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QUEM ERA HIRAM ABIF?

“Who was Hiram Abif?” Quem era Hiram Abif?

Este é o título de uma obra de J.S.M. Ward1, autor maçônico inglês, falecido em 1949. Qualquer um poderia
ter pensado que sobre Hiram Abif, o símbolo máximo da maçonaria, já não se tem nada a dizer. E, apesar de
tudo, não é assim. A maior prova disto é a obra do autor que acabamos de mencionar.

Faz pouco mais de um século, em 1869, Albert Mackey, no seu “Simbolism of Freemasonry” perguntava-se
quase o mesmo. Qual é - escrevia - o significado deste símbolo tão importante e tão amplamente difundido?
Que interpretação podemos lhe dar; que explique sua adoção universal? Que é o que faz tão ligado a
Maçonaria, que o converte numa parte de sua própria essência, a ponto de se lhe ter considerado sempre
como algo inseparável dela?

Tem que se reconhecer que a todas estas perguntas, os autores, até agora, só tem podido responder de modo
hipotético. Inclusive, nem se quer tem faltado os que, depois de infrutífera pesquisa, tem acabado
considerando que a origem da lenda hirâmica é um enigma sem solução.
Assim, Melvim M. Johnson, escritor norte americano, de maneira concluinte e quase dogmática, tem dito:
“Não tem se resolvido, nem se resolverá a questão de quando que esta lenda tomou sua forma atual e chegou
a formar parte da cerimónia maçônica. Tem se dado algumas opiniões, mas, de nenhuma delas tem se obtido
um conhecimento definitivo”. (Melvin M. Johnson, Masonic Law Little Libray. Volume I, pag. 157).

Mas, é interessante conhecer algumas das diversas teorias formuladas, que tratam de decifrar o enigmático
problema. Para William Hutchinson (1732-1814). Considerado como o primeiro exegeta do simbolismo
maçónico inglês e, mesmo, cronologicamente, o mais próximo ao momento em que aparece a Lenda nos
anais da Ordem, a figura de Hiram Abif estava envolvida num véu que só permitia conjeturas. E sua opinião,
como sustentador firme e convencido da origem puramente cristã da Ordem, era de que, “O Terceiro Grau e
a Maçonaria toda, entranhava uma clara e positiva oposição a cegueira e infidelidade do povo Judeu”.

Sob os influxos desta mesma ideia, George Oliver (1782-l867), clérigo protestante, verá, mais tarde, no
drama hirâmico, a projeção alegórica de dois episódios: a morte de Abel, nas mãos de Caim, no Antigo
Testamento, e a morte e ressurreição de Jesus, no Novo. Seria, sem embargo, um erro acreditar que esta
identificação de Hiram com a figura de Jesus era própria e exclusiva da Maçonaria inglesa. Melhor, foi a
interpretação que predominou em toda uma época: a segunda metade do século XVIII.

Assim, um autor francês desse período, referindo-se ao significado de Hiram Abif, diz: “É aqui que, o que a
gente vê realmente que Hiram era somente um tipo de Jesus Cristo; que o tempo e os outros símbolos
maçônicos são alegorias relativas à Igreja, à Fé e às boas mortes”.

O século XIX viu Hiram Abif de maneira muito diferente. Os progressos alcançados na decifração dos
hieróglifos egípcios e da escrita cuneiforme assírio babilónica e, logo, os trabalhos de Max Muller (1609-
1900) sobre a língua sânscrita, abriram o caminho ao estudo das religiões. Uma visão panorâmica e de
primeiro momento, pareceu revelar que todas elas consistiam simplesmente no culto a Natureza e a os astros
e, principalmente, ao sol.
Um exame mais minucioso pode deixar ver, sem embargo, que as manifestações religiosas estavam mais
bem dominadas pela ideia da morte e ressurreição do Deus solar e da Natureza mesma, na sucessão dos dias
e das noites e dos solstícios estacionais.

Hiram Abif não seria acaso a personificação de um Deus ou de um herói mítico solar? Não poderia ser este o
fundamento da imemorial tradição maçónica de celebrar os solstícios?

Seguindo estas sugestões e influenciado, indubitavelmente, pela tese de “L'origen de tous lês cultes”, de
Carlos Francisco Dupuis (1742-1809), surgida em 1794, José Maria Ragon sustentou a identificação de
Hiram Abif com Osíris, o Deus solar egípcio.

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John Sebastian Marlow

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Na primeira edição do seu “Curso Filosófico das Iniciações Antigas e Modernas”, surgida em 1841, Ragon
resume assim sua interpretação de Hiram Abif: “Esse Venerável Mestre é assaltado, quando visita os
trabalhos, por três malvados companheiros que o assassinam, sem conseguir arrancar-lhe a palavra de
Mestre, voz inefável, palavra inominável que tão só pronunciava uma vez ao ano o Grande Sacerdote”.

“Observemos, acrescenta, que os assassinos estão nas portas do Ocidente, Meio dia e do Oriente, é dizer, nos
pontos iluminados pelo Sol, o qual não passa jamais pelo Norte do hemisfério boreal. Os infames assassinos
enterram imediatamente o corpo, e assinalam o lugar onde se encontra o cadáver com um ramo de acácia”.

Anotemos aqui dois fatos importantes: é o primeiro em que, doze personagens representam um grande papel
nesta história, assim como todas as que têm o Sol como objeto, a saber: os três assassinos companheiros, é
dizer, três obreiros inferiores, e os nove Mestres ou nove obreiros superiores. O número doze responde,
evidentemente, aos signos percorridos pelo astro do dia; os três companheiros são os signos inferiores ou
signos de Inverno que dão morte a Hiram, ou se já, a Balança, o Escorpião e o Sagitário, os quais ocupam até
o centro do Outono estes três pontos do céu, de maneira que o primeiro encontra-se na declinação de
Ocidente; o segundo encontra-se na sua ascensão reta ou meio dia e, o último, começa aparecer no levante, o
que se afigura pela porta de Oriente, onde morre Hiram, da mesma forma que o Sol perece em Sagitário e
renasce ou volta a começar, num ano novo, em Capricórnio.

Seria difícil negar a influência que tiveram as ideias de Ragon no desenvolvimento da maçonaria hispano-
americana, sobretudo se pensa que eram as que predominavam na França na época em que a Ordem em
nosso continente, após se organizar, buscava uma orientação ideológica adequada à sua própria idiossincrasia
e ao meio político e social onde lhe cabia atuar. A instrução simbólica que ainda se comunica em nossas
oficinas, em grande medida, na concepção que deixara Ragon.

O dito não se deve entender, em prejuízo de outros autores que, si bem não tiveram o cartaz de Ragon,
deixaram, em troca, uma influência não menos positiva e, às vezes, muito mais profunda.

Entre isto, e em relação com o tema em estudo, é justo citar, em primeiro termo, a Nicolas C. Des Etangs
(1766-1847), cujo aporte ocupa grande parte do Ritual do nosso Terceiro Grau.

A Des Etangs corresponde o mérito de ter exaltado a significação de Hiran Abif, por sobre as interpretações
históricas, míticas e religiosas, aos domínios transcendentais e eternos da Humanidade.

J.S.M. Ward, o autor a que tem se aludido no começo deste artigo, ha mais de cem anos de Ragon, tem
renovado a teoria deste, com a diferença só de que, em vez de ser Osíris o arquétipo de Hiram Abif, o é, a
seu juízo, Adônis, o Deus solar Fenício. Em apoio de sua tese, e apoiado por uma erudição assombrosa, por
múltipla e vasta, o autor invoca o fato não discutido da origem fenícia do Hiram bíblico. Seu aporte, não
obstante, merece destacar-se porque sublinha uma circunstância em que os demais autores não insistem
suficientemente: a que a lenda dramática de Hiram Abif, tal como a conhecemos, não encontra fundamento
algum na Bíblia, nem em nenhum outro testemunho escrito até agora conhecido.

Outros pesquisadores, na sua diligente busca, têm discorrido que o episódio dramático que se relata no
Terceiro Grau, esconde tal vez, o testemunho de quem tem querido perpetuar, através da lenda de Hiram
Abif, a homenagem simbólica, necessariamente velada, de um mártir da perseguição religiosa. Esse mártir,
segundo os que sustentam a tese, seria Jacques de Molay, último Grão Mestre de Ordem do Templo,
queimado vivo em Paris, a 18 de Março de 1314, num processo urdido por Felipe o Formoso, com a
cumplicidade do Papa Clemente V, e que, no fundo, foi só o pretexto para se apoderar dos numerosos bens
da Ordem. Os defensores da tese partem, naturalmente, supondo que a Ordem Maçônica deriva da Ordem
dos Templários.

No Rito Escocês Antigo e Aceito, a palavra Molay é a palavra de passe dos Soberanos Grandes Inspetores
Gerais do Grau XXXIII e último do Rito, fato que indica um antecedente muito significativo na hipótese que
se comenta.

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Parecida interpretação, mas baseado num fato histórico posterior, é a dos que tem visto na Lenda de Hiram
Abif o modo com que os partidários de Carlos I de Inglaterra, quiseram fazer imortal sua memória. A versão
está intimamente ligada à querela politico-religiosa que viveu Inglaterra durante os séculos XVII e XVIII.

Carlos I, príncipe da dinastia católica escocesa dos Estuardos foi decapitado, como é sabido, em 1649,
quando se instaura a república puritana de Oliver Cromwell. Alguns autores prescindindo de todo
fundamento histórico tem estendido esta interpretação a Carlos Eduardo Estuardo (1720 - l788), bisneto de
Carlos I, o último dos Estuardos que lutou, inutilmente, para recuperar para sua dinastia o trono de Inglaterra.

Sem entrar no pronunciamento da hipótese, é interessante fazer notar que Elias Ashmole (1617 – 1692), a
quem se atribuem os Rituais dos dois Primeiros Graus da Maçonaria Simbólica e, inclusive, segundo alguns
autores, o Terceiro militava, sendo já maçom iniciado em 1646, nas filas dos estuardistas católicos adictos,
precisamente, a Carlos I.

Quase a mesma coisa cabe dizer do Duque de Wharton (l698 -1733) jovem aristocrata, de origem Irlandesa,
eleito Grão Mestre da Grande Loja de Londres, em pleno período hannoveriano (1722), e degradado como
Maçom, em reunião aberta, pouco depois de ter deixado o cargo, por conspirar na facção que intentava
restaurar a dinastia dos Estuardos na pessoa do filho de Jacobo II, o pretendente, exilado nessa época na
França. Em 1724, movido pelo despeito, fundou em Londres, a Antiga e Nobre Ordem dos Gormogões (The
Ancient Noble Order of the Gormogans), de inconfundível selo Jesuítico, da qual quis fazer um arremedo
burlesco da Franco-Maçonaria. Teve que abandonar Inglaterra, acusado de alta traição. Morreu quase
transtornado num convento franciscano de Espanha, em 1733, aos 35 anos de idade.

Ragon que, a bem da verdade, nem sempre pode dominar sua imaginação, elaborou, anos depois, uma nova
tese do Hiram Osíris, mas ampliando-a desta ver, às figuras de Carlos I e Jacques de Molay...

"A decapitação de Carlos I - segundo sua nova versão - devia se vingar. Para lográ-lo e se reconhecer seus
partidários conceberam um Grau Templário, onde a morte do inocente Jacques de Molay clama vingança.
Ashmole, que alentava os mesmos ideais políticos, modificou, então, seu Grau de Mestre, que formava um
todo com os dois primeiros Graus, e substituiu a doutrina egípcia por um véu bíblico, incompleto e estranho,
tal como o exigia o sistema Jesuíta e no que as iniciais dos três Graus reproduziam as do nome do Grão
Mestre Templário (J.B.M.). Vejam aqui, agrega, porque desde aquela época, os iniciados tem visto sempre
no Grau de Mestre, só um complemento da Franco-Maçonaria, como um grau inconcluso".

Depois deste “cozido” à francesa, Jules Boucher tem podido dizer, sem exagero, que Ragon tem triunfado na
tarefa de juntar maior número de erros no menor número de palavras... (Jules Boucher “La Symbolique
Maçonnique”, pag.253).

Ainda que pareça estranho, a teoria dos que interpretam o drama hirâmico como uma cópia alegórica do
trágico fim de Carlos I, tem sido apoiada nos nossos dias por Albert Lantoine, escritor maçônico francês,
falecido em 1949, e de reconhecida autoridade no campo da investigação maçônica. Referindo-se,
concretamente, ao substancial do Grau de Mestre, diz: “Se se atende ao nosso ponto de vista, o enigma e a
incoerência deste simbolismo desaparecem. Não podendo ser revelado, se compreende que se seu significado
não foi possível conservar testemunho algum, pelo que sua origem escapa às mais conscienciosas pesquisas”.

Os Ashmole, os Lilly, os Warton e os demais partidários da facção estuardista, abatidos tanto na sua fé como
na sua fortuna, quiseram exteriorizar seus sentimentos sob formas emblemáticas. Com a esperança da
restauração politica, uniram assim, no Grau de Mestre, seus conhecimentos míticos e seu espirito místico.
Deste modo, agrega Lantoine, se explicaria a correlação que tantos autores têm comprovado entre a lenda de
Hiram- “de Hiram que, segundo seus “enfants”, ressuscitara de entre os mortos - e o infortúnio de Carlos I,
que vingaram seus filhos”.

Lantoine vê, assim, na Lenda de Hiram, a dramatização alegórica de um episódio político. Não adverte, e isto
é o surpreendente, seu caráter puramente “iniciático”.

Por razões muito explicáveis, os ingleses tem se dedicado a encontrar o nó do enigma do Terceiro Grau da

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Maçonaria Operativa.

Uma tese neste sentido e a que propôs, em fins do século passado, W. H. Rayland, membro proeminente da
Loja “Quatuor Coronati” de Londres, sem dúvida o centro de pesquisa mais importante do mundo Maçônico.

Num trabalho publicado no volume XII do órgão da Loja (ARS Quatuor Coronati,1899), o autor admite a
possibilidade que a Lenda de Hiram Abif pudesse ter sua origem em alguns dos mistérios representado pelas
Guildas de Maçons da Idade Média, mas, como muito bem anota o historiador maçônico belga, Eugênio
Goblet d'Alviella, a verdade é que, nem na Inglaterra nem no Continente, tem se achado nada que justifique
tal hipótese ( Eugênio Goblet d´Alviella. "Origem do Grau de Mestre". Pag. 61)

Confirmando o anterior e referindo-se à Maçonaria Operativa Inglesa do século XVII, a autorizada opinião
de Robert F. Gould, observa, pela sua parte, que “se Hiram houvesse figurado nesse período nas cerimonias
ou tradições nas oficinas do oficio, as constituições manuscritas da época não teriam guardado, como tem
sucedido, um silencio tão uniforme e ininterrupto sobre a existência real ou legendária de uma personagem
tão proeminente na História e Lenda posterior da Ordem”. (Robert F. Gould. “The concise history of
Freemasonry” Pag. 142).

Finalmente, e antes de acabar este sumario rascunho sobre as diversas hipóteses que tem se formulado sobre
a origem e verdadeiro significado da alegoria hirâmica, se estima de interesse referir-se às sugestões que
sobre este mesmo tópico oferece a Maçonaria Operativa francesa medieval.

Existem, naturalmente, razões muito firmes para sustentar que o compagnnonage, como também se chama, é
mais antigo que a Maçonaria Operativa inglesa, e que sua organização, pelo menos nos seus primeiros
tempos, compreendia os três consabidos graus maçônicos: Aprendizes, Companheiros e Mestres.

A maior prova desta asserção a encontrou o próprio Anderson, num velho manuscrito do século XV, e parte
deste texto reproduziu na sua constituição de 1723, no capitulo destinado a narrar a História da Fraternidade,
e que diz o seguinte:
“Um códice do ano de 1475, escrito no reinado de Eduardo IV, da dinastia normanda, para instrução dos
candidatos e Irmãos novos diz assim: Que, ainda que muitos antigos documentos da Fraternidade na
Inglaterra foram destruídos ou se perderam nas guerras dos Saxões e Daneses, o Rei Athelstan (neto do Rei
Alfredo o Grande, morto em 901, e insigne arquiteto) o primeiro rei ungido na Inglaterra que ordenou
traduzir a Bíblia à língua saxona, o ano 930, uma vez que houve estabelecido a paz e a calma no reino,
construiu grandes obras e estimulou a muitos maçons vindos da França, nomeando-os superintendentes”.
Estes trouxeram consigo as obrigações ou regras de suas Lojas, conservadas desde os tempos de Roma, e
lograram, também, do rei, a reforma da constituição das Lojas inglesas, “segundo o modelo estrangeiro e o
aumento de salário dos maçons operativos”.

O parágrafo já transcrito demonstra, em forma indiscutível, que a Maçonaria Operativa inglesa, até o século
X, estava ainda, muito longe de atingir o grau de amadurecimento e desenvolvimento que na época
apresentava sua congênere francesa, o compagnonnage.

Não tem, assim, nada de estranho que autores como Besuchet, (“Précis historique de L´ordre de La
Francmaçonarie”. Pag. 5) citado pelo mesmo Gould, sustentem que na França, em 1729, prevalecia a opinião
de que Inglaterra tinha se limitado só a restaurar do que outrora tinha se apropriado. Já que todo um acúmulo
de tradições permite conjecturar autorizadamente, que a Francomaçonaria, em seus três primeiros Graus
Simbólicos, são de origem francesa (R.F. Gould. “History of Freemasony”. Volume I. Pag. 101).

O dito viria a demonstrar que a denominação genérica de Compagnonnage não é, portanto, exata nem
afortunada, já que induz a pensar numa Maçonaria de Companheiros (compagnos), cerceada já no Grau de
Mestre, e que pudesse se homologar as Companhias operativas inglesas as que, pelo já expressado,
correspondem a uma época muito posterior.
Além do mais, é coisa já estabelecida, que o mais antigo segmento do Compagnonnage, integrado por
pedreiros, carpinteiros e escultores em madeira, e conhecido com o nome de “Os filhos de Salomão”
alcançou a congregar, em seu seio, os últimos restos da Mestria operativa francesa.

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Agora, comparando-se os testemunhos primordiais da Maçonaria Operativa da França e da Inglaterra – “Os
filhos de Salomão” e o Poema Régio, respectivamente, com os que produzidos posteriormente em ambos os
países, como as Fraternidades de “Os filhos do Mestre Jacó” e as constituições posteriores ao manuscrito
Cooke, chega-se ao convencimento de que, o que até agora temos entendido por Maçonaria Operativa
medieval, sem maior distinção, compreende, na realidade, dois períodos perfeitamente diferenciados, e cuja
linha divisória traça o colapso da organização econômica da sociedade medieval.

O primeiro período, e o mais antigo, nos apresenta uma Maçonaria Operativa de manifesto sentido iniciático,
organizada inicialmente nos Três Graus e presidida, naturalmente, pela Mestria. Mas, o mais característico
dela, e sobre o qual não tem se separado, é seu marcado acento especulativo, em relação aos conceitos da
época, destacados pelo Poema Régio, especialmente as sete ciências liberais, especialmente a geometria-
ciência especulativa por excelência - e nenhuma menção que nele se faz de Hiram Abif, nem de sua suposta
obra no Templo de Salomão.

A mesma situação se observa na Maçonaria Operativa francesa, na sua primeira etapa. É verdade que o nome
adotado pela fraternidade “Os Filhos de Salomão”, tomado superficialmente, se empresta para associa-lo à
ideia operativa da “construção” do Templo; mas, observando seu claro espírito especulativo, é fácil ver que,
na realidade, trata-se de uma alusão alegórica à sabedoria de Salomão.

Que esta fraternidade, como a dos “Compagnnos Etrangers”, formada exclusivamente por pedreiros (tailleurs
de pierre), não era só operativa, o demonstra a tenaz e sugestiva hostilidade com que sempre a distinguiu a
Igreja Católica francesa, e que veio a ter seu desenlace num Edital condenatório expedido pela Faculdade de
Teologia da Sorbonne, em março de 1655.

É importante fazer notar que o motivo da condenação foi baseada, principalmente, no juramento emprestado
pelos associados, de guardar o segredo de suas práticas, ainda na confissão.

O compagnonnage, propriamente dito e puramente operativo, surge só em fins da Idade Média, a


consequência dos transtornos que provocou, no regime corporativo, a expansão econômica que seguiu ao
Renascimento e aos grandes descobrimentos geográficos.

Em mãos da Mestria e se asilando nas antigas e rígidas disposições de suas Ordenanças e Estatutos, as
corporações de artesãos opuseram-se tenazmente a criar novas praças de Mestres. Sem embargo, dominados
já pelo espirito mercantilista da época, não houve dificuldade em substituir a obrigação da execução da Obra
Mestra, pelo pago de certos direitos que foram subindo cada vez mais.

Deste modo, e usando a terminologia da nossa época, a Praça de Mestre passou a se converter numa espécie
de direito de chave. Inclusive, não foi estranho o caso de Mestres que cederam sua praça como uma forma de
dote, ao companheiro que casava com sua filha... (Charles Gide. “Curso de Economia Política”. Pag.124).

Frustrados nas expectativas de atingir o Mestrado do Ofício, os companheiros abandonaram as Fraternidades


Magistrais e optaram por se organizar de maneira independente, em associações constituídas só por
companheiros.

A partir desse momento pode, pois, falar-se com propriedade, nos termos, de compagnonnage ou Maçonaria
de Companheiros.

Uma das mais importantes destas fraternidades de Companheiros foi a que fundou, em oposição a dos
“Filhos de Salomão”, com o nome de “Os filhos de Mestre Jacobo” (Maitre Jacques).

Não é o caso de se referir aos episódios que protagonizou a dura rivalidade entre ambas as Fraternidades.
Mas, importam sim, as consequências que teve para a nova Fraternidade, segregando-se da Maçonaria
Magistral.

Cabe assinalar, como fato digno de menção, que “Os Filhos do Maitre Jacques” mantiveram-se fieis ao

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espirito iniciático da Fraternidade, mas num novo sistema de somente dois Graus: Aspirantes e
Companheiros (Gould. “History of Free Mansonry” Volume I. Pag.122)

Haveremos de encontrar, nesta Maçonaria “decapitada”, de somente dois graus, o enigma que encerra a lenda
do nosso Terceiro Grau? Tudo leva a uma resposta negativa.
Não obstante, é muito significativo que são “Os Filhos do Maitre Jacques” os que, através de um relato
lendário, fazem de seu padroeiro, Maitre Jacques, um “Companheiro” de Hiram, o artífice do Templo de
Salomão.

A maçonaria operativa francesa tem abaixado, pois do Grau de Mestre - Salomão - ao Grau de Companheiro
- Hiram - construtor do Templo de Salomão!

São os Companheiros os que, em oposição à Sabedoria especulativa Simbolizada em Salomão - exaltam e


idealizam o puramente operativo na figura do Maitre Jacques, “Companheiro de Hiram”. Há, não obstante,
na lenda de Maitre Jacques, um aspecto que interpretado na sua latitude, tem se prestado para que alguns
autores tenham acreditado encontrar nele a verdadeira chave da Lenda Hirâmica. Trata-se da morte do Maitre
Jacques. É verdade que o episódio oferece certa semelhança com a de Hiram Abif, mas, nem tanto como para
chegar a deduzir uma lenda de outra, nem muito menos para identificá-las.

Maitre Jacques cai, na realidade, vitima de um ato de traição, o feitor é Maitre Soubise, padroeiro também,
lendário, de outra Fraternidade conhecida com o nome de “Os Filhos do Maitre Soubise”, surgida
posteriormente. Nem o sucesso nem as circunstâncias que o rodeiam tem nada de simbólico, pelo menos no
grau perfeitamente nítido que o tem a lenda hirâmica. Por último e finalmente, na morte de Maitre Jacques
não há nenhum indício de caráter escatológico, que permita assimila-lo ou confundi-lo com a do nosso
Hiram Abif.

Depois de tudo isto, haveremos de aceitar a conclusão pessimista de Melvim M. Johnson à qual temos nos
referido, e reconhecer que a origem e o verdadeiro significado da Lenda hirâmica é o enigma insolúvel?
Certamente que não; isto faria desconhecer o primeiro e mais elementar ensinamento que recebe o iniciado
ao chegar à Ordem.

Deixando de lado as teorias e hipóteses que tem se resenhado, ensaiemos para dar com a solução,
caminhando com os nossos próprios pés. . .
Mas, para isto, e a maneira de método, continuemos na nossa pesquisa o caminho dos fatos até agora não
discutidos, a saber:
1- Na data da Fundação da Grande Loja de Londres, existiam só um ou dois Graus. Mas, em nenhum
caso existia o Grau de Mestre. A razão é simples: a Maçonaria Moderna ou Especulativa fundou-se
sobre as ruinas da Maçonaria Operativa e esta pelo menos na Inglaterra, nunca teve o Grau de Mestre
e, se chegou a tê-lo, desapareceu muito cedo. A maior prova disto é que seu mais remoto
antepassado histórico é a Companhia de Maçons de Londres.
2- O Grau de Mestre, na Maçonaria Moderna ou Especulativa, reconheceu-se oficialmente, só a partir
da segunda Constituição de Anderson, em 1738, ou seja, pouco mais de 2º anos depois na fundação
da Grande Loja de Londres.
3- Do anterior depreende-se que o Grau de Mestre não foi obra dos fundadores da maçonaria moderna:
Sayer, Anderson, Desaguliers, Payne, etc. Ainda que possamos duvidar de sua imparcialidade, cabe
fazer notar que Lorenzo Dermot (1720- 1791), no ano de 1748, declarava que “nenhum dos
revivalistas, Desaguliers, Anderson, Cofton, King. Calvert, Lumley, Sayer, etc., sabiam nada do
Grau de Mestre” (George Olivier “Discrepancies of Freemasonry” Pag.80).
4- Pelo tanto, o acerto de Dermot se demonstra bastante fundado, considerando o testemunho que
oferecem os próprios textos das três primeiras constituições da Maçonaria Moderna.

Na constituição de 1723, não há indicio algum que permita supor a existência de um Terceiro Grau ou de
uma lenda como a de Hiram. Na constituição de 1738, a continuação da descrição do Templo de Salomão, se
agregou a seguinte passagem: “Depois da colocação da pedra cume, esta foi celebrada pela Fraternidade,
mas, sua alegria foi interrompida pela morte do seu querido Mestre Hiram Abif, que foi sepultado
dignamente na Loja perto do Templo, seguindo o antigo costume”.

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Na constituição de 1756 se faz um pequeno agregado que não logra reproduzir o episódio, pelo menos na
forma em que atualmente se conhece.

O exame até aqui praticado deixa, pois, de manifesto, de maneira irrefutável, que o Terceiro Grau e sua
respectiva lenda foi agregada a Maçonaria Moderna por elementos também “especulativos”, mas que não
concorreram ou não se fizeram presentes ao momento de sua fundação.

Quem eram estes? Que tendências representavam? De onde extraíram o simbolismo da lenda que lograram
introduzir na Maçonaria Moderna? Aqui começa a penumbra... O positivamente certo é que a primeira
evidência de um Terceiro Grau, como algo diferente e separado do Fellow Craft, encontra-se, não numa Loja
propriamente tal, se não numa estranha Sociedade, cujo nome só é todo um símbolo radiante de sugestões
maçônicas. Trata-se do "Philo-Musicae et Architecturae Societas", de Londres.

É necessário chamar a atenção sobre um fato bem significativo que, de seus oito fundadores, sete eram
membros da Loja Queen's Head, subordinada regularmente à Grande Loja de Londres, e que como todas as
demais Lojas, só “trabalhavam” nos dois primeiros e únicos graus dessa época conhecidos. Foi esta
sociedade o berço da lenda hirâmica? Não tem sido possível defini-lo. Fora disto, a vida desta Loja foi
efémera: 1725 a 1737.

A nota enigmática a põe, sem dúvida, o oitavo fundador...


Tem-se pensado, também, na influência dos Rosacruzes, cujo testemunho se remonta, na Inglaterra, à Nova
Atlântida, de Francis Bacon (1561 -l626) em 1627 e de quem se diz que conservavam uma lenda muito
similar à de Hiram Abif, mas referida ao lendário fundador da Ordem, Christiam Rosenkreuz.

O certo é que, nem esta versão nem a que se atribui aos kabalistas, tem logrado por o pé, e por razões muito
explicáveis, num terreno acessível a investigação positiva.

Não vamos nos deter, pois, nas especulações e sigamos o nosso método numa segunda ordem de
considerações, mas sempre apoiados nos fatos não discutidos:

l - Uma das inovações mais surpreendentes e significativas que introduziram os fundadores da Maçonaria
Moderna na Constituição de 1723 foi a de realçar, na Lenda do Oficio, a magnificência do Templo de
Salamão e a figura incomparável do Mestre de Obra Hiram Abif, relegando, em câmbio, a um plano de
menor importância, a parte do relato que se referia à construção da Torre de Babel (ou da Arca de Noé,
segundo outros manuscritos), e que a mais remota tradição dos maçons operativos assinalavam,
precisamente, como berço e origem da Irmandade.

2- O testemunho maçônico escrito mais antigo conhecido, o chamado Poema Régio ou manuscrito de
Halliwell que se calcula da primeira metade do século XIV - não faz, com efeito, como tem se dito,
referência alguma ao Templo de Salomão nem a Hiram Abif... , e como fato singularmente sugestivo, cabe
assinalar que neste manuscrito, a maçonaria chama-se Geometria, e que os dois personagens que destaca são
Euclides, o geômetra Alexandrino do século III a.C. e Noé bíblico. Em que se basearam ou o que tiveram em
vista os fundadores da Maçonaria Moderna para alterar a tradição original da Maçonaria Operativa?

Os autores, na verdade, tem se limitado a comprovar o fato, mas, abstendo-se de fazer a pergunta que
apontamos, sem suspeitar, tal vez, que a simples formulação dela pode por luz sobre o problema que nos
preocupa.

Convenhamos, e antes de emitir uma resposta, que a modificação introduzida nos deixa em frente de um dos
mais notáveis paradoxos que a Franco- Maçonaria nos oferece.
Com efeito, por enquanto os operativos, aqueles que pelo ofício devia supor glorificadores da Arquitetura-
Arte operativo, no fato, e na verdade, rendiam-lhe tributo à geometria, ciência especulativa. Por sua vez, os
fundadores da Maçonaria Moderna, que se dizem mesmo como especulativos, em vez de exaltar a geometria,
fizeram, em troca, da Arquitetura, através do Templo de Salomão e de seu suposto arquiteto Abif, o símbolo
ideal máximo da nascente Maçonaria.

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Especulativa... E, consumando o paradoxo, proscreveram da Constituição a passagem apologética das sete
ciências liberais, contidas, tradicionalmente, nas velhas constituições operativas...

Uma alteração tão sem lógica tem obedecido a razões muito profundas, e muito meditadas. Mas aqui o
testemunho dos fatos desaparece e, para continuar, deve-se nos perdoar o auxilio de uma hipótese. Em
síntese, é esta: a alteração teve como objetivo acentuar o caráter puramente bíblico da tradição maçônica e
seus inspiradores não puderam ser outros mais do que Anderson e Desaguliers, ambos clérigos protestantes
e, pelo mesmo, de claro e definido espirito cristão.

Poderia alegar que, salvo os elementos estranhos à Bíblia, como Euclides, a Geometria, as sete Ciências
Liberais e a Lenda das duas colunas, a tradição da maçonaria Operativa não era menos bíblica que a ideada
por Anderson e Desaguliers, já que também tinha sido derivada de episódios autenticamente bíblicos: a
construção da Torre de Babel ou da Arca de Noé. É verdade. Mas ninguém parece ter advertido que dita
tradição tem sua fonte na concepção islâmica do Antigo Testamento. Com efeito, há de se fazer notar que a
figura de Noé, que dentro da tradição cristã não alcança relevo especial algum, na religião do Islã, em
câmbio, adquire e reveste a de um verdadeiro Profeta. E é conforme a esta longínqua tradição Islâmica que
os antigos maçons operativos conheciam-se com o nome de "noaquitas", ou seja, como discípulos ou
descendente de Noé.

No que se refere ao tema que tratamos há, por outra parte, uma evidente relação entre esta tradição islâmica e
a aparição da lenda de Hiram Abif na Maçonaria Moderna, e que não pode ser atribuída ao mero azar. Com
efeito, o reconhecimento oficial do Terceiro Grau, na Constituição de Anderson de 1738, coincide,
sugestivamente, com a modificação que foi traduzida à de 1723, no capítulo I dos Deveres do Maçom,
concernente a Deus e a Religião. A de 1723 dizia: “O Maçom, pela sua condição de tal, está obrigado a
obedecer a Lei Moral”.

A de 1738 dispôs: O Maçom, pela sua condição de tal, está obrigado a obedecer a Lei Moral como um
verdadeiro Noaquita. Alguém, com aparente sobrada razão, poderá arguir: bem, e, como se explica que sendo
Hiram, como você diz, um personagem cuja importância veio a ser destaque só pelos fundadores da
Maçonaria Moderna, se expressa através dele, pelo que se suspeita que é sua tese, uma Lenda alegórica, de
origem Islâmica e que, pelo mesmo, há de se supor de uma antiguidade mais remota? Respondo: Não há tal
contradição. Todos os autores concordam, efetivamente, em que o Hiram Abif maçônico, herói do episódio
que todo Mestre conhece, não tem relação alguma com o Hiram, artífice fenício, do que nos fala a Bíblia,
salvo, o nome.

Como veio a se encarnar no Hiram Abif da Lenda do Terceiro Grau o símbolo de um drama cujo verdadeiro
e real protagonista não conhecemos?

Acho que posso explica-lo: A juízo dos autores que tem se ocupado do problema, a mais antiga referência da
Maçonaria Operativa, Hiram se encontra nos manuscritos do século XV e XVI (Cook e Dowland) mas,
observa-se que neles, como nas versões posteriores, o grafismo correspondente aparece escrito em diversas
formas, tais como Ayman, Aymon, Aman, Hayman, etc. , fato que é atribuído a deformações produzidas por
copistas pouco cuidadosos. Surpreende, na realidade, que nenhum deles tenha reparado em que ditas grafias
se correspondem, com bastante exatidão, à tradição fonética inglesa da palavra árabe "Iman", e cujo
significado, pelo menos nos médios de fala latina, não há necessidade de mais explicações.

Fica, agora, por averiguar quem foi este Iman, cujo drama histórico ou lendário, veio a servir de fundamento
alegórico à ideia aonde culmina o ensino da Francomaçonaria simbólica. O tema ainda tem muitos contornos
interessantes e convido aos IIrpara uma futura continuação desta pesquisa.

Este trabalho foi feito considerando o vasto material pesquisado pelo poderoso IrEduardo Phillips Muller,
Diretor do Seminário de Estudos Maçônicos da Grande Loja do Chile.

A bibliografia está detalhada ao longo do trabalho.


Belo Horizonte, 31 de Outubro de 1994 EV
Sérgio Nibaldo Rivas MM Loja Águia de Haia nº 214.

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