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revista

movimento
crítica, teoria e ação
ano 8. nº42-43. set./ out. 2023.
revista
movimento
crítica, teoria e ação
ano 8. n.42-43. set./ out. 2023.

Editora
Movimento
Editores Etevaldo Teixeira
Roberto Robaina

Responsável Movimento Esquerda Socialista

Equipe editorial Camila Souza Menezes, Israel Dutra,


Pedro Micussi e Thiago Aguiar

Capa e diagramação Vittorio Audi

Periodicidade Mensal | 42ª e 43ª edições. Ano 2023.

Nesta edição: Camila Souza Menezes, Dave Kellaway, Eduardo Carniel,


Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL), Israel Dutra, IV Internacional,
Maha Nassar, Mahmud Darwish, Movimento Esquerda Socialista,
Organização para a Libertação da Palestina (OLP), Renata Moara, Tariq Ali e
Tony Cliff.

Movimento : crítica, teoria e ação / Movimento Esquerda


Socialista. ano 8, v.1, n.42-43 (set./ out. 2023).
Porto Alegre : Movimento, 2023.

Mensal.

ISSN 2448-1491

1. Marxismo Brasil. 2. Marxismo Mundo.


3. Socialismo. 4. Política Brasil. 5. Política
Internacional.

CDD 335.4

Ficha catalográfica elaborada por Fernanda Melchionna e Silva


CRB10/1813

Editora Movimento
Rua Bananal, 1679, Bairro Arquipélago
90090-010 - Porto Alegre-Rio Grande do Sul - Brasil

2023
Índice

Eles me querem morto 6


Mahmud Darwish

Apresentação 7
Camila Souza Menezes

A guerra de Israel contra o povo palestino


Levante na Palestina 12
Tariq Ali

Com a Palestina, levantamos a bandeira da luta 16


anticolonial para derrotar o apartheid
Israel Dutra

Pelo fim do apartheid e da guerra imperialista na Palestina 21


Secretariado Nacional do MES

Solidariedade com o povo palestino – fim da ocupação! 23


IV Internacional

Nota da FEPAL em solidariedade à deputada Luciana 26


Genro e ao vereador Roberto Robaina
Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL)

Solidariedade a Luciana Genro diante dos ataques 28


sionistas e da extrema-direita
Várias/os autoras/es
História da luta pela libertação da Palestina
Faixa de Gaza: a história do enclave 37
Maha Nassar

Michel Raptis, Pablo, o revolucionários sem amarras 44


Dave Kellaway

O conflito judaico-árabe 55
Tony Cliff

A IV Internacional e a criação artificial do Estado de Israel 67


Declaração da IV Internacional (1947)

Carta Nacional Palestina (1964) 72


Organização para a Libertação da Palestina (OLP)

Brasil
Considerações iniciais sobre o VIII Congresso do PSOL 80
Executiva Nacional do MES/PSOL

Seca na Amazônia: por que acontece e o que fazer? 88


Renata Moara

Entrevista 93

Entrevista com Michael Löwy


Camila Souza Menezes e Eduardo Carniel
Eles me querem morto 6

Eles me querem morto


Mahmud Darwish1

Eles me querem morto, para dizer: Era um dos nossos, era nosso.
Escuto os mesmos passos. Vinte anos faz que os escuto baterem
na muralha da noite.
Vêm, não abrem a porta.
Mas agora entram, são três: um poeta, um assassino, um leitor.
Aceitam tomar um vinho?, perguntei. Aceitamos, disseram.
Quando vão descarregar as armas em mim? Responderam:
Calma! Esvaziaram cada qual sua taça e foram cantar para o
povo.
Eu disse: Quando começam a me executar? Disseram: Já
começamos... por que envia sapatos para a alma?
Para ela andar na terra, eu disse. E eles: Mas por que escreve um
poema branco se a terra é toda preta?
Respondi: Porque trinta mares desembocam no meu peito.
Disseram: E por que gosta de vinho francês?
Eu disse: Porque mereço a mulher mais bela. Como quer
morrer?
Azul, como as estrelas que fluem do teto – aceitam mais vinho?
Disseram:
Aceitamos. Eu disse: Pedirei que sejam lentos, que me matem
pouco a pouco, a tempo de escrever um último poema para a
mulher do meu coração.
Mas eles se riram e da casa só roubam as palavras que direi à
mulher do meu coração.
1 Também conhecido como Mahmoud Darwich (Al-Birweh, 13 de março de 1941 - Houston, 9 de
agosto de 2008), foi um poeta e escritor palestino, nascido à época do Mandato Britânico.
Apresentação 7

Apresentação - Palestina livre do rio ao mar!


Camila Souza Menezes1

Atualmente, estamos testemunhando em Gaza o que pode ser


considerado o pior genocídio do século 21. Os jornais se resumem
a descrever os fatos como números sem história, em uma evidente
tentativa de desumanização do povo palestino e de justificação dos
atos do Estado terrorista de Israel que conta com o apoio político e
econômico dos Estados Unidos.
Para os que defendem a luta por justiça e para nós que viemos
de um país como o Brasil, que se constituiu a partir da naturaliza-
ção de hierarquias e apagamentos coloniais, exercer solidariedade
para com o povo palestino é um dever e um caminho de fortaleci-
mento da luta contra todas as injustiças. O internacionalismo como
prática militante historicamente nos incentivou a estabelecer cone-
xões entre as várias lutas pela liberdade. O internacionalismo prole-
tário defendido por Lênin, conforme escreveu a Professora Svetlana
Ruseishvili em artigo publicado por essa Revista ao tratar da defe-
sa do povo ucraniano, está enraizado na necessidade de reconhe-
cer a emancipação nacional de povos oprimidos, mesmo que essas
nações tenham uma natureza burguesa. Lênin apoiou a libertação
nacional de regiões como a Ucrânia, ele acreditava que a revolução
socialista só poderia ocorrer dentro de nações emancipadas de seu
domínio colonial. A luta do proletariado dos povos oprimidos por
emancipação tem duas frentes: contra o domínio imperial e contra
o nacionalismo burguês em seu próprio país.

1 Mestre em Sociologia e Antropologia pela UFRJ e membro da Executiva Nacional do MES/PSOL.


Apresentação 8

Se antes exercíamos nosso internacionalismo proletário jogan-


do reflexões e posições sobre a invasão de Putin na Ucrânia, hoje
a questão palestina e a luta contra o apartheid se somam e ocu-
pam um lugar central na situação política atual e são objeto de
inúmeros artigos, textos e resoluções dessa edição. Os eventos em
Gaza e suas ramificações estão redefinindo os alinhamentos da
esquerda global, separando aqueles que hesitam em tomar uma
posição clara daqueles que não têm medo de enfrentar a situação
de frente. Somos solidários com a resistência palestina, reconhe-
cendo-a como uma das lutas mais cruciais de nosso tempo.
O mundo volta sua atenção para a crise em Gaza, onde uma
guerra de caráter colonial busca suprimir a região, reforçando o
regime de apartheid. Esses eventos têm o potencial de redefinir
as dinâmicas políticas globais, desafiando os polos imperialistas
e incentivando a solidariedade internacional, não à toa várias ma-
nifestações em solidariedade a Palestina foram brutalmente repri-
midas mundo a fora, com destaque a Europa. O presidente colom-
biano, Gustavo Petro, fez um apelo para que a América Latina se
posicione contra o Estado de Israel, comparando suas ações com
as práticas nazistas. Da mesma forma, o ex-presidente boliviano,
Evo Morales, instou seu governo a romper relações e liderar a luta
pelo cessar-fogo imediato. O foco está em fortalecer a defesa da
causa palestina e fortalecer a luta pela autodeterminação dos po-
vos em todo o mundo.
O chamado a que nos somamos aqui é para uma resistência
inabalável em defesa do direito ao retorno dos refugiados, da im-
plementação das resoluções da ONU e do fim do apartheid na
região. A paz só pode ser alcançada com a restauração dos direi-
tos nacionais, civis e humanitários do povo palestino, juntamente
Apresentação 9

com a restauração de um Estado Palestino laico e soberano, com


Jerusalém como capital.
Como nos dizia Nelson Mandela: “Sabemos muito bem que
nossa liberdade é incompleta sem a liberdade das pessoas palesti-
nas”. A luta do povo palestino deve ser vista como uma extensão da
luta coletiva contra a opressão, afinal ela representa uma luta his-
tórica de 75 anos contra o apartheid e a colonização. Nossa Revista
está ao lado daqueles que defendem o direito inegável de lutar pela
liberdade, pela justiça e autodeterminação, reconhecendo e denun-
ciando o sofrimento de décadas e dos crimes de guerra cometidos,
incluindo deslocamentos forçados e massacres, ressaltando a rele-
vância contínua da luta palestina como parte de uma resistência
histórica contra a opressão e a colonização.
Neste chamado à solidariedade, reafirma-se a necessidade de
denunciar as práticas de limpeza étnica perpetradas por Israel con-
tra os palestinos, destacando a importância de uma abordagem in-
ternacionalista na defesa dessas causas. A bandeira da luta anticolo-
nial deve ser erguida em todos os lugares para derrotar o apartheid
e a guerra imperialista na Palestina.
Tratando-se de uma edição que se soma ao clamor da luta por jus-
tiça, não poderíamos concluir sem homenagear Diego Ralf Bomfim,
irmão de Sâmia Bomfim, Deputada Federal do PSOL SP e militan-
te do MES, que foi brutalmente assassinado junto de outros dois
médicos, Marcos de Andrade Corsato e Perseu Ribeiro Almeida,
todos estavam participando de um Congresso Internacional da área
de Medicina realizado na cidade do Rio de Janeiro. Fazendo coro às
palavras de Sâmia em entrevista junto a Folha de São Paulo, que re-
produzimos logo abaixo, reafirmamos nossa solidariedade e o com-
promisso de seguirmos juntos essa luta.
Apresentação 10

“Eu, como parlamentar, não só como irmã, mas unindo as duas coi-
sas, vou fazer tudo que tiver ao meu alcance para que essa situação não se
perpetue no nosso país porque hoje foi com a minha família, mas poderia
ter sido com qualquer outra, aliás, como é todos os dias. Talvez esse caso
tenha ganhado ampla repercussão, inclusive internacional, por se tratar
de um congresso internacional de médicos, em bairro nobre do Rio de
Janeiro, mas tragédias acontecem todos os dias, às vezes, em lugares me-
nos visibilizados, à margem da sociedade, e muita gente não vê ou finge
que não vê. Então é por todas elas [pessoas invisibilizadas] também que a
gente vai lutar por Justiça.” (07/10/2023)

Diego, Presente! Hoje e sempre!


A guerra de Israel
contra o povo palestino
A guerra de Israel contra o povo palestino 12

Levante na Palestina1
Tariq Ali2

Os palestinos têm o direito de resistir à agressão ininterrupta a


que estão sujeitos. Não há equivalência moral, política ou militar
no que diz respeito aos dois lados
Em dezembro de 1987, uma nova intifada irrompeu na
Palestina, abalando Israel e as elites do mundo árabe. Algumas
semanas depois, o grande poeta sírio Nizar Qabbani escreveu “A
trilogia das crianças das pedras”, em que denunciava a geração
mais velha de líderes palestinos – hoje representada pela corrupta
e colaboracionista (Não-) Autoridade Palestina. Ela foi cantada e
recitada em muitos cafés palestinos:

As crianças das pedras


disseminaram nossos papéis
verteram tinta em nossas roupas
zombaram da banalidade de textos antigos…
Ó crianças de Gaza
Não se importem com nossas transmissões
Não nos ouçam
Somos povo de frio cálculo
De adição, de subtração
Travem suas guerras e nos deixem em paz
Estamos mortos e sem túmulos
1 Publicado originalmente em inglês no site Sidecar da revista New Left Review. Tradução de Fernando
Lima das Neves publicada pelo site Outras Palavras em https://outraspalavras.net/outrasmidias/
tariq-ali-levante-na-palestina/
2 Jornalista, historiador e escritor.
A guerra de Israel contra o povo palestino 13

Órfãos sem olhos.


Crianças de Gaza
Não se refiram a nossos escritos
Não sejam como nós.
Somos seus ídolos
Não nos adorem.
Ó povo louco de Gaza,
Mil saudações aos loucos
A era da razão política já se foi há muito tempo
Então nos ensine a loucura…

Desde então, o povo palestino tem tentado todos os métodos


para conseguir alguma forma de autodeterminação significativa.
“Renunciem à violência”, disseram-lhes. E foi o que fizeram, com
exceção da retaliação singular após uma atrocidade israelense.
Entre os palestinos do país e da diáspora, houve apoio em mas-
sa ao Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS): um movimento
pacífico por excelência, que começou a ganhar força em todo o
mundo entre artistas, acadêmicos, sindicatos e, eventualmente,
governos.
Os EUA e sua família da OTAN reagiram tentando crimina-
lizar o BDS na Europa e na América do Norte, alegando, com a
ajuda de grupos de lobby sionistas, que boicotar Israel era “an-
tissemita”. Isso se mostrou bastante eficaz. Na Grã-Bretanha, o
Partido Trabalhista de Keir Starmer proibiu qualquer menção ao
“apartheid israelense” em sua próxima conferência nacional. A
esquerda trabalhista, com medo de ser banida, ficou em silêncio
sobre essa questão. Uma situação lamentável.
Enquanto isso, a maioria dos Estados árabes se juntou à
A guerra de Israel contra o povo palestino 14

Turquia e ao Egito para capitular diante de Washington. A Arábia


Saudita está atualmente em negociações, mediadas pela Casa
Branca, para reconhecer oficialmente Israel. O isolamento inter-
nacional do povo palestino parece destinado a aumentar. A resis-
tência pacífica não levou a lugar algum.
Durante todo esse tempo, as Forças de Defesa de Israel ataca-
ram e mataram palestinos à vontade, enquanto sucessivos governos
israelenses trabalharam para sabotar qualquer esperança de criação
de um Estado. Recentemente, alguns generais da reserva das Forças
de Defesa de Israel e agentes do Mossad admitiram que o que está
sendo feito na Palestina equivale a “crimes de guerra”. Mas eles só
tiveram coragem de dizer isso depois de já terem se aposentado.
Enquanto ainda serviam, eles apoiaram totalmente os colonos
fascistas nos territórios ocupados, permanecendo parados enquanto
queimavam casas, destruíam plantações de oliveiras, despejavam ci-
mento em poços, atacavam palestinos e os expulsavam de suas casas
enquanto cantavam “Morte aos árabes”. O mesmo aconteceu com
os líderes ocidentais, que permitiram que tudo isso acontecesse sem
qualquer murmúrio. A era da razão política já se foi há muito tempo,
como diria Nizar Qabbani.
Então, um dia, a liderança eleita em Gaza começa a revidar. Eles
saem de sua prisão a céu aberto e atravessam a fronteira sul de Israel,
atacando alvos militares e populações de colonos. De repente, os pa-
lestinos estão no topo das manchetes internacionais. Os jornalistas
ocidentais estão chocados e horrorizados com o fato de eles estarem
realmente resistindo. Mas por que não deveriam? Eles sabem me-
lhor do que ninguém que o governo de extrema-direita de Israel re-
taliará violentamente, apoiado pelos EUA e pela União Europeia de
boca fechada.
A guerra de Israel contra o povo palestino 15

Mas, mesmo assim, não estão dispostos a ficar sentados en-


quanto Benyamin Netanyahu e os criminosos de seu gabinete
expulsam ou matam gradualmente a maioria de seu povo. Eles
sabem que os elementos fascistas do Estado israelense não he-
sitariam em sancionar o assassinato em massa de árabes. E eles
sabem que é preciso resistir a isso por todos os meios necessários.
No início deste ano, os palestinos assistiram às manifestações em
Tel Aviv e entenderam que aqueles que marchavam para “defen-
der os direitos civis” não se importavam com os direitos de seus
vizinhos ocupados. Eles decidiram resolver o problema com suas
próprias mãos.
Os palestinos têm o direito de resistir à agressão ininterrupta
a que estão sujeitos? Com certeza. Não há equivalência moral,
política ou militar no que diz respeito aos dois lados. Israel é um
estado nuclear, armado até os dentes pelos EUA. Sua existência
não está ameaçada. São os palestinos, suas terras, suas vidas, que
estão. A civilização ocidental parece estar disposta a ficar parada
enquanto eles são exterminados. Eles, por outro lado, estão se le-
vantando contra os colonizadores.
A guerra de Israel contra o povo palestino 16

Com a Palestina, levantamos a bandeira da


luta anticolonial para derrotar o apartheid
Israel Dutra1

Os olhos do mundo recaem sobre Gaza. Após a ofensiva sur-


preendente do Hamas, está em curso uma guerra total de caráter
colonial que tem como objetivo esmagar Gaza, reforçando e colo-
cando em outro patamar o regime de apartheid.
A estratégia do Estado de Israel é combinar o cerco à Gaza com
a linha de “guerra total”. Já foram destruídas parte da infraestru-
tura elétrica e obstruindo a passagem, já precária, de alimentos
e água. Foram convocados 300 mil reservistas, inclusive residen-
tes no Brasil, para garantir a ofensiva terrestre. Estamos diante
de uma iminente invasão de tropas sobre o território palestino de
Gaza.
Já nas primeiras horas nossa organização se postulou, com a
nota firme do Secretariado Nacional do MES/PSOL. Em seguida,
a nota da IV Internacional demostrou uma posição de princípios,
colocou os parâmetros que nossa corrente internacional defende, já
traduzida em sete idiomas. Nossas figuras públicas expuseram sua
defesa da causa palestina, sendo assediadas e perseguidas, como
no caso de Luciana Genro e Roberto Robaina em Porto Alegre.
Estamos diante de um grande processo de mudanças mun-
diais, onde a necessidade de intervir para reafirmar a defesa da
causa palestina torna-se parte cada vez mais central da luta pela
autodeterminação de todos os povos do mundo.

1 Sociólogo, membro da Direção Nacional do PSOL e dirigente do Movimento Esquerda Socialista


(MES).
A guerra de Israel contra o povo palestino 17

O contexto da situação internacional


A escalada do conflito jogou mais instabilidade na com-
plexa situação internacional. O Estado de Israel vinha de
uma fratura enorme onde, apesar da unidade para avançar
sobre Gaza, Netanyahu sofria uma crescente oposição inter-
na, com os protestos contra a reforma judiciária alcançando
a casa das centenas de milhares contra seu governo de ex-
trema direita. O redesenho das relações no Oriente Médio,
com a disputa sobre a Arabia Saudita e os países petroleiros,
envolvia acordos com os Estados Unidos por um lado; e por
outro a tentativa de Irã e China de esticar a corda por outro.
A ainda caótica guerra na Ucrânia, onde a invasão russa
segue cobrando um alto custo humano e material, chega a
20 meses sem resolução à vista; só a crise do último sábado
para colocar em segundo plano a guerra na Ucrânia.
As tensões entre os polos imperialistas, sejam através
dos Brics ou da Otan, seja na questão de provocações en-
volvendo Taiwan e os orçamentos militares e nucleares nos
maiores países do mundo, fazem com que o cenário seja
explosivo.
Além da divisão entre os polos imperialistas, há uma di-
visão na própria burguesia mundial, com o auge nos Estados
Unidos. Biden e Trump estão numa luta encarniçada pelo
poder. Ainda que Trump seja o agente mais direto da extre-
ma direita com vínculos com a direita sionista, Biden não
fica atrás quando garante a legitimidade e apoio político
militar ao Estado de Israel para sua incursão sangrenta em
Gaza. Tudo isso na contramão das resoluções da ONU.
A guerra de Israel contra o povo palestino 18

Os outros aspectos latentes da situação internacional são: a)


a retomada das greves operárias nos Estados Unidos, aprovei-
tando a divisão irreversível da burguesia para arrancar conquis-
tas; b) o colapso ambiental gritante, c) a crise orgânica como
expressão política da crise geral, que teve seu capítulo mais
agudo na eleição argentina, onde a vitória de Milei e a hiperin-
flação podem levar a um “choque caótico” de trens e de interes-
ses de classe.

Divisor de águas na esquerda


Como em todo grande acontecimento, as posições das orga-
nizações e movimentos de esquerda e da classe são colocadas
à prova. No âmbito nacional e internacional podemos perceber
diferentes políticas; da nossa parte, estivemos sem hesitações
ao lado da causa palestina, dialogando com suas representações
como a FEPAL (Federação Árabe Palestina do Brasil) e outras.
A perseguição das entidades sionistas contra Luciana Genro
e Roberto Robaina no Rio Grande do Sul, que declararam de
imediato seu apoio à causa palestina, foi seguida da solidarieda-
de da FEPAL e representantes da comunidade no país. Por todo
país, participamos de atos em defesa da luta palestina, com nos-
sos militantes e bandeiras em defesa dos nossos princípios irre-
vogáveis pela autodeterminação dos povos.
Também rechaçamos à perseguição que bolsonaristas e sio-
nistas estão fazendo à professora Monica Hertz, ao DCE da
PUC-RJ e outros professores que têm sido honestos no deba-
te, mesmo não tendo posições idênticas às que defendemos e
lutamos.
A guerra de Israel contra o povo palestino 19

Por outro lado, a postura de Lula e de setores vacilantes à


esquerda representou um grande recuo na postura histórica de
apoio à Palestina. Suas declarações confundem e atrasam uma
campanha mais decidida contra o apartheid.
A votação da maioria da bancada do PSOL na Câmara dos
Deputados, capitaneada por Boulos, na aprovação de moções que
atacam à autodeterminação palestina, foi outro péssimo exemplo.
No sentido contrário, o presidente colombiano Gustavo Petro, deu
exemplo sobre como encarar o tema ao comparar a postura sionista
com os métodos nazistas dos quais o próprio povo judeu foi alvo.

Que fazer?
É necessário apoiar a causa palestina em todos os terrenos, de-
monstrando nossa solidariedade com os palestinos em demons-
trações, atos e campanhas internacionais, fortalecendo a campa-
nha BDS e todas as demais iniciativas nesse sentido.
Nossa corrente participou de todos os atos organizados pela
comunidade palestina, pela FEPAL e outros coletivos, como o que
ocorreu em frente ao centro cultural Al-Janiah em SP. Estivemos
também no ato junto ao MST e em concentrações no Rio, SP,
Brasíia, Natal, Curitiba e preparando um ato forte para Porto
Alegre no dia 18.
Fazer a disputa de narrativa nas redes é essencial. A unidade
da mídia burguesa mundial com a posição sionista criou uma ver-
dadeira censura contra todas as posições contrárias, inclusive as
mais moderadas, gerando desinformação e propaganda fake news
em enorme escala.  
A guerra de Israel contra o povo palestino 20

Não retrocederemos nem um passo na defesa do direito ao re-


torno dos refugiados, na implementação de todas as resoluções da
ONU e no fim do apartheid sionista na região. A paz só é possível
com a restauração dos direitos nacionais, civis e humanitários do
povo palestino e a restauração do Estado Palestino laico e sobera-
no, com Jerusalém como sua capital.
A guerra de Israel contra o povo palestino 21

Pelo fim do apartheid e da guerra


imperialista na Palestina1
Secretariado Nacional do MES/PSOL

A declaração de guerra de Israel contra o povo palestino, re-


alizada pelo governo de extrema direita do estado sionista co-
mandado por Benjamim Netanyahu, representa o último passo
de uma escalada de violência impulsionada recentemente por
Israel. O estado sionista é o agressor histórico na região desde a
Nakba de 1948, justificando a autodefesa do povo palestino por
mais de sete décadas. Perante esta ação de autodefesa, Israel pre-
para um massacre contra o povo palestino nos próximos dias.
O atual conflito tem um contexto. As sistemáticas agressões
realizadas por colonos israelenses contra a população palestina
nos territórios ocupados vem aumentando ainda mais após a
formação do novo governo israelense, uma aliança da direita
tradicional com partidos fundamentalistas judeus que tem sua
principal expressão no ministro fascista Itamar Ben Gvir, um
defensor declarado da colonização ilegal, da violência e do apar-
theid contra o povo palestino.
Os milhares de palestinos assassinados e agredidos são uma
parte expressiva da população que vive confirmada em Gaza
e na Cisjordania e resiste ao exército sionista invasor, repre-
sentante direto dos interesses imperialistas na região. Em mo-
vimentação recente, inclusive os árabes israelenses tem agora
seus direitos civis questionados, em uma transformação ainda

1 Publicada em 7 de outubro de 2023.


A guerra de Israel contra o povo palestino 22

mais autoritária e racista do estado sionista que caminha para


uma teocracia.
As inúmeras vítimas civis deste conflito são fruto da violência
israelense e da ocupação das terras palestinas. O povo palestino
tem o mesmo direito à autodeterminação que os ucranianos, os
curdos e tantas outras populações que hoje lutam contra a opres-
são estrangeira em seus territórios e devem receber a mesma so-
lidariedade internacional.
Todo apoio à luta do povo palestino!
Palestina Livre!
A guerra de Israel contra o povo palestino 23

Solidariedade com o povo palestino – fim da


ocupação!1
IV Internacional

A causa principal da violência é a ocupação da Palestina


pelo Estado israelense. O povo palestino tem sofrido o impacto da
morte e da destruição nos últimos 75 anos. A situação na Faixa
de Gaza é particularmente desumana: aqui, a população tem sido
submetida a humilhação contínua, punição coletiva e violência
por parte do Estado israelense. Os pedidos por uma “desescalada”
são inúteis, as condenações unilaterais da violência do Hamas são
hipócritas, enquanto essa causa fundamental não for abordada.
O Estado israelense, governado por várias coalizões, adotou a
estratégia de transformar a Faixa de Gaza em uma prisão a céu
aberto, submetendo sua população a ofensivas violentas regula-
res. A ofensiva do Hamas demonstrou a natureza insustentável
dessa estratégia desumana; mas, em vez de buscar maneiras de
acabar com a violência e o sofrimento, o Estado colonial israelen-
se, apoiado por governos de todo o Ocidente, está apenas redo-
brando sua estratégia, tornando inevitáveis mais derramamento
de sangue e sofrimento.
Já se ouvem vozes pedindo a intensificação da opressão contra
o povo palestino, com membros do governo israelense adotando
uma retórica genocida sobre a luta contra “bestas desumanas” e
apelos totalmente cínicos para que o povo palestino deixe a Faixa
de Gaza se quiserem se salvar das operações israelenses. Isso sig-

1 Declaração da IV Internacional sobre a situação da Palestina publicada em 7 de outubro de 2023.


A guerra de Israel contra o povo palestino 24

nifica piorar ainda mais uma situação que está gerando muitas
vítimas civis palestinas e israelenses, vítimas que lamentamos.
Condenamos a hipocrisia daqueles que agem como se a violên-
cia tivesse surgido do nada e ignoram 75 anos de opressão colo-
nial do povo palestino pelo Estado de Israel. Nada pode justificar
o ataque a civis, e esse padrão deve ser universalmente respeita-
do na condenação de todos os crimes de guerra. Recusamo-nos
a nos juntar ao coro daqueles que condenam a violência quando
cometida por palestinos, mas a ignoram ou, como os governos
ocidentais, a apoiam ativamente na forma de crimes de guerra
contínuos e crimes contra a humanidade quando cometidos pelo
Estado de Israel. A chamada comunidade internacional é profun-
damente cúmplice em tornar a violência inevitável e não oferece
soluções para lidar com o que a causa: a ocupação contínua das
aldeias palestinas. Essa opressão, realizada por um Estado que
é muito superior militarmente e apoiado pelos países mais po-
derosos do mundo, tornará inevitáveis futuras explosões violen-
tas. Todos aqueles que apoiaram essa ocupação por décadas são
responsáveis.
Não compartilhamos da estratégia e das táticas do Hamas por-
que esse caminho não pode acabar com a ocupação, que é a única
maneira de acabar com a violência. O fim da ocupação só é pos-
sível por meio da resistência coletiva das massas palestinas, jun-
tamente com os ativistas antiguerra no Estado de Israel e com o
apoio de seus aliados internacionais. Como Quarta Internacional,
temos orgulho de estar entre esses aliados.
Apoiamos o povo palestino em sua resistência contínua contra
o colonialismo israelense e em sua luta pela autodeterminação.
É por isso que pedimos a intensificação do apoio à campanha
A guerra de Israel contra o povo palestino 25

BDS, às declarações e às demonstrações de solidariedade ao povo


palestino.
Nossos objetivos são o fim do colonialismo israelense e um
Estado com direitos iguais para todo o seu povo. Em nível imedi-
ato, exigimos o fim das ações do Estado israelense contra a popu-
lação palestina em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental;
e o fim de qualquer tipo de relacionamento com o regime de
apartheid colonial israelense.
A guerra de Israel contra o povo palestino 26

Nota da FEPAL em solidariedade à deputada


Luciana Genro e ao vereador Roberto
Robaina
Federação Árabe Palestina do Brasil (FEPAL)

Esta Federação Árabe Palestina do Brasil vem a público para,


primeiro, agradecer à deputada estadual Luciana Genro (PSOL-
RS) e ao vereador em Porto Alegre Roberto Robaina (PSOL-RS)
por sua solidariedade ao povo palestino, manifestadas ontem, e
defendê-los veementemente diante da violência que sofreram de
parte dos defensores do projeto colonial sionista que se abate so-
bre a Palestina desde 1947.
Luciana Genro apenas disse a verdade. Que Gaza é a maior pri-
são a céu aberto, conforme já dito pela ONU em relatório recente.
Que a Palestina vive sob “regime militar e colonial de ocupação”,
conforme já dito pela ONU e por todas as ONGs internacionais
de Direitos Humanos. E que a resistência palestina é legal pelo
Direito Internacional, sendo “ilegal o Apartheid, o colonialismo e
a limpeza étnica” aplicados na Palestina. E foi ao centro da narra-
tiva fascista israelense ao afirmar que “tratar a resistência pales-
tina como terrorismo seria equivalente a tratar da mesma forma
o levante dos judeus contra os nazistas em Varsóvia, no ano de
1943”. Isso deve ter calado fundo nos sionistas, reprodutores, na
Palestina, das priores mazelas já vividas pela humanidade.
O que Robaina manifestou também é fartamente documen-
tado, como, por exemplo, que “os governantes de Israel fazem do
país um lugar cuja natureza é a ocupação permanente dos territó-
A guerra de Israel contra o povo palestino 27

rios palestinos” e que os palestinos “são vigiados como se vives-


sem em campos de concentração”. Novamente as piores chagas
da humanidade são revividas para narrar o que se dá na Palestina
e isso incomoda os que trocaram tão facilmente a empunhadura
do chicote fascista.
Os novos defensores de campos de concentração, genocídio
programado de todo um povo, que construíram um regime de
Apartheid na Palestina e que buscam uma verdadeira SOLUÇÃO
FINAL que leve à total limpeza étnica do povo palestino não têm
autoridades moral, ética, intelectual ou política para deformações
imorais dirigidas contra estes dois parlamentares.
Novamente agradecemos aos dois parlamentares, seja pela so-
lidariedade de agora, seja pela de sempre. Sabemos reconhecer
nossos amigos e ser gratos a eles. Mas sabemos mais: defendê-
-los dos ataques imorais e levianos, partidos de fascistas que re-
presentam perigo existencial não apenas ao povo, mas a toda a
humanidade.
Palestina livre do Apartheid a partir do Brasil, 8 de outu-
bro de 2023, 76º ano da Nakba.
A guerra de Israel contra o povo palestino 28

Solidariedade a Luciana Genro diante dos


ataques sionistas e da extrema-direita
Várias/os autoras/es

Israel colocou em marcha, após uma ofensiva surpreendente


do Hamas, uma guerra total de caráter colonial cuja finalidade é
esmagar Gaza, fortalecendo e levando a outro patamar o projeto
sionista que se abate sobre a Palestina há mais de 75 anos. A de-
claração de guerra levada adiante pelo governo de extrema-direita
de Netanyahu, com o cerco à Gaza, representa um passo firme do
Estado de Israel que visa a aniquilação do povo palestino.
A bandeira da luta anticolonial precisa ser levantada em todos
os terrenos para impor uma derrota ao apartheid e a guerra impe-
rialista na Palestina. Não por acaso o sionismo, em unidade com
a mídia burguesa mundial e os países imperialistas, como França
e EUA, criminalizam a luta em defesa da Palestina. Na França,
um deputado macronista defendeu a dissolução do NPA em fun-
ção do apoio à luta palestina. Macron, por sua vez, proibiu mani-
festações pró-Palestina, recebendo uma resposta contundente das
ruas que não aceitaram esse ataque às liberdades democráticas.
Nos Estados Unidos, a deputada Rashida Tlaib, do DSA, está sob
ameaça de sanções por questionar o apoio “sólido e inabalável” de
Biden a Israel, cuja ajuda militar supera 3,8 bilhões de dólares ao
exército israelense.
Já no Brasil, o apoio sem hesitações de Luciana Genro, fun-
dadora do PSOL e deputada estadual do Rio Grande do Sul, à
Palestina está causando uma perseguição política de larga escala
do sionismo. Desde que Luciana denunciou o regime militar e
A guerra de Israel contra o povo palestino 29

colonial de ocupação ao qual a Palestina está submetida há dé-


cadas, multiplicaram-se os ataques de toda ordem que visam de-
sestabilizar seu mandato e, no limite, calar sua voz. Agora, 6 de-
putados de extrema-direita ingressaram com uma representação
na Comissão de Ética da Assembleia Legislativa, acusando-a de
antisemitismo, xenofobia e racismo. A Federação Árabe Palestina
do Brasil (FEPAL) prontamente prestou solidariedade a Luciana
Genro e se posicionou em sua defesa contra os ataques sionistas
e da extrema-direita.
Declaramos todo nosso apoio e solidariedade à Luciana Genro,
porta-voz fundamental de todas causas democráticas e também
da defesa do povo palestino. Os ataques do sionismo e da ex-
trema-direita não nos intimidarão! Não retrocederemos nem um
passo na defesa do direito ao retorno dos refugiados, na imple-
mentação de todas as resoluções da ONU e no fim do apartheid
sionista na região. Por uma Palestina livre!
Assinam:
Michael Lowy, Éric Toussaint (porta-voz internacional
CATDM), Ana Mercedes Sarria Icaza (membro do Comitê de
Solidariedade com a Nicarágua), Humberto Meza (pesquisador da
UFRJ e membro do Comitê de Solidariedade com a Nicarágua),
Isolina Centeno Ubeda (membro do Comitê de Solidariedade co
m a Nicarágua); Alemanha: Jakob Schäfer (trade union-
ist); Argentina: Eduardo Lucita (Economistas de Esquerda),
Alejandro Bodart (Coordenador da LIS e dirigente do MST na
Frente de Izquierda Unidad), Cele Fierro (dirigente do MST na
Frente de Izquierda Unidad), Vilma Ripoll (deputada nacional
eleita pelo MST na Frente de Izquierda Unidad), Luciana Echevarría
(deputada de Córdoba pelo MST na Frente de Izquierda Unidade),
A guerra de Israel contra o povo palestino 30

Guillermo Pacagnini (deputado eleito pela província de Buenos


Aires pelo MST na Frente de Izquierda Unidad), Vanesa Gagliardi
(deputada de CABA pelo MST na Frente de Izquierda Unidad),
Priscila Ottón – vereadora de Neuquén pelo MST na Frente de
Izquierda Unidad), Leonardo Rivero (deputada de Jujuy pelo MST
na Frente de Izquierda Unidad), Betina Rivero (vereadora de
Palpalá, Jujuy, pelo MST na Frente de Izquierda Unidad), Sergio
García (diretor do Periodismo de Izquierda), Romina del Pla (dep-
utada nacional do Partido Obrero), Gabriel Solano (legislador
CABA do Partido Obrero), Vanina Biassi (membro do Comitê
Nacional e candidata a chefe de governo de CABA pelo Partido
Obrero), Nestor Pitrola (Comitê Nacional do Partido Obrero),
Guillermo Kane (legislador da província de Buenos Aires pelo
Partido Obrero), Pablo Heller (Comitê Nacional e integrante da
Comissão Internacional do Partido Obrero), Rafael Santos (Comitê
Nacional e integrante da Comissão Internacional do Partido
Obrero), Myriam Bregman (deputada nacional pelo PTS-FITU),
Alejandro Vilca (deputado nacional pelo PTS-FITU) Nicolás Del
Caño (deputado nacional pelo PTS-FITU), Jorgelina Matvesicus
(corrente Marabunta); Austrália: Pip Hinman (editor do Green
Left), Susan Price (editora do Green Left), Dick Nichols (corre-
spondente na Europa do Green Left), Jacob Andrewartha (co-or-
ganizador nacional do Socialist Alliance), Frederico Fuentes (edi-
tor de LINKS International Journal of Socialist Renewal); Colôm
bia: Coordinadora Socialista membro do Pacto Histórico de
Colombia, Darío González Posso (ativista de Direitos Humanos,
membro da Coordinación de INDEPAZ), Wilson Arias (Senador
do Pacto Histórico); Costa Rica: Carlos Alberto Gómez Ramos
(Secretario Geral do Sindicato de la Salud y Seguridad Social –
A guerra de Israel contra o povo palestino 31

SISSS), Orlando Barrantes Cartín (Presidente Bloque de Vivienda,


dirigente do Movimiento de Trabajadores y Campesinos – MTC),
Orlando Barrantes (dirigente do MTC – Movimiento de
Trabajadores y Campesinos); Cuba: Frank García Hernández
(Blog Comunistas); Equador: Iván Maldonado G (dirigente da
Comuna), Natalia Sierra (dirigente da Comuna), Napoleón Saltos
(dirigente da Comuna), Ana Cecilia Salazar (dirigente da Comuna),
Francisco Muñoz (Movimiento Montecristi Vive), Mario Unda
Soriano (MRT), Fernando López Romero (MRT), Carlos Rojas
Reyes (MRT), Carlos Rojas Cajmarca (MRT), Carlos Lima (MRT),
Alexandra Idrovo (MRT); Escócia: Iain Bruce (jornalista e ativis-
ta pela justiça climática); Espanha: Carlos Girbau (vereador de
Mas Madrid, Ciempozuelos), Jesús Uzkudun (portavoz da
Asociación de Víctimas del Amianto de Euskadi, Asviamie),
Agustín Santos Maraver (deputado Sumar), Alfons Bech (equipe
internacional de La Aurora – organización marxista), Miguel
Urban (Eurodeputado do Anticapitalistas), Ana Miranda (euro-
deputada Bloque Nacionalista Galego), Idoia Villanueva (eurodep-
utada Podemos), Andy Durgan (Historiador, Autor de “Voluntarios
por la revolución”, militante do Anticapitalistas), Pep Valenzuela
(jornalista e editor de Malarassa), David Companyon (ex-deputa-
do do Parlamento); Estados Unidos: Kristin Schall (Comitê
Político Nacional do DSA), Laura Wadlin (Comitê Político
Nacional do DSA), Alex Pellitteri (Comitê Político Nacional do
DSA), Philip Locker (DSA Seattle e Reform &
Revolution); França: Pierre Rousset (ESSF), Léon Crémieux
(NPA), Christian Varin (ativista de solidariedade internacional,
unionist), Christine Poupin (NPA), Jan Malewski (editor do
Inprecor); Inglaterra: Alex Callinicos (direção nacional do SWP),
A guerra de Israel contra o povo palestino 32

Pennepole Dugan; Irlanda: Paul Murphy (TD), Richard Boyd


Barrett (TD), Brid Smith (TD), Gino Kenny (TD), Gerry Carroll
(MLA); Itália: Roberto Firenze (sindicalista,Sial Cobas,retraite di
travail R.F); México: Gilberto Conde (professor pesquisador do
Colegio de México), José Luis Rojas Díaz (integrante do Movimiento
Socialista del Poder Popular), José Luis Hernández Ayala (sindi-
calista), Gabriela Pérez Noriega (Museu Casa Leon Trotsky),
Eduardo Moshes (poeta e acadêmico), Heather Dashner Monk
(feminista), Héctor Armando Valadez George (dirigente da
CONUR – Coordinadora Nacional de Usuarios en Resistencia),
Antonio García Padilla (professor universitário), Raúl Villegas
Dávalos (acadêmico UACM), Octavio López Ruíz (magistério),
Tania Valadez George (professora universitária), Marcos Fuentes
(integrante do Partido Morena), Raúl Jiménez Lescas (diretor do
Instituto Nacional de Formación Político Sindical), Peter Geler
(Coordinadora de Solidaridad con Palestina – México), José
Alfredo Pérez Ferrer (secretário geral e delegado nacional do
Sindicato de Trabajadores Transportistas “Rodolfo Esteba Marín”),
Yuri Moctezuma Santamaría Granados (secretario geral do
Sindicato de Empleados del CONALEP Michoacán), Gabriela
León Corona (vocal do Sindicato Nacional do INAH), Martha
Edeni Gutiérrez Hernández (secretária geral do Sindicato de
Trabajadores de la Universidad Michoacana), Leticia Peñaloza
Rueda (secretária geral do Sindicato Justhos del Colegio de
Bachilleres del Estado de Michoacán), Francisco Leonel Campos
Vargas (secretário geral do Sindicato de Transportistas “Lázaro
Cárdenas”); Panamá: Olmedo Beluche (Polo Ciudadano de
Panamá), Maribel Gordon (candidata presidencial independente
pela organizações populares), Richard Morales (candidato a vice-
A guerra de Israel contra o povo palestino 33

presidente de Maribel Gordon), Fernando Cebamanos (presidente


do Partido Frente Amplio por la Democracia – FAD), Roberto
Abrego (presidente da Associación de Profesores de Panama –
ASOPROF), Donaldo de Sousa (presidente da Federacion de
Professionales de Panama – FEDAP), Aida Torres (Asociacion de
Comunidades del Area Canalera), Eliecer Batista (dirigente do
Sindicato Nacional de Trabajadores de la Universidad de Panama),
Saul Mendez (secretário geral do SINDICTO), Federacion
Autentica de Trabajadores, Aurelio Robles (Movimiento Alternativa
Socialista – IV Internacional), Ivan Soler (secretário geral do
Sindicato de Trabajadores de la Autoridad Portuaria de Panama),
Alejandro John (Federacion Unitaria de la Clase
Trabajadora); Parlasul: Elena Corregido (Parlasul Argentina),
Julie Perie (Parlasul Argentina), Arlindo Chinaglia (Parlasul
Brasil), Carlos Lopez (Parlasul Argentina), Bettiana Diaz Rey
(Parlasul), Ubaldo Aita (Parlasul Uruguay), Daniel Caggiani
(Parlasul Uruguai), Amanda Della Ventura (Parlasul Uruguai),
Martha Ruiz (Parlasul Bolívia); Paquistão: Haqooq Khalq (Party
Pakistan); Paraguai: Julián Benítez Gamarra (Partido
Convergencia Popular Socialista), Ylse Rios (Partido Convergencia
Popular Socialista); Peru: Enver Leon (secretário geral do
Movimiento Nuevo Perú), Evelyn Capchi (secretária de
Organização Nacional do Movimiento Nuevo Perú), Jorge
Escalante (dirigente nacional do Nuevo Perú e responsável políti-
co da corrente “Súmate”), Flavio Olortegui Roca (secretário geral
do Sindicato de trabajadores Obreros y Empleados de la textil
Nuevo), Aleardo Ferrando (Direção Nacional do SÚMATE, cor-
rente do Movimiento Nuevo Perú), Aida Garcia Naranjo Morales
(Secretária de relações internacionais do Movimiento Nuevo Perú
A guerra de Israel contra o povo palestino 34

y dirigente nacional do Partido Socialista), Eduardo Ticeran (di-


rigente da Federación de Productores Agropecuarios del Valle del
Monzón/ Huanuco), Hernando Cevallos (Coordenador Nacional
do MUP – Movimiento por la Unidad Popular), Rosa Varillas
(Comissão Política Nacional do MUP – Movimiento por la Unidad
Popular), Daniel Siguas (Comissão Política Nacional do MUP –
Movimiento por la Unidad Popular); Portugal: Francisco Louçã
(Economista), Alda Sousa (Professora Universitária), José Gusmão
(Eurodeputado Bloco de Esquerda), Marisa Matias (Eurodeputada
Bloco de Esquerda), Joana Mortágua (Bloco de Esquerda); Porto
Rico: Rafael Bernabe Riefkohl (Senador, Movimiento Victoria
Ciudadana), Natalia Santos Orozco (docente UPR e integrante de
Democracia Socialista Puerto Rico), Jorge Lefevre Tavárez (inte-
grante de Democracia Socialista, Vicepresidente de la Asociación
Puertorriqueña de Profesores Universitarios), Sebastián Cabrer
Montalvo (professor aposentado. membro da Democracia
Socialista), Javier Andrés Córdova Sánchez (trabalhador social co-
munitário e integrante da Democracia Socialista), Manuel
Rodríguez Banchs (advogado trabalhista e integrante da
Democracia Socialista), Ramón Rosario Luna (professor de
Sociología en la Universidad de Puerto Rico y membro da
Democracia Socialista), Alberto Ruiz Bunker (estadístico e inte-
grante da Democracia Socialista), Javier Córdova Iturregui (mem-
bro da Democracia Socialista e integrante da Junta Nacional de la
Asociación Puertorriqueña de Profesores Universitarios), Jorge L.
Colón Rivera (professor universitario da Universidad de Puerto
Rico-Recinto de Río Piedras e integrante da Democracia
Socialista); Suíça: Térence Durig (militante do solidaritéS),
Gabriella Lima (militante do solidaritéS), Joseph Daher (universi-
A guerra de Israel contra o povo palestino 35

tário e militante do solidaritéS), Mathilde Marendaz (députée


Ensemble à Gauche au Grand Conseil Vaudois), Beatriz Duarte
Wirth (militante do solidaritéS); Venezuela: Juan García
(Aporrea), Gonzalo Gómez (Aporrea), Luis Bonilla-Molina (do-
cente universitário e integrante do comitê diretico do CLACSO),
Stalin Perez (Editor do 1resisto.com, e dirigente da Liga Unitaria
Chavista Socialista LUCHAS), Zuleika Matamoros (Docente,
Comunicadora Popular e militante revolucionária), Saul Ortega,
Roberto López Sánchez (Plataforma Ciudadana de defensa de la
Constitución), Héctor Navarro (Plataforma Ciudadana de defensa
de la Constitución), Jesús Puerta (Universidad de Carabobo,
Grupo pensamiento crítico).
História da luta pela
libertação da Palestina
História da luta pela libertação da Palestina 37

Faixa de Gaza: a história do enclave1


Maha Nassar2

O foco do conflito no Médio Oriente voltou novamente


para a Faixa de Gaza, com o ministro da defesa de Israel
ordenando “um cerco completo” ao enclave palestiniano.
A operação militar, que envolve um extenso bombarde-
amento de residências, ocorre após um ataque surpresa em
7 de outubro de 2023, realizado por militantes do Hamas
que se infiltraram em Israel a partir de Gaza e mataram
mais de 900 israelitas.
Em ataques aéreos de represália, o exército israelita ma-
tou mais de 800 habitantes de Gaza. E este número pode
aumentar nos próximos dias. Enquanto isso, uma ordem
para cortar todos os alimentos, eletricidade e água para
Gaza só piorará a situação dos residentes no que tem
sido chamado de “a maior prisão a céu aberto do mundo”.
Mas como Gaza se tornou uma das regiões mais den-
samente povoadas do planeta? E por que agora é o lar da
ação militante palestiniana? Como estudiosa da história
palestina, acredito que entender as respostas a estas per-
guntas fornece um contexto histórico crucial para a violên-
cia atual.

1 Artigo originalmente publicado no site The Conversation em 10 de outubro. Reprodução editada


da tradução para o português realizada e disponibilizada em: https://www.esquerda.net/artigo/
faixa-de-gaza-historia-do-enclave/88015.
2 Professora na Escola de Estudos do Oriente Médio e Norte de África da Universidade do Arizona.
História da luta pela libertação da Palestina 38

Uma breve história de Gaza


A Faixa de Gaza é um pedaço estreito de terra na costa su-
deste do Mar Mediterrâneo. Com aproximadamente o dobro
do tamanho de Washington, D.C., ela está encravada entre
Israel, ao norte e a leste, e o Egito, ao sul.
Antigo porto comercial e marítimo, Gaza há muito tempo
faz parte da região geográfica conhecida como Palestina. No
início do século XX, era habitada principalmente por árabes
muçulmanos e cristãos que viviam sob o domínio otomano.
Quando a Grã-Bretanha assumiu o controle da Palestina após
a Primeira Guerra Mundial, os intelectuais de Gaza aderiram
ao emergente movimento nacional palestiniano.
Durante a guerra de 1948, que estabeleceu o Estado de
Israel, os militares israelitas bombardearam 29 aldeias no sul
da Palestina, levando dezenas de milhares de moradores a fu-
gir para a Faixa de Gaza, sob controle do exército egípcio que
foi mobilizado depois de Israel ter declarado independência. A
maioria deles e os seus descendentes permanecem lá até hoje.
Após a Guerra dos Seis Dias de 1967 entre Israel e os seus
vizinhos árabes, a Faixa de Gaza ficou sob ocupação militar
israelita. A ocupação resultou em “violações sistemáticas dos
direitos humanos”, de acordo com o grupo de defesa dos di-
reitos humanos Anistia Internacional, incluindo a expulsão
de pessoas das suas terras, a destruição de casas e o esma-
gamento até mesmo de formas não violentas de dissidência
política.
Os palestinos realizaram duas grandes revoltas, em 1987-
1991 e em 2000-2005, na esperança de acabar com a ocupa-
ção e estabelecer um Estado palestiniano independente.
História da luta pela libertação da Palestina 39

O Hamas, um grupo militante islamista palestiniano com


sede em Gaza, foi fundado em 1988 para lutar contra a ocu-
pação israelita. O Hamas e outros grupos militantes lançaram
repetidos ataques contra alvos israelitas em Gaza, levando à re-
tirada unilateral de Israel de Gaza em 2005. Em 2006, foram
realizadas eleições legislativas na Palestina. O Hamas venceu o
seu rival secular, Fatah, que tinha sido amplamente acusada de
corrupção. Não são realizadas eleições em Gaza desde 2006,
mas uma sondagem de março de 2023 revelou que 45% dos
habitantes de Gaza apoiariam o Hamas em caso de votação, à
frente da Fatah com 32%.
Após um breve conflito entre militantes do Hamas e do
Fatah em maio de 2007, o Hamas assumiu o controle total da
Faixa de Gaza. Desde então, Gaza está sob o controle adminis-
trativo do Hamas, embora ainda seja considerada sob ocupação
israelita pelas Nações Unidas, pelo Departamento de Estado
dos EUA e por outros órgãos internacionais.

Quem são os palestinos de Gaza?


Os mais de 2 milhões de habitantes da Faixa de Gaza fa-
zem parte da comunidade palestina global de 14 milhões de
pessoas. Cerca de um terço dos habitantes de Gaza tem as
suas raízes familiares em terras dentro da Faixa de Gaza.
Os dois terços restantes são refugiados da guerra de 1948 e
os seus descendentes, muitos dos quais são originários de ci-
dades e aldeias à volta de Gaza.
Os palestinos de Gaza tendem a ser jovens: quase metade
da população tem menos de 18 anos. O enclave também é
muito pobre, com uma taxa de pobreza que chega a 53%.
História da luta pela libertação da Palestina 40

Apesar desse quadro econômico sombrio, os níveis de edu-


cação são bastante altos. Mais de 95% das crianças entre 6 a 12
anos de idade de Gaza estão na escola. A maioria dos estudantes
palestinos em Gaza conclui o ensino médio e 57% dos estudan-
tes da prestigiosa Universidade Islâmica de Gaza são mulheres.
Porém, devido às circunstâncias do seu ambiente, os jovens pa-
lestinos em Gaza têm dificuldade em levar uma vida plena. Para
os licenciados com idade entre 19 e 29 anos, a taxa de desem-
prego é de 70%. E uma pesquisa do Banco Mundial realizada no
início deste ano constatou que 71% dos habitantes de Gaza apre-
sentam sinais de depressão e altos níveis de Transtorno de Stress
Pós-Traumático.
Há vários fatores que contribuem para estas condições. Um
fator importante é o bloqueio paralisante de 16 anos que Israel e
o Egito – com o apoio dos EUA – impuseram a Gaza.

Anos de bloqueio
Logo após as eleições de 2006, o governo Bush tentou forçar
a saída do Hamas do poder e apoiar um líder rival do partido
Fatah, considerado mais amigável a Israel e aos EUA. O Hamas
antecipou-se ao golpe e assumiu o controle total de Gaza em maio
de 2007. Em resposta, Israel e Egito – com o apoio dos EUA e da
Europa – fecharam as passagens de fronteira para dentro e fora
da Faixa de Gaza e impuseram um bloqueio terrestre, aéreo e
marítimo.
O bloqueio, que ainda está em vigor, limita a importação de ali-
mentos, combustível e material de construção; limita a distância
que os pescadores de Gaza podem percorrer no mar; proíbe quase
todas as exportações; e impõe limitações rigorosas ao movimento
História da luta pela libertação da Palestina 41

de pessoas que entram e saem de Gaza. Em 2023, Israel permitiu


que apenas cerca de 50.000 pessoas por mês saíssem de Gaza, de
acordo com dados da ONU.
Os anos de fechamento devastaram a vida dos palestinos em
Gaza. Os habitantes de lá não têm água suficiente para beber e
para o saneamento. Enfrentam cortes de eletricidade que duram
de 12 a 18 horas por dia. Sem água e eletricidade adequadas, o frá-
gil sistema de saúde de Gaza está “à beira do colapso”, de acordo
com o grupo de direitos médicos Medical Aid for Palestine.
Estas restrições atingem especialmente os jovens e os mais
fracos de Gaza. Israel rotineiramente nega a doentes as autoriza-
ções necessárias para receber atendimento médico fora de Gaza.
Estudantes brilhantes com bolsas de estudo para estudar no ex-
terior frequentemente descobrem que estão impossibilitados de
sair.
Especialistas da ONU afirmam que este bloqueio é ilegal
de acordo com o direito internacional. Argumentam que o blo-
queio equivale a uma punição coletiva dos palestinos de Gaza,
uma violação da Convenção de Haia e das Convenções de Genebra
que formam a espinha dorsal do direito internacional.

O sofrimento não tem fim


Israel afirma que o bloqueio em Gaza é necessário para ga-
rantir a segurança da sua população e será suspenso quando o
Hamas renunciar à violência, reconhecer Israel e cumprir os acor-
dos anteriores.
Mas o Hamas sempre rejeitou esse ultimato. Em vez disso,
os combatentes militantes intensificaram o disparo de fogue-
tes e morteiros caseiros em áreas povoadas ao redor da Faixa de
História da luta pela libertação da Palestina 42

Gaza em 2008, procurando pressionar Israel a suspender o blo-


queio. Eles têm vindo a atacar esporadicamente Israel dessa
forma durante os anos seguintes.
Israel lançou quatro grandes ataques militares em Gaza –
em 2008-09, 2012, 2014 e 2021 – com o objetivo de destruir
a capacidade militar do Hamas. Essas guerras mataram 4.000
palestinos, mais da metade dos quais eram civis, além de 106
pessoas em Israel.
Durante esse período, a ONU estima que houve mais de cin-
co bilhões de dólares de danos às residências, agricultura, in-
dústria, eletricidade e infraestrutura hídrica de Gaza.
Cada uma destas guerras terminou num cessar-fogo frágil,
mas sem uma solução real para o conflito. Israel procura dis-
suadir o Hamas de lançar foguetes. O Hamas e outros grupos
militantes afirmam que, mesmo quando mantiveram os ces-
sar-fogo anteriores, Israel continuou a atacar os palestinos e re-
cusou-se a suspender o bloqueio.
O Hamas ofereceu uma trégua de longo prazo em troca de
Israel acabar com o bloqueio em Gaza. Israel recusou-se a acei-
tar a oferta, mantendo a sua posição de que o Hamas deve pri-
meiro acabar com a violência e reconhecer Israel.
Nos meses que antecederam a última escalada, as condi-
ções em Gaza deterioraram-se ainda mais. O Fundo Monetário
Internacional informou em setembro que a perspectiva econô-
mica de Gaza “continua péssima”. As condições tornaram-se
ainda mais terríveis quando Israel anunciou, em 5 de setembro
de 2023, que ia interromper todas as exportações de uma im-
portante passagem de fronteira de Gaza.
História da luta pela libertação da Palestina 43

Sem um fim à vista para o sofrimento causado pelo bloqueio,


parece que o Hamas decidiu romper o status quo com um ata-
que surpresa contra israelitas, inclusive civis. Os ataques aéreos
de represália de Israel e a imposição de um “cerco completo” à
faixa causaram ainda mais sofrimento aos cidadãos comuns de
Gaza.
É um trágico lembrete de que os civis são os principais afeta-
dos por este conflito.
História da luta pela libertação da Palestina 44

Michel Raptis, Pablo, o revolucionário sem


amarras1
Dave Kellaway2

Hoje em dia não se ouve muito o termo pablista. Recordo que


quando se usava para insultar a gente como eu no Grupo Marxista
Internacional (GMI) britânico lá pelos anos setenta, me descon-
certava um tanto. Normalmente era proferido por algum militan-
te disfarçado para parecer da classe trabalhadora que passava o
dia vendendo Workers Press. Se considerava que havíamos aban-
donado a posição trotskista ortodoxa sobre os Estados burocrati-
zados do leste europeu e da URSS e que estávamos muito interes-
sados na revolução anticolonial. Naquele momento, Michel Raptis
(Pablo) havia se separado da maioria da IV Internacional (CI) há
algum tempo precisamente pelo enfoque dado a essas questões.
No entanto, aqueles sectários e muitos outros seguem tentando
diminuir o papel de Pablo na preservação da honra e da credibili-
dade do marxismo revolucionários antiestalinista.
Independentemente do que se pense sobre suas fortalezas e
debilidades políticas, Pablo foi um intelectual revolucionário in-
comparável. Escapou do sequestro e possível morte da Gestapo,
do Estado francês, da OAS (defensores dos colonos argelinos fran-
ceses), dos militares golpistas argelinos e do regime fascista de

1 Resenha de The Well-Dressed Revolucionary. The Odyssey of Michel Pablo in the age of uprising. Hall
Greeland: Resistance Book, 2023. Publicado originalmente em Viento Sur e traduzido por Júlio Pontes para a
Revista Movimento.
2 Membro do conselho editorial de Anti*Capitalist Resistance, de Socialist Resistance e do Partido
Trabalhista de Hackney e Stoke Newington. Colabora com International Viewpoint e Europe Solidaire
Sans Frontières.
História da luta pela libertação da Palestina 45

Pinochet. As autoridades holandesas o prenderam dois anos por


ajudar materialmente a FLN (Frente de Libertação Nacional) ar-
gelina, que combatia pela independência dos franceses. Na Grécia,
seu país natal, o mandaram duas vezes ao exílio.
Pablo organizou a fabricação de armas para a FLN, dirigiu re-
des de ativistas que cruzaram fronteiras transportando malas com
dinheiro, administrou a falsificação de documentos de identida-
de, falsificou dinheiro, e foi capaz de organizar fugas da prisão de
importantes dirigentes. Ajudou com sua intervenção na operação
militar de Che Guevara no Congo. Ali onde se produziam explo-
sões revolucionárias estava ele com o dom de sua onipresença: em
Cuba, Iugoslávia, Argélia, Chile, Portugal, e na França em 1968.
Seu funeral foi organizado pela esquerda grega mais relevante.
Estiveram muitos contato com os quais trabalhou e assessorou,
incluindo representantes de Estados.
Hall Greenland compôs uma excelente biografia que é também
uma boa introdução aos debates que atravessaram a esquerda re-
volucionária durante a maior parte do século XX após a Segunda
Guerra Mundial. Fornece o contexto histórico de fundo para sus-
tentar debates que, de outra forma, poderiam parecer estranhos
ao ativismo atual. Por exemplo, o que parece uma ênfase excessi-
va de Pablo em uma nova guerra entre Ocidente e União Soviética
se entende melhor no contexto da Guerra da Coréia e a Revolução
Chinesa.
Em geral, se trata de um relato bastante justo que examina
tanto as qualidades com as insuficiências de Pablo. A avaliação do
seu impacto quando estava tanto dentro como fora do CI desmen-
te eficazmente o mito de que a esquerda revolucionária antiesta-
linista não era mais que punhado de charlatões totalmente isola-
História da luta pela libertação da Palestina 46

dos do movimento popular. É importante que nosso movimento


mostre o devido respeito aos nossos mais velhos que tiveram que
lutar tanto contra a repressão capitalista como contra a estalinis-
ta, especialmente quando nós, na Grã Bretanha, temos escapado
dela até agora. Podemos seguir aprendendo com os debates entre
Pablo e seus correligionários.
Olhando para trás, para as fortes discursões e as amargas di-
visões, podemos extrair lições importantes. Em primeiro lugar,
como salienta Hall, os antagonismos pessoais, os distintos com-
portamentos culturais e as pressões sociais quase sempre compli-
cam e normalmente exacerbam os debates políticos. Em segundo
lugar, ninguém tinha 100% de razão em um setor e nem o outro
estava 100% errado. As questões eram menos preto no branco do
que pareciam naquele momento. Por exemplo, Pablo se equivocou
completamente em relação Kruschev ao pensar que suas ações
poderiam abrir caminho para desenvolvimentos radicais dentre
do PC. Mas, de outro lado, a maioria da Quarta Internacional foi
longe demais provavelmente ao apoiar a China nas disputas sino-
-soviéticas, pensando que os comunistas chineses poderiam ter
um “radicalizador” em escala internacional.
As pequenas organizações minoritárias são mais propensas a
cisões porque têm pouco impacto em uma intervenção de massas
e cada parte pensa que pode reconstruir-se rapidamente. Há me-
nos pressão para manter a unidade se houver acordo para divergir.
Certamente, as grandes cisões da internacional relacionadas ao
entrismo [tática que consiste na filiação a partidos de massas nos
quais se poderiam produzir processos radicalizados à esquerda]
nos partidos obreiros populares no começo dos anos 50, e a pos-
terior cisão com Pablo no início dos anos 60 por conta das ditadu-
História da luta pela libertação da Palestina 47

ra burocratizadas e a revolução colonial significaram oportunida-


des perdidas para aumentar nossa influência.
Todo mundo está de acordo que Pablo jogou um papel muito
relevante nos 40 na reorganização e no desenvolvimento das pe-
quenas forças da Quarta Internacional. Esta havia perdido impor-
tante dirigente tanto para os fascistas como para os estalinistas.
A liderança destes últimos nos movimentos de resistência signifi-
cou a eliminação física dos trotskistas tanto na França quanto na
Grécia. As reuniões da direção eram feitas sob estritas medidas
de segurança.

Debates no seio da IV Internacional


O grande problema política para o movimento trotskista na-
quele momento eram os prognósticos que Trotsky e seus corre-
ligionários haviam feito no começo da guerra de que o período
pós-guerra reproduziria o ocorridos depois da Primeira Guerra
Mundial, quando estalaram crises revolucionárias e teve lugar a
primeira revolução socialista na Rússia. Também foi dado como
certo que se produziria uma profunda crise econômica. Nesse con-
texto, acreditavam que se produziria uma crise entre as direções
estalinista e reformista e se abriria caminho para que as e os re-
volucionários desafiassem as direções do movimento. Nenhuma
das hipóteses se cumpriu.
Embora durante um tempo houve austeridade e caos eco-
nômico, Estados Unidos e seu Plano Marshall impulsionaram a
economia mundial até o que se conheceu como o boom do pós-
-guerra. Quanto aos estalinistas, longe de estarem desacredita-
dos, alcançaram o auge de sua popularidade dado o prestígio que
a liderança e os sacrifícios de seus membros haviam ganho atra-
História da luta pela libertação da Palestina 48

vés dos movimentos de resistência. Nesse contexto, Pablo razão


ao canalizar o trabalho da Internacional a longe prazo aos parti-
dos obreiros populares. Sua tática de entrismo sempre manteve a
necessidade de um perfil e uma imprensa independente junto aos
membros que operavam dentro dos partido obreiros ou comunis-
tas. Embora importantes facções se dividiram neste tema (como o
SWP estadunidense), as forças que entraram puderam aumentar
sua influência.
Tanto esta cisão como a posterior com Pablo refletiram tam-
bém uma noção muito mais estrita de uma linha internacional a
ser seguida por todas seções nacionais. Durante muitas décadas,
a IV permitiu às seções nacionais decidir sobre suas táticas de
construção de partido sempre que a estratégia geral incluísse os
valores e princípios gerais das posições adotadas historicamente
em seus congressos. Assim, por exemplo, se uma seção nacional
argumentava contra a necessidade da democracia socialista, de
um Estado de partido único, ou contra a necessidade da libertação
da mulher, se situaria fora do movimento. Se tem uma perspecti-
va diferente, como ocorre eventualmente com a guerra da Ucrânia
(a menos que apoie Putin), permaneceria dentro. Os estatutos de
hoje em dia poderiam ter evitados cisões passadas.

Apoio à revolução argelina


Alguns dos melhores capítulos deste livro tratam de Pablo
e seu apoio a revolução argelina. O autor descreve os detalhes
da solidariedade material prestada a FLN. Lembrem-se que o
Partido Comunista Francês não apoiou a FLN durante bastante
tempo. Pablo ganhou a confiança da direção clandestina da FLN
e seus camaradas transportavam malas de dinheiro arrecadado
História da luta pela libertação da Palestina 49

na França entre os trabalhadores argelinos para levá-las a contas


seguras na Suíça. Isto em uma época em que o Estado francês
prendia e assassinava os membros da FLN e os seus simpatizan-
tes. Organizou-se uma campanha de agitação entre os recrutas
franceses e se mobilizou intelectuais e personalidades contra o
governo francês.
O ponto auge da solidariedade se deu quando se criou uma fá-
brica de armamentos no Marrocos regida por membro do IV, que
produziu milhares de armas para a resistência argelina. A organi-
zação para produzir dinheiro falso levou Pablo e Santen (um ca-
marada holandês) a serem acusados e presos durante quase dois
anos. Lançou-se uma campanha de solidariedade internacional
que contou com apoio de alguns deputados trabalhistas. Pablo se
dirigiu eloquentemente aos juízes holandeses em seu julgamento
no ano de 1961 ao referir-se a primazia do compromisso político.
O julgamento não se referia a um delito de falsificação, mas sim
ao seu compromisso com a luta de libertação da FLN:

Se pode fácilmente fechar os olhos a esses fatos e viver tranquilamente uma


vida calma e egoísta sem se envolver com o “demônio da política”?Eu não
acredito. Acredito firmemente que a política - a ciência que se ocupa da cons-
ciência, a organização e o controle da sociedade - deve ocupar um lugar pri-
mordial na vida de todos os seres humanos livres e críticos para evitar novos
desastres e para que a humanidade possa avançar mais rapidamente até a
abolição da repressão e da exploração, e até o florescimento mais completo
possível do indivíduo. (p. 116)

Ganhou o caso e depois organizou sua saída por Londres até


Argel, onde a FLN havia tomado o poder. Dois deputados traba-
lhistas, John Baird e Annie Kerr, o acompanharam de Amsterdã
a Londres. Imaginam hoje Starmer [atual líder do partido traba-
História da luta pela libertação da Palestina 50

lhista britânico] permitindo que seus deputados ajudem a garan-


tir a segurança de um partidário da luta armada anticolonial? No
entanto, havia um problema: o vôo deveria passar por Madrid em
plena ditadura fascista de Franco. Para não correr o risco de ser
detido, fingiu um infarto enquanto o avião estava na pista. Ao fi-
nal, conseguiu um vôo por Gibraltar.
Uma vez na Argélia, se converteu um estreito assessor do go-
verno de Ben Bella. O Congresso da FLN aprovou um documento
chave sobre a reforma agrária que ele redigiu. Uma coisa é con-
seguir que se aprovem documentos programáticos e outra é que
realmente se apliquem. As reformas só foram levadas a cabo par-
cialmente; tanto os anteriores proprietários burgueses como os
dirigentes da FLN colocaram obstáculos, agora no exército, vendo
um caminho para o enriquecimento pessoal.
Vimos como esse padrão se repetir em outras revoluções
anticoloniais vitoriosas, incluindo as mais radicais com as da
Nicarágua. Em seu momento, Pablo identificou e advertiu a Ben
Bella destes riscos em suas reuniões. Mais tarde, grande parte de
seus escritos se dedicaram a importância da auto-gestão democrá-
tica que devia ser desenvolvida antes e depois de qualquer revo-
lução vitoriosa em todos os níveis. Pablo quis que a FLN se posi-
cionasse a favor da democracia multipartidária, mas, pressionado
por seus camaradas, recuou. Já no Congresso de constituições da
Quarta Internacional em 1938, que estabeleceu o Programa de
Transição como documento fundacional, havia tentado sem con-
seguir que se aprovasse uma emenda contra qualquer ideia de
Estado uni-partidário. Naquele congresso também tentou pres-
sionar para que se desse mais relevância a revolução anticolonial.
Nessas questões tinha mais do que razão. O documento vigente
História da luta pela libertação da Palestina 51

da Quarta Internacional, Democracia Socialista, que já tem várias


décadas, adotou a posição de multipartidarismo.
Pablo reconheceu corretamente que uma vez que a revolução
anticolonial houvesse obtido o poder se produziria um conflito
entre o que ele chamava de ala burocrática e a ala revolucionária.
Desgraçadamente veria isso com seus próprios olhos. Uma vez que o
exército de liberação se transforma em uma nova instituição militar
se converte em um espaço fértil para que se desenvolva a ala buro-
crática. Bumedian dirigiu o golpe contra Ben Bella e contra qualquer
giro radical da revolução argelina. Pablo era consciente dos limites de
Ben Bella, mas seu íntimo camarada e amigo, Harbi, a quem mais
tarde ajudou a fugir da prisão argelina, disse-lhe aquela altura:

No acredito que Ben Bella seja capaz de chegar onde tu acredita que pode
chegar. O nacionalismo argelino tem uma história desconhecida por você. Há
uma forte veia conservadora e o exército argelino não é como os revolucioná-
rios barbudos de Cuba…

Felizmente, Pablo pôde sair por um triz. A nova ordem já ha-


via instigado a oposição aos conselhos vermelhos estrangeiros.
Foram feitas falsas acusações sobre o dinheiro que supostamente
haviam ganhado. Sem dúvida, Pablo havia subestimado até certo
ponto o caráter bonapartista de Ben Bella, que em um momento
se escorou na esquerda para depois se tornar parte da corrente
dominante do exército. Harbi também pensava que Pablo subesti-
me as profundas raízes das famílias tradicionais e das estruturas
religiosas. Outro problema com seu papel de assessor foi a difi-
culdade de conciliá-lo com a construção do movimento marxista
revolucionário da Argélia. A isso se uniu superestimação do papel
de Ben Bella para gerar as condições para seu desenvolvimento.
História da luta pela libertação da Palestina 52

Essa limitação se repetiu em Portugal de 1976, onde Pablo


trabalhou muito estreitamente com Otelo Carvalho - o dirigen-
te militar de esquerda da revolta - mas não conseguiu cons-
truir uma seção da sua corrente. Os chamados mandelistas [por
Ernest Mandel, dirigente da IV Internacional] ortodoxos con-
seguiram criar uma organização que chegou a promover [junto
com outra organização de origem maoista] a que hoje é uma
das principais forças políticas em escala nacional, o Bloco de
Esquerda.
Depois da Argélia, Ernest Mandel, Livio Maitan e Pierre
Frank formaram um triunvirato responsável por dirigir a
Quarta Internacional na qual Pablo foi incapaz de ser reintegra-
do. Neste processo, Hall tende a fazer eco às queixas de Pablo
a respeito do fracionalismo e do abandono a revolução anticolo-
nial. Por exemplo, Pablo gostaria que o centro da IV fosse des-
locado para Argel. Diante do que foram as coisas, haveria sido
um desastre. Sem dúvidas, poderiam haver formas de mantê-la
unida e pode ser que seus opositores cometeram erros na forma
como se geriu.
Livio Maitan, em seu livro Critical Communist (disponível
em Resistance Books), comentou a cisão:

As forças impulsionadoras da perspectiva e comportamento de Pablo fo-


ram: uma visão exagerada da revolução colonial e de uma vanguarda pensa-
da maior do que era em realidade, junto com a subestimação do que estava
ocorrendo em países capitalistas industrializados; acusações injustas contra
a maioria e um exagero de seu próprio papel e de sua relativamente pequena
tendência. (p. 103)
História da luta pela libertação da Palestina 53

Livio critica igualmente a inclinação ao autoritarismo e o com-


portamento depreciativo em relação aos críticos. É difícil saber
até que ponto isso teve relevância, pois Hall indica certas atitudes
excludentes do outro setor. Não obstante, a história demonstrou
que ao menos no que diz respeito a construção de uma tendência
internacional séria com seções que interviram na luta popular, o
setor de Mandel acertou mais que o de Pablo. Reconheceu-o mais
ou menos quando se reincorporou a IV Internacional durante um
breve período. Livio afirma que lhe disse que queria morrer na
Internacional.

Construir um movimento revolucionário


As experiência de Pablo na construção de um grupo na França
ilustram essa debilidade. Em um momento no qual se estava pro-
duzindo um aumento explosivo de correntes revolucionárias in-
dependentes na França depois de 1968, Pablo manteve o enfo-
que entrista. Durante um tempo, sua gente se uniu ao Partido
Socialista Unificado (PSU), um grupo centrista. Finalmente, uma
grande parte foi para os Verdes abandonando o marxismo revo-
lucionário. A construção paciente de partidos de escala nacional
não era seu forte. Como intelectual e escritor seguia tendo certa
influência. Seus escritos sobre auto-gestão são muito úteis, e foi
um dos primeiros, escrevendo da prisão em 1963, a apresentar
a necessidade de apoiar às mulheres não só em seus direitos so-
ciais ou democráticos, mas também no controle da sua própria
sexualidade.
O tipo de questões que Pablo enfrentou na Argélia serão as
mesmas enfrentadas pelos revolucionários. A experiência pode
provar que está em boa posição para assessorar ou ajudar a um
História da luta pela libertação da Palestina 54

governo progressista. Como combinar esse papel com a constru-


ção de uma corrente marxista revolucionária? Quanta boa gente
de esquerda temos visto acabar no Partido Trabalhista apesar de
haver começado com uma posição bastante radical? Isto ocorre
também nas Câmaras Municipais. Há um lado humano no pro-
cesso, no sentido de que é bom ser necessário no centro do po-
der, à distância do tédio de construir um partido minoritário. No
Brasil, os companheiros da IV cumpriam um papel destacado na
construção do Partido dos Trabalhadores de Lula, mas quando
passou a trabalhar principalmente nas instituições e a ser mais
moderado, o grupo perdeu membros chaves e se dividiu. Um an-
tigo membro destacada da Quarta Internacional na Grã Bretanha
exerce agora principalmente o papel de propagandista do governo
chinês.
Apesar de tudo, Pablo sempre escolheu a revolução e lutou
contra uma vida fácil. Nos seus últimos anos se tornou colunis-
ta de uma dos periódicos gregos de tendência esquerdista mas
nunca chegou a ser acadêmico nem deputado social-democrata na
Grécia, algo que poderia ter feito facilmente. De fato, encontrou
tempo ir a Grã Bretanha e transmitir um par de sessões sobre au-
togestão e outros temas para seus pequeno grupo de simpatizan-
tes britânicos. Um deles era Sir Keir Starmer.
História da luta pela libertação da Palestina 55

O conflito judaico-árabe1
Tony Cliff2

A economia árabe é em grande parte feudal. Mesmo os seus


elementos capitalistas estão, em grande medida, ligados ao modo
feudal de exploração (usura) ou são de origem feudal, funcio-
nando tanto como proprietários de terras como capitalistas.
Paralelamente a este desenvolvimento surgiu um novo estrato, os
intelectuais que estão ligados às classes superiores (profissionais
livres, funcionários do governo). Atualmente são estas classes su-
periores que exercem uma influência dominante sobre as massas
árabes. Foi o desenvolvimento capitalista na Palestina, bem como
a opressão imperialista inglesa do povo árabe, que criou as condi-
ções para a ascensão do movimento nacionalista árabe sob a atual
liderança do sistema feudal e semicapitalista.
Estas classes veem na dominação imperialista do país uma tu-
tela supérflua e estranha no controlo político sobre as massas.
Contudo, como não existe antagonismo social e econômico fun-
damental entre estas classes e o imperialismo, o conflito não é
demasiado profundo. Por outro lado, existe um conflito entre as
classes superiores árabes e a população judaica. Não porque este
último seja um elemento de apoio ao imperialismo britânico, mas
porque é um meio para o desenvolvimento da economia capitalis-
ta judaica. Este conflito surge porque os elementos feudais entre

1 Publicado originalmente em New International, em novembro de 1938. Reimpresso em Tony Cliff, Selected
Writings Volume 1: International Struggle and the Marxist Tradition, Bookmarks. Londres: 2001. Tradução realizada
por Pedro Micussi para a Revista Movimento a partir da versão disponível em: https://www.marxists.org/archive/cliff/
works/1938/11/jew-arab.htm.
2 Militante trotskista judeu nascido na Palestina (1917 – 2000).
História da luta pela libertação da Palestina 56

os árabes temem a modernização da sociedade palestiniana pelos


judeus e a sua própria destruição. Os elementos capitalistas ára-
bes participam nesta luta principalmente por causa das suas ten-
dências exclusivas e da sua competição com os judeus.
As classes dominantes árabes, com o objetivo de resolver o
conflito com os judeus a seu favor, estão prontas para chegar a um
compromisso com o imperialismo britânico à custa dos judeus.
Assim, por exemplo, Djemal at Husseini, um dos líderes mais
destacados do movimento nacionalista, declarou que o Comitê
Árabe Supremo concordou que a Palestina deveria tornar-se uma
colônia da coroa britânica, desde que a imigração judaica fosse
interrompida. Outro líder, Hassan Sidky Dajani, escreveu numa
carta aberta ao Alto Comissário: “A Inglaterra está enganada se
acredita que nos insurgimos contra ela... reconhecemos o poder
das suas tropas – uma palavra sua, uma palavra que a Inglaterra
não terá que pagar muito, seria suficiente para restaurar a situa-
ção ao normal.”
Ao mesmo tempo, existe um conflito básico entre os interes-
ses da emancipação nacional e social das massas árabes e o impe-
rialismo britânico. Este conflito só pode ser resolvido através da
abolição do domínio imperialista e do estabelecimento da inde-
pendência política.
Entretanto, existe objetivamente um conflito entre as massas
árabes e as aspirações sionistas ao exclusivismo e à manutenção do
domínio britânico. Este conflito só pode ser resolvido na medida
em que as massas judaicas na Palestina renunciarem ao exclusivis-
mo sionista. Embora a oposição das classes superiores árabes aos
judeus seja reacionária, a luta das massas árabes contra o sionismo
é absolutamente progressista. As classes superiores têm hoje su-
História da luta pela libertação da Palestina 57

cesso em desviar a luta nacional das massas para canais antijudai-


cos através do fato de a maioria predominante da população judai-
ca ser sionista. O terror antijudaico apenas aumentou a influência
do sionismo sobre as massas judaicas palestinianas e desvia a sua
amargura da luta contra o imperialismo. Tudo isto conduz a uma
situação em que hoje uma grande parte das massas árabes acredi-
ta que através da sua luta contra os Judeus estão a promover a sua
própria libertação nacional, quando na verdade só estão a tornar
a sua luta mais difícil na medida em que fortalecem a posição do
imperialismo, do sionismo e da liderança feudal árabe.

Aspectos do nacionalismo árabe


Todo o desenvolvimento do movimento nacionalista árabe na
Palestina manifesta um duplo aspecto. Por um lado, uma liderança
feudal semiaburguesa que conduz o movimento para canais an-
tijudaicos sem tocar no imperialismo, por outro lado, as massas
árabes cuja vontade de libertação nacional se torna cada vez mais
forte na medida em que se cristaliza em ódio anti-imperialista. Só
uma liderança internacional pode resolver este duplo aspecto. É
interessante e útil considerar as várias fases pelas quais passou o
nacionalismo árabe. À medida que o movimento nacionalista ga-
nhava força, os líderes mudavam os slogans, dando-lhes um toque
antijudaico. Em 1921, o principal argumento dos líderes feudais
era que os judeus queriam tomar posse dos lugares sagrados e,
secundariamente, que os judeus propagandeavam o bolchevismo.
Foram feitas declarações definitivas de que o movimento não era
dirigido contra a Inglaterra, mas contra o sionismo. Alguns anos
antes dos pogroms de 1929, argumentos religiosos foram usados
para agitação antijudaica.
História da luta pela libertação da Palestina 58

Mas com o desenvolvimento do movimento nacionalista e a


unidade dos árabes, cristãos e muçulmanos, o argumento religio-
so foi abrandado e a questão da influência da imigração judaica na
situação econômica foi sublinhada. Os líderes árabes começaram
a fazer propaganda usando o slogan: “Os judeus compram terras
e expulsam os camponeses árabes; a condição dos camponeses
árabes é tão difícil por causa da imigração judaica; A indústria
árabe sofre por causa do desenvolvimento da indústria judaica; os
judeus são os culpados pela difícil situação financeira do tesouro
do governo; e, portanto, você deve lutar contra a imigração e o as-
sentamento judaico.”
O exclusivismo econômico dos judeus sob a influência do
sionismo (boicote aos trabalhadores e bens árabes, etc. ), per-
mitiu que esta agitação encontrasse uma resposta generalizada
entre as massas árabes. Depois vieram os anos de prosperida-
de, 1932-35, nos quais, apesar do exclusivismo sionista, o ren-
dimento e os padrões de vida das massas árabes surgiram em
consequência da imigração judaica. Os argumentos econômi-
cos dos líderes árabes contra os judeus perderam o sentido. A
consciência nacional entre os árabes ganhou em sintonia com o
desenvolvimento capitalista do país e dos movimentos de liber-
tação nacionalistas nos países vizinhos do Próximo Oriente. A
questão da configuração política tornou-se um problema central
em torno do qual se concentraram os movimentos nacionalis-
tas árabes. No mesmo período, as tendências chauvinistas sio-
nistas entre os judeus tornaram-se mais fortes com o declínio
do movimento internacional da classe trabalhadora. Os slogans
sionistas chauvinistas entre os judeus tiveram um tom de res-
posta à maior tensão política no Mediterrâneo e à necessidade
História da luta pela libertação da Palestina 59

resultante da política britânica de criar um poder sionista con-


siderável na Palestina. Em vez do antigo slogan da organização
sionista “Palestina, um Estado binacional”, a política sionista
saiu abertamente com o slogan “O Estado Judeu”. Os líderes
árabes feudais e semicapitalistas que temiam que o movimento
nacionalista se desenvolvesse ao longo de linhas independentes
e consistentemente anti-imperialistas levantaram agora o grito:
“Os Judeus querem construir um Estado Judeu na Palestina que
oprimirá a minoria Árabe enquanto serve como um meio de
opressão nas mãos do imperialismo inglês.”
O atual movimento nacionalista árabe, permeado por um es-
pírito exclusivista na luta contra os judeus, é um solo fértil para
ideias chauvinistas fascistas e particularmente antijudaicas. As
potências fascistas e os propagandistas enviam dinheiro para a
Palestina a fim de fortalecer esta influência ideológica reacioná-
ria e assim ganhar o controlo do movimento nacionalista. Na
medida em que o Comintern e a Segunda Internacional desem-
penham cada vez mais o papel de gendarmes políticos contra
o movimento de libertação nas colônias, e na medida em que o
movimento operário internacional se encontra num estado de
declínio, a influência do chauvinismo, as ideologias antijudaicas
tornam-se mais fortes. O fascismo consegue cada vez mais uti-
lizar o nacionalismo árabe em seu próprio interesse.

O movimento sionista
É nossa convicção que o sionismo é uma concepção naciona-
lista reacionária porque baseia as suas esperanças não na luta de
classes da classe trabalhadora internacional, mas na continuação
da reação mundial e na sua consolidação.
História da luta pela libertação da Palestina 60

O movimento sionista tem lutado durante anos para concreti-


zar o slogan “100 por cento de trabalho judeu, 100 por cento de
produção judaica, etc. ”. Piquetes de trabalhadores judeus foram
organizados contra trabalhadores árabes que ocupavam empregos
em empresas judaicas. Entre estes piquetes encontravam-se todos
os tipos de pessoas, desde a ala fascista de direita do movimen-
to sionista até representantes do “Hashomer Hatzair” (afiliado
ao London Bureau). Hashomer Hatzair não exige trabalho 100%,
mas trabalho judeu apenas nas empresas judaicas, com excepção
das localidades onde os trabalhadores árabes estão envolvidos há
muitos anos (apenas 18% dos trabalhadores árabes nas empresas
judaicas pertencem a esta categoria). Embora, portanto, o movi-
mento sionista geralmente exija 100% de mão-de-obra judaica, o
Hashomer Hatzair exige 82% de mão-de-obra judaica. Há ainda
outro pequeno partido sionista dividido em duas alas que se opõe
a estes piquetes – a Esquerda Poale-Zion.
Este sistema de “conquista do trabalho” conduz a uma situação
em que apenas em períodos de crise econômica e de declínio dos
salários dos trabalhadores judeus, apenas em períodos de reação
política, o seu objetivo pode ser alcançado, a penetração dos traba-
lhadores judeus pela despejo dos árabes. Em períodos de desenvol-
vimento das classes trabalhadoras judaicas e árabes, de aumento
da imigração, de melhoria dos padrões de vida, o sistema de “con-
quista do trabalho” é frustrado e o trabalhador judeu abandona
a indústria que era o pomo da discórdia da luta chauvinista. . A
tabela seguinte apresenta os números de quatro períodos diferen-
tes: (1) Setembro de 1933, início da prosperidade na Palestina; (2)
Setembro de 1935, ponto alto da prosperidade; (3) Junho de 1936,
um mês após os acontecimentos sangrentos e a crise económica;
História da luta pela libertação da Palestina 61

(4) Setembro de 1936, um ano e meio após o início da última crise


aguda. Os números mostram o número de trabalhadores em seis
das maiores e mais importantes colônias judaicas:

Trabalhadores judeus Trabalhadores árabes


Setembro de 1933 2.433 1.687
Setembro de 1935 1.804 3.009
Junho de 1936 2.739 1.271
Setembro de 1936 3.818 896

O negócio dos piquetes para o trabalho judeu apenas aumen-


ta os danos que a classe trabalhadora, tanto judaica como árabe,
sofre devido à competição nacional irrestrita dos trabalhadores
de ambos os povos. Os trabalhadores árabes também começam a
organizar piquetes contra o trabalho judeu, por exemplo em obras
públicas. A consequência é que as classes altas ganham influência.
O governo também sabe como explorar a situação. Desempenha
o papel de árbitro e declara os piquetes ilegais quando são motiva-
dos por raça, religião ou idioma. Isto permite que os empregado-
res judeus se beneficiem de qualquer conflito real de fura-greves
árabes e também dá ao empregador árabe a oportunidade de usar
fura-greves judeus. O sistema da “conquista do trabalho” com os
seus piquetes enfraquece a classe trabalhadora e fortalece a posi-
ção tanto dos empregadores como do imperialismo britânico.
Gostaríamos de abordar a questão da relação do sionismo com
o imperialismo. O movimento sionista é contra a independência
da Palestina e contra toda forma de democracia (“enquanto os
Judeus forem uma minoria”). A ala extrema direita do sionismo,
os Revisionistas, que têm a sua organização separada, têm exigido
durante anos o estabelecimento do Estado Judeu com base num
História da luta pela libertação da Palestina 62

“entendimento entre as legiões Judaicas e os interesses estraté-


gicos do imperialismo Britânico”. Outros setores da burguesia
sionista liderados pelo Dr. Weizmann declararam certa vez que
“a Palestina permanecerá tão judia como a Inglaterra é inglesa”.
Mais tarde declararam que a Palestina seria “binacional” e que o
mandato deveria ser mantido a todo custo. Hoje apoiam o plano
de partilha e a criação de um Estado judeu como aliado do impe-
rialismo britânico. O partido reformista sionista (Mapei) apela à
cooperação com o governo e apoia na maior parte a ideia de par-
tição. Hashomer Hatzair apela à luta para preservar o mandato.
O partido Poale-Zion defende uma luta anti-imperialista mas não
indica qual a forma de regime político que é o seu objetivo ime-
diato, pelo que os seus slogans permanecem vazios. Tal como os
outros partidos sionistas, é contra a democratização do sistema
político no país. Em consequência da sua oposição à independên-
cia imediata da Palestina, uma secção dos seus apoiantes uniu-se
ao plano de partição.
Todo o movimento sionista, com todas as suas alas, apoia,
portanto, o domínio britânico na Palestina, de uma forma ou de
outra.

Os judeus e o imperialismo britânico


Existem duas opiniões sobre a relação entre os judeus na
Palestina e o imperialismo britânico. Uma vê-os como parte in-
tegrante do campo imperialista (esta é a ideia dos nacionalistas
árabes extremistas e dos seus lacaios no campo dos estalinistas);
a segunda considera os judeus como parte integrante da popula-
ção palestiniana e, como tal, anti-imperialistas. Nenhuma dessas
visões está correta. A primeira opção está errada porque os Judeus
História da luta pela libertação da Palestina 63

não são um estrato escasso e privilegiado que representa os inte-


resses exploradores da pátria. Uma simples comparação entre os
brancos na África do Sul e os judeus na Palestina mostra quão
errada é esta visão.
Os líderes reformistas do movimento operário judeu formu-
laram esta comparação como um argumento contra a organi-
zação internacional dos trabalhadores na Palestina. O Partido
Comunista da Palestina (Stalinista) aproveitou naturalmente esta
analogia para expor o papel “imperialista” dos Judeus. Em pri-
meiro lugar, porém, a população trabalhadora judaica representa
mais de metade de toda a classe trabalhadora da Palestina, en-
quanto na África do Sul os brancos representam apenas um quin-
to da população trabalhadora. Os trabalhadores brancos sul-afri-
canos são, na sua maioria, o elemento qualificado e os nativos são
trabalhadores comuns. Na Palestina, categorias de todos os ti-
pos de trabalho estão representadas tanto na secção judaica como
na secção árabe. Os brancos sul-africanos constituem uma fina
camada superior “aristocrática”, que recebe cerca de cinco vezes
o salário dos nativos. Na Palestina, os trabalhadores judeus não
constituem uma crosta fina, mas uma classe. Na África do Sul, os
brancos gozam de amplos direitos políticos (legislação democrá-
tica, legislação laboral progressista, etc.), enquanto os negros são
escravos coloniais reprimidos. Na Palestina, tanto os judeus como
os árabes são oprimidos por um governo estrangeiro e privados
de qualquer tipo de direitos democráticos.
Além disso, consideremos o fato de que na Palestina existem
duas cidades de população mista onde os Judeus são a maioria,
Jerusalém e Haifa. Em ambos os lugares, porém, de acordo com
os decretos e nomeações do governo, os prefeitos são árabes. Os
História da luta pela libertação da Palestina 64

judeus são tão pouco privilegiados em matéria de despesas orça-


mentais como de administração municipal. Os judeus contribuem
com 63% das receitas do governo, enquanto em troca recebem
apenas 14% (1934-35) das despesas do governo com a educação,
apenas 34% das despesas com obras públicas etc.
Se os judeus fossem parte integrante do campo imperialista,
se a sua existência dependesse da exploração e da opressão das
massas árabes, seria dever de cada socialista revolucionário lu-
tar contra o crescimento da população judaica. Mas a posição é
bem diferente. Por outro lado, a visão que compara a imigração
judaica para a Palestina com a imigração judaica na América é
igualmente irreal. Os judeus na América fazem parte do sistema
econômico geral e não nutrem aspirações chauvinistas, tais como
o boicote de bens e trabalho estrangeiros ou o estabelecimento de
um Estado nacional. A população judaica na Palestina esforça-se
para se tornar uma maioria e determina o seu caminho político de
acordo com esta perspectiva, construindo uma economia nacional
relativamente fechada e boicotando o trabalho e os bens árabes.
Influenciada tanto pelo imperialismo como pelo sionismo, esta
população é contra qualquer tentativa de obter a democratização
e a independência do país. Se a população judaica fosse parte inte-
grante da população palestiniana, seria dever do socialista revolu-
cionário apoiar o aumento deste elemento populacional em todas
as suas formas, como parte da luta anti-imperialista. Mas apoiar
todas as formas de extensão do elemento judeu (por exemplo, ser
contra a democratização por medo de que isso retardasse o cresci-
mento dos judeus) seria agravar o conflito árabe-judaico, diminuir
as diferenças de classe dentro da população árabe, e fortalecer a
tendência sionista entre os judeus.
História da luta pela libertação da Palestina 65

O conflito judaico-árabe
Quais são as causas deste conflito? Duas respostas são apre-
sentadas na Palestina. Os grupos sionistas dizem que o conflito
é simplesmente a colisão do feudalismo e da reação com as forças
progressistas do capitalismo. Os nacionalistas árabes e os seus
apoiantes estalinistas afirmam que a colisão é entre o movimento
de libertação árabe e o sionismo.
Mas a primeira explicação está errada porque o fato do con-
flito entre o feudalismo e o capitalismo não explica o movimento
nacional árabe na Palestina. Existem manifestações paralelas de
nacionalismo nos países adjacentes (Síria, Egito). Além disso, não
explica como é que uma camarilha de effendis conseguiu obter
o controlo de um movimento nacional militante de centenas de
milhares. É claro que a base do antagonismo das massas árabes
em relação à população judaica não surge do facto de esta últi-
ma ter trazido um padrão de vida mais elevado e ter criado um
movimento operário moderno. A sua principal oposição surge do
facto de verem na população judaica os portadores do sionismo,
daquele sistema político baseado no exclusivismo nacional e na
hostilidade às aspirações das massas árabes à independência e à
democratização do regime político.
A segunda opinião, a afirmação dos nacionalistas árabes, é
igualmente errada. Não leva em consideração que existe realmen-
te um conflito entre o feudalismo e o desenvolvimento capitalista,
em segundo lugar, que dentro do movimento nacionalista existe
uma burguesia árabe que, em competição com a economia judaica
fechada, desenvolve tendências árabes exclusivistas, e em terceiro
lugar, que a população judaica não é parte integrante do campo
imperialista.
História da luta pela libertação da Palestina 66

O que se segue, portanto, é que a colisão no conflito árabe-ju-


daico ocorre entre dois movimentos exclusivistas nacionais (entre
o sionismo e a liderança árabe feudal e semiburguesa, por um
lado, e por outro, a luta das massas árabes contra o sionismo). A
luta consistente pelo abrandamento deste conflito só é possível
com base na luta contra o sionismo, contra o exclusivismo nacio-
nal árabe e as ações antijudaicas, contra o imperialismo, pela de-
mocratização do país e pela sua independência política.
História da luta pela libertação da Palestina 67

A IV Internacional e a criação artificial do


Estado de Israel
Declaração da IV Internacional (1947)

Depois que os “Três Grandes”1 chegaram a um acordo so-


bre a divisão da Palestina, a votação nas Nações Unidas não era
mais do que uma formalidade. O imperialismo britânico retira-
-se do Oriente Médio em direção a uma segunda linha de defesa
comparável à que se estabeleceu com a divisão da Índia. Dentro
dos dois Estados, o judeu e o árabe, a Grã-Bretanha conserva
o grosso de suas posições econômicas e financeiras. A Legião
Árabe do hipotético Estado árabe e o Haganá2 atuaram em es-
treito diálogo com o Ministério de Guerra britânico, como ocor-
re com os exércitos hindus e muçulmanos na Índia. E, como
na Índia, a divisão demonstra-se a melhor maneira de desviar a
luta das massas árabes e a ira da população trabalhadora judia
em direção a uma luta fratricida.
As manobras do imperialismo britânico foram necessárias
em decorrência da diminuição de seus recursos. Tal diminui
obriga os imperialistas a rebaixarem seus “compromissos inter-
nacionais” para economizar dólares, mão de obra e armamento.
Isso aparece de forma ainda mais hipócrita no caso concreto da
Palestina. De fato, a criação de um Estado árabe independente
na Palestina é muito pouco provável. Por isso, o rei Abdullah da

1 Os EUA presididos por Truman, o Reino Unido com Attlee como primeiro-ministro e a URSS de
Stálin.
2 Organização paramilitar judia, dirigida nesse momento por David Ben Gurion. Havia sido fundada
na época do mandato britânico para assegurar a defesa dos colonos judeus.
História da luta pela libertação da Palestina 68

Transjordânia3, o agente número 1 da City de Londres no mun-


do árabe, bem poderia conseguir integrar o leste da Palestina a
seu reino e dar assim o primeiro passo na formação do Império
da Grande Síria, objetivo final de sua dinastia e da burguesia
britânica no Oriente Médio. Londres seguirá governando sem
que ao contribuinte britânico isso custe um centavo. Os únicos
que sofrerão com isso serão os próprios palestinos.
Para o imperialismo norte-americano e para a burocracia so-
viética, a aceitação da divisão significa sobretudo a liquidação do
mandato britânico e a abertura da luta pela herança das posições
abandonadas. O Kremlin alegra-se pela abertura de um período
de agitação no Oriente Médio, durante o qual fará todo o possível
para debilitar as posições britânicas e preparar sua própria pene-
tração, seja sob a aparência de uma “Comissão Mista da ONU” ou
de uma “Tutela dos Três Grandes” sobre Jerusalém. O imperialis-
mo estadunidense enfrenta-se na Palestina, como antes na Grécia,
com o problema de encontrar uma solução para a mudança da tu-
tela imperialista que os britânicos já não podem assumir. Após a
evacuação das tropas britânicas, o Haganá será a única força mili-
tar com equipamento moderno, uma força alheia ao mundo árabe
e que será utilizada, caso necessário, para lutar contra uma insur-
gência nativa ou uma ameaça russa às fontes de petróleo. Portanto,
não devemos nos surpreender a partir de agora se o imperialismo
estadunidense, seja formando uma “Liga Judia” ou a financiando,
tente manter uma influência predominante no Haganá e conver-
tê-la em instrumento de sua política no Oriente Médio. Contudo,
segue sendo evidente que um Estado judeu, como o movimento

3 Emirado localizado na parte sul do Levante a leste do Rio Jordão, sua maior parte está contida na
atual Jordânia.
História da luta pela libertação da Palestina 69

sionista que o precedeu, é considerado pelas grandes potências


apenas um peão de suas manobras dentro do mundo árabe. Um
Estado assim, longe de receber a “proteção” aberta e permanente
de qualquer dessas potências, permanecerá sempre numa posição
precária e incerta, e para a sua população será aberto um período
de privações, de terror e de terrível tensão, que apenas se tornará
mais agudo na medida em que se desenvolvam as forças que lu-
tam pela emancipação do mundo árabe.
A divisão da Palestina e a clara mudança das posições sionis-
tas diante do imperialismo britânico – incluídas as da maioria dos
extremistas – deram um golpe mortal em todas as teorias im-
pressionistas que haviam florescido com as bombas do Irgun4. A
solidariedade fundamental do Haganá e inclusive do Irgun com o
imperialismo e contra as massas árabes foi demonstrada da ma-
neira mais surpreendente. O caráter criminoso do sionismo é vis-
to claramente pelo fato de que, graças a seu papel reacionário, os
primeiros movimentos das massas árabes por uma Palestina uni-
da e independente se dirigem contra a população judia e não dire-
tamente contra o imperialismo. Os dirigentes ultrarreacionários
do Comitê Árabe para a Palestina têm assim a oportunidade de
melhorar sua imagem derramando o sangue dos desafortunados
judeus vítimas da política sionista.
Os líderes sionistas de todo o mundo festejarão a proclamação
do Estado em miniatura como uma grande vitória: um erro mi-
serável! A armadilha que a Palestina é para os judeus, segundo as
palavras de Trotsky, volta a aparecer.

4 Organização nacionalista judia nascida em 1935 de uma ruptura do Haganá e dirigida desde 1945
por M. Begin. O Irgun organizou a imigração clandestina dos judeus à Palestina e lutou por meio do
terrorismo contra a presença britânica no país e contra as populações palestinas.
História da luta pela libertação da Palestina 70

Sem uma mudança radical da situação mundial e sem o retro-


cesso do sionismo no movimento operário judeu na Palestina, o
extermínio completo do povo judeu durante a irrupção da revo-
lução árabe será o preço pago pelos judeus por seu triste êxito de
Lake Success5. E, por uma amarga ironia da história, o estabeleci-
mento de um Estado judeu independente que, segundo os brilhan-
tes teóricos sionistas, devia erradicar o antissemitismo no mundo,
foi recebido pela erupção de uma selvagem onda de pogroms em
Aden e por uma nova onda de antissemitismo no mundo.
A posição da IV Internacional sobre a questão palestina segue
sendo tão clara como no passado. Estará na vanguarda da luta
contra a divisão, por uma Palestina unida e independente, na qual
as massas determinarão soberanamente seu destino mediante
a eleição de uma Assembleia Constituinte. Contra os efendis e
agentes imperialistas, contra as manobras das burguesias egípcia
e síria que tratam de desviar a luta pela emancipação das massas
para uma luta contra os judeus, chamará a revolução rural, a luta
anticapitalista e anti-imperialista, que são os motores essenciais
da revolução árabe. Mas só poderá dirigir esta luta com possibili-
dades de êxito se adota uma postura inequívoca contra a divisão
do país e a criação de um Estado judeu.
Mais do que nunca, devemos chamar ao mesmo tempo as massas
trabalhadoras da América, Grã-Bretanha, Canadá e Austrália, e os tra-
balhadores de todos os países, para que lutem pela abertura das fronteiras
de seus respectivos países aos refugiados, aos deslocados e a todos os jude-
us que desejem imigrar sem discriminação. Somente se levamos a cabo
essa luta com seriedade, eficácia e êxito poderemos explicar aos judeus

5 Localidade próxima a Nova York onde se negociou o status da Palestina pela ONU em 1947.
História da luta pela libertação da Palestina 71

por que não devem cair na armadilha palestina. A terrível experiência que
espera os judeus no Estado em miniatura cria ao mesmo tempo as prem-
issas para a ruptura de grandes massas com o sionismo criminoso. Se essa
ruptura não se produzir a tempo, o Estado judeu se afogará em sangue.
História da luta pela libertação da Palestina 72

Carta Nacional Palestina (1964)1


Organização para a Libertação da Palestina (OLP)

Introdução
Nós, o povo árabe palestino, que travamos batalhas ferozes e
contínuas para salvaguardar nossa pátria, para defender sua dig-
nidade e honra, e que ofereceram ao longo dos anos caravanas
contínuas de mártires imortais e que escreveram as páginas mais
nobres de sacrifício, oferecendo e dando.
Nós, o povo árabe palestino, que enfrentamos as forças do
mal, da injustiça e da agressão, contra quem as forças do sionis-
mo e do colonialismo internacionais conspiram e trabalham para
deslocá-lo, removê-lo de sua terra natal e propriedade, abusar do
que é santo e quem apesar de tudo isso se recusou a enfraquecer
ou se submeter.
Nós, o povo árabe palestino, que acreditamos no seu arabis-
mo e no seu direito de recuperar a sua pátria, para concretizar a
sua liberdade e dignidade, e que decidimos reunir as suas forças e
mobilizar os seus esforços e capacidades para continuar a sua luta
e para avançar no caminho da guerra santa (al-jihad) até a vitória
completa e final ter sido alcançada.
Nós, o povo árabe palestino, com base no nosso direito de au-
todefesa e na restauração completa da nossa pátria perdida – um
direito que foi reconhecido por convenções internacionais e prá-

1 Do árabe Al-Mithaq Al-Kawmee Al-Philisteeni. Carta original da Organização pela Libertação da


Palestina adoptada em 1964 pela 1ª Conferência Palestina. Trata-se de documento idêntico à carta
de 1968, exceto o artigo 24. A Carta de 1964 definia a Palestina como o território do Estado de
Israel e excluía especificamente a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. A versão de 1968 da carta incluiu
Israel, Cisjordânia e Faixa de Gaza como a pátria palestina a ser liberada.
História da luta pela libertação da Palestina 73

ticas comuns, incluindo a Carta das Nações Unidas – e na imple-


mentação dos princípios dos direitos humanos, e compreendendo
as relações políticas internacionais, com suas diversas ramifica-
ções e dimensões, e considerando as experiências passadas em
tudo o que diz respeito às causas da catástrofe e os meios para
enfrentá-la.
E partindo da realidade árabe palestina, e por causa da honra
do indivíduo palestino e do seu direito à vida livre e digna.
E percebendo a grave responsabilidade nacional colocada so-
bre nossos ombros, por causa de tudo isso.
Nós, o povo árabe palestino, ditamos e declaramos esta Carta
Nacional Palestina e juramos realizá-la.

Artigo 1: A Palestina é uma pátria árabe ligada por fortes la-


ços nacionais árabes com o resto dos países árabes e que juntos
formam a grande pátria árabe.
Artigo 2: A Palestina, com suas fronteiras na época do
Mandato Britânico, é uma unidade territorial indivisível.
Artigo 3: O povo árabe palestino tem o direito legítimo à sua
pátria e é uma parte inseparável da Nação Árabe. Ele comparti-
lha os sofrimentos e aspirações da Nação Árabe e sua luta pela
liberdade, soberania, progresso e unidade.
Artigo 4: O povo da Palestina determina seu destino quando
completa a libertação de sua pátria de acordo com seus próprios
desejos, livre arbítrio e escolha.
Artigo 5: A personalidade palestina é uma característica per-
manente e genuína que não desaparece. É transferida de pais
para filhos.
História da luta pela libertação da Palestina 74

Artigo 6: Os palestinos são os cidadãos árabes que viviam nor-


malmente na Palestina até 1947, que permaneceram ou foram ex-
pulsos. Toda criança que nasceu de um pai árabe palestino depois
desta data, seja na Palestina ou fora, é um palestino.
Artigo 7: Os judeus de origem palestina são considerados pa-
lestinos se estiverem dispostos a viver pacificamente e lealmente
na Palestina.
Artigo 8: Criar a juventude palestina de uma forma árabe e
nacionalista é um dever nacional fundamental. Todos os meios
de orientação, educação e iluminação devem ser utilizados para
introduzir a juventude à sua pátria de uma forma espiritual pro-
funda que vai constantemente e firmemente ligá-los juntos.
Artigo 9: As doutrinas ideológicas, sejam elas políticas, sociais
ou econômicas, não devem distrair o povo da Palestina do dever
primordial de libertar sua pátria. Todos os palestinos constituem
uma frente nacional e trabalham com todos os seus sentimentos
e potencialidades materiais para libertar a sua pátria.
Artigo 10: Os palestinos têm três lemas: Unidade Nacional,
Mobilização Nacional e Libertação. Assim que a libertação for
concluída, o povo da Palestina escolherá para sua vida pública
qualquer sistema político, econômico ou social que deseje.
Artigo 11: O povo palestino acredita firmemente na unidade
dos árabes e, para desempenhar o seu papel na realização deste
objetivo, deve, nesta fase da sua luta, preservar a sua personali-
dade palestina e todos os seus elementos. Deve fortalecer a cons-
ciência de sua existência e posição e se opor a qualquer tentativa
ou plano que possa enfraquecer ou desintegrar sua personalidade.
Artigo 12: A unidade dos árabes e a libertação da Palestina são
dois objetivos complementares; cada um se prepara para a reali-
História da luta pela libertação da Palestina 75

zação do outro. A unidade árabe leva à libertação da Palestina, e


a libertação da Palestina leva à unidade árabe. Trabalhar para am-
bos deve ir lado a lado.
Artigo 13: O destino da nação árabe e até mesmo a essência da
existência árabe estão firmemente ligados ao destino da questão
palestina. A partir desta ligação firme decorre o esforço e a luta da
Nação Árabe para libertar a Palestina. O povo da Palestina assu-
me um papel de vanguarda na consecução deste sagrado objetivo
nacional.
Artigo 14: A libertação da Palestina, do ponto de vista árabe,
é um dever nacional. Suas responsabilidades recaem sobre toda
a nação árabe, governos e povos, e os povos palestinos estão em
primeiro plano. Para isso, a nação árabe deve mobilizar suas po-
tencialidades militares, espirituais e materiais; especificamente,
deve dar ao povo árabe palestino todo o possível suporte e apoio e
colocar à sua disposição todas as oportunidades e meios que lhes
permitam desempenhar o seu papel na libertação da sua pátria.
Artigo 15: A libertação da Palestina, do ponto de vista espiri-
tual, prepara para a Terra Santa uma atmosfera de tranquilidade
e paz, na qual todos os Lugares Santos serão salvaguardados e a
liberdade de adoração e de visita será garantida para todos, sem
qualquer discriminação de raça, cor, língua ou religião. Por tudo
isso, o povo palestino espera o apoio de todas as forças espirituais
do mundo.
Artigo 16: A libertação da Palestina, de um ponto de vista in-
ternacional, é um ato defensivo exigido pelas exigências de auto-
defesa, tal como consta da Carta das Nações Unidas. Para isso, o
povo da Palestina, desejoso de fazer amizade com todas as nações
que amam a liberdade, a justiça e a paz, espera o seu apoio para
História da luta pela libertação da Palestina 76

restaurar a situação legítima na Palestina, estabelecendo paz e se-


gurança no seu território e permitindo que o seu povo soberania
e liberdade.
Artigo 17: A divisão da Palestina, ocorrida em 1947, e o esta-
belecimento de Israel são ilegais e nulos, independentemente da
perda de tempo, por serem contrários à vontade do povo palestino
e ao seu direito natural à sua pátria, e violaram os princípios bá-
sicos consagrados na Carta das Nações Unidas, entre os quais o
direito à autodeterminação.
Artigo 18: A Declaração de Balfour, o Sistema de Mandato da
Palestina, e tudo o que tem sido baseado neles são considerados
nulos e sem efeito. As reivindicações de laços históricos e espiritu-
ais entre os judeus e a Palestina não estão de acordo com os fatos
da história ou com a verdadeira base de uma sólida condição de
Estado. O judaísmo, porque é uma religião divina, não é uma na-
cionalidade com existência independente. Além disso, os judeus
não são um povo com uma personalidade independente porque
são cidadãos de seus Estados.
Artigo 19: O sionismo é um movimento colonialista no seu
início, agressivo e expansionista em sua meta, racista em suas
configurações e fascista em seus meios e objetivos. Israel, na sua
qualidade de ponta de lança deste movimento destrutivo e como
pilar do colonialismo, é uma fonte permanente de tensão e tur-
bulência no Oriente Médio, em particular, e para a comunidade
internacional em geral. Devido a isso, o povo da Palestina é digno
do apoio e sustento da comunidade das nações.
Artigo 20: As causas da paz e da segurança e as exigências do
direito e da justiça exigem de todas as nações, a fim de salvaguar-
dar relações verdadeiras entre os povos e manter a lealdade dos
História da luta pela libertação da Palestina 77

cidadãos à sua pátria, que considerem o sionismo um movimento


ilegal de presença e atividades.
Artigo 21: O povo palestino crê nos princípios da justiça,
da liberdade, da soberania, da autodeterminação, da dignida-
de humana e do direito dos povos de praticar esses princípios.
Também apoia todos os esforços internacionais para trazer a
paz com base na justiça e na livre cooperação internacional.
Artigo 22: O povo palestino acredita na coexistência pacífica
com base na existência legal, pois não pode haver coexistên-
cia com a agressão, nem pode haver paz com a ocupação e o
colonialismo.
Artigo 23: Ao realizar os objetivos e princípios deste
Convento, a Organização para a Libertação da Palestina desem-
penha plenamente o seu papel de libertação da Palestina, de
acordo com a lei básica desta Organização.
Artigo 24: Esta Organização não exerce qualquer soberania
territorial sobre a Cisjordânia no Reino Hachemita da Jordânia,
na Faixa de Gaza ou na Área Himmah. Suas atividades serão ao
nível popular nacional nos campos liberatório, organizacional,
político e financeiro.
Artigo 25: Esta Organização está encarregada do movimento
do povo palestino na sua luta pela libertação de sua pátria em
todas as questões liberacionais, organizacionais e financeiras e
em todas as outras necessidades da Questão Palestina nos âm-
bitos árabe e internacional.
Artigo 26: A Organização para a Libertação coopera com to-
dos os governos árabes, cada um de acordo com sua capacidade,
e não interfere nos assuntos internos de qualquer Estado árabe.
História da luta pela libertação da Palestina 78

Artigo 27: Esta Organização terá sua bandeira, juramento e


um hino nacional. Tudo isso será resolvido de acordo com regu-
lamentos especiais.
Artigo 28: A lei fundamental para a Organização para a
Libertação da Palestina está anexa a esta Carta. Esta lei define a
maneira de estabelecer a Organização, seus órgãos, instituições,
as especialidades de cada um deles e todos os deveres necessários
que lhe são impostos de acordo com esta Carta.
Artigo 29: Esta Carta não poderá ser modificada senão por
maioria de dois terços dos membros do Conselho Nacional da
Organização de Libertação da Palestina, em sessão especial con-
vocada para este propósito.
Brasil
Brasil 80

Considerações iniciais sobre o VIII


Congresso do PSOL
Executiva Nacional do MES/PSOL1

Quando escrevíamos a primeira versão desse texto, o trágico


assassinado de Diego Bomfim e de outros dois médicos no Rio
de Janeiro foi recebido com dor e revolta por todo o país. Nós
nos solidarizamos com a força de nossa querida deputada e or-
gulho do MES, Sâmia Bomfim, bem como sua família, amigos
e com o Deputado Glauber Braga. A resposta do movimento de
massas foi imediata e decidida: de Lula aos principais movimen-
tos sociais, como o MST, passando por entidades tradicionais da
sociedade médica até os principais sindicatos nacionais, o que
se sentiu foi a solidariedade à memória de Diego e dos outros
dois colegas, bem como o grito de “Força, Sâmia”. O MES está
a postos para seguir apoiando e apostando na luta de Sâmia por
justiça.

1 – Nossas considerações sobre os resultados do VIII


Congresso do PSOL devem ser cotejadas pela nova situação po-
lítica mundial, recém-aberta, com a ofensiva do Estado de Israel
contra a Faixa de Gaza; ainda estamos no começo dessa ofensiva
que pauta a opinião pública internacional, dividindo águas entre
a esquerda e parte do chamado “progressismo”, acelerando a cri-
se de dominação imperialista e a desordem mundial. Nossa po-
sição é resoluta em defesa do povo palestino contra o apartheid.

1 Documento elaborado em 10 de outubro de 2023.


Brasil 81

2 – Esse debate chegou ao PSOL também, como primeiro fato


posterior: nossas figuras saíram firmes na defesa do povo palesti-
no, enquanto Boulos vacilou e chegou a indicar voto em moções
inclusive da direita. A posição vacilante de diversas figuras públi-
cas do partido sobre a luta do povo palestino demonstra de forma
acelerada alguns elementos de capitulação política já demonstra-
das no Congresso.
3 – O VIII Congresso Nacional do PSOL teve lugar em Brasília,
nos dias 29 e 30 de setembro e 1º de outubro. Foi a etapa conclusi-
va de um processo que fora marcado por denúncias de fraude, por
cooptação de delegados, baixo nível do debate político, com uma
desigualdade muito grande de quórum, ligada a relação com os
aparelhos de Estado e governos. O Congresso ocorreu num centro
de eventos, com pouco espaço para discussão política e sobretudo,
voltado para mostrar uma aparência de um partido da “esquerda
renovada”, sem entrar nos temas mais candentes da realidade. O
resultado do congresso consolidou a maioria reformista, contudo,
nossa ação evitou um golpe que estava em curso, que mudaria a
proporcionalidade qualificada, mantendo o MES e a esquerda na
Fundação Lauro Campos e Marielle Franco (FLCMF). Só foi pos-
sível derrotar esse golpe pela luta implacável que foi dada desde o
princípio do congresso.
4 – Os marcos políticos do congresso, mais gerais, estiveram
pouco presentes no debate, apesar do esforço das teses Militante
e demais do campo do Bloco Democrático de Esquerda, em elevar
o debate para tarefas concretas, temas programáticos e discussões
mais gerais e estratégicas. Há novos elementos na luta de classes
no mundo, como a irrupção do maior movimento grevista da his-
tória dos EUA e a escalada no colapso climático, além do novo
Brasil 82

ataque colonial que o sionismo quer impor à Palestina; a referên-


cia à greve foi feita apenas pela relação que temos com a corrente
Pão e Rosas do DSA, que estava presente com um membro do
UAW no Congresso, por nosso convite. Quanto aos outros temas,
com uma delegação internacional que foi orientada a não acom-
panhar os debates, reduzindo o peso do debate internacional e os
espaços como nos relacionarmos com esses fenômenos.
5 – Do ponto de vista nacional, há também uma oscilação na
conjuntura, onde se percebe a linha mais defensiva da extrema
direita com a possibilidade de prisão de Bolsonaro, uma retoma-
da das lutas sociais com epicentro em São Paulo e um giro ainda
mais social-liberal do governo, aproveitando da relativa estabilida-
de econômica provisória.
6 – Como já havíamos anunciado: o Congresso preparava e
consolidou um giro na natureza da direção do PSOL. Uma dire-
ção reformista consolidada, não sem contradições, que agora tem
cerca de 53% dos votos na base e controlará os dois principais
postos de poder: presidência e tesouraria. Esse processo não é
simples nem automático, visto as vitórias que tivemos nos con-
gressos estaduais e o peso de massas adquirido por nossas e nos-
sos porta-vozes.
7 – As bases materiais para esse giro, após a pandemia e o
governo Bolsonaro, são o peso do governo Lula, o eleitoralismo
(via a questão dos fundos partidários e eleitorais, que giram aos
milhões de reais), também refletindo as dificuldades reais do mo-
vimento de massas, assim como a persistência da extrema direita
e a própria consciência limitada em setores de massas.
8 – Para dar cabo dessa política, o campo PTL precisava dar
um passo a mais no seu burocratismo e sanha de aparato. A pro-
Brasil 83

posta veio, por fora da convocatória do Congresso e sem qualquer


debate nas bases nem nos congressos estaduais, em quebrar a
proporcionalidade das três primeiras chamadas, dos três princi-
pais espaços de poder, a presidência, a tesouraria e a FLCMF, a
saber.
9 – Para materializar esse verdadeiro golpe, contou a cobertura
de “esquerda” da Resistência, que cumpriu o pior papel do con-
gresso, sendo derrotada e desmoralizada ao se demonstrar como
uma linha auxiliar do governismo no PSOL atuando através da
desinformação sobre o tema da independência do partido, no que
foram desmentidos de forma cabal após o Congresso com as de-
clarações da nova presidente Paula Coradi sobre todo o PTL de-
fender a participação no governo.
10 – O Congresso teve um ato de abertura protocolar, onde
as falas recitaram um tom governista, visto que tinham alguns
ministros, mas não conseguiram calar a nossa voz; já na abertura
Antonia Cariongo, representante dos quilombolas do Maranhão,
deixou bastante nítido, a linha de exigências sem tréguas a Dino
e ao governo, mostrando a linha da independência como loca-
lização para enfrentar a extrema-direita. Destaque para Heloísa
Helena que fez uma fala referendando especialmente o MES; e
por fim, e com maestria, Fernanda falou como parlamentar, mas
também como dirigente para apontar as tarefas, e cobrar que es-
tava se aplicando um golpe ao liquidar a proporcionalidade sem
convocatória para tanto, abrindo a luta política no Congresso.
11 – O sábado conseguimos expor nossas principais posições,
no parco tempo para o debate, com intervenções qualificadas,
como a de tese como Luana e Robaina, além de Luciana, Sâmia, en-
tre várias, soldando a unidade que fizemos em algumas plenárias,
Brasil 84

entre o MES, aliado à correntes como CS, Ubuntu, Embrionários,


junto ao Fortalecer, o CI, e com diálogo com os camaradas da
tese 1, onde atuamos para desenvolver o Bloco Democrático de
Esquerda, linha principal com eixo na luta contra o hegemonismo
e o burocratismo do campo PTL.
12 – Ao final do sábado, irrompeu uma crise que paralisou por
12 horas o congresso. O PTL “descobriu” que não tinham todos
os votos para ter os 2/3 e a Insurgência teve uma postura muito
importante ao condicionar seus votos ao adiamento de quebra da
proporcionalidade da FLC para o 9º Congresso. Essa crise eviden-
ciou o elemento burocrático para todo congresso, abrindo uma
fissura na linha festiva e despolitizada do PTL até então.
13 – O desfecho da crise foi com a retomada dos trabalhos,
com o PTL tendo que aceitar a mediação da Insurgência, e atu-
ando para cooptar três delegados da Bahia, que foram embora do
congresso e, com essas abstenções, garantiram a tesouraria para
o PSOL Popular. O desfecho com o episódio do tumulto e briga
generalizada, somada à agressão covarde (e premeditada) de um
dirigente da Revolução Solidária contra Roberto Robaina, princi-
pal dirigente do MES e de toda a oposição, selou o mal-estar que
marcou o conjunto
do Congresso, num término sem defesas de resoluções e vo-
tando a chapa sem apresentação.
14 – A “fotografia” do congresso foi o cenário de briga, crise
política e tentativa de golpe, operando uma mudança em certa
aura parlamentar, que eximia a contradição de um “partido atu-
ante para fora” e “burocrático para dentro”. A repercussão do con-
gresso trouxe em carne viva que existe um grande mal-estar no
PSOL.
Brasil 85

15 – O imediato pós-congresso foi marcado pela repercussão


da agressão, numa guerra de versões, onde a Revolução Solidária
e a Primavera, de forma defensiva e alheia à tradição até então do
PSOL, tentaram redobrar a aposta, instrumentalizando o debate
da negritude. Nossa coluna de quadros negros e negras respondeu
imediatamente, com uma nota categórica e impedindo que as ca-
lúnias e distorções se amplificassem.
16 – A cooptação de delegados, os gastos exorbitantes em fis-
calização e mobilização são outra cara do passo à frente na buro-
cratização. Métodos que até então eram auxiliares ou secundários,
como os que envolvem aparato, se transformaram em centrais em
algumas ocasiões, levando a uma cooptação com ares de métodos
corruptos.
17 – Nossa atuação em particular merece destaque. Tivemos a
bancada mais dinâmica e representativa do congresso. Um esfor-
ço concentrado de três meses para evitar o golpe completo, que
afinal, logramos, ao nos posicionarmos na FLCMF, desmascaran-
do o plano do PTL. Esse esforço foi possível pela força das nossas
ideias, pelo peso de nossas figuras públicas, pela centralização e
papel desempenhado pelos responsáveis da equipe PSOL, em es-
pecial da companheira Mariana Riscali, que deu um salto na sua
gestão à frente das finanças e pela coluna de quadros dos estados.
Teremos importante na FLCMF, nos estados, com nossos depu-
tados e vereadores e na arena do embate da luta de ideias com
Luciana, com os parceiros da esquerda do PSOL e do campo crí-
tico em geral.
18 – O PTL terá dificuldades. As pressões sobre Boulos para
responder apenas à tarefa eleitoral em SP, bem como o ecletismo
de sua aliança com o Semente pode levar a futuras crises. Seu pri-
Brasil 86

meiro balanço congressual já mostrou isso pois teve dificuldade


em responder à crise nos meios de comunicação e com um docu-
mento sem a assinatura da Insurgência.
19 – Podemos resumir que a linha do PTL é de adesão acríti-
ca ao lulismo, com três elementos regressivos para o conjunto do
PSOL: o ataque ao marxismo como “acadêmico”, caindo num em-
pirismo que é próximo da linha da Articulação petista nos anos
1980, com traços ecléticos ligados ao populismo de esquerda; o
eleitoralismo como linha de ação principal, que leva à capitulação
aos governos; o burocratismo que interdita o debate democrático
e leva uma luta em todos terrenos - vale-tudo, implosão moral –
para reproduzir o próprio aparato.
20 – Esse ambiente restringe à própria seleção de quadros;
boa parte dos dirigentes e quadros, assim considerados, do PSOL
Popular, são estudantes e setores de classe média logo alçados à
condição de assessores parlamentares, sem vínculos e trajetórias
com movimentos de luta e assemelhados.
21 – As coordenadas dos próximos passos da luta dentro do
PSOL serão determinadas, contudo, pela evolução da própria luta
de classes. O fato de não conseguirem limpar o MES e a oposi-
ção interna e o fato de a própria oposição ter porta-vozes públicos
colocam interrogantes importantes sobre a dinâmica, onde o fa-
talismo seria o pior desvio. As condições da luta interna ao PSOL
serão mais duras e renhidas, mas a luta de classes não deu a últi-
ma palavra. As dificuldades do PT e do PcdoB mostram que exis-
te espaço à esquerda, que o PSOL pode eleitoralmente capitalizar.
Nosso desafio será como organizar e disputar esse espaço, agora
num terreno mais arenoso e complexo.
Brasil 87

22 – A própria direção do PSOL, Boulos à frente, não tem a au-


toridade que acredita ter. Basta ver a relação que temos e estabelece-
mos com o MST, com todas as diferenças e sua leitura sobre Boulos.
Ou o peso irrisório que as duas correntes do campo PSOL Popular,
Primavera e Revolução Solidária, tem na vanguarda juvenil do país e
movimento sindical organizado.
23 – Quanto ao campo Semente, a tendência será de crise. A cri-
se nos marcos da unidade entre Insurgência e Resistência se man-
terá. Sabemos que a atuação da Insurgência do Ceará, junto com o
Distrito Federal e outros camaradas, foram essenciais para evitar os
o golpe regimental e já declarou diferença com a direção paulista de
sua organização, assim como o fato de que a Insurgência não assinou
o balanço do Congresso
feito pelo PTL.
24 – Vale registrar que, durante o Congresso, a deputada Camila
Valadão do Espírito Santo, anunciou sua entrada no MES, fruto de
um debate em que um grupo de camaradas já está construindo a cor-
rente há meses. Isso fortalece a nossa organização, sendo um salto.
25 – Do ponto de vista do programa imediato, é seguir a luta
contra a extrema direita, colocando muita ênfase na luta contra as
milícias no Rio, pela prisão de Bolsonaro, em apoio às greves e o
funcionalismo público, a luta pela ADPF por direitos das mulheres,
contra o ajuste do governo. Em São Paulo, essa luta envolve o centro
contra a privatização.
26 – A disputa sobre os rumos do PSOL não será definida em
gabinetes e aparatos parlamentares, mas a partir da dinâmica da luta
de classes no país. Nesse caminho apostamos, construindo um polo
independente e anticapitalista como forma de derrotar a extrema di-
reita e o liberalismo.
Brasil 88

Seca na Amazônia: por que acontece e o que


fazer?
Renata Moara1

A maior seca da história da Amazônia está acontecendo agora.


As imagens dos rios no estado do Amazonas virando deserto são
desesperadoras, ou pelo menos deveriam ser.
O Rio Solimões passa hoje pela maior seca em mais de um sé-
culo. São quilômetros de um rio que se transformou em deserto,
centenas de peixes mortos, e botos que estão em extinção. A ilha
de Parintins também passa por situações extremas com a maior
seca em 49 anos. O que está acontecendo na Amazônia não é
um fenômeno natural, ao contrário, é resultado da crise climática
gerada pela exploração desenfreada e secular de nossos recursos
naturais e humanos.
Ailton Krenak em uma palestra em 2019 disse: “O rio está em
coma. De certa maneira, as pessoas estão no mesmo estado sim-
bólico de coma em que o corpo do rio está.”
Aqui podemos ver uma preocupação do intelectual e líder in-
dígena com o imobilismo em torno das lutas em defesa do meio
ambiente, expresso antes mesmo do estouro da crise climática em
2023. Chama a atenção para a necessidade da luta em torno da
defesa da vida.
A Amazônia historicamente é um território de disputa, o ca-
pital financeiro vê a floresta, os rios, a fauna e as pessoas como
mercadorias a serem vendidas e exploradas. Essa é a lógica que

1 Estudante de História da UFOPA, da Coordenação Nacional do Juntos! e Diretora de Meio


Ambiente da UNE
Brasil 89

fundamentou a colonização e que segue sendo o modus operandi


do capitalismo. Essa, também, é a lógica que está transformando
nossa floresta em pasto ou terra para plantio de grãos. No oeste
paraense vivemos um avanço exponencial da soja que invade ter-
ritórios indígenas, destrói a floresta, e envenena a terra, água e ar
com inúmeros agrotóxicos.
A mineração também é responsável pela crise climática e seca
na Amazônia. As dragas nos rios causam assoreamento fazendo
com que eles sumam, além da contaminação pelo minério que
afeta as águas e os peixes, que causam doenças na população ri-
beirinha e na cidade.
O desmatamento da floresta é responsável pelo calor extremo
que estamos sentindo nas cidades e pela fumaça que ronda os
ares da cidade de Manaus, causando doenças para a população. O
calor afeta a vida na floresta e na cidade, na floresta causando in-
cêndios e morte de animais, e na cidade afetando principalmente
as periferias que já não tem acesso à direitos básicos da cidade e
que enfrentam o racismo ambiental.
É fundamental nessa discussão trazer esses elementos porque
não podemos tratar o colapso ambiental como algo natural, a seca
como algo que acontece todos os anos. A destruição do meio am-
biente é ocasionada pela ação do capitalismo que destrói o que vê
pela frente, mesmo que isso ponha em risco o futuro do planeta.
Gosto muito de pensar na cosmologia abordada por Ailton
Krenak, que para mim é uma das maiores referências intelectu-
ais da luta ambiental atualmente. Outra marca de Krenak é sua
abordagem de que: “Rios vivos não são uma ideia viável dentro
de uma economia capitalista”. Hoje essa é a síntese que explica a
crise que vivemos no mundo. Enquanto houver floresta de pé, rio
Brasil 90

correndo e gente vivendo, o capitalismo não vai parar, porque seu


objetivo é explorar até a última gota de cada recurso humano e
não humano, sempre impondo o lucro acima das vidas.
Então, diante dessa crise que parece se estabelecer e não ter
fim, qual é o papel de nós, socialistas?
Está escancarado que a crise climática é fruto do capitalismo e
que é uma crise global, portanto a defesa ativa do meio ambiente
é uma luta dos socialistas, pois é uma luta anticapitalista. Por isso
precisamos sair do imobilismo dito por Krenak. O que está acon-
tecendo na Amazônia com a seca é grave e carece do máximo de
atenção e intervenção, não podemos assistir de camarote o plane-
ta sendo destruído e vidas sendo perdidas, e essa não é uma luta
só da população indígena, quilombola, ribeirinha, da Amazônia,
essa é uma luta de todos e todas aqueles que erguem a bandeira
do socialismo e que acreditam numa outra forma de sociedade. E
aqui destaco a necessidade de unir os saberes ancestrais da socie-
dade do bem viver com o horizonte ecossocialista de superação
do capitalismo.
Nessa luta em defesa da floresta e de nossas vidas, para frear
a crise climática, é fundamental a demarcação das terras indíge-
nas. Uma terra demarcada significa um direito ancestral garanti-
do, mas também a preservação da floresta e consequentemente
da vida do planeta. Precisamos lutar pela garantia dos direitos
dos povos da floresta contra o avanço do agronegócio, contra o
garimpo que destrói nosso território. Lutar por justiça climática,
contra o racismo ambiental que sim afeta a vida da periferia nas
cidades, que não tem acesso à direitos básicos como saneamento.
Precisamos nos indignar com nossos rios secando, cada rio que
seca é um fio de esperança que se vai.
Brasil 91

Para nós, povos amazônidas e para os povos da floresta, os


rios, as árvores, e os animais não são somente uma coisa a mais
no mundo, esses elementos somos nós. Tem um canto indígena
do Baixo Tapajós que retrata bem essa relação: “Terra meu corpo,
ar meu sopro, água meu sangue e fogo meu espírito”.
A floresta somos nós e nós somos a floresta. Ou nos indigna-
mos com a seca na Amazônia e a crise climática e transformamos
esse sentimento em luta em defesa da vida, ou assistimos calados
o fim do planeta. Prefiro ficar com a primeira opção, afinal nós
socialistas e amazônidas temos em nosso DNA a inquietação da-
queles que não aceitam a imposição da lógica capitalista. Há luta!
Entrevista
Entrevista 93

“Todos somos passageiros de um trem


suicida, que se chama civilização capitalista
industrial moderna” - entrevista com
Michael Löwy

Camila Souza Menezes1

Eduardo Carniel2

Michael Löwy é um dos intelectuais militantes mais conheci-


dos do Brasil. Nascido em São Paulo, estudou Ciências Sociais na
Universidade de São Paulo, convivendo com quadros históricos do
marxismo e do trotskismo brasileiro. Radicou-se na França, onde
viveu a efervescência das lutas de maio de 68 e passou a cons-
truir a IV Internacional, da qual hoje é uma grande referência.
Atualmente, é reconhecido como um dos principais proponentes
da tese do ecossocialismo, e da necessidade da atualização do pro-
grama de transição ao socialismo à luz das tarefas do século XXI.
Residindo atualmente na França, Löwy tem visitado o Brasil
para atividades acadêmicas e políticas. Na última das suas visitas,
a Revista Movimento visitou-o em seu hotel, e entrevistou o profes-
sor e camarada sobre sua trajetória na IV Internacional, a urgên-
cia de uma alternativa ecossocialista, e as tarefas para a esquerda
radical pelo mundo. Confira a entrevista a seguir.

1 Mestre em Sociologia e Antropologia pela UFRJ e membro da Executiva Nacional do MES/PSOL.


2 Professor de Língua Portuguesa da Escola de Aplicação da USP, doutorando em Letras e militante
do MES/PSOL.
Entrevista 94

Camila Menezes – A primeira pergunta que queremos fazer


está ligada ao resgate de um elemento da sua trajetória. Percebemos
que você e o Daniel Bensaïd foram parceiros na academia e tam-
bém na construção política. Lemos um texto de 2020, 10 anos
depois da morte do Daniel, que se se chama “Daniel Bensaïd e
Michael Löwy: um marxismo da bifurcação”, em que você fala
um pouco da trajetória de cada um e comenta que o Daniel era
um leninista autêntico e que você era um apaixonado pela Rosa
Luxemburgo. Queria que você contasse um pouco como foi esse
encontro entre vocês e como essa trajetória influenciou nas suas
publicações, no seu pensamento e tudo mais.
Michael Löwy – Encontro com quem? Com a Rosa
Luxemburgo? (risos)
CM – Com o Daniel! (risos)
ML – Com efeito, havia essa diferença entre nós. Eu me formei
no luxemburguismo desde a minha juventude no Brasil. E mesmo
que eu tivesse aderido depois à IV Internacional e assumido o le-
ninismo e Trotsky, ficou, de alguma maneira, essa referência em
Rosa Luxemburgo, que continua sendo central para mim. Aliás, o
próprio Trotsky chegou a dizer que as duas referências para a IV
Internacional são Lenin e Rosa Luxemburgo. Ele via os dois como
parte da herança marxista revolucionária. Bom, mas havia uma
diferença na concepção dos partidos, na questão da democracia,
enfim, havia alguns desacordos entre eles. E eu então me situava
no campo do luxemburguismo, entre aspas, porque não existe lu-
xemburguismo como corrente separada, não é?
Então, nos primeiros anos que eu comecei a militar na Liga
[Comunista Revolucionária], eu não tinha muito contato com o
Daniel Bensaïd. Em algum momento também estivemos em ten-
Entrevista 95

dências diferentes, tínhamos análises um pouco diferentes e tal.


Claro, estávamos na mesma organização, compartilhávamos os
fundamentos da estratégia da Liga como revolucionária e, obvia-
mente, da IV Internacional, mas nem sempre estávamos de acor-
do. Então a aproximação maior começou a se dar no fim dos anos
80. Nós já nos encontramos em vários momentos em função do
Brasil. Nós dois tínhamos uma relação forte com o Brasil e tam-
bém com a América Latina. Mas o que realmente nos aproximou
foi Walter Benjamin. Eu já tinha escrito um texto sobre Benjamin,
em meados dos anos 80. O capítulo do meu livro se chamava
Redenção e Utopia (no Brasil, Editora Perspectiva), e o Bensaïd já
estava com a ideia de escrever um livro sobre ele. E aí tivemos vá-
rias conversas e ele chegou a me propor: “Que tal se a gente fizes-
se um livro juntos sobre Walter Benjamin?” Eu disse: “Um livro?
Precisa ver se a gente está de acordo, né? Mas podemos começar
com um artigo!” (risos).
Bom, ao final, ele acabou fazendo o seu livro e eu fiz o meu
anos depois. Inclusive, em parte influenciado pelo dele, mas o
dele tinha sido influenciado pelo meu capítulo, quer dizer, uma
influência mútua. Mas isso nos aproximou, nós dois tivemos essa
relação muito forte com o pensamento de Benjamin, que nos fez
repensar vários aspectos da concepção marxista da história etc.
Então, isso está muito presente nos nossos escritos, ainda que
com enfoques um pouco diferentes. Eu tiro o Benjamin para o
lado do romantismo, da utopia e da relação entre teologia e po-
lítica. Para o Bensaïd, a leitura dele é mais a estratégica política,
digamos, leninista, com enfoque no messianismo profano. Essa
é a interpretação dele. Então não tão diferentes assim, comparti-
lhamos essa ideia de que o messianismo pode ser um elemento
Entrevista 96

importante do pensamento revolucionário. Havia interpretações


um pouco diferentes, mas também em boa parte nós compar-
tilhávamos esse interesse por Walter Benjamin reinterpretado,
não em chave pós-moderna estética, como era feito, mas por uma
perspectiva revolucionária marxista. Partindo, enfim, da tradição
comunista.
Isso nos aproximou bastante. E eu comecei a ler com cada vez
mais interesse e simpatia, e às vezes com entusiasmo, os escritos
dele. E o meu livro preferido de Bensaïd é A aposta melancólica [Le
pari mélancolique, sem tradução para o português], que eu adoro.
Os outros livros dele também acho muito interessantes. Essa ideia
da bifurcação eu acho fundamental, que já está, de certa maneira,
em Rosa Luxemburgo quando ela fala em “socialismo ou barbá-
rie”, mas o Daniel sistematizou isso como eixo central de uma
nova visão da teoria marxista da revolução. E utilizando intuições
de Blanqui e Charles Péguy, e de vários autores que ele foi desco-
brindo e trazendo para o arquivo do marxismo revolucionário. E
em certo momento, nós, vendo que os dois partilhávamos muita
simpatia e interesse por Auguste Blanqui, finalmente escrevemos
um artigo juntos. Não foi sobre Benjamin, mas foi sobre Blanqui.
Nesse momento, curiosamente, tivemos um desacordo, não
sobre Blanqui, mas de interpretação de Marx. Era uma velha dis-
cussão que tínhamos, mas voltou a propósito. A crítica dele a
Marx, desde uma perspectiva leninista, era que Marx tinha a ideia
de que as grandes fábricas, concentrando os operários, produzem
necessariamente greves, lutas sociais e, portanto, consciência so-
cial, consciência socialista etc. Assim, na interpretação dele, para
Marx, eram as condições econômicas e as condições sociológicas
que levavam o proletariado para a revolução. Enquanto Lênin in-
Entrevista 97

sistia que era necessário a direção do partido, então ele dizia, por
isso, que o leninismo acrescentou algo que faltava em Marx. Essa
era um pouco a tese dele, e eu dizia que não, não é bem por aí.
Tem um outro texto de Marx, por exemplo, na Miséria da filosofia,
que dá essa impressão, de que o capitalismo vai concentrando os
operários na fábrica, e quando eles estão concentrados, eles ine-
vitavelmente acabam lutando, entrando em greve e pronto. Bom,
eu dizia, para Marx, não é a economia nem a existência da classe
em si que determina a sua consciência, mas é a sua experiência
de luta, é a práxis. Então a teoria da consciência revolucionária de
Marx não é economicista nem sociológica, ela é política baseada
na ideia da práxis de luta e da práxis revolucionária. Isso coincide
com os escritos de Rosa Luxemburgo. Então tínhamos uma leitu-
ra diferente de Marx nesse ponto. Mas sobre Blanqui, estávamos
de acordo, então fizemos esse artigo que foi publicado.
Em várias ocasiões nós nos encontrávamos e discutíamos, e
sobre o Brasil, nós tínhamos a mesma análise fundamentalmen-
te e, como tínhamos uma relação forte com os companheiros
que eram então a seção brasileira da IV Internacional - que era a
Democracia Socialista (DS) - nós partilhamos uma tentativa de
orientar a ação dos companheiros brasileiros no sentido de não
continuar no governo do Lula. No começo do governo, houve um
Congresso da IV Internacional em que o pessoal da Democracia
Socialista já manifestou que queria entrar no governo, e nós éra-
mos céticos, mas pensamos “Tudo bem, vocês fazem a tentativa
e vamos ver no que vai dar”. Entretanto, depois de dois anos nós
achamos que não era mais possível continuar. Sobretudo após co-
meçar a ser armar um conflito no qual companheiros estavam
sendo expulsos. Então nós fizemos uma carta que era assinada
Entrevista 98

pelo Bensaïd, pelo Chico Louçã, e por mim, não sei se tinha mais
alguém. Nós mandamos não para ser publicado, mandamos para
a direção da Democracia Socialista, e provavelmente os compa-
nheiros que eram críticos da direção vazaram isso não sei para
onde, e acabou chegando na imprensa. E acabou com aquela no-
tícia no jornal: “A IV Internacional lá de Paris deu a ordem para a
DS sair do governo.” Bom, não era bem assim, inclusive não era
nem um documento oficial da IV Internacional. Era uma carta
de companheiros que acompanhavam o Brasil já há anos e que
tinham uma relação pessoal com os camaradas da DS. Essa inter-
venção foi mal recebida, como vocês sabem, e provocou a divisão
e o afastamento da DS, não é? Então, isso foi uma intervenção
política comum que nós fizemos.
Então, se comparamos nossas trajetórias, eu diria que nós
partimos de perspectivas bastante afastadas e fomos nos aproxi-
mando, até chegar a uma convergência muito grande. Embora se
mantivessem diferenças, como sobre a questão do romantismo,
da qual ele desconfiava, e sobre a utopia também, não é? Ele acha-
va que a utopia era uma coisa que atrapalhava. Havia essas duas
divergências que tínhamos, e também a questão da religião. Eu
insistia que a teologia é um momento importante do pensamento
de Benjamin, que a relação que ele aponta entre teoria, teologia e
materialismo histórico está ilustrada na História pela teologia da
libertação na América Latina e, portanto, temos que interpretar o
Benjamin à luz do que aconteceu na América Latina. O Bensaïd
tinha bastante pé atrás em relação a isso. Ele insistia muito na ne-
cessidade de uma política secularizada. Ele era alérgico a qualquer
teologização da política, e inclusive tem um livro sobre esse tema
que eu não gosto muito. Temos alguns desacordos, mas temos
Entrevista 99

muita, muita proximidade. E uma outra coisa que nos aproximou


é a teoria da aposta de Lucien Goldmann. Goldmann tinha estu-
dado a obra de Pascal sobre a teoria da aposta. Pascal dizia sobre a
aposta na existência de Deus. Temos que apostar, ou na existência
ou na inexistência dele. E ninguém pode escapar da aposta, por-
que estamos todos embarcados. E o cristão, que aposta na exis-
tência de Deus, tem que trabalhar para o incerto, porque não é
certeza nem científica, nem filosófica, nem de outro tipo. Talvez,
há alguns milhares de anos, Deus aparecia, mas já faz tempo que
ele anda escondido, não é? Então não há provas, temos que apos-
tar. E o Lucien Goldmann transpôs isso para o campo do marxis-
mo, dizendo que também a vitória do socialismo não é algo que se
pode provar cientificamente, e aqui temos que apostar, temos que
estar dispostos a trabalhar pelo incerto. O Goldmann dá essa ver-
são secularizada, não religiosa, da aposta pascaliana. Eu me inte-
ressei um pouco por isso, tinha escrito um artiguinho sobre isso,
mas acho que Bensaïd foi quem deu mais importância a essa ideia
e colocou ela no centro do A aposta melancólica. A aposta é melan-
cólica, ele diz, porque até agora tivemos mais derrotas do que vi-
tórias, não é? Tem aquela famosa frase, que diz que tivemos mais
manhãs frustradas do que noites vitoriosas, mas, apesar das der-
rotas ganhamos o direito de recomeçar. É uma bela frase. Aliás,
ele escrevia maravilhosamente, tem um estilo fantástico. Tem a
capacidade, o dom de formular ideias de uma maneira poética e
filosófica ao mesmo tempo, o que é extraordinário.
Eu acho que Bensaïd foi, depois do Ernest Mandel, quem mais
contribuiu no nosso campo para enriquecer o marxismo revolu-
cionário, porque a contribuição dele realmente foi extraordinária.
E com essa ideia do marxismo da bifurcação, ele nos ajudou a se
Entrevista 100

libertar dos economicismos, dos determinismos, dos fatalismos.


E isso permitia a ele retomar a ideia leninista, que eu acho que é
justa, de que o decisivo é o fator subjetivo. Em última análise, o
que vai decidir pela bifurcação, se ela vai em uma direção ou ou-
tra, não são as leis da economia, não é a queda da taxa de lucro,
mas é a organização, consciência, luta. Essa revalorização do fa-
tor subjetivo, eu acho que é muito justa. Bom, ele como leninista
daria mais enfoque no partido, e eu, como luxemburguista, na
práxis das massas, mas enfim, de alguma maneira a gente esta-
va dentro de uma mesma perspectiva metodológica. Aliás, tem
um trabalhinho interessante de um aluno que é o Fábio Mascaro
Querido, comparando a leitura de Benjamin do Bensaïd com a
minha [a tese Resistência intelectual e engajamento político em Michael
Löwy e Daniel Bensaïd: afinidades benjaminianas]. Aí ali tem todos os
detalhes, as diferenças, as semelhanças, os encontros, etc.

CM – Seguindo ainda um pouco sobre o Bensaïd, há um texto


dele, do final da década de 80, que nós do MES utilizamos muito
em nossas escolas de formação, que achamos que dialoga com o
que você expôs. Chama-se Lenin, ou a política do tempo Partido,
e é um texto em que ele trabalha a dialética de maneira formidá-
vel, para se contrapor justamente a essa ideia que você colocava
da História como uma marcha triunfal ao socialismo. Nele, ele vai
afirmar uma ideia do partido como uma caixa de marchas. Você
comentava sobre a DS e a história do PT. Recentemente, dentro
do PSOL, no final do ano passado, enfrentamos esse debate sobre
compor ou não compor o governo Lula-Alckmin. Nós defende-
mos que não, e felizmente foi, ainda que apenas de maneira for-
mal nas resoluções, uma posição vitoriosa. Para nós, a defesa da
Entrevista 101

independência de classe para forjar alternativas anticapitalistas é


decisiva, e lutamos para que o PSOL siga nesse caminho. Mas eu
queria que você comentasse como você vê esse debate, e também
como está vendo o papel do PSOL aqui na conjuntura brasileira.
ML – Veja, eu hesito a dar palpites do Brasil, porque, como
você sabe, eu moro em Paris, a vários milhares de quilômetros
de distância, então acompanho o que se passa de longe, não é?
Portanto, eu sou prudente em dar opiniões, mas posso dizer algu-
mas coisas gerais.
Primeiro, eu acho muito importante a existência do PSOL
no Brasil. Muito importante o fato de que boa parte da esquer-
da radical antineoliberal, mesmo anticapitalista, tem conseguido
se unificar num partido e atuar já há quase vinte anos. É im-
portantíssimo isso, porque em muitos outros países da América
Latina a situação é de fragmentação total. Eu vim do Chile agora,
e, de partidos que se referem à herança do MIR [Movimento de
Esquerda Revolucionária] tem uns dez, todos de tamanho peque-
no. Partidos que se referem ao trotskismo, muitos, mas pequenos
ainda. Então o fato de existir o PSOL como partido comum de
uma esquerda crítica radical, antineoliberal, é um triunfo impor-
tante para a esquerda no Brasil. Na IV Internacional já faz anos
que apostamos na ideia de partidos amplos. Quer dizer, além dos
nossos pequenos partidos, temos vontade de participar na tenta-
tiva de criar partidos mais amplos, que sejam pelo menos antine-
oliberais, se possível anticapitalistas, então participamos de várias
experiências. E várias delas não deram certo, não é? O Podemos
entrou no governo com a social-democracia, e perdeu muita força.
Em outros países, como Portugal, a experiência foi mais positiva,
apesar de seus limites, e assim por diante. Então, uma das experi-
Entrevista 102

ências positivas que a gente pode mencionar é o PSOL.


Dito isso, o PSOL, como todos os outros partidos desse tipo,
seja na Europa, seja na América Latina, está constantemente sub-
metido à pressão de se adaptar à política institucional, à política
de governos progressistas quando eles existem, e ao parlamenta-
rismo e assim por diante, uma pressão que é inevitável no quadro
de um Estado burguês. As forças de esquerda radicais estão cons-
tantemente submetidas a essa pressão. Então, eu acho importante
que dentro do PSOL haja companheiros e correntes que procurem
pôr limites a essa adaptação. Sem perder de vista que é necessária
uma unidade de ação, sobretudo no caso do Brasil, em que você
tem que enfrentar uma violenta reação de tipo neofascista, e não
dá para se ignorar isso. Então o problema é como combinar a mais
ampla unidade antifascista com a preservação de uma posição in-
dependente da esquerda mais radical, comprometida com a luta
de classes e com uma perspectiva socialista. Esse é o desafio, não
é? Como conciliar articular essas duas exigências, a exigência de
unidade antifascista, e a exigência de independência de classe e
autonomia dos anticapitalistas. E como fazer isso, não sou eu que
vou dar a receita, não é? Vocês é que têm que encontrar.

Eduardo Carniel – Queríamos voltar ao tema do Benjamin,


a partir de uma reflexão que se conecta com o livro que lhe ren-
deu o prêmio Walter Benjamin na França [A revolução é o freio de
emergência: ensaios sobre Walter Benjamin, publicado no Brasil pela
Autonomia Literária], cujo título é uma formulação que para nós
do MES vem sendo cada vez mais útil como forma de explicar e
disputar as ideias anticapitalistas sintetizadas na questão da re-
volução como um freio de emergência. Quando chegamos aqui,
Entrevista 103

comentamos um pouquinho sobre o calor, não é? E achamos que


cada vez mais os temas da mudança climática, e dos eventos cli-
máticos extremos, vêm se impondo como um fato inescapável.
Junto com eles, pelo menos na nossa compreensão, vem surgindo
também uma noção dos limites do projeto construído pelo capi-
talismo, quando até na grande mídia burguesa tem havido espaço
para uma discussão dentro dessa linha. A partir das suas formu-
lações sobre o ecossocialismo, queríamos saber se você acredita
que vivemos um momento em que as pessoas estão mais atentas
a esse tema. Ele vem tendo mais visibilidade, inclusive dentro de
uma perspectiva anticapitalista?
ML – Bom, eu vou começar com Walter Benjamin. Benjamin
tinha uma intuição de que o capitalismo é destruidor da natureza,
inclusive ele utiliza a expressão de que a exploração da nature-
za pelo capitalismo é um assassinato. E ele contrasta isso com a
atitude dos povos tradicionais pré-modernos, que viam a nature-
za como uma mãe generosa. Eu fiquei muito impressionado com
isso, para mim parecia um discurso de uma conferência latino-a-
mericana dos indígenas. É realmente surpreendente. Mas enfim,
ele tem aquela famosa tese que vocês conhecem: Marx diz que as
revoluções são as locomotivas da história, mas quem sabe elas são
o freio que a humanidade puxa para parar o trem. Não acho que
ele está pensando propriamente na questão ecológica, mas hoje
em dia, realmente, nós não podemos deixar de aplicar essa ideia à
crise ecológica. E o fato é que nós todos somos passageiros de um
trem suicida. Esse trem se chama civilização capitalista industrial
moderna. Ele domina o planeta, e está indo a uma rapidez cres-
cente em direção ao abismo que é a catástrofe ecológica, a mu-
dança climática já é incontrolável. Então, realmente é uma tarefa
Entrevista 104

urgente pararmos esse trem.


Portanto, a revolução está colocada mais do que nunca na or-
dem do dia. A revolução sempre foi vista como a possibilidade de
uma sociedade mais justa, rompendo com o capitalismo explora-
dor e opressor, responsável pelas guerras, pelo colonialismo, mas
agora a coisa ficou mais decisiva, porque se trata de que o capita-
lismo, pela sua dinâmica de expansão ilimitada, de crescimento,
de produtivismo e consumismo, está nos levando para uma situa-
ção em que a própria sobrevivência da humanidade está em jogo.
É uma situação sem precedentes na história humana, desde que
o homo sapiens apareceu nunca houve um perigo desse tipo. E o
elemento mais visível disso é a utilização massiva pelo capitalis-
mo das energias fósseis - não é o único, mas é o elemento decisi-
vo. Quer dizer, o capitalismo existe há três séculos, baseado nas
energias fósseis: primeiro era o carvão, depois o carvão e o petró-
leo, depois o gás. E não dá o menor sinal de que vai mudar, ele
depende totalmente das energias fósseis para seu funcionamento.
Está disposto a investir - por que não? - nas energias renováveis.
É um outro negócio, com a condição de não abandonar os fósseis,
não é? A prova disso são as tais conferências das Nações Unidas
sobre o clima, as COPs. Já estão no número 28, e nos últimos
anos já há um consenso, mesmo nas COPs - porque o consenso
científico já havia há muito tempo, mas mesmo os representantes
dos governos reconhecem que a mudança climática existe, que ela
é provocada pela ação humana, e que ela depende, sobretudo, não
unicamente, das energias fósseis. Eles são obrigados a reconhecer
isso, só que tomar medidas? Zero! Eu gosto de citar a conferência
de dois anos atrás, que foi em Glasgow, na Grã-Bretanha, e havia
um alto funcionário do governo conservador britânico que ficou
Entrevista 105

de apresentar as resoluções da conferência. Na hora de apresentar


as resoluções, ele chorou. O funcionário conservador do governo
chorou! Porque a coisa era tão triste, não é? Quer dizer, confron-
tado com a urgência de tomar medidas drásticas, não tinha prati-
camente nada.
Aliás, essa foi a última conferência na Europa, porque eles
viram uma enorme manifestação de protesto, e ficaram chatea-
dos. Então, eles decidiram ir o mais longe possível e foram para
o deserto em Sharm el-Sheikh, no Egito, uma ditadura militar.
Lá discutiram várias coisas, até resolveram que precisavam dar
um pouco de dinheiro para os países pobres e tal, mas decidiram
que a questão das energias fósseis simplesmente não ia estar na
ordem do dia. Então, para que serviram essas reuniões? Quer di-
zer, elas mostram que os governos que representam o povo estão
a serviço do sistema. Praticamente todos os governos do planeta
são incapazes de tomar as medidas mínimas urgentes, radicais,
porque isso entra em conflito com os fundamentos do sistema ca-
pitalista. E você não precisa ser “trotskista” para reconhecer isso.
O Papa Francisco, na encíclica Laudato si’, diz qual é a causa da de-
sigualdade social e da destruição do meio ambiente, da mudança
climática: é o atual sistema econômico, baseado na maximização
do lucro. Só não usou a palavra capitalista, mas é isso. E a Greta
Thunberg também resumiu a coisa muito bem: é matematica-
mente impossível você resolver a crise ecológica nos quadros do
atual sistema econômico. Daí que o movimento dos jovens lançou
essa palavra de ordem, “mudemos o sistema, e não o clima”. Essa
é a bifurcação na qual nós estamos: ou deixamos o trem seguir ao
abismo ou mudamos a direção do trem. Essa é a bifurcação que
está diante de nós.
Entrevista 106

Então temos uma batalha muito importante politicamente


para convencer nossos companheiros da esquerda de que a ques-
tão ecológica é fundamental. Tem que ser um eixo central do nos-
so programa socialista, do nosso programa comunista revolucio-
nário. E, infelizmente, não é o caso. Outro dia, tinha um grupinho
trotskista distribuindo um panfleto, e ele dizia que o petróleo é
formidável, precisamos 100% do petróleo, e quem é contra o pe-
tróleo são esses imperialistas europeus que falam em ecologia,
essas besteiras e tal. Realmente eles estão no século XIX, não é?
Ou antes até. Porque o Marx, no século XIX, já tinha percebido
o problema. Então temos essa tarefa de convencer a esquerda, o
movimento sindical, desta urgência e importância fundamental.
Porque, na minha opinião, essa questão ecológica, da mudança
climática, é a questão econômica, social, política e ética funda-
mental do século XXI. Já é agora, e vai ser mais ainda nos meses e
anos que vem. Porque a gente está vendo todos os dias nos jornais
incêndios de floresta incontroláveis, e catástrofes naturais, mas
que não são tão naturais, porque têm a ver com a mudança climá-
tica. Então isso vai ficar cada vez mais importante. E a esquerda
que não cair a ficha vai ficar fora do jogo, acho isso evidente.

EC – Neste tema do convencimento da esquerda, esse é um


assunto que vem sendo mais recorrente no Brasil também, até
pelo debate, que você deve estar acompanhando, dentro do
governo de se abrir uma plataforma de extração de petróleo
na foz do rio Amazonas. O governo Lula busca referenciar in-
ternacionalmente o Brasil como o grande país que agora pode
ser a alternativa para a mudança climática, mas enfrenta esse
tipo de questão internamente que até o presidente da Colômbia
Entrevista 107

Gustavo Petro chamou de “negacionismo progressista”. Você


não acha que isso tem a ver também com os limites do capita-
lismo verde, mas inclusive em relação às concepções social-de-
mocratas, e até da esquerda do regime, nesse momento quanto
ao debate ecológico?
ML – Sim, sem dúvidas. No caso do Brasil, a coisa é ainda
mais complicada, porque a esquerda brasileira, há mais de meio
século, se construiu com a ideia de que “O petróleo é nosso”,
não é? Na luta pelo petróleo brasileiro contra as companhias im-
perialistas de exploração do petróleo nacional. Essa ideia foi um
marcador da cultura da esquerda durante muito tempo. Então,
realmente é muito difícil essa esquerda se separar do petróleo.
E por isso é muito importante a gente levar essa batalha contra
o petróleo da foz do Amazonas, que seria uma catástrofe para a
Amazônia para começar, mas para toda a humanidade, porque
esse petróleo, se for queimado, vai agravar a crise. Essa batalha
é muito importante, mas não é fácil, né? Porque a esquerda bra-
sileira tem esse tema do petróleo no seu DNA.

CM – E há ainda na esquerda, especialmente na de tradição


stalinista, aquela concepção mais produtivista do progresso.
ML – É… de desenvolvimento das forças produtivas. Bom,
mas o que importa é o PT, porque é ele que tem peso e está no
governo. E tem no governo a Marina Silva, que está tentando
se opor a isso, então pode ser uma aliada. É muito importante
essa batalha, e temos que buscar aliados, uma parte da igreja
está também contra, provavelmente dentro do PT também deve
estar havendo discussão.
CM – Outra pergunta, fugindo agora um pouco deste tema,
Entrevista 108

mas ainda que sempre correlacionado: dentro do MES temos de-


fendido essa tese do reagrupamento, como uma necessidade de
busca por sínteses que fortaleçam a construção de partidos e de
programas para a luta anticapitalista e revolucionária, especial-
mente agora com o avanço da extrema-direita e do neofascismo.
E a gente tem visto muito a IV Internacional como essa casa, com
essa vocação para o reagrupamento. Com a IV Internacional com-
pletando 85 anos no início de setembro, gostaria que você discu-
tisse um pouco qual é o papel dela no mundo, mas especialmente
aqui no Brasil e na América Latina, com todo o trabalho que vem
sendo desenvolvido.
ML – A IV Internacional, como você sabe, é uma organização
modesta, não é? Em seus meios materiais, no seu aparelho, seus
militantes… é uma organização modesta. E sabemos muito bem
que nós não somos o partido da revolução mundial, que o Trotsky
sonhava em 1938. Estamos muito longe disso, mas mesmo com
tudo isso, somos a única organização revolucionária marxista in-
ternacional que tem uma certa existência em muitos países, vá-
rios continentes, e que tem um funcionamento democrático. E
também que procura, ao mesmo tempo, recuperar a tradição do
marxismo revolucionário, de Marx, Engels, Lenin, Trotsky, Rosa
Luxemburgo, José Carlos Mariátegui e Che Guevara - enfim, a
lista é grande - e também atualizar isso em função dos desafios
do século XXI. Para começar, o desafio ecológico, daí os nossos
textos sobre o ecossocialismo já há vários anos. Agora, nós temos
procurado desenvolver não só as nossas próprias organizações,
obviamente, mas também procurar reagrupamentos. Eu não diria
reagrupamentos de revolucionários - isso seria desejável, mas re-
agrupamentos em partidos mais amplos. Partidos que se opõem
Entrevista 109

à social-democracia, partidos que se opõem ao neoliberalismo


e, na medida do possível, partidos que se opõem ao próprio ca-
pitalismo, pelo menos em princípio. Então, temos tentado par-
ticipar de partidos desse tipo - nem sempre, não em todos os
países, mas temos como orientação procurar participar de rea-
grupamentos desse modelo, mas dentro de certos limites. Quer
dizer, não nos interessa renovar a social-democracia, o eurocomu-
nismo ou o populismo de esquerda. Não é nesse campo, é num
campo delimitado, que tem uma orientação de classe com um
objetivo socialista, que recusa as políticas neoliberais e que re-
cusa o capitalismo em última análise. Essas tentativas têm dado
alguns resultados catastróficos - não por culpa nossa, mas obje-
tivamente. Rifondazione Comunista: foi uma bela ideia, não é?
Quando o Partido Comunista [Italiano] virou para a direita, virou
o Partido [Democrático da Esquerda], houve bastante gente que
queria continuar a tradição comunista italiana, mas renovando
e repensando a partir de Gramsci. Nós participamos nisso com
muito entusiasmo, e lá pelas tantas foi para o brejo, e se rompeu
em vários pedaços, quase que desaparece. Outra experiência tam-
bém que terminou mal foi o Podemos na Espanha, que participa-
mos com muito entusiasmo no começo. Foi uma tentativa inte-
ressante, mas acabou se enquadrando, entrando no governo com
a social-democracia. Então é isso, mas continuamos apostando
nessa possibilidade em alguns países, como em Portugal com o
Bloco de Esquerda, no Brasil com o PSOL, e no Paquistão [com o
Partido Haqooq-e-Khalq]. Em vários países há experiências des-
se tipo que são interessantes, e que nós tentamos, na medida do
possível, desenvolver.
Agora, outra questão, que é mais complicada, é a divisão da
Entrevista 110

nossa própria família política da IV Internacional. Infelizmente,


não em todos, mas em vários países, há uma divisão na nossa
seção. A França é um exemplo bastante evidente, e com consequ-
ências muito negativas. No Chile, além de divididos, nossos sim-
patizantes são poucos. No Brasil é diferente, porque tem vários
grupos, várias correntes, vários pequenos partidos mesmo, que se
referem de uma maneira ou de outra à IV Internacional. Alguns
que já tem uma relação mais antiga, outros mais recentes, mas há
um campo grande da IV Internacional no Brasil, que potencial-
mente poderia ter milhares de militantes, mas que está dividido
por divergências táticas importantes. Portanto, no momento não
há condições para se pensar no reagrupamento de todos os parti-
dários da IV Internacional no Brasil, mas eu estou propondo que
todas as várias correntes que tenham alguma relação com a IV se
reúnam para tomar uma iniciativa comum: publicar a revista da
IV Internacional, que chama Imprecor, em português. Ela existe
em francês, em inglês e espanhol. Nós achamos muito importan-
te que ela exista em português, que seja conhecida no Brasil em
versão digital e em versão impressa. E não é tão difícil, não é? É
fundamentalmente traduzir textos da Imprecor em francês, algum
texto de Portugal, e algum texto consensual sobre o Brasil, que
pode ser um documento histórico, ou pode ser uma análise que
haja consenso entre todos. Ou mesmo um debate? Enfim, de qual-
quer maneira, achamos que seria muito positivo dar esse passo em
comum para o pessoal que tem esse relacionamento com a IV.
EC – Para encerrar, vimos que você está lançando não um, mas
dois livros aqui no Brasil: pela editora Boitempo, o livro Marx, esse
desconhecido; e pela editora Autonomia Literária, o livro Setembro
vermelho, agora à luz dos 50 anos do golpe de estado no Chile.
Entrevista 111

Queríamos que você falasse um pouquinho sobre os livros. O que


te levou a publicar eles neste momento? Qual é a importância e a
atualidade de cada um desses temas?
ML – Vou começar pelo Setembro vermelho. Setembro vermelho é
um livrinho que eu escrevi com Olivier Besancenot, que é porta-
-voz do Novo Partido Anticapitalista [da França], e que já tinha
sido da porta-voz da Liga Comunista Revolucionária. Nós somos
muito amigos e já temos escrito vários livros juntos. Esse livro
nós tivemos vontade de escrever porque, por razões diversas, nós
temos o Chile no coração. Eu, porque eu sou de uma geração
para a qual a experiência da Unidade Popular no Chile, o golpe
de 1973, os horrores da repressão e a tentativa de resistência do
MIR fazem parte da nossa cultura política, nos formamos com
essa história. E para o Olivier Besancenot, que é muito mais jo-
vem, porque ele tem um interesse muito grande pelo MIR e está
preparando um filme documentário sobre o movimento. Então
nós dois, cada um pelo seu caminho, temos uma relação subjetiva
muito forte com o Chile, com a esquerda chilena, com os revolu-
cionários chilenos. Então, isso nos motivou a fazer alguma coisa
sobre o Chile, e aproveitar o cinquentaniversário do golpe que foi
este ano. Dissemos: “Vamos fazer um livrinho juntos por oca-
sião desse cinquentaniversário?”. Esse livrinho não é um livro de
história científico. Isso por duas razões: uma que nós não somos
historiadores de profissão, e a outra que já existem vários, e al-
guns são muito bons, como o do nosso amigo e camarada Franck
Gaudichaud [Chile 1970-1973: mil dias que abalaram o mundo, pu-
blicado pela Usina Editorial no Brasil]. O que quisemos fazer foi
uma coisa um pouco diferente: uma mistura de história, ficção,
peça de teatro, roteiro de filme, sobretudo em forma de diálogos.
Entrevista 112

Diálogos baseados em documentos históricos, mas também com


uma certa liberdade da ficção. O livro conta a história da cons-
piração do golpe e o que se passou no dia 11 de setembro, quer
dizer, o golpe dos militares, a reação de Allende, as pessoas que
estavam junto com ele, tentativas de resistência no próprio Palácio
de La Moneda, e depois dos cordões industriais, e a repressão que
veio etc. Se trata de um pequeno livro acessível para trazer para
as pessoas, de uma maneira fácil de ler, esse episódio dramático
da história do movimento operário. O nosso objetivo tampouco
era fazer um livro de teoria política, e de tirar, digamos, as lições
desse evento, e entrar na discussão do que é que foi, o que é que
não foi, o que é que devia ter sido feito, o que é que Allende fez,
o que é que não fez - não era esse o nosso objetivo. Nós não que-
ríamos tirar as lições no lugar dos revolucionários chilenos. Eles
que tirem as lições, não é? (risos) Não somos nós que temos que
o fazer. Claro, as nossas simpatias iam para a esquerda do Partido
Socialista, para o MIR etc. Mas no livro a gente queria homenage-
ar todos que procuraram resistir ao golpe, de uma maneira ou de
outra, inclusive Allende, que aparece em uma famosa fotografia
na entrada do Palácio, com um fuzil no ombro. Então o nosso li-
vro é uma homenagem a todos que tentaram resistir ao golpe. O
livrinho foi publicado na França, no Chile e no Brasil ao mesmo
tempo. Em função da edição chilena, nós fomos convidados para
ir para o Chile, Olivier e eu. Então fomos e encontramos o pesso-
al da esquerda no Chile, fizemos apresentações públicas do livro,
participamos de alguns dos eventos do cinquentaniversário. Tem
também um outro aspecto subjetivo: entre os personagens que
aparecem no livro, tem duas que eram amigas nossas. Uma delas
é a Carmen Castillo, que era companheira do Miguel Enríquez
Entrevista 113

[dirigente do MIR], que é hoje em dia cineasta, e ela deu um tes-


temunho para nós do que ela tentou fazer durante o dia do golpe.
E, além disso, um outro testemunho de uma companheira nossa,
chamada Elena Piña, uma chilena exilada na França, que tinha
sido militante da IV Internacional no Chile na época da Unidade
Popular, que depois se exilou e que era a responsável pela nossa
livraria da Liga, e que faleceu recentemente. Também ela nos fez
um relato do que ela fez no dia do golpe, o transporte de pistolas
para a resistência.
Bom, o outro livro é muito diferente, não é? Marx, esse desconhe-
cido, é uma coleção de artigos sobre Marx. Alguns dos textos efe-
tivamente abordam temas pouco explorados de Marx. Tem pelo
menos um texto que realmente é um Marx desconhecido, que é
o ensaio de Marx chamado Sobre o suicídio, que na realidade é um
texto sobre a opressão das mulheres, e é o texto mais forte que
Marx jamais escreveu sobre esse tema, realmente impressionante
desse ponto de vista. Esse realmente é muito pouco conhecido.
Também tem um capítulo que se chama Marx e Engels, comunistas
românticos?, que também é meio fora do circuito habitual. Minha
tese não é que eles sejam românticos, daí o ponto de interroga-
ção, mas que eles têm uma relação forte com a cultura românti-
ca, tanto literária como antropológica, filosófica, histórica etc. E
também que a crítica romântica ao capitalismo é uma das fontes
deles, ao mesmo título que o socialismo utópico francês, a filoso-
fia hegeliana alemã e a economia política inglesa. Tem também o
capítulo sobre Marx e a religião. Essa é a parte, digamos, do Marx
menos conhecido. Tem também a parte sobre ecologia, mas isso
é um tema já bastante conhecido atualmente, e graças aos traba-
lhos dos meus amigos John Bellamy Foster e Kohei Saito já existe
Entrevista 114

uma ampla literatura sobre isso. E a segunda parte já é um tema


mais conhecido, que é a revolução, mas abordado de maneira um
pouco diferente - a questão da revolução permanente, enfim, vá-
rios aspectos sobre a teoria da revolução em Marx. Então é isso,
uma coleção de ensaios sobre vários aspectos da obra de Marx, e
também de Engels, que aparece em vários momentos.

EC – Só uma curiosidade sobre o livro Setembro vermelho: por


mais que você tenha dito que a intenção não é extrair lições stricto
sensu, é interessante trazer essa forma literária para uma aborda-
gem desse tema, após cinquenta anos do golpe e num contexto
particular da conjuntura chilena e latino-americana. Pensamos na
questão de como Boric vem encarando o país, e a própria situação
da extrema-direita na América Latina, e no Chile especificamen-
te. Mesmo que não seja uma questão de estabelecer lições para o
presente, você acha que, para além do interesse subjetivo, também
existem ecos entre 1973 e 2023 que o livro consegue explorar?
ML – Bem, tem pelo menos uma lição que a gente tira de 1973:
que para o imperialismo e para as classes dominantes, a democra-
cia só é tolerável quando ela não ameaça os seus privilégios. No
momento que seus privilégios parecem ser ameaçados, pronto,
acaba-se com a democracia. Isso acho que é uma lição da história,
não só no Chile, mas no século XX tem muitíssimos exemplos
disso, e século XXI também. O Chile hoje em dia está diante de
uma ameaça que, há alguns anos atrás, seria inimaginável: a apa-
rição de uma extrema-direita que se reclama abertamente a favor
da ditadura do Pinochet, do seu programa econômico, do golpe,
uma onda avassaladora neofascista. E não é só do Chile, no Brasil
vocês estão mais que cansados de conhecer isso, não é? E ultima-
Entrevista 115

mente apareceu na Argentina de repente. Do nada aparece um


neo-fascista ultra-liberal, Milei, totalmente desconhecido, que se
torna figura política, com apoio massivo.
Esse é um fenômeno muito preocupante, que não é só latino-
-americano, é planetário. Toma formas diversas, e em cada país
você tem uma explicação: é porque a esquerda não fez o que deve-
ria fazer, é por causa dos imigrantes, enfim. Mas como fenômeno,
é planetário. Temos que descobrir uma explicação mais global,
mas até agora não encontrei. É um desafio prático, porque nós
não podemos fazer de conta que não existe. É claro, a situação
em cada país é diferente. Vindo do Chile para o Brasil, a minha
impressão é que no Chile a extrema-direita está na ofensiva, e a
esquerda progressista no governo está na defensiva. O Boric qua-
se teve que se desculpar por ter feito no dia do golpe um discurso
que disse que Allende era um democrata, lutou pela justiça social,
que o golpe não se justificava e tal. Aí houve uma ofensiva violen-
ta da direita dizendo “Você está dividindo a nação, não é verdade”
e pronto. Páreo duro, não é? Então, a esquerda governamental
muito moderada, na defensiva, a extrema-direita na ofensiva, e
a esquerda radical, digamos, pulverizada, fragmentada. Situação
ruim. Comparado com isso, a do Brasil está um pouco melhor.
Quer dizer, o governo do Lula está mais ou menos na ofensiva
politicamente, a extrema-direita na defensiva e a esquerda radical
relativamente organizada. Pelo menos tem um partido, um peso
político, não é? Então a situação de vocês está um pouco melhor.

CM – Você acha que faltou algum tema, algum recado ou


mensagem para os nossos militantes e leitores da revista que você
julgue importante nesse momento?
Entrevista 116

ML – Vocês sabem melhor do que eu o que é importante agora


no Brasil para fazer. Acho que estamos de acordo que a questão
ecológica é fundamental, e que a batalha para salvar a Amazônia
é decisiva, não é? Então acho que isso está colocado na ordem do
dia. Acho que temos bastante acordo sobre isso.

CM – Muito obrigada.
Palestina Livre
do Rio ao Mar

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