D. Prokaryotic ao ataque de fungos apodrecedores. Ciência da
diversity in biodeteriorated wood coming from Madeira, p. 15-32, 2013.
the Bükkábrány fossil forest. International
Biodeterioration & Biodegradation, v. 108, VALETTE, N.; PERROT, T.; SORMANI,
p. 181-190, 2016. DOI: DOI: <https://doi. R.; GELHAYE, E.; MOREL-ROUHIER, M.
org/10.1016/j. ibiod.2015.12.023>. Antifungal activities of wood extractives.
Fungal Biology Reviews, v. 31, n. 3,
STANGERLIN, D. M.; COSTA, A. F. da; GARLET, p. 113-123, 2017. DOI: DOI: <https://doi.
A.; PASTORE, T. C. M. Resistência natural da org/10.1016/j.fbr.2017.01.002>.

Exemplares desta edição Comitê Local de Publicações


podem ser adquiridos na: da Embrapa Florestas

Embrapa Florestas Presidente


Estrada da Ribeira, km 111, Guaraituba, Patrícia Póvoa de Mattos
Caixa Postal 319 Vice-Presidente
83411-000, Colombo, PR, Brasil José Elidney Pinto Júnior
Fone: (41) 3675-5600
www.embrapa.br/florestas Secretária-Executiva
www.embrapa.br Elisabete Marques Oaida
www.embrapa.br/fale-conosco/sac Membros
Annete Bonnet
1ª edição Cristiane Aparecida Fioravante Reis
Versão digital (2020) Guilherme Schnell e Schühli
Krisle da Silva
Marcelo Francia Arco-Verde
Marcia Toffani Simão Soares
Marilice Cordeiro Garrastazu
Valderês Aparecida de Sousa
MINISTÉRIO DA
AGRICULTURA, PECUÁRIA Supervisão editorial/Revisão de texto
E ABASTECIMENTO José Elidney Pinto Júnior
Normalização bibliográfica
Francisca Rasche
Projeto gráfico da coleção
Carlos Eduardo Felice Barbeiro
CGPE

Editoração eletrônica
Neide Makiko Furukawa
Fotos capa e texto:
Tainise Vergara Lourençon

Você também pode gostar