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Cidadania: instrumento e finalidade do processo

TEMAS LIVRES FREE THEMES


de trabalho na reforma psiquiátrica

Citizenship: instrument and finality of the working


process in psychiatric reform

Alice Guimarães Bottaro de Oliveira 1


Neiry Primo Alessi 2

Abstract Within the Brazilian context, starting Resumo A reforma psiquiátrica apresentou a
at the end of the 20th century, the psychiatric re- necessidade de resgate dos direitos de cidadania
form presented the necessity to rescue the rights of para os doentes mentais, no contexto brasileiro, a
citizenship for the mentally ill. The objective was partir do final do século 20. Busca-se analisar a
to analyze citizenship as an instrument and an cidadania como instrumento e finalidade do pro-
end of the team work process at six institutions of cesso de trabalho das equipes de seis instituições
extra-hospital mental health care belonging to the de atenção extra-hospitalar em saúde mental, da
public network of Cuiabá (MT), in the second se- rede pública de Cuiabá (M)T, no segundo semes-
mester of 2001. Marxist dialectics was used as the tre de 2001. Utiliza-se a dialética marxista como
theoretical-methodological framework. It was ob- referencial teórico-metodológico. Apesar de se
served that, even though citizen rights are af- afirmar os direitos de cidadãos para os “pacien-
firmed for “patients”, now called service “users”, tes”, agora denominados “usuários” dos serviços,
the paradox between the concept of citizenship o paradoxo entre o conceito de cidadania e “doen-
and the “mentally ill patient” has not been dis- te mental” não foi problematizado e, portanto,
cussed as a problem and consequently has not re- não resulta em atitudes terapêuticas que possibi-
sulted in therapeutic attitudes that will permit or litem ou assegurem a participação cidadã de pro-
insure the participation of professionals and users fissionais e usuários. A cidadania corresponde a
as citizens. Citizenship is seen as an abstraction, uma abstração, excluída da esfera de trabalho
excluded from the sphere of work and/or treat- e/ou tratamento. No trabalho alienado não se ex-
ment. In an alienated work there is no explicit plicita a situação contraditória na qual os traba-
consideration of the contradictory situation in lhadores são agentes que operam saberes e práti-
which the workers are agents that apply tradi- cas tradicionalmente excludentes e, simultanea-
1 Departamento
tionally excluding knowledge and practices and mente, necessitam superar esse papel e produzir
de Enfermagem/FAEN at the same time must go beyond this role and práticas de atenção psicossocial que respeitem o
Universidade Federal produce practices of psychosocial care that will re- cidadão portador de transtorno mental.
de Mato Grosso/UFMT. spect the citizen with mental disorders. Palavras-chave Saúde mental, Processo de tra-
Rua Presidente Rodrigues
Alves 99/601, Bairro Key words Mental health, Working process, Cit- balho, Cidadania, Psiquiatria, Reforma psiquiá-
Quilombo, 78043-418, izenship, Psychiatry, Psychiatric reform trica
Cuiabá MT.
alicegbo@yahoo.com.br
2 Universidade
de Uberaba/UNIUBE.
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Oliveira, A. G. B. & Alessi, N. P.

A institucionalização da psiquiatria mem e do Cidadão estabelecia a assistência pú-


e a reforma psiquiátrica blica que seria determinada por lei, de acordo
com a natureza do problema e a necessidade de
intervenção (Castel, 1978). A cidadania era en-
A institucionalização da psiquiatria no mundo tão um atributo dos iguais – racionais, nor-
ocidental se deu no contexto do Iluminismo, a mais. Aos alienados – despossuídos de razão –
partir do século 17. A razão dos antigos gregos não se cogitava a cidadania, essa entendida co-
foi resgatada pelos filósofos dessa época e a ir- mo cidadania política liberal, de participação
racionalidade, manifesta nos loucos e em mui- nas decisões sociais.
tos outros tipos de “perturbadores da ordem”, Por volta da metade do século 20 e, portan-
era contida e corrigida nas prisões, escolas, ca- to, decorridos um século e meio após o surgi-
sas de correção e casas de loucos que surgiram mento da psiquiatria, vários movimentos de
em toda a Europa nos séculos 18 e 19 (Porter, contestação a este saber e prática instituídos se
1990). fizeram notar no cenário mundial, dos quais se
Tendo surgido na França, após a Revolução destacam os movimentos denominados Psi-
Francesa, a psiquiatria instituiu-se sobre o pa- quiatria de Setor, na França; as Comunidades
no de fundo de uma nova sociedade contra- Terapêuticas, na Inglaterra; e a Psiquiatria Pre-
tual. Nesta sociedade, o louco é uma nódoa. In- ventiva, nos EUA. Esses movimentos se carac-
sensato, ele não é sujeito de direito; irresponsá- terizaram por visar a uma reforma do modelo
vel, não pode ser objeto de sanções; incapaz de de atenção psiquiátrica, constituíram-se em
trabalhar ou de servir, não entra no circuito re- rearranjos técnico-científicos e administrativos
gulado das trocas (Castel, 1978). da psiquiatria, entretanto, sem a radicalidade
Estudos realizados sobre o processo de de- da desinstitucionalização proposta pelo movi-
senvolvimento desse ramo da ciência médica, mento italiano a partir de 1960 (Rotelli et al.,
embora fundamentados em diferentes paradig- 1990).
mas, apontam para o fato inequívoco: a psi- A influência desses movimentos de crítica à
quiatria só se desenvolveu após a criação dos psiquiatria também foi notada no contexto so-
asilos e o corolário da superlotação. Castel cial brasileiro, principalmente a partir da déca-
(1978) afirma tratar-se de uma “reforma admi- da de 1980, no ocaso da ditadura militar e agu-
nistrativa”, como o próprio Philippe Pinel se da crise econômica que caracterizaram o perío-
referiu à sua obra. O isolamento do mundo ex- do. A sociedade reencontrava as vias democrá-
terior, a constituição de um novo ordenamento ticas de expressão e reivindicação e, neste con-
interno e peculiar ao hospício, com a finalida- texto, as idéias de Foucault, Goffman, Castel,
de de uma correção pedagógica dos internados, Szasz, Basaglia e outros tiveram uma forte in-
foram as bases para a imposição da ordem, a te- fluencia. A situação crítica em que se encontra-
mática principal no trato com os alienados. A va a assistência psiquiátrica brasileira, nessa
respeito da cientificidade da psiquiatria, Castel época, marcada pela falência de um modelo
(1978) afirma que este novo ramo da ciência privatizante que havia se instalado no setor
não provocou nenhuma mudança na organiza- saúde do País, era favorável à crítica proposta
ção do saber médico que se constituía, entre- por esses pensadores e por esses movimentos
tanto, soube marcar, com o selo médico, práticas sociais. Os hospitais psiquiátricos, centralizan-
que dizem mais respeito às técnicas disciplinares do a assistência e sendo praticamente únicos na
do que às operações de exploração clínica da me- oferta de serviços psiquiátricos no contexto na-
dicina moderna. cional, tiveram as condições internas de maus-
Foi, portanto, neste cenário dos primórdios tratos aos internados desnudadas e denuncia-
da modernidade, no qual o homem ocupava a das no processo social brasileiro de “abertura
centralidade, a partir do deslocamento de Deus democrática”.
do centro do Universo e no qual a racionalida- Amarante (1995), propondo uma periodi-
de humana era reconhecida como a única pos- zação do movimento de Reforma Psiquiátrica
sibilidade de construção do conhecimento, que no Brasil, delimita três períodos e denomina
surgiu e se institucionalizou a psiquiatria. este primeiro período, de crítica ao modelo
O pressuposto da igualdade, na nova ordem privatizante, de trajetória alternativa desse pro-
jurídica institucional burguesa que se instala- cesso. No segundo período dá-se, segundo o
va, determinava uma nova função para o Esta- mesmo autor, o momento institucionalizante do
do. A Nova Declaração dos Direitos do Ho- processo. Caracteriza-se pela incorporação do
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movimento da Reforma Sanitária e da Reforma A cidadania no Brasil:
Psiquiátrica no aparelho de Estado, na fase de Aspectos históricos
reordenamento político denominado Nova Re-
pública. A crítica do primeiro período, sobre a A complexidade do conceito de cidadania é
cientificidade da medicina/psiquiatria e da consensualmente reconhecida. Carvalho (2002),
neutralidade da ciência, cede espaço para a ao analisar a cidadania no Brasil, afirma que
crença de que a ocupação do aparelho estatal uma cidadania plena está relacionada a um
garantiria a mudança paradigmática necessária ideal inatingível, desenvolvido pela cultura oci-
no setor saúde. O terceiro momento é o de de- dental, entretanto, não é mera utopia desvin-
sinstitucionalização do processo. Influenciado culada da realidade, uma vez que se aplica co-
pelo movimento italiano, resgata a crítica da mo parâmetro de avaliação da qualidade da ci-
institucionalização da psiquiatria e caracteriza- dadania em cada local e momento histórico.
se pela valorização das micropolíticas, pela Por cidadania plena, este autor compreende
reinvenção do cotidiano em experiências loca- uma combinação de liberdade, participação e
lizadas. A desinstitucionalização redefine o ob- igualdade.
jeto de intervenção, as práticas terapêuticas e o Atualmente admite-se, quase que automa-
objetivo da assistência em saúde mental. ticamente, uma relação de cidadania com di-
Compreendemos a Reforma Psiquiátrica reitos. Cidadão pleno seria aquele indivíduo ti-
como um movimento, um processo histórico tular dos direitos civis (liberdade, igualdade
que se constitui pela crítica ao paradigma mé- perante a lei e direito de propriedade), políti-
dico-psiquiátrico e pelas práticas que transfor- cos (participação no governo da sociedade) e
mam e superam esse paradigma, no contexto sociais (participação na riqueza coletiva). Se-
brasileiro, a partir do final do decênio de 1970, gundo Carvalho (2002), a classificação das di-
embora com particularidades regionais signifi- mensões de cidadania proposta por Marshall,
cativas, no amplo espaço geográfico nacional. que se tornou clássica e que teve por base a his-
Como processo histórico, insere-se numa tota- tória da Inglaterra, pressupõe uma evolução li-
lidade complexa e dinâmica, determinada pe- near, em forma de pirâmide em que, a partir da
los processos sociais, regionais e nacionais, a base, inicialmente surgem os direitos civis, em
partir dos anos 80 até a atualidade. seguida os direitos políticos e, por último, os
O processo de Reforma Psiquiátrica Brasi- direitos sociais. Embora sujeita a críticas, essa
leiro compreende: a) movimentos populares classificação é ainda utilizada para a compreen-
organizados no sentido de questionar a função são dos direitos de cidadania ao longo da His-
social da psiquiatria, dos hospitais psiquiátri- tória.
cos e dos trabalhadores em saúde mental, além Uma dimensão intrínseca de cidadania é a
de reivindicar direitos dos “doentes mentais”; sua relação com o Estado-nação e o seu surgi-
b) políticas nacionais delineadas principal- mento vincula-se diretamente à concepção li-
mente a partir dos anos 90, no setor saúde, es- beral do Estado. Vieira (2001) afirma que os di-
tabelecendo uma rede assistencial que apresen- reitos de cidadania são direitos exercidos no inte-
ta alternativas à internação em hospitais psi- rior de um Estado-nação. Tradicionalmente, o
quiátricos, e c) legislação nacional e estaduais Estado nacional é o lar da cidadania.
que garantem um novo modelo assistencial pa- Demo (1995) também afirma essa relação –
ra o atendimento dos problemas de saúde men- cidadania e Estado – e explicita, inclusive, as
tal da população, além da garantia, aos porta- diferentes concepções de cidadania e direitos
dores dos transtornos mentais, dos direitos de num Estado capitalista e socialista. Essa relação
cidadania. torna-se bastante complexa se considerarmos o
A partir dessas considerações sobre a pers- estágio atual do capitalismo mundial, a “era da
pectiva histórica do processo de Reforma Psi- globalização” e o predomínio das políticas neo-
quiátrica no Brasil, analisaremos as possibili- liberais, como abordaremos a seguir, na sua re-
dades de existência dos “direitos de cidadania” lação com as políticas sociais.
dos doentes mentais ao longo dessa trajetória. No Brasil, segundo aponta Carvalho (2002),
houve uma inversão da lógica e da seqüência
descrita por Marshall e “a pirâmide dos direi-
tos foi colocada de cabeça para baixo”. Em nos-
so País, paradoxalmente, os direitos sociais fo-
ram implantados primeiro, em um período de
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repressão dos direitos políticos e de redução A cidadania do doente mental


dos direitos civis (Era Vargas); os direitos polí- na nova ordem democrática brasileira
ticos (aumento acentuado dos eleitores) foram
expandidos num período ditatorial e os direi- A Reforma Psiquiátrica, no Brasil, foi desenca-
tos civis continuam ainda hoje inacessíveis à deada num momento de intensa mobilização so-
maioria da população. Embora esse mesmo au- cial pelo retorno da ordem democrática e foi for-
tor considere que não há uma única via de temente influenciada por movimentos de refor-
construção do processo de cidadania (garantia ma na assistência psiquiátrica na Europa e nos
de direitos), nem que essa trajetória brasileira EUA, a partir da segunda metade do século 20.
possa ser assim tão simplificada, essa inversão Birman (1992), analisando esses movimen-
deve resultar em diferenças qualitativas impor- tos europeus e norte-americanos na suas limi-
tantes na concepção de cidadania. Uma das tações e possibilidades de afirmação da cidada-
conseqüências dessa inversão peculiar no caso nia dos doentes mentais, afirma que os movi-
brasileiro, apontada pelo autor, é o fortaleci- mentos reformistas denominados comunidade
mento do Executivo, na conformação dos três terapêutica e psicoterapia institucional tinham
poderes da República. como característica estar circunscritos às insti-
Os tipos de cidadania propostos por Demo tuições psiquiátricas e admitir a participação
(1995) são: a) cidadania tutelada, característica social dos internados naquela microssocieda-
do capitalismo perverso, em que o mercado é o de. Desta maneira, esses movimentos não su-
regulador absoluto das relações sociais, o Esta- peravam o limite fundante da psiquiatria – a
do é mínimo, conforme a ideologia liberal e, as impossibilidade de inserção da loucura no es-
políticas sociais são setoriais, residuais e têm a paço social que havia sido conformado ex-
função de controle e desmobilização; b) cida- cluindo-a – e a cidadania encontrava este limi-
dania assistida, característica do welfare state, te intransponível.
no qual o mercado é o regulador final das rela- A psiquiatria de setor (França) e a psiquia-
ções sociais, o Estado é máximo, a ideologia é o tria comunitária (EUA) visavam à ampliação
neoliberalismo e as políticas sociais são seto- desses movimentos em direção ao espaço so-
riais, assistencialistas e visam ampliar os direi- cial e o último visava ao estabelecimento de
tos sociais; c) cidadania emancipada, caracte- práticas psicopedagógicas de saúde mental com
rística de uma sociedade alternativa, na qual o objetivos preventivos. Nele, segundo Birman
mercado é o meio ou instrumento para a cida- (1992), o projeto político de produção de saúde
dania, o Estado tem o tamanho necessário e le- mental se identificou diretamente com o projeto
gítimo, a ideologia é democrática e as políticas de produção do cidadão ideal para o espaço so-
sociais são matriciais e visam ao desenvolvi- cial [...] o discurso psiquiátrico se estabeleceu co-
mento humano sustentado. Torna-se evidente mo regulador ativo da marginalidade social e co-
o caráter utópico, comparado à realidade brasi- mo instituinte das regras básicas da cidadania.
leira, da cidadania emancipada definida pelo [Portanto,] a tentativa de ruptura da psiquia-
autor. tria com o espaço asilar teve como contrapartida
Ao relacionarmos as três diferentes concep- a produção de uma ordem social asilada pela psi-
ções de cidadania propostas por Demo (1995) quiatria, onde essa regularia a produção de cida-
ao processo histórico brasileiro de aquisição de dania.
direitos, descrito por Carvalho (2002), pode- A psiquiatria democrática italiana chocou-se
mos compreender que a predominância da ci- diretamente com o registro da exclusão social da
dadania assistida, nas últimas décadas do pro- loucura, promovendo a desalienação asilar da
cesso político-social brasileiro, pode ser decor- loucura com a inserção desta no espaço social.
rente da inversão da pirâmide dos direitos e do Pretendia-se restaurar a cidadania da loucura,
fortalecimento do executivo. que teria sido retirada após séculos de exclusão so-
Explicitadas as balizas teóricas – reforma cial e de violência psiquiátrica (Birman, 1992).
psiquiátrica e cidadania – apresentamos as Desta maneira, a loucura foi compreendida co-
possibilidades e limites de sua materialização mo uma forma de alienação social e o projeto
no contexto da sociedade brasileira e suas par- político de cidadania para os loucos seria a pró-
ticularidades no cenário da atenção extra-hos- pria estratégia para o seu reconhecimento como
pitalar da rede pública de Cuiabá (MT). sujeitos de razão e de vontade. Esse movimento
italiano de desinstitucionalização influenciou a
trajetória da Reforma Psiquiátrica no Brasil.
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No contexto social brasileiro, a partir dos (Reforma Sanitária, Constituição Federal, Lei
anos 80, sob influência de todos esses movi- Paulo Delgado), todas referenciadas à uma mu-
mentos mundiais de reforma e, internamente, dança macro organizacional que garantiria os
a superação da ditadura militar pelo processo direitos de cidadão ao louco (Pitta & Dallari,
de redemocratização, a cidadania foi incorpo- 1992; Delgado, 1992a; Padrão, 1992). Isso se re-
rada à linguagem de movimentos sociais de fere ao momento político – tentativa dos movi-
vanguarda e também na área de saúde e de saú- mentos populares organizados em buscar ga-
de mental. rantir nos textos legais e oficiais os direitos ci-
Devemos reconhecer que o lento processo vis e sociais. Sabemos hoje que não basta a ga-
de reorganização da sociedade brasileira em di- rantia legal ou o documento oficial; cidadania
reção ao estado de direito, característico desse se conquista no cotidiano, nas relações diárias,
período, foi eficaz no sentido de absorver im- micro e macrossociais.
portantes demandas sociais da população, tra- As macro-mudanças legislativas, jurídicas e
duzindo-as para a norma legal (haja vista a administrativas eram, portanto, nesse período
própria promulgação da Constituição cidadã, institucionalizante da Reforma Psiquiátrica,
de 1988), entretanto, a produção de respostas consideradas necessárias e, até mesmo, a garan-
efetivas a essas demandas, é bastante tênue, tia de operacionalização de novas práticas tera-
mesmo tendo-se passado mais de 20 anos. pêuticas. O movimento de Reforma Psiquiátri-
A referência à cidadania dos doentes men- ca, na época, admitia a cidadania como relacio-
tais está presente nos textos das três Conferên- nada ao resgate da dívida social para com os
cias Nacionais de Saúde Mental realizadas no loucos. Excluídos socialmente ao longo da His-
Brasil a partir do final do século 20 (Brasil, tória, bastaria, pois, que a sociedade abolisse as
1987; 1992 e 2001) e em inúmeros textos de ar- formas institucionais concretas de exclusão –
ticuladores técnico-políticos envolvidos com o leis restritivas, manicômios, grades – e identifi-
processo de Reforma Psiquiátrica Brasileira. A casse “os loucos” como cidadãos iguais perante
cidadania é abordada com enfoques diversifi- a lei, para que os seus direitos de cidadania fos-
cados, referenciados, principalmente, aos dife- sem garantidos.
rentes momentos/fases da trajetória da Refor- Analisando esse período da Reforma Psi-
ma Psiquiátrica. quiátrica, Bezerra Jr. (1994) afirma que a pers-
Uma característica fundamental do novo pectiva de cidadania como sinônimo de igual-
“local social” da loucura/doença mental, iden- dade e liberdade apresenta pelo menos dois
tificada nessa produção teórica e relacionada equívocos: a exclusão pode ser muito mais refi-
diretamente a essa possibilidade de cidadania nada e sutil (e mais eficaz) do que os muros e
para os doentes mentais, é a substituição dos grades concretamente identificados no tecido
termos “doença” e “doente mental” por “sofri- social, e o princípio da igualdade pode se con-
mento psíquico” e “pessoas portadoras de so- figurar como injusto; não é o caso de tratar to-
frimento psíquico”. Essa diferença pretendeu (e dos igualmente, mas de identificar e respeitar
pretende) ir além de uma mera adequação téc- as diferenças, pois sempre haverá aqueles para
nica ou semântica. Trata-se, como consta na quem a vida é mais difícil, o sofrimento mais pe-
descrição dos marcos conceituais da II Confe- noso e a necessidade de ajuda mais constante
rência Nacional de Saúde Mental, de construir (Bezerra Jr., 1994).
uma mudança no modo de pensar a pessoa com A partir de análises que buscam ir além da
transtornos mentais em sua existência sofrimen- mera afirmação dos direitos de cidadania co-
to, e não apenas a partir de seu diagnóstico (Bra- mo a necessidade daquele momento para a me-
sil, 1992), contextualizando o processo saú- lhoria da assistência aos doentes mentais, Bir-
de/doença mental e vinculando o conceito de man (1992), Bezerra Jr (1992) e Delgado (1992b)
saúde ao exercício da cidadania. destacam a situação aparentemente paradoxal
Adotando-se a trajetória descrita por Ama- implícita na relação cidadania & doença mental
rante (1995), a produção sobre o debate da ci- tão presente nos discursos da Reforma Psiquiá-
dadania na sua relação com a doença mental, trica. Tal paradoxo se explicita na concepção de
na segunda fase da Reforma Psiquiátrica (insti- que a cidadania, fundada em princípios libera-
tucionalizante), período compreendido princi- lizantes, pressupõe a liberdade e a igualdade
palmente na década de 1980, enfatiza o debate como seus atributos básicos, enquanto que a
em torno das questões jurídicas, legislativas e assistência (médica, jurídica) ao doente mental
as relacionadas ao macro modelo assistencial pressupõe o amparo social do Estado, muitas
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vezes incluindo a interdição e a imposição de car as relações saúde x doença mental e cidada-
um tratamento baseado na negação de direitos nia & doença mental tornam-se um enigma in-
civis (liberdade). Esse mecanismo de exclusão decifrável ou uma barreira intransponível. A
foi estruturante na psiquiatria, como já referi- percepção dos fenômenos mentais e sociais,
mos anteriormente. E, em sendo estruturante, aprisionados numa perspectiva evolucionista
negá-lo significaria, no limite, negar toda a linear composta de processos mecânicos, é um
“instituição-Psiquiatria”. Trata-se, portanto, de fator limitante para que se compreenda as am-
algo muito mais profundo do que mudanças plas e diversas modalidades, etapas e possibili-
administrativas e legais, é uma “nova constru- dades, seja de adoecer mentalmente, seja de
ção social/ cultural”, para um “novo objeto”. exercer a cidadania.
Não mais o doente mental a ser excluído da so- A psiquiatria – ciência e prática – funda-se
ciedade, mas a convivência com uma pessoa sobre o irreconciliável paradoxo da doença
que pode ser radicalmente diferente dos pa- mental versus cidadania, pois apreende a doen-
drões culturais mas que, ainda assim, pode ter ça mental a partir de uma ordem ou norma
direitos de cidadania, ou seja, de estar “incluí- desqualificadora. O ser humano desprovido de
do” como sujeito de direitos nesta sociedade. razão e, portanto, de direitos – doente mental –
Isso implica alterações profundas nas relações não pode aspirar a condição de exercício de di-
sociais em geral, muito mais amplas do que reitos. Há uma contradição intransponível nes-
modificações nas instituições que tratam os sa perspectiva.
doentes mentais (Birman, 1992). A Reforma Psiquiátrica, que além de redefi-
Num terceiro momento da Reforma Psi- nir práticas terapêuticas e administrativas no
quiátrica (o da desinstitucionalização), ao com- trato com pessoas que sofrem mentalmente,
preender a cidadania não mais como um atri- admite (pelo menos ao nível do discurso oficial
buto formal, mas um projeto aberto a ser cons- programático) um novo lugar social para o so-
truído cotidianamente e, após reconhecer que frimento mental, pode ousar a busca de uma
no Brasil, nos anos 80 (e ainda hoje), o mais outra relação, a da doença mental e cidadania.
importante não era reivindicar os direitos de ci- A ampliação da compreensão da cidadania,
dadania, mas construir essa cidadania, admitia- não mais restrita ao reconhecimento de direi-
se mais livremente a necessidade de desconstru- tos, mas ao processo ativo de ampliação da capa-
ção do manicômio em todas as suas estruturas cidade de todos e de cada um agirem de modo li-
– internas e externas. A Reforma Psiquiátrica vre e participativo (Bezerra Jr., 1992), permite e
passou a ser compreendida como um interlo- compõe a idéia de loucura/doença mental não
cutor indispensável no processo de construção mais como defeito, falha ou desqualificação.
da cidadania brasileira (Bezerra Jr., 1994). Entretanto, as condições sociais a partir das
Sinalizando para diferenças significativas, quais é possível (ou impossível) a concretização
tanto no que se refere à necessidade de se bus- dessas construções teóricas exigem aprofunda-
car no cotidiano e nas micro-relações a possi- mento conceitual e auto-crítica, além de condi-
bilidade de construção de cidadania para os ções objetivas que permitam o seu desenvolvi-
doentes mentais, tanto para o fato de que insti- mento. É desse momento de dificuldade rela-
tuições e técnicas não asseguram direitos de ci- cionada a uma determinação pragmática dos
dadania para doentes mentais, Saraceno (2001) objetivos de serviços de saúde mental, e da ne-
afirma a possibilidade de sua construção como cessidade de se manter uma utopia de maior so-
meta e instrumento de reabilitação psicosso- lidariedade humana que estamos falando quan-
cial, compreendendo que os seres humanos, os do abordamos a cidadania de doentes mentais.
doentes mentais inclusive, atuam em três cená-
rios: habitat, rede social e trabalho com valor
social. A habilidade ou “desabilidade” para os A cidadania dos portadores
exercícios contratuais nessas três esferas de re- de sofrimento mental
lações é o que deve ser analisado quando se tem nos serviços de saúde mental
em mente a reabilitação. A habilidade do indi-
víduo em efetuar plenamente suas trocas nes- A superação das práticas custodiais, caracterís-
ses três cenários é a medida de exercício de sua ticas do modelo médico de atenção psiquiátri-
cidadania, segundo este autor. ca e centradas no hospital psiquiátrico, rumo
Num cenário positivista e funcionalista, ao desenvolvimento de modos de cuidar/tratar
que predomina em nossa sociedade para expli- voltados para a atenção psicossocial é algo já
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bastante difundido no discurso do movimento balho e nunca, em toda a sua vida, recebeu salá-
de Reforma Psiquiátrica brasileira. Entretanto, rio em dinheiro, somente de vez em quando al-
serviços extra-hospitalares, na realidade estu- gum trocado para cigarro, doces ou outras miu-
dada, apenas facilitam, mas não garantem, a dezas. Há 10 anos mora com uma família para a
execução desse projeto terapêutico inovador. qual trabalhava em troca de abrigo, comida e
Conceitos como cidadania, autonomia e so- roupas. Morava em um quarto nos fundos da ca-
cialização se apresentam ainda de modo bas- sa. A vizinha informa que há alguns meses ela
tante conflituoso diariamente, no cotidiano das vem apresentando “comportamento diferente”,
equipes de saúde mental, nas suas relações com não faz os afazeres domésticos como deveria, é
os usuários. As concepções de sujeito autôno- grosseira com a “patroa”, não obedece às ordens,
mo, tendo em vista um processo de reabilita- às vezes dorme o dia todo. Em vista disso, a pa-
ção psicossocial, por exemplo, podem ser bas- troa não a quer mais, porém, não tem para onde
tante divergentes, como aponta Saraceno (2001). encaminhá-la, uma vez que ela não tem família
Portanto, podemos observar, nesse aspecto, conhecida. Tem aparência de deficiente mental
concepções teóricas das mais reducionistas às (grau leve), uma dificuldade moderada de se ex-
mais ampliadas. Das observações realizadas, pressar, porém compreende todas as perguntas
podemos considerar alguns exemplos desses feitas, diz que a patroa é que é agressiva com ela,
conceitos de extremo reducionismo, em situa- por isso rebelou-se não trabalhando mais. Faz
ções de cuidado em serviços abertos que pode- tratamento com cardiologista há vários anos. A
riam, entretanto, ser canalizadas para um grau vizinha solicita aposentadoria, uma vez que ela
elevado de participação e decisão dos sujei- “não está bem e não tem como se manter sozi-
tos/usuários se estivessem inseridas em proje- nha”. Enfermeiro anota a história na folha de
tos terapêuticos democráticos: atendimento e a encaminha para o assistente so-
Relato de Observação – Serviço No 2 Dois cial. Este relatou no prontuário: “Orientei para
profissionais trouxeram pipoca e limão para que aguardar consulta médica à tarde. Orientei acom-
os usuários fizessem um lanche. Explicam que de panhante sobre internação para conseguir apo-
vez em quando planejam isto às sextas-feiras, sentadoria”, pois com um CID/diagnóstico psi-
com ou sem a participação dos usuários nessa de- quiátrico aí fica mais fácil o laudo pericial para
cisão. Eles se dividem na atividade de prepara- aposentadoria.
ção. Um dos profissionais determinou: quem pre- A perspectiva de sujeito-cidadão que se ob-
pararia a pipoca e o suco; quem faria a limpeza; serva nos discursos técnico-políticos da Refor-
como todos deveriam ser servidos. Foi preparada ma Psiquiátrica nos parece bastante diferente
a pipoca e em seguida feito o suco. Um profissio- da implícita nos exemplos. Aqui, observamos
nal permanecia na porta da copa, controlando um usuário que não participa das decisões te-
para que ninguém se servisse antecipadamente rapêuticas, desde as mais simples, como orga-
da pipoca, enquanto o suco não estivesse pronto. nizar um lanche no seu local de atendimento.
Num momento em que ele saiu da porta, uma Indagamos se a dificuldade é do usuário ou do
usuária serviu-se de pipoca e saiu da copa. Em profissional nessas situações, uma vez que a au-
seguida foi repreendida publicamente (dedo em toridade exercida por este é tão evidente que
riste) pelo profissional por isto. Pronto o suco, foi não deixa espaço para o trânsito livre dos usuá-
colocada uma mesa separando a copa da sala. rios, controla todos os participantes, tempos e
Dois usuários que serviam o suco e a pipoca fica- espaços da atividade realizada, como se obser-
vam do lado de dentro da copa, junto com um va no primeiro registro de observação.
profissional; os demais, do lado de fora, pegavam No segundo, a situação de desfiliação ou
da mesa as canecas com o suco e pipoca e perma- vulnerabilidade relacional, aliada à precarieda-
neciam na sala comendo. Os diálogos eram raros de do trabalho (Castel, 1994), é medicalizada
e fragmentários. para que possa ser absorvida pelo contexto as-
Relato de Observação – Serviço No 1 Uma sistencial. O complexo problema físico, emo-
usuária apresenta-se à recepção como primeira cional e social do “paciente” (ausência de vín-
consulta, é então encaminhada para “colher a culo familiar/relacional/afetivo, exploração sis-
história” com o enfermeiro. Resumo: Mulher, 49 temática da força de trabalho sem nenhuma
anos, residente em Cuiabá, acompanhada por garantia de seguridade social, provável defi-
amiga/vizinha, conta que trabalha como babá e ciência mental, provável doença cardíaca), que
doméstica desde os 12 anos de idade, morando resultou em uma “alteração” do comportamen-
em casa de estranhos. Nunca teve carteira de tra- to – antes dócil e obediente para o atual insub-
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Oliveira, A. G. B. & Alessi, N. P.

misso e “indolente” – é visto na perspectiva de das, manifesta-se a alienação de sua responsabi-


que antes era “normal”, agora é “anormal”. Sen- lidade técnica, ética e política, como se pode
do “anormal”, deve ser traduzido para um có- constatar, por exemplo, no fato de que raros
digo do diagnóstico médico para que possa ser profissionais das equipes estudadas, participa-
abordado (contido) pela via da assistência e ram da I Conferência Municipal de Saúde Men-
corrigido para que volte ao “normal”. Todas as tal e da II Conferência Estadual de Saúde Men-
expressões de dificuldades nas condições de vi- tal de Mato Grosso, realizadas em Cuiabá em
da são convertidas em sinais de uma doença. 2001. Muitos deles não sabiam sequer da reali-
Não se tem aqui nenhuma problematização da zação de ambas ou desconheciam o seu signifi-
condição de cidadania desse usuário. A uma si- cado. Um dos profissionais, referindo-se à Con-
tuação de carência de direitos sociais será ferência Municipal de Saúde Mental, informou
acrescida a internação psiquiátrica, para a qual a um usuário, no seu local de trabalho que: Na
concorrerá, provavelmente, o status de pericu- semana que vem, não sei se aqui vai funcionar
losidade e estigma próprios dos “doentes men- dia 20 porque vai ter um “negócio” de saúde men-
tais” que, devido ao grau de risco social, neces- tal aí, que as pessoas vão, então acho que aqui
sitam ser internados. Assim, estamos referidos não vai nem abrir (Profissional No 16).
nesse quadro à concepção de “cidadania tutela- Foram raros os relatos que denotavam in-
da”, pautada pela geração e manutenção de po- formação adequada sobre a realização e signifi-
pulações que se mantêm à margem do sistema cado das Conferências e Conselhos de Saúde
social, pelas políticas sociais de controle e des- ou que atribuíam alguma importância a essas
mobilização da sociedade (Demo, 1995). Man- instâncias de participação política, como o que
tém-se e aprofunda-se a desigualdade. A assis- se observa a seguir: Eu acho muito importante a
tência está organizada para a manutenção pre- participação nas Conferências [de Saúde Men-
cária da vida e, uma vez que essa não tem mais tal], porque é lá que são definidos os destinos da
valor para o trabalho, pode ser descartada. assistência nessa área, é lá que é referendado, pe-
A dramaticidade dessa situação, ao mesmo los trabalhadores e usuários, a política (Profis-
tempo em que escancara os mecanismos per- sional No 26).
versos de exploração na esfera do trabalho, Indicações que davam conta de uma situa-
também desnuda a função dos serviços de aten- ção de desinformação ou equívocos e alienação
ção que, mesmo denominando-se “de atenção em relação às instâncias de participação e con-
psicossocial”, estão claramente identificados trole social na área da saúde foram mais pre-
com o controle social. Os profissionais/traba- sentes entre os profissionais, e podem ser ob-
lhadores desses serviços estão atuando como servados nos relatos abaixo:
agentes da repressão e da manutenção da or- Ficam falando de Reforma Psiquiátrica... em
dem social e pouco referidos a uma auto-crítica Conferência de Saúde Mental... como é que vai
sobre a sua função num aparato tradicional- reformar alguma coisa se não tem remédio pro
mente repressivo na sociedade (as instituições paciente ficar em casa!? Eu acho que isso aconte-
psiquiátricas). A percepção de si mesmo como ce [falta de medicamentos] porque as pessoas
cidadão é, portanto, esvaziada ou ausente, nes- que resolvem essas coisas [qual medicamento
ses profissionais, como de resto é também em comprar e em que quantidade] são extrema-
grande parte da sociedade atualmente. mente burocráticas. Elas fazem as portarias, fa-
Nessas situações descritas e em várias ou- zem essas coisas de acordo com uma ideologia
tras, a complexidade social trazida pelos usuá- própria, regidas pela burocracia, são pessoas de
rios era rapidamente administrada pela equipe, gabinete! Elas não têm a prática e não ouvem
através da medicalização do problema, com a quem está na prática! Tem, por exemplo, o Con-
conseqüente anulação do sujeito-cidadão pre- selho Estadual de Saúde (CES), que deveria to-
sente na situação. Resolução essa distante da- mar uma decisão sobre isso, mas eu não tenho
quela que preconiza a atenção psicossocial da acesso a isso! [desconhecia a representação dos
qual nos fala a Reforma Psiquiátrica nos seus Conselhos Regionais de Medicina, Enferma-
princípios e muito semelhante às práticas segre- gem e Psicologia no CES e se surpreendeu ao
gadoras, manicomiais e excludentes, que se pre- ser informado sobre isto] (Profissional No 4).
tendia extinguir com a rede de serviços de saú- Às vezes eu me pergunto, que bagunça que vai
de mental atual. Implícita ou explicitamente ser... o dia que fechar mesmo os hospitais psiquiá-
nos relatos verbais e nas ações assistenciais dos tricos e só ficarem os hospitais gerais... vamos ter
profissionais que compõem as equipes estuda- que fazer alas de psiquiatria dentro dos hospitais
199

Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):191-203, 2005


gerais, porque, vamos dizer que você tem um car- posso dizer nada contra elas [referindo-se aos
diopata num quarto e um doente começa a gritar trabalhadores de enfermagem] eu sou bem aten-
no outro, começa a quebrar alguma coisa... e o dido... com certeza o que tá no alcance delas ...
pessoal sem experiência para conter! [...] O hos- eu não posso exigir mais, né? [...] elas medem a
pital psiquiátrico é o local apropriado para tratar pressão, aplicam injeção... dão assistência né?
esses pacientes [...] o pessoal de enfermagem não [...] Se a gente não está passando bem... de acor-
tem medo dos pacientes, de enfrentar, de saber co- do com o medicamento, sempre elas arrumam...
mo agir, se aproxima, fala com uma certa dureza. dão um jeito de arrumar... medem a pressão....
[...] Eu vejo a Reforma Psiquiátrica com olhos de observam se a pessoa está no seu estado ou não...
bastante preocupação. Porque tudo neste País, e como está... [...] no dia que vai consultar com o
talvez no mundo, é moda! Lança uma minissaia médico, elas medem a pressão [...] aqui, a gente
lá na França e pega a moda no mundo todo, prin- toma o medicamento sem precisar ficar interno,
cipalmente agora que nós temos uma aldeia glo- né... [...] Eu acho bom... pelo menos... a gente
bal. Então, vamos fazer a Reforma Psiquiátrica! passa a distrair durante o dia e à noite... a gente
Mas vamos como? Neste País tem essa história, tá em casa, né. [...] Porque... com a família... de
fazem leis maravilhosas e nunca dão condições de vez em quando... fico contrariado, perco o sono e
exercer essas leis. [...] antes a gente tem que pen- mesmo tomando o medicamento eu não consi-
sar em humanizar a assistência! Depois a gente go... dormir aí que eu fico descontrolado... aí tem
pensa em Reforma Psiquiátrica, nessa lei, no pa- que voltar à internação... e agora... qual é o chefe
pel (Profissional No 27). de família, que tem filhos, que não passa contra-
Evidencia-se, portanto, uma dificuldade dos riedade? E eu sou pai de 13 filhos e ainda criei
profissionais se perceberem como sujeitos das um casal de netos, são 15 filhos... [...] quando
decisões técnico-políticas da área. As instâncias tem acontecido isso: eu ficar descontrolado eu te-
de decisão coletiva (no exemplo, o Conselho Es- nho ido direto com o médico, né. Eu tenho ido di-
tadual de Saúde) eram percebidas como esferas reto ao médico. [...] Ele dá o encaminhamento.
de poder não representativo, não coletivo. Iden- Inclusive eu vim pra tomar o medicamento e vol-
tificam a tomada de decisões técnico-políticas tar e ele achou que eu precisava internar, porque
com a “burocracia” e, a partir daí, elas estão fo- eu estava descontrolado... [...] Foi isso o que
ra da esfera de alcance dos profissionais e usuá- aconteceu... [...] Não, ele mesmo não disse na-
rios. Consideram que a instância de decisões é da... eu fui pra internação... a diretoria mesmo
uma abstração – “burocracia”, “pessoas de gabi- ... essa parte ... da medicina... que entendeu que
nete” – ou que os processos jurídico-legais são o meu caso era da internação (Usuário No 4).
“moda”. Assim, a Reforma Psiquiátrica é uma Embora entremeado de relatos de condutas
“moda” que vem de uma realidade “externa” ao que apreendem a “doença mental” a partir de
contexto de seu trabalho e da organização da uma abordagem essencialmente médica – cen-
assistência da qual faz parte. Não há, portanto, trada na medicação, no trabalho médico, na in-
a evidência de que as mudanças dos processos ternação – e nos aspectos complementares –
terapêuticos advêm da crítica a uma determina- controle de pressão (quando realizada), ver se
da maneira de assistir (modelo médico-psiquiá- tomou o remédio direito, tomar o remédio para
trico) e que, a partir dessa crítica, busca a sua não se internar – observa-se um agradecimento
superação. Trata-se de incorporar algo que vem implícito ou explícito. Em todos os serviços, fo-
de fora, que impõe modificações que são vistas ram raros os momentos em que algum usuário
“com olhos de bastante preocupação”, uma vez expressou qualquer atitude ou verbalização de
que modificam aleatoriamente uma realidade descontentamento, crítica ou não-concordância
percebida como adequada – o tratamento de com as atitudes terapêuticas. Isso, por si só, me-
“doentes mentais” em hospital psiquiátrico, fei- receria uma auto-crítica institucional e profis-
to por pessoal “que sabe contê-los”. sional: como é possível lidar com situações tão
Aos usuários, nesses serviços, resta a sub- complexas, estressantes, conflituosas, que en-
missão à condição de “pacientes”. Submetidos a volvem o atendimento de pessoas com proble-
rotinas terapêuticas tecnicamente reducionis- mas mentais e seus familiares, sem que esses
tas e eticamente desrespeitosas que apontam conflitos, ou inconformidades, ou divergências
para ele e seus familiares o seu “lugar” – consu- sejam explicitados? Não foram observadas si-
mir de maneira acrítica a assistência que o ser- tuações de impasse ou de crise em relação a is-
viço e os profissionais oferecem e agradecer co- to. Entretanto, algumas informações coletadas
mo ficou presente na fala: Bom, aqui... eu não no cotidiano dos serviços podem esclarecer
200
Oliveira, A. G. B. & Alessi, N. P.

porque esses conflitos não são evidentes. De ob- judicado e oprimido quanto os servidores de
servação realizada apresento essa maneira de nível médio que permanecem no serviço mes-
atuar profissionalmente que determina com mo na ausência do médico – é descartada em
que os conflitos (esperados) entre os membros favor de uma observação tácita e implícita de
das equipes ou entre os profissionais e usuá- que o mais forte/opressor é inacessível e inatin-
rios/familiares não sejam explicitados como tal. gível e, em sendo assim, resta se aliar a ele na
Relato de Observação – Serviço N o 1 Nu- opressão do outro.
ma manhã, um usuário acompanhado por um Situações de divergência relacionadas a con-
familiar chegou às 9 h. Não havia mais médico dutas terapêuticas despertavam, geralmente,
no serviço, pois o que constava na escala do pe- entre os profissionais, algum descontentamento
ríodo da manhã havia terminado o atendimento e a constatação de que não era possível fazer na-
há alguns minutos e havia ido embora. Foi infor- da para resolvê-las. Em se tratando de serviços
mado por um servidor do setor administrativo que não possuem uma gerência ou coordena-
que teria que esperar até a tarde para o atendi- ção técnica, isso é ainda mais acentuado. Em re-
mento. O familiar então perguntou para o servi- lação aos usuários, essa divergência só encon-
dor, em tom de crítica, qual era o horário do mé- trava uma possibilidade de encaminhamento: a
dico. Ele disse, de maneira educada, pausada e submissão do mais fraco ao mais forte. Em am-
ironicamente: “O horário do médico é de quatro bas, deduz-se uma percepção alienada do pro-
horas, no período da manhã, das 7 às 11 horas, cesso de trabalho, uma não inclusão da cidada-
mas, como em todo lugar, os médicos daqui che- nia como conceito norteador da assistência,
gam, atendem quem tiver marcado e vão embo- nem no sentido de possibilitar uma auto-crítica
ra, não cumprindo as 4 horas”. O usuário escu- pessoal, profissional, institucional, nem no sen-
tou calado e em seguida foi embora. O servidor tido de incluir a pessoa portadora de sofrimen-
então se dirigiu a mim e disse: “Quando chega to mental como cidadão – sujeito de direito –
alguém assim... olhando no relógio e perguntan- no seu processo assistencial.
do o horário do médico... ele tem razão... mas, Algum pressuposto de cidadania relaciona-
antes que ele diga algum desaforo pra mim, que do a uma concepção assistencialista pode tam-
estou aqui cumprindo o meu horário, eu já digo bém ser evidenciada em discurso de dirigente,
logo assim... que ele vai embora. Pro médico eles como observa-se a seguir: Para a Reforma [Psi-
nunca dizem nada...” quiátrica] dar certo é preciso que tenha profissio-
Essa conversa foi presenciada pelo segurança nais humanos [...] pessoas que lidam com o ou-
do local que então se aproximou e disse: É as- tro como companheiro, como colega, como uma
sim... Ontem à tarde, o doutor X, internou vários relação de seres humanos iguais e não de poder,
pacientes, e tinha um que ficou aqui fazendo ce- de profissional e paciente, aquela coisa distante
ra, conversando com a família, ele e a família di- [...] tem que ter um certo envolvimento, você
zendo que ainda ia ver se ia internar e tal... Daí atende o problema mental dele mas você sabe on-
a pouco, o doutor X saiu do consultório e disse: de ele mora, as condições de vida dele, você auxi-
“O que é que esse paciente tá fazendo aqui? Eu já lia num auxílio-doença, numa cesta básica, num
internei ele e lugar de paciente internado é lá emprego, você tem que ver ele como um todo e
dentro!” (apontando a porta da internação). Aí, pra isso você tem que ter uma certa afetividade,
o paciente entrou, a família foi embora... sem você não pode ver ele só como um diagnóstico
discutir mais nada. (Dirigente No 10).
Assim, por falta de espaço democrático pa- Nos serviços estudados, práticas que incor-
ra expressão, as divergências e conflitos não se poravam no seu fazer terapêutico o resgate da
evidenciam no cotidiano. Há um clima aparen- cidadania dos indivíduos acometidos por trans-
temente de “harmonia” entre os trabalhadores tornos mentais ainda eram bastante escassas.
e entre esses e os usuários. A submissão do Até mesmo discursos mais organizados, deno-
mais fraco ao poder do mais forte é tacitamen- tando responsabilidade técnica e envolvimento
te realizada, em função da percepção da reali- político com o dia-a-dia do serviço, com a vi-
dade, por parte dos usuários, de que não pode vência diária dos usuários no serviço, foram
haver qualquer outro encaminhamento para muito raramente expressados pelos profissio-
essas situações. Assim, o exemplo acima parece nais, como mostra a fala:
evidenciar que tentar uma aliança com o mais Faço algumas coisas específicas da minha for-
forte é o recurso comumente encontrado pelos mação, como atendimento psicoterápico indivi-
oprimidos; a aliança com o usuário – tão pre- dual, atendimento psicoterápico grupal, contudo,
201

Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):191-203, 2005


eu trabalho com uma técnica chamada psicotera- quiátrico tradicional. A Reforma Psiquiátrica
pia breve, (...) onde você estabelece focos de con- não pode ser compreendida como um rearran-
teúdos que serão trabalhados, pra viabilizar mes- jo administrativo da rede de assistência. A ra-
mo a própria relação, uma vez que o meu traba- dicalidade de sua proposição, que modifica o
lho com eles não se restringe a isso, eu os acompa- objeto de intervenção da “doença mental” abs-
nho em tudo que eu puder acompanhar, na hora tratamente concebida, para um “sujeito histó-
da refeição, eu estou junto deles, até porque eu rico que sofre mentalmente” não pode ser ne-
acho importante essa coisa deles terem um am- gligenciada. A reforma administrativa e de pré-
biente pra comer, deles se sentirem acolhidos, eles dios e a inauguração de serviços extra-hospita-
têm muito essa coisa de solidão, de ficarem sós, lares são medidas que favorecem uma nova
incompreendidos e tal, então eu acho que é im- abordagem terapêutica, entretanto, é necessá-
portante que eu esteja presente e... em atividades rio um investimento contínuo e programado
deles mesmo, em oficinas, recreativas, terapêuti- em setores menos visíveis como a capacitação e
cas, eu busco participar delas, me envolvendo, no supervisão de profissionais, para que esse novo
sentido de funcionar como estímulo e de ficar projeto terapêutico seja alcançado. Prédios no-
próximo, de estar observando qual o envolvimen- vos e portas abertas não garantem projetos te-
to deles, porque isso tudo me da material pra eu rapêuticos que respeitem a cidadania de sujei-
poder trabalhar, pra eu poder acompanhar, pra tos portadores de transtornos mentais.
eu poder perceber as dificuldades que eles tem, as Alguns estudos têm problematizado o pro-
facilidades... (Profissional No 22). cesso de redução da Reforma Psiquiátrica a
A análise do trabalho realizado pelas equi- uma reforma administrativa ou técnico-assis-
pes nos serviços estudados aponta para a con- tencial (Costa-Rosa, 2000; Torre & Amarante,
clusão de que o processo assistencial-terapêuti- 2001; Amarante, 2003). Negando-se ou negli-
co encontra-se ainda muito distanciado da in- genciando-se as dimensões teórico-conceitual e
clusão (mesmo terapêutica, quiçá social) e da sociocultural da Reforma, que desconstrói o pa-
cidadania do usuário. Mesmo localizando-se radigma médico-psiquiátrico e a conseqüente
em serviços abertos, “não manicomiais” por constituição histórica do não-sujeito da psi-
definição, esses serviços pareciam apresentar quiatria e busca a construção de um novo lu-
uma mudança somente na lógica externa, na gar social da loucura, não se admite o “doente
visibilidade do equipamento, mantendo práti- mental” como protagonista. Modifica-se admi-
cas não somente custodiais e restritas ao mo- nistrativamente a rede de serviços, porém pro-
delo médico-psiquiátrico, mas mais grave, ade- fissionais e usuários mantêm-se alienados num
rido a práticas antiéticas, questionadas pelo processo de “psiquiatria renovada” ou “clínica
próprio saber médico constituído desde Philip- modernizada” (Amarante, 2003).
pe Pinel. Assim, a organização dos serviços pa- Neste estudo, a alienação – distanciamento
rece priorizar apenas o atendimento da lógica político, afetivo, relacional – do profissional em
de financiamento atual do SUS – a remunera- relação ao trabalho é claramente expressada na
ção de serviços de atenção extra-hospitalares. forma de delimitação e de abordagem de seu
Sabe-se que as medidas de “tratamento” ado- objeto de trabalho, como enfatizou-se até aqui:
tadas ao longo da história da ciência psiquiátri- o “doente mental” agora referido como “usuá-
ca, serviram, em contextos diversos, a maus-tra- rio” continua a merecer consultas rápidas em
tos e à “desumanização” de profissionais e pa- que se busca essencialmente identificar aspec-
cientes nos hospícios, manicômios ou hospitais tos psicopatológicos e a ser um consumidor de
psiquiátricos – sinônimos de uma mesma lógi- medicamentos psicotrópicos, que visam essen-
ca de atendimento. A sua manutenção, de ma- cialmente à contenção de seu sofrimento, com-
neira tão visível em contextos formalmente cons- preendido aqui como sintoma. Não se proble-
tituídos para a sua superação, é que dá a medida matiza a diferença entre o conceito de “pacien-
da necessidade de que sejam, cotidiana e com- te” e usuário”, como se à afirmação semântica
petentemente enfrentados os desafios teóricos diversa correspondesse, automaticamente, uma
para compreender a desinstitucionalização co- abordagem de respeito e inclusão.
mo um conceito diferente de desospitalização, A referência de cidadania predominante
como afirmavam Rotelli et al. (1990). nas transcrições de relatos de entrevistas e nas
A desospitalização em nada modifica a de- observações dos serviços estudados é a cidada-
finição de objeto/objetivos e instrumentos de nia tutelada. Apesar de se afirmar de maneira
intervenção prevista no modelo médico psi- enfática os direitos de cidadãos para os “pa-
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Oliveira, A. G. B. & Alessi, N. P.

cientes”, agora considerados “usuários” dos ser- trica é necessária uma redefinição do processo
viços, parece que essa impossibilidade concei- de trabalho das equipes de saúde mental e é no
tual ou o paradoxo entre o conceito de cidada- cotidiano, nos confrontos e nas contradições
nia e de “doente mental” não foi adequada- entre o processo de reprodução e recriação,
mente problematizado pelos técnicos e, conse- próprios das práticas de assistência à saúde,
qüentemente, não resulta em atitudes terapêu- que pode se dar um processo contra-hegemô-
ticas – profissionais ou institucionais – que nico que resgate os envolvidos (trabalhadores e
possibilitem ou assegurem o posicionamento usuários) como sujeitos sociais e cidadãos. Por-
individual e social do sujeito – doente mental tanto, é principalmente nesse processo cotidia-
ou usuário do serviço – numa condição plena no de trabalho/assistência, que reside a poten-
de cidadania. Ao contrário, observa-se o dis- cialidade implícita de construção de cidadania
curso profissional e institucional neste sentido para trabalhadores e pacientes. É num processo
mas, as práticas terapêuticas são determinadas de constituição dos profissionais como sujei-
pelos profissionais com um espaço muito res- tos-sociais que, ao se perceberem criticamente
trito ou mesmo sem nenhum espaço de diálo- como co-responsáveis por um trabalho coleti-
go com o “paciente”/usuário a esse respeito; e vo, também se responsabilizam por todos os
também a finalidade ou o objetivo da terapêu- atos desse trabalho e utilizam (ou não utili-
tica/tratamento é definida a partir do referen- zam) as possibilidades de ruptura com os sabe-
cial do profissional e da instituição, com escas- res e práticas hegemônicas, que reside a possi-
sa participação do usuário/ “paciente”. bilidade de superação das práticas custodiais e
burocráticas do trabalho assistencial em saúde
mental, presentes ao longo da história (Olivei-
Considerações finais ra & Alessi, 2003). Percebendo-se como sujei-
tos/cidadãos integrantes de um aparato insti-
O movimento de Reforma Psiquiátrica é confor- tucional que representou, na história da civili-
mado nos diferentes locais mais ou menos de- zação ocidental, um importante mecanismo de
terminado pelo exercício ativo de cidadania de controle social, os trabalhadores/profissionais
profissionais e usuários dos serviços. A essa de saúde mental podem se perceber também
conformação – conquistada ou outorgada pela como agentes de mudança, na medida em que
imposição de um novo modelo assistencial – não se resignaram ao papel de agentes da
corresponderá uma maior ou menor efetivida- opressão e da exclusão. Entretanto, sem essa
de do exercício de práticas descentralizadas, in- consciência das contradições de sua prática, a
tegradas (e integradoras) e democráticas, que assistência será encaminhada no sentido de re-
respeitem a pessoa portadora de transtorno produção dessas práticas, ainda que em contex-
mental, enfim, que o inclua como sujeito de sua tos aparentemente diferentes do manicômio.
vida e de seu tratamento ou que perpetue a sua Afirmando a Reforma Psiquiátrica como
condição de objeto de uma intervenção médi- movimento, compreendemos que o “resgate dos
co-assistencial, excluindo-o da participação no direitos de cidadania” dos “portadores de sofri-
tratamento e das decisões sobre a sua vida. mento psíquico”, apresentado pela Reforma
Consideramos que a inclusão dos “pacien- Psiquiátrica, necessita de contínua e dedicada
tes” como cidadãos, no processo terapêutico, só exploração de suas contradições. É portanto,
será possível na medida em que houver corres- essa consciência das contradições de sua práti-
pondência com a percepção dos “trabalhado- ca, que possibilitaria aos trabalhadores consti-
res” como cidadãos, nesse mesmo processo de tuírem processos terapêuticos que respeitem a
assistência. No paradigma da Reforma Psiquiá- cidadania dos “doentes mentais”.
203

Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):191-203, 2005


Colaboradores

AG Bottaro realizou a pesquisa, escreveu e fez a redação


do texto. NP Alessi orientou a construção da tese, que ori-
ginou este artigo, no que tange ao referencial teórico, elei-
ção de categorias analíticas, indicação de bibliografia, su-
gestões para a análise e revisão geral.

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Artigo apresentado em 12/1/2004


Aprovado em 20/7/2004
Versão final apresentada em 9/8/2004

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