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CONSULTORIA JURÍDICA JUNTO AO MINISTÉRIO DO TURISMO

Da Prescrição nos Processos de Análise de Prestação de Contas e o Conflito de


Interesses em Analisar Processos Prescritos

Autor: Rafael Vieira Bomfim

1. Introdução
Este estudo tem o intuito de debruçar-se sobre a legislação e estudar o posicionamento
do Tribunal de Contas da União – TCU – em relação aos prazos prescricionais e ao seguimento
de análise de prestação de contas de processos já prescritos sob a responsabilidade da
Administração Pública.
Inicialmente, pretende-se diferir quais são os tipos de prazos que incidem sobre os
processos administrativos, para depois obter um entendimento sobre o que a Administração
Pública deve fazer com processos já prescritos.

2. Dos Prazos Prescricionais de Pretensão Punitiva e de Ressarcimento


A Lei Federal nº 9.873/1999, estabelece as normas gerais para a contagem de prazos
prescricionais de análises processuais no âmbito da administração pública federal. O objetivo da
lei é evitar a demora excessiva na análise de processos, garantindo maior eficiência e segurança
jurídica no trato dos assuntos administrativos. De acordo com a lei, os processos administrativos
devem ser concluídos em um prazo máximo de cinco anos, contados a partir do momento em que
o processo é iniciado. Caso esse prazo seja ultrapassado sem a conclusão do processo, ocorre a
prescrição, o que impede que a administração pública possa impor punições ou obrigações à
parte interessada.
Vale lembrar que essa regra não se aplica a todos os tipos de processos administrativos.
Há exceções previstas na lei, como nos casos de processos judiciais, processos administrativos
disciplinares, procedimentos de licitação, entre outros. Em cada caso, a lei estabelece o prazo
específico para a conclusão do processo.
É importante destacar que a Lei nº 9.873/1999 tem como objetivo principal garantir a
celeridade e a eficiência da administração pública na análise de processos, além de assegurar a
segurança jurídica para as partes envolvidas nos processos administrativos.
Já a Prescrição intercorrente é uma modalidade de prescrição que ocorre durante a
tramitação de um processo judicial ou administrativo e está prevista no artigo 921, §1º do Código
de Processo Civil brasileiro.
A prescrição intercorrente pode ser declarada por juiz ou autoridade administrativa
competente quando o processo fica paralisado por um determinado período e não há
manifestação das partes ou andamento do processo.
Assim, a prescrição intercorrente é uma consequência da inércia da parte, que não deu
andamento ao processo ou a quem cabe dar andamento no processo. Ela implica na extinção do
processo sem resolução do mérito, ou seja, sem que seja julgado o pedido do autor, e impede que
o processo seja retomado no futuro.
Vale destacar que a prescrição intercorrente não extingue a dívida ou a obrigação em si,
mas apenas impede que a parte que alegou um direito possa obter uma decisão judicial ou
administrativa sobre o assunto. Além disso, a prescrição intercorrente pode ser afastada se a
parte que estava inerte justificar o motivo da paralisação do processo e demonstrar que pretende
dar prosseguimento à ação.
Diante disso, em 2022, o Tribunal de Contas da União, estabeleceu por intermédio da
Resolução - TCU nº 344, de 11 de outubro de 2022 a seguinte orientação:
“Art. 1º A prescrição nos processos de controle
externo, em curso no Tribunal de Contas da União,
exceto os de apreciação, para fins de registro, da
legalidade dos atos de admissão de pessoal ou de
concessão de aposentadorias, reformas e pensões,
observará o disposto na Lei 9.873, de 23 de
novembro de 1999, na forma aplicada pelo Supremo
Tribunal Federal, em especial a Ação Direta de
Inconstitucionalidade 5509, e regulamentada por
esta resolução.”
Mais adiante, em seu Art. 8 º, a mesma Resolução aponta que “Incide a prescrição
intercorrente se o processo ficar paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou
despacho, sem prejuízo da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.”
Temos então dois prazos principais: o prazo de prescrição ordinário de 5 (cinco) anos da
pretensão punitiva do processo em sede de processo administrativo, e o prazo de 3 (três) anos,
caso o mesmo processo não tenha tido qualquer andamento (prescrição intercorrente).

3. Do Conflito de Atribuições
Nota-se um conflito de deveres a serem cumpridos pela Administração Pública, pois
muito embora ela esteja obrigada a cumprir os prazos processuais, este mesmo ordenamento
jurídico obriga a Administração a punir atos administrativos considerados ilícitos, não tendo essa
o direito de se afastar dessa obrigação, conforme pode ser visto a seguir dentro da mesma
Resolução nº 344 do TCU:
“Art. 12. O reconhecimento da prescrição da
pretensão punitiva e da pretensão ressarcitória, a
despeito de obstar a imposição de sanção e de
reparação do dano, não impede o julgamento das
contas, a adoção de determinações, recomendações
ou outras providências motivadas por esses fatos,
destinadas a reorientar a atuação administrativa.
Parágrafo único. O julgamento das contas na
hipótese do caput deste artigo somente ocorrerá
quando o colegiado competente reconhecer a
relevância da matéria tratada, a materialidade
exceder em 100 vezes o valor mínimo para a
instauração de Tomada de Contas Especial e já
tiver sido realizada a citação ou audiência.”
Podemos depreender do dispositivo do TCU que para o que de fato compete ao
Tribunal, ou seja, a prestação das contas públicas, não há uma prescrição de facto, além de
recomendações e providências que julgar necessárias. O TCU entende que mesmo que tenha
ocorrido a prescrição da análise da prestação de contas, a Administração Pública tem o dever de
julgá-las. O entendimento do TCU baseia-se na ideia de que a análise das contas é um dever
inerente à atividade administrativa, e que a prescrição não extingue esse dever.
Em outras palavras, o fato de a análise da prestação de contas ter prescrito não significa
que a Administração Pública esteja dispensada de cumprir suas obrigações, devendo julgar as
contas para cumprir com sua função de fiscalização e controle das contas públicas.
No entanto, é importante destacar que o TCU reconhece que a prescrição pode limitar o
alcance do julgamento das contas. Ou seja, ainda que a Administração tenha o dever de julgar as
contas, sua análise pode ficar restrita aos aspectos que ainda podem ser examinados,
considerando-se a prescrição ocorrida.
Em outras palavras o jurista Marçal Justen Filho, em sua obra "Curso de Direito
Administrativo", na página 748 da 15ª edição tem o seguinte pensamento sobre a prescrição e o
conflito nos processos já prescritos:
"Em face da prescrição, a Administração não pode mais
sancionar o agente pelo fato ocorrido, porém mantém a
possibilidade de adotar providências administrativas para
apurar os fatos e adotar medidas necessárias para evitar
sua repetição. Não existe, assim, nenhuma limitação
quanto à apuração da verdade dos fatos. Ainda que a
análise do mérito fique prejudicada pela prescrição, deve-
se apurar a existência de eventual culpa ou dolo do agente
envolvido e das circunstâncias que concorreram para o
evento."
Outro exemplo é o doutrinador José dos Santos Carvalho Filho, que em sua obra
"Manual de Direito Administrativo" (página 723 da 34ª edição) afirma que "a prescrição apenas
impede a Administração de sancionar o responsável pela irregularidade constatada e não o seu
poder-dever de apurar as contas públicas."
Esses são apenas dois exemplos de doutrinadores que abordam o assunto, mas há outros
autores que também tratam da questão. Em geral, a doutrina brasileira entende que a prescrição
não afasta o dever da Administração Pública de julgar as contas, mas pode limitar o alcance
dessa análise.
A Administração Pública, então, deve arquivar tais processos já prescritos?
Quando uma análise de prestação de contas prescreve, significa que o prazo para a
Administração Pública tomar uma decisão sobre a matéria já se esgotou. Nesse caso, não há mais
possibilidade de sanção pelo fato ocorrido, mas a Administração mantém o dever de apurar os
fatos e adotar medidas para evitar sua repetição.
Assim, os processos que já prescreveram devem ser arquivados pela Administração
Pública, mas é importante ressaltar que essa prescrição não impede a apuração das circunstâncias
e fatos que levaram à irregularidade constatada, bem como a adoção de medidas administrativas
necessárias para evitar sua repetição.
Já em relação à remessa dos processos ao TCU, a decisão sobre isso pode variar
conforme o caso concreto e o entendimento da Administração Pública. Em geral, quando a
análise de prestação de contas é prescrita, o processo é arquivado e a Administração não remete
os autos ao TCU. No entanto, se houver dúvida ou controvérsia sobre o assunto, pode ser
recomendável buscar orientação jurídica específica para cada situação.

4. Do Entendimento do TCU
O TCU, em seu Acórdão 459/2022, estabeleceu a seguinte diretriz:
“9.8. ordenar à Secretaria-Geral de Controle Externo (Segecex)
a formação de grupo técnico de trabalho para que, em processo
apartado, apresente a este Plenário projeto de normativo que
discipline, de forma completa e detalhada, o tema da prescrição
da pretensão ressarcitória e da prescrição da pretensão punitiva
no âmbito do controle externo, tendo por base jurisprudência
predominante do Supremo Tribunal Federal, adequando-a às
especificidades das diversas formas de atuação do Tribunal de
Contas da União, devendo incluir, no estudo que fundamentará o
projeto de normativo, avaliação do impacto das teses
prescricionais discutidas sobre as responsabilidades e danos
apurados nos processos em andamento no Tribunal, sobretudo
os mais sensíveis, relevantes e de elevada materialidade.”
Do Grupo de trabalho, originaram-se dois produtos:
I - projeto de normativo que disciplina o tema da prescrição da pretensão ressarcitória e da
prescrição da pretensão punitiva no âmbito do controle externo, incluindo a minuta da norma e a
correspondente justificação; e
II - estudo fundamentando o projeto de normativo, incluindo a avaliação do impacto das teses
prescricionais discutidas sobre as responsabilidades e danos apurados nos processos em
andamento no Tribunal, sobretudo os mais sensíveis, relevantes e de elevada materialidade.
Esses produtos foram apresentados em Plenário, na votação do Acórdão 2285/2022, realizada na
Reunião Plenária n° 39/2022 do TCU, a qual originou a Resolução nº 344 do TCU.
Em relação ao primeiro produto, a orientação geral foi de que a referida Resolução seguisse o
entendimento do STF quanto ao tema. Dentro dele, foram anexados documentos evidenciando
que a jurisprudência do STF é a mais atual, até que haja lei específica, pois o Grupo de Trabalho
entendeu que havia a necessidade de lei específica que atendesse o tribunal de maneira mais
adequada.
Quanto à prescrição dos processos, os estudos seguiram o entendimento do Superior Tribunal de
Justiça – STJ – no sentido de que: “a prescrição alcança a pretensão condenatória em suas
vertentes indenizatória (imposição de débito) e punitiva (aplicação de multa, inidoneidade etc.),
mas não o julgamento pela regularidade ou irregularidade das contas, que permanece viável
ainda que decorrido o prazo prescricional.” Ainda, no AResp 1.959.828-RJ (entre outros), "O
STJ firmou entendimento no sentido de que a ação declaratória pura é imprescritível, salvo
quando houver pretensão condenatória-constitutiva". No mesmo sentido, decidiu-se no REsp
1.721.184/SP. É por isso que na redação da Resolução - TCU nº 344, em seu Art. 12, esse
mesmo raciocínio se consolida.
Já, em relação ao segundo produto, foi requerido do GT que realizasse uma "avaliação do
impacto das teses prescricionais discutidas", visando dimensionar os efeitos de cada tese nos
processos em andamento no Tribunal, "sobretudo os mais sensíveis, relevantes e de elevada
materialidade".
Apresentados os estudos, relatórios e proferidos os votos, a Resolução 344/2022 foi aprovada
pelo TCU na Reunião Ordinária n° 39/2022 em 11 de outubro de 2022, por unanimidade, com
ajustes oferecidos pelo Plenário. entrando em vigor a partir da data de publicação.

5. Conclusão
Dessa forma, embora exista um conflito aparente entre o entendimento do TCU e a
prescrição da análise de prestação de contas, ambos os aspectos são importantes e devem ser
considerados na análise da questão. A prescrição pode limitar o alcance da análise, mas não
afasta a Administração do dever de julgar as contas.
A prescrição de uma análise de prestação de contas é uma questão vinculativa, e não de
opção da Administração Pública. Ou seja, quando um prazo prescreve, não há mais possibilidade
de a Administração Pública tomar uma decisão sobre a matéria, e o processo deve ser arquivado.
Essa determinação está prevista no artigo 59 da Lei nº 9.784/1999, que regula o
processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Segundo o dispositivo, "o
direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis
para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo
comprovada má-fé".
No caso de análise de prestação de contas, a prescrição pode ocorrer, por exemplo,
quando o prazo para a Administração tomar uma decisão sobre a matéria já se esgotou. Nesse
caso, não há mais possibilidade de sanção pelo fato ocorrido, mas a Administração mantém o
dever de apurar os fatos e adotar medidas para evitar sua repetição.
Para concluir, em resumo, a própria legislação brasileira estabelece a prescrição como
uma questão de direito e obriga a Administração a arquivar os processos prescritos. Além disso,
os entendimentos uniformes do STJ e do STF corroboram para que a análise de pro julgamento
das contas de processos prescritos sejam feitas, dentro dos critérios normativos disponíveis,
seguindo especificamente a Resolução n° 344/2022 do TCU.

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