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A COMUNICAÇÃO PRÉVIA

Trabalho Escrito Final da Unidade Curricular de Direito do Urbanismo

Raquel Alexandra Bártolo Andrade


(nº 142722080)

Lisboa
Junho de 2023
1. Índice

1. Índice..........................................................................................................................2
2. Introdução..................................................................................................................3
3. Natureza do Procedimento de Comunicação Prévia..................................................5
4. O NOVO REGIME DA COMUNICAÇÃO PRÉVIA...............................................6
5. O procedimento de legalização entre o licenciamento e a comunicação prévia........7
6. A exclusão do controlo administrativo a priori.........................................................7
7. Fiscalização de ilegalidades urbanísticas sobre a emissão do título da comunicação
prévia.................................................................................................................................7
8. A comunicação prévia nos anteprojectos e no novo RJUE........................................7

2
2. Introdução

Desde a década de 80 do século passado, o Estado Português tem vindo a


implementar processos de desburocratização que visaram transferir outrora tarefas
públicas, para a esfera privada dos particulares – os quais assistiram ao aumento das
suas responsabilidades. Neste contexto, o legislador procurou adotar novos sistemas e
modalidades de controlo preventivo no que respeita à legalidade das atuações privadas.

Efetivamente, nas mui doutas palavras de João Miranda, tem-se observado que a
supracitada “migração de tarefas públicas para a esfera privada (privatização), o
fenómeno, menos sublinhado, de ativação e de reforço das responsabilidades próprias
dos particulares (…) desembocou naquilo a que alguns autores apelidaram de «Estado
magro» (schlanker Staat)”1.

Neste sentido, verificamos uma conjuntura que procura a “substituição do


tradicional princípio da autoridade pública por um princípio de auto-responsabilidade
dos administrados: em vez de mecanismos de controlo assentes em procedimentos de
autorização prévia dos poderes públicos, instituem-se formas de controlo preventivo da
responsabilidade dos próprios particulares interessados em desenvolver atividades que
apresentam algum potencial de perigo e cujo exercício se mantém, por isso mesmo,
condicionado e fora da esfera de livre disposição dos interessados”2.

De facto, na pretensa do legislador de simplificar os procedimentos de controlo


prévio urbanístico, o Decreto-Lei nº 136/2014 teve como propósito a criação de uma
autêntica comunicação prévia, embora agora se designe por “comunicação prévia com
prazo”. Vejamos.

3. Evolução histórica da figura da comunicação prévia

Primeiramente, a comunicação prévia era estimada enquanto um procedimento


de controlo aplicável às operações de impacto e importância diminuta que compreendia
a apresentação da comunicação prévia por parte do interessado que, na ausência de
pronúncia por parte da Administração Pública (doravante AP), era tido como sendo
1
Cfr. JOÃO MIRANDA, A Função Pública Urbanística e o seu Exercício por Particulares, Coimbra:
Coimbra Editora, 2012 cit., p. 448.
2
Cfr. PEDRO COSTA GONÇALVES, “Simplificação procedimental e controlo prévio das operações
urbanísticas”, in FERNANDO ALVES CORREIA (Coord.), I Jornadas Luso-Espanholas de Urbanismo
(Actas), Coimbra: Almedina, 2009, pp. 79 e 80.

3
“apenas um efeito permissivo, sem que fosse, por isso, praticado qualquer acto
administrativo, ainda que tácito ou silente”3.

No entanto, a Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro promoveu uma Reforma


legislativa de que foi alvo o Regime jurídico da urbanização e edificação (doravante
RJUE). Este diploma, veio consagrar uma “comunicação prévia com prazo”, sendo que
era fixado um período temporal para que a AP utilizasse o seu “poder de veto” para se
opor no caso de não serem cumpridas as exigências legais aplicáveis in casu. Não sendo
apurada uma oposição, originar-se-ia um ato de admissão da pretensão do interessado
ex lege que lhe permitiria iniciar legalmente a sua atividade. Nesta perspetiva, ao ser
aceite a comunicação prévia, esta teria natureza de ato administrativo, não somente por
motivos de cariz formal pois era um resultado claro do disposto na epígrafe do art. 36.º-
A, para além da equiparação desta à figura da licença em diversos elementos normativos
– sendo a título de exemplo o seu regime de prorrogação (art. 53.º, n.º 3), validade da
admissão da comunicação prévia (arts. 67.º e 68.º), a caducidade e revogação (arts.71º e
73º) e da renovação (art. 72º).

Ora, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei nº 26/2010, de 30 de Março,


assistiu-se a uma ampliação do escopo da comunicação prévia. Para além disso, no que
dizia respeito à tramitação dos procedimentos de gestão urbanística, a comunicação
prévia começou a ser tida como procedimento-regra (v. art. 4.º, n.º 4 deste diploma
legal).
Nesse quadro, tamanho enfoque nesta figura devia-se à busca pela simplificação
procedimental. No entanto, podemos afirmar que a tão almejada simplificação por parte
do legislador, na prática não aconteceu. Concordamos por isso com Fernanda PAULA
OLIVEIRA que, a este propósito, afirma “a aplicação deste procedimento nem sempre
resultou clara e sem dificuldades para os interessados e para a Administração”
Antes de avançarmos para a análise dos novos contornos da figura, não podemos deixar
de notar que, na alteração feita em 2007 ao RJUE pela Lei nº 60/2007, de 4 de
Setembro, o legislador justificava a opção tomada, naquela altura, por uma maior
desprocedimentalização por terem sido «observados os efeitos positivos da
simplificação», sem que, porém, se conhecesse estudo algum nesse sentido16.
Com o novo regime avança-se para uma “simplificação” tal, que deixa de haver
controlo prévio na maioria das operações urbanísticas, sem que se refira se a figura
anterior teve efeitos positivos ou negativos, muito menos se existe uma qualquer
justificação empírica que sustente a opção agora tomada. E este é um aspeto
especialmente relevante: é que nem sequer se demonstrou, no caso português, que a
regulamentação urbanística existente – ao nível dos planos de ordenamento do território
existente, dos regulamentos municipais existentes, etc. – justifica e até permite uma
3
cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito do Urbanismo., cit., p.339

4
solução deste género. Portanto, tendo em conta a regulamentação existente em Portugal,
se nalguns casos até pode ser defensável a nova solução, noutros casos esta solução
pode ser «um verdadeiro “presente envenenado”, oferecido pelo legislador» aos
promotores17.

4. Importa agora passar para a análise da figura da comunicação prévia. Mas antes ainda
de se abordar o novo regime, em primeiro lugar, cabe começar por referir que o
regime anterior continha já uma figura chamada comunicação prévia18. Porém,
como foi ampla e criticamente referido pela doutrina, aquilo que estava verdadeiramente
em causa era uma “licença de regime simplificado” ou, na melhor das hipóteses, uma
“comunicação prévia com prazo”, uma vez que tal comunicação podia ser rejeitada ou
admitida e apenas após a sua admissão ou na falta de rejeição – verificando-se uma
ficção legal ou uma situação de deferimento tácito – as obras podiam ser iniciadas pelos
interessados19.

Em segundo lugar, no que toca à terminologia utilizada pelo legislador, contrariamente


ao anterior regime, o ora aprovado utiliza, incompreensivelmente, a expressão
“comunicação prévia com prazo”. Com efeito, o Decreto-Lei nº 92/2010, de 26 de
Julho, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a DIRECTIVA DE
SERVIÇOS20, procedia à distinção entre comunicação prévia e comunicação prévia
com prazo nos seguintes termos: (i) a comunicação prévia com prazo é “uma declaração
efectuada pelo prestador de serviços necessária ao início da actividade, que permita o
exercício da mesma quando a autoridade administrativa não se pronuncie após o
decurso de um determinado prazo”; e (ii) a mera comunicação prévia é “uma declaração
efectuada pelo prestador de serviços necessária ao início da actividade, que permita o
exercício da mesma imediatamente após a sua comunicação à autoridade
administrativa” [cfr. artigo 8º, nº 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 92/2010, de 26 de
Julho]. Isto significa que, no caso da comunicação prévia com prazo, está em causa um
acto administrativo permissivo, «menos exigente que uma licença ou uma autorização,
mas mais exigente que um mero registo, por exemplo quanto ao prazo de resposta da
Administração, à possibilidade de recusa e ao número e diversidade de documentos
instrutórios exigidos»21. Já a mera comunicação prévia não se trata de uma permissão
administrativa, uma vez que «não depende de (nem exige) qualquer reacção da
Administração para que a actividade em questão possa ser iniciada ou exercida, embora
não dispense o particular de cumprir as regras previamente definidas», o que será
controlado posteriormente; pelo contrário, recai apenas sobre o particular o dever «de
informar a Administração do exercício da sua actividade, por exemplo, para efeitos de
pagamento de taxas devidas, de eventual fiscalização ulterior, do cumprimento de
requisitos ou de outros efeitos semelhantes»22.

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Isto dito, resulta claro que a expressão agora utilizada é infeliz por duas ordens de
razões23: por um lado, apresenta-se como um factor de perturbação em face dos
conceitos utilizados noutros diplomas – por exemplo, o regime jurídico do
licenciamento zero24 procede justamente à distinção entre “mera comunicação prévia”
e “comunicação prévia com prazo”25; por outro lado, na realidade, em termos
materiais, não está aqui em causa uma comunicação prévia com prazo, senão uma
verdadeira comunicação prévia. Ou seja, paradoxalmente, isto quer dizer que, à luz do
regime anterior, chamava-se “comunicação prévia” a um regime que era, na verdade,
uma “comunicação prévia com prazo”26; no novo regime, passou a chamar-se
“comunicação prévia com prazo” a um procedimento que é, na realidade, uma “mera
comunicação prévia”, uma vez que não há, de facto, controlo material prévio da
operação urbanística que se pretende prosseguir.

4. A “nova” figura da comunicação prévia

3.1 Fundamento subjacente


a) Fundamento, impacto e natureza jurídica da nova comunicação prévia
Cumpre apreciar
5. Pese embora a breve referência acima efectuada ao fundamento subjacente à nova
comunicação prévia, cumpre questionar, mais detidamente e à luz do texto legal, sobre
se o fundamento da nova figura pode ser encontrado na (i) simplificação administrativa
ou na (ii) privatização de responsabilidades públicas e reforço de responsabilidades
privadas.

Se tivermos em consideração o preâmbulo do Decreto-Lei nº 136/2014, o legislador


refere expressamente que “o presente decreto-lei vem simplificar o controlo de
operações urbanísticas efetuado mediante o procedimento de comunicação prévia com
prazo, a qual, quando corretamente instruída, dispensa a prática de atos permissivos”.
Contudo, tendo em conta a configuração adoptada, fica a ideia de que embora se
verifique uma simplificação procedimental do prisma do controlo público prévio, aquilo
que, em concreto, o legislador verdadeiramente pretendeu e fez foi privatizar uma tarefa
de natureza pública, passando uma série de responsabilidades públicas para a esfera
privada.

Interessa ainda mencionar que a opção tomada pelo legislador tem uma série de
consequências, sem que seja claro que aquele as teve em consideração aquando da
opção de transformar a anterior comunicação prévia com prazo numa verdadeira
comunicação prévia. Desde logo, importa referir que embora os particulares poupem à
partida tempo com o desaparecimento de controlo prévio, à cautela, vão ter eles
próprios de preparar o procedimento o mais cuidadosamente possível, com um aumento

6
considerável de custos. E isto significa que, naqueles casos em que existam algumas
dúvidas sobre aspectos urbanísticos que possam vir a ser arguidos pelos serviços
municipais (ou por terceiros interessados) a posteriori – o que pode levar ao pagamento
de avultadas coimas27 –, os particulares vão acabar por recorrer mais ao instrumento do
pedido de informação prévia ou optar por se sujeitar ao procedimento de licenciamento.
Aliás, resta saber se o legislador ao optar por esta total desprocedimentalização da
comunicação prévia e permitir que os particulares possam optar pelo procedimento
normal de licenciamento28 – o que, obviamente, faz sentido e dá uma válvula de escape
aos interessados – não acabará, na prática, por esvaziar de conteúdo a figura da
comunicação prévia, que poderá acabar por vir a ter, ironicamente, menos aplicação
prática. Isto é, a regra hoje, de facto, é a comunicação prévia; porém, com a presente
alteração, por uma questão de cautela, é de questionar se os particulares não passarão a
optar, na maioria das vezes, pelo pedido de licença urbanística, o que, de forma
contrária à intenção do legislador, poderá levar, em concreto, a uma maior
burocratização.

6. Em adição ao que se escreveu, cumpre ainda analisar se a alteração em análise


implicará uma verdadeira diminuição dos vários custos relativos ao controlo da
actividade de urbanização e de edificação, que parece estar também subjacente à
intenção de simplificação invocada pelo legislador.

Por um lado, como o controlo prévio por parte dos municípios praticamente desaparece
nestas situações, há efectivamente uma redução de custos tanto para a Administração, ao
nível do controlo preventivo, como para os particulares que deixam de pagar taxas
urbanísticas pela admissão da comunicação prévia. Não obstante esta efectiva
diminuição de custos, é possível, por outro lado, identificar um aumento de uma série de
custos tanto para a Administração, como para os próprios particulares.

Em primeiro lugar, a alteração ora em análise envolve um aumento de custos para a


Administração ao nível do controlo a posteriori, uma vez que, pelo facto de se privatizar
estas tarefas de controlo prévio, tal não pode significar um total abandono do controlo
público sobre a legalidade urbanística – por imposição de protecção dos bens jurídicos
jusfundamentais ligados ao urbanismo, ao ordenamento do território, ao património
cultural, ao ambiente, entre outros –, e que implicará o reforço dos recursos materiais e
humanos a este nível29. Em segundo lugar, esta alteração pode também acarretar,
paradoxalmente, um aumento de encargos para os privados, ao apelar para o
desempenho de tarefas e funções pelos particulares promotores de operações
urbanísticas, que terão, por exemplo, de contratar uma série de técnicos que procedam à
total instrução do processo (têm de proceder às consultas legalmente necessárias30, de
auto-liquidar as taxas, de entregar os projectos no início do procedimento, decidir quais
são os elementos relevantes da comunicação prévia e da sua execução, decidir sobre a
adequação do projecto aos parâmetros legais e regulamentares em vigor, etc., e tudo de
forma completamente autónoma). Ora, um regime delineado sob a capa da

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simplificação administrativa para os particulares, na prática, vai levar a que, por
exemplo, sejam sempre esses particulares a ter de se dirigir a uma série de entidades
públicas diferentes para obter todos os pareceres legalmente requeridos, tarefa que antes
cabia à Administração (salvo se os particulares o pretendessem fazer). E estes custos, ao
nível financeiro, podem ainda ser mais elevados, se tivermos em consideração o
potencial aumento da aplicação de coimas a particulares em processos contra-
ordenacionais, que poderiam ser evitados logo em sede de controlo prévio.

No sentido do que se acaba de escrever, o novo regime da comunicação prévia envolve


ainda, sem margem para dúvidas, uma “sobrecarga” de responsabilidades para os
técnicos privados que auxiliam o interessado na realização da operação
urbanística31/32. Como refere JOÃO MIRANDA, o fenómeno de controlo e
certificação por entidades técnicas privadas «não é isento de problemas» porque, «ainda
que se trate de matérias técnicas, os peritos são chamados a controlar e a certificar a
legalidade das acções do promotor, sem que para tanto estejam sempre habilitados da
necessária formação jurídica ou sejam auxiliados por quem a detenha»33. E este
problema agudiza-se ainda mais com a solução agora adoptada pelo legislador, em que
deixa de haver controlo prévio, momento em que tal análise poderia ser efectuada.

A isto acresce igualmente que a medida em causa implica até uma diminuição
considerável das receitas dos municípios, cujos efeitos são imprevisíveis: com efeito,
uma das maiores fontes de receitas dos municípios são as taxas pela emissão dos alvarás
de licença e de comunicação prévia; contudo, de acordo com o novo regime, como a
Administração deixa de efectuar um controlo prévio nas situações de comunicação
prévia, a taxa pela realização, manutenção e reforço de infraestruturas urbanísticas deixa
de poder ser cobrada no caso das comunicações prévias (cfr. artigo 116º, nº 1). Se, por
um lado, parece haver a este nível uma poupança para os particulares, há uma brutal
perda de receitas para os municípios, que se encontram já numa difícil situação
financeira. Nestes termos, pode conjecturar-se se as autarquias, para compensar esta
perda de receitas, não procurarão, por exemplo, ser extremadamente exigentes e zelosos
no controlo administrativo a posteriori, de modo a dar azo a mais procedimentos contra-
ordenacionais e, consequentemente, à aplicação de mais coimas. Também a este nível,
como se referirá mais à frente, podemos ter um aumento da litigiosidade entre
Administração e particulares.

7. Feitas todas estas considerações sobre a nova figura da comunicação prévia, importa,
por fim, analisar a sua natureza jurídica34.
Daquilo que se acaba de dizer, percebe-se que, contrariamente ao regime anterior, não
há qualquer acto de admissão da comunicação praticado pela Administração que se
traduza num verdadeiro acto administrativo. Mais concretamente, como se referiu, nos
termos do RJUE ainda em vigor, a admissão da comunicação prévia, mesmo no caso em
que resultava do silêncio, consubstanciava-se num verdadeiro acto administrativo, tanto
por razões formais (que decorrem, desde logo, da epígrafe do artigo 36º), como por

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razões materiais, na medida em que a comunicação era equiparada, a vários níveis, à
licença «[invalidade e nulidade do ato de admissão (artigos 67º e 68º), revogabilidade
(artigo 73º), declaração de caducidade (artigo 71º), renovação (artigo 72º), prorrogação
(artigo 53º, nº 3)]»35. Conforme sublinhado por PEDRO GONÇALVES36, esta é uma
boa solução normativa, pois permite a individualização de um acto administrativo,
mesmo que ficcionado37, o que «introduz o factor de certeza e de segurança que, em
geral, se encontra ausente nos procedimentos de comunicação prévia, permitindo, do
mesmo modo, a adequada defesa do interesse público e dos interesses de terceiros»38.
Em termos de Direito Comparado, é de notar que a maioria dos ordenamentos jurídico-
urbanísticos próximos do nacional, como o italiano, o francês, o espanhol, e, em parte, o
alemão, também pugnando por maior simplificação nestas matérias, adoptaram soluções
muito próximas da figura da “comunicação prévia com prazo”, consagrada no anterior
RJUE39.

De modo diverso, o regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 136/2014 estabelece, nos


termos do artigo 34º, nº 2, que a “comunicação prévia consiste numa declaração que,
desde que corretamente instruída, permite ao interessado proceder imediatamente à
realização de determinadas operações urbanísticas após o pagamento das taxas devidas,
dispensando a prática de quaisquer atos permissivos”. A letra da lei é inequívoca:
estamos perante uma mera comunicação prévia que significa que, nas situações
abrangidas por esta figura, o controlo administrativo passa a ser efectuado, na sua
totalidade, a posteriori. Desta forma, esta situação consubstancia uma excepção à regra
consagrada no artigo 58º, nº 2, nos termos do qual “[a] realização de operações
urbanísticas depende, em regra, de controlo prévio vinculado à salvaguarda dos
interesses públicos em presença e à definição estável e inequívoca da situação jurídica
dos interessados”. Excepção essa que encontra a sua base legal no nº 3 do mesmo artigo,
de acordo com o qual “[q]uando a salvaguarda dos interesses públicos em causa seja
compatível com a existência de um mero controlo sucessivo, a lei pode isentar de
controlo prévio a realização de determinadas operações urbanísticas, desde que as
condições de realização sejam suficientemente definidas em plano municipal”40.
Contudo, é de questionar, desde logo, a coerência da solução adoptada à luz do cariz
excepcional, nos termos da lei, da dispensa de controlo prévio, uma vez que muito
dificilmente está aqui em causa uma excepção: com efeito, na prática, a maioria das
operações urbanísticas é, hoje, abrangida pela figura da comunicação prévia – e isto
quer dizer que, na realidade, a regra passa a ser a ausência de controlo prévio das
operações urbanísticas41.

Em suma, deixou de haver um acto expresso de rejeição ou um acto ficcionado de


admissão: nos termos do novo regime, «apresentada a comunicação pelo interessado, a
verificação do cumprimento das normas aplicáveis é feita no âmbito de procedimentos
administrativos de controlo a posteriori (fiscalização) com aplicação, quando estas não
são cumpridas, de medidas de reposição da legalidade administrativa (cfr. nº 8 do artigo
35º)». E esta conclusão decorre ainda de outras disposições do RJUE: por exemplo,
cabe ao interessado proceder às consultas legalmente necessárias, previamente à

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submissão da comunicação prévia (cfr. artigos 13º-B e 34º, nº 5); «não há qualquer
referência a um acto resultante da comunicação prévia para efeitos de aplicação do
regime da invalidade» (cfr. artigo 67º), bem como ao regime das nulidades (cfr. artigo
68º) e da revogação (cfr. artigo 72º)

No procedimento de comunicação prévia está previsto, para além do controlo prévio
meramente formal, um controlo preventivo que se destina a inviabilizar a realização da
operação urbanística, que se distingue do controlo prévio (de mérito) por dele não
depender a realização da operação urbanística e do controlo sucessivo stricto sensu por
não decorrer no âmbito da atividade de fiscalização nem visar a aplicação de medidas de
tutela da legalidade urbanística. 7. No âmbito do controlo preventivo das operações
urbanísticas identifica-se o ato de cassação do título de comunicação prévia, com
fundamento no não cumprimento das normas legais ou regulamentares aplicáveis, ou na
não obtenção dos pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos ou na não
conformação com os mesmos, como um ato administrativo impugnável.

Antes da Reforma legislativa do RJUE, promovida pela Lei nº 60/2007, de 4 de
Setembro, a comunicação prévia era considerada como um procedimento de controlo
mais ténue aplicável às operações de diminuta importância urbanística.
(“as obras de alteração no interior dos edifícios, não classificados, ou suas fracções
desde que não implicassem modificações da estrutura resistente dos edifícios das
cérceas, das fachadas e da forma dos telhados e das obras de edificação e de demolição,
dispensadas de licença e/ou autorização, mediante previsão em regulamento municipal,
por se considerarem de escassa relevância urbanística», cfr. FERNANDA PAULA
OLIVEIRA, et al., cit., p.339.)

Este consistia na apresentação da comunicação prévia por parte do interessado, que à


falta de pronúncia por parte da AP, era associado “apenas um efeito permissivo, sem que
fosse, por isso, praticado qualquer acto administrativo, ainda que tácito ou silente” .
DULCE LOPES, «A comunicação...»


Isabel Abalada Matos, «O novo procedimento de comunicação prévia», in: Cláudio
Monteiro, Jaime Valle, João Miranda, Revisão do Regime Jurídico da Urbanização e
Edificação, Coimbra,
A comunicação prévia

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5. Operações urbanísticas que são agora sujeitas a comunicação prévia

Conforme o art. 4.º, n.º 4 RJUE, “As operações urbanísticas agora sujeitas a
comunicação prévia são as seguintes: a) as obras de reconstrução das quais não resulte
um aumento da altura da fachada ou do número de pisos; b) as obras de urbanização e
os trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento;
c) as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação
de loteamento ou plano de pormenor; d) as obras de construção, de alteração ou de
ampliação em zona urbana consolidada que respeitem os planos municipais ou
intermunicipais e das quais não resulte edificação com cércea superior à altura mais
frequente das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra a nova
edificação, no troço de rua compreendido entre as duas transversais mais próximas, para
um e para outro lado; e) a edificação de piscinas associadas a edificação principal; f) as
operações urbanísticas precedidas de informação prévia favorável, nos termos dos nºs 2
e 3 do artigo 14º; i) As obras resultantes de uma intimação da câmara municipal, nos
termos previsto no artigo 90.º-A.”

6. Natureza do Procedimento de Comunicação Prévia

É controvertida a questão relativa à natureza da comunicação prévia.

Ora, pode ser argumentado que a comunicação prévia não é um procedimento de


controlo prévio visto que neste não está conjeturada a prática de atos permissivos 4 da
execução da operação urbanística, em contraste com o que sucede nos procedimentos de
licenciamento ou nos de autorização.

Em contrapartida, é defensável que, uma vez que a execução das operações


urbanísticas está sujeita a comunicação prévia, a sua prossecução está subordinada a um
controlo formal prévio. Destarte, aqui se alicerça o entendimento de que este é um
procedimento de controlo prévio, mesmo que de natureza tão-somente formal.

Seja como for, este último é o entendimento perfilhado pelo legislador que qualifica
o procedimento de comunicação prévia como um procedimento de controlo prévio, no

4
Atos permissivos são, segundo DIOGO FREITAS DO AMARAL, os atos administrativos “que
possibilitam a alguém a adoção de uma conduta ou a omissão de um comportamento que, de outro modo,
lhe estaria vedado” – Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, p. 256.

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entanto, é de enfatizar que, de acordo com o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 136/2014,
este é um “controlo prévio de natureza meramente formal”.
Com efeito, no RJUE, com as recentes alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º
136/2014, de 9 de setembro, não só não se consideram as operações urbanísticas sujeitas
a comunicação prévia como isentas de controlo prévio como se prevê a obediência, para
a realização dessas operações urbanísticas, ao procedimento regulado na subsecção V,
da secção II (formas de procedimento de controlo prévio)47, que pode conduzir à
prática de um ato de rejeição liminar da comunicação, por verificação de questões de
ordem formal ou processual que obstam ao conhecimento da comunicação ou por, na
sequência de despacho de aperfeiçoamento, não ter sido corrigida ou completada a
comunicação, ato este que inviabiliza a realização da operação urbanística.
47 O legislador no preâmbulo da Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril
(portaria que identifica os elementos instrutórios dos procedimentos
previstos no RJUE), depois de referir que a comunicação prévia e o
pagamento das corresponderes taxas permitem ao interessado realizar a
operação urbanística “sem dependência de qualquer ato permissivo
expresso” volta, a semelhança do que faz no RJUE, a incluir a
comunicação prévia no âmbito dos procedimentos de controlo prévio,
mas distingui-o do “controlo prévio tradicional” efetuado através do
licenciamento e da autorização. Na parte I do Anexo I da Portaria n.º
133/2015 identificam-se os elementos instrutórios comuns aos
procedimentos de controlo prévio e na parte IV do mesmo anexo os
elementos específicos da comunicação prévia

O procedimento de comunicação prévia tem início com a apresentação da


comunicação, a ser dirigida ao presidente da câmara municipal, por intermédio da
plataforma eletrónica5 mencionada do art. 8.º-A n.º 1 do RJUE, com os componentes
referidos no artigo 9.º n.ºs 1 e 2 do RJUE, conjuntamente dos componentes instrutórios
previstos pela Portaria n.º 113/2015 de 22 de abril, em que conste o termo de
responsabilidade subscrito pelo técnico legalmente habilitado que certifique a
observância das leis e regulamentos aplicáveis (artigo 35.º n.ºs 1 e 4 do RJUE).

5
As operações urbanísticas alvo de comunicação prévia são diariamente facultadas na plataforma
eletrónica mencionada no art. 8.º-A, n.º 1 que profere o comprovativo eletrónico da sua apresentação (art.
35.º n.º 5 e art. 9.º n.º 6 do RJUE).

12
A comunicação prévia é uma declaração que possibilita ao interessado atuar
prontamente à execução de certas operações urbanísticas sem haver necessidade de
outros atos permissivos (art. 34.º n.º 2 do RJUE), após o pagamento das devidas taxas
ser feito por autoliquidação. Todavia, este resultado só se irá verificar caso a
comunicação não seja, dentro de determinado prazo, rejeitada por questões de cariz
formal e processual.

7. O NOVO REGIME DA COMUNICAÇÃO PRÉVIA

JORGE SILVA SAMPAIO *


O Decreto-Lei nº 136/2014 implementou diversas alterações, a propósito, ao controlo
prévio de operações urbanísticas e, em particular, à comunicação prévia o que,
inevitavelmente manteve e suscitou algumas críticas a esta figura.

Nas palavras de LUCIANO MARCOS6, a “nova natureza da comunicação prévia – sem


controlo prévio, ou seja, dispensando a prática de quaisquer atos permissivos.
Materializa não o princípio da Lei de Bases citado no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º
136/2014, de 9 de setembro, ao invés, um princípio da mesma lei que prevê a isenção de
controlo prévio quando a «salvaguarda dos interesses públicos em causa seja compatível
com a existência de um mero controlo sucessivo (…) desde que as condições de
realização sejam suficientemente definidas em plano municipal», no entanto, não
obedecendo aos seus pressupostos”.

8. O procedimento de legalização entre o licenciamento e a comunicação prévia

excluir

9. A exclusão do controlo administrativo a priori

comunicação prévia e enfoque na autotutela administrativa a posteriori


PEDRO MONIZ LOPES

6
Cit. in A revisão do RJUE aprovada pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de novembro – uma reforma
(des)necessária?, pp. 32-33).

13
10. Fiscalização de ilegalidades urbanísticas sobre a emissão do título da
comunicação prévia

Podemos enumerar cinco hipóteses fazendo da tipologia de ilegalidades e infrações


urbanísticas resultantes do artigo 102.º n.º 1: “(i) a realização de operações urbanísticas
sem necessários atos de controlo prévio (licença ou autorização de utilização),
traduzindo uma carência de ato permissivo para operações urbanísticas que o exijam;
(ii) a realização de operações urbanísticas em desconformidade com atos de controlo
prévio, correspondendo a uma infração das condições do ato administrativo pela
operação urbanística;12 (iii) a realização de operações urbanísticas tituladas por ato
revogado, anulado ou declarado nulo, equivalendo à falta de efeito jurídico titulador do
ato de operações urbanísticas que o exijam; (iv) a realização de operações urbanísticas
em desconformidade com o conteúdo da comunicação prévia, traduzindo uma violação
das normas que prescrevem uma consistência entre, de um lado, a operação comunicada
e respetivos documentos instrutórios e, do outro, a operação realizada (artigos 4º, nº 4 e
32º nºs 2 e 4) e; (v) a realização de operações urbanísticas em desconformidade com as
normas legais ou regulamentares aplicáveis, correspondendo a uma infração normativa
pela operação urbanística”.

A fiscalização destas ilegalidades e infracções, enquanto acção geralmente prévia e


necessária para a adopção de medidas de restauração da legalidade, estende-se, como
resulta do nº 1 do artigo 93º, a quaisquer operações urbanísticas, independentemente de
estarem sujeitas a licença, autorização de utilização, comunicação prévia ou isentas de
controlo prévio.13 Quando associada a actos de controlo prévio, a utilidade da
fiscalização encontra-se, juntamente com as medidas de reposição da legalidade,
limitada pelo prazo de declaração de nulidade de 10 anos, constante do nº 4 do artigo
69º.14 Parecendo, numa primeira análise, traçar um paralelo com o regime de restrição
temporal de arguição da nulidade de licenças, prescreve o nº 9 do artigo 35º que o dever
de fiscalização da legalidade de operações sujeitas a comunicação prévia caduca 10
anos após a data de emissão do respectivo título.
Distintamente, as operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia não podem ser
objecto de desvalores jurídicos, nem pressupõem qualquer desconformidade:
inexistindo acto, também inexiste contradição entre acto e normas paramétricas. Destes
casos apenas podem resultar infracções de normas e actos paramétricos, tanto pela (i)
comunicação da operação urbanística, como (ii) pela própria realização da operação
comunicada.16

Na restrição temporal da declaração de nulidade de licenças inválidas está em causa


uma norma proibitiva da declaração da nulidade decorrente de ilegalidades substanciais
(i.e., desconformidade entre normas e acto) ou formais (infracção activa ou omissiva de
normas por condutas procedimentais) do acto, associada a uma norma proibitiva

14
(preclusiva) da proposição da acção judicial pelo Ministério Público. Não é irrelevante
notar-se que esta última se parece restringir à proposição de acção administrativa
especial pelo Ministério Público – o nº 4 do artigo 69º reporta-se à caducidade de propor
a acção prevista no nº 1 do mesmo artigo –, nada referindo a respeito de acções
administrativas especiais propostas por terceiros lesados, nos termos gerais. Certo
parece que, quanto à declaração administrativa de nulidade de licenças emitidas há mais
de 10 anos, a realização de acções de fiscalização perde grande parte da utilidade.
Pelo sentido dúbio do seu enunciado, a norma do nº 9 do artigo 35º carece de
clarificação. Desde logo, não pode a norma prescrever a caducidade da competência de
fiscalização visto que, sendo a competência associada a normas constitutivas (normas de
competência ou normas que conferem poderes), aquela é, pelo menos até à revogação
dessas normas, insusceptível de caducar.17 Apenas poderá estar em causa, portanto, a
limitação temporal do exercício da competência. Sucede que a actividade de
fiscalização, enquanto acção de facto que é, não traduz o exercício de uma competência
em sentido próprio: a caducidade da competência de fiscalização carece de sentido no
discurso jurídico.18 O enunciado compreende, então, uma norma impositiva de um
limite temporal ao dever de realizar condutas de fiscalização, bem como ao exercício
obrigatório da competência para as ordenar – nomeadamente quando sejam requeridas
por terceiros – conteúdo normativo substancialmente diferente de uma proibição de
realizar (ou ordenar) condutas de fiscalização.19

Da norma enunciada no nº 9 do artigo 35º não se poderá retirar que, decorrido o prazo
de 10 anos sobre a emissão do título da comunicação prévia, todas as operações
urbanísticas àquela sujeitas fiquem a salvo de actividades de fiscalização e de medidas
de reposição da legalidade associadas: a norma regula a conduta da realização de acções
de fiscalização e do exercício da competência para as ordenar (i.e., pressupõe a
obrigatoriedade de base das condutas e apõe um limite temporal a essa obrigatoriedade).
Para daqui retirar uma preclusão à adopção de medidas de tutela de legalidade, teria,
quando muito, de ser expressa uma norma sobre a proibição de fiscalização após o
decurso dos 10 anos ou, em alternativa, uma norma que estatuísse a consolidação de
operações urbanísticas ilegais sujeitas a comunicação prévia.20 O efeito jurídico que
resulta da norma enunciada no nº 9 do artigo 35º é então o de, caducada a obrigação
pelo decurso do prazo, sobrar uma permissão prima facie, dirigida ao órgão competente
para ordenar acções de fiscalização pelos funcionários municipais (o presidente da
câmara municipal, ou vereadores delegados, nos termos do nº 1 do artigo 94º). Não se
encontrando obrigados a ordenar oficiosamente essas acções de fiscalização por decurso
do prazo, caber-lhes-á exercer a discricionariedade de decisão de as ordenar, no
meadamente quando requeridas por terceiros.21

A discricionariedade supra aludida deverá, naturalmente, ser exercida em função do


circunstancialismo do caso concreto, nomeadamente por implicar um juízo de
ponderação entre, de um lado, os princípios da legalidade e da prossecução do interesse
público urbanístico e, do outro, o princípio da tutela da confiança dos particulares.22
Terá em conta variáveis sopesáveis tão relevantes quanto (i) para efeitos da tutela da
confiança, o lapso de tempo transcorrido além dos 10 anos (dado que antes destes,
existe dever de fiscalizar e, em princípio, dever de repor a legalidade urbanística) e,
também, (ii) para efeitos do princípio da prossecução do interesse público, a relevância

15
e o impacto urbanístico da infracção normativa, nomeadamente quanto a resultar de
violação de normas sobre a vinculação situacional dos solos (e.g., REN e RAN) ou de
normas que sejam produto do exercício da discricionariedade de planeamento
municipal.23 Para a ponderação não parece, todavia, decisivo o argumento de o
requerente ter tido a faculdade de optar pelo procedimento de licenciamento, traduzindo
a infracção normativa, nesse cenário hipotético, uma nulidade da licença que se
consolidaria, em qualquer caso, ao cabo de 10 anos. A equiparação não se pode dar entre
as duas situações visto que, sujeita a operação urbanística a controlo prévio por escolha
do requerente, sempre haveria hipóteses de as hipotéticas ilegalidade e nulidade não se
verificarem: em condições de normalidade, desembocaria no indeferimento de uma
pretensão ilegal.

11. A comunicação prévia nos anteprojectos e no novo RJUE

ANA GOUVEIA MARTINS

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