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movimento
crítica, teoria e ação
ano 8. nº42-43. set./ out. 2023.
revista
movimento
crítica, teoria e ação
ano 8. n.42-43. set./ out. 2023.
Editora
Movimento
Editores Etevaldo Teixeira
Roberto Robaina
Mensal.
ISSN 2448-1491
CDD 335.4
Editora Movimento
Rua Bananal, 1679, Bairro Arquipélago
90090-010 - Porto Alegre-Rio Grande do Sul - Brasil
2023
Índice
Apresentação 7
Camila Souza Menezes
O conflito judaico-árabe 55
Tony Cliff
Brasil
Considerações iniciais sobre o VIII Congresso do PSOL 80
Executiva Nacional do MES/PSOL
Entrevista 93
Eles me querem morto, para dizer: Era um dos nossos, era nosso.
Escuto os mesmos passos. Vinte anos faz que os escuto baterem
na muralha da noite.
Vêm, não abrem a porta.
Mas agora entram, são três: um poeta, um assassino, um leitor.
Aceitam tomar um vinho?, perguntei. Aceitamos, disseram.
Quando vão descarregar as armas em mim? Responderam:
Calma! Esvaziaram cada qual sua taça e foram cantar para o
povo.
Eu disse: Quando começam a me executar? Disseram: Já
começamos... por que envia sapatos para a alma?
Para ela andar na terra, eu disse. E eles: Mas por que escreve um
poema branco se a terra é toda preta?
Respondi: Porque trinta mares desembocam no meu peito.
Disseram: E por que gosta de vinho francês?
Eu disse: Porque mereço a mulher mais bela. Como quer
morrer?
Azul, como as estrelas que fluem do teto – aceitam mais vinho?
Disseram:
Aceitamos. Eu disse: Pedirei que sejam lentos, que me matem
pouco a pouco, a tempo de escrever um último poema para a
mulher do meu coração.
Mas eles se riram e da casa só roubam as palavras que direi à
mulher do meu coração.
1 Também conhecido como Mahmoud Darwich (Al-Birweh, 13 de março de 1941 - Houston, 9 de
agosto de 2008), foi um poeta e escritor palestino, nascido à época do Mandato Britânico.
Apresentação 7
“Eu, como parlamentar, não só como irmã, mas unindo as duas coi-
sas, vou fazer tudo que tiver ao meu alcance para que essa situação não se
perpetue no nosso país porque hoje foi com a minha família, mas poderia
ter sido com qualquer outra, aliás, como é todos os dias. Talvez esse caso
tenha ganhado ampla repercussão, inclusive internacional, por se tratar
de um congresso internacional de médicos, em bairro nobre do Rio de
Janeiro, mas tragédias acontecem todos os dias, às vezes, em lugares me-
nos visibilizados, à margem da sociedade, e muita gente não vê ou finge
que não vê. Então é por todas elas [pessoas invisibilizadas] também que a
gente vai lutar por Justiça.” (07/10/2023)
Levante na Palestina1
Tariq Ali2
Que fazer?
É necessário apoiar a causa palestina em todos os terrenos, de-
monstrando nossa solidariedade com os palestinos em demons-
trações, atos e campanhas internacionais, fortalecendo a campa-
nha BDS e todas as demais iniciativas nesse sentido.
Nossa corrente participou de todos os atos organizados pela
comunidade palestina, pela FEPAL e outros coletivos, como o que
ocorreu em frente ao centro cultural Al-Janiah em SP. Estivemos
também no ato junto ao MST e em concentrações no Rio, SP,
Brasíia, Natal, Curitiba e preparando um ato forte para Porto
Alegre no dia 18.
Fazer a disputa de narrativa nas redes é essencial. A unidade
da mídia burguesa mundial com a posição sionista criou uma ver-
dadeira censura contra todas as posições contrárias, inclusive as
mais moderadas, gerando desinformação e propaganda fake news
em enorme escala.
A guerra de Israel contra o povo palestino 20
nifica piorar ainda mais uma situação que está gerando muitas
vítimas civis palestinas e israelenses, vítimas que lamentamos.
Condenamos a hipocrisia daqueles que agem como se a violên-
cia tivesse surgido do nada e ignoram 75 anos de opressão colo-
nial do povo palestino pelo Estado de Israel. Nada pode justificar
o ataque a civis, e esse padrão deve ser universalmente respeita-
do na condenação de todos os crimes de guerra. Recusamo-nos
a nos juntar ao coro daqueles que condenam a violência quando
cometida por palestinos, mas a ignoram ou, como os governos
ocidentais, a apoiam ativamente na forma de crimes de guerra
contínuos e crimes contra a humanidade quando cometidos pelo
Estado de Israel. A chamada comunidade internacional é profun-
damente cúmplice em tornar a violência inevitável e não oferece
soluções para lidar com o que a causa: a ocupação contínua das
aldeias palestinas. Essa opressão, realizada por um Estado que
é muito superior militarmente e apoiado pelos países mais po-
derosos do mundo, tornará inevitáveis futuras explosões violen-
tas. Todos aqueles que apoiaram essa ocupação por décadas são
responsáveis.
Não compartilhamos da estratégia e das táticas do Hamas por-
que esse caminho não pode acabar com a ocupação, que é a única
maneira de acabar com a violência. O fim da ocupação só é pos-
sível por meio da resistência coletiva das massas palestinas, jun-
tamente com os ativistas antiguerra no Estado de Israel e com o
apoio de seus aliados internacionais. Como Quarta Internacional,
temos orgulho de estar entre esses aliados.
Apoiamos o povo palestino em sua resistência contínua contra
o colonialismo israelense e em sua luta pela autodeterminação.
É por isso que pedimos a intensificação do apoio à campanha
A guerra de Israel contra o povo palestino 25
Anos de bloqueio
Logo após as eleições de 2006, o governo Bush tentou forçar
a saída do Hamas do poder e apoiar um líder rival do partido
Fatah, considerado mais amigável a Israel e aos EUA. O Hamas
antecipou-se ao golpe e assumiu o controle total de Gaza em maio
de 2007. Em resposta, Israel e Egito – com o apoio dos EUA e da
Europa – fecharam as passagens de fronteira para dentro e fora
da Faixa de Gaza e impuseram um bloqueio terrestre, aéreo e
marítimo.
O bloqueio, que ainda está em vigor, limita a importação de ali-
mentos, combustível e material de construção; limita a distância
que os pescadores de Gaza podem percorrer no mar; proíbe quase
todas as exportações; e impõe limitações rigorosas ao movimento
História da luta pela libertação da Palestina 41
1 Resenha de The Well-Dressed Revolucionary. The Odyssey of Michel Pablo in the age of uprising. Hall
Greeland: Resistance Book, 2023. Publicado originalmente em Viento Sur e traduzido por Júlio Pontes para a
Revista Movimento.
2 Membro do conselho editorial de Anti*Capitalist Resistance, de Socialist Resistance e do Partido
Trabalhista de Hackney e Stoke Newington. Colabora com International Viewpoint e Europe Solidaire
Sans Frontières.
História da luta pela libertação da Palestina 45
No acredito que Ben Bella seja capaz de chegar onde tu acredita que pode
chegar. O nacionalismo argelino tem uma história desconhecida por você. Há
uma forte veia conservadora e o exército argelino não é como os revolucioná-
rios barbudos de Cuba…
O conflito judaico-árabe1
Tony Cliff2
1 Publicado originalmente em New International, em novembro de 1938. Reimpresso em Tony Cliff, Selected
Writings Volume 1: International Struggle and the Marxist Tradition, Bookmarks. Londres: 2001. Tradução realizada
por Pedro Micussi para a Revista Movimento a partir da versão disponível em: https://www.marxists.org/archive/cliff/
works/1938/11/jew-arab.htm.
2 Militante trotskista judeu nascido na Palestina (1917 – 2000).
História da luta pela libertação da Palestina 56
O movimento sionista
É nossa convicção que o sionismo é uma concepção naciona-
lista reacionária porque baseia as suas esperanças não na luta de
classes da classe trabalhadora internacional, mas na continuação
da reação mundial e na sua consolidação.
História da luta pela libertação da Palestina 60
O conflito judaico-árabe
Quais são as causas deste conflito? Duas respostas são apre-
sentadas na Palestina. Os grupos sionistas dizem que o conflito
é simplesmente a colisão do feudalismo e da reação com as forças
progressistas do capitalismo. Os nacionalistas árabes e os seus
apoiantes estalinistas afirmam que a colisão é entre o movimento
de libertação árabe e o sionismo.
Mas a primeira explicação está errada porque o fato do con-
flito entre o feudalismo e o capitalismo não explica o movimento
nacional árabe na Palestina. Existem manifestações paralelas de
nacionalismo nos países adjacentes (Síria, Egito). Além disso, não
explica como é que uma camarilha de effendis conseguiu obter
o controlo de um movimento nacional militante de centenas de
milhares. É claro que a base do antagonismo das massas árabes
em relação à população judaica não surge do facto de esta últi-
ma ter trazido um padrão de vida mais elevado e ter criado um
movimento operário moderno. A sua principal oposição surge do
facto de verem na população judaica os portadores do sionismo,
daquele sistema político baseado no exclusivismo nacional e na
hostilidade às aspirações das massas árabes à independência e à
democratização do regime político.
A segunda opinião, a afirmação dos nacionalistas árabes, é
igualmente errada. Não leva em consideração que existe realmen-
te um conflito entre o feudalismo e o desenvolvimento capitalista,
em segundo lugar, que dentro do movimento nacionalista existe
uma burguesia árabe que, em competição com a economia judaica
fechada, desenvolve tendências árabes exclusivistas, e em terceiro
lugar, que a população judaica não é parte integrante do campo
imperialista.
História da luta pela libertação da Palestina 66
1 Os EUA presididos por Truman, o Reino Unido com Attlee como primeiro-ministro e a URSS de
Stálin.
2 Organização paramilitar judia, dirigida nesse momento por David Ben Gurion. Havia sido fundada
na época do mandato britânico para assegurar a defesa dos colonos judeus.
História da luta pela libertação da Palestina 68
3 Emirado localizado na parte sul do Levante a leste do Rio Jordão, sua maior parte está contida na
atual Jordânia.
História da luta pela libertação da Palestina 69
4 Organização nacionalista judia nascida em 1935 de uma ruptura do Haganá e dirigida desde 1945
por M. Begin. O Irgun organizou a imigração clandestina dos judeus à Palestina e lutou por meio do
terrorismo contra a presença britânica no país e contra as populações palestinas.
História da luta pela libertação da Palestina 70
5 Localidade próxima a Nova York onde se negociou o status da Palestina pela ONU em 1947.
História da luta pela libertação da Palestina 71
por que não devem cair na armadilha palestina. A terrível experiência que
espera os judeus no Estado em miniatura cria ao mesmo tempo as prem-
issas para a ruptura de grandes massas com o sionismo criminoso. Se essa
ruptura não se produzir a tempo, o Estado judeu se afogará em sangue.
História da luta pela libertação da Palestina 72
Introdução
Nós, o povo árabe palestino, que travamos batalhas ferozes e
contínuas para salvaguardar nossa pátria, para defender sua dig-
nidade e honra, e que ofereceram ao longo dos anos caravanas
contínuas de mártires imortais e que escreveram as páginas mais
nobres de sacrifício, oferecendo e dando.
Nós, o povo árabe palestino, que enfrentamos as forças do
mal, da injustiça e da agressão, contra quem as forças do sionis-
mo e do colonialismo internacionais conspiram e trabalham para
deslocá-lo, removê-lo de sua terra natal e propriedade, abusar do
que é santo e quem apesar de tudo isso se recusou a enfraquecer
ou se submeter.
Nós, o povo árabe palestino, que acreditamos no seu arabis-
mo e no seu direito de recuperar a sua pátria, para concretizar a
sua liberdade e dignidade, e que decidimos reunir as suas forças e
mobilizar os seus esforços e capacidades para continuar a sua luta
e para avançar no caminho da guerra santa (al-jihad) até a vitória
completa e final ter sido alcançada.
Nós, o povo árabe palestino, com base no nosso direito de au-
todefesa e na restauração completa da nossa pátria perdida – um
direito que foi reconhecido por convenções internacionais e prá-
Eduardo Carniel2
sistia que era necessário a direção do partido, então ele dizia, por
isso, que o leninismo acrescentou algo que faltava em Marx. Essa
era um pouco a tese dele, e eu dizia que não, não é bem por aí.
Tem um outro texto de Marx, por exemplo, na Miséria da filosofia,
que dá essa impressão, de que o capitalismo vai concentrando os
operários na fábrica, e quando eles estão concentrados, eles ine-
vitavelmente acabam lutando, entrando em greve e pronto. Bom,
eu dizia, para Marx, não é a economia nem a existência da classe
em si que determina a sua consciência, mas é a sua experiência
de luta, é a práxis. Então a teoria da consciência revolucionária de
Marx não é economicista nem sociológica, ela é política baseada
na ideia da práxis de luta e da práxis revolucionária. Isso coincide
com os escritos de Rosa Luxemburgo. Então tínhamos uma leitu-
ra diferente de Marx nesse ponto. Mas sobre Blanqui, estávamos
de acordo, então fizemos esse artigo que foi publicado.
Em várias ocasiões nós nos encontrávamos e discutíamos, e
sobre o Brasil, nós tínhamos a mesma análise fundamentalmen-
te e, como tínhamos uma relação forte com os companheiros
que eram então a seção brasileira da IV Internacional - que era a
Democracia Socialista (DS) - nós partilhamos uma tentativa de
orientar a ação dos companheiros brasileiros no sentido de não
continuar no governo do Lula. No começo do governo, houve um
Congresso da IV Internacional em que o pessoal da Democracia
Socialista já manifestou que queria entrar no governo, e nós éra-
mos céticos, mas pensamos “Tudo bem, vocês fazem a tentativa
e vamos ver no que vai dar”. Entretanto, depois de dois anos nós
achamos que não era mais possível continuar. Sobretudo após co-
meçar a ser armar um conflito no qual companheiros estavam
sendo expulsos. Então nós fizemos uma carta que era assinada
Entrevista 98
pelo Bensaïd, pelo Chico Louçã, e por mim, não sei se tinha mais
alguém. Nós mandamos não para ser publicado, mandamos para
a direção da Democracia Socialista, e provavelmente os compa-
nheiros que eram críticos da direção vazaram isso não sei para
onde, e acabou chegando na imprensa. E acabou com aquela no-
tícia no jornal: “A IV Internacional lá de Paris deu a ordem para a
DS sair do governo.” Bom, não era bem assim, inclusive não era
nem um documento oficial da IV Internacional. Era uma carta
de companheiros que acompanhavam o Brasil já há anos e que
tinham uma relação pessoal com os camaradas da DS. Essa inter-
venção foi mal recebida, como vocês sabem, e provocou a divisão
e o afastamento da DS, não é? Então, isso foi uma intervenção
política comum que nós fizemos.
Então, se comparamos nossas trajetórias, eu diria que nós
partimos de perspectivas bastante afastadas e fomos nos aproxi-
mando, até chegar a uma convergência muito grande. Embora se
mantivessem diferenças, como sobre a questão do romantismo,
da qual ele desconfiava, e sobre a utopia também, não é? Ele acha-
va que a utopia era uma coisa que atrapalhava. Havia essas duas
divergências que tínhamos, e também a questão da religião. Eu
insistia que a teologia é um momento importante do pensamento
de Benjamin, que a relação que ele aponta entre teoria, teologia e
materialismo histórico está ilustrada na História pela teologia da
libertação na América Latina e, portanto, temos que interpretar o
Benjamin à luz do que aconteceu na América Latina. O Bensaïd
tinha bastante pé atrás em relação a isso. Ele insistia muito na ne-
cessidade de uma política secularizada. Ele era alérgico a qualquer
teologização da política, e inclusive tem um livro sobre esse tema
que eu não gosto muito. Temos alguns desacordos, mas temos
Entrevista 99
CM – Muito obrigada.
Palestina Livre
do Rio ao Mar