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BIOQUÍMICA

CLÍNICA

ENSINO A
DISTÂNCIA
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da Editora, por escrito. O Código Penal brasileiro determina, no art. 184, “dos crimes
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Editoração: Patrícia Fernandes Fraga Equipe de Revisão:


Tayane Medeiros d’Oliveira Brenda Talissa Pires
Eduarda Hauch
Projeto gráfico e diagramação: Fernanda Germani de Oliveira Chiaratti
Ana Lucia Dal Pizzol Mônia Lize Rodrigues

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca do Centro Universitário Avantis - UNIAVAN
Maria Helena Mafioletti Sampaio CRB 14 – 276

Santos, Carlos Frederico Tourinho dos.


S237b Bioquímica clínica. /EAD/ [Caderno pedagógico]. Carlos Frederico
Tourinho dos Santos. Balneário Camboriú: Faculdade Avantis, 2020.
140p. il.

Inclui Índice
ISBN: 978-65-5901-003-5
ISBNe: 978-65-5901-002-8

1. Bioquímica – Clínica. 2. Metabolismo – Distúrbios. 3.


Síndrome metabólica. 4. Diabete Melito 1 e 2. 5. Bioquímica clínica
– Ensino a Distância. I. Centro Universitário Avantis - UNIAVAN. II.
Título.

CDD 21ª ed.


572 – Bioquímica clínica.
PLANO DE ESTUDOS

EMENTA

Metabolismo lipídico e lipoproteínas plasmáticas, correlações clínicas e


dislipidemias. Estudo dos distúrbios do metabolismo de carboidratos, Diabete Melito 1 e
2, Síndrome Metabólica, distúrbios do metabolismo da frutose e da galactose. Distúrbios
do metabolismo de aminoácidos e patologias relacionadas. Manutenção de pH corpóreo e
mecanismos reguladores, Equilíbrio ácido-base e os distúrbios do Equilíbrio ácido-base,
mecanismos de compensação e Gasometria. Abordagem da avaliação clínico-laboratorial
das patologias relacionadas às provas bioquímicas dos diversos órgãos do ser humano.
Abordagem de casos clínicos.

OBJETIVOS DA DISCIPLINA

• Conhecer os mecanismos moleculares e bioquímicos, envolvidos no


desenvolvimento de diversas patologias.
• Entender a importância dos exames laboratoriais, como ferramentas
fundamentais para o diagnóstico e monitoramento tanto da sintomatologia
quanto do tratamento, quando for possível.
O PAPEL DA DISCIPLINA PARA A FORMAÇÃO DO ESTUDANTE

As atividades desenvolvidas na disciplina de Bioquímica Clínica têm como foco


capacitar o aluno(a) ao conhecimento de processos patológicos, com compreensão ampla
dos mecanismos moleculares e genéticos que levam à instalação destes processos.
As investigações da Bioquímica Clínica estão presentes em todos os ramos
da Medicina, por isso a disciplina almeja desenvolver o senso crítico no educando,
incentivando-se a busca pela investigação laboratorial, ao associar sua importância na
caracterização das patologias, bem como no monitoramento do paciente.
Assim, cabe ao futuro profissional desta área ter o entendimento do tratamento,
não medicamentoso e medicamentoso, realçando a importância da mudança de hábitos
na busca de uma melhor qualidade de vida.
PROFESSOR

PROFESSOR

SOBRE O AUTOR

PROFESSOR: CARLOS FREDERICO TOURINHO DOS SANTOS)

Doutor em Bioquímica e Biologia Molecular,


tendo desenvolvido toda a parte prática da tese no
Departamento de Genética da Escola de Medicina,
na Universidade de YALE (CT, USA). No Mestrado, a
pesquisa prática foi realizada na Universidade de São
Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP-
RP). Tanto o Doutorado (2000) quanto o Mestrado (1993)
foram defendidos pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ). Possui Graduação em Biomedicina, pela
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) (1990).
Consultor Técnico-científico, focado em laboratórios de Biologia Molecular, com
testes de paternidade, DNA criminal, doenças genéticas, infecciosas e mapas gênicos,
atuando há mais de 20 anos nesta função.
Na atividade acadêmica, possui experiência na Pesquisa em biologia molecular
de HIV e HCV; HIV comportamento e vulnerabilidade. Na Extensão, coordenou, por
10 anos, o programa de atendimento de grupo populacional no Retiro da Lagoa (Lagoa
da Conceição, Florianópolis). Larga vivência na Bioquímica, principalmente na área
metabólica, em genética, com testes moleculares e aconselhamento genético, e nas áreas
afins.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/6558932021654679


E-mail: frederico.tourinho@uniavan.edu.br
SUMÁRIO

UNIDADE 1 - DISTÚRBIOS DO METABOLISMO LIPÍDICO.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11


INTRODUÇÃO À UNIDADE.........................................................................................................................................12
1.2 COLESTEROL.............................................................................................................................................................13
1.2.1 Síntese do Colesterol...................................................................................................................................................14
1.2.2 Regulação da Síntese do Colesterol..............................................................................................................16
1.2.3 Degradação do Colesterol......................................................................................................................................17
1.2.4 Ester de Colesterila (Colesterol Ester, EC).................................................................................................18
1.3 LIPOPROTEÍNAS PLASMÁTICAS.....................................................................................................................18
1.3.1 Metabolismo dos Quilomícrons (QM)............................................................................................................20
1.3.2 Metabolismo das Lipoproteínas de Densidade Muito Baixa (VLDL)..................................22
1.3.3 Metabolismo das Lipoproteínas de Baixa Densidade (LDL).....................................................23
1.3.4 Metabolismo das Lipoproteínas de Alta Densidade (HDL).........................................................25
1.4 DISLIPIDEMIAS.......................................................................................................................................................27
1.4.1 Tipo I.........................................................................................................................................................................................28
1.4.2 Tipo IIa (Hipercolesterolemia Familiar)......................................................................................................29
1.4.3 Tipo IIb (Hipercolesterolemia Familiar Combinada)........................................................................30
1.4.4 Tipo III......................................................................................................................................................................................31
1.4.5 Tipo IV....................................................................................................................................................................................32
1.4.6 Tipo V......................................................................................................................................................................................32
1.4.7 Abordagem Clínica do Paciente com Dislipidemia...........................................................................33
1.5 CORPOS CETÔNICOS...........................................................................................................................................37
1.5.1 Utilização de Corpos Cetônicos.........................................................................................................................39
1.5.2 Corpos Cetônicos e Diabetes Melito.............................................................................................................40
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................................................42
EXERCÍCIO FINAL........................................................................................................................................................ 43
REFERÊNCIAS................................................................................................................................................................ 46

UNIDADE 2 - DISTÚRBIO DO METABOLISMO DE CARBOIDRATOS 1.. . . . . . . . . . .47


2.1 INTRODUÇÃO À UNIDADE................................................................................................................................ 48
2.2 INSULINA................................................................................................................................................................. 49
2.2.1 Secreção de Insulina.................................................................................................................................................50
2.2.2 EFEITOS METABÓLICOS DA INSULINA................................................................................................. 53
2.3 DIABETES................................................................................................................................................................. 54
2.3.1 Diabetes Melito Tipo 1............................................................................................................................................... 57
2.3.2 Diabetes Melito Tipo 2.............................................................................................................................................59
2.3.3 Fisiopatologia do Diabetes Melito..................................................................................................................61
2.3.4 Diagnóstico do Diabetes Melito......................................................................................................................62
2.3.5 Tratamento do Diabetes Melito........................................................................................................................67
2.4 SÍNDROME METABÓLICA.................................................................................................................................72
2.4.1 Tratamento..........................................................................................................................................................................74
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................................................................77
EXERCÍCIO FINAL.........................................................................................................................................................78
REFERÊNCIAS................................................................................................................................................................. 81

UNIDADE 3 - DISTÚRBIO DO METABOLISMO DE CARBOIDRATOS 2


E DISTÚRBIO DO METABOLISMO DE AMINOÁCIDOS3.1 INTRODUÇÃO À
UNIDADE.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83
INTRODUÇÃO A UNIDADE....................................................................................................................................... 84
3.2 METABOLISMO DA FRUTOSE........................................................................................................................ 85
3.2.1 Distúrbios do Metabolismo da Frutose.......................................................................................................86
3.2.3 Conversão de Glicose à Frutose, pela via do Sorbitol................................................................... 87
3.3 METABOLISMO DA GALACTOSE E DISTÚRBIOS................................................................................. 89
3.3.1 Distúrbios do Metabolismo da Galactose.................................................................................................89
3.3.2 Metabolismo da Galactose na Formação da Lactose...................................................................90
3.4 DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DO GLICOGÊNIO.............................................................................92
3.4.1 Doença de Von Gierke..............................................................................................................................................92
3.4.2 Doença de Pompe......................................................................................................................................................93
3.5 RELAÇÃO DOS AMINOÁCIDOS COM O METABOLISMO CENTRAL............................................. 94
3.6. BIOSSÍNTESE DOS AMINOÁCIDOS............................................................................................................ 95
3.7 DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DOS AMINOÁCIDOS..................................................................... 96
3.7.1 Fenilcetonúria (PKU)...................................................................................................................................................96
3.7.2 Alcaptonúria.....................................................................................................................................................................98
3.7.3 Doença da Urina em Xarope de Bordo (MSUD) ou Leucinose................................................99
3.8 DEFEITOS NO CICLO DA UREIA....................................................................................................................101
3.8.1 Ureia e seu acúmulo (sem interrupção no seu ciclo)....................................................................101
3.8.2 Amônia e sua relação com a Ureia.............................................................................................................102
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................................................................... 106
EXERCÍCIO FINAL.......................................................................................................................................................107
REFERÊNCIAS................................................................................................................................................................110

UNIDADE 4 - EQUILÍBRIO ÁCIDO-BASE E SEUS DESEQUILÍBRIOS.. . . . . . . . . . . . . 111


4.1. INTRODUÇÃO À UNIDADE...............................................................................................................................112
4.2 CONCENTRAÇÕES DE ÍONS HIDROGÊNIO.............................................................................................112
4.3 TAMPONAMENTO................................................................................................................................................113
4.3.1 Tampão................................................................................................................................................................................ 114
4.4 EXCREÇÃO RENAL DO ÍON HIDROGÊNIO E PAPEL DO BICARBONATO..................................115
4.5 AVALIAÇÃO DO ESTADO ÁCIDO-BASE...................................................................................................... 117
4.6 DISTÚRBIOS ACIDOBÁSICOS........................................................................................................................119
4.6.1 Mecanismos de Compensação.......................................................................................................................120
4.6.2 Diagnóstico dos Desequilíbrios Acidobásicos................................................................................... 121
4.6.3 Acidose Metabólica.................................................................................................................................................123
4.6.4 Alcalose Metabólica.................................................................................................................................................127
4.6.5 Acidose Respiratória...............................................................................................................................................129
4.6.6 Alcalose Respiratória............................................................................................................................................. 132
4.6.7 Distúrbios Mistos.......................................................................................................................................................134
4.7 AVALIAÇÃO CLÍNICO-LABORATORIAL DE IMPORTÂNCIA..............................................................136
4.7.1 Hemograma (Tabela 14)..........................................................................................................................................137
4.7.2 Enzimologia Clínica..................................................................................................................................................140
4.7.3 Marcadores do Infarto do Miocárdio..........................................................................................................148
4.7.4 Marcadores Renais...................................................................................................................................................149
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................................................152
EXERCÍCIO FINAL.......................................................................................................................................................153
REFERÊNCIAS...............................................................................................................................................................156
1
UNIDADE
DISTÚRBIOS DO
METABOLISMO LIPÍDICO
INTRODUÇÃO À UNIDADE

Prezados alunos, sejam muito bem-vindos à primeira unidade da disciplina de


Bioquímica Clínica, na qual trabalharemos o metabolismo de lipídios e seu complexo
sistema de transporte, bem como os desdobramentos que acontecem, quando seus
componentes se apresentam com valores alterados. Ter o entendimento da caracterização
das patologias, sua sintomatologia, testes laboratoriais e monitoramento do paciente
fazem parte de toda uma conduta, fundamental a qualquer profissional da área da saúde.
Os lipídeos estão presentes em vários tecidos do corpo humano. Sendo obtidos
através da alimentação, atuam com inúmeras funções, dentre elas: como precursores
hormonais e na reserva energética; são essenciais, enquanto componentes funcionais
e estruturais; são importantes para evitar a perda de calor do corpo, além de servirem
como isolante térmico.
O grupo molecular dos lipídios é extremamente diversificado e apresenta como
característica marcante o fato de grande parte deles ser insolúvel em solução aquosa. Um
dos mais importantes é o ácido graxo (AG), moléculas de cadeia longa, contendo de doze
a vinte e seis átomos de carbono em sua estrutura. A molécula precursora na formação
dos ácidos graxos é o Acetil CoA, razão pela qual boa parcela dos AG possui número par de
átomos de carbono. São oxidados pela via da beta-oxidação, um processo catabólico em
que se removem dois átomos de carbono por vez, na forma de Acetil CoA, com liberação
de coenzimas reduzidas em cada ciclo.
Já os triglicerídeos (TG) são gliceróis esterificados com três moléculas de ácido
graxo, uma em cada carbono da molécula de glicerol. São encontrados principalmente
nas células da mucosa intestinal, tecido hepático e no tecido adiposo, sendo a sua
degradação iniciada pela família enzimática das lipases.
Os fosfolipídios são moléculas de glicerol (três carbonos) com dois ácidos graxos
esterificados no carbono 1 (C1) e no carbono 2 (C2), a partir de ligação fosfodiester; já
no carbono 3 (C3), encontramos um grupamento fosfato. Desta forma, os fosfolipídios
podem ser tanto hidrofóbicos, por causa dos ácidos graxos, quanto hidrofílicos, devido
ao grupo fosfato com glicerol, sendo o principal constituinte da dupla camada das
membranas celulares, onde a face polar de uma camada aponta para o meio extracelular,
e a outra, para o citoplasma da célula, ambos com predomínio de solução aquosa.
Entenderemos, na sequência, que o grupo dos esteróis tem no colesterol seu
maior representante. A molécula apresenta o ciclopentanoperidrofenantreno (Figura 1),

14
BIOQUÍMICA CLÍNICA
estrutura em quatro anéis, com uma cadeia de hidrocarboneto e uma hidroxila junto a
esta estrutura complexa, sendo o principal esteroide encontrado no ser humano. Pode
ser apresentado em duas formas: (I) livre, que compõe membranas celulares, ou como (II)
éster de Colesterila (EC), em que um ácido graxo é adicionado à hidroxila 3 (da estrutura
de 4 anéis), com cuja esterificação se armazena a molécula no interior das células ou no
interior das lipoproteínas, pois se torna ainda mais hidrofóbica.
Compreenderemos, ainda, outro grupo molecular de grande importância
metabólica, ainda mais no chamado jejum prolongado, que são os compostos,
caracterizados como corpos cetônicos: o acetoacetato, o beta-hidroxibutirato e a acetona,
sendo transportados livremente no sangue para os tecidos periféricos, nos quais podem
ser reconvertidos a Acetil CoA e oxidados pelo Ciclo de Krebs, gerando energia aos tecidos
extra-hepáticos.

1.2 COLESTEROL

O colesterol é uma molécula sintetizada por praticamente todos os tecidos do ser


humano, porém alguns tecidos fazem uma contribuição maior nesta produção corpórea,
destacando-se o fígado, o córtex da adrenal, o intestino e os tecidos reprodutivos. Ele
é o esterol mais abundante no ser humano, apresentando importantes funções em
nosso organismo, como, por exemplo, (I) precursor de ácidos biliares; (II) precursor dos
hormônios esteroides e (III) componente de todas as membranas celulares (RODWELL,
2017).
Diante de seu importante papel, é fundamental que as células dos principais
tecidos corpóreos recebam um suprimento adequado de colesterol, desenvolvendo-se
um mecanismo de transporte, síntese e regulação da molécula deste esterol.
A estrutura do colesterol apresenta 27 carbonos, sendo que: 17 deles estão presentes
nos quatro anéis fusionados, conhecidos como ciclopentanoperidrofenantreno; dois são
dos grupos metila, entre os anéis AB e CD; e os oito carbonos restantes formam a cadeia
lateral periférica. A molécula apresenta, ainda, uma hidroxila ligada ao carbono 3 do anel
A. É uma molécula quase totalmente saturada, com uma única dupla ligação entre os
carbonos 5 e 6. (Figura 1)

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
FIGURA 1: COLESTEROL
Fonte: Shutterstock (2020). https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/cholesterol-chemical-
formula-vector-icon-on-1401506966

1.2.1 Síntese do Colesterol

Segundo Baynes (2015), a síntese de colesterol envolve um maquinário enzimático,


presente no citoplasma e no retículo endoplasmático da célula, onde todos os átomos
do colesterol são fornecidos pelo acetato, com um aporte elevado de poder redutor que
chega através do NADPH, bem como o gasto de uma grande quantidade energética.
O início da síntese requer a condensação de 2 moléculas de Acetil CoA, reação
catalisada pela tiolase, com formação do Acetoacetil CoA. Na reação seguinte, temos a
ação da HMG CoA-Sintase, na qual o novo Acetil CoA é unido à molécula citada, formando
o 3-Hidroxi-3-Metilglutaril CoA (HMG-CoA), sendo estas etapas também observadas na
síntese de corpos cetônicos (Figura 2).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
FIGURA 2: SÍNTESE DE HMG-CoA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

O próximo passo é definido como etapa limitante de velocidade de síntese, já que


é o ponto de regulação, na produção desta molécula, e será a base para o entendimento
de parte do tratamento medicamentoso da hipercolesterolemia. Aqui, o HMG-CoA sofre
ação da enzima HMG-CoA Redutase, a qual o converte em ácido mevalônico. Este passo
acontece no retículo endoplasmático e é uma etapa irreversível do processo (Figura 3).

HMG-CoA
Redutase
3-Hidroxi-3-metilglutaril CoA Ácido Mevalônico
(HMG-CoA) CoA
2NADPH 2NADP+

FIGURA 3: Síntese de Ácido Mevalônico.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

O ácido mevalônico sofre uma série de reações, com formação de muitos


intermediários e várias enzimas, tendo como produto final o colesterol. São muitas
reações para formar a estrutura de 4 anéis do ciclopentanoperidrofenantreno, nas quais
se gasta bastante energia, bem como se necessita de alto poder redutor com consumo de
NADPH + H+, coenzima reduzida, proveniente da via das pentoses fosfato.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
1.2.2 Regulação da Síntese do Colesterol

Lembra a etapa limitante e a enzima do metabolismo de colesterol que é regulada?


Acompanhe a linha de raciocínio abaixo.
A enzima HMG-CoA Redutase é uma proteína intrínseca de membrana, a qual
está presente no retículo endoplasmático da célula, e tem seu sítio ativo voltado para
o citoplasma celular, estando submetida a diferentes tipos de mecanismos reguladores
(HARVEY, 2012).

A) Inibição Retroativa
O colesterol é um inibidor retroativo da HMG-CoA Redutase e, desta forma, a síntese
é freada, quando este começa a se acumular.

B) Regulação Hormonal
A atividade da enzima é controlada, negativamente, pela presença do glucagon
que ocasiona a fosforilação e consequente inibição da enzima. Já a insulina ocasiona a
desfosforilação da enzima e, consequentemente, a ativação da mesma, exercendo um
controle positivo da síntese de colesterol.

C) Regulação da Transcrição da Enzima


O colesterol, que é internalizado (via LDL) pelas células, promove uma regulação
da transcrição do gene da enzima de forma negativa, impedindo que mais colesterol seja
sintetizado pela célula, não se tornando necessária a produção interna, já que ocorreu
um aporte externo da molécula.

D) Inibição Medicamentosa
As estatinas pertencem à classe medicamentosa dos inibidores reversíveis
competitivos da HMG-CoA Redutase, logo são utilizadas com o objetivo de diminuição
nos níveis de colesterol dos pacientes com hipercolesterolemia.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
Vimos, até aqui, como a molécula de colesterol é sintetizada e como será regulada
em sua produção. O próximo passo será entender o reverso, isto é, como esta molécula
será degradada, uma vez que não é tão simples para o nosso organismo trabalhar a
estrutura complexa dos quatro anéis do colesterol.

1.2.3 Degradação do Colesterol

Uma vez que, nos seres humanos, a estrutura dos quatro anéis da molécula
não é metabolizada, ela será eliminada intacta do corpo por: (I) secreção, na bile,
sendo posteriormente lançado no duodeno e (II) conversão em ácidos biliares, que se
transformarão em sais biliares (BAYNES, 2015).

A) Ácidos e Sais Biliares

Estas estruturas são formadas por muitas enzimas hepáticas, presentes em diversos
compartimentos celulares.
Os ácidos biliares mais comuns são o cólico e o deoxicólico, os quais possuem
uma face polar e outra apolar, permitindo-se sua ação como potentes detergentes na
emulsificação lipídica.
Antes dos ácidos biliares deixarem o fígado, serão conjugados com os
aminoácidos glicina e taurina, formando quatro sais biliares: glicocólico, taurocólico,
glicoquenodeoxicólico e tauroquenodeoxicólico, que possuem uma capacidade
detergente ainda maior, quando comparados aos ácidos biliares, embora apenas estes
sejam armazenados na bile. No entanto, ao serem lançados no intestino, algumas
bactérias convertem os sais biliares novamente em ácidos biliares.

B) Circulação Entero-hepática

Prezado(a) aluno, tenha muita atenção neste tópico, uma vez que, mais adiante,

19
BIOQUÍMICA CLÍNICA
um dos tratamentos para diminuição do colesterol plasmático focará no bloqueio desta
circulação entero-hepática!
É o processo contínuo de secreção dos sais biliares (via bile) no duodeno, a reabsorção
de ácidos e sais biliares, com posterior reendereçamento para o fígado. A mistura de
ácidos e sais biliares é absorvida, em sua maioria, no íleo, através de transporte ativo. No
fígado, os ácidos serão novamente convertidos em sais biliares, para estoque na bile.

1.2.4 Ester de Colesterila (Colesterol Ester, EC)

A maior parte do colesterol estocado está em forma esterificada, ou seja, com um


ácido graxo ligado ao carbono 3 (que contém a hidroxila), o qual torna a estrutura ainda
mais hidrofóbica.
Você deve se perguntar: como gravar o nome da enzima responsável por essa
esterificação? Vamos raciocinar juntos: a enzima transfere uma molécula de ácido graxo
da fosfatidilcolina (lecitina) para o colesterol; a fosfatidilcolina sem o ácido graxo se torna
lisolecitina, e o nome da enzima? Fosfatidilcolina Acil Transferase (ou Lecitina: colesterol
aciltransferase), ou seja, basta ver a ação da enzima e concluir a relação com o nome.
Mas por que formar esta estrutura? Porque, ao formar uma estrutura ainda mais
hidrofóbica, o colesterol fica aprisionado na célula, servindo de fonte precursora de
moléculas que possuem colesterol como um de seus substratos. Outra forma do EC sair é
na troca HDL x VLD, conforme será visto mais adiante.

1.3 LIPOPROTEÍNAS PLASMÁTICAS

As lipoproteínas plasmáticas são os complexos de lipídios e proteínas, denominadas


apolipoproteínas (apoproteínas ou Apo), estando em constante mudança de síntese,
degradação e remoção plasmática.
As lipoproteínas plasmáticas incluem: os quilomícrons (QM), lipoproteínas

20
BIOQUÍMICA CLÍNICA
de densidade muito baixa (VLDL), lipoproteínas de densidade intermediária (IDL),
lipoproteínas de densidade baixa (LDL) e lipoproteína de alta densidade (HDL).
Elas são estruturas responsáveis por possibilitar o transporte lipídico no plasma
e fornecer um mecanismo eficiente de entrega deste conteúdo lipídico aos tecidos. Nos
seres humanos, pode-se observar uma série de problemas relacionados ao sistema de
entrega, promovendo deposições graduais de lipídios nos tecidos, principalmente
relacionados ao colesterol. Estas deposições representam um grave risco à saúde, já que
ocasionam um estreitamento dos vasos sanguíneos (HARVEY, 2012).
As lipoproteínas são compostas de um centro lipídico neutro e uma parte
periférica com fosfolipídios, apoproteínas e colesterol, bem semelhante a uma estrutura
membranar, porém de camada única (Figura 4).

FIGURA 4: ESTRUTURA DAS LIPOPROTEÍNAS.


Fonte: Shutterstock (2020). https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/lipoproteins-blood-ldl-
hdl-115340299

Os QM são os de menor densidade e maior tamanho, contendo maior quantidade


de lipídio e menor de apoproteínas; as VLDL e LDL são as mais densas, sucessivamente,
com maior conteúdo proteico e menor de lipídios; já as HDL são as menores, mais densas

21
BIOQUÍMICA CLÍNICA
entre todas, com maior conteúdo de apoproteína e menor de lipídios.
As apoproteínas são sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso (RER) e, à
medida que se transportam do retículo endoplasmático (RE) e Complexo de Golgi (CG),
elas são glicosiladas. Estas apoproteínas que compõem as lipoproteínas plasmáticas
possuem importantes funções: (I) componentes estruturais; (II) sítios de reconhecimento
para receptores membranares das células e (III) ativadores ou coenzimas para enzimas,
as quais estão envolvidas na metabolização das lipoproteínas plasmáticas.
As apoproteínas, bem como os principais lipídios transportados, variam de uma
lipoproteína plasmática para outra, distribuindo-se, conforme observamos na Tabela 1:

LIPOPROTEÍNA LÍPIDIO PRINCIPAL APOPROTEÍNAS (Apo)


Quilomícron Triglicerídeo B-48, A, C e E
Muito Baixa Densidade (VLDL) Triglicerídeo B-100, A, C e E
Baixa Densidade (LDL) Colesterol B-100
Alta Densidade (HDL) Éster de Colesterila A-I, A-II, C e E
TABELA 1: CONTEÚDOS DAS LIPOPROTEÍNAS.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

1.3.1 Metabolismo dos Quilomícrons (QM)

Os quilomícrons são formados nas células da mucosa intestinal, e transportam


os triglicerídeos, colesterol, éster de colesterila e lipídeos adicionais para os tecidos
periféricos. Como são formados nas células da mucosa intestinal, os QM transportarão
principalmente os lipídeos da dieta.
Muita atenção aqui! A informação, de onde a estrutura é formada, torna-se muito
importante para você diferenciar o significado de triglicerídeo aumentado, analisando o
QM e o VLDL, pois o QM reflete diretamente o lipídio obtido do trato digestivo, em sua
maior parte.
Essas estruturas são montadas durante a transição do retículo endoplasmático
para o Complexo de Golgi, onde acontece o encaixe das apoproteínas, dos fosfolipídios
e a embalagem dos lipídios que serão transportados no centro da estrutura. A estrutura
sai das células por exocitose para o sistema linfático. Nesta fase, a estrutura é chamada

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
de quilomícron nascente, e tem como principal apoproteína a ApoB-48. Quando atinge
o plasma, o quilomícron nascente é modificado, recebendo de HDL circulante a Apo-E
e apoproteínas C (destaque para a Apo-CII). Depois, a estrutura é chamada apenas de
quilomícron (HARVEY, 2012).
O QM vai distribuir seu conteúdo de triglicerídeos (TG) aos tecidos, lembrando
que a entrega jamais será da molécula íntegra de TG, ou seja, deverá ocorrer o
desmonte desta estrutura durante a entrega. Desta forma, a Apo-CII do QM vai ativar
uma enzima extracelular, a qual se localiza nas paredes dos capilares da maioria dos
tecidos, principalmente no tecido adiposo, musculatura esquelética e cardíaca, que se
chama Lipase Lipoproteica (LPL) e é responsável pela hidrólise do TG do QM, gerando
monoglicerídeo, ácidos graxos livres e glicerol (Figura 5).

FIGURA 5: METABOLISMO DOS QUILOMÍCRONS.


QM = Quilomícron; HDL = Lipoproteína de Alta Densidade; TG = Triglicerídeo; AG = Ácido Graxo
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

23
BIOQUÍMICA CLÍNICA
À medida que os quilomícrons circulam, e cedem seus triglicerídeos, eles diminuem
de tamanho. Assim que boa parte de seu conteúdo tiver sido degradada, devolvem-
se as apoproteínas C para o HDL, sendo chamados, a partir de então, de quilomícrons
remanescentes (Figura 5).
Nos seres humanos, os quilomícrons remanescentes são removidos pelo fígado,
que reconhece o conjunto ApoB-48 e Apo-E, sendo absorvidos por endocitose pelos
hepatócitos, degradados, liberando o conteúdo de aminoácidos (pela degradação das
apoproteínas) e lipídios (colesterol livre e ácidos graxos) nas células do tecido hepático.
Este colesterol livre regulará a síntese hepática de colesterol, pois inibe a transcrição do
gene da HMG-CoA Redutase (como já foi visto anteriormente).

1.3.2 Metabolismo das Lipoproteínas de Densidade Muito Baixa (VLDL)

A VLDL, composta basicamente de triglicerídeos, é sintetizada no fígado,


possuindo como função principal o transporte dos TGs para tecidos periféricos. Quando
estas estruturas são liberadas do fígado, chamam-se partículas nascentes de VLDL, tendo
como principais apoproteínas a ApoB-100 e a ApoA-I. Na circulação, recebem Apo-E e
apolipoproteínas C (destaque para Apo-CII) do HDL circulante, sendo denominadas
apenas de VLDL.
A cessão do conteúdo de TG segue a mesma dinâmica vista nos quilomícrons, com
ativação da lipase lipoproteica pela Apo-CII e degradação da molécula lipídica (rever
o sistema na Figura 5). Uma vez que cede seu conteúdo de triglicerídeo, diminui de
tamanho e fica mais densa, por isso alguns autores consideram que, neste momento, elas
são chamadas de IDL, podendo uma parte ser captada por endocitose por alguns tecidos,
e depois degradadas. Porém, boa parte de VLDL devolve para HDL as apoproteínas
C e a Apo-E, mantendo apenas a ApoB-100 e, posteriormente, uma troca lipídica de
fundamental importância entre o HDL e o VLDL (ou IDL) ocorrerá, a qual será intermediada
por uma proteína, chamada Proteína de Transferência do Colesterol Esterificado (CETP,
Cholesterylester Transfer Protein). A troca consiste na transferência dos ésteres de
colesterila do HDL para VLDL (ou IDL) com concomitante de TG e fosfolipídio para HDL.
Finalizada a troca lipídica, o VLDL foi convertido em LDL (Figura 6).

24
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Essa troca foi mencionada anteriormente, mas caso deseje relembrar, bastar
retornar ao subitem 1.2.4).

FIGURA 6: TROCA LIPÍDICA VLDL x HDL.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

1.3.3 Metabolismo das Lipoproteínas de Baixa Densidade (LDL)

As partículas de LDL recém-formadas apresentam uma única apoproteína, a


ApoB-100, e uma quantidade bem reduzida de triglicerídeos, com elevada concentração
de colesterol. As partículas de LDL possuem como principal função o fornecimento de
colesterol para os tecidos periféricos.
A entrega deste colesterol só é possível nas células que possuem, em sua membrana
plasmática, o receptor para LDL, o qual possui especificidade para se ligar com a ApoB-
100 desta lipoproteína plasmática.

ATENÇÃO!
Fique atento a este receptor de LDL. Em breve, ele estará associado a uma das
formas de dislipidemia que abordaremos em nossos estudos.

25
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Após a ligação do receptor com a ApoB-100, a partícula é internalizada por
endocitose, formando vesículas de revestimento (alguns autores tratam como endossomo
primário). Os receptores são liberados para voltarem à membrana, e se forma o endossomo
secundário (partícula endocitada fusionada com o lisossomo), permitindo que enzimas
hidrolíticas degradem o LDL, liberando para a célula aminoácidos (degradação das
apoproteínas), colesterol, ácidos graxos e fosfolipídios (Figura 7).

FIGURA 7: INTERNALIZAÇÃO DE LDL.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

A) Captação de LDL Modificado

Os receptores scavenger estão presentes na membrana de células fagocitárias


(como os macrófagos), com uma ampla especificidade, podendo se ligar às partículas de
LDL que tenham sido quimicamente modificadas. Tais modificações, como acetilação ou
oxidação, atingem a ApoB-100 e fazem surgir o LDL quimicamente modificado, o qual
é reconhecido pelos receptores scavenger, permitindo a endocitose desta lipoproteína,
com destruição e liberação do colesterol no interior do macrófago.
Quando a captação de LDL modificado acontece em grande quantidade, gera uma

26
BIOQUÍMICA CLÍNICA
mudança morfológica no macrófago, já que esta célula não possui via de metabolização do
colesterol. Os macrófagos assumem uma morfologia descrita como “espumosa”, acumulam-
se, liberando fatores de crescimento e estimulando a proliferação da musculatura lisa, com
calcificação de uma placa aterosclerótica que vai se formar (HARVEY, 2012).
A etapa inicial de modificação desta apoproteína se relaciona à peroxidação dos
ácidos graxos poli-insaturados presentes no LDL, podendo ser inibida através de agentes
antioxidantes, como a vitamina E.

SAIBA MAIS
Prezado aluno, o que acha de aprender mais com este recurso visual que
aborda a formação da placa aterosclerótica, aproveitando para rever conceitos já
trabalhados em outras disciplinas!
Acesse o link e confira: https://www.youtube.com/watch?v=r40aYz4ndZI

1.3.4 Metabolismo das Lipoproteínas de Alta Densidade (HDL)

As lipoproteínas de alta densidade são sintetizadas no fígado, sendo liberadas por


exocitose para a circulação, caracterizando-se por serem discoides e pobres em lipídios.
No entanto, esta partícula exerce funções muito importantes, como: (I) reservatório
de apoproteínas que serão transferidas ao QM e ao VLDL; (II) transferência de éster
de colesterila à VLDL e LDL; (III) transporte de ésteres de colesterila até o fígado e (IV)
remoção do colesterol livre, com esterificação do mesmo (HARVEY, 2012).
À proporção que circula no plasma, o HDL capta o colesterol livre (chamado de
transporte reverso do colesterol) e, através da sua ApoA-I, ativa a enzima plasmática
Fosfatidil Colina Acil Transferase (LCAT), e esta adiciona um ácido graxo ao colesterol,
esterificando-o e permitindo que o éster de colesterila fique aprisionado no interior
da partícula do HDL (Figura 8). Já falamos sobre esta enzima, quando trabalhamos a
esterificação do colesterol.

27
BIOQUÍMICA CLÍNICA
FIGURA 8: AÇÃO DE HDL.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

SUGESTÃO DE LEITURA
BAYNES, John W. (Coord.). Bioquímica Médica.
4. ed. Elsevier, 2015, 664 p. ISBN 9788535279030
O Capítulo 18 trata especificamente de lipoproteínas plas-
máticas e aterogênese, tornando-se importante estudo para se
aprofundar na temática trabalhada nesta Unidade 1.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
1.4 DISLIPIDEMIAS

Conforme descreve Kumar (2018), as dislipidemias são alterações do metabolismo


lipídico que ocorrem em qualquer fase do metabolismo deste grupo molecular, refletindo
nos níveis séricos das lipoproteínas plasmáticas, ou na remoção reduzida destas
estruturas ou na maior produção dos lipídios.
Em sua etiologia, podem ser:
a) Primárias - origem genética, sendo que algumas só se manifestam com influência
ambiental.
b) Secundárias - consequências de doenças e/ou uso medicamentoso.

Podemos dividir as dislipidemias, segundo a classificação de Fredrickson,


apresentada na Tabela 2:

FENÓTIPO ALTERAÇÕES LIPÍDICAS NO PLASMA ALTERAÇÃO

I Grande aumento de TG, colesterol normal ou pouco aumentado QM


IIa Aumento do colesterol total e TG normal LDL
IIb Grande aumento de colesterol e aumento moderado de TG LDL e VLDL
III Aumento de colesterol e TG IDL
Grande aumento de TG, colesterol total normal ou pouco aumen-
IV VLDL
tado
Grande aumento de TG e colesterol total moderadamente
V VLDL e QM
aumentado
TABELA 2: CLASSIFICAÇÃO DE FREDRICKSON.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

A classificação de Fredrickson prioriza os achados dos valores de concentração


lipídica e das lipoproteínas plasmáticas, sendo o ponto de partida para o diagnóstico das
dislipidemias.

29
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Antes de partir para a caracterização das dislipidemias, faz-se necessário expor
os valores de referência, adultos acima de 20 anos, para interpretação de exames
laboratoriais (Tabela 3 e Tabela 4).
Essas tabelas guiarão você, aluno, quando entrarmos nos valores referenciados nas
diversas patologias descritas. Você poderá consultá-las, sempre que necessário.

SITUAÇÃO COLESTEROL TOTAL (mg/dL) LDL (mg/dL) HDL (mg/dL)


Ideal Menor que 200 Menor que 100 Menor que 50
Superior Entre 200 e 240 Entre 100 e 160 Entre 35 e 49
Indesejável Maior que 240 Maior que 160 Menor que 35
TABELA 3: VALORES DE REFERÊNCIA – COLESTEROL.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

SITUAÇÃO VALOR (mg/dL)


Desejável Menor que 150
Limítrofe Entre 150 e 199
Alto Entre 200 e 499
Muito Alto Igual ou acima de 500
TABELA 4: VALORES DE REFERÊNCIA – TRIGLICERÍDEO.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

1.4.1 Tipo I

É uma desordem rara, ocasionada por defeito na remoção de quilomícrons da


circulação, e consequente aumento de triglicerídeos exógenos. A remoção prejudicial
dos quilomícrons se deve à ausência da ApoC-II, responsável pela ativação da lipase
lipoproteica.
Em geral, o diagnóstico é feito antes dos 10 anos de idade, apresentando níveis
de triglicerídeos entre 1.500 até 5.000 mg/dL, com aparência do plasma ou soro de
sobrenadante cremoso.

30
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Em sua sintomatologia, o mais frequente é a dor abdominal, acompanhada por
hepatomegalia ou esplenomegalia, além de xantoma eruptivo (pápulas amareladas
e elevadas), que aparecem comumente nas nádegas e nas porções proximais das
extremidades, quando os níveis de triglicerídeos excedem 1000 mg/dL.
O tratamento libera o consumo de triglicerídeos de cadeia média que entram no
sistema portal venoso diretamente, sem a formação prévia de quilomícron. Ingestão de
gordura total deve ser em torno de 0,5 mg/kg. Se o caso for de um ataque de manifestação
aguda, é necessário investir em uma dieta desprovida de gorduras, e também deve
haver o fornecimento de um suporte parenteral ao paciente nas primeiras 12-24 horas.
Nas situações citadas, a busca por um profissional que oriente estas questões se torna
fundamental.
Prezado aluno, você pode estar se perguntando o porquê deste foco na dieta dos
pacientes com a dislipidemia. Lembre-se de que, quando abordamos os quilomícrons, foi
enfatizado que eles refletem, principalmente, o conteúdo lipídico da dieta!

1.4.2 Tipo IIa (Hipercolesterolemia Familiar)

Chamada de hipercolesterolemia familiar, de herança autossômica dominante,


é causada por mutações no gene do receptor de LDL, o que impede ou prejudica a
internalização destas partículas pelas células.

Lembra quando chamei atenção sobre os receptores de LDL e sua ligação com processos
patológicos? É exatamente nesta situação que a observação se encaixa! Vamos continuar asso-
ciando conceitos, não perca o foco!

O Tipo IIa caracteriza-se por deposição de colesterol, na forma de xantomas e arcos


corneais, extremamente grave nos homozigotos, com desenvolvimento de sintomas
de doença arterial coronariana, entre os 5 e os 30 anos. No heterozigoto, a doença se
manifesta mais tardiamente. Em geral, apresenta níveis de triglicerídeos normais, mas

31
BIOQUÍMICA CLÍNICA
colesterol total maior de 240 mg/dL, plasma ou soro de aparência transparente.
Quando se tem um paciente com a forma IIa homozigoto, o tratamento se torna uma
condição praticamente imutável, pois nem mesmo os regimes dietéticos muito rígidos
são suficientes. Passam a ser alternativa de tratamento as abordagens mais severas, até
com casos cirúrgicos: (I) shunt porto-cava (fluxo sanguíneo da veia porta é desviado para
a veia cava inferior, para reduzir a hipertensão portal e melhorar as funções hepáticas);
(II) aférese de lipoproteínas (filtrar excesso de LDL do sangue); (III) o transplante total
do fígado (resulta em significativa redução dos níveis de LDL) e (IV) terapia gênica
(introdução de genes que codificam receptores funcionais de LDL no fígado do paciente
– utilização de vetores virais).
Já o tratamento da forma IIa do paciente heterozigoto pode visar à restrição
dietética, à prática de atividade física e às drogas da classe das estatinas e bloqueadores de
circulação entero-hepática (para forçar o uso de colesterol, formando novos sais biliares),
a fim de se atingirem os níveis adequados de LDL. Entretanto, poucos conseguem atingir
os níveis normais; a forma heterozigótica consegue diminuir os níveis de colesterol em
15%, e a utilização das estatinas reduz o LDL, em torno de 30 a 40%.

1.4.3 Tipo IIb (Hipercolesterolemia Familiar Combinada)

Caracteriza-se por hipercolesterolemia e hipertrigliceridemia, com elevação dos


níveis de LDL e VLDL. Superprodução de ApoB, sua concentração plasmática está elevada
(maior que 120 mg/dL), sendo sua dosagem importante, pois pode indicar o número total
de partículas potencialmente aterogênicas. São observados diferentes perfis lipídicos
na mesma família, origem poligênica sem diagnóstico genético, histórico familiar de
doenças cardiovasculares prematuras.
Apresenta colesterol total entre 240-500 mg/dL, triglicerídeo entre 200-500 mg/
dL, e plasma ou soro de aparência turva. A terapêutica envolve administração de estatinas
e fibratos (medicamentos usados para tratamento de hipertrigliceridemia), associados a
uma alteração da dieta e atividade física regular.

32
BIOQUÍMICA CLÍNICA
1.4.4 Tipo III

Caracteriza-se por uma hipercolesterolemia combinada com hipertrigliceridemia.


O catabolismo de IDL acontece, através da interação entre receptores hepáticos que
dependem de isoformas específicas de ApoE para ligação e posterior endocitose da
partícula de IDL. Nos seres humanos, o gene da ApoE é polimorfo, e a isoforma ApoE2 é
incapaz de se ligar aos receptores de lipoproteínas, por alterar a conformação molecular
local. Esta dislipidemia é diagnosticada pela confirmação, através das isoformas da ApoE.
Apresenta colesterol total entre 300-600 mg/dL, triglicerídeo entre 300-600 mg/
dL, e plasma ou soro de aparência turva.
Possui uma sintomatologia típica, com xantomas nas palmas das mãos, e os
xantomas tuberosos ou tuberoeruptivos nas nádegas e nas superfícies extensoras dos
membros. Constata-se a presença de hipotireoidismo e obesidade.
O tratamento terá como foco o controle das doenças de base: é estabelecida uma
dieta de restrição na ingestão calórica e no consumo de colesterol, de gorduras saturadas
e de bebidas alcoólicas. No tratamento medicamentoso, utilizar-se-á a medicação padrão,
sequestradores dos ácidos biliares, fibratos (gemfibrozil, fenofibrato), ácido nicotínico e
estatinas.
É possível diagnosticar essas alterações e verificar as concentrações aumentadas
de colesterol total, em relação aos triglicerídeos, na fração de VLDL. As razões colesterol
total/triglicerídeo em VLDL acima de 0,42, ou colesterol total em VDLD/Triglicerídeo
total acima de 0,25 podem ser válidas na diferenciação entre as hiperlipoproteinemias
Tipo IIb, III (confirmado através do estudo de isoformas de Apo-E) e IV.
Os homozigotos para o alelo E2 apresentam alteração na remoção de lipoproteínas
pós-prandiais no fígado, o que provoca aumento dos níveis plasmáticos de quilomícrons
remanescentes, IDL e aterosclerose prematura.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
1.4.5 Tipo IV

Aumentos médios e moderados dos níveis de triglicerídeos, seja por superprodução


ou remoção lenta, apresentando níveis aumentados de VLDL circulantes e risco
aumentado de aterosclerose. Doenças como intolerância à glicose, hiperuricemia,
hipertensão, doença coronária prematura estão associadas às hiperlipoproteinemias
Tipo IV, tanto primária quanto secundária, além de muitos pacientes serem obesos.
Apresenta colesterol total menor que 240 mg/dL, triglicerídeo entre 300-1000
mg/dL, e plasma ou soro de aparência turva. Presença de lesões na pele, xantomas,
hipotireoidismo e obesidade.
O tratamento dietético envolve a redução da ingestão calórica total, focada na busca
do peso ideal, restrição grande em alimentos ricos em sacarose (ver metabolismo de
frutose, mais adiante), redução moderada da gordura saturada e substituição desta pela
gordura poli-insaturada, com restrição moderada da ingestão de colesterol. O consumo
de álcool deve ser reduzido, porém é extremamente aconselhável sua eliminação.
Cabe destacar que o aumento de VLDL é normalmente secundário a uma série de
doenças (intolerância à glicose, hiperuricemia, hipertensão), de drogas e de intolerâncias
dietéticas.

1.4.6 Tipo V

Níveis moderados e elevados de triglicerídeos, devido ao aumento de quilomícrons


e VLDL, e os níveis de colesterol total podem estar leve e moderadamente elevados. Níveis
de LDL e HDL estão, geralmente, normais ou reduzidos. Nesta forma, são detectados
alguns pacientes com redução dos níveis de lipase lipoproteica, secreção ou remoção de
VLDL alteradas e até ausência de ApoC-II. Alto risco para aterosclerose, e mais de 50%
dos pacientes possuem diabetes melito.
Apresenta colesterol total entre 160-400 mg/dL, triglicerídeos entre 1.500-5.000
mg/dL, e plasma ou soro de aparência cremosa, na camada superior, e turva na camada
inferior. O tratamento consiste na manutenção do peso, uma dieta restritiva para lipídeos

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
e colesterol, atenção com a ingestão de álcool que pode converter um paciente do tipo IV
para o tipo V, bem como facilitar o desenvolvimento de uma pancreatite.

1.4.7 Abordagem Clínica do Paciente com Dislipidemia

ALUNO, MUITO FOCO NESTA REGRA!! Preste bastante atenção e reflita o quanto
os valores sociais podem influenciar o que vai ser tratado nos itens A e B. Entenda que a
empatia e a conexão com o paciente são fundamentais para se chegar ao objetivo ideal.
Fazer-se entender não é só uma questão técnica, colocar-se no lugar do outro, para
compreender a dinâmica que lhe permita atingir o objetivo, fará toda a diferença na busca
da qualidade de vida do paciente! E esta observação valerá SEMPRE que abordarmos
estas questões, ao longo de todo nosso Caderno de Estudos!

A) Anamnese

A anamnese é um dos procedimentos mais importantes na prática da saúde: a coleta


de informações. Ela permite a identificação de antecedentes familiares, fornecimento de
indicativas para o diagnóstico etiológico das dislipidemias, bem como para a prevenção
de risco de doença cardiovascular. Desta forma, a abordagem dos pacientes inicia com a
investigação da causa da dislipidemia, avaliando:
a) Idade e sexo;
b) Estilo de vida (dieta, atividade física, tabagismo e etilismo).

A observação da presença de doenças agudas, como síndromes febris, cirurgias de


grande porte e infarto agudo do miocárdio (IAM) é importante. Por exemplo, após 24
horas do IAM, o colesterol total pode ter uma queda de aproximadamente 77,0 mg/dl e,
em geral, só vai se normalizar após três meses. Então, nestas situações, para se traçar o
perfil lipídico, precisa ser nas primeiras 24 horas ou após três meses do IAM.
Fazer o levantamento da história de patologias crônicas, como hipertensão
arterial sistêmica (HAS), diabetes melito, doença arterial coronariana ou outras doenças
vasculares, insuficiência renal ou hepática e disfunção tireoidiana, também estará

35
BIOQUÍMICA CLÍNICA
incluso na investigação durante a anamnese.
Não só a história individual do paciente é importante, mas também a história
familiar se faz necessária, para ajudar a identificar hiperlipidemias genéticas ou
fatores associados à ligação genética. Além disso, a investigação sobre o uso dos mais
diversos medicamentos faz parte do processo, uma vez que o uso de drogas pode levar à
dislipidemia.
Um dos focos mais importantes é a pesquisa de hábitos alimentares, o ponto de
especial atenção no procedimento de anamnese, a qual pode ser realizada, através de
registros alimentares de 24 horas. Na área da saúde, existem inúmeros questionários
elaborados, os quais auxiliam e norteiam o profissional não especializado a conhecer os
possíveis alimentos que contribuem com a manutenção e acentuação da hiperlipidemia.
Os questionários também são importantes para conhecer os hábitos alimentares do
paciente, como alimentos da preferência, com foco nos que são redutores de colesterol,
como aqueles ricos em fibras e antioxidantes, que serão posteriormente reforçados na
dieta do tratamento.
Sem essa investigação, conhecimento e construção dos hábitos alimentares do
paciente, dificilmente o tratamento terá sucesso, já que a adesão à dieta será mais eficaz,
quanto maior a similaridade com os hábitos rotineiros do paciente. É fundamental
entender que a dieta não é prescrita por curto espaço de tempo, devendo ser encarada
mais como uma mudança de hábito alimentar do que como um tratamento, por isso não
se descarta um auxílio adicional de profissional, para trabalhar as questões psicossociais
de cada paciente.

B) Exame Físico

Os pacientes com dislipidemias apresentam poucos sinais visíveis, no momento da


realização do exame físico, porque, em geral, eles ocorrem na pele, tendões ou vísceras,
inclusive, não estando presente em todos os pacientes. No entanto, alguns achados têm
grande importância clínica e são avaliados de forma simples:
a) Índice de massa corpórea (IMC = peso em kg/altura em m2).
b) Presença de hepatomegalia e/ou esplenomegalia.
c) Busca de marcas físicas características:
• O arco córneo lipídico é um halo de cor branca que surge na córnea, exibindo
aspecto semelhante ao encontrado em idosos. Quando é identificado em
crianças e adolescentes (antes dos 50 anos de idade), passa a ser forte indicativo
da existência de hipercolesterolemia familiar.

36
BIOQUÍMICA CLÍNICA
• Os xantelasmas são placas amareladas em região periorbital, ou nas palmas
das mãos e dedos, os chamados xantomas palmares, mais comuns nas
dislipidemias dos tipos II e III. Estes xantomas são lesões cutâneas decorrentes
da deposição lipídica na pele. Em analogia, são semelhantes aos ateromas nas
paredes arteriais. Vale ressaltar que não é sempre que os xantomas são sinais
de dislipidemia, podendo aparecer em pacientes com concentração de lipídeos
normais, apenas por alterações cutâneas.
• Os xantomas tendinosos, em geral, relacionam-se com a hipercolesterolemia
familiar. Consistem em nódulos, às vezes de tamanho pequeno, ou espessamento
dos tendões. São mais comuns nas regiões extensoras das mãos, no tendão de
Aquiles, e na região patelar e de cotovelos. É comum serem observados nas
dislipidemias do tipo II.
• Os xantomas tuberosos são nódulos raros, em geral na face de extensão
das articulações, principalmente do cotovelo, e podem estar associados às
dislipidemias do tipo II e III.
• Xantomas eruptivos são pápulas amareladas e elevadas, mais frequentes nos
braços e nádegas. Ocorrem na hipertrigliceridemia severa, sendo observados
nas dislipidemias do tipo I, IV e V.

C) Exame Laboratorial

Como já mencionamos, o diagnóstico das dislipidemias vai se basear na anamnese,


no exame físico e nos exames laboratoriais, com as medições dos níveis plasmáticos de
colesterol total, LDL, HDL e triglicérides.
O exame mais comum na determinação das dislipidemias é o perfil lipídico, o qual
consiste na dosagem do colesterol total, de suas frações, LDL e HDL, e dos triglicerídeos
plasmáticos. Para o colesterol LDL, será utilizada a fórmula de Friedewald:
LDL = CT – (HDL + Triglicerídeo/5)

Esta fórmula não é aplicável a indivíduos com níveis de triglicerídeos maiores que
400 mg/dL, embora o uso da fórmula seja adequado à maioria dos pacientes. Por ter um
custo muito menor, seu uso é considerado como padrão.
As condutas padronizadas para realização dos exames laboratoriais seguem em
(I) jejum de 12 a 14 horas (para colesterol e HDL não é necessário), isto nos indivíduos
com dieta habitual, um estado metabólico e peso corpóreo estáveis por, ao menos,
duas semanas antes da realização do exame; (II) evitar a ingestão de álcool por 72 horas

37
BIOQUÍMICA CLÍNICA
antecedentes, bem como (III) atividade física vigorosa nas 24 horas que antecedem a
coleta; (IV) descontinuar medicações que afetem o metabolismo lipídico, pelo menos três
semanas antes da coleta (se possível) e (V) repetir a coleta 8 a 15 dias depois, caso haja
resultados anormais ou discordantes.
Após os exames, caso se observe nos resultados dos dois exames feitos (conduta V
acima), uma diferença grande, como mais de 5% do colesterol total, 10% do HDL e 20%
dos triglicerídeos, deve-se realizar nova dosagem, a terceira, devendo ser considerada a
média aritmética dos dois valores mais próximos.
Como conduta de monitoramento, a recomendação é a determinação do perfil
lipídico em todos os adultos, acima de 20 anos de idade, e repeti-la a cada cinco ou 6 anos,
caso os níveis se mantenham dentro dos valores de referência, já descritos anteriormente.
Maior atenção vai ser requerida para crianças ou adolescentes, com histórico de familiares
de primeiro grau que apresentem dislipidemias ou doença aterosclerótica prematura,
quando há obesidade, pancreatite aguda, xantomatose ou outros fatores de risco para
doenças cardiovasculares.
A eletroforese de lipoproteínas plasmáticas, atualmente, só se justifica em casos
especiais, como na constatação de ausência de lipoproteínas, sendo importante para o
diagnóstico de dislipidemias do tipo III, pois a fração de IDL não é diferenciada de LDL no
perfil lipídico. Nos demais casos, a eletroforese de lipoproteínas não auxilia na tomada
de decisões clínicas.
Importantes também são as dosagens de apoproteínas. Dosagens de ApoA-I e
ApoB-100 são fundamentais, quando o perfil lipídico deixa dúvidas no diagnóstico. Em
relação às Apos AI e B, o elevado custo e a ausência de informação adicional clinicamente
relevante, na maioria dos indivíduos, limitam a utilização de suas determinações na
prática clínica. Portanto, como rotina, as determinações das Apos B e AI não são indicadas
para avaliação ou estratificação do risco cardiovascular.

PARA REFLETIR
Diante de todas as patologias e desequilíbrios no metabolismo lipídico, a refle-
xão será bem simples: com que frequência você mantém os exames e checkups
em dia? Acha que está monitorando sua saúde como deveria?

38
BIOQUÍMICA CLÍNICA
1.5 CORPOS CETÔNICOS

Os corpos cetônicos são considerados entidades lipídicas, extremamente solúveis


em solução aquosa, os quais são produzidos no fígado, toda vez que houver uma produção
elevada de Acetil CoA no hepatócito. Em geral, as situações que levam ao aumento na
produção de corpos cetônicos são o catabolismo de aminoácidos, oxidação de ácidos
graxos e da glicólise, que permitem às mitocôndrias hepáticas desviarem parte do excesso
de Acetil CoA gerado para a formação dos corpos cetônicos (HARVEY, 2012).
Os compostos caracterizados como corpos cetônicos são: acetoacetato, beta-
hidroxibutirato e a acetona (Figura 2). Uma vez produzidos, estes compostos se difundem
para o plasma e vão aos tecidos periféricos, onde serão reconvertidos a Acetil CoA e
oxidados pelo Ciclo de Krebs, com geração de energia, principalmente nos músculos
esquelético, cardíaco e córtex renal. Vale frisar que, por serem extremamente solúveis
em solução aquosa, não precisam de transportadores como lipoproteínas plasmáticas
ou albumina. O cérebro pode utilizar corpos cetônicos para gerar energia, porém o fará,
quando a concentração destes tiver se elevado, o que geralmente se aproxima do momento
de pequena queda, observada na gliconeogênese, e de fundamental importância no
chamado jejum prolongado (HARVEY, 2012).
O primeiro passo na síntese de corpos cetônicos pode ser por dois processos: uma
degradação incompleta de ácidos graxos, até a estrutura de 4 carbonos (Acetoacetil CoA),
ou a reação (que foi vista na síntese de colesterol), sendo mediada pela enzima tiolase. O
próximo passo será também o mesmo, que consiste na conversão do Acetoacetil CoA em
HMG-CoA (Figura 9).
O HMG CoA formado será clivado pela enzima HMG-CoA Liase, gerando
acetoacetato (que já é um corpo cetônico) e Acetil CoA. Posteriormente, uma parte deste
acetoacetato será convertida em beta-hidroxibutirato (outro corpo cetônico), ou por
descarboxilação formará acetona (Figura 10).

39
BIOQUÍMICA CLÍNICA
HMG-CoA
O Sintase
O Tiolase
C C C C 3-Hidroxi-3-metilglutaril CoA
C C (HMG-CoA)
CoA
SCoA O CoA
2 CoA
AcetilCoA
Acetil CoA Acetoacetil CoA

FIGURA 9: FORMAÇÃO DE HMG-CoA.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

FIGURA 10: CORPOS CETÔNICOS.


Ketosis compounds = Corpos Cetônicos; 2-Hydroxybutyric acid = Beta-Hidroxibutirato.
Fonte: Shutterstock (2020). https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/ketone-bodies-biological-
marker-diabetic-disease-470307563

40
BIOQUÍMICA CLÍNICA
O fígado produz corpos cetônicos, mas não os pode utilizar para gerar energia, visto
que o tecido hepático não possui a enzima, a qual iniciará a metabolização dos corpos
cetônicos, visando à formação de Acetoacetil CoA, e o mesmo vale para as células sem
mitocôndria.

1.5.1 Utilização de Corpos Cetônicos

Se o tecido extra-hepático absorve o beta-hidroxibutirato, é essencial convertê-lo


em seu precursor, o acetoacetato. Caso a absorção seja deste último, o próximo passo é
converter o acetoacetato em Acetoacetil CoA. Na reação, o doador do radical de CoA é o
succinil CoA, intermediário do Ciclo de Krebs, sendo uma das razões por que células sem
mitocôndria não metabolizam corpos cetônicos. A importante reação é mediada pela
enzima tioforase, a qual não está presente no fígado, estando este tecido impedido de
metabolizar os corpos cetônicos.
Uma vez formado Acetoacetil CoA, ele é quebrado por ação da enzima tiolase,
originando duas moléculas de Acetil CoA, que entram no Ciclo de Krebs, e gerando
energia para os tecidos (Figura 11).

41
BIOQUÍMICA CLÍNICA
FIGURA 11: UTILIZAÇÃO DE CORPOS CETÔNICOS.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020), baseado em HARVEY (2012).

1.5.2 Corpos Cetônicos e Diabetes Melito

O aumento na produção de corpos cetônicos pelo fígado é marcante na inanição e


no diabetes melito tipo 1, o que conduz a um estado chamado de cetose. Estas moléculas
são ácidos que, ao serem produzidos em excesso, por período prolongado, levam a uma
condição conhecida como cetoacidose, a qual pode ser fatal ao indivíduo, caso não seja
revertida (BAYNES, 2015).
Tal situação ocorre, quando a velocidade de formação dos corpos cetônicos
acaba sendo maior que sua utilização. Ao causar o aumento significativo na circulação
(cetonemia), leva à acidemia, já que cada molécula perde um próton (H+), à medida que

42
BIOQUÍMICA CLÍNICA
circula no sangue, diminuindo o pH corporal (BAYNES, 2015).
Isso se torna grave no diabetes descontrolado, uma vez que, ao apresentar algum
pico hiperglicêmico, a glicose será excretada na urina. No entanto, para que a eliminação
aconteça, muita água será carreada junto, o que diminui o volume plasmático, fazendo
com que tenhamos uma potencialização da acidemia, por diminuição de volume.

NA PRÁTICA - ESTUDO DE CASO


J.O.M., sexo masculino, 38 anos, tabagista desde os 14 anos de idade, foi à
emergência hospitalar, relatando uma dor súbita que comprime seu tórax. Diante
deste quadro, decidiram pela internação, para observação e exames bioquímicos e eletrocar-
diograma (ECG). Com o resultado do ECG, atestaram o infarto do miocárdio, confirmado pela alta
concentração de troponina cardíaca no plasma. O exame físico mostrou a presença de xantomas
nos tendões das mãos e um espessamento pronunciado dos tendões de Aquiles. Os exames
bioquímicos revelaram níveis de colesterol total de 390 mg/dL, triglicerídeos de 182 mg/dL e
o colesterol HDL de 38 mg/dL. A entrevista do paciente revelou histórico familiar marcante de
problema cardíaco, seu pai havia feito cirurgia para colocação de pontes de safena, aos 42 anos,
e o avô havia falecido de infarto do miocárdio, aos 48 anos. Neste caso clínico, você consegue
identificar a patologia relacionada? Qual poderia ser a terapêutica? O que esperar dela?

43
BIOQUÍMICA CLÍNICA
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegamos ao final da Unidade 1, na qual trabalhamos o colesterol, em termos


estruturais, bem como o seu metabolismo de síntese, degradação e a sua regulação, com
destaque para a etapa limitante no metabolismo do colesterol.
Em seguida, passamos para um dos assuntos mais importantes, as lipoproteínas
plasmáticas, e trabalhamos intensamente na caracterização da estrutura geral, além
de termos estudado o metabolismo de cada lipoproteína plasmática especificamente.
Este entendimento nos permitiu trabalharmos as dislipidemias com toda sua detecção,
caracterização, sintomatologia e tratamentos não medicamentoso e medicamentoso.
Fechamos a unidade com o estudo dos corpos cetônicos, fazendo importante
conexão com a próxima unidade deste caderno.

44
BIOQUÍMICA CLÍNICA
EXERCÍCIO FINAL

1. (CONHECIMENTO) - As lipoproteínas plasmáticas são os complexos de


lipídios e proteínas que estão em constante mudança de síntese, degradação
e remoção plasmática. São estruturas responsáveis pelo transporte de maior
parte dos lipídios em nosso organismo. As lipoproteínas plasmáticas incluem
os quilomícrons (QM), lipoproteínas de densidade muito baixa (VLDL),
lipoproteínas de densidade intermediária (IDL), lipoproteínas de densidade
baixa (LDL) e lipoproteína de alta densidade (HDL).

Em função do conhecimento adquirido, ao longo desta unidade, analise as


afirmativas abaixo:

I – O LDL é formado a partir do VLDL, após troca lipídica VLDL-HDL.


II – O LDL serve como depósito de apoproteínas para HDL e VLDL.
III – O QM nascente é aquele que sai da célula da mucosa intestinal para a circulação
linfática.
IV – A ativação da Lipase Lipoprotéica acontece pela Apo CII presente no QM e
também no VLDL.

Assinale a alternativa correta:

a) É falsa apenas a afirmativa IV.


b) São falsas somente as afirmativas II e IV.
c) São falsas somente as afirmativas I e II.
d) É falsa apenas a afirmativa II.
e) É verdadeira apenas a afirmativa III.

2. (CONHECIMENTO) - O colesterol possui importante papel na fisiologia


humana, sendo precursor na formação de ácidos biliares, hormônios esteroides,
e é também componente das membranas plasmáticas das nossas células. Diante
disso, é fundamental que as células dos principais tecidos corpóreos recebam
um suprimento adequado de colesterol, então, desenvolveu-se um mecanismo

45
BIOQUÍMICA CLÍNICA
de transporte, síntese e regulação da molécula deste esterol.

Analise as afirmativas abaixo:

I - O colesterol causa um aumento transcricional da HMG CoA redutase, levando a


uma diminuição na síntese do colesterol.
II - Todos os átomos de carbono do colesterol são fornecidos pelo acetato, e o
NADH fornece os equivalentes redutores.
III - Os medicamentos da classe de estatina funcionam como inibidores irreversíveis
e não competitivos da HMG CoA redutase, sendo utilizados para diminuir os níveis
plasmáticos de colesterol em pacientes com hipercolesterolemia.
IV - O glucagon favorece a formação da forma inativa (fosforilada) de HMG CoA
redutase e, assim, diminui a velocidade da síntese de colesterol.

Assinale a alternativa correta:

a) É verdadeira apenas a afirmativa IV.


b) São falsas somente as afirmativas II e IV.
c) São falsas somente as afirmativas I e II.
d) É falsa apenas a afirmativa II.
e) São falsas somente as afirmativas I e IV.

3. (CONHECIMENTO) - Os corpos cetônicos são importantes fontes de energia


para os tecidos periféricos, porque:
São solúveis em solução aquosa e, assim, não necessitam ser incorporados em
lipoproteínas ou transportados pela albumina, como outros lipídios;
São produzidos no fígado, durante períodos em que a quantidade de acetil CoA
presente excede a capacidade oxidativa do fígado.
São usados nos tecidos extra-hepáticos, como o músculo esquelético e cardíaco e
córtex renal.

Analise os itens abaixo:


I – A albumina sérica é a responsável pelo transporte dos corpos cetônicos na
circulação.
II – Os corpos cetônicos funcionam como compostos alcalinos e se tornam um
problema grave no diabetes descontrolado, podendo levar o indivíduo ao coma,

46
BIOQUÍMICA CLÍNICA
inclusive.
III – O fígado não consegue metabolizar os corpos cetônicos formados, porque este
não possui a enzima tioforase.
IV - O beta-hidroxibutirato é um exemplo de corpos cetônicos.

a) Apenas a afirmativa II é falsa.


b) São falsas somente as afirmativas I e II.
c) São verdadeiras somente as afirmativas II e IV.
d) São verdadeiras somente as afirmativas I e III.
e) É falsa apenas a afirmativa I.

47
BIOQUÍMICA CLÍNICA
REFERÊNCIAS

BAYNES, J. W. Bioquímica Médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

CANNON, C.P.; BLAZING, M.A.; GIUGLIANO, R.P.; McCAGG. A.; WHITE J.A.; THEROUX
P.; et al; IMPROVE-IT Investigators. Ezetimibe added to statin therapy after acute coronary
syndromes. N. Engl. J. Med. 2015; 372 (25): 2387-97. doi: 10.1056/NEJMoa 1410489.

DEVLIN, T. M. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 7. ed. São Paulo: E.


Blücher, 2011.

HARVEY, Richard A., FERRIER, Denise R. Bioquímica Ilustrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2012.

KUMAR, V. V. Robbins Patologia Básica. 10. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018.

PINTO, W.J. Bioquímica Clínica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

RODWELL, V. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017.

SILVEIRO, S.P.; SATLER, F. Rotinas em Endocrinologia. 1 ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.

48
BIOQUÍMICA CLÍNICA
2
UNIDADE

DISTÚRBIO DO
METABOLISMO DE
CARBOIDRATOS 1
2.1 INTRODUÇÃO À UNIDADE

Nesta etapa, compreenderemos que nosso organismo apresenta uma necessidade


mínima de glicose para todos os tecidos, principalmente alguns, como o sistema nervoso
central e os eritrócitos, para os quais ela é primordial. A principal via de utilização da
glicose e dos carboidratos ingeridos na alimentação é a glicólise, e esta ocorre na maioria
das células do nosso organismo, sendo um evento citoplasmático.
Abordar-se-á, na sequência, que a glicólise é uma via única, visto que pode
funcionar em aerobiose (com oxigênio presente) ou em anaerobiose (sem a presença
de oxigênio). Vale ressaltar que esta via metabólica não é somente a via principal do
metabolismo da glicose, mas também a via principal de metabolização da frutose e da
galactose, conduzindo à formação de lactato (em anaerobiose) ou piruvato (aerobiose).
Caso o processo ocorra em aerobiose, o metabolismo será direcionado à formação
de Acetil CoA, cuja entrada no Ciclo do Ácido Cítrico (Krebs), por estar acoplado ao
transporte de elétrons e fosforilação oxidativa, ocasionará a geração de alta quantidade
de energia para as células.
Continuaremos nosso estudo, assimilando que toda vez que a taxa metabólica
estiver favorável, no sentido de alta energética, no ser humano, a glicose será armazenada
na molécula de glicogênio, e este biopolímero estará presente principalmente na
musculatura esquelética e no tecido hepático, sendo a via conhecida como glicogênese. O
glicogênio hepático possui papel fundamental na manutenção de glicemia, no chamado
jejum inicial e, caso o jejum se prolongue, a responsabilidade de manutenção de glicemia
caberá à via metabólica, conhecida como gliconeogênese.
Dessa forma, encerraremos a unidade, veremos os processos metabólicos que são
regulados por diversos hormônios, destacando-se a insulina e o glucagon. Caso tenha
qualquer dúvida sobre as funções, você poderá revisar na disciplina de Bioquímica Básica.

50
BIOQUÍMICA CLÍNICA
2.2 INSULINA

De acordo com Baynes (2015), a insulina é um hormônio sintetizado nas células beta
do pâncreas, fruto de um só RNA mensageiro. Após sua síntese no processo de tradução,
a molécula sofrerá processamento específico até sua forma funcional. Ela é sintetizada
como preproinsulina, contendo 110 aminoácidos, constituída do chamado peptídeo
sinal, com 24 aminoácidos (correspondente ao “pre”), Peptídeo C com 35 aminoácidos
(correspondente ao “pro”) e Cadeias A e B com 51 aminoácidos (correspondente à
insulina).
Depois da síntese no retículo endoplasmático rugoso, a preproinsulina é
encaminhada ao retículo endoplasmático liso, através da chamada sequência sinal, a
qual reside na porção pré, que é o peptídeo sinal. Este, por sua vez, é removido após o
direcionamento, tornando-se proinsulina (Figura 3). Em seguida, os radicais de cisteína
sofrem reações catalisadas pela enzima dissulfeto isomerase, que faz três pontes dissulfeto,
duas unindo a cadeia A com B, e uma interna em A. Na última etapa, a proinsulina sofre
proteólise e, por hidrólise, o peptídeo C é removido com a formação da insulina. Apesar
da separação do peptídeo C, tanto ele quanto a molécula de insulina são estocados dentro
dos grânulos das células beta-pancreáticas. Assim sendo, a insulina é um peptídeo, com
51 aminoácidos e duas cadeias, A e B (Figura 12).
Caro aluno, esta informação, sobre o peptídeo C ser estocado no mesmo grânulo
que a insulina, será muito importante para aferir valores sobre a insulina, mantenha a
atenção!

51
BIOQUÍMICA CLÍNICA
FIGURA 12: PRÓ-INSULINA
Modificado pelo Autor.
Fonte: Shutterstock (2020). https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/human-insulin376391215
A insulina é degradada pela enzima insulinase, presente no fígado e, em menor concentração, nos rins.
Possui meia vida de aproximadamente 6 minutos, o que permite alterações rápidas nos níveis circulantes
do hormônio, por isso se torna um problema para ser quantificada. No entanto, temos a relação de 1
Peptídeo C para cada insulina sintetizada, e este permanece por mais tempo no plasma, sendo possível
sua medição (BAYNES, 2015).

2.2.1 Secreção de Insulina

Segundo nos ensina Baynes (2015), após estímulos apropriados, e quando o nível
de glicose aumenta, acima do normal de 5mM, as células beta-pancreáticas respondem,
liberando insulina na circulação. A glicose entra na célula beta, através do transportador
GLUT 2; no citoplasma da célula, a glicose é rapidamente convertida em piruvato
(glicólise), gerando um rápido aumento na concentração citoplasmática de ATP. Este ATP
formado se liga aos canais de K+ sensíveis ao ATP, provocando o fechamento deles, ao
reduzir o efluxo de íons K+ da célula.

52
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Como resultado deste fechamento, temos uma despolarização da membrana
plasmática que desencadeia a abertura dos canais de Ca2+ sensíveis à voltagem e permite o
influxo de íons cálcio para o citoplasma da célula. Este Ca2+ promove a fusão das vesículas
secretoras, as quais contêm insulina (e peptídeo C), com a membrana plasmática, havendo
liberação da insulina e do peptídeo C na circulação (Figura 13).
Notem que, neste parágrafo acima, foi possível relembrarmos conceitos já aprendidos
em outras disciplinas, como transporte passivo, transporte ativo e despolarização!

FIGURA 13: SECREÇÃO DE INSULINA.


Potassium Channel = Canal de Potássio; Voltage-gated calcium channel = Canal de cálcio voltagem
dependente
Fonte: Shutterstock (2020). https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/insulin-
secretion-73354648

A secreção de insulina é bifásica: a 1a fase ocorre nos primeiros 10 minutos após


o estímulo, sendo aguda e de curta duração. É constituída pela insulina pré-formada
(grânulos localizados em proximidade à membrana plasmática). Persistindo o estímulo

53
BIOQUÍMICA CLÍNICA
glicêmico, acontece a 2a fase, menos intensa e mais prolongada, constituída de um platô
que pode durar horas, envolvendo insulina pré-formada e a síntese de novas moléculas
de insulina (Figura 14).

FIGURA 14: ESTÁGIOS DE LIBERAÇÃO DE INSULINA.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

Existem compostos que aumentam, e outros que diminuem a secreção de insulina,


como demonstrado na Tabela 5:

AUMENTAM DIMINUEM
Estado Pós-prandial Jejum
Hiperglicemia Hipoglicemia
Agonistas beta-adrenérgico Agonistas α-adrenérgico
Arginina
Hormônio do Crescimento (GH)
Secretina
Cortisol e GABA
Estrogênio/Progesterona
Acetilcolina
Sulfonilureias
TABELA 5: FATORES QUE INFLUENCIAM NA SECREÇÃO DE INSULINA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

54
BIOQUÍMICA CLÍNICA
2.2.2 EFEITOS METABÓLICOS DA INSULINA

FIGURA 15: EFEITOS DA INSULINA NO METABOLISMO.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020), baseado em GAW (2015).

Na Figura 15 acima, observa-se que os efeitos da insulina no metabolismo da glicose


são mais proeminentes no fígado, músculo esquelético e tecido adiposo. No fígado,
a insulina diminui a produção de glicose, ao inibir a glicogenólise e a gliconeogênese;
em contrapartida, estimula a glicogênese (Gaw, 2015). No músculo e tecido adiposo, a
insulina aumenta a captação de glicose, por promover um aumento dos transportadores
GLUT4 nestes tecidos, observando-se, assim, a diminuição da glicemia na presença de
insulina.
No metabolismo lipídico, a insulina diminui o nível de ácidos graxos circulantes,
ao inibir a atividade da lipase sensível a hormônio no tecido adiposo. Além disso, temos
um aumento da atividade da lipase lipoproteica no tecido adiposo (aluno, muita atenção
para este detalhe!), permitindo o fornecimento de ácidos graxos dos triglicerídeos dos
quilomícrons e do VLDL (Figura 15).
Já no metabolismo proteico, a insulina estimula a entrada de aminoácidos, nas
células, e a síntese proteica na maioria dos tecidos (Figura 15).

55
BIOQUÍMICA CLÍNICA
2.3 DIABETES

“...grupo heterogêneo de doenças metabólicas que são caracterizadas


por hiperglicemia crônica e distúrbios no metabolismo dos carboidratos,
dos lipídeos e das proteínas resultantes de um defeito na secreção e/ou
ação da insulina” (ANDREOLI, Rio de Janeiro, 2005).

Diabetes é o distúrbio endócrino mais observado na prática médica, sendo


definido como uma síndrome caracterizada pela hiperglicemia, devido a uma falta
absoluta ou relativa de insulina e/ou resistência insulínica. Os termos “dependente” e
“não dependente” de insulina estão em desuso para nominar o tipo de diabetes, sendo
utilizados: Diabetes Tipo 1 e Diabetes Tipo 2. Na Tabela 6, podemos analisar as diferenças
básicas entre os dois tipos.

CARACTERÍSTICAS DIABETES TIPO 1 DIABETES TIPO 2


Estado nutricional no momento Alto (Obesidade geralmente
Baixo (em geral, desnutrido)
do início da doença presente)
10-20% dos casos diagnostica- 80-90% dos casos diagnosti-
Frequência relativa
dos cados
Predisposição Genética Moderada Muito forte
Concordância de gêmeos idênti-
Até 50% 80 a 95%
cos (monozigóticos)
Problema de secreção de
Defeito ou Deficiência Células beta destruídas insulina pelas células beta e/ou
resistência tecidual à insulina
Cetose Comum Rara
Sintomas clássicos Quase sempre presentes Metade é assintomático
Insulina plasmática Baixa ou ausente Normal à elevada
Síndrome hiperosmolar não
Complicação aguda Cetoacidose
cetótica
Resposta às drogas hipoglice-
Não responde Responde
miantes orais
Insulinoterapia Sempre necessário Em geral, não é necessário
TABELA 6: DIABETES MELITO TIPO 1 x DIABETES MELITO TIPO 2.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020), baseado em HARVEY (2012).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
Os dados que seguem são muito importantes para você entender a gravidade do
problema relacionado com o diabetes. Os números nos mostram que, atualmente, ou
em um futuro não muito distante, a situação é de maior comprometimento populacional
com uma das doenças crônicas mais observadas no planeta. Uma doença que causa
gastos enormes nos serviços públicos de saúde e que compromete a integridade física
dos pacientes, com todas as suas comorbidades!
No último 14 de novembro (2019), a International Diabetes Federation (IDF) divulgou
novos números que destacam o crescimento alarmante na prevalência de diabetes. Os
dados da 9ª edição do Atlas de Diabetes da IDF mostram que existem 463 milhões de
adultos com diabetes, em todo o mundo. A prevalência alcançou níveis elevados de 9,3%,
e o preocupante é que 50,1% dos adultos, mais da metade, não estão diagnosticados. O
diabetes melito Tipo 2 abrange, em torno de 90% de todas as pessoas com diabetes. Os
dados mostram que o diagnóstico precoce e o acesso a cuidados adequados podem ser
fundamentais para a prevenção, ou para retardar as complicações ligadas a esta doença
crônica.
No mesmo trabalho da IDF, a previsão é o aumento para 578 milhões (em 2030)
e para 700 milhões (em 2045), no número total de pessoas vivendo com diabetes em
nosso planeta. O Atlas (9a Edição) também inclui dados que levam ao aumento de risco
para desenvolver diabetes melito Tipo 2, como 374 milhões de adultos que apresentam
intolerância à glicose. A doença está entre as 10 principais causas de morte, quase a
metade ocorrendo em pessoas com menos de 60 anos. Além disso, a cada seis nascidos
vivos, um é afetado pela hiperglicemia durante a gravidez.
Uma série de fatores combinados, como o baixo desempenho dos sistemas de
saúde, a pouca conscientização na população e mesmo nos profissionais da área da
saúde sobre diabetes, somados ao início quase silencioso dos sintomas ou progressão do
diabetes tipo 2, podendo esta condição permanecer não detectada por vários anos, acaba
oportunizando o desenvolvimento de suas complicações, em um nível que nem sempre
se consegue reverter. Estima-se que cerca de 50% dos casos de diabetes em adultos não
sejam diagnosticados e que 84,3%, de todos os casos de diabetes não diagnosticados,
estejam em países em desenvolvimento (SBD, 2020).
Como consequência do envelhecimento da população, o número de indivíduos
diabéticos tem aumentado, havendo outros fatores a serem considerados: a maior
urbanização, um crescimento muito grande da obesidade mundial, sedentarismo e as
próprias condições da medicina, permitindo uma maior sobrevida dos pacientes que
apresentam diabetes melito (IDF, 2019).
No cenário nacional, no final da década de 80, a estimativa sobre a prevalência
de DM na população foi de 7,6%. Os dados recentes apontam números mais elevados,

57
BIOQUÍMICA CLÍNICA
com algumas cidades apresentando taxas duas vezes maiores que da estimativa. Uma
pesquisa, feita em 2013, estimou que existiriam 11.933.580 pessoas, na faixa etária de 20
até 79 anos, com DM no Brasil, o que hoje representaria 5,7% da população. Este é um
número muito alto, ao se levar em conta as comorbidades e suas consequências, além do
fato de muitos diabéticos sequer saberem o diagnóstico. Os números vêm apresentando
um crescimento, relacionado à faixa etária, com aumento de 2,7%, no grupo de 30 a 59
anos, e 17,4% no de 60 a 69 anos (MS, 2016).
No Brasil, dados de 2011 demonstraram que as taxas de mortalidade (a cada 100
mil habitantes) por diabetes melito se acentuam enormemente, em função da faixa
etária, passando de 0,5 no grupo de 0 a 29 anos e para 223,8 na faixa de 60 para mais, ou
seja, apresenta um aumento de 448 vezes. Quando se trata de uma análise por gênero,
a taxa fica em 27,2, nos homens, e 32,9, nas mulheres, uma leve predominância no sexo
feminino.
Os dados do Vigitel (2016) mostram, ainda, que o Rio de Janeiro (RJ) tem a maior
prevalência, com índice de 10,4, e Boa Vista (RR) o menor, com 5,3 (Figura 16).

FIGURA 16: PREVALÊNCIA DO DIABETES, POR CAPITAIS.


Fonte: Disponível em: https://www.endocrino.org.br/media/uploads/PDFs/vigitel.pdf. Acesso em: 17 de
agosto de 2020.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
2.3.1 Diabetes Melito Tipo 1

Este tipo de diabetes se caracteriza por uma deficiência absoluta de insulina,


causada por um grande ataque autoimune nas células beta-pancreáticas, o qual requer
um estímulo ambiental (infecção viral, estado nutricional na infância ou na vida adulta e
outros) e o determinante genético, fazendo com que as células beta sejam reconhecidas
como “estranhas”. A porção das ilhotas de Langerhans se torna infiltrada por linfócitos T
ativados, uma condição conhecida como insulite, e, no período de alguns anos, o ataque
autoimune vai fazendo um progressivo esgotamento da população de células beta. No
entanto, os sintomas surgem de forma abrupta, quando cerca de 80 a 90% das células
beta já foram destruídas. Neste ponto, o pâncreas falha em responder adequadamente
à ingestão de glicose, sendo necessário entrar com a insulinoterapia para restaurar o
controle metabólico.

A) Alterações Metabólicas no Diabetes Melito Tipo 1

ATENÇÃO! Antes de iniciarmos, não esqueçam os conceitos trabalhados


na Bioquímica Básica: quando entramos em um panorama de jejum, tem início a
glicogenólise (degradação de glicogênio) e, à medida que acontece o decaimento do
glicogênio hepático, a gliconeogênese se torna mais efetiva, passando a responder pela
manutenção da glicemia, assim que o decaimento do glicogênio se torna muito grande.
Dito isso, entendam o que segue, como se fosse um panorama de jejum muito
piorado!
A hiperglicemia e a cetoacidose são as características típicas de um diabetes não
tratado. Esta hiperglicemia é causada pelo aumento na produção hepática de glicose,
somado à utilização periférica diminuída. O panorama de insulina muito baixa, ou ausente,
e o glucagon em alta, faz com que tenhamos uma glicogenólise intensa (1). O aumento da
proteólise muscular (via epinefrina) fornece um grande aporte de aminoácidos ao fígado,
potencializando a gliconeogênese (2). Duas vias que ocorreriam de forma escalonada, no
estado normal de jejum, estão, nesta situação patológica, ativadas simultaneamente. Em
adição, com a diminuição dos transportadores GLUT4 (3) no tecido muscular esquelético
e no tecido adiposo, a glicose se mantém em circulação, e estes três (1, 2 e 3) fatores,

59
BIOQUÍMICA CLÍNICA
somados, levam à hiperglicemia (Figura 17).
O mesmo panorama hormonal leva à intensa lipólise, com isso temos a chegada
de muitos ácidos graxos no tecido hepático, induzindo o fígado a produzir grandes
quantidades de corpos cetônicos, o que pode levar a uma cetoacidose, como foi descrito
na unidade anterior.
Ainda sobre o metabolismo lipídico, pode ser observado um quadro de
hipertrigliceridemia, uma vez que a atividade e produção da Lipase Lipoproteica sofre
influência da insulina, que está muito baixa ou ausente, levando a um prejuízo na
metabolização dos quilomícrons e do VLDL. Estes, permanecendo no plasma, vão gerar
um quadro de hipertrigliceridemia (Figura 17).

FIGURA 17: METABOLISMO NO DIABETES.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

A fisiopatologia desta forma de diabetes apresenta a presença de anticorpos:


autoanticorpos para ilhotas (ICA), para insulina (AAI), para descarboxilase do ácido
glutâmico (GAD) e para Tirosina Fosfatase IA-2 e IA-2B. Os níveis de peptídeo C, quando
dosados, estão baixos ou ausentes, e a doença pode estar associada a outras doenças
autoimunes (LAMOUNIER, 2016).

60
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Os sintomas surgem abruptamente e seguem a linha dos chamados 5 Ps: poliúria,
polidipsia, polifagia e perda de peso. A cetoacidose será observada, acompanhada de
algumas ou de todas as manifestações, tais como pele avermelhada, quente e seca,
perda de apetite, dor abdominal, vômitos, hálito cetônico, respiração rápida e profunda
(como resposta à compensação da acidose) e dificuldade para acordar, sendo que o
prolongamento do estado poderá levar o indivíduo ao coma.

SAIBA MAIS
Como estão as coisas até aqui? Este vídeo trará todo um conteúdo sobre a
ação da insulina, a causa e o aparecimento do Diabetes Melito Tipo 1, sendo bem
instrutivo e cheio de informação fundamental, divirta-se!
Acesse o link e confira: https://www.youtube.com/watch?v=T0mnagQecCU

2.3.2 Diabetes Melito Tipo 2

Nesta forma, os pacientes mantêm certa capacidade de secreção de insulina,


contudo seus níveis insulínicos são baixos, em relação às suas concentrações de glicose
e magnitude da resistência insulínica, podendo refletir mudanças na secreção pulsátil da
insulina. Não se sabe, ao certo, qual seria o mecanismo primário: a resistência insulínica
dos tecidos, principalmente muscular, esquelético e adiposo, ou a disfunção na secreção
de insulina, uma vez que se observam ambos presentes (CHATTERJEE, 2017).
As células beta-pancreáticas possuem uma resposta à estimulação pela glicose,
enquadrada como subótima, não ocorrendo a primeira fase de secreção da insulina após
a estimulação pela glicose.
Vários fatores de risco podem estar associados a esta forma da doença, conforme
apresenta a Tabela 7:

61
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Idade superior aos 45 anos Fumo
Excesso de peso (IMC > 25kg/m2) Filhos, com peso maior que 4 kg
Parentes de 1o Grau dom Diabetes Melito HDL < 35 mg/dL ou TG > 250 mg/dL
Sedentarismo Síndrome dos Ovários Policísticos
História de Diabetes Melito Gestacional ou feto
Hipertensão Arterial Sistêmica (>140/90 mmHg)
macrossômico
Pré-Diabetes, identificado previamente Doença vascular
TABELA 7: FATORES DE RISCO PARA DIABETES MELITO TIPO 2.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

A resistência tecidual à insulina faz o pâncreas apresentar liberação aumentada de


insulina, exigindo que o órgão trabalhe intensamente. Com o passar dos anos, isto pode
levar a uma insuficiência pancreática severa, com quadro de intensificação do diabetes,
inclusive, podendo o paciente utilizar insulinoterapia (por isso ficou de lado o termo
‘diabetes não insulino dependente’).
Não se observa nenhum padrão hereditário consistente no Diabetes Tipo 2, contudo
não existe dúvida sobre um forte componente genético nesta forma de diabetes, já que
gêmeos monozigóticos apresentam uma concordância, a qual pode variar de 80 até 95%
para desenvolver Diabetes Tipo 2, com parentes de primeiro grau de pessoas diabéticas,
apresentando em torno de 40% de chance de desenvolver esta forma da doença, contra
um risco de 10%, no caso do Tipo 1.
O diabetes de início, na maturidade do jovem (DIMJ ou MODY), é uma forma
genética do Diabetes Tipo 2, porém afeta apenas uma pequena minoria de pacientes.
Esta forma é o resultado de mutações de seis diferentes genes ligados a: fatores de
transcrição (2 genes), enzima glicoquinase (glicólise), fator promotor de insulina, FNH-
1α (Fator Nuclear Hepático) e fator de transcrição da célula beta (AMERICAN DIABETES
ASSOCIATION, 2019).

A) Alterações Metabólicas no Diabetes Melito Tipo 2

Embora o corpo ainda apresente produção de insulina, ela é insuficiente no


controle da produção hepática de glicose e na promoção da captação de glicose pelo
tecido muscular esquelético. Assim, a hiperglicemia será resultado destes dois fatores.
Os pacientes também não apresentam o aumento normal da Frutose 2,6 Bifosfato,

62
BIOQUÍMICA CLÍNICA
importante metabólito que age como regulador positivo da glicólise, promovendo
aumento da velocidade desta via. Ou seja, não temos aceleração da glicólise, fator que
será somado ao fato de a enzima PEP-Carboxiquinase (enzima-chave da gliconeogênese)
não sofrer a regulação negativa típica. Então, não se tem um impedimento da ocorrência
da gliconeogênese (até porque a glicólise não vai acelerar, conforme seria esperado).
Já comentamos que a cetoacidose é rara no paciente com esta forma de diabetes,
em razão de a insulina estar presente em quantidades suficientes, para evitar a
metabolização descontrolada dos triglicerídeos no tecido adiposo, o que geraria grandes
concentrações de ácidos graxos indo para o fígado (BAYNES, 2015). Apesar de rara, pode
ser precipitada por um grande estresse, como observado no infarto do miocárdio. Diante
deste panorama, o fígado recebe o aporte normal de ácidos graxos, permitindo que o
tecido hepático utilize as moléculas para a chamada “síntese de novo”, ou os dirigir para
a formação de triglicerídeos. Nesta situação, pode ser observado um aumento de VLDL,
pela elevação de TGs hepáticos, sem uma hiperquilomicronemia (aumento de QM).
Portanto, a gliconeogênese, combinada com uma lipogênese, não ocorre. Contudo,
nesta forma de diabetes, é o resultado de uma mistura da resistência insulínica, com
as vias de regulação mediadas pelo hormônio que não acontecem, como explicado
anteriormente.

2.3.3 Fisiopatologia do Diabetes Melito

Caso tenha algo muito específico, dentro da fisiopatologia de algum tipo, será
feita a distinção. Porém, no geral, o que será abordado agora é comum à doença crônica
diabetes, independentemente do tipo.
Como descreve Lamounier (2016), o diabetes melito apresenta, com o passar dos
anos, diversas complicações, as quais geram comorbidades que impedem uma vida
saudável e normal aos pacientes acometidos por esta doença crônica.
As alterações evoluem lenta e silenciosamente e levam à microangiopatia (pequenos
vasos) e à macroangiopatia (grandes vasos), as quais fazem parte da chamada síndrome
diabética. Em um panorama a longo prazo, estas alterações ocasionam: insuficiência
renal (nefropatia diabética), cegueira (retinopatia diabética), opacidade nas lentes ópticas

63
BIOQUÍMICA CLÍNICA
que levam à catarata, além de disfunções neurológicas (neuropatia diabética).
Os problemas ligados à macroangiopatia aumentam, de duas a três vezes, a
predisposição do paciente diabético para desenvolver infarto do miocárdio e doença
vascular periférica diabética, que é a causa direta de úlceras nos pés, podendo levar a
amputações dos membros inferiores. Inclusive, no mundo, esta é a maior causa de
remoção de membros inferiores. O diabetes também é a maior causa de cegueira e de
insuficiência renal. A doença cardiovascular é a mais prevalente, sendo a principal causa
de morte entre os pacientes com diabetes.
Os problemas ligados à microangiopatia se caracterizam pela formação de AGE
(Advanced Glycation End-products), que modifica, irreversivelmente, propriedades
funcionais e químicas de muitas estruturas biológicas; o estresse oxidativo e também
o aumento das vias poliol, como o sorbitol (ver em metabolismo da frutose). Alguns
AGEs ocasionam reações cruzadas, levando à rigidez das moléculas de colágeno, o que
contribui com a aterosclerose observada no diabetes. Esta ligação dos AGEs, em geral,
acontece com proteínas corporais de vida longa, e o enrijecimento da matriz extracelular
diminui a elasticidade e capacidade morfológica de várias estruturas, afetando as células
endoteliais, macrófagos, células musculares lisas, o que contribui bastante para o
desenvolvimento das complicações tardias, típicas do diabetes (BAYNES, 2015).

2.3.4 Diagnóstico do Diabetes Melito

Antes de prosseguir, é importante lembrar que, muitas vezes, o diagnóstico não


acontece isoladamente com um parâmetro de análise, mas sim com um conjunto de
testes e evidências, os quais levam ao diagnóstico mais preciso e, portanto, confiável.
O rastreamento para diabetes melito deve ser feito a cada três anos, se o indivíduo
tiver mais de 45 anos e for normal; e, para menos de 45 anos, se observado algum dos
fatores de risco, exemplificados na Tabela 8 abaixo.

64
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Sedentarismo Parente de 1o grau com Diabetes Melito
IMC > 25kg/m2 Filho macrossômico
Grupos étnicos HDL < 35 mg/dL ou TG > 250 mg/dL
Sedentarismo Hipertensos (>140/90 mmHg)
Doença vascular Glicemia de jejum alterada
Teste Oral de Tolerância à Glicose (TTG ou TOTG) alterado
TABELA 8: FATORES DE RISCO PARA UMA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

A) Investigação Laboratorial e Diagnóstico do Diabetes Melito (LAMOUNIER, 2016):

= > Análise da Urina

A maior parte dos exames médicos ocupacionais de rotina, e das interações em


hospitais, incluirá uma análise de glicose na urina, a qual não aparece, até que o nível de
glicose no plasma se eleve acima de cerca de 180 mg/dL, ainda que permita uma varredura
inicial com pouco valor agregado. Isto se deve ao chamado limiar renal de glicose (para
cujo parâmetro alguns indivíduos sadios apresentam um valor baixo), no qual a glicose
transborda para a urina em concentrações plasmáticas bem inferiores, ou seja, glicosúria,
sem qualquer problema de diabetes melito. De modo oposto, o limiar renal de glicose
aumenta com a idade e, como resultado, muitos diabéticos não terão obrigatoriamente
glicosúria.
O uso de fitas reagentes, que fazem medida semiquantitativa da glicose na urina,
precisa ser visto com desconfiança, apesar de seu baixo custo e fácil realização, pois a
medida na urina refletirá um valor médio que corresponde ao período do intervalo da
coleta, não fornecendo os valores no exato momento da realização.
Pode ser indicado aos pacientes que fazem uso de insulinoterapia, os quais não
possuem condições de realizar monitoramento por glicose capilar, antes das refeições e
ao se deitar (ver adiante).

= > Análise de Corpos Cetônicos

Os corpos cetônicos podem se acumular no plasma de um paciente diabético e

65
BIOQUÍMICA CLÍNICA
sua presença, de forma alguma, é um diagnóstico de cetoacidose. A presença de corpos
cetônicos pode simplesmente refletir, por exemplo, o resultado de um jejum prolongado
(lembre-se do que foi visto na Unidade 1 sobre corpos cetônicos). A utilização de tiras secas
de dosagem não detecta β-hidroxibutirato, podendo subestimar a condição metabólica
do indivíduo, por isso sua utilização não se torna recomendada nesta situação.
Em condições normais, os corpos cetônicos presentes na urina são insignificantes,
sendo 2% de acetona, 78% de β-hidroxibutirato e 20% de acetoacetato. No entanto, os
corpos cetônicos, presentes em grande quantidade, extravasam para a urina (cetonúria),
e o exame de corpos cetônicos na amostra pode fornecer importantes dados para um
diagnóstico precoce de uma condição de acetoacidose, a qual tem a possibilidade de
evoluir para algo mais grave.

= > Dosagem de Peptídeo C

Os valores de peptídeo C estão em quantidade equimolecular com os da insulina,


mas apresentam uma meia vida maior do que a insulina, que é bem reduzida (como já
foi visto). Desta forma, os valores de peptídeo C apresentarão uma correlação adequada
com os valores de insulina, ou seja, se os valores de peptídeo C dosados estão reduzidos,
é correto que o mesmo seja dito sobre os valores da insulina.
A metodologia mais utilizada é aquela em que se administra glucagon
intravenosamente, e o quantifica por quimioluminescência. Os valores de referência
estão entre 0,90 ng/ml (basal) a 1,8 ng/ml (após o estímulo). Em geral, um indivíduo com
o Tipo 1 apresenta valores de 0,35 ng/ml, no basal, e 0,5 ng/ml após o estímulo; e os do
Tipo 2 mostram valores de 2,0 ng/ml, no basal, e 3,3 ng/ml após o estímulo.

= > Glicemia Sanguínea de Jejum (GSJ)

A glicemia reflete os níveis plasmáticos de glicose circulante no plasma, em uma


relação direta com a secreção de insulina pelo pâncreas. Os valores que refletem uma
hipoglicemia ou hiperglicemia podem ser fortes indicadores de diabetes melito. A GSJ é
medida após uma noite de jejum de 8:00 a 10:00 horas.
Em geral, nos indivíduos não diabéticos, o valor é de no máximo 99 mg/dL (o ideal
é abaixo deste valor). Valores entre 100 e 125 mg/dL são interpretados como intolerância
à glicose ou glicemia de jejum inapropriada, e indicação para um Teste Oral de Tolerância
à Glicose (TTG ou TOTG), que será visto adiante. Quando o exame de GSJ tiver resultado

66
BIOQUÍMICA CLÍNICA
igual ou acima de 126 mg/dL, deve ser repetido para atestar diabetes melito.

= > Teste Oral de Tolerância à Glicose (TTG ou TOTG)

Teste padronizado, com o objetivo de identificar casos de diabetes melito ou de


pré-diabetes. Consiste na administração de 75 gramas de dextrose (em cerca de 300 ml
de água), em estado de jejum de 10-12 horas, mas nunca superior a 16 horas. Antes da
ingestão de dextrose, uma amostra de sangue vai ser retirada; o mesmo será feito em
intervalos de 30 minutos, após a ingestão, durante duas horas. Neste exame, o paciente
precisa estar confortavelmente sentado, no decorrer de todo o teste, não pode fumar ou
praticar exercício. Os indicativos para realização do TOTG incluem a GSJ ou glicemia pós-
prandial no limiar (limítrofe), glicosúria persistente, glicosúria em mulheres grávidas,
mulheres grávidas com histórico familiar de diabetes melito, ou que tiveram bebês
grandes.
Em indivíduos normais, observar-se-á um padrão de curva que sobe nos primeiros
30 minutos e, em seguida, apresenta um declínio suave até a obtenção de valores
glicêmicos normais (99 mg/dL). Já no indivíduo diabético, a curva sobe acentuadamente
e, depois, atinge um platô (em geral acima de 200 mg/dL).
Valores de TOTG entre 126-199 mg/dL são classificados como uma tolerância
alterada ou intolerância à glicose, que pode ser associada a uma alteração da homeostasia
do pâncreas relativa à secreção de insulina. São considerados diabéticos os indivíduos
que apresentam valores de TOTG iguais ou maiores de 200 mg/dL. Alguns detalhes
precisam ser observados para a confiabilidade do TOTG, como a utilização de fármacos,
Síndrome de Cushing (hipercortisolismo) e o hipotireoidismo.

= > Glicose Casual

É a dosagem de glicose feita em qualquer período do dia, sem condições especiais.


Em indivíduos normais, normalmente os valores estão abaixo de 200 mg/dL. Para
atestar diabetes melito, o valor precisa ser igual a 200 mg/dL (ou maior), com sintomas
(polidipsia, poliúria e outros).

Assim, a Tabela 9 resume os valores que enquadram o indivíduo como normal,


o que apresenta uma glicose alterada, e os valores que caracterizem um paciente com
diabetes melito.

67
BIOQUÍMICA CLÍNICA
CATEGORIA/GLICOSE JEJUM TOTG CASUAL
Normal < 100 mg/dL < 140 mg/dL -

Alterada ≥ 100 e < 126 mg/dL ≥ 140 e < 200 mg/dL -

Diabetes Melito ≥ 126 mg/dL (2x) ≥ 200 mg/dL ≥ 200 mg/dL (com sintomas)
TABELA 9: VALORES DE ANÁLISE PARA GLICEMIA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

= > Hemoglobina Glicada (HbA1c ou A1c)

A reação de glicação da hemoglobina é lenta, não enzimática e não dissociável,


acontecendo na valina da porção N-terminal das cadeias beta da hemoglobina, sendo
o resultado deste exame geralmente expresso em porcentagem. O princípio bioquímico
parte da ocorrência de glicação da hemoglobina, como reflexo da quantidade de glicose
na circulação e, portanto, disponível para a reação.
Assim, indivíduos que possuam glicemia elevada, em especial por períodos
prolongados, apresentarão maior proporção da sua hemoglobina glicada, visto que se
tem uma alta quantidade de glicose para ser adicionada às hemoglobinas na glicação. O
eritrócito tem um tempo médio de vida, de cerca de 120 dias, e estando a hemoglobina
presente dentro destas células, a quantificação da hemoglobina glicada reflete a glicemia,
no intervalo que compreende de 6 até 8 semanas antes da dosagem. É importante salientar
que qualquer doença, a qual afete a vida dos eritrócitos, vai interferir no resultado deste
exame.
A interpretação do exame consiste em saber que 50% do valor da hemoglobina
glicada expressarão os níveis glicêmicos dos últimos dias (último mês), 25% do penúltimo
mês e 25% do antepenúltimo. É um exame muito útil para acompanhamento do paciente
diabético, não sendo necessário para a identificação deste tipo de paciente, pois existem
outros testes bem mais baratos e que cumprem a função satisfatoriamente. Não precisa
estar em jejum para a coleta de sangue, cujo exame deve ser solicitado, ao menos três
vezes ao ano, pelo profissional que acompanha o paciente diabético (Tabela 10).

68
BIOQUÍMICA CLÍNICA
A1C (%) Glicose (mg/dL)
4 65
5 100
6 135 Normal
7 170 Desejável
8 205
9 240
10 275
11 310
12 345 Intervenção
TABELA 10: VALORES DE REFERÊNCIA, HEMOGLOBINA GLICADA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

2.3.5 Tratamento do Diabetes Melito

A) Tratamento não Medicamentoso

Traçar metas é a recomendação primária para qualquer paciente, principalmente


àqueles acometidos de doenças crônicas, automonitorização através da glicose capilar e
HbA1c, ao menos três vezes ao ano. O objetivo do controle é buscar os índices de controle
glicêmico e lipídico, além da pressão arterial.

Atividade Física Regular

Ao menos 150 minutos semanais de atividade física: melhoram o controle glicêmico


(independente da perda de peso), reduzem o risco cardiovascular, diminuem o peso,
ampliam a autoestima, melhoram o perfil lipídico com redução de LDL e aumento do

69
BIOQUÍMICA CLÍNICA
HDL, restabelecem a sensibilidade à insulina, reduzem a circunferência abdominal e a
gordura visceral.

= > Orientação Nutricional Individualizada

As regras abaixo seguem as diretrizes preconizadas pela Sociedade Brasileira de


Diabetes, conforme descrito em seu Manual referente ao biênio 2016-2017.
Os carboidratos sempre foram vistos como o grupo que mais afeta a glicemia,
uma vez que quase 100% são convertidos em glicose, com uma variação de tempo entre
15 e 120 minutos. No entanto, os estudos mostram que os carboidratos simples não
precisam sofrer com uma restrição radical, podendo fazer parte de uma ingestão total
de carboidratos. Aqueles carboidratos não refinados, com fibra natural intacta, possuem
vantagens distintas, quando comparados às versões altamente refinadas, em virtude dos
seus outros benefícios, como, por exemplo, menor índice glicêmico, maior saciedade e as
propriedades de ligação com o colesterol.
Na década de 80, as Associações Americana e Britânica de Diabetes, finalmente
abandonaram a estratégia de dietas, restritivas em carboidratos, para o tratamento dos
pacientes diabéticos, com foco em uma dieta controlada em lipídios, porém mais rica em
carboidratos complexos e fibras alimentares.
Desta forma, quanto aos carboidratos, de todos os macronutrientes que são
exatamente os maiores responsáveis pela glicemia pós-prandial, evidencia-se que a
prioridade passa a ser a quantidade total de carboidrato, embora mais recentemente já se
verifique um benefício modesto do uso de valores da carga glicêmica, o qual é mensurado
da seguinte forma: índice glicêmico X quantidade de carboidratos/100. Vale destacar
que os macronutrientes podem estar presentes, de maneira combinada, em um único
alimento e/ou refeição, podendo, desta forma, alterar a resposta glicêmica.
O método de contagem de carboidratos consiste em somar os gramas de carboidrato
de cada alimento, por refeição, cujos dados poderão ser obtidos em tabelas e rótulos
dos alimentos. Levando em conta a preferência do paciente, e com os carboidratos
previamente definidos por refeição, utiliza-se qualquer alimento. É importante lembrar
que o incentivo à alimentação saudável deve ser reforçado nas trocas de alimentos.
Após a definição das necessidades nutricionais (valor energético total [VET]),
calcula-se a quantidade de carboidratos, em gramas ou por número de substituições por
refeição. Por exemplo, a Contagem de Carboidratos, em um paciente adulto com Diabetes
Melito Tipo 2, calcula o VET de 1.800 kcal; considerando 60% de carboidratos, o que
corresponde a 270 gramas a serem distribuídos no dia todo. Em seguida, com os dados

70
BIOQUÍMICA CLÍNICA
obtidos em anamnese anterior, vai se definir a quantidade de carboidrato por refeição. Já
para o paciente adulto, com Diabetes Tipo 1, calcula um VET de 2.500 kcal; considerando
60% de carboidratos, o que corresponde a 375 gramas, distribuídos ao longo de todo o
dia. Contando-se com a anamnese, é definida a quantidade de carboidratos por refeição.

B) Tratamento Medicamentoso

= > Insulinoterapia

No Diabetes Tipo 1, a insulinoterapia começa tão logo o paciente seja diagnosticado


com a doença; no Diabetes Tipo 2, a insulinoterapia será necessária em falência
pancreática e/ou falência do tratamento dos hipoglicemiantes orais.
Para a insulinoterapia, existem vários tipos de insulina. Observe a Tabela 11:

TIPO DE INSULINA INÍCIO DE AÇÃO DURAÇÃO


Rápida Em 30 minutos 6 horas
Ultrarrápida Em 5-15 minutos 4-5 horas
Basal ou Intermediária Em 2-4 horas 10-16 horas
Prolongada Em 1-2 horas 24 horas
TABELA 11: TIPOS DE INSULINA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

As insulinas de ação rápida são utilizadas para proporcionar efeito semelhante às


descargas maiores de insulina, que ocorrem na fisiologia, necessárias principalmente às
refeições. Já as injeções de insulina de ação intermediária e lenta atuarão analogamente
ao fornecimento basal, sendo administradas em uma ou duas aplicações diárias, podendo
chegar até três vezes ao dia, a fim de proporcionar o componente “basal” da insulinização,
isto é, simular uma “secreção” constante de insulina, permanecendo em níveis baixos no
sangue, o tempo todo (IDF, 2019).
É importantíssimo frisar que, para um tratamento seguro e eficaz com insulina,
principalmente para minimizar o risco de hipoglicemias, devem-se usar várias aplicações
diárias de insulina.

71
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Pacientes com diabetes Tipo 1, na maior parte das vezes, precisam de um programa
terapêutico, o qual libere tanto a insulina basal quanto aquela que dispensa maiores
quantidades na circulação. Assim sendo, o tratamento é feito de maneira intensiva, ou
seja, envolve três ou mais aplicações diárias de insulina.
O tratamento voltado ao Diabetes Tipo 2, dependerá do paciente, já que alguns só
precisam da basal, uma vez que o pâncreas ainda fornece a insulina necessária para as
refeições, costumando ser suficiente uma aplicação diária, antes de dormir.
Em algumas situações, a insulinoterapia personalizada pode incluir mais de um
tipo de insulina, utilizada em diferentes momentos do dia, na mesma hora, ou até na
mesma aplicação. Para isso, o mercado disponibiliza algumas opções pré-misturadas de
insulina, as quais possibilitam ao paciente administrar dois tipos de insulina em uma
única aplicação, ou, em outros casos, o próprio indivíduo com diabetes vai preparar a
combinação, ajustando as doses das insulinas de ação ultrarrápida, de acordo com a
alimentação (quantidade de carboidratos), ou com a glicemia medida.

= > Hipoglicemiantes Orais (Antidiabéticos Orais)

Conforme Lamounier (2016), em geral, os medicamentos hipoglicemiantes orais


causam uma redução adequada nos valores da glicemia, em pessoas com Diabetes Tipo
2. Entretanto, eles não têm eficácia no Diabetes Tipo 1.

a) Classe: Biguanidas
Agente: Metformina

Reduz a produção de glicose hepática, pois diminui a glicogenólise no fígado,


aumenta a captação de glicose no músculo e reduz a absorção de glicose pelo trato
gastrointestinal.
Independente do controle glicêmico, e sem contraindicação, pacientes obesos com
Diabetes Tipo 2 têm melhor desfecho, se tratados com Metformina. São comprimidos de
500mg, 850mg e 1g, com dose máxima de 2550 mg, apresentando como efeitos colaterais:
anorexia, flatulência, diarreia e náusea.

b) Classe: Sulfanilureias
Agentes: Glibenclamida, Glipizida, Gliclazida, Glimepirida

72
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Fazem parte dos secretagogos de insulina os agentes que aumentam a secreção
de insulina. O mecanismo de ação é acarretar a despolarização da célula β-pancreática
(promovendo o influxo de cálcio). Requer atenção, porque pode levar à hipoglicemia.

c) Classe: Incretinas
Agentes: Polipeptídeo Inibitório Gástrico (GIP) e Peptídeo 1 Tipo Glucagon (GLP-1)

Agem, potencializando a secreção de insulina e aumentando a sensibilidade


nos tecidos-alvos. Adicionalmente, e com foco em uma estratégia que favoreça o
prolongamento dos efeitos das incretinas, têm sido desenvolvidas substâncias análogas
ao GLP-1, as quais mimetizam sua ação, além de inibidores da enzima responsável pela
degradação das incretinas. Estudos clínicos demonstram que a administração destes
fármacos, em uma monoterapia, ou então associados a outros medicamentos anti-
hiperglicêmicos, é eficaz no controle glicêmico e na redução de peso, em pacientes com
Diabetes Melito Tipo 2.

SUGESTÃO DE LEITURA
LAMOUNIER, Rodrigo N. Manual Prático de
Diabetes: Prevenção, Detecção e Tratamento. 5.
ed. Guanabara Koogan, 2016, 372 p. ISBN 9788527730440.
O Capítulo 3 trata especificamente do gerenciamento de
peso do paciente com Diabetes Melito. É um foco muito impor-
tante para o entendimento de toda fisiopatologia ligada a esta
doença crônica, bem como uma mudança no estilo de vida, que
também se aplica ao paciente com Síndrome Metabólica.

73
BIOQUÍMICA CLÍNICA
2.4 SÍNDROME METABÓLICA

Esta condição patológica, conhecida como Síndrome da Resistência à Insulina,


foi descoberta e caracterizada pela forte associação de uma série de doenças que, com
frequência, estavam conectadas entre si, e presentes conjuntamente no mesmo indivíduo,
tais como hipertensão, alteração no metabolismo do colesterol e no metabolismo da
glicose, sendo que, na maioria das vezes, elas estavam relacionadas à obesidade e à
resistência insulínica.
Desta forma, a síndrome apresenta uma gama de fatores de risco metabólico, os quais
se manifestarão nos pacientes, levando a desdobramentos prejudiciais à saúde humana,
como diabetes, derrames, doenças cardíacas e outras. Pode-se observar que a síndrome
se associa a uma mortalidade duas vezes maior do que na população sem a síndrome, e
mortalidade três vezes maior, em relação a problemas cardiovasculares. Vários fatores
contribuem para o aparecimento e desenvolvimento da síndrome nos indivíduos: os
genéticos, o excesso de peso, com acúmulo na região abdominal, e a ausência de atividade
física, com um característico comportamento sedentário (Figura 18).

PARA REFLETIR
Aprendemos bastante sobre Diabetes Tipo 2 e Síndrome Metabólica, mas é pre-
ciso contextualizar a questão educacional, no que diz respeito à alimentação. Qual
o seu papel na busca de uma alimentação saudável? E que tal ir além: qual a sua postura, com
todos que o cercam, sobre a importância de se alimentar de forma saudável?

74
BIOQUÍMICA CLÍNICA
FIGURA 18: FATORES LIGADOS À SÍNDROME METABÓLICA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

Para definir-se quem tem a Síndrome Metabólica, dependerá de quais critérios


serão adotados, a saber:

a) National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP


III)
Apresentar três ou mais dos critérios que seguem:
1 – Glicemia de jejum ≥ 110mg/dL.
2 – Circunferência abdominal: Mulher > 80 cm (EUA = 88cm) Homem > 94 cm
(EUA =102 cm).
3 – Triglicerídeos ≥ 150mg/dL.
4 – HDL – colesterol: < 50mg/dL na mulher; < 40mg/dL no homem.
5 – Pressão arterial ≥ 130/85 mmHg.

b) International Diabetes Federation (IDF)


Todos devem apresentar obesidade abdominal, cintura abdominal (CA) aumentada
: 94 cm, no homem, e 80 cm na mulher.
Mais dois dos seguintes critérios:
1 – Triglicerídeo elevado: ≥ 150 mg/dL.
2 – HDL – colesterol baixo: < 50 mg/dL na mulher; < 40mg/dL no homem.
3 – PAS ≥ 130mmHg ou PAD ≥ 85 mmHg.
4 – Glicemia de jejum: ≥ 100 mg/dL ou diabetes.

75
BIOQUÍMICA CLÍNICA
c) Organização Mundial da Saúde (OMS)
Obrigatório um dos três: Diabetes, Intolerância à Glicose ou Resistência Insulínica
pelo clamp.
Mais dois dos seguintes critérios:
* 1 – Triglicerídeo elevado: ≥ 150 mg/dL.
* 2 – HDL – colesterol baixo: < 39 mg/dL na mulher; < 35mg/dL no homem.
3 – PAS ≥ 140mmHg ou PAD ≥ 90 mmHg.
4 – Glicemia de jejum: ver critérios obrigatórios.
* O TG e HDL são considerados um único critério para a OMS.

SAIBA MAIS
Uma vez que já sugerimos um vídeo sobre Diabetes Tipo 1, nada melhor que
recomendar fortemente este outro vídeo, no qual o Dr. Amélio Matos, no Canal
Médico, expõe dados e conceitos sobre Síndrome Metabólica, de forma muito didática e esclare-
cedora. Recomendo muito!
Acesso no link: https://www.youtube.com/watch?v=nOVEWF8Kzhw

2.4.1 Tratamento

A) Não Medicamentoso

Este tratamento tem como foco a chamada Mudança do Estilo de Vida, ou MEV,
sendo baseado em quatro pilares: recomendação dietética, prática do exercício físico, fim do
tabagismo e obtenção de peso corporal, o mais próximo do ideal. Para atingir a meta, objetiva-
se a perda de 5 a 10% do peso corporal, com dieta pobre em gorduras, ao menos 150 minutos
de atividade física aeróbica por semana e suspensão imediata do fumo. São pequenas atitudes,
com as quais o paciente é capaz de apresentar uma redução, em torno de 58%, na progressão
para diabetes melito, além de efeitos favoráveis no perfil lipídico e na pressão arterial.

76
BIOQUÍMICA CLÍNICA
B) Medicamentoso

Administração indicada para cada problema ligado ao paciente:

= > Antiobesidade:
- Orlistat é indicado para o tratamento de paciente com obesidade, ou mesmo
sobrepeso, mostrando bons resultados no controle do peso a longo prazo.
- Sibutramina, usado para tratar a obesidade, já que rapidamente amplia a sensação
de saciedade do indivíduo, aumenta a termogênese, o que auxilia a queima calórica.

= > Antidiabéticos (hipoglicemiantes orais, ver tratamento de Diabetes Tipo 2):


- Metformina.
- Glitazonas.
- Incretinomiméticos.

= > Anti-hipertensivos (IECA, BRA):


- Inibidores da Enzima Conversora de Angiotensina (IECA) - bloqueio da ação da
enzima conversora de angiotensina (ECA), o que provoca a baixa produção de angiotensina
II, poderoso vasoconstritor, também estimulante da aldosterona. Além disso, inibe a
degradação da bradicinina, vasodilatador que passa a ter sua ação potencializada.
- Bloqueadores do Receptor da Angiotensina II (BRA) - bloqueiam a ação da
angiotensina II, com isso induzem o relaxamento dos vasos sanguíneos, diminuindo a
pressão arterial.

= > Antilipemiantes:
- Estatinas (ver tratamento da hipercolesterolemia).
- Fibratos: estimulam os receptores nucleares ativados de proliferação dos
peroxissomas-alfa (PPAR-a), acarretando aumento na produção e na atividade da enzima
lipase lipoproteica (ver quilomícrons e VLDL).
- Ácido nicotínico (Niacina, Vitamina B3 ou Vitamina PP): sua ação é diminuir
a esterificação dos triglicerídeos hepáticos, diminuir os níveis séricos de ApoB-100
(principal componente proteico de VLDL e LDL) e aumentar a ação da lipase lipoproteica.

77
BIOQUÍMICA CLÍNICA
NA PRÁTICA - ESTUDO DE CASO
Indivíduo, R.D.M., sexo masculino, 70 anos, com doença crônica Diabetes Tipo
2 e hipertensão leve. Em uma visita ambulatorial de rotina, levou seus exames
para a consulta. Foram observados valores de colesterol total 265 mg/dl, triglicerídeos 173 mg/
dl, com colesterol HDL de 35 mg/dl. Os exames ligados à taxa de glicose chamaram atenção da
equipe, pois a glicose de jejum apresentava valor de 162 mg/dl e a hemoglobina glicada (HbA1c)
de 6%. Quais os riscos desta doença crônica? O que os exames do paciente lhe dizem? Qual
poderia ser a terapêutica e a conduta? O que esperar dela?

78
BIOQUÍMICA CLÍNICA
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chegando ao final da Unidade 2, podemos dizer que fizemos um amplo levantamento


do Diabetes Melito. Começamos o estudo com a molécula-chave para o entendimento: a
insulina, focando no processamento e na estrutura molecular deste peptídeo hormonal,
para fechar com o mecanismo que possibilita a sua excreção.
Em seguida, trabalhamos as alterações metabólicas, tanto do Tipo 1 quanto do Tipo
2, separadamente. Passamos para o entendimento da fisiopatologia e do diagnóstico do
diabetes, em cuja investigação tomamos conhecimento das diversas ferramentas que
um laboratório de análises clínicas possui, a fim de auxiliar na busca, caracterização e
monitoramento do paciente com diabetes.
Especificamente sobre o tratamento, mantivemos o foco no não medicamentoso
( atividade física regular, orientação nutricional individualizada) e no medicamentoso
(tratamento característico, tanto para o Tipo 1 quanto para o Tipo 2).
Encerramos a segunda unidade, evidenciando a Síndrome Metabólica, sua
caracterização, bem como o tratamento não medicamentoso e medicamentoso indicado.

79
BIOQUÍMICA CLÍNICA
EXERCÍCIO FINAL

1. (CONHECIMENTO) - A insulina é um hormônio sintetizado nas células β


do pâncreas (que compreendem 1% da massa do pâncreas). Ela necessita de
processamento específico, por proteólise, durante a produção do hormônio
funcional.
Em função do conhecimento adquirido ao longo desta unidade, analise as
afirmativas abaixo:

I – A insulina é sintetizada como um peptídeo inativo (preproinsulina) que será


proteolisado, durante sua migração pelos compartimentos celulares, onde
segmentos serão removidos e uma cadeia será adicionada, até a obtenção da forma
final de insulina.
II - A preproinsulina é o produto da tradução de um único RNAm.
III - As pontes dissulfetos são formadas pela enzima dissulfeto isomerase na
molécula de proinsulina.
IV - A insulina é um hormônio típico do jejum, que promove a formação de
moléculas de estoque energético.

Assinale a alternativa correta:

a) São falsas somente as afirmativas I e IV.


b) Todas as afirmativas são verdadeiras.
c) Somente as afirmativas III e IV são verdadeiras.
d) Somente a afirmativa I é falsa.
e) São verdadeiras somente as afirmativas I e III.

2. (CONHECIMENTO) - O Diabetes é o distúrbio endócrino mais observado na


prática médica, que vai apresentar como definição uma síndrome, caracterizada
pela hiperglicemia, devido à falta absoluta ou relativa de insulina e/ou
resistência insulínica. Atualmente, classificamos as duas principais formas
em: Diabetes Tipo 1 e Diabetes Tipo 2.

80
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Analise as afirmativas abaixo:

I - Sobre o Diabetes Melito Tipo 1, podemos afirmar que se caracteriza por uma
deficiência absoluta de insulina, causada por um grande ataque autoimune nas
células beta-pancreáticas.
II - A fisiopatologia do Diabetes Tipo 1 apresenta a presença de anticorpos:
autoanticorpos para ilhotas (ICA), para insulina (AAI), para descarboxilase do ácido
glutâmico (GAD) e para Tirosina Fosfatase IA-2 e IA-2B;
III - No Diabetes Tipo 1, o panorama de insulina muito baixo ou ausente, e o
glucagon em alta, faz com que tenhamos uma diminuição de glicogenólise. Com a
proteólise tecidual, potencializa-se a gliconeogênese.
IV - No Diabetes Tipo 2, os pacientes mantêm certa capacidade de secreção
de insulina. Contudo, seus níveis insulínicos são baixos, em relação às suas
concentrações de glicose.
V - A análise da urina é um exame importante e conclusivo, para se detectar um
paciente que está acometido pelo diabetes.
VI - O exame de hemoglobina glicada é importante para monitorar o paciente com
Diabetes Melito.

Assinale a alternativa correta:

a) São falsas somente as afirmativas II e III.


b) Todas as afirmativas são verdadeiras.
c) Somente as afirmativas I, II, IV e VI são verdadeiras.
d) Somente a afirmativa III é falsa.
e) São verdadeiras somente as afirmativas II e IV.

3. (CONHECIMENTO) - A Síndrome Metabólica, ou Síndrome da Resistência


à Insulina, foi descoberta e caracterizada pela forte relação de uma série de
doenças que, frequentemente, estavam associadas entre si, também presentes
conjuntamente no mesmo indivíduo.
Analise as afirmativas abaixo:

I - O tratamento não medicamentoso vai focar na chamada Mudança do Estilo de


Vida, ou MEV.
II - A síndrome primeiramente apresenta o Diabetes Tipo 2 como fator de risco

81
BIOQUÍMICA CLÍNICA
metabólico, o qual leva à Síndrome Metabólica que se manifestará nos pacientes.
III - Nos critérios de definição desta síndrome pela OMS, como fator obrigatório
deverá ter obesidade abdominal.
IV - A administração de Orlistat faz parte do tratamento medicamentoso
antidiabético para tratar a Síndrome Metabólica.

Assinale a alternativa correta:

a) São falsas somente as afirmativas II e III.


b) Somente a afirmativa I é verdadeira.
c) Todas as afirmativas são falsas.
d) Somente a afirmativa IV é verdadeira.
e) Todas as afirmativas são verdadeiras.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
REFERÊNCIAS

AMERICAN DIABETES ASSOCIATION. Classification and diagnosis of diabetes:


Standards of Medical Care in Diabetes—2019. Diabetes Care 2019; 42 (Suppl. 1): S13–S28.

ANDREOLI, T.; CARPENTER, C.C.J.; LOSCALZO, J.; GRIGGS, R.C. Cecil - Medicina Interna
Básica. 6 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.

BAYNES, J. W. Bioquímica Médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

CHATTERJEE, S.; KHUNTI, K., DAVIES, M.J. Type 2 diabetes. Lancet Lond. Engl. 2017; 389
(10085): 2239–51.

DEVLIN, T. M. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 7. ed. São Paulo: E.


Blücher, 2011.

GAW, A.; COWAN, R.A.; O’REILLY, D.J.; STEWART, M.J.; SHEPHERD, J. Bioquímica Clínica.
5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

INTERNATIONAL DIABETES FEDERATION. IDF Diabetes Atlas, 9th ed. Brussels,


Belgium: International Diabetes Federation; 2019.

LAMOUNIER, R. N. Manual Prático de Diabetes: Prevenção, Detecção e Tratamento. 5.


ed. Guanabara Koogan, 2016.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Vigitel 2016. Disponível em https://www.endocrino.org.br/


media/uploads/PDFs/vigitel.pdf. Acesso em: 27 de agosto de 2020.

PINTO, W.J. Bioquímica Clínica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Diretrizes SBD 2019-2020. São Paulo, 2020.

SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES. Manual de Contagem de Carboidratos. São


Paulo, 2016-2017.

UNITED NATIONS. World Population Prospects: The 2017 Revision. New York: United
Nations.

83
BIOQUÍMICA CLÍNICA
84
BIOQUÍMICA CLÍNICA
3
UNIDADE
DISTÚRBIO DO
METABOLISMO DE
CARBOIDRATOS 2
E DISTÚRBIO DO
METABOLISMO DE
AMINOÁCIDOS3.1
INTRODUÇÃO À UNIDADE
INTRODUÇÃO A UNIDADE

Em nossa terceira unidade, estudaremos os carboidratos, os quais são também


conhecidos como glicídios, sacarídeos ou hidratos de carbonila. Compostos aldeídicos
ou cetônicos com muitas hidroxilas, destacam-se por se constituírem na maior parte da
matéria orgânica do planeta, uma vez que possuem muitos papéis em todas as formas de
vida (RODWELL, 2017).
Estes compostos orgânicos funcionam como fontes e armazenamento de energia,
formam parte do arcabouço estrutural de RNA e DNA (pentoses), sendo também
elementos estruturais das paredes celulares de bactérias e vegetais.
Compreenderemos, também, que os carboidratos possuem a propriedade de
se unirem com muitas proteínas e lipídeos, desempenhando papel importante nas
interações: célula-célula, e da célula com o restante do ambiente extracelular. Outra
importante propriedade dos glicídios, em seu papel de mediadores das interações
celulares, é a enorme diversidade estrutural possível dentro desta classe de moléculas.
Será possível entender, no decorrer da Unidade 2, que, embora muitos
monossacarídeos já tenham sido identificados na natureza e nos mamíferos, poucos agem
como intermediários metabólicos ou componentes estruturais. A glicose é o glicídio mais
abundantemente consumido pelos seres humanos, mas a frutose e a galactose também
possuem seu destaque nas vias metabólicas de produção de energia.
Para finalizar, conheceremos os aminoácidos, que são os componentes das
proteínas, e apresentam como característica marcante o fato de possuírem um grupamento
carboxílico, um grupamento amino, um hidrogênio e uma parte variável, ligados ao mesmo
carbono, o chamado carbono alfa. São utilizados em diversas funções no nosso organismo,
além de comporem as proteínas, como precursores de neurotransmissores, hormônios etc.
No entanto, toda vez que os aminoácidos excedem as necessidades de síntese de
proteínas e de formação de outros compostos, não podem ser armazenados (ao contrário
dos ácidos graxos e glicose), nem são excretados, devendo ser, portanto, metabolizados.
Conforme nos ensina Baynes (2015), no metabolismo do aminoácido, a amina α é
removida e o esqueleto carbonado resultante é transformado em um intermediário das
principais vias metabólicas. A maior parte das aminas dos aminoácidos, em excesso, é
convertida em ureia, enquanto seus esqueletos carbonados são transformados em Acetil
CoA, Acetoacetil CoA, piruvato, ou em um dos intermediários do Ciclo de Krebs. Portanto,
podem se formar ácidos graxos, corpos cetônicos e glicose, a partir de aminoácidos.

86
BIOQUÍMICA CLÍNICA
3.2 METABOLISMO DA FRUTOSE

Cerca de 15 a 20% das calorias que o ocidental consome chega na forma de frutose,
sendo a principal fonte deste monossacarídeo a sacarose que, uma vez clivada, fornece
concentrações equimoleculares da frutose e de glicose. A frutose também pode ser
obtida, na forma livre, em frutas, vegetais e no mel, além de produtos industrializados,
como nos cereais tradicionais, barra de cereais, mistura para bolos, suco de caixa etc.
A frutose não depende da insulina para entrar na célula, sendo, inclusive, um
estimulante muito fraco da secreção deste peptídeo hormonal. Sua absorção acontece
nas células da mucosa intestinal e são transportadas pela família de transportadores
GLUT 5.
A maior parte da frutose é metabolizada no fígado (em torno de 78%) e, ao entrar
nas células para a metabolização, seu primeiro passo, comum a muitos glicídios, é ser
fosforilada. Esta fosforilação acontece por ação da enzima frutoquinase, uma vez que
a hexoquinase tem maior afinidade com a glicose e, por isso, acaba não participando
ativamente da fosforilação da frutose (HARVEY, 2012).
Após a fosforilação (onde o ATP é o doador do P), será gerado o composto Frutose
1-Fosfato (F1P), o qual sofrerá ação da enzima Aldolase B, formando Gliceraldeído e
Diidroxiacetona Fosfato (DHAP), como pode ser visto na Figura 19. O gliceraldeído ganhará
um fosfato, produzindo Gliceraldeído 3-Fosfato que, juntamente com a Diidroxiacetona
Fosfato, seguirá na glicólise, conforme já estudado na Bioquímica Básica.

FIGURA 19: METABOLISMO DA FRUTOSE.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
3.2.1 Distúrbios do Metabolismo da Frutose

A) Dietas Ricas em Frutose

As dietas ricas em sacarose, ou os xaropes ricos em frutose, muito utilizados


na indústria alimentícia e na fabricação de bebidas, ocasionam a entrada de grandes
quantidades de frutose via veia porta hepática. Ao entrar na célula, a frutose vai para a
via Glicolítica e, como não enfrenta os mecanismos regulatórios que a glicose sofre (na
hexoquinase e na fosfofrutoquinase 1), ela é rapidamente metabolizada. Isto, somado ao
fato de estar em grande quantidade, acarreta o direcionamento do metabolismo para a
formação e esterificação de ácidos graxos, com consequente formação de triglicerídeos.
Com a alta nos triglicerídeos, o fígado vai embalar este conteúdo nas partículas
de VLDL (ver Unidade 1), podendo levar a um aumento do triglicerídeo plasmático e,
posteriormente, ao aumento de LDL (ver formação de LDL na Unidade 1), condições
potencialmente aterogênicas (BAYNES, 2015).

B) Doenças Genéticas do Metabolismo da Frutose

Como descrito acima, existem duas enzimas fundamentais, pertencentes ao


metabolismo da frutos: a Frutoquinase e a Aldolase B. Se o defeito for na Frutoquinase
hepática, teremos a chamada Frutosúria Essencial; e se o defeito for na Aldolase B,
teremos a Intolerância Hereditária à Frutose.

= > Frutosúria Essencial

A frutosúria essencial é uma condição benigna e assintomática, uma doença


de herança autossômica recessiva, afetando o gene da frutoquinase, localizado no
cromossomo 2, cromátide superior, região 23.3 (2q23.3). O nome se deve ao fato de o
paciente apresentar alto índice de frutose na urina.

= > Intolerância hereditária à Frutose

Nesta patologia, temos o defeito na enzima Aldolase B, e o gene se localiza no

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
cromossomo 9, cromátide inferior, região 22.3 (9q22.3), sendo a doença de herança
autossômica recessiva.
Na intolerância hereditária à frutose, temos o acúmulo de frutose 1-Fosfato,
fazendo com que o fosfato fique “aprisionado” nesta forma do glicídio fosforilado que,
com o tempo, prejudica a formação de ATP, pela diminuição de fosfato livre. O resultado
é um acúmulo de ADP e AMP, que serão posteriormente metabolizados, podendo levar à
hiperuricemia e até ao desenvolvimento da doença gota.
Outro problema é que, pelo fato de muitos pacientes com essa forma da doença
possuírem, também, uma baixa atividade da frutose 1,6 bifosfatase (enzima chave da
gliconeogênese), como consequência, haverá o acúmulo de F 1P e F 1,6 P2, o que leva à
inibição da Glicogênio Fosforilase (enzima chave na degradação do glicogênio), a qual
ocasiona uma condição chamada de “hipoglicemia induzida pela frutose”, uma vez que
prejudica a manutenção da glicemia, vinda da glicogenólise (BAYNES, 2015).
Outras consequências da doença são: presença de vômito, icterícia e hemorragia.
Os problemas se assemelham aos efeitos da Galactosemia Clássica, porém menos severos
e mais restritos ao fígado. Nesta situação, as dietas pobres em frutose, sorbitol e sacarose
são extremamente benéficas.

3.2.3 Conversão de Glicose à Frutose, pela via do Sorbitol

Tópico muito importante para você, aluno! Ao entender este conceito, faça a
associação com o que foi aprendido na Unidade 2, em Diabetes Melito, sobre os fatores
que levam à hiperglicemia e suas consequências, refletindo sempre as razões de como
é importante fazer o controle constante da glicemia! E, mais ainda, associe o que será
descrito, como um dos fatores contribuintes para as comorbidades do diabetes.

A maioria dos açúcares é rapidamente fosforilada após sua entrada nas células,
no entanto um mecanismo alternativo para a metabolização de um monossacarídeo é a
redução do seu grupo aldeído.
Para Harvey (2012), nesta via, a glicose sofre uma redução por ação da enzima
Aldose Redutase (com a presença de NADPH+H+), produzindo sorbitol. A aldose redutase
é encontrada em muitos tecidos, como fígado, cristalino, retina, células de Schawn

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
dos nervos periféricos, rim, placenta, hemácias e nas células dos ovários, espermas e
vesículas seminais. Nas células do fígado, ovários e vesículas seminais existe, ainda, uma
segunda enzima, a Sorbitol Desidrogenase, que oxida (com a presença de NADPH+H+)
o sorbitol, formando frutose. A etapa de formação de frutose nas vesículas seminais
se deve ao fato de as células espermáticas preferirem frutose para gerar energia. Já no
fígado, é importante por fornecer um mecanismo de metabolização do sorbitol da dieta
(Figura 20).

FIGURA 20: VIA DO SORBITOL.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

A) Efeito da Hiperglicemia sobre o Metabolismo do Sorbitol

Como a insulina não é necessária para a entrada de glicose nas células citadas
acima, grandes quantidades de glicose podem entrar nelas, em algum momento de
hiperglicemia, conforme se observa em certos pacientes com diabetes descontrolado.
Muita glicose e uma quantidade de NADPH adequada fazem com que a aldose redutase
produza quantidade significativa de sorbitol que fica dentro da célula, pois não atravessa
eficientemente as membranas celulares, gerando seu armazenamento citoplasmático.
De acordo com Harvey (2012), isso é um grande problema para as células que
não possuem a enzima de metabolização do sorbitol (sorbitol desidrogenase), ou onde
ela esteja em baixa concentração (como se observa no diabético), porque o sorbitol se
acumula e provoca um desbalanceamento osmótico, tornando a célula hiperconcentrada,
em relação ao meio extracelular. Muita água entra na célula, podendo levar à formação
de edemas, os quais contribuem para as comorbidades que observamos no diabetes
(nefropatia, neuropatia periférica, catarata, problemas vasculares etc.).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
3.3 METABOLISMO DA GALACTOSE E DISTÚRBIOS

A fonte dietética principal de galactose é a lactose, obtida de produtos lácteos.


A digestão da lactose acontece nas células da membrana da mucosa intestinal, por
ação de uma das dissacaridases intestinais, a Lactase (ou β-galactosidase), gerando
concentrações equimoleculares de glicose e galactose. Outra fonte de galactose é a
degradação lisossômica de glicoproteínas e glicolipídios.
A galactose, assim como boa parte dos glicídios, ao entrar na célula para ser
metabolizada, será fosforilada e, neste caso, a reação se cataliza pela Galactoquinase,
que converte a galactose em galactose 1-Fosfato (Gal 1P). Para que esta Gal 1P seja
metabolizada, ela vai formar um composto, chamado Uridina Difosfato Galactose (UDP-
Gal), e a reação será catalisada pela enzima Galactose 1 Fosfato Uridiltransferase (GALT).
Uma vez formado o UDP-Gal, o destino poderá ser: formar glicoproteínas, glicolipídios,
aminoglicanos, ou servir como fonte da galactose, que se incorporará na formação da
lactose (Figura 21).

FIGURA 21: METABOLISMO DA GALACTOSE.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

3.3.1 Distúrbios do Metabolismo da Galactose

Quando a Galactose 1 Fosfato Uridil Transferase (GALT) está completamente


deficiente, temos uma doença chamada Galactosemia Clássica. É uma doença de herança
autossômica recessiva, e o gene se localiza no braço curto do cromossomo 9 (9p13).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
Nesta situação, a Gal 1-P se acumula, acarretando uma consequência bem
semelhante à da frutose, porém com muitos tecidos sendo atingidos. Ou seja, o fosfato
“aprisionado” na forma de Gal 1P gera acúmulo de ADP e AMP, que serão posteriormente
metabolizados, podendo levar à hiperuricemia e até ao desenvolvimento da gota. Em
adição, acontece um desvio maior da galactose, para formar o galactitol, normalmente
formado em pequenas concentrações. Esta molécula, semelhante ao sorbitol, ao se
acumular, gera um desbalanceamento osmótico que induzirá a formação de edema, além
de consequências, como a catarata, por exemplo (HARVEY, 2012).
Fazem parte das manifestações patológicas: a deficiência do crescimento (um sinal
clássico da doença), lesão hepática grave, icterícia, letargia e atraso no desenvolvimento
psicomotor, entre outras. Os sintomas surgem nos primeiros dias e semana de vida,
sendo a taxa de óbito neonatal alta, em função da septicemia, causada pela E.coli, que
inibe a atividade bactericida dos leucócitos. O atraso psicomotor, se não tratado, pode
levar ao retardo mental (BAYNES, 2015).
De acordo com Pinto (2017), diagnóstico laboratorial é feito através de teste
enzimático da GALT, sendo que sua ausência ou redução de atividade caracterizam a
doença. O diagnóstico pré-natal pode ser feito através de aminiocentese.
O tratamento consiste na remoção de alimentos, contendo galactose e também
lactose. O fato de a galactose fazer parte de importantes estruturas celulares, como
glicoproteínas, glicolipídios e aminoglicanos não será comprometida, pois a célula pode
obter esta galactose via glicose, em vias metabólicas alternativas.
Existem outras formas de galactosemia, dependendo de quais enzimas, envolvidas
no metabolismo da galactose, serão afetadas.

3.3.2 Metabolismo da Galactose na Formação da Lactose

A lactose é um dissacarídeo que consiste em uma molécula de β-galactose, aderida


por uma ligação β 1,4 com a glicose. Desta forma, a lactose é uma galactosil β-1,4-glicose,
sendo esta lactose o carboidrato presente no leite e produzido pelas glândulas mamárias
da maioria dos mamíferos.
Como explica Harvey (2012), a lactose é sintetizada pela enzima lactose sintase
(UDP-Galactose: Glicose Galactosil Transferase). Esta enzima é composta de duas

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
proteínas: A e B. A proteína A é uma β-D-Galactosil Transferase, encontrada em uma
série de tecidos corporais (que não a glândula mamária em lactação). A enzima transfere
a galactose da molécula de UDP-Gal para o composto N-Acetil-D Glicosamina, formando
um componente importante de glicoproteínas, que é o N-Acetil Lactosamina (Figura 22a).
Já a proteína B, ao contrário da A, só é encontrada nas glândulas mamárias, em
fase de lactação. A proteína B é uma α-Lactoalbumina, detectada em grande quantidade
no leite. Durante a gestação, e fora dela, o hormônio esteroide progesterona inibe a
transcrição correspondente da proteína B, porém, ao final da gestação, os níveis de
progesterona caem significativamente, estimulando a síntese do hormônio prolactina,
o qual estimula a transcrição e síntese da proteína B. Com as proteínas A e B presentes
nas células das glândulas mamárias, elas formam um dímero (AB), e a proteína B muda
a especificidade da proteína A (que é uma transferase), fazendo com que a galactose
da UDP-Gal seja transferida para uma glicose (ao invés da N-Acetil-D Glicosamina),
formando lactose (Figura 22b).

FIGURA 22: METABOLISMO DE LACTOSE.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
SUGESTÃO DE LEITURA
HARVEY, Richard A., FERRIER, Denise R. Bio-
química Ilustrada. 7ª ed. Porto Alegre: Artmed,
2019, 576 p. ISBN 9788582714850.
Ótima oportunidade para se situar nas patologias ligadas
ao metabolismo de carboidratos e fazer um estudo sobre
metabolismo de galactose, lactose e frutose. Para isso, o Ca-
pítulo 12 do livro traz complementações a este conteúdo, por
meio de uma leitura técnica e de fácil entendimento.

3.4 DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DO GLICOGÊNIO

Em vários erros metabólicos ligados ao glicogênio, os substratos acumulados são


depositados em quantidades anormais nas células. Nos casos específicos, envolvendo o
glicogênio, este polissacarídeo se acumula nos músculos esqueléticos e cardíaco, ou no
fígado, dependendo da patologia, e fica indisponível como fonte de glicose. Existem ao
menos seis tipos diferentes de grupos patológicos, chamados de Glicogenoses, cada um
com grau de heterogeneidade clínica, sendo todos de herança autossômica recessiva.

3.4.1 Doença de Von Gierke

A doença de Von Gierke está enquadrada como Glicogenose Tipo I, sendo uma das
doenças mais comuns ligadas ao glicogênio. Ela é causada pela deficiência parcial ou total
da enzima Glicose 6 Fosfatase, enzima típica do fígado. Com esta deficiência, o fígado
fica impossibilitado de manter a glicemia, pela quebra completa do glicogênio hepático.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
O corte histológico mostra hepatócitos, com citoplasma claro e vacuolado, aspecto em
célula vegetal, pelo acúmulo de glicogênio.
Manifesta-se em xantomas cutâneos, afetando gravemente o fígado (hipertrofia)
e também o rim, por impossibilitar este último a completar a gliconeogênese. Leva ao
aumento de triglicerídeos, o que é refletido na alta de VLDL (e posteriormente de LDL).
O tratamento consiste em alimentações frequentes, a fim de se evitar o jejum,
principalmente com alimentos que contenham carboidratos, assim mantendo a glicemia
constante. Inclusive, não se descarta a alimentação intragástrica. Depois de um tempo,
se toda a terapêutica não der o resultado esperado, a solução pode ser um transplante
hepático.

3.4.2 Doença de Pompe

A doença de Pompe está enquadrada como Glicogenose Tipo IIa, e o defeito


enzimático envolve a α-1,4 Glicosidase ácida (GAA), que causa o acúmulo de glicogênio
nos músculos voluntários esqueléticos e músculos cardíacos.
Esta é uma enzima lisossômica, responsável pela metabolização de uma pequena
porção do glicogênio muscular, sendo uma rota ainda desconhecida em detalhes
(rota lisossômica). O mecanismo principal da doença é o acúmulo de glicogênio
intralisossômico, resultando no acúmulo celular maciço. Com o avançar da doença, ocorre
ruptura dos lisossomos e formação de “lagos de glicogênio”, estimulando a liberação de
outras hidrolases, o que causa autofagia e morte celular.
Existe a forma infantil clássica, a qual se caracteriza por aumento cardíaco, fraqueza
muscular progressiva e morte, entre o primeiro e o segundo ano de vida. Existe, também,
a forma juvenil ou adulta, na qual ocorre fraqueza muscular e, com o aumento de idade,
insuficiência cardiorrespiratória, sem grande diminuição da sobrevida.
O tratamento acontece através da Terapia de Reposição Enzimática (alfa-glicosidase
recombinante humana), produzida por técnicas de DNA recombinante. Esta enzima se
dirige aos lisossomos, onde degrada o glicogênio acumulado. Sua ação modifica o curso
natural da doença, alterando a progressão dela e promovendo a melhora do quadro
clínico.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
SAIBA MAIS
Para entender melhor uma das doenças que tratamos
aqui nesta unidade, vou sugerir um excelente filme: De-
cisões Extremas, o qual é baseado em fatos reais, focando na Doença
de Pompe. Você vai ter oportunidade de entender mais sobre a doença,
além de questões éticas, pesquisa em biologia molecular, diagnóstico,
testes laboratoriais e muito mais!

3.5 RELAÇÃO DOS AMINOÁCIDOS COM O METABOLISMO CENTRAL

Além de suas funções como unidades estruturais na síntese de peptídeos e


proteínas, e como precursores de neurotransmissores e hormônios, os aminoácidos
consistem em fonte de energia, proveniente da dieta durante o jejum (BAYNES, 2015).
Ainda segundo o autor, os esqueletos de carbono de alguns aminoácidos podem
ser usados para a produção de glicos e, através da gliconeogênese, fornecem um
combustível metabólico para tecidos que necessitam de glicose ou têm preferência por
ela. Os aminoácidos acima são conhecidos como glicogênicos. No entanto, os esqueletos
de carbono também podem ser utilizados para produzir Acetil CoA ou Acetoacetato,
sendo denominados de Cetogênicos.
Com o consumo de quantidades adequadas de proteína, uma parcela significativa
de aminoácidos também pode ser convertida em carboidrato (glicogênio) ou lipídios
(triglicerídeo).
Quando os aminoácidos são metabolizados, o excesso de nitrogênio resultante
deve ser excretado. A forma primária, na qual se remove o nitrogênio dos aminoácidos,
é a amônia. Devido ao fato de ser muito tóxica, em sua forma livre, os seres humanos e
a maioria dos animais superiores a convertem em ureia. A ureia é neutra, menos tóxica
que a amônia, muito solúvel, sendo facilmente filtrada, excretada na urina pelo sistema
renal. Em geral, mais de 80% do nitrogênio excretado está na forma de ureia (25-30g/24
horas), e pequenas quantidades de nitrogênio também são excretadas na forma de ácido
úrico, creatinina e íon amônio (BAYNES, 2015).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
3.6. BIOSSÍNTESE DOS AMINOÁCIDOS

Os seres humanos utilizam vinte aminoácidos que formam peptídeos e proteínas


essenciais para as muitas funções da célula.
A biossíntese dos aminoácidos consiste na síntese dos esqueletos de carbono
para os α-cetoácidos correspondentes e, em seguida, a adição do grupo amino, por
meio de transaminação. No entanto, os humanos são capazes de efetuar a biossíntese
dos esqueletos carbonados de onze destes α-cetoácidos. O restante dos aminoácidos
que o ser humano não consegue sintetizar são denominados aminoácidos essenciais,
tornando-se necessária sua obtenção através da dieta (RODWELL, 2017).
Apesar da distinção entre aminoácidos essenciais e não essenciais, alguns casos
se apresentam no grupo de não essenciais, mas com a dependência de um aminoácido
do grupo de essenciais para ser obtido (o que poderia explicar o porquê da diferença na
lista, dependendo da fonte consultada). É o caso dos aminoácidos cisteína e tirosina. A
cisteína deriva da serina (não essencial), mas precisa do enxofre, derivado da metionina
(essencial), enquanto a tirosina é formada, a partir da hidroxilação da fenilalanina
(essencial). Na Tabela 12, seguem os aminoácidos não essenciais, com seus respectivos
precursores metabólicos.

AMINOÁCIDO MEIO DE PRODUÇÃO


Alanina Do piruvato por transaminação
Aspartato Com intermediários do Ciclo de Krebs
Asparagina Com intermediários do Ciclo de Krebs
Arginina Com intermediários do Ciclo de Krebs
Glutamato Com intermediários do Ciclo de Krebs
Glutamina Com intermediários do Ciclo de Krebs
Prolina Com intermediários do Ciclo de Krebs
Serina Através de intermediários de 3-Fosfoglicerato da Glicólise
Glicina Através da Serina
Cisteína Através da Serina, com enxofre (S) da metionina
Tirosina Através da Fenilalanina por hidroxilação
TABELA 12: AMINOÁCIDOS NÃO ESSENCIAIS.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
3.7 DISTÚRBIOS DO METABOLISMO DOS AMINOÁCIDOS

3.7.1 Fenilcetonúria (PKU)

É o distúrbio do metabolismo de aminoácidos mais comum, na qual o bloqueio


enzimático é causado pela falta da enzima Fenilalanina Hidroxilase (PAH). Atualmente,
já foram descritas mais de 500 mutações diferentes no gene da PAH, localizado no
cromossomo 12, braço longo, região 24.1 (12q24.1), como pode ser observado na Figura 23.

FIGURA 23: FENILCETONÚRIA, METABOLISMO E GENÉTICA.


Unaffected carrier = Portador não afetado; Affected = Afetado; Unaffected = Não afetado
Autossomal Recessive Inheritance = Herança Autossômica Recessiva.
Fonte: Shutterstock (2020). https://www.shutterstock.com/pt/image-illustration/
phenylketonuria-265140977

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
Conforme descrito em Baynes (2015), no fígado, esta enzima converte a fenilalanina
em tirosina. Na ausência da enzima, a fenilalanina acumula no sangue e é degradada por
via secundária, em que compostos ácidos serão formados – como os ácidos fenilpirúvico,
fenilático e fenilacético – que podem ser tóxicos ao se acumularem. Tal bloqueio
enzimático também tem como consequência a deficiência de tirosina e a redução na
formação de melanina, motivo que pode levar alguns dos indivíduos a terem olhos,
cabelos e pele claros.
As crianças fenilcetonúricas parecem normais ao nascerem, mas se tornam
progressivamente retardadas, hiperativas, irritáveis e espásticas (com movimentos
involuntários). Algumas são violentas, apresentando distúrbios de comportamento em
nível psicótico. Elas podem ter convulsões, e sua urina possui forte odor de mofo, devido
à excreção urinária de fenilcetonas.
O mecanismo fisiológico, responsável pelo retardo mental, seria uma intervenção:
a) no crescimento cerebral; b) no processo de mielinização e c) na síntese de
neurotransmissores. O excesso de fenilalanina inibe competitivamente o transporte e
captação neuronal de outros aminoácidos cerebrais, através da barreira hematoencefálica
e da placenta. Com isso, há a diminuição da concentração cerebral intracelular de
tirosina e de 5-hidroxitriptofano, diante da qual fica limitada a produção de serotonina,
catecolaminas (dopamina, noradrenalina e adrenalina) e melatonina (hormônio indutor
do sono).
O tratamento deve ser iniciado o mais cedo possível, antes de ocorrerem danos
cerebrais irreversíveis, de preferência até o décimo dia de vida. Uma dieta restrita no
aminoácido é eficaz em reduzir os níveis sanguíneos de fenilalanina, melhorando o
prognóstico neurológico. Já que não se pode cortar completamente este aminoácido da
dieta, por sua importância, deve-se limitar a ingestão, exclusivamente para a síntese
proteica, sem o risco de sobrar fenilalanina que precise ser metabolizada. No entanto,
como uma parte da tirosina é obtida pela conversão da fenilalanina, esta dieta tem que
ser suplementada com tirosina, a fim de evitar a maior parte dos casos de retardo mental.
Alguns alimentos são inteiramente proibidos: carnes em geral, farináceos, legumes,
leite, queijo e ovos, mas existem alimentos sintéticos que auxiliam pessoas portadoras
da fenilcetonúria. É interessante perceber que o adoçante artificial aspartame é o
N-aspartilfenilalanina metil éster que, quando ingerido, é metabolizado, produzindo
fenilalanina como produto.
É preciso muita atenção com mulheres fenilcetonúricas, quando engravidam,
porque elevados níveis de fenilalanina no sangue materno podem prejudicar
enormemente o feto (pelas razões explicadas acima). Os níveis elevados no sangue
materno acabam acarretando aumento ainda maior de fenilalanina no sangue fetal

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
(por conta do gradiente positivo placentário). Como o sistema hepático fetal não tem
capacidade plena de metabolizar a fenilalanina, esta hiperfenilalaninemia fetal causa
danos irreparáveis ao embrião (PINTO, 2017).
A doença deve ser diagnosticada por teste laboratorial, uma vez que as
manifestações clínicas são bem amplas, mas inespecíficas (lembre que a detecção está
inclusa no teste do pezinho). Em geral, é feita cromatografia líquida/espectrometria e o
valor de referência para fenilalanina pode variar de um laboratório para outro, embora
siga uma proximidade com: Fenilcetonúria Clássica Superior a 20 mg/dL; Fenilcetonúria
Leve entre 10-20 mg/dL; Hiperfenilalaninemia transitória ou permanente entre 4-9,9
mg/dL. Indivíduos normais apresentam valores entre 2,2 e 3,0 mg/dL.

SAIBA MAIS
Aprendemos sempre sobre doenças, suas formas de se manifestar, exames,
sintomatologia e uma série dos mais variados conceitos, assim como está ocor-
rendo, ao longo das nossas quatro unidade de estudo. Uma destas doenças é a fenilcetonúria,
com todas as suas particularidades, e os cuidados que precisam ser tomados.
Mas você já se perguntou: “Como vive uma pessoa com fenilcetonúria?”. Proponho que faça
isso, assistindo ao vídeo, que também traz os conceitos técnicos pertinentes. Aproveite!
Acesse o link e confira: https://www.youtube.com/watch?v=D6NKk8wyH0c

3.7.2 Alcaptonúria

A alcaptonúria é uma doença hereditária rara, por deficiência da oxidase do


ácido homogentísico (HAO, ou Homogentisato 1,2 dioxigenase, HGO). Esta deficiência
é determinada por um gene autossômico recessivo, localizado no braço longo do
cromossomo 3 (3q21-q23), estando a enzima presente no fígado e nos rins.
Extremamente rara, de incidência populacional de 1:1.000.000 de nascidos, não

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
apresenta predominância étnica nem sexual. A enzima participa da metabolização tanto
da fenilalanina quanto da tirosina, e a ausência enzimática gerará o acúmulo de ácido
homogentísico (pigmento ocronótico) em vários tecidos e órgãos.
A urina do indivíduo se torna bem escura, em consequência do contato do ácido
com o oxigênio dissolvido na urina. Além disso, temos a deposição do ácido em tecidos
conjuntivos, como olhos, orelhas, pele, tendões, cartilagens intervertebrais, válvulas
cardíacas e ossos. De fato, os portadores da doença podem apresentar endurecimento e
coloração ocre do tecido cartilaginoso, bem como depósitos escuros em regiões oculares
e no palato (PINTO, 2017).
As manifestações iniciam precocemente, na infância, com formação de ocronose,
pigmento polimérico de cor azulada, ocasionado pelo contato do ácido com o ar, ou com
o oxigênio presente nos tecidos. Podem desenvolver artrite aguda e invalidez entre os 50
e os 70 anos de idade.
A evolução clínica da alcaptonúria é menos grave que a da fenilcetonúria, sendo
o tratamento focado em minimizar os sintomas artríticos, conseguido pela diminuição
(ou isenção) na ingestão de fenilalanina e tirosina, que se demonstra eficaz em crianças,
mas sem efetividade em adultos. Têm sido utilizadas altas doses de ácido ascórbico
(vitamina C) em alguns pacientes, para retardar o depósito de pigmentos no colágeno,
mas o progresso da doença não é afetado significativamente por esta estratégia.
O diagnóstico laboratorial é feito, colocando-se cloreto férrico em contato com a
urina. Caso a amostra se torne escura, coloração negra, será positivo para alcaptonúria.

3.7.3 Doença da Urina em Xarope de Bordo (MSUD) ou Leucinose

O metabolismo normal de aminoácidos de cadeia ramificada – leucina, isoleucina


e valina – apresenta as seguintes etapas:
1º) A perda do grupo α-amino.
2º) Migração dos α-cetoácidos resultantes para dentro da mitocôndria.
3º) Ação de um complexo, conhecido como Desidrogenase dos α-cetoácidos de
cadeia ramificada.
4º) Em um dos passos de reação, acontece a falha, especificamente na etapa de
descarboxilação, catalisada pela cetoácido descarboxilase de cadeia ramificada,

101
BIOQUÍMICA CLÍNICA
uma porção do complexo citado e associado à membrana interna da mitocôndria.

Um defeito nesta enzima leva ao acúmulo dos cetoácidos no sangue, os quais


correspondem aos aminoácidos de cadeia ramificada. É uma doença de herança
autossômica recessiva que apresenta uma incidência de 1:150.000 e 1:200, nos menonitas.
A heterogeneidade genética, observada nos pacientes com MSUD, é consequência da
complexidade estrutural deste aparato enzimático. Já foram identificadas mais de 60
mutações nas 4 subunidades envolvidas com a função catalítica do complexo.
Os aminoácidos de cadeia ramificada compõem cerca de 40% dos chamados
aminoácidos essenciais que estão presentes na musculatura esquelética. Neste tecido,
assumem importante papel, por serem considerável fonte de carbono para gerar energia.
Outros tecidos, como o renal, cerebral, muscular cardíaco e adiposo, também fazem uso
de tais aminoácidos (BAYNES, 2015).
Os primeiros sinais consistem em letargia e baixo interesse pela alimentação
e, à medida que acontece a evolução da doença, os lactantes apresentam perda de
peso, sendo a parte neurológica progressivamente afetada. O odor de xarope de bordo
(comercialmente chamado de maple syrup) na urina já está presente. Caso a patologia não
seja tratada corretamente, haverá uma piora do quadro para convulsões, e os pacientes
poderão entrar em coma, ou vir a óbito.
O diagnóstico pré-natal pode ser feito com amostras de vilosidade coriônica,
medindo a descarboxilação da leucina.
A dieta deve ser livre dos aminoácidos de cadeia ramificada, mantendo os níveis
bem baixos no plasma. Ao mesmo tempo, deve-se objetivar aporte adequado de proteína
e substratos energéticos que possibilitem o crescimento e o desenvolvimento. Também
é necessário monitorar o metabolismo, para evitar o catabolismo proteico, focando na
síntese proteica e prevenindo a falta de aminoácidos essenciais. Em alguns casos, tem
sido útil a suplementação com altas doses de tiamina pirofosfato, um cofator para este
complexo multienzimático (BAYNES, 2015).

102
BIOQUÍMICA CLÍNICA
PARA REFLETIR
Muitas das doenças que estamos vendo nesta unidade requerem cuidados
especiais. Logo, seria perfeito refletirmos acerca do papel do Estado no auxílio
de famílias que possuem algum indivíduo portador de tais patologias. Analisar estas questões é
exercer a cidadania.

3.8 DEFEITOS NO CICLO DA UREIA

O Ciclo da ureia apresenta uma série de reações que resultam na liberação da ureia,
estando várias enzimas envolvidas neste processo, tais como: Carbamil-fosfato Sintetase
(CPS), Ornitina-transcarbamilase (OTC), Arginino-succinato Sintetase (AS), Arginino-
succinato Liase (AL), e Arginase. Pode-se constatar que quanto mais o defeito se localiza
no início do ciclo, maior será a gravidade da forma patológica.

3.8.1 Ureia e seu acúmulo (sem interrupção no seu ciclo)

O acúmulo de ureia leva à hiperuremia, ocasionando: acidemia, náuseas, vômitos


recorrentes, que podem conduzir a situações mais graves, como torpor e coma. A dieta
rica em proteínas, febre, estresse, último trimestre da gravidez são fatores que podem
promover modificações na concentração da ureia.
Podemos dividir a uremia, com base na etiologia, em:
a) Pré-renal: é detectada pela ureia plasmática, sem a elevação da creatinina
sanguínea. Na doença renal aguda, ou mesmo na crônica, existe o aumento da
ureia no plasma, como consequência da menor excreção glomerular.
b) Renal: resultado de lesões nas vascularizações renais, nos glomérulos, túbulos
ou interstício.

103
BIOQUÍMICA CLÍNICA
c) Pós-renal: é consequência de obstruções do trato urinário, com a reabsorção da
ureia pela circulação.

3.8.2 Amônia e sua relação com a Ureia

Todos os distúrbios da síntese da ureia causam intoxicação pela amônia. Embora


a amônia esteja envolvida na formação de ureia no fígado, seu nível no sangue deve
permanecer baixo, pois se torna tóxica para o SNC. Assim sendo, desenvolve-se um
mecanismo de remoção do nitrogênio dos tecidos periféricos, levando-o até o fígado,
para sua posterior eliminação na forma de ureia, a fim de se manterem níveis baixos de
amônia plasmática.
Para Harvey (2012), a amônia é produzida pelo metabolismo de uma série de
compostos, nos quais os aminoácidos são quantitativamente os maiores contribuintes
como fontes de amônia (via glutamato desidrogenase, conforme estudado na Bioquímica
Básica). No entanto, além dos aminoácidos, a amônia pode ser obtida através dos
mecanismos:
a) Glutamina – os rins formam amônia, a partir da glutamina, pela ação da enzima
glutaminase renal, sendo este um importante sistema de tamponamento renal.
Pode-se obter, também, pela hidrólise da glutamina, através da enzima glutaminase
intestinal.
b) Ação bacteriana – no intestino, a degradação da ureia pelas bactérias gera
amônia, a qual é absorvida e, através do sistema porta hepático, ela é removida
para conversão em ureia.
c) Aminas – as aminas obtidas na dieta e as monoaminas, que servem como
hormônios ou neurotransmissores, originam amônia pela ação da amina oxidase.
d) Purinas e pirimidinas – no catabolismo destas bases nitrogenadas, o grupo
amino é liberado do anel como amônia.

Embora a amônia seja constantemente produzida pelos tecidos, seus níveis


permanecem baixos, pelo desenvolvimento de um mecanismo de rápida remoção da
amônia, ou a não liberação do nitrogênio como amônia livre:
a) Ureia – a via de formação da ureia no fígado é quantitativamente a via mais

104
BIOQUÍMICA CLÍNICA
importante de eliminação da amônia, na qual a ureia se desloca pelo sangue, do
fígado até os rins, onde sofre filtração glomerular.
b) Glutamina – esta amida do ácido glutâmico fornece uma forma de armazenamento
e transporte de amônia. A consequente formação de glutamina acontece no fígado e
músculo, mas tem grande importância também no sistema nervoso, onde se torna
o principal mecanismo de remoção de amônia do cérebro. A glutamina é captada
pelos rins e desaminada, de acordo com a descrição anterior.
Os sintomas clínicos comuns a todos os distúrbios do ciclo da ureia incluem:
a) Vômitos, na infância;
b) Repulsa aos alimentos ricos em proteínas;
c) Ataxia intermitente (falta de coordenação dos movimentos);
d) Irritabilidade;
e) Letargia (perda temporária e completa da sensibilidade e do movimento);
f) Retardo mental.

Doença renal é frequentemente associada a uma elevação da ureia sanguínea,


como explicamos acima. A ureia é relativamente atóxica, mas estando elevada no sangue,
sugere doença renal, e a morbidade da doença renal é devido a um desequilíbrio ácido-
base e eletrolítico. Já uma concentração sanguínea elevada de amônia ocorre em doença
hepática grave.
Um mecanismo postulado da toxidez da amônia no cérebro relaciona-se com
um esgotamento dos intermediários do ciclo de Krebs, quando o α-cetoglutarato é
transformado em glutamato, reação catalisada pela glutamato desidrogenase. A função
do ciclo de Krebs e o metabolismo aeróbico são especialmente importantes no cérebro,
e a toxidez da amônia conduz à encefalopatia, com confusão, torpor, ou mesmo coma
e morte. Isso ocorre porque, com o “sequestro” do α-cetoglutarato para metabolizar a
amônia, falta o metabólito para manter o fluxo do Ciclo de Krebs que é fundamental na
produção energética do cérebro (Figura 24).

FIGURA 24: FORMAÇÃO DE GLUTAMINA.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

105
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Os aspectos clínicos e o tratamento de todos os distúrbios que afetam o Ciclo da
Ureia são similares. A melhora significativa é obtida em uma dieta hipoproteica, o que
evitará, em grande parte, a lesão cerebral, devendo a ingestão diária de alimento ser
subdividida em pequenas refeições, para evitar aumentos súbitos da amônia sanguínea.
As patologias que seguem podem ser localizadas e interpretadas, com o auxílio da
Figura 25.

FIGURA 25: CICLO DA UREIA.


Mitochondria of liver cells = Mitocôndria das células hepáticas; Bloodstream = Corrente sanguínea;
Kidneys = Rins.
Fonte: Shutterstock (2020). https://www.shutterstock.com/pt/image-vector/urea-cycle-vector-
illustration-labeled-educational-1603556050

a) Hiperamonemia do Tipo I: uma consequência da deficiência da carbamoil-


fosfato sintetase I (responsável pela formação de carbamoil fosfato, a partir de
glutamato). Esta condição, de pouca frequência (1: 62.000) é, provavelmente, uma
doença familiar.
b) Hiperamonemia do Tipo II: a deficiência de ornitina-transcarbamoilase (que

106
BIOQUÍMICA CLÍNICA
transforma ornitina em citrulina), produz esta anomalia, ligada a uma deficiência
do cromossomo X.
c) Citrulinemia: neste distúrbio, extremamente raro, grandes quantidades (1-2 g/dia)
de citrulina são diariamente excretadas na urina, estando tanto o nível plasmático
quanto o fluido cérebro espinhal muito elevados.
d) Acidúria argininossuccínica: este distúrbio raro é caracterizado por níveis
elevados de ácido argininossuccínico no sangue, fluido cérebro-espinhal e urina.
Está frequentemente associado à ocorrência de cabelo friável e em tufos (tricorrexis
nodosa). São conhecidos um tipo precoce e outro tardio da doença. O defeito
metabólico é a ausência da argininosuccinase (que transforma arginonosuccinato
em arginina, com liberação de fumarato). O diagnóstico de confirmação é feito pela
medida, nas hemácias, dos níveis da enzima, cujo teste pode ser feito no sangue do
cordão umbilical ou células do líquido aminiótico.
e) Hiperargininemia: este defeito é caracterizado por níveis elevados no sangue
e fluido cérebro-espinhal de arginina, níveis reduzidos de arginase nas hemácias
(que transforma arginina em ornitina, com formação de ureia).

NA PRÁTICA - ESTUDO DE CASO


Uma criança, M.M.R, 1 ano, estava se desenvolvendo normalmente, até começar
a transição do leite materno para alimentos infantis. A mãe relata que a criança
começou a apresentar surtos constantes de vômitos, com dor intestinal, passando a dormir
muito mal à noite. A criança foi levada ao consultório médico pela manhã, depois de apresentar
1 hora de reação intensa ao alimento, que era uma refeição simples, composta de purê de ve-
getais e suco de uva. A glicemia da criança estava em 40 mg/dl, e o lactato sérico foi de 2mg/d
(normal 4-7 mg/d). Ela estava letárgica, apresentando sudorese intensa, e havia evidências de
icterícia leve e hepatomegalia. Que anormalidade metabólica poderia causar estes problemas?
Que análises devem ser feitas para confirmar seu diagnóstico?

107
BIOQUÍMICA CLÍNICA
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta Unidade 3, compreendemos os distúrbios no metabolismo de carboidratos,


começando com a frutose. Vimos o início do metabolismo desta hexose, os problemas
causados com o seu consumo excessivo, além das doenças ligadas à frutose. Muito
importante foi, também, trabalhar a via do sorbitol, porque nos permitiu fazer uma
conexão com o assunto trabalhado na Unidade 2 (diabetes).
Em seguida, focamos no metabolismo da galactose, com a patologia ligada a
este carboidrato, a Galactosemia Clássica e, ainda relacionado com ele, foi possível
entender o metabolismo da lactose. Além disso, o estudo sobre glicogênio nos permitiu
evidenciar duas patologias, a Doença de Pompe e a Doença de Von Gierke que afetam
este polissacarídeo, bem como as suas consequências.
Na sequência da terceira unidade, analisamos os aminoácidos. Seus diversos
conceitos foram expostos, a ligação dos aminoácidos com o metabolismo central,
os aminoácidos essenciais e os não essenciais, com seus respectivos precursores.
Conhecemos, também, as patologias ligadas ao metabolismo dos aminoácidos, com
as respectivas caracterizações, testes e diagnóstico. Para finalizar, trabalhamos com a
caracterização da ureia, da amônia e com os defeitos no Ciclo da Ureia.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
EXERCÍCIO FINAL

1. (CONHECIMENTO) - Muitos monossacarídeos já foram identificados na


natureza, entretanto poucos fazem parte como intermediários metabólicos
ou componentes estruturais nos mamíferos. A glicose é o glicídio mais
abundantemente consumido pelos seres humanos, mas a frutose e a galactose
(dois outros monosídeos) também possuem seu destaque nas vias metabólicas
de produção de energia. Além disso, alguns monosídeos, como a galactose, são
importantes componentes estruturais da célula.
Em função do conhecimento adquirido ao longo desta unidade, analise as
afirmativas abaixo:

I - A frutose é um glicídio que não depende da insulina para entrar na célula.


II - O metabolismo da frutose não passa pela etapa de regulação da Aldolase b e
Frutose 1,6 Bifosfatase, observada na glicólise.
III - A deficiência da Aldolase b leva à doença conhecida como frutosúria essencial,
com graves consequências para o organismo humano.
IV - Alto consumo de frutose pode levar ao aumento de VLDL e, consequentemente,
de LDL plasmático.

Marque a alternativa correta:

a) São falsas somente as afirmativas II e III.


b) Somente a afirmativa I é verdadeira.
c) Todas as afirmativas são falsas.
d) Somente as afirmativas II e IV são verdadeiras.
e) Somente a afirmativa IV é verdadeira.

2. (CONHECIMENTO) - Quando o foco é obter a galactose, a principal


fonte dietética é a lactose, proveniente de produtos lácteos, e sua digestão
acontece nas células da membrana da mucosa intestinal, por ação de uma das
enzimas dissacaridases intestinais, a Lactase (ou β-galactosidase), gerando
concentrações equimoleculares de glicose e galactose.

109
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Leia as afirmações abaixo:

I - A enzima afetada que leva à Galactosemia Clássica é a Galactose 1 Fosfato Uridil


Transferase.
II - A Galactosemia Clássica é uma doença de herança autossômica dominante, e o
gene se localiza no braço curto do cromossomo 9.
III - A lactose é sintetizada pela enzima UDP-Galactose: Glicose Galactosil
Transferase.
IV - A proteína A que compõe a lactose sintase é encontrada em uma série de
tecidos, além do tecido mamário.
V - Apenas nas glândulas mamárias, em fase de lactação, existe uma proteína B,
e esta proteína B é uma α-Lactoalbumina que se junta à proteína A para formar
lactose.

Assinale a opção correta:

a) São falsas somente as afirmativas II e III.


b) Somente a afirmativa I é falsa.
c) Todas as afirmativas são verdadeiras.
d) Somente a afirmativa II é falsa.
e) São falsas somente as afirmativas II e IV.

3. (CONHECIMENTO) - Os aminoácidos desempenham inúmeras funções em


nosso organismo, não somente como blocos construtores de proteínas, são
também precursores de neurotransmissores, hormônios, entre outros. Na
metabolização, os esqueletos de carbono de alguns aminoácidos podem ser
usados para a produção de glicose, através da gliconeogênese, fornecendo,
deste modo, um combustível metabólico para tecidos que necessitam de glicose
ou a preferem.
Existem inúmeras doenças ligadas ao metabolismo de aminoácidos, não só quanto
ao metabolismo, mas envolvendo também o ciclo da ureia, que tem ligação com a
metabolização do grupamento amino dos aminoácidos.

Analise as afirmativas abaixo:

110
BIOQUÍMICA CLÍNICA
I - Uma parte do tratamento da fenilcetonúria consiste em uma dieta restrita do
aminoácido fenilalanina, eficaz em reduzir os seus níveis sanguíneos, melhorando
o prognóstico neurológico, mas não se pode cortar este aminoácido da dieta, devido
à sua importância, por isso a recomendação é limitar sua ingestão exclusivamente
para a síntese proteica.
II - Na alcaptonúria, a enzima HAO participa da metabolização tanto da fenilalanina
quanto da tirosina, e a sua ausência vai gerar o acúmulo de ácido homogentísico
(pigmento ocronótico) em vários tecidos e órgãos.
III - A doença Urina em Xarope de Bordo afeta os aminoácidos hidrofóbicos e sua
metabolização.
IV - Todos os distúrbios da síntese da amônia causam intoxicação pela ureia.
V - A Hiperamonemia do Tipo I se caracteriza pela deficiência de ornitina-
transcarbamoilase (que transforma ornitina em citrulina), produzindo esta
anomalia, ligada a uma deficiência do cromossomo X.
VI - Os aspectos clínicos e o tratamento de todos os distúrbios que afetam o Ciclo
da Ureia são similares: melhora significativa é obtida em uma dieta hipoproteica.

Marque a alternativa correta:


a) São falsas somente as afirmativas I, III e VI.
b) Somente as afirmativa I e II são verdadeiras.
c) São falsas somente as afirmativas III, IV e V.
d) Somente a afirmativa II é falsa.
e) Todas as afirmativas são falsas.

111
BIOQUÍMICA CLÍNICA
REFERÊNCIAS

BAYNES, J. W. Bioquímica Médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

GAW, A.; COWAN, R.A.; O’REILLY, D.J.; STEWART, M.J.; SHEPHERD, J. Bioquímica Clínica.
5. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

HARVEY, Richard A., FERRIER, Denise R. Bioquímica Ilustrada. 5. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2012.

MURPHY, M.; SRIVASTAVA, R.; DEANS, K. Bioquímica Clínica 6. Ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2019.

RODWELL, V. et al. Bioquímica Ilustrada de Harper. 30. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017.

112
BIOQUÍMICA CLÍNICA
4
UNIDADE
EQUILÍBRIO
ÁCIDO-BASE E SEUS
DESEQUILÍBRIOS
4.1. INTRODUÇÃO À UNIDADE

Chegamos à nossa última unidade de estudos, na qual abordaremos assuntos


complementares aos conhecimentos já adquiridos. Inicialmente, compreenderemos o
pH, que se refere à concentração de íon hidrogênio livre em soluções biológicas, isto é,
o potencial hidrogeniônico. Etimologicamente, a letra p se refere à palavra de origem
alemã “potenz”, significando poder de concentração, e o H alude à concentração do íon
hidrogênio. O valor de pH determinará a acidez, neutralidade ou alcalinidade, dentro de
uma escala que vai do zero até quatorze, sendo o valor de 7 definido como pH neutro.
A determinação do pH de diversas soluções é verificada por um equipamento
chamado pHmêtro, possuindo um eletrodo e o respectivo display de indicação dos
valores medidos. A medição do pH também pode ser feita por fitas que mudam sua cor de
referência, em função das propriedades físico-químicas, ou por meio de equipamentos
mais sofisticados.
Entenderemos, ainda, que cada compartimento apresenta valor de pH característico
em nosso organismo: o sangue se aproxima da neutralidade, o gástrico possui um pH ácido,
diferentemente do intestinal que tende a um pH alcalino. Desta forma, a manutenção do
chamado pH ótimo é fundamental para tornar viável todo organismo vivo, incluindo,
sem dúvida alguma, o ser humano.

4.2 CONCENTRAÇÕES DE ÍONS HIDROGÊNIO

Para um ser humano sadio, a concentração de íon hidrogênio [H+] no sangue é


mantida dentro de limites que admitem pouca variação. Os níveis normais se situam
entre 35-45 nmol/l (corresponde a um pH de 7,45-7,35). Valores maiores que 120 nmol/l
(pH ~6,85) ou menores que 20 nmol/l (pH ~7,70), geralmente são incompatíveis com a
vida (GAW, 2015).
A produção dos íons hidrogênio, no corpo humano, é resultado do metabolismo,
particularmente, da oxidação dos aminoácidos positivos (arginina, histidina e lisina), e

114
BIOQUÍMICA CLÍNICA
daqueles aminoácidos que contêm enxofre (metionina e cisteína), provindos da proteína
ingerida como alimento.
A quantidade total de íon hidrogênio produzido diariamente é de aproximadamente
60 mmoles. Se diluíssemos este valor em cerca de 14 litros, que é a quantidade de líquido
extracelular, a concentração de H+ atingiria 4 mmol/l, ou seja, cem mil vezes (100.000)
mais ácida que o corpo suportaria (ver valores citados). Como todos os íons hidrogênio
produzidos são excretados eficientemente na urina, esta concentração não vai acontecer
(GAW, 2015).
Em destaque, também há a produção de dióxido de carbono pelo metabolismo
aeróbico, sendo que, em solução, este gás forma um ácido fraco. Quantidades elevadas de
CO2 são produzidas diariamente pela atividade celular, cuja produção possui o potencial
de desequilibrar o balanço acidobásico, porém, sob circunstâncias fisiológicas, todo o CO2
é excretado via pulmões, após ser transportado pelo sangue. Deste modo, os problemas
surgirão, caso a função respiratória esteja prejudicada.

4.3 TAMPONAMENTO

Solução tamponante é uma solução do sal de um ácido fraco, capacitada para


ligar íons hidrogênio. Porém, o tamponamento não faz a remoção definitiva dos íons
hidrogênio do corpo. Estes sistemas inutilizam um excesso de íons hidrogênio produzido,
da mesma maneira que um papel absorvente retém a água. A água permanece no papel e,
a fim de que seja dispensada, o papel deverá ser comprimido em uma pia, para ela, então,
escorrer pelo ralo.
Assim sendo, o tamponamento é apenas a solução de curto prazo para o problema
do excesso de íons hidrogênio e, em última análise, o corpo deverá se livrar dos íons
hidrogênio, através da excreção renal.

115
BIOQUÍMICA CLÍNICA
4.3.1 Tampão

As proteínas podem atuar como tampão tanto dentro da célula – como a


hemoglobina dos eritrócitos, que possuem alta capacidade de ligação ao íon hidrogênio
(ver transporte de CO2) – e também fora da célula, como as proteínas plasmáticas.
Há, ainda, o tampão fosfato, o qual funciona intra e extracelularmente, assumindo
importante papel nos líquidos tubulares renais. Outro tampão importante no sistema
renal é a amônia, que atua nos túbulos proximais, extracelularmente.
Porém, no ser humano, o principal sistema de tamponamento é o tampão
bicarbonato, que atua extracelularmente. Neste sistema tampão, o bicarbonato (HCO3-)
vai se combinar com o íon hidrogênio e, consequentemente, terá a formação do ácido
carbônico (H2CO3). Este sistema tampão é único, porque o H2CO3 pode dissociar-se em
água (H2O) e dióxido de carbono (CO2).
Com o tempo, os chamados tampões simples se tornam ineficazes, à medida que
acontece o equilíbrio de associação do íon hidrogênio e o ânion do ácido fraco. Porém,
o sistema bicarbonato continua funcionando, pois o ácido carbônico é removido sob a
forma de dióxido de carbono pelo sistema pulmonar. O limite para a eficácia do sistema
do bicarbonato é a concentração inicial dele, e, somente quando todo o bicarbonato for
consumido, este sistema de tamponamento perderá sua capacidade tamponante.
A associação do íon hidrogênio com o bicarbonato acontece rapidamente
(capacidade tamponante), mas a degradação do ácido carbônico em dióxido de carbono
e água ocorre com relativa lentidão. Isto permitiria, então, que o ácido carbônico
formado aumentasse a concentração de H+ livre no meio. Entretanto, nos eritrócitos e
nos rins, existe a enzima anidrase carbônica, a qual é responsável por acelerar a reação
de formação do CO2 e H2O, a partir do ácido carbônico, ou mesmo a reação reversa. Logo,
o tamponamento pelo sistema bicarbonato inativa eficazmente o íon hidrogênio do
líquido extracelular, à custa de bicarbonato (GAW, 2015).

116
BIOQUÍMICA CLÍNICA
4.4 EXCREÇÃO RENAL DO ÍON HIDROGÊNIO E PAPEL DO BICARBONATO

A maior parte da filtração do H+ no sistema renal não acontece por filtração


glomerular, predominando a secreção nos túbulos renais, principalmente o proximal
(revisar função renal na Fisiologia). Para que isto ocorra, existem dois mecanismos
possíveis:
1) Entrada passiva do sódio filtrado para a célula, na troca: Na+/H+;
2) Processo ativo, com a participação da H+-ATPase.

O total de H+ secretado varia, em função do segmento tubular, porém, como


mencionado, a maior parte do H+ será secretado no túbulo proximal, cerca de 80 a 90%.
Vários fatores podem influenciar este processo, como os níveis de potássio, hormônios
adrenais e a pressão parcial de CO2.
Embora algumas proteínas presentes nas células tubulares renais suportem
um pH baixo (em torno de 4,5), o total de H+ excretado é suficiente para provocar um
desequilíbrio no valor de pH, o que afetaria enormemente a camada epitelial, a qual
recobre internamente os túbulos renais. Uma vez que o sistema renal apresenta dois
mecanismos principais de tamponamento, que é o tampão potássio e o tampão amônia,
isso acaba não ocorrendo, e a urina pode carrear uma grande quantidade de H+ livre.

A) Tampão fosfato
No lúmen tubular, temos a presença do HPO42- filtrado, o qual se combinará com
o H+ livre, formando H2PO41-. Em geral, no lúmen tubular, 80% está na forma capacitada
para tamponamento (HPO42-), o restante (20%) já está na forma diprótica (H2PO41-).

B) Tampão amônia (glutamina)


No túbulo renal proximal, a glutamina será secretada para as células tubulares
renais por transporte ativo, sofrendo uma desanimação e, como resultado, haverá a
formação de duas moléculas NH4+ e uma de α-cetoglutarato.
O α-cetoglutarato é oxidado no Ciclo do Ácido Tricarboxílico (Ciclo de Krebs),
levando ao consumo de dois íons H+ e gerando dois novos íons HCO3-. Estas duas
moléculas vão atravessar a membrana basolateral da célula, em direção à corrente,
compondo líquido extracelular. Já os íons NH4+ serão secretados para o lúmen tubular

117
BIOQUÍMICA CLÍNICA
renal, através de um cotransporte sódio dependente, sendo depois excretados.
De acordo com o exposto por Pinto (2017), o sistema renal participa ativamente da
filtração de bicarbonato, sendo 85% reabsorvido no túbulo renal proximal, e uma parte
menor, em torno de 10%, na porção espessa da Alça de Henle. O bicarbonato (HCO3-),
filtrado e presente no lúmen tubular, encontra e se liga ao H+ que foi secretado e lançado
no mesmo compartimento, formando o ácido carbônico (H2CO3). Em seguida, o ácido
sofre ação da enzima anidrase carbônica, presente nas células renais, na borda em escova
das porções onde o bicarbonato é reabsorvido, túbulo renal proximal e Alça de Henle,
convertendo o H2CO3 em CO2 e água.
O dióxido de carbono formado no lúmen vai se difundir para dentro da célula, onde
também encontramos a anidrase carbônica. Pela ação desta enzima, o CO2 é reidratado
(CO2 + H2O), formando ácido carbônico que se dissocia em bicarbonato e H+. O HCO3-
deixa a célula, através da membrana basolateral, por meio de um cotransporte com o
sódio no túbulo proximal.
Caso seja na Alça de Henle, há uma troca por íons cloreto, uma forma em que o
bicarbonato é reabsorvido e volta para a circulação, mantendo o nível de bicarbonato
constante, processo conhecido como “Recuperação do Bicarbonato”. Ou seja, a secreção
de íons hidrogênio pelas células tubulares serve, inicialmente, para recuperar o
bicarbonato do filtrado glomerular, de tal forma que este não seja perdido pelo corpo
(Figura 26).

FIGURA 26: SISTEMA RENAL, NEFRON.


Fonte: Adaptado de Pinto (2017).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
PARA REFLETIR
Conforme vimos, a participação dos rins é fundamental para manutenção do
equilíbrio ácido-base. Então, como você cuida dos seus rins? Usa muito sal? Muita
verdura, legume e alimentos saudáveis? E a água, como está este consumo? Pelo menos 2 litros
de água por dia? Tem feito isso, não é?!

4.5 AVALIAÇÃO DO ESTADO ÁCIDO-BASE

Antes de iniciarmos, é necessário definir os valores de referência e os parâmetros


analisados por uma gasometria, pois isto embasará toda a compreensão daqui em diante.
Assim sendo, a consulta da Tabela 13 sempre é indicada, para traçar um paralelo da
intensidade de mudança nos valores de referência.

PARÂMETROS VALORES
pH 7,35 a 7,45
pCO2 (pressão parcial de gás carbônico) 35 a 45 mmHg
HCO3 (bicarbonato)
-
21 a 28 mEq/L
B.E. (excesso de base) -3,0 a +3,0 mmol/L
pO2 (pressão parcial de oxigênio) 80 a 100 mmHg
%SO2 (saturação de oxigênio) 95 a 99%
AG (Ânion gap) 8 a 16 mEq/L
TABELA 13: VALORES DE REFERÊNCIA DA GASOMETRIA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

pH - É o que determina o estado do equilíbrio ácido-base do sangue.


pCO2 - O valor do pCO2 fora dos valores indica algum distúrbio respiratório.
HCO3- - O HCO3- permite detectar distúrbios metabólicos.
B.E. - O excesso de bases (BE) é um parâmetro que vem em conjunto com o HCO3- e,

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
juntamente com ele, indicará um distúrbio metabólico.
pO2 - A pO2 dentro do seu valor 80 – 100 mmHg determina uma boa eficácia das
trocas de oxigênio entre alvéolos e capilares pulmonares.
%SO2 - A saturação de oxigênio (SatO2) representa a quantidade de oxigênio que se
liga com a hemoglobina.
AG - Explicado mais adiante.

Uma avaliação do estado acidobásico do paciente pode ser obtida, medindo-se


os componentes do sistema tampão de bicarbonato. Em termos químicos, o sistema
bicarbonato pode ser considerado da mesma forma que qualquer outra dissociação
química. Observe a Figura 27:

FIGURA 27: RELAÇÃO DOS VALORES ACIDOBÁSICOS.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020), baseado em Gaw (2015).

O ácido carbônico se relaciona direto ao dióxido de carbono dissolvido (lembrando


que o CO2 dissolvido é analisado em função da pressão parcial do CO2). Desta forma, na
equação da ação de massas, pode haver a substituição da [H2CO3] pela pressão do dióxido
de carbono (pCO2). Logo, é possível considerar a equação seguinte, para se ter um perfeito
entendimento do papel do sistema de tamponamento que o bicarbonato exerce (Figura 28).

FIGURA 28: PROPORCIONALIDADE DOS VALORES ACIDOBÁSICOS


Fonte: Elaborado pelo autor (2020), a partir de Gaw (2015).

120
BIOQUÍMICA CLÍNICA
PREZADO ALUNO, AGORA FAÇA UM
RACIOCÍNIO MATEMÁTICO PARA
COMPREENDER AS RELAÇÕES!
Esta relação mostra que a concentração de íon hidrogênio na circulação vai variar,
de acordo com a concentração de bicarbonato e com a mudança da pCO2.
Assim sendo, uma vez que todos os demais elementos permanecem constantes,
concluímos que (raciocínio matemático!):
1) Remover bicarbonato, ou aumentar a pCO2 tem exatamente o mesmo efeito, isto
é, aumentar a concentração do íon hidrogênio [H+] ⇒ DIMINUIÇÃO DO pH CORPÓREO.
- Acompanhando: se o bicarbonato diminui por alguma perda, o tamponamento
do H+ será deficiente, por exemplo, fazendo com que esteja em concentração relativa
elevada; e se a [H+] aumenta, o pH corpóreo diminui.
- Caso a pCO2 aumente, significa aumento de ácido carbônico e, consequentemente,
aumento da [H+], com isso diminuindo o pH corpóreo.

2) Adicionar bicarbonato ou abaixar a pCO2, todos farão o decaimento da [H+] ⇒


AUMENTO DO pH CORPÓREO.
- Acompanhando: caso o bicarbonato aumente (aumento relativo), por alguma
perda excessiva de H+, por exemplo, a [H+] diminui, logo o pH corpóreo aumenta.
- Se a pCO2 diminui, significa diminuição de ácido carbônico e, consequentemente,
queda da [H+], assim o pH corpóreo aumenta.

4.6 DISTÚRBIOS ACIDOBÁSICOS

Os chamados distúrbios acidobásicos METABÓLICOS são todos os que, de


forma direta, ocasionam mudança na concentração do bicarbonato. Por exemplo, no
diabetes melito Tipo 1, como visto anteriormente, havendo ausência de insulina, a
mudança metabólica leva ao aumento na produção de corpos cetônicos, acetoacetato e
β-hidroxibutírico, o que ocasiona a ionização destes compostos. Também pode ser citada
como exemplo a perda de bicarbonato do líquido extracelular e outros.

121
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Já os chamados distúrbios acidobásicos RESPIRATÓRIOS provocarão mudanças
diretas na pCO2. Toda vez que acontecer algum evento que prejudique a função
respiratória, haverá um acúmulo de CO2 no sangue, enquanto que, como efeito contrário,
de forma menos comum, a hiperventilação acarretará a maior expulsão do CO2 e,
consequentemente, uma diminuição da pCO2.

4.6.1 Mecanismos de Compensação

Segundo Gaw (2015), toda vez que acontecer algo que perturbe o equilíbrio ácido-
base, nosso organismo vai lançar mão de mecanismos fisiológicos, para fazer com que o
pH corpóreo retorne aos valores de normalidade, ou seja, tentar retornar ao normal uma
[H+] desequilibrada. Estas relações envolvem uma atuação do sistema renal e do sistema
respiratório.
Assim sendo, quando temos o comprometimento das funções pulmonares, nosso
organismo tenta aumentar a excreção de íons hidrogênio, através do sistema renal. A esta
resposta se dá o nome de compensação renal para um distúrbio respiratório primário. É
preciso frisar que a compensação renal ocorre lentamente.
De maneira oposta, logo que acontecem os distúrbios metabólicos, é possível
se obter uma compensação, através do sistema pulmonar, nomeada de compensação
respiratória para um distúrbio metabólico primário, a qual ocorre rapidamente.
Quando a compensação estiver completa, a concentração do íon hidrogênio
retornará aos valores normais, embora se possa observar que a pCO2 e a concentração
de bicarbonato continuam explicitamente anormais. Nestas situações, define-se que o
distúrbio acidobásico está plenamente compensado. A compensação também pode ser
parcial, na qual os valores da concentração de íon hidrogênio não voltam aos valores
de normalidade, e a verdadeira [H+] plasmática, com um distúrbio acidobásico, terá
uma relação direta com a gravidade dos chamados distúrbios primários e, também, da
intensidade de compensação que foi feita.
Assim sendo, como descrito em Gaw (2015), temos que:
1) Distúrbios METABÓLICOS envolvem alterações na concentração de
BICARBONATO:
Se for acidose metabólica, o distúrbio primário é a diminuição da concentração de

122
BIOQUÍMICA CLÍNICA
bicarbonato.
Se for alcalose metabólica, o distúrbio primário é o aumento da concentração de
bicarbonato.

2) Distúrbios RESPIRATÓRIOS envolvem alterações na pCO2:


Se for acidose respiratória, o distúrbio primário é o aumento na pCO2.
Se for alcalose respiratória, o distúrbio primário é a diminuição da pCO2.

4.6.2 Diagnóstico dos Desequilíbrios Acidobásicos

A) Intervalo Aniônico

Antes do início da discussão sobre diagnóstico e tratamento, é preciso definir


que existe um equilíbrio entre os valores dos cátions (o principal é o sódio) e ânions (os
principais são bicarbonato e cloro), ou seja, a soma das cargas negativas dos ânions deve
ser igual à soma das cargas positivas dos cátions, valor este que será igual a zero.
No plasma, há 154 mEq/L de cátions e, consequentemente, 154 mEq/L de ânions.
No entanto, existem os ânions que não são detectados ou mensurados pelos exames
plasmáticos. Então, forma-se o conceito de “Intervalo Aniônico” ou “Ânion gap”, que é
justamente o valor dos ânions não mensuráveis (Figura 29).
Assim, quando o ânion gap estiver elevado, pode demonstrar uma acidose, com
aumento de ácido lático, acético e outros. Já quando os valores se apresentam diminuídos,
denotam perda de bicarbonato, potássio e outros.

FIGURA 29: INTERVALO ANIÔNICO.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

123
BIOQUÍMICA CLÍNICA
B) Gasometria

A gasometria é a medida de gases sanguíneos, para uma investigação fundamental,


realizada sempre que ocorrer a suspeita de alguma insuficiência respiratória e/ou de
distúrbios acidobásicos, tornando-se uma diretriz importante para o tratamento destes
distúrbios. As medidas são feitas por punção arterial, em geral na artéria radial, braquial
ou femoral, sob condições assépticas. No entanto, nos casos onde o paciente se apresente
com insuficiência circulatória, ou durante a reanimação cardiopulmonar, as medidas
obtidas a partir do sangue venoso podem refletir mais precisamente condições teciduais
e, assim, orientar melhor a administração de bicarbonato e a adequação da ventilação
(PINTO, 2017).
Nos exames de gasometria, os principais parâmetros analisados são pH, SatO2
(saturação de oxigênio), pCO2 (pressão parcial do gás carbônico), HCO3- (bicarbonato, que
vai ser calculado) e Intervalo Aniônico (calculado também). Porém, outros parâmetros
podem ser adicionados às análises, como, por exemplo, a dosagem de alguns eletrólitos:
sódio, potássio, cálcio iônico e cloreto, valores que podem variar bastante em função do
equipamento (gasômetro) utilizado.
Os níveis de HCO3-, na gasometria, são calculados através da equação de Henderson-
Hasselbalch (no pH plasmático, pH = 6,10 + log [HCO3-]/0,03 x pCO2).
Os valores obtidos de pCO2 embasarão a análise para confirmar se os mecanismos
respiratórios estão funcionando, ou se podem estar ocorrendo distúrbios mistos, ou
outros problemas associados ao desequilíbrio. Para isso, utiliza-se a “Fórmula de Winter”,
como segue na Figura 30:

FIGURA 30: CÁLCULO DA pCO2 ESPERADA.


Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
4.6.3 Acidose Metabólica

De acordo com os ensinamentos de Gaw (2015), na acidose metabólica, o problema


primário é a redução da concentração de bicarbonato do líquido extracelular, sendo as
principais causas:
* Produção aumentada de íons hidrogênio;
* Ingestão de íons hidrogênio;
* Ingestão de medicamentos que são metabolizados, produzindo ácidos;
* Excreção prejudicada de íons hidrogênio pelos rins;
* Perda de bicarbonato pelo trato gastrintestinal ou pela urina.

Muitas são as situações que podem levar às causas observadas e citadas, por
exemplo:

1) Doença renal

Esta doença ocorre, quando a taxa de filtração glomerular atinge menos de 20%
dos valores fisiológicos e, progressivamente, os íons hidrogênio serão retidos, junto com
outros ânions, principalmente o sulfato e o fosfato.

2) Cetoacidose Diabética

No diabetes Tipo 1, conforme já mencionado, o indivíduo tem uma falta ou


deficiência grande na quantidade de insulina. Com o metabolismo alterado, a alta
produção de ácidos graxos causa, também, elevada produção de corpos cetônicos
hepáticos, como o acetoacetato e o β-hidroxibutirato. Estes compostos liberam íons
hidrogênio para o meio, causando a queda do pH extracelular.

3) Acidose Láctica

Esta situação pode ocorrer por várias causas, principalmente a anóxia (estado

125
BIOQUÍMICA CLÍNICA
severo de privação de oxigênio, é mais grave que uma hipóxia) dos tecidos.
Nos estados agudos, como se observa na insuficiência respiratória, ou na parada
cardíaca, a acidose láctica se desenvolve em minutos, representando um grave risco à
vida.
Adicionalmente, a acidose láctica também pode ser causada por uma doença
hepática, devido ao fato de ser o tecido hepático o responsável pela captação e
metabolização deste composto, usando o metabólito na gliconeogênese e devolvendo
para a circulação glicose (rever conceito na disciplina de Bioquímica Básica).
Pacientes hospitalizados também podem apresentar aumento de lactato na
circulação; se necessário for, a presença de acidose láctica pode ser confirmada pela
dosagem da concentração de lactato no plasma.

4) Dose medicamentosa excessiva ou envenenamento

O mecanismo comum para todos esses casos é uma alta produção de metabólitos
ácidos. Como exemplo clássico, pode ser citada a dose excessiva da classe medicamentosa
dos salicilato. Depois de absorvido, o ácido acetilsalicílico será hidrolisado em ácido
salicílico (salicilato) e distribuído para os tecidos corpóreos; o composto, em níveis
terapêuticos, apresenta 90% dos saliciltatos ligados às proteínas séricas. Conforme as
concentrações de salicilato aumentam, e se tornam saturadas, os locais de ligação às
proteínas, as concentrações livres (não ligadas às proteínas) de salicilato, aumentam. O
salicilato sofre metabolismo hepático, em uma reação de glicinação que transforma a
medicação em ácido salicilúrico.
Além disso, a alta dose pode levar à inibição da gliconeogênese hepática, o que
impede a utilização do lactato que é gerado, ocasionando o problema citado anteriormente.
Acontece, também, o envenenamento com metanol e com etilenoglicol, os quais
são dois compostos de grande utilização na indústria química, encontrados em altas
concentrações em soluções automotivas de refrigeração, nos solventes, produtos de
limpeza, combustíveis e outros produtos industriais. Caso sejam metabolizados pelo
nosso organismo, causam grande toxicidade.
O Metanol, ao ser metabolizado, acaba se transformando em formaldeído, já
o etilenoglicol, em glicolato, glioxilato e oxalato. Todos estes compostos, quando se
apresentam em níveis plasmáticos elevados, podem causar danos aos tecidos-alvo.
Com isso, desenvolve-se uma grave acidose metabólica, o que aumenta ainda mais a
penetração dos metabólitos tóxicos nas células do sistema nervoso central, causando
elevação concomitante dos seus subprodutos. A ingestão oral ocasiona o envenenamento

126
BIOQUÍMICA CLÍNICA
mais grave. A produção dos compostos tóxicos terá início pela ação da enzima álcool
desidrogenase (ADH), sendo uma das abordagens terapêuticas usar inibidores desta
enzima-chave.

A) Efeitos Clínicos da Acidose Metabólica

A acidemia mais grave, com um valor de pH menor que 7,1 pode levar a náuseas,
vômitos e mal-estar. O sinal mais característico é a hiperpnéia, padrão respiratório
profundo, rápido e entrecortado, conhecido como respiração de Kussmaul.
A [H+] aumentada ocasiona uma elevação da irritabilidade neuromuscular, e existe
o perigo de arritmias progredirem para uma parada cardíaca, o que se torna mais provável
acompanhado de hipercalemia (aumento de potássio), em geral, uma consequência
que acompanha a acidose. Quando o quadro é de acidemia aguda e grave, favorece
a predisposição para esta disfunção cardíaca, com hipotensão e choque, arritmias
ventriculares e coma. Esta diminuição da consciência pode progredir para óbito, se não
for revertida.
Outro problema grave é que uma acidemia crônica pode causar as doenças
relacionadas à desmineralização óssea, como raquitismo, osteomalácia, osteopenia.
Como já discutido, quando possível, ocorrerá uma resposta compensatória, na
tentativa de trazer o valor de pH para os níveis de referência. Neste caso em particular,
a resposta compensadora para a acidose metabólica é a hiperventilação, uma vez que o
aumento na [H+] age como um potente estimulante do centro respiratório, e ela aumenta
a eliminação do CO2 (relembrar a equação demonstrada).

B) Diagnóstico e Tratamento da Acidose Metabólica

Na análise da gasometria, o paciente em geral vai apresentar pH abaixo do valor


de referência, que é entre 7,35 e 7,45, a pCO2 normal (entre 35 e 45 mmHg) e bicarbonato
baixo (valor de referência 21 a 28 mEq/L).
Segundo o Manual MSD (2020), a determinação da causa da acidose metabólica
começará pela análise do intervalo aniônico, cujo aumento poderá ser evidenciado
por situações marcantes, como choque hipovolêmico, hemodiálise não realizada,
entre outros. Porém, se não for evidente, além da gasometria, outros parâmetros serão
avaliados: glicose, creatinina, lactato e possíveis agentes tóxicos.

127
BIOQUÍMICA CLÍNICA
A maioria dos laboratórios pode quantificar as concentrações de salicilatos, mas no
caso do metanol e do etilenoglicol, geralmente não. Sua presença acaba sendo sugerida,
através de uma diferença osmolar (que é calculada). Após este cálculo, osmolaridade
plasmática calculada, subtraída da osmolaridade medida, resultando a diferença maior
que 10, significa a presença de compostos osmoticamente ativos que, na acidose, são
metanol ou etilenoglicol.
A avaliação de glicose se apresenta pela possibilidade de ligação do desequilíbrio
acidobásico, com casos de diabetes Tipo 1, e o lactato tem relação com a anoxia. A
dosagem de creatinina é um parâmetro fundamental de avaliação da função renal.
Na continuidade de análise, os eletrólitos urinários são quantificados, e o intervalo
aniônico será calculado, utilizando-se a fórmula [sódio] + [potássio] - [cloreto]. Na urina,
o intervalo aniônico varia de 30-50 mEq/L, cujo aumento pode indicar a perda renal de
[HCO3-] (MANUAL MSD, 2020).
Outro parâmetro importante de análise, para avaliação da resposta compensatória,
é o cálculo da pCO2, através da “Fórmula de Winter” (ver explicação anterior). Se a pCO2
estiver dentro dos valores de referência, significa que a compensação está ocorrendo, e o
indivíduo apresenta uma acidose metabólica compensada.
Em contrapartida, se o valor estiver abaixo do valor mínimo esperado, indica que
está acontecendo uma hiperventilação, que é maior do que deveria ser, apontando para
um problema misto, com uma alcalose respiratória associada (ver distúrbios mistos mais
adiante). Por fim, se o valor observado estiver acima da faixa do esperado, o paciente não
está hiperventilando como deveria e, assim, temos um distúrbio misto com uma acidose
respiratória.
Quando se tem um quadro de insuficiência renal, é necessária a hemodiálise, a qual
também se faz necessária, em alguns casos, como intoxicação por etilenoglicol, metanol
e no envenenamento por salicilato.
Utilizar bicarbonato de sódio (NaHCO3) para tratamento da acidemia só está
claramente indicado em algumas situações, podendo mesmo ser deletério em outras.
Caso a acidose metabólica resulte de uma perda do bicarbonato, ou no caso do acúmulo de
ácidos inorgânicos (ou seja, acidose com intervalo aniônico normal), o tratamento com o
bicarbonato, em geral, é seguro e indicado. Entretanto, resultando a acidose do acúmulo
de ácidos orgânicos (o que leva a uma acidose com intervalo aniônico aumentado), o
tratamento com bicarbonato é muito questionado, por não diminuir claramente a
mortalidade, e por existirem vários riscos possíveis (MANUAL MSD, 2020).
Com o tratamento das condições subjacentes, o lactato e os cetoácidos serão
metabolizados, voltando a HCO3-, podendo a carga exógena de bicarbonato ocasionar
uma situação de alcalose metabólica “rebote”.

128
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Se utilizado, o bicarbonato de cálcio também pode causar, no caso de qualquer
doença, sobrecarga de sódio e de volume, uma hipocalemia e, inibindo o estímulo
respiratório, levar a uma hipercapnia (aumento excessivo de CO2).
Apesar de todas as ponderações e questionamentos no meio médico, a maioria
dos especialistas ainda recomenda a administração de bicarbonato venoso na acidose
metabólica grave (pH < 7,10).

4.6.4 Alcalose Metabólica

A alcalose metabólica pode acontecer por várias razões, tendo como principais
causas:

1) Perda de íon hidrogênio no líquido gástrico, durante o vômito (depleção de


volume)

Muito comum ser observada em pacientes que apresentam estenose pilórica,


que se caracteriza como um estreitamento do esfíncter, o qual conecta o estômago
com o duodeno (intestino delgado). Esta problemática faz com que o indivíduo tenha
a diminuição da perda paralela de secreções ricas em bicarbonato pelo duodeno,
fisiologicamente importante para regular o pH do quimo que chega do estômago, fazendo
com que o bicarbonato permaneça no organismo.

2) Deficiência de potássio

Na terapia prolongada com diuréticos, pode ocorrer depleção grave de potássio,


cuja consequência é que os íons hidrogênio ficarão retidos no interior da célula, para
substituir os íons potássio perdidos, tendo-se a diminuição do [H+] fora da célula. Assim,
o pH vai aumentar, gerando a alcalose (GAW, 2015).
Ainda de acordo com o autor, no tecido renal, teremos uma situação diferente,
visto que, no túbulo proximal renal e na Alça de Henle, ocorre uma troca maior de íons
hidrogênio, em vez de potássio, pelo sódio absorvido. Isso se deve à tentativa de manter

129
BIOQUÍMICA CLÍNICA
ao máximo os níveis de potássio no organismo, o que acaba gerando a ocorrência do
chamado “ácido urinário paradoxal”, porque nas outras causas de alcalose metabólica a
[H+] cairá.

3) Ingestão de álcali absorvível (bicarbonato de sódio)


É uma situação não muito comum, já que seriam necessárias doses muito grandes
para causar a alcalose metabólica.

A) Efeitos Clínicos da Alcalose Metabólica

Alcalose mais grave ocasiona o aumento da ligação às proteínas de cálcio (Ca2+)


ionizado, levando a uma hipocalcemia e, consequentemente, cefaleia, letargia e
excitabilidade neuromuscular, cãibras, parestesia (sensação cutânea subjetiva), às vezes
com delirium, tetania e convulsões. A alcalose também reduz o limiar para sintomas de
angina e arritmias, e a hipocalemia concomitante pode causar fraqueza. A hipoventilação
também provoca desnorteamento e eventual coma.

B) Diagnóstico e Tratamento da Alcalose Metabólica

As causas que levam à alcalose metabólica, via de regra, podem ser identificadas e
caracterizadas pela história e pelo exame físico. Desta forma, geralmente é evidenciado
por um histórico de vômitos ou pela prescrição de terapia diurética, conforme já citamos.
Em algumas situações, a alcalose metabólica não tem nenhuma causa evidente e,
neste contexto, o diagnóstico mais provável é chamado vômito sub-reptício, que pode ser
provocado por distúrbio alimentar, ou uma das causas de excesso de mineralocorticoides,
como no aldosteronismo primário. O primeiro fator induz uma depleção de volume
efetiva, já o hiperaldosteronismo primário, em geral, está associado a uma discreta
expansão de volume, resultante do efeito estimulador da aldosterona sobre a reabsorção
renal de sódio (MANUAL MSD, 2020).
A alcalose metabólica é sugerida, quando se quantifica o bicarbonato maior que
28 mEq/L. A pCO2 vai fazer a compensação, elevando em torno de 0,6 a 0,75 mmHg para
cada aumento de 1 mEq/L, no bicarbonato (até cerca de 55 mmHg). Aumentos maiores
implicam acidose respiratória concomitante; e aumentos menores, alcalose respiratória
(MANUAL MSD, 2020).
Caso a história do indivíduo com a respectiva anamnese não revelar a causa, e a

130
BIOQUÍMICA CLÍNICA
função renal estiver normal, deve-se partir para aferição das concentrações urinárias de
cloro (Cl-) e potássio (K+).
Requerem atenção especial os tratamentos para correção da hipovolemia e
hipocalemia. Os pacientes com alcalose metabólica, que apresentam resposta ao cloro,
receberão soro fisiológico a 0,9% intravenoso, com uma velocidade de infusão típica
de 50 a 100 mL/h, acima de quaisquer causas de perda de líquido, urinárias, bem como
sensíveis ou insensíveis, até que se obtenha um valor de cloro urinário > 25 mEq/L, e o pH
urinário se normalize, após o aumento inicial do bicarbonato urinário (bicarbonatúria).
Já os pacientes com alcalose metabólica grave, com pH > 7,6, necessitarão de correção
mais urgente do pH plasmático. Então, nesta situação, a hemofiltração e hemodiálise
são opções viáveis, em particular se houver sobrecarga de volume e disfunção renal. A
acetazolamida, na dose de 250 a 375 mg via oral ou intravenosa, uma vez/dia ou de 12/12
h, aumenta a excreção do bicarbonato, porém pode também acelerar as perdas urinárias
de K+ e fosfato (PO4−).
Os pacientes com sobrecarga de volume e alcalose metabólica induzida por
diuréticos, além daqueles com alcalose metabólica pós-hipercapnia (excesso de CO2
no plasma) podem se beneficiar especialmente dessa conduta. Em contrapartida, os
pacientes que também apresentam alcalose metabólica grave e insuficiência renal
não podem, ou não devem, ser submetidos à dialise, sendo a administração de ácido
hidroclorídrico, em solução a 0,1 a 0,2 normal intravenoso, segura e eficaz, com dose de
0,1 a 0,2 mmol/kg/h. Monitoramento frequente da gasometria e eletrólitos é necessário
(MANUAL MSD, 2020).

4.6.5 Acidose Respiratória

A acidose respiratória pode ser aguda ou crônica. Como toda condição aguda,
que ocorre dentro de minutos ou horas, não é compensada. A compensação renal não
possui tempo adequado para promover esta compensação, já que os mecanismos, os
quais ajustarão a reabsorção de bicarbonato, levam de 48 a 72 horas para se tornarem
plenamente eficazes (Gaw, 2015).
O problema primário na acidose respiratória aguda é uma hipoventilação alveolar.
Se o fluxo de ar estiver reduzido, completa ou parcialmente, a pCO2 do sangue aumentará

131
BIOQUÍMICA CLÍNICA
de imediato, e a [H+] aumentará rapidamente. O quadro de uma pO2 baixa e a pCO2 alta
pode levar o indivíduo ao coma. Desta forma, não ocorrendo rápida correção, o resultado
será o óbito do indivíduo.
Como exemplos de um evento agudo, o qual leva à acidose, temos a diminuição
da função da musculatura respiratória, ocasionando o enfraquecimento muscular ou
paralisia, observados: na miastenia grave, em uma paralisia periódica, na síndrome de
Guillain-Barré, no botulismo, na hipocalemia severa e em uma hipofosfatemia severa.
Também nos distúrbios que afetam as trocas gasosas pulmonares, como na Síndrome
do sofrimento respiratório agudo, no edema pulmonar agudo, na asma ou pneumonia
severa e no pneumotórax ou hemotórax.
Já nos processos crônicos, como descrito em Gaw (2015), a acidose respiratória
tem relação com uma condição, há muito tempo já instalada no indivíduo, estando
acompanhada de compensação renal máxima. Da mesma forma, em uma acidose
respiratória crônica, o problema primário é geralmente uma ventilação alveolar
prejudicada, mas a compensação renal contribui notavelmente para o cenário ácido-
base. Nestas situações, a compensação pode ser parcial ou completa.
Exemplos de distúrbios respiratórios crônicos:
- Diminuição da função da musculatura respiratória, levando ao enfraquecimento
muscular, como na poliomielite, esclerose lateral amiotrófica e mixedema.
- Nos distúrbios que afetam as trocas gasosas pulmonares, como nas doenças
pulmonares obstrutivas, por exemplo, o enfisema pulmonar.
Outros exemplos que levam a uma acidose respiratória:
- Supressão do centro respiratório medular, que ocorre nas medicações sedativas,
administração de oxigênio na doença pulmonar crônica, apneia do sono (também
causada pela obesidade extrema) e na parada cardiopulmonar.
- Obstrução das vias aéreas superiores, observada na aspiração de corpo estranho
ou vômito, obstrução na apneia do sono e laringoespasmo.

A) Efeitos Clínicos da Acidose Respiratória

Na acidose respiratória, tanto os sinais quanto os sintomas, dependerão da


velocidade e do grau de aumento da pCO2. Uma característica marcante do CO2 é a
rapidez com que ele se difunde através da barreira hematoencefálica, por isso os sinais e
sintomas serão resultado do aumento das concentrações de CO2 e do baixo pH no sistema
nervoso central, além de qualquer hipoxemia concomitante.
Acidose respiratória aguda deverá causar: cefaleia, confusão, ansiedade, tontura e

132
BIOQUÍMICA CLÍNICA
estupor (narcose por CO2). Caso ela seja severa, poderá produzir uma grande variedade
de anormalidades neurológicas.
Naquela acidose respiratória, com quadro de desenvolvimento lento e estável
(como na Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, DPOC), apesar de mostrar que pode ser
bem tolerada, os pacientes apresentam quadro de perda de memória, distúrbios do sono,
sonolência excessiva durante o dia e, até mesmo, alterações de personalidade. Os sinais
incluem distúrbios da marcha, tremores, diminuição dos reflexos tendinosos profundos,
abalos mioclônicos, asteríxis (lapsos irregulares de postura em várias partes do corpo) e
papiledema.

B) Diagnóstico e Tratamento da Acidose Respiratória

Em geral, a insuficiência respiratória causa acidose respiratória aguda. Desta forma,


como o sistema renal não terá tempo para se ajustar, o tratamento, com intervenção médica,
costuma ser indicado, e o paciente pode necessitar, inclusive, de ventilação mecânica.
Em contrapartida, o tratamento da alcalose respiratória é geralmente dispensável, e a
avaliação será direcionada ao diagnóstico e à correção do distúrbio subjacente.
O reconhecimento e a caracterização da acidose respiratória com a compensação
renal indicam a realização de gasometria arterial, bem como a dosagem dos eletrólitos
séricos. Em geral, as causas costumam ser evidentes, a partir de história pregressa
e exames. O que pode ajudar a diferenciar a presença de doenças pulmonares das
extrapulmonares é o cálculo do gradiente alveolar-arterial de oxigênio, no qual um
gradiente normal essencialmente exclui doenças pulmonares.
O rim aumenta a excreção de íon hidrogênio, e os níveis de bicarbonato do líquido
extracelular aumentam, assim a [H+] do sangue tende a retornar ao normal. O sistema
renal precisará do tempo de ajuste, até que os rins respondam à pCO2 alta e à [H+] alta,
por isso a compensação somente será máxima, alguns dias após o início do problema
clínico. Em muitos pacientes com condições respiratórias crônicas, a compensação renal
ampla manterá a [H+] próxima do normal, ainda que com uma ventilação prejudicada,
podendo ser evidenciada, inclusive, visualmente (MANUAL MSD, 2020).
Nos distúrbios respiratórios, a avaliação evidencia a identificação do distúrbio
como crônico ou agudo, através do observado na resposta compensatória. Nos distúrbios
crônicos, notamos maior elevação de bicarbonato. Utiliza-se, então, a correlação de um
acréscimo de 4 mEq/L no HCO3-, para cada elevação de 10 mmHg da pCO2 acima de 40
mmHg, nos casos crônicos.
O tratamento da forma aguda consiste no fornecimento de ventilação adequada

133
BIOQUÍMICA CLÍNICA
por intubação endotraqueal ou ventilação com pressão positiva não invasiva. O foco
na ventilação adequada é o mais importante para corrigir a acidose respiratória, ainda
que a hipercapnia crônica (aumento excessivo de CO2), em geral, necessite ser corrigida
lentamente, pois existe risco (se a redução for demasiadamente rápida) de a pCO2 causar
uma alcalose por hipercapnia de “rebote. Da mesma forma, a consequente elevação
abrupta do pH no sistema nervoso central (SNC) pode causar convulsão e morte.
Quaisquer déficits de potássio e cloreto deverão ser corrigidos (MANUAL MSD, 2020).
Nessas situações, a administração de bicarbonato é quase sempre contraindicado,
já que pode causar um potencial de acidose paradoxal no SNC. Uma exceção ocorre nos
casos de broncoespasmo grave, nos quais o bicabornato pode melhorar a resposta da
musculatura lisa dos brônquios aos agonistas beta.

4.6.6 Alcalose Respiratória

A alcalose respiratória é a diminuição primária da pCO2 (hipocapnia), consequência


do aumento da frequência e/ou do volume respiratório (uma hiperventilação). Este
aumento da ventilação ocorre, na maior parte das vezes, como uma resposta fisiológica
à hipóxia, (por exemplo, quando o indivíduo se encontra em alta altitude), aumento
de demandas metabólicas (como em um processo febril), sendo assim observada em
várias condições graves. Algumas patologias ligadas ao sistema nervoso central, como
acidente vascular encefálico ou convulsões podem aumentar a respiração, sem nenhuma
necessidade fisiológica.
O indivíduo estará hiperventilando e, consequentemente, expulsando o CO2. A
resposta compensatória nesta situação é renal, com excreção de bicarbonato. Da mesma
forma do quadro apresentado na acidose respiratória, aqui também precisa ser avaliado
se o distúrbio é agudo ou crônico. Para isso, em geral, utilizam-se as relações: nos casos
AGUDOS, um decréscimo de 2 mEq/L no HCO3- para cada redução de 10 mmHg da pCO2
abaixo de 40 mmHg e, nos casos CRÔNICOS, um decréscimo de 5 mEq/L no HCO3- para
cada redução de 10mm Hg na pCO2 abaixo de 40 mmHg.
São exemplos de alcalose respiratória, causando estimulação direta do centro
respiratório medular:
* Síndrome da hiperventilação;

134
BIOQUÍMICA CLÍNICA
* Encefalopatia hepática;
* Sepse ou febre;
* Subsequente à correção rápida da acidose metabólica;
* Distúrbios neurológicos (acidente vascular cerebral, tumores da ponte).

A) Efeitos Clínicos da Alcalose Respiratória

A manifestação e intensidade dos sinais e sintomas vão depender da velocidade


e do grau de queda da pCO2. A alcalose respiratória aguda causará: tontura, confusão,
parestesias periféricas e periorais, cãibras e síncope. É provável que o mecanismo seja a
mudança do fluxo sanguíneo cerebral e do pH. A Taquipneia ou hiperpneia são, em geral,
os únicos sinais, podendo ocorrer, nos casos graves, em consequência dos níveis mais
altos de cálcio ionizado no sangue (direcionado para dentro das células, como uma troca
por íon de oxigênio).
A alcalose respiratória crônica costuma ser assintomática e não apresenta sinais
diferenciais.

B) Diagnóstico e Tratamento da Alcalose Respiratória

A caracterização da alcalose respiratória, com a respectiva compensação renal,


necessitará de medidas de gasometria arterial e quantificação de eletrólitos séricos. Ela
apresenta hipofosfatemia leve e hipocalemia, decorrente dos desvios intracelulares e da
queda do cálcio ionizado, devido ao aumento da ligação de proteínas (visto anteriormente).
É necessária uma investigação da causa na ocorrência de hipóxia ou no aumento do
gradiente de oxigênio alveolar. Normalmente, quando se apresentam outras causas, estas
costumam ser aparentes e de identificação relativamente simples, com a anamnese e os
achados no exame físico. No entanto, como a embolia pulmonar costuma se manifestar
sem hipóxia, é preciso considerar a embolia uma forte hipótese para os pacientes
hiperventilando, antes de atribuir a causa apenas à ansiedade.
O tratamento precisa ser focado na doença subjacente. Como a alcalose respiratória
não causa risco à vida, em geral, não são necessárias intervenções para reduzir o pH. Quanto
a aumentar o dióxido de carbono, inspirado por reinalação, conforme popularmente
observamos no ato de respirar em um saco de papel, trata-se de uma prática comum, mas
que é perigosa, ao menos para alguns pacientes com doença do sistema nervoso central,
cujo pH do líquido cefalorraquidiano (LCR) pode já estar abaixo do normal.

135
BIOQUÍMICA CLÍNICA
4.6.7 Distúrbios Mistos

Estes distúrbios envolverão mais de um processo primário. Neles, os valores podem


passar uma impressão de normalidade. É fundamental, portanto, nos distúrbios mistos,
determinar se as mudanças na pCO2 e no HCO3- mostram a compensação que se espera.
Caso não mostrem, é primordial levantar suspeita de um segundo processo primário
estar causando a compensação anormal. Para esta interpretação, é preciso considerar
as condições clínicas, por exemplo, a presença de estados patológicos, como na doença
pulmonar crônica, insuficiência renal, uma overdose de drogas e outras.
Quando as duas condições acidobásicas forem antagonistas, na forma como
afetam a [H+], um dos distúrbios reproduz a resposta compensatória. Um paciente pode
apresentar-se com acidose metabólica e uma alcalose respiratória simultânea, como
ocorre frequentemente em casos de dose excessiva de salicilato. Porém, neste caso, o
distúrbio respiratório pode parecer simplesmente uma resposta compensatória.
Distúrbios acidobásicos mistos de maior observação na rotina médica:
1) Paciente com doença crônica de obstrução das vias aéreas fazendo uso de
tiazida (grupo de fármacos diuréticos): a 1a situação leva à acidose respiratória, somada
à 2a situação que causa a depleção de potássio, induzida pelo medicamento e, em
consequência, uma alcalose metabólica.
2) Uma hiperventilação que vai levar a uma alcalose respiratória, e o paciente com
sucção nasogástrica prolongada: este 2o fator levará a uma alcalose metabólica.
3) Indivíduo que se envenenou com a classe dos salicilatos: esta situação leva a
uma alcalose respiratória, como consequência da estimulação do centro respiratório, ao
mesmo tempo acontece uma acidose metabólica, em função dos efeitos do deletérios da
alta dose no metabolismo.

Na Figura 31, podemos visualizar, de forma esquemática, um resumo de avaliação:

136
BIOQUÍMICA CLÍNICA
FIGURA 31: RESUMINDO.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020), a partir de GAW (2015).

137
BIOQUÍMICA CLÍNICA
NA PRÁTICA - ESTUDO DE CASO
Uma mulher, R.S.N, 30 anos, deu entrada no hospital da capital com crise
asmática. O pico da taxa de fluxo expiratório foi medido em 75%. Foi encaminhada
para a gasometria e, após a liberação do laudo, a equipe passou a analisar o exame, que apre-
sentava pO2 de 9,3 kPa (72 mmHg) e pCO2 de 4,0 kPa (31 mmHg), com pH de 7,51 (concentração
de íon hidrogênio de 44 mmol/L). A paciente foi nebulizada com salbutamol, um estimulante
β-adrenérgico que é um medicamento broncodilatador, apresentando boa recuperação. Comen-
te sobre o resultado da gasometria e diga qual o problema da paciente. Analise o procedimento
que foi feito e alguns afeitos do problema que você identificou.

4.7 AVALIAÇÃO CLÍNICO-LABORATORIAL DE IMPORTÂNCIA

Para os profissionais da área da saúde, os exames laboratoriais assumem papel


importantíssimo como ferramenta diagnóstica, também de grande valor clínico. Cabe
salientar que os exames laboratoriais não podem, e não devem, ser analisados de forma
isolada. Os laboratórios de análises clínicas buscam constantemente reduzir as variáveis,
as quais podem interferir nos resultados dos exames. Para tanto, muitas instituições
buscam as certificações que conferem credibilidade e confiabilidade aos mesmos.

SUGESTÃO DE LEITURA
PINTO, W.J. Bioquímica Clínica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2017, 624 p. ISBN 9788527730921
O Capítulo 33 trata dos principais exames básicos de Bioquímica
Clínica. Seria ótico reforçar o entendimento dos exames lipídicos, o
lipidograma.

138
BIOQUÍMICA CLÍNICA
4.7.1 Hemograma (Tabela 14)

Este é um dos exames mais solicitados na prática clínica, devido ao alto poder
informativo que um hemograma tem como valor agregado, envolvendo parâmetros
qualitativos e quantitativos, que são obtidos dos tipos celulares presentes no sangue,
ao fornecer informações bioquímicas e morfológicas, a fim de haver maior precisão do
diagnóstico e prognóstico de uma variedade de condições clínicas (PINTO, 2017).
O termo hemograma engloba:
a) Contagem de eritrócitos;
b) Dosagem de hemoglobina;
c) Determinação do hematócrito;
d) Cálculo dos índices hematimétricos;
e) Contagem global de leucócitos e o seu diferencial;
f) Contagem de plaquetas.

No entanto, para cerca de 90% dos clínicos, na rotina laboratorial, apenas quatro
parâmetros são verdadeiramente úteis em um hemograma: (I) dosagem de hemoglobina;
(II) hematócrito; (III) contagem de plaquetas e (IV) contagem de leucócitos.

A) Eritrograma

Avalia as alterações quantitativas (hematócrito e hemoglobinometria) e qualitativas


(índices hematimétricos e hematocospia). É o estudo da série vermelha do sangue,
englobando, também, a morfometria eritrocitária. O estudo morfométrico dos eritrócitos
pode ser realizado em microscópio óptico, preparando-se um esfregaço sanguíneo da
amostra.

B) Hematócrito

É a proporção de sangue ocupada pelos eritrócitos, mergulhados em 55% do


volume sanguíneo total. O hematócrito depende do número de eritrócitos, embora o
tamanho das células possa afetar, em grau discreto, os valores do hematócrito.

139
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Níveis baixos de hematócrito e hemoglobina, normalmente indicam a diminuição
da eritropoiese ou aumento do seu catabolismo.
O hematócrito pode se encontrar aumentado em patologias que causam elevação
dos eritrócitos, como na policitemia vera, sendo acompanhada por aumento da
hemoglobina. Esta situação pode ser decorrente de aumento de aritropoetina no plasma,
ou de processos tumorais medulares, conforme se observa nas leucemias. Como a
policitemia vera é rara, o aumento do hematócrito, que se verifica na rotina laboratorial,
deve-se à policitemia secundária (aumento das hemácias circulantes). As causas mais
comuns de policitemia secundária são:
1) Hipóxia, tabagismo, doença pulmonar obstrutiva crônica e altas atitudes -
condições que se caracterizam pelo déficit de oxigênio nos tecidos, levando à
hipóxia, com consequente estímulo para a produção de eritropenia (deficiência no
número de eritrócitos).
2) Desidratação, diarreias e queimaduras - todas causam perda de água do
organismo, o que leva à hemoconcentração, que acaba refletindo como falso
aumento do hematócrito, já que não houve um aumento de eritrócitos, mas sim
diminuição da volemia.
3) Anemias - as anemias (falciformes, ferropriva, talassêmica etc.) causam a maior
taxa de hemólise, paralelamente à maior atividade de hemocaterese (sequestro
eritrocitário pela baço), e, consequentemente, redução no hematócrito.
4) Distúrbios de medula óssea - a disfunção da medula óssea resulta na formação
de eritrócitos com formas anormais.
5) Hipofunção tireoidiana - os hormônios tireoidianos modulam as taxas
metabólicas e a hipofunção glandular conduz a queda na taxa metabólica, que se
reflete na redução da atividade de renovação eritrocitária, levando ao aumento do
hematócrito.

C) Volume Corpuscular Médio (VCM)

Índice que avalia o volume eritrocitário e, consequentemente, o seu tamanho, cuja


medida será em fentolitros (fl = 10-15 litros). As células poderão ser classificadas como
microcíticas (< valor de referência), macrocíticas (> valor de referência) ou normocíticas
(dentro dos valores de referência). O VCM se correlaciona inversamente com a contagem
de eritrócitos, por isso, em geral, hemograma que apresenta alta contagem de eritrócito
terá valores baixos de VCM.

140
BIOQUÍMICA CLÍNICA
D) Hemoglobina Corpuscular Médio (HCM)

Corresponde à média de hemoglobina por eritrócito, o que é refletido em sua


coloração. Valores abaixo dos valores de referência indicarão hipocromia e, superiores,
hipercromia. O valor é expresso em pictogramas (pg = 10-12 gramas).

E) Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (CHCM)

Refere-se à concentração de hemoglobina, encontrada em um volume de 100 ml de


sangue. Mede o grau de saturação de hemoglobina nos eritrócitos.

F) Amplitude de Distribuição Eritrocitária (RDW)

É um índice que vai indicar anisocitose (variação no tamanho do eritrócito).


Medida eletrônica dos volumes dos eritrócitos que representa a porcentagem de variação
dos volumes obtidos. Os valores, na faixa da normalidade, indicam homogeneidade de
tamanho das células, enquanto valores elevados sinalizam eritrócitos heterogêneos em
tamanho para mais, o que sugere anormalidades.

PARÂMETROS/GÊNERO HOMEM MULHER


Hemoglobina (g/dL) 15,7 ± 1,7 13,8 ± 1,5
Hematócrito (%) 46,4 ± 4,0 40,0 ± 4,0
Hematimetria (milhões/microlitro) 5,2 ± 0,7 4,6 ± 0,5
Reticulócitos (%) 1,6 ± 0,5 1,4 ± 0,5
Volume Corpuscular Médio (VCM) (fentolitros) 88,0 ± 8,0 88,0 ± 8,0
Hemoglobina Corpuscular Média (HCM) (pictogramas) 30,4 ± 2,8 30,4 ± 2,8
Concentração de Hemoglobina Corpuscular Média (g/dL de hemácia) 34,4 ± 1,1 34,4 ± 1,1
Índice de Anisocitose (RDW) 13,1 ± 1,4 13,1 ± 1,4
TABELA 14: VALORES DE REFERÊNCIA EM UM HEMOGRAMA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

141
BIOQUÍMICA CLÍNICA
4.7.2 Enzimologia Clínica

Em geral, a atividade enzimática se destaca no meio intracelular, podendo aumentar


no plasma, em decorrência de alguma patologia ou lesão tecidual. As enzimas, a princípio
compartimentalizadas no meio intracelular, ganharão a região plasmática por causa da
lise celular, ou mesmo do aumento da permeabilidade da célula.
Outro fator que pode acarretar um aumento plasmático das enzimas é a síntese
elevada nas células, com consequentemente exportação do excesso enzimático para a
circulação.
Desta forma, a quantificação enzimática se torna ferramenta importante na prática
clínica e diagnóstica, ao auxiliar o embasamento prognóstico e o acompanhamento
terapêutico em diversas morbidades, principalmente nas hepáticas, cardiovasculares,
ósseas, pancreáticas e musculares. Possibilita, também, conhecer a extensão e a gravidade
de um processo patológico e, inclusive, o diagnóstico diferencial entre duas morbidades,
auxiliando e guiando a eficácia do tratamento.
Pinto (2017), discorre que existem diferenças marcantes em certas enzimas
que se localizam em diferentes tecidos e órgãos, podendo ser observadas na Creatina
Quinase (CPK), ocorrida principalmente no tecido muscular esquelético, e na Alanina-
Transaminase (AST) que está sobretudo no fígado. Já a Lactato-Desidrogenase
(LDH) apresenta uma ampla distribuição entre os tecidos, sendo, portanto, de baixa
especificidade.
Existem, ainda, enzimas com funções idênticas, mas que apresentam pequenas
diferenças estruturais: as isoenzimas, as quais são mais específicas para tecidos, órgãos
e organelas. Como exemplo, podemos citar a Creatina Quinase (CPK) que possui três
isoformas: MM (específica na musculatura esquelética), MB (específica no coração) e BB
(específica do tecido nervoso).
As análises enzimáticas podem medir a atividade de uma enzima, com base apenas
no ponto inicial e final da reação, não considerando o que acontece durante a reação,
sendo, por esta razão, um método menos preciso. Já no método cinético, será considerada
a reação enzimática em vários pontos do processo, sendo muito mais preciso.
Outro fator relevante diz respeito aos Valores de Referência. Você mesmo poderá
fazer uma rápida pesquisa, percebendo que os valores podem ser bem diferentes de
um laboratório para outro. Isso se deve a alguns fatores, por exemplo, as metodologias
empregadas para a determinação das atividades enzimáticas. Como exemplos, temos:

142
BIOQUÍMICA CLÍNICA
- Métodos que analisam o consumo de substrato.
- Métodos que analisam o produto formado.
* Métodos em que o produto formado precisa ser transformado em composto
corado.
- Métodos que analisam a variação de absorção de coenzima que participa da reação
enzimática.
- Métodos otimizados.
Deve-se considerar, ainda, o equipamento utilizado e a técnica de revelação
dos resultados. Desta forma, sempre que houver variação considerável nos valores, os
mesmos não serão mencionados; caso sejam, podem apresentar variações de laboratório
para laboratório.

SAIBA MAIS
A importância da dosagem de enzimas, para aferir patologias em curso, ou
eventos agudos que se manifestam é inquestionável. Veja o exemplo em alguns
vídeos que abrem o conhecimento do uso combinado de enzimas com exames adicionais. Vale
toda a sua atenção!
Acesse o link e confira: https://www.youtube.com/watch?v=xSylDYKYDww

A) Fosfatase Alcalina (ALP) (Tabela 15)

Compreende um grupo de enzimas, as quais apresentam atividade em pH alcalino,


localizadas principalmente em superfícies de troca (epitélio intestinal, túbulos renais,
barreira hematoencefálica e placenta), além de estarem intimamente relacionadas com
a mineralização óssea. Como cada tecido apresenta uma isoenzima, a fosfatase alcalina
dosada no plasma é resultado da presença das diferentes isoformas, originadas em
diferentes órgãos, com predomínio das frações ósseas (ALP2) e hepáticas (ALP1).
O estudo das frações desta enzima é importante ferramenta no diagnóstico
diferencial de morbidades que envolvem o tecido ósseo, relacionando-se com o fígado.
Desta forma, qualquer alteração que envolva o metabolismo destes dois tecidos refletirá
um aumento plasmático da fosfatase alcalina.

143
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Em condições fisiológicas, a enzima também pode ser observada aumentada,
como no terceiro trimestre de gestação (pela produção placentária), na adolescência
(aumento do metabolismo ósseo) e na menopausa. Os recém-nascidos também tendem
a apresentar valores mais altos de ALP, em razão do crescimento ósseo.
Nas hepatopatias, principalmente as que envolvem obstrução do trato biliar (litíase),
carcinoma da cabeça do pâncreas, atrapalhando o fluxo biliar, refletirão no aumento dos
níveis plasmáticos de ALP. As morbidades envolvendo o tecido ósseo também podem ser
rastreadas por meio do exame de fosfatase alcalina plasmática.
Dependendo da patologia, os níveis podem aumentar de 10 até 25 vezes além
do normal, como na doença de Paget; já níveis moderadamente elevados podem ser
encontrados na osteomalacia, bem como nos tumores ósseos e nos hiperparatireoidismos
primários e secundários. As fraturas levam a um aumento transitório e, na osteoporose,
os valores são normais.
Nas neoplasias, os níveis são úteis para avaliar a presença de metástases,
envolvendo o fígado e ossos, valores muito elevados são vistos em pacientes com lesões
osteoblásticas, como as encontradas no carcinoma de próstata com metástase óssea.
Já níveis reduzidos podem ser observados no hipotireoidismo, na anemia
perniciosa, na desnutrição, na doença celíaca e na hipofosfatemia.

FAIXA ETÁRIA VALOR DE REFERÊNCIA (U/L)


< 2 anos 85 - 235
2 a 8 anos 65 - 210
9 a 15 anos 60 - 300
16 a 21 anos 30 - 200
Adulto 46 - 120
TABELA 15: VALOR DE REFERÊNCIA - FOSFATASE ALCALINA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

B) Fosfatase Ácida (FAC) e Antígeno Prostático Específico (PSA) (Tabela 16 e Tabela 17)

A fosfatase ácida apresenta ampla distribuição tecidual, estando presente nos


eritrócitos, nas plaquetas, no fígado e na medula óssea, sendo a próstata o tecido que
apresenta os níveis mais elevados, por isso a enzima é utilizada como monitoramento
para determinação de processos tumorais da próstata, também para acompanhar o
tratamento desta patologia.

144
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Outro valor analisado nas funções prostáticas é do antígeno prostático específico
(PSA). Esta dosagem tem grande importância por ser um marcador específico ligado às
funções prostáticas, já que é produzido apenas nas células epiteliais da glândula.
Quando está em curso um processo tumoral, os valores de PSA podem aumentar em
10 vezes ou mais, comparando-se ao tecido normal. A dosagem de PSA no plasma e o toque
retal constituem um método bastante sensível e com alta especificidade para a detecção
de tumores de próstata. Vale destacar que, caso haja uma hiperplasia benigna prostática,
o processo conduz ao aumento do PSA. Então, os valores observados nos exames de PSA
devem vir acompanhados de exames complementares, para a determinação da alteração
de próstata (PINTO, 2017).

GÊNERO VALOR DE REFERÊNCIA (U/L)


Homens Até 6,6
Mulheres Até 6,5
TABELA 16: VALOR DE REFERÊNCIA - FOSFATASE ÁCIDA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

IDADE VALOR DE REFERÊNCIA (ng/ml)


40 aos 49 anos 1 - 2,5
50 aos 59 anos 0 - 3,5
60 aos 69 anos 0 - 4,5
70 anos ou mais 0 - 6,5
TABELA 17: VALOR DE REFERÊNCIA – PSA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

C) Gamaglutamil Transferase (gama-GT) (Tabela 18)

De acordo com o descrito em Pinto (2017), os níveis plasmáticos de gama-GT


possuem, principalmente, origem hepática, sendo sua meia vida de 7 a 10 dias. Entretanto,
nas lesões hepáticas ligadas à ingestão alcoólica, ocorre aumento de 28 dias e, com isso,
dispõe-se da dosagem para atestar consumo inveterado de álcool pelo paciente.
No sexo masculino, os valores são maiores do que no feminino, estando relacionados
à massa corporal, mas também se apresentarão aumentados no tabagismo e na carga de

145
BIOQUÍMICA CLÍNICA
atividade física.
A determinação da atividade enzimática é de extrema utilidade na avaliação de
processos agudos e crônicos de hepatopatias, com atividade elevada nos quadros de
colestase, tanto intra quanto extra-hepáticas. Também se apresenta com valores elevados
nas hepatopatias alcoólicas (tanto aguda quanto crônica), nas neoplasias primárias ou
metastáticas, na cirrose e na pancreatite.
É preciso atenção, visto que, mesmo sendo um marcador sensível para doença
hepática biliar, apresenta baixa especificidade, podendo estar aumentada em outras
patologias, como diabetes melito e na insuficiência renal.
A gama-GT pode estar aumentada, de 5 a 10 dias após o infarto agudo do miocárdio,
como reflexo dos efeitos da insuficiência cardíaca no tecido hepático. Já que a gama-GT
não está aumentada, quando a ALT se encontra elevada, emprega-se para um diagnóstico
diferencial de doenças hepáticas e não hepáticas.
Existem três principais formas da enzima, estando a de alto peso molecular
presente na obstrução biliar e nos casos de neoplasia hepática. A segunda forma, de peso
molecular intermediário, apresenta-se em hepatopatias e, também, na obstrução das
vias biliares (mas esta diferenciação pelo peso molecular ainda não está definida como
rotina laboratorial).

GÊNERO VALOR DE REFERÊNCIA (U/L)


Homens 12 a 73
Mulheres 8 a 41
TABELA 18: VALOR DE REFERÊNCIA - GAMA-GT.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

D) Alanina Amino Transferase (ALT) (Tabela 19)

É uma enzima encontrada predominantemente no tecido hepático, também


nos rins (de forma moderada) e nos músculos esqueléticos e cardíacos (em menores
quantidades).
Em geral, as maiores elevações de ALT serão observadas nas lesões hepáticas e, por
estar em alta concentração neste tecido, confere elevada especificidade para as lesões e
patologias hepáticas. Porém, lesões de musculaturas cardíaca e esquelética, bem como
renal, podem desencadear a liberação de grandes quantidades de ALT para o plasma.
Os maiores aumentos são observados na hepatite, cirrose, tumor hepático, icterícia

146
BIOQUÍMICA CLÍNICA
obstrutiva, hepatotoxicidade etc. Na hepatite de origem viral, os valores séricos de ALT
e de AST são bem semelhantes, já nos casos de cirrose em indivíduo alcoolista, tumor
metastático hepático, os níveis de ALT são menores que os apresentados para AST.
Algumas vezes, utiliza-se o índice DeRitis (relação AST/ALT), para auxiliar no diagnóstico
diferencial de hepatopatias (PINTO, 2017).

GÊNERO VALOR DE REFERÊNCIA (U/L)


Homens Até 41
Mulheres Até 31
TABELA 19: VALOR DE REFERÊNCIA – ALT.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

E) Aspartato Amino Transferase (AST) (Tabela 20)

Enzima encontrada em grande quantidade no músculo cardíaco, músculo


esquelético e fígado e, em menor quantidade, nos rins e eritrócitos.
É um importante marcador enzimático nas lesões hepáticas em processos agudos,
pois, em torno de 8 horas após a lesão hepática aguda, a AST vai aumentando e apresenta
seu pico entre 24 a 36 horas depois do início do processo, com tendência de retorno à
normalidade, passados de 3 a 6 dias. As hepatites virais desencadearão aumentos séricos
de até dez vezes mais que os valores de referência, e elas retornam aos valores fisiológicos
após uma ou duas semanas. Estes aumentos da ordem de 10 a 20 vezes são utilizados no
diagnóstico diferencial de hepatites e lesões hepáticas de outras fontes (PINTO, 2017).
Na hepatite viral crônica, os níveis de AST se apresentarão moderadamente
elevados, e várias outras morbidades provocarão o aumento dos valores séricos da
enzima, tais como: infarto agudo do miocárdio, hepatites medicamentosas, lesão aguda
do tecido muscular esquelético, pancreatite aguda etc.
A relação AST/ALT é sempre maior que 1,0 nos portadores de cirrose alcoólica, nas
hepatites crônicas, no tumor metastático do fígado. Já quando o valor estiver menor que
1,0, existe uma relação com hepatite viral aguda e com a mononucleose infecciosa.
Esta enzima também é utilizada junto com a dosagem de outras enzimas, a fim de
atestar lesão de tecido muscular cardíaco, porém é de baixa especificidade, em relação às
outras que serão detectadas.

147
BIOQUÍMICA CLÍNICA
GÊNERO VALOR DE REFERÊNCIA (U/L)
Homens Até 37
Mulheres Até 31
TABELA 20: VALOR DE REFERÊNCIA – AST.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

F) Creatinina Quinase (CK) (Tabela 21)

Enzima encontrada na musculatura cardíaca, esquelética e no tecido cerebral,


permitindo que as lesões nestes tecidos sejam detectadas com o aumento nas dosagens
da CK.
É um excelente marcador de lesão muscular e não está aumentada nas lesões
hepáticas, o que auxilia na especificidade do exame.
Como nos ensina Pinto (2017), esta enzima apresentará 3 isoformas, sendo elas a
CK-BB (CK1), CK-MB (CK2) e CK MM (CK3).

CK-BB (CK1)
Presente, principalmente nos pulmões e no cérebro, apresentando seus níveis
elevados apenas em situações particulares, como na pós-embolia pulmonar e em alguns
pacientes com carcinoma pulmonar.

CK-MB (CK2)
Forma que apresenta as duas cadeias, M e B, com predominância na musculatura
cardíaca. As lesões do miocárdio, observadas na isquemia cardíaca e na miocardite,
apresentam uma alta nos níveis de CK-MB, tornando esta dosagem bem específica para
as condições citadas. Inclusive, seus níveis podem estar aumentados no plasma em 60 a
100% dos indivíduos que sofrem infarto. O aumento vai acontecer entre 3 a 6 horas após
o evento, com seu pico máximo, no intervalo de 12 a 24 horas, retornando aos valores de
referência dentro de 24 a 48 horas. Não se associa a extensão do infarto com o grau de
elevação plasmática da enzima.

CK-MM (CK3)
Encontra-se em alta concentração na musculatura esquelética e também no
coração.

148
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Quando se apresentam aumentadas, levam à indicação de lesão muscular
esquelética, uma vez que a massa deste tipo muscular é muito maior que a da musculatura
cardíaca. Também é um indicativo de lesão dos miofilamentos, sarcolema e toda a
estrutura celular muscular.
Outras condições que podem levar ao seu aumento, além da lesão, são: a hipóxia,
durante exercício físico intenso; as convulsões; os traumatismos musculares; as
inflamações, nas distrofias musculares, como na de Duchene.

GÊNERO VALOR DE REFERÊNCIA (U/L)


Homens 32 a 294
Mulheres 33 a 211
TABELA 21: VALOR DE REFERÊNCIA – CK.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

G) Desidrogenase Láctica (LDH) (Tabela 22)

Formam um grupo de isoenzimas que está presente em uma grande variedade de


tecidos, tais como coração, rins, eritrócitos, pulmões e, devido à sua ampla distribuição, a
especificidade é baixa, apresentando-se elevada em uma grande variedade de processos
patológicos (PINTO, 2017).
Apesar de ter um valor individual indicativo baixo, em função da ampla distribuição
tecidual, utiliza-se esta dosagem enzimática, em conjunto com outras enzimas, ou na
forma fracionada, dosando suas isoformas, as quais apresentam distribuição mais
específica:
- LDH1 no coração, eritrócitos e rins;
- LDH2 no coração e sistema reticuloendotelial;
- LDH3 nos pulmões e outros tecidos;
- LDH4 na placenta e pâncreas;
- LDH5 no fígado e músculo esquelético.

A separação pode ser feita por eletroforese ou pelo teste de desnaturação por calor
e, dependendo do teste, obtêm-se as frações das isoformas. Vários cuidados precisam ser
observados após a separação.
A utilização das isoformas pode auxiliar na detecção de infarto agudo do miocárdio,
uma vez que nesta condição acontece a elevação de LDH1 e aumento discreto de LDH2,
nas primeiras horas após o evento patológico, atingindo seu ápice, no intervalo de 42 a 72

149
BIOQUÍMICA CLÍNICA
horas, e retornando ao valor de referência em torno de 10 a 14 dias.
Outro panorama é um aumento discreto na fração LDH4 e pronunciado na fração
LDH5 nas doenças hepáticas, tais como a cirrose, hepatites agudas e icterícias.
Quando se estabelece uma patologia relacionada ao sistema nervoso, como
meningites e tumores malignos, o perfil é de aumento das isoformas LDH2 e LDH3.
Já na anemia megaloblástica, acontece um aumento exclusivo das isoformas LDH1,
diferentemente da anemia aplástica onde todas as isoformas se apresentam aumentadas
no plasma, por se localizarem nos eritrócitos e nos leucócitos.

FASE VALOR DE REFERÊNCIA (U/L)


Adulto 120 a 246
TABELA 22: VALOR DE REFERÊNCIA – LDH.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

4.7.3 Marcadores do Infarto do Miocárdio

Antes de continuarmos, é necessário salientar que os parâmetros descritos a seguir,


somam-se aos descritos anteriormente.

A) Mioglobina (Tabela 23)

Proteína globular, principal carregador de oxigênio nos tecidos musculares,


assemelha-se bastante à hemoglobina. A lesão nas células musculares, tanto esqueléticas
quanto cardíacas, acaba promovendo o extravasamento da mioglobina para o plasma.
Apesar de ser um parâmetro sensível na detecção do infarto agudo do miocárdio,
não tem a especificidade, visto que se apresenta, também, na musculatura esquelética.
Porém, este marcador é observado mais precocemente que as CK, inclusive a isoforma
CK-MB, em torno de 1 a 3 horas após o evento.
Conforme já exposto, o diagnóstico é um conjunto de análises e dosagens, por
isso a importância deste e de outros parâmetros na definição de um infarto agudo do
miocárdio.

150
BIOQUÍMICA CLÍNICA
VALOR DE REFERÊNCIA (ng/ml)

VALOR DE REFERÊNCIA (ng/ml)


Inferior ou igual a 110,0
TABELA 23: VALOR DE REFERÊNCIA – MIOGLOBINA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

B) Troponina (Tabela 24)

As troponinas formam um complexo cálcio dependente, o qual participará


ativamente da contração muscular, como foi estudado na Fisiologia e na Biologia.
A troponina I cardíaca apresenta alta especificidade para o tecido miocárdico,
não sendo detectado no plasma de indivíduos sadios e, nos casos do infarto agudo
do miocárdio, mostra um aumento proporcionalmente bem maior do que os valores
de referência, podendo permanecer elevada por 7 a 10 dias após o episódio agudo. Os
primeiros sinais de elevação deste marcador no infarto agudo do miocárdio já ocorrem
após três horas e meia do acontecimento do episódio (PINTO, 2017).

TIPO VALOR DE REFERÊNCIA (ng/ml)


Troponina T 0,0 a 0,04
Troponina I 0,0 a 0,1
TABELA 24: VALOR DE REFERÊNCIA – TROPONINA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

4.7.4 Marcadores Renais

A) Ureia (recordando) (Tabela 25 e Tabela 26)

A ureia está presente, principalmente como consequência do metabolismo das


proteínas, em específico dos aminoácidos, de acordo com o que estudamos na unidade
que trata das alterações do metabolismo de aminoácidos.

151
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Na etiologia da uremia pré-renal, a hiperuremia será detectada, através do aumento
plasmático da ureia, sem a elevação da creatinina no sangue. Na doença renal aguda ou
crônica, acontece o aumento da ureia plasmática, como consequência da menor excreção
glomerular devido à insuficiência renal.
Na etiologia da hiperuremia pós-renal, acontece a obstrução do trato urinário,
com a reabsorção da ureia pela circulação. Outra situação que pode levar à hiperuremia é
quando o paciente apresenta hepatopatia grave, uma vez que o fígado se torna incapaz de
sintetizar ureia a partir da amônia, resultando no quadro de aumento da ureia plasmática,
que, caso persista, poderá desencadear a encefalopatia grave.

Valores de Referência Ureia (U/l)


46 a 120 U/l
TABELA 25: VALOR DE REFERÊNCIA – UREIA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

TIPO VALOR DE REFERÊNCIA (mg/dL)


Crianças até 1 ano 9 a 40
Crianças acima de 1 ano 11 a 38
Adultos 13 a 43
TABELA 26: VALOR DE REFERÊNCIA POR IDADE – UREIA (outra unidade).
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

B) Creatinina (Tabela 27)

É produzida, como resultado da desidratação não enzimática da creatinina


muscular. É sintetizada no fígado, nos rins e no pâncreas, sendo transportada para o
músculo e para o cérebro, ao se converter à creatinina fosfato (reservatório energético).
Como descrito em Pinto (2017), existe uma reabsorção tubular da creatinina,
mas esta reabsorção é compensada por uma forte secreção tubular. Quando se tem
um comprometimento da filtração renal, acarreta alteração nos níveis plasmáticos de
creatinina, sendo um indicador da função renal, que pode ter causas pré-renais, renais
ou pós-renais.
a) Nas causas pré-renais, existem, em paralelo, aumentos significativos na necrose
muscular esquelética, ou atrofia, e ainda podem ser observados: insuficiência cardíaca

152
BIOQUÍMICA CLÍNICA
congestiva, depleção de sais e água associada ao vômito, diarreia, diabetes não controlado
etc.
b) Nas causas renais, observam-se lesões glomerulares, nos túbulos, nos vasos
sanguíneos ou no tecido intersticial renal.
c) Nas causas pós-renais, são frequentes na hipertrofia prostática, nas compressões
extrínsecas dos ureteres, nos cálculos renais etc.
Outra importante função do monitoramento de creatinina sérica é relacionada ao
transplante renal, já que um aumento da mesma, ainda que pequeno, pode ser indicativo
de rejeição do órgão.
Para sua dosagem, evita-se a prática de exercício físico, em um período de 8 horas
antes da dosagem, e também a ingestão de carne vermelha em excesso, 24 horas antes.

Gênero Valores de Referência Creatinina (mg/dL)


Homens 0,7 a 1,3
Mulheres 0,6 a 1,1
TABELA 27: VALOR DE REFERÊNCIA – CREATININA.
Fonte: Elaborado pelo autor (2020).

153
BIOQUÍMICA CLÍNICA
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta quarta unidade, iniciamos nosso estudo na concentração de íon hidrogênio,


na importância da manutenção do pH corpóreo e na definição de tamponamento e
solução tampão. Em seguida, foi vista a excreção do íon hidrogênio pelo sistema renal, e
o papel do bicarbonato neste sistema de tamponamento, bem como outros tampões intra
e extracelulares.
Na sequência do aprendizado, foi descrita a avaliação do estado acidobásico, para
depois trabalharmos os desequilíbrios neste sistema de manutenção de pH corpóreo,
entendendo-se a gasometria e o intervalo aniônico.
Todos os desequilíbrios foram caracterizados e abordados, com foco nos efeitos
clínicos e diagnóstico, fazendo com que as variáveis fossem analisadas e interpretadas
para cada desequilíbrio.
Encerramos a Unidade 4, analisando os principais testes laboratoriais utilizados
nas rotinas da área da saúde, como o hemograma, além de termos caracterizado muitas
enzimas e outros marcadores, os quais são utilizados com fins diagnóstico. Assim, espera-
se que o conhecimento aqui adquirido possa auxiliá-lo(a) a se tornar um(a) excelente
profissional desta área.

154
BIOQUÍMICA CLÍNICA
EXERCÍCIO FINAL

1. (CONHECIMENTO) - Com o objetivo de manter a homeostasia corpórea, o


pH do sangue deve se manter levemente alcalino, porque desvios para mais ou
para menos podem afetar o funcionamento de muitos órgãos e, por isso, nosso
corpo tem mecanismos que ajudam a regulação dos níveis de pH.
Em função do conhecimento adquirido ao longo desta unidade, analise as
afirmativas abaixo:

I – A ação da glutaminase muscular permite o tamponamento deste tecido com o


H+ excretado.
II - Um tampão é uma solução do sal de um ácido fraco que é capaz de ligar íons
hidrogênio.
III - Os distúrbios acidobásicos “respiratórios” afetam diretamente a pCO2. A função
respiratória prejudicada provoca um acúmulo de CO2 no sangue, enquanto, de
forma menos comum, a hiperventilação pode provocar uma diminuição da pCO2;
IV - A associação do íon hidrogênio com o bicarbonato ocorre de maneira lenta,
porém a degradação do ácido carbônico em dióxido de carbono e água ocorre
rapidamente.

Assinale a opção correta:


a) São falsas somente as afirmativas III e IV.
b) Somente as afirmativa II e III são verdadeiras.
c) São falsas somente as afirmativas I e III.
d) Somente a afirmativa I é falsa.
e) Todas as afirmativas são falsas.

2. (CONHECIMENTO) - O principal sistema de tamponamento no ser humano é o


tampão bicarbonato, que terá uma atuação extracelular. Neste sistema tampão,
o bicarbonato (HCO3-) vai se combinar com o íon hidrogênio e consequente
formação do ácido carbônico (H2CO3). Este sistema tampão é único, porque o
H2CO3 pode dissociar-se em água (H2O) e dióxido de carbono (CO2).

155
BIOQUÍMICA CLÍNICA
Leia as afirmativas abaixo:
I - A reação catalisada pela anidrase carbônica consiste na hidratação do CO2,
originando o ácido carbônico.
II – Enquanto os tampões simples rapidamente se tornam ineficazes, à medida que
a associação do íon hidrogênio e o ânion do ácido fraco atingem o equilíbrio, o
sistema bicarbonato continua funcionando, porque o ácido carbônico é removido
sob a forma de ácido carbônico.
III - O sistema renal participa ativamente da filtração de bicarbonato, sendo 85%
reabsorvido no túbulo renal proximal e, uma parte menor, em torno de 10%, no
túbulo renal distal.
IV - Na acidose metabólica, o distúrbio primário é o aumento da concentração
bicarbonato.
V - A gasometria é a medida de gases sanguíneos para uma investigação fundamental,
realizada sempre que ocorrer a suspeita de alguma insuficiência respiratória e/ou
de distúrbios acidobásicos, que acabam se tornando uma diretriz importante para
o tratamento destes distúrbios.

Assinale a alternativa correta:

a) São falsas somente as afirmativas III e IV.


b) Somente as afirmativa II e III são verdadeiras.
c) São falsas somente as afirmativas I e III.
d) Somente a afirmativa I é verdadeira.
e) São falsas somente as afirmativas I, III e V.

3. (CONHECIMENTO) - Os exames bioquímicos são fundamentais para


estabelecer diagnóstico, permitindo que o profissional direcione a terapêutica
e monitore a evolução clínica do paciente.

Analise as afirmativas abaixo:


I - O hematócrito é a proporção de sangue ocupado pelos eritrócitos, mergulhados
em 55% do volume sanguíneo total.
II - A dosagem de ALP é importante na suspeita de tumores ósseos.
III - O índice DeRitis (relação AST/ALP) é utilizado para auxiliar no diagnóstico
diferencial de hepatopatias.
IV - A troponina I cardíaca apresenta alta especificidade para o tecido miocárdico,
sendo detectado no plasma de indivíduos sadios em níveis moderados.

156
BIOQUÍMICA CLÍNICA
V - A creatinina é um indicador da função renal.

Assinale a alternativa correta:

a) São falsas somente as afirmativas III e V.


b) Somente as afirmativa I e IV são verdadeiras.
c) Somente a afirmativa I é verdadeira.
d) São falsas somente as afirmativas III e IV.
e) São falsas somente as afirmativas I e III.

157
BIOQUÍMICA CLÍNICA
REFERÊNCIAS

BAYNES, J. W. Bioquímica Médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015.

DEVLIN, T. M. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas. 7. ed. São Paulo: E.


Blücher, 2011.

MANUAL MSD (Minimum Set of Data). Disponível em: https://www.msdmanuals.com/


pt-br/casa. Acesso em: 15 de agosto de 2020.

MURPHY, M.; SRIVASTAVA, R.; DEANS, K. Bioquímica Clínica 6. Ed. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 2019.

PINTO, W.J. Bioquímica Clínica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.

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BIOQUÍMICA CLÍNICA
uniavan.edu.br
160
XXXX
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