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Pedagogia Pedagogia

História da Educação História da Educação

Entretanto, juntamente com estas sociedades fixadas a terra,


UNIDADE B que surgiram no extremo Oriente (China e Índia) e mais a ocidente
SAIBA MAIS

(Mesopotâmia e Egito, já no continente africano) e que abrigavam Sociedades hidráulicas: Os


povos da Antiguidade Orien-
EDUCAÇÃO, TEMPOS E ESPAÇOS SAIBA MAIS um grande contingente populacional, conviviam sociedades nôma-
tal – egípcios, mesopotâmi-
des que não foram tão logo extintas, simplesmente, pelo apareci- cos, fenícios, hebreus e persas
Revolução Neolítica: O Neolíti-
co ou Idade da Pedra Polida é o mento destas sociedades que, apesar de fixadas a terra, não eram – desenvolveram-se, em geral,
período da Pré-História compre- às margens dos grandes rios,
estáticas social e culturalmente. A despeito da diversidade dos po-
1. A educação nas sociedades orientais da Antigui- endido aproximadamente entre sendo dependentes das for-
vos que acolhiam, organizavam a vida de forma unitária, por meio ças fluviais; por esta razão, são
dade. Uma visão sócio-antropológica 12000 a.C. e 4000 a.C. Carate-
também denominados como
rizado pelo surgimento da agri- da religião e do Estado, e que embora tenha uma aparente distân-
cultura, e a consequente fixação civilizações hidráulicas, ribeiri-
cia, não se pode negar a sua influência. Como escreve Cambi (1999, nhas ou de regadio. A fixação do
do homem a terra, provoca o
sedentarismo (moradia fixa em p. 60): “Nesse ponto, começa a história no sentido próprio, mais homem a terra, no período ne-
aldeias) e o desenvolvimento da dinâmica e irrequieta, da qual somos filhos diretos”. Ou, no dizer olítico, através do cultivo desta,
vida em sociedade, assim como provocou uma mudança estru-
de Manacorda: tural nas sociedades humanas
o avanço cultural e o aumento da
população. As primeiras aldeias Do Egito é que nos chegaram os testemunhos mais que se reverteu igualmente em
são criadas próximas a rios, para antigos e talvez mais ricos sobre todos os aspectos uma transformação educativa.
o aproveitamento da água e de da civilização e, em particular, sobre a educação. (http://www.igm.mat.br, aces-
terras férteis, iniciando também so em 08/11/07)
Embora a pesquisa arqueológica a cada ano venha
a domesticação de animais (ca- descobrindo provas de outras civilizações até mais
bra, boi, cão, dromedário, etc).
antigas, ainda assim, para os povos que reconhe-
O trabalho passa a ser dividido
entre homens e mulheres: en- cem sua origem histórica na antiguidade clássica
quanto os homens cuidam da greco-romana e nas posteriores manifestações
segurança, caça e pesca, as mu- cristãs que introduziram nela muitos elementos do
lheres plantam, colhem e edu- Oriente Próximo, o Egito está no início da sua his-
Figura B.1 - Mapa que apresenta o Oriente subdividido em três partes: o Orien- cam os filhos. A disponibilidade
te Próximo (em roxo); o Oriente Médio (em vermelho); e, o Extremo Oriente tória. (MANACORDA, 1996, p. 9)
de alimento permite às popula-
(em verde escuro) (Adaptado de: ções um aumento do tempo de
www.hottopos.com/miriand4/orientee.htm, acesso em 19/11/07. Para saber lazer, e a necessidade de arma-
mais consulte o site). zenar os alimentos e as semen- As principais características em comum destas sociedades base-
tes para cultivo leva à criação
de peças de cerâmica, que vão adas na agricultura e no sistema de irrigação e pelo poder político
Falar de educação nas sociedades orientais da Antiguidade gradualmente ganhando fins centralizado e sustentado pela religião, denominadas de “modo de
decorativos. Através da produ-
significa compreender a Revolução Neolítica e o advento das so- produção asiático”, são definidas da seguinte forma (Disponível em:
ção de excedentes surge o co-
ciedades hidráulicas. A revolução neolítica, com suas caracterís- mércio e o dinheiro (sementes), http://carloshistoria.blogspot.com/2006/09/antiguidade-oriental.
ticas específicas de re-estruturação social e cultural, através, prin- que facilita a troca de materiais. html, acesso em: 19/11/07):
O vestuário se modifica: deixa-
cipalmente, da fixação do homem a terra e do advento da escrita, se de usar peles de animais, que -- poder político com forte conotação religiosa, por isso denominado
promoveu uma revolução educativa. Esta revolução educativa, ca- dificultam a caça, e muitas ou- “teocracia” (teo, “deus”, cracia, “poder”);
tras atividades pelo seu peso; e
racterizada, também, por apresentar um forte controle social, en- passa-se a usar roupas de teci- -- economia baseada na agricultura;
controu respaldo no tipo de organização social que compreendia do de lã, linho e algodão, mais
confortáveis e leves. O Neolítico -- regime de trabalho servil, mas que também utilizava o trabalho es-
uma marcada divisão do trabalho e, dessa forma, uma clara dife- é considerado o último período
pré-histórico, terminando com o cravo;
renciação entre as classes sociais, exigindo, dessa forma, para sua
advento da escrita. A transição
manutenção, o poder centralizador do Estado e uma educação que do Neolítico para a Idade dos -- elite composta por sacerdotes, proprietários de terra, militares de
não se resumia a uma gama de saber-fazer, mas a uma educação do Metais (Idade do Bronze e Idade alta patente e pela família real;
do Ferro) caracterizou a transi-
comportamento, da moral e do exercício do poder político (CAMBI,
ção da Pré-História para a His- -- camadas pobres formadas por servos, estrangeiros escravizados ou
1999). tória. (http://pt.wikipedia.org/
wiki/Neol%C3%ADtico, acesso pessoas livres exploradas até o limite de suas forças;
em 08/11/07)
-- religião politeísta, ou seja, crença em vários deuses.

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A invenção da escrita (em torno de 4.000 a.C.) é fato marcan-


SAIBA MAIS
te dessas civilizações que não ocorreu dissociada do aparecimen-
to do Estado, cuja criação de uma classe voltada à burocracia e a Para saber mais sobre a histó-
necessidade de registrar tornaram-se fatores decisivos para o seu ria da escrita do Egito Antigo,
consulte o site: http://www.ge-
aparecimento. A diversidade de escritas representa as diferenças cul- ocities.com/egyptology2000/
turais que estes povos expressavam (apesar de suas similaridades), escrita.html)
como os hieróglifos (escrita sagrada) dos egípcios, que inicialmente
constituía-se em uma escrita pictográfica, isto é, representativa de
figuras e que foi se transformando em escrita hierática e demótica;
a escrita cuneiforme (inscrições em forma de cunhas), também pic-
tográfica da Mesopotâmia; e a escrita ideográfica dos chineses, que,
diferentemente das outras civilizações, sempre manteve uma escrita
Figura B.4 - Modelos de escrita Cuneiforme: característica linear, seqüencial em
representativa de idéias (ARANHA, 2002). formato de prego (Adaptado de:
www.humanas.unisinos.br/.../novo/introducao.br, acesso em 19/11/07).

Figura B.2 - Modelos de Hieróglifos Egípcios (Adaptado de:


www.historiadomundo.com.br/.../educação-egipcia/, acesso em 19/11/07). Figura B.5 - Modelo de escrita Ideográfica (Adaptado de:
www.edukbr.com.br/evol_ideoescrita.asp, acesso em 19/11/07).

A revolução educativa, embasada e circundada por todas essas


transformações, assume conforme Cambi (1999, p. 61) as seguintes
características:
1. apesar de se constituir ainda, prioritariamente, pela imitação
de condutas e pela transmissão das tradições, o processo educacio-
nal vai se modificando em vias de se tornar um meio de transforma-
ção da realidade e não somente de reprodução;
2. ao mudar o foco da educação pela imitação e pela transmis-
são de tradições, a linguagem começa a se constituir como o centro
da aprendizagem, na medida que o ensino passa a ser de saberes
discursivos (conduzindo para um pensamento mais racional) e não
Figura B.3 - À esquerda, modelo de escrita Hierática, forma cursiva da escrita meramente de saberes operativos;
egípcia: documento em hierático anormal de 325 AC carta. À direita, modelo de 3. em decorrência da divisão do trabalho e da sociedade em
escrita Demótica (Adaptado de:
http://www.geocities.com/egyptology2000/escrita.html, acesso em 22/11/07).
classes sociais, quase que em castas, os saberes também começam

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a ser compartimentados expressando essa especialização e a tecni- ALERTA EGITO


zação do trabalho; Cambi (1999) divide as caracte-
4. a necessidade da criação de uma instituição – a escola – que rísticas da educação da antigui-
dade em três tópicos, juntando Isis – A deusa Egípcia
possibilite esta transmissão embasada no discurso e na diversifica- a divisão dos saberes com a ne- Divindade egípcia, também chamada Sait ou Tsit, era a deusa da medici-
ção dos saberes. A escola se torna imperativa, pois articula estes cessidade da criação da institui- na, do casamento, da cultura do trigo, etc, e compunha com seu irmão e
ção escola. Embora saibamos da esposo Osíris e com seu filho Herus a trindade de Ábidos. Como Osíris,
saberes com o objetivo da produção ideológica e com o domínio coexistência desses processos, depois de haver civilizado o seu país, se ausentasse para espalhar a civi-
técnico para transformação do mundo natural. preferimos separá-los, somente, lização pelo mundo, Isis tornou-se a continuadora da sua obra, defendeu
a fim de lhes dar maior ênfase. o trono contra os assaltos de Tifão e veio a ser também um facho da
primeira civilização egípcia. A princípio, a sua influência foi apenas local,
A educação destas sociedades, denominada de educação tradi- venerada no delta do Nilo; porém, nos tempos greco-romanos, o seu
cionalista (apesar de suas inovações), não compreendia uma pro- culto estendeu-se a todo o ocidente, à Grécia, à Itália e a Portugal, onde,
na Sé-de-Braga, ainda se encontram vestígios vivos da sua influência.
posta propriamente pedagógica, pois se centrava na aprendizagem (Disponível em: htt://mithos.cys.com.br. Acessado em 20/11/07)
de condutas com o objetivo de modelar os sujeitos de acordo com as
normas religiosas e morais (ARANHA, 2000). Alia-se, porém, a esta
tentativa de padronização de comportamentos, pela educação, um O mito de Isis revela a influência que a cultura egípcia teve sobre
conhecimento técnico para dominar e transformar o mundo natural. os povos e sobre a história. Como afirma Manacorda “quer os povos
“Não só as técnicas mais rudimentares de construir vasos ou tecidos, do Oriente Próximo quer os próprios gregos, que depois foram os
tijolos e utensílios vários, armas ou “objetos belos” (...), mas também educadores dos romanos, reconhecem essa supremacia”, e ainda,
as técnicas mais altas da geometria, da matemática, da teologia, da “não somente a Fenícia, mas também a Mesopotâmia parece reco-
medicina etc.” (CAMBI, 1999:61). nhecer no Egito a origem da própria cultura” (MANACORDA, 1996,
A diversificação de saberes e a divisão do trabalho tiveram como p, 9).
conseqüência a segregação destes saberes - sendo acessível somen- Constituída por uma sociedade diversificada composta por cam-
te para a população dos segmentos mais altos da sociedade. Inicia- poneses, escravos, sacerdotes e sacerdotisas, soldados e escribas a
se aqui a dualidade do sistema educacional (educação para a elite X educação no antigo Egito não se desvinculava dessa diferenciação de
educação para o povo) tão marcante em toda a história da educação métodos e saberes de acordo com as classes sociais, determinadas
(ARANHA, 2000). pela ocupação profissional. Entretanto, percebiam a educação como
Para melhor vislumbrarmos as transformações educacionais das uma possibilidade de melhorar a própria natureza humana. “Não di-
sociedades da antiguidade oriental, iremos apresentar as caracterís- gas: todo homem é segundo a sua natureza, ignorante e sábio ao
ticas da civilização egípcia e da Mesopotâmia de forma individuali- mesmo tempo... O ensinamento é bom e não cansa” (Br. 304 apud
zada. Esta escolha, não desconsidera a importância das outras civili- MANACORDA, 1999, p., 31).
zações como os Fenícios, os Hebreus, assim como, a Índia e a China, Estas palavras revelam uma possibilidade de mobilidade social,
apenas permite percebermos de forma mais detalhada como o ato pois a diferença entre os sujeitos não provém da natureza, mas da
educativo e as concepções sobre a instrução vão se modificando na educação. Assim, no Egito, diferentemente de outros povos, a apren-
relação com as demandas sociais. dizagem da leitura e da escrita permitia uma ascensão social, mesmo
que fosse de uma classe inferior a um nível intermediário de autori-
dade (GILES, 1987, p. 9).
Manacorda (1996), ao destinar um capítulo inteiro do seu livro
“História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias”, sobre a edu-
cação no Egito, divide-o em seis partes, que demonstram continuida-
des e rupturas em relação às fases anteriores, são elas: (1) O Antigo
Império: a literatura sapiencial como institutio oratória; (2) A Idade
Feudal: “os novos charlatães”; (3) O Médio Império: o escriba e os

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outros ofícios; (4) O segundo período intermediário e o treinamento que se refere a formação do homem político. O parentesco e a de-
ALERTA voção tornam-se mecanismos insuficientes de exercício do poder, e,
do guerreiro; (5) O Novo Império: generalização e consolidação da
escola; (6) O período demótico: testemunhos egípcios e gregos. MANACORDA (1996) alerta para nesse sentido, há a necessidade de uma formação mais sistemática,
o fato de que independente do para que alguém do povo não aluda a tal papel social. A escritura (o
O primeiro período ou Antigo Império (século XXVII a.C) é marca- discípulo ser filho carnal ou não
do por uma educação voltada à normatização de comportamentos, à do mestre, o termo “filho” é uti- texto escrito) passa a ser o principal instrumento da educação, que

submissão aos preceitos morais e religiosos de acordo com as estru-


lizado para ambos os casos) compreende ainda: a existência de um encarregado da formação dos
jovens e a aprendizagem mnemônica.
turas e as conveniências sociais. Apesar de caracterizada como uma
No Médio Império (cerca de 2133-1786 a.C.), o livro-texto torna-
educação mnemônica, repetitiva, centrada na escrita e embasada na
se cada vez mais utilizado e tem-se “a progressiva transformação da
transmissão autoritária de pai para filhos ou do mestre escriba para o
sabedoria em cultura, isto é, em conhecimento erudito e em assimila-
discípulo, a educação no antigo Egito revela uma relação pedagógica
ção da tradição com seus rituais e a correlativa constituição da escola
em que os preceitos educativos passam à esfera de conselhos e en- com seus materiais didáticos” (MANACORDA, 1996, p.,21). A escola
sinamentos relacionados à vida cotidiana e a situações particulares. apresenta-se como uma instituição bem consolidada, apesar da edu-
Essa ênfase nas relações interpessoais, a que estes ensinamentos se cação ainda ter um caráter privado em que o discípulo é considerado
dirigem, liga-se à formação do homem político, o que se acrescenta como um filho.
a habilidade do “falar bem” e o que se compreende como sendo uma A evidência do texto escrito é progressiva, tanto que, no deno-
educação para uma classe social específica (MANACORDA, 1996). minado Segundo Período Intermediário (cerca de 1785 a 1580 a.C),
ganha importância cada vez mais crescente as bibliotecas (casa dos
O falar bem é, então conteúdo e objetivo do en- escritos) e as escolas (casa da vida). O próprio conceito de “sábio”
sinamento. Mas o que significa exatamente este se transmuda, pois “(...) agora é sábio não quem possui experiência
falar bem? Creio que seria totalmente errado con-
e inteligência e, por isso, está numa posição de domínio, mas quem
siderá-lo em sentido estético-literário, e que, sem
conheceu a tradição nos livros” (MANACORDA, 1996, p., 26). Algumas
medo de forçar o texto, se possa afirmar que, pela
primeira vez na história, nos encontramos perante características são marcantes dessa época: a sabedoria pela tradição
a definição da oratória como arte política do co- que prevalece sobre a sabedoria pessoal; a exaltação da técnica de
mando ou, antecipando os termos de Quintiliano, instrução; a educação na primeira infância pautada nos cuidados ma-
perante uma verdadeira institutio oratória, educa- ternos; a separação da criança da mãe para freqüentar a escola; e a
ção do orador ou do homem político. (MANACOR- distinção gradativa entre família e escola, aparecendo esta como uma
DA, 1996, p., 14).
instituição pública.
O Novo Império (cerca de 1552-1069 a.C.) é a época da generali-
Interessante é também ler o que Manacorda (1996) descreve zação da escola em que há uma educação física-militar em correspon-
da relação entre o poder e a obediência, pois a arte do comando não dência com a instrução intelectual. A tradição literária é compreendida
se encontrava desvinculada da arte da obediência. como o grande patrimônio a ser assimilado e os autores como o mo-
delo a ser refletido. Pela consolidação da escola, os documentos dessa
(...) o obedecer está indissoluvelmente ligado ao época registram a indisciplina e a decorrente necessidade de práticas
comandar, dois termos que se encontram inúme- de punições corporais.
ras vezes, como lugar-comum, em qualquer dis-
O último período, denominado de Demótico (cerca de 1069-333
curso sobre educação e sociedade. (...) Num reino
autocrático, a arte do comando é também, e an-
a.C), não sofreu grandes transformações em relação aos antecedentes,
tes de tudo, arte da obediência: a subordinação é apenas confirmou a estrutura educacional do antigo Egito. Ponto re-
uma das constantes milenares desta inculturação levante dessa época são os brinquedos e as representações de jogos,
da qual, portanto faz parte integrante o castigo e o identificados nos achados arqueológicos. Vale a pena ler o que Ma-
rigor. (MANACORDA, 1996, p., 15) nacorda (1996) escreve sobre a distinção entre a formação destinada
A chamada Idade Feudal (cerca de 2190 – 2040 a.C), citada por exclusivamente aos nobres ou aos funcionários do governo, da qual já
Manacorda, apresenta, no aspecto educativo, um desenvolvimento no temos alguma noção, e da educação destinada ao que ele chama de

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“uma outra multidão”. A Epopéia de Gilgamesh, escrita pelos sumérios (primeira socie-
dade a desenvolver uma civilização na Mesopotâmia) há mais de 4
(...) Existe, portanto, uma outra “multidão” de in- mil anos, é, possivelmente, o primeiro texto literário preservado pela
divíduos, aqueles que não têm nem arte e nem humanidade até nossos dias. Essa epopéia que revela as concepções
parte – como se costuma dizer –, para os quais
de uma cultura específica, sem deixar de fazer referência a temas da
obviamente não há nenhuma transmissão educa-
tiva, nem de técnicas, propriamente culturais ou
humanidade, como a morte, a busca do conhecimento e a fuga do
imediatamente produtivas. E esta será uma cons- destino comum (Disponível em: http://forum.valinor.com.br. Acessa-
tante da história de todos os povos. Somente a do em: 21/11/07), é a expressão de uma das primeiras civilizações a
“multidão” daqueles que exercem uma arte, da- produzir a escrita.
queles que conhecemos nas sátiras do ofício ou Marcada por uma rígida divisão social e por uma forte influência
nos Onomástica, recebe uma instrução intelectual, SAIBA MAIS
religiosa de caráter antropomórfico, a Mesopotâmia (palavra de ori-
isto é, um pouco de leitura e de escrita, e uma pre-
gem grega que significa “entre rios”) se desenvolveu com a presença O Código de Hamurábi foi cria-
paração profissional relativa ao ofício tradicional- do pelo rei amorita Hamurábi
mente exercido pela família. É o próprio exercício de diferentes povos (sumérios, acádios, amoritas, assírios e caldeus)
(1728-1686 a.C) que governou o
profissional, manual, imediatamente produtivo, que invadiram a região de forma sucessiva, entrando em conflito com Império Babilônico de forma cen-
que exige um mínimo de conhecimentos da ins- os ocupantes anteriores e sedentarizando-se rapidamente. Esse fato tralizadora e autoritária, conquis-
trução formal, indispensável quer para a transmis- tando e unificando toda a Meso-
não propiciou a formação de um império unificado, embora não tenha potâmia. Durante seu governo,
são dos conhecimentos científico-técnicos parciais impedido grandes realizações, como: a revolução urbana por volta de a cidade de Babilônia tornou-se
e especializados, quer para as relações sociais que um dos maiores centros comer-
3.000 a.C, o surgimento da escrita, a criação do primeiro código de leis
o ofício, a aquisição das matérias-primas e a venda ciais da Antiguidade. O Código
escrito (o Código de Hamurábi). de Hamurábi, baseou-se na Lei
do produto supõem. (MANACORDA, 1996, p. 39)
A escrita, como já mencionada, foi um dos fatores que provocaram de talião (olho por olho, dente
uma transformação no processo educativo, pois o ensino-aprendiza- por dente), que determinava que
cada crime deveria ser punido
Assim, embora a participação na escola e a aprendizagem da gem da escrita e da leitura exige uma educação mais formalizada e com prática idêntica ao delito co-
leitura e da escrita permitissem uma mobilidade social, a educação do sistemática, requerendo um corpo de especialistas responsáveis por metido. (MOTA, 2002, p., 45).
antigo Egito também não deixa de revelar a diferenciação dos proces- essa transmissão. Entretanto, à escrita é atribuído um caráter divino, o
sos educativos destinados a determinadas classes sociais. que fez com que ficasse no domínio da classe sacerdotal.

MESOPOTÂMIA Firmar-se-á, portanto, a íntima ligação entre a es-


crita e sua conservação, entre o templo, centro de
poder, e o processo educativo. À casta sacerdotal
A lenda de Gilgamesh
será entregue a transmissão da tradição coletiva:
Existe na babilônia uma maravilhosa lenda que conta a façanha do gigante os costumes, os hábitos, os valores e o estilo de
Gilgamesh. Inúmeros poetas contribuíram para a criação dessa lenda, mas
vida da sociedade. Devido a essa ligação, a escrita
seus nomes foram perdidos na noite dos tempos.
assume uma autoridade própria, e qualquer modi-
Gilgamesh, havia séculos, reinava na cidade de Uruk, e quis forçar seu povo ficação torna-se sacrilégio. (GILES, 1987, p., 7)
a construir uma gigantesca muralha fortificada ao redor da cidade. Assus-
tados com esse trabalho, muito fatigante para forças humanas, seus súdi-
tos imploraram a ajuda dos deuses. Os deuses os ouviram: a deusa Isthar
lhes enviou Enkidu, seu protegido, que vivia só nos fundos das florestas De forma geral, a educação na Mesopotâmia é caracterizada por
de cedros, entre os animais selvagens. Enkidu deveria desafiar o gigante uma disciplina rígida, centrada no ritual e objetivava o êxito social e
para um combate singular, onde o mataria, mas os dois adversários, con-
trariando o desígnio da deusa, tornaram-se amigos. Juntos organizaram econômico, pela não transgressão das normas culturais, sociais e reli-
harmoniosamente o mundo, livrando-o dos monstros que ameaçavam a giosas. É um processo educativo que divide a sociedade entre aqueles
espécie humana. Um dia Enkidu levou seu companheiro para visitar Ishtar.
que conhecem a palavra e os que estão afastados desta, permanecen-
Esta, descobrindo que ele a tinha abandonado por Gilgamesh, tentou se-
duzir o gigante. Este, porém, sabia que todo aquele que amasse a deusa do com uma educação informal. Como veremos a seguir.
estava destinado a morrer, e por isso repeliu suas seduções. Despeitada,
Isthar fez Enkidu morrer leproso e afligiu Gilgamesh com o mesmo mal
(...). (Jornal do Mundo apud MOTA, 2002, p., 47)

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