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Lisboa
Junho de 2023
1. Índice
1. Índice..........................................................................................................................2
2. Introdução..................................................................................................................3
3. Natureza do Procedimento de Comunicação Prévia..................................................5
4. O NOVO REGIME DA COMUNICAÇÃO PRÉVIA...............................................6
5. O procedimento de legalização entre o licenciamento e a comunicação prévia........7
6. A exclusão do controlo administrativo a priori.........................................................7
7. Fiscalização de ilegalidades urbanísticas sobre a emissão do título da comunicação
prévia.................................................................................................................................7
8. A comunicação prévia nos anteprojectos e no novo RJUE........................................7
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2. Introdução
Efetivamente, nas mui doutas palavras de João Miranda, tem-se observado que a
supracitada “migração de tarefas públicas para a esfera privada (privatização), o
fenómeno, menos sublinhado, de ativação e de reforço das responsabilidades próprias
dos particulares (…) desembocou naquilo a que alguns autores apelidaram de «Estado
magro» (schlanker Staat)”1.
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“apenas um efeito permissivo, sem que fosse, por isso, praticado qualquer acto
administrativo, ainda que tácito ou silente”3.
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solução deste género. Portanto, tendo em conta a regulamentação existente em Portugal,
se nalguns casos até pode ser defensável a nova solução, noutros casos esta solução
pode ser «um verdadeiro “presente envenenado”, oferecido pelo legislador» aos
promotores17.
4. Importa agora passar para a análise da figura da comunicação prévia. Mas antes ainda
de se abordar o novo regime, em primeiro lugar, cabe começar por referir que o
regime anterior continha já uma figura chamada comunicação prévia18. Porém,
como foi ampla e criticamente referido pela doutrina, aquilo que estava verdadeiramente
em causa era uma “licença de regime simplificado” ou, na melhor das hipóteses, uma
“comunicação prévia com prazo”, uma vez que tal comunicação podia ser rejeitada ou
admitida e apenas após a sua admissão ou na falta de rejeição – verificando-se uma
ficção legal ou uma situação de deferimento tácito – as obras podiam ser iniciadas pelos
interessados19.
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Isto dito, resulta claro que a expressão agora utilizada é infeliz por duas ordens de
razões23: por um lado, apresenta-se como um factor de perturbação em face dos
conceitos utilizados noutros diplomas – por exemplo, o regime jurídico do
licenciamento zero24 procede justamente à distinção entre “mera comunicação prévia”
e “comunicação prévia com prazo”25; por outro lado, na realidade, em termos
materiais, não está aqui em causa uma comunicação prévia com prazo, senão uma
verdadeira comunicação prévia. Ou seja, paradoxalmente, isto quer dizer que, à luz do
regime anterior, chamava-se “comunicação prévia” a um regime que era, na verdade,
uma “comunicação prévia com prazo”26; no novo regime, passou a chamar-se
“comunicação prévia com prazo” a um procedimento que é, na realidade, uma “mera
comunicação prévia”, uma vez que não há, de facto, controlo material prévio da
operação urbanística que se pretende prosseguir.
Interessa ainda mencionar que a opção tomada pelo legislador tem uma série de
consequências, sem que seja claro que aquele as teve em consideração aquando da
opção de transformar a anterior comunicação prévia com prazo numa verdadeira
comunicação prévia. Desde logo, importa referir que embora os particulares poupem à
partida tempo com o desaparecimento de controlo prévio, à cautela, vão ter eles
próprios de preparar o procedimento o mais cuidadosamente possível, com um aumento
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considerável de custos. E isto significa que, naqueles casos em que existam algumas
dúvidas sobre aspectos urbanísticos que possam vir a ser arguidos pelos serviços
municipais (ou por terceiros interessados) a posteriori – o que pode levar ao pagamento
de avultadas coimas27 –, os particulares vão acabar por recorrer mais ao instrumento do
pedido de informação prévia ou optar por se sujeitar ao procedimento de licenciamento.
Aliás, resta saber se o legislador ao optar por esta total desprocedimentalização da
comunicação prévia e permitir que os particulares possam optar pelo procedimento
normal de licenciamento28 – o que, obviamente, faz sentido e dá uma válvula de escape
aos interessados – não acabará, na prática, por esvaziar de conteúdo a figura da
comunicação prévia, que poderá acabar por vir a ter, ironicamente, menos aplicação
prática. Isto é, a regra hoje, de facto, é a comunicação prévia; porém, com a presente
alteração, por uma questão de cautela, é de questionar se os particulares não passarão a
optar, na maioria das vezes, pelo pedido de licença urbanística, o que, de forma
contrária à intenção do legislador, poderá levar, em concreto, a uma maior
burocratização.
Por um lado, como o controlo prévio por parte dos municípios praticamente desaparece
nestas situações, há efectivamente uma redução de custos tanto para a Administração, ao
nível do controlo preventivo, como para os particulares que deixam de pagar taxas
urbanísticas pela admissão da comunicação prévia. Não obstante esta efectiva
diminuição de custos, é possível, por outro lado, identificar um aumento de uma série de
custos tanto para a Administração, como para os próprios particulares.
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simplificação administrativa para os particulares, na prática, vai levar a que, por
exemplo, sejam sempre esses particulares a ter de se dirigir a uma série de entidades
públicas diferentes para obter todos os pareceres legalmente requeridos, tarefa que antes
cabia à Administração (salvo se os particulares o pretendessem fazer). E estes custos, ao
nível financeiro, podem ainda ser mais elevados, se tivermos em consideração o
potencial aumento da aplicação de coimas a particulares em processos contra-
ordenacionais, que poderiam ser evitados logo em sede de controlo prévio.
A isto acresce igualmente que a medida em causa implica até uma diminuição
considerável das receitas dos municípios, cujos efeitos são imprevisíveis: com efeito,
uma das maiores fontes de receitas dos municípios são as taxas pela emissão dos alvarás
de licença e de comunicação prévia; contudo, de acordo com o novo regime, como a
Administração deixa de efectuar um controlo prévio nas situações de comunicação
prévia, a taxa pela realização, manutenção e reforço de infraestruturas urbanísticas deixa
de poder ser cobrada no caso das comunicações prévias (cfr. artigo 116º, nº 1). Se, por
um lado, parece haver a este nível uma poupança para os particulares, há uma brutal
perda de receitas para os municípios, que se encontram já numa difícil situação
financeira. Nestes termos, pode conjecturar-se se as autarquias, para compensar esta
perda de receitas, não procurarão, por exemplo, ser extremadamente exigentes e zelosos
no controlo administrativo a posteriori, de modo a dar azo a mais procedimentos contra-
ordenacionais e, consequentemente, à aplicação de mais coimas. Também a este nível,
como se referirá mais à frente, podemos ter um aumento da litigiosidade entre
Administração e particulares.
7. Feitas todas estas considerações sobre a nova figura da comunicação prévia, importa,
por fim, analisar a sua natureza jurídica34.
Daquilo que se acaba de dizer, percebe-se que, contrariamente ao regime anterior, não
há qualquer acto de admissão da comunicação praticado pela Administração que se
traduza num verdadeiro acto administrativo. Mais concretamente, como se referiu, nos
termos do RJUE ainda em vigor, a admissão da comunicação prévia, mesmo no caso em
que resultava do silêncio, consubstanciava-se num verdadeiro acto administrativo, tanto
por razões formais (que decorrem, desde logo, da epígrafe do artigo 36º), como por
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razões materiais, na medida em que a comunicação era equiparada, a vários níveis, à
licença «[invalidade e nulidade do ato de admissão (artigos 67º e 68º), revogabilidade
(artigo 73º), declaração de caducidade (artigo 71º), renovação (artigo 72º), prorrogação
(artigo 53º, nº 3)]»35. Conforme sublinhado por PEDRO GONÇALVES36, esta é uma
boa solução normativa, pois permite a individualização de um acto administrativo,
mesmo que ficcionado37, o que «introduz o factor de certeza e de segurança que, em
geral, se encontra ausente nos procedimentos de comunicação prévia, permitindo, do
mesmo modo, a adequada defesa do interesse público e dos interesses de terceiros»38.
Em termos de Direito Comparado, é de notar que a maioria dos ordenamentos jurídico-
urbanísticos próximos do nacional, como o italiano, o francês, o espanhol, e, em parte, o
alemão, também pugnando por maior simplificação nestas matérias, adoptaram soluções
muito próximas da figura da “comunicação prévia com prazo”, consagrada no anterior
RJUE39.
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submissão da comunicação prévia (cfr. artigos 13º-B e 34º, nº 5); «não há qualquer
referência a um acto resultante da comunicação prévia para efeitos de aplicação do
regime da invalidade» (cfr. artigo 67º), bem como ao regime das nulidades (cfr. artigo
68º) e da revogação (cfr. artigo 72º)
…
No procedimento de comunicação prévia está previsto, para além do controlo prévio
meramente formal, um controlo preventivo que se destina a inviabilizar a realização da
operação urbanística, que se distingue do controlo prévio (de mérito) por dele não
depender a realização da operação urbanística e do controlo sucessivo stricto sensu por
não decorrer no âmbito da atividade de fiscalização nem visar a aplicação de medidas de
tutela da legalidade urbanística. 7. No âmbito do controlo preventivo das operações
urbanísticas identifica-se o ato de cassação do título de comunicação prévia, com
fundamento no não cumprimento das normas legais ou regulamentares aplicáveis, ou na
não obtenção dos pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos ou na não
conformação com os mesmos, como um ato administrativo impugnável.
…
Antes da Reforma legislativa do RJUE, promovida pela Lei nº 60/2007, de 4 de
Setembro, a comunicação prévia era considerada como um procedimento de controlo
mais ténue aplicável às operações de diminuta importância urbanística.
(“as obras de alteração no interior dos edifícios, não classificados, ou suas fracções
desde que não implicassem modificações da estrutura resistente dos edifícios das
cérceas, das fachadas e da forma dos telhados e das obras de edificação e de demolição,
dispensadas de licença e/ou autorização, mediante previsão em regulamento municipal,
por se considerarem de escassa relevância urbanística», cfr. FERNANDA PAULA
OLIVEIRA, et al., cit., p.339.)
…
Isabel Abalada Matos, «O novo procedimento de comunicação prévia», in: Cláudio
Monteiro, Jaime Valle, João Miranda, Revisão do Regime Jurídico da Urbanização e
Edificação, Coimbra,
A comunicação prévia
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5. Operações urbanísticas que são agora sujeitas a comunicação prévia
Conforme o art. 4.º, n.º 4 RJUE, “As operações urbanísticas agora sujeitas a
comunicação prévia são as seguintes: a) as obras de reconstrução das quais não resulte
um aumento da altura da fachada ou do número de pisos; b) as obras de urbanização e
os trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento;
c) as obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação
de loteamento ou plano de pormenor; d) as obras de construção, de alteração ou de
ampliação em zona urbana consolidada que respeitem os planos municipais ou
intermunicipais e das quais não resulte edificação com cércea superior à altura mais
frequente das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra a nova
edificação, no troço de rua compreendido entre as duas transversais mais próximas, para
um e para outro lado; e) a edificação de piscinas associadas a edificação principal; f) as
operações urbanísticas precedidas de informação prévia favorável, nos termos dos nºs 2
e 3 do artigo 14º; i) As obras resultantes de uma intimação da câmara municipal, nos
termos previsto no artigo 90.º-A.”
Seja como for, este último é o entendimento perfilhado pelo legislador que qualifica
o procedimento de comunicação prévia como um procedimento de controlo prévio, no
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Atos permissivos são, segundo DIOGO FREITAS DO AMARAL, os atos administrativos “que
possibilitam a alguém a adoção de uma conduta ou a omissão de um comportamento que, de outro modo,
lhe estaria vedado” – Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, p. 256.
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entanto, é de enfatizar que, de acordo com o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 136/2014,
este é um “controlo prévio de natureza meramente formal”.
Com efeito, no RJUE, com as recentes alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º
136/2014, de 9 de setembro, não só não se consideram as operações urbanísticas sujeitas
a comunicação prévia como isentas de controlo prévio como se prevê a obediência, para
a realização dessas operações urbanísticas, ao procedimento regulado na subsecção V,
da secção II (formas de procedimento de controlo prévio)47, que pode conduzir à
prática de um ato de rejeição liminar da comunicação, por verificação de questões de
ordem formal ou processual que obstam ao conhecimento da comunicação ou por, na
sequência de despacho de aperfeiçoamento, não ter sido corrigida ou completada a
comunicação, ato este que inviabiliza a realização da operação urbanística.
47 O legislador no preâmbulo da Portaria n.º 113/2015, de 22 de abril
(portaria que identifica os elementos instrutórios dos procedimentos
previstos no RJUE), depois de referir que a comunicação prévia e o
pagamento das corresponderes taxas permitem ao interessado realizar a
operação urbanística “sem dependência de qualquer ato permissivo
expresso” volta, a semelhança do que faz no RJUE, a incluir a
comunicação prévia no âmbito dos procedimentos de controlo prévio,
mas distingui-o do “controlo prévio tradicional” efetuado através do
licenciamento e da autorização. Na parte I do Anexo I da Portaria n.º
133/2015 identificam-se os elementos instrutórios comuns aos
procedimentos de controlo prévio e na parte IV do mesmo anexo os
elementos específicos da comunicação prévia
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As operações urbanísticas alvo de comunicação prévia são diariamente facultadas na plataforma
eletrónica mencionada no art. 8.º-A, n.º 1 que profere o comprovativo eletrónico da sua apresentação (art.
35.º n.º 5 e art. 9.º n.º 6 do RJUE).
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A comunicação prévia é uma declaração que possibilita ao interessado atuar
prontamente à execução de certas operações urbanísticas sem haver necessidade de
outros atos permissivos (art. 34.º n.º 2 do RJUE), após o pagamento das devidas taxas
ser feito por autoliquidação. Todavia, este resultado só se irá verificar caso a
comunicação não seja, dentro de determinado prazo, rejeitada por questões de cariz
formal e processual.
excluir
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Cit. in A revisão do RJUE aprovada pelo Decreto-Lei n.º 136/2014, de 9 de novembro – uma reforma
(des)necessária?, pp. 32-33).
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10. Fiscalização de ilegalidades urbanísticas sobre a emissão do título da
comunicação prévia
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(preclusiva) da proposição da acção judicial pelo Ministério Público. Não é irrelevante
notar-se que esta última se parece restringir à proposição de acção administrativa
especial pelo Ministério Público – o nº 4 do artigo 69º reporta-se à caducidade de propor
a acção prevista no nº 1 do mesmo artigo –, nada referindo a respeito de acções
administrativas especiais propostas por terceiros lesados, nos termos gerais. Certo
parece que, quanto à declaração administrativa de nulidade de licenças emitidas há mais
de 10 anos, a realização de acções de fiscalização perde grande parte da utilidade.
Pelo sentido dúbio do seu enunciado, a norma do nº 9 do artigo 35º carece de
clarificação. Desde logo, não pode a norma prescrever a caducidade da competência de
fiscalização visto que, sendo a competência associada a normas constitutivas (normas de
competência ou normas que conferem poderes), aquela é, pelo menos até à revogação
dessas normas, insusceptível de caducar.17 Apenas poderá estar em causa, portanto, a
limitação temporal do exercício da competência. Sucede que a actividade de
fiscalização, enquanto acção de facto que é, não traduz o exercício de uma competência
em sentido próprio: a caducidade da competência de fiscalização carece de sentido no
discurso jurídico.18 O enunciado compreende, então, uma norma impositiva de um
limite temporal ao dever de realizar condutas de fiscalização, bem como ao exercício
obrigatório da competência para as ordenar – nomeadamente quando sejam requeridas
por terceiros – conteúdo normativo substancialmente diferente de uma proibição de
realizar (ou ordenar) condutas de fiscalização.19
Da norma enunciada no nº 9 do artigo 35º não se poderá retirar que, decorrido o prazo
de 10 anos sobre a emissão do título da comunicação prévia, todas as operações
urbanísticas àquela sujeitas fiquem a salvo de actividades de fiscalização e de medidas
de reposição da legalidade associadas: a norma regula a conduta da realização de acções
de fiscalização e do exercício da competência para as ordenar (i.e., pressupõe a
obrigatoriedade de base das condutas e apõe um limite temporal a essa obrigatoriedade).
Para daqui retirar uma preclusão à adopção de medidas de tutela de legalidade, teria,
quando muito, de ser expressa uma norma sobre a proibição de fiscalização após o
decurso dos 10 anos ou, em alternativa, uma norma que estatuísse a consolidação de
operações urbanísticas ilegais sujeitas a comunicação prévia.20 O efeito jurídico que
resulta da norma enunciada no nº 9 do artigo 35º é então o de, caducada a obrigação
pelo decurso do prazo, sobrar uma permissão prima facie, dirigida ao órgão competente
para ordenar acções de fiscalização pelos funcionários municipais (o presidente da
câmara municipal, ou vereadores delegados, nos termos do nº 1 do artigo 94º). Não se
encontrando obrigados a ordenar oficiosamente essas acções de fiscalização por decurso
do prazo, caber-lhes-á exercer a discricionariedade de decisão de as ordenar, no
meadamente quando requeridas por terceiros.21
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e o impacto urbanístico da infracção normativa, nomeadamente quanto a resultar de
violação de normas sobre a vinculação situacional dos solos (e.g., REN e RAN) ou de
normas que sejam produto do exercício da discricionariedade de planeamento
municipal.23 Para a ponderação não parece, todavia, decisivo o argumento de o
requerente ter tido a faculdade de optar pelo procedimento de licenciamento, traduzindo
a infracção normativa, nesse cenário hipotético, uma nulidade da licença que se
consolidaria, em qualquer caso, ao cabo de 10 anos. A equiparação não se pode dar entre
as duas situações visto que, sujeita a operação urbanística a controlo prévio por escolha
do requerente, sempre haveria hipóteses de as hipotéticas ilegalidade e nulidade não se
verificarem: em condições de normalidade, desembocaria no indeferimento de uma
pretensão ilegal.
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