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TIPOGRAFIA

AULA 2

Prof. Naotake Fukushima


CONVERSA INICIAL

Para uma boa compreensão dos conceitos da área, vamos conhecer as


três formas de se obter a escrita.

CONTEXTUALIZANDO

Vamos conhecer as manifestações da tipografia e as bases para o seu


bom uso, bem como a evolução no processo de reprodução das letras, que
continua acontecendo. Essas novas formas tornam-se o processo predominante,
mas não extinguem as formas antigas, como é o caso dos livros digitais, que não
acabaram com os livros impressos. Muitas vezes as formas antigas ganham
novas roupagens e podem até ganhar mais valor. Assim, o manuscrito ou a
caligrafia, que era a única forma que existia para se obter a escrita, hoje é
valorizada como uma arte e ganham exposições e admiradores, como é o caso
do calígrafo Claudio Gil. Disponível em: <instagram.com/claudiogil_lagrafia>.
Acesso em: 5 abr. 2021.

TEMA 1 – CALIGRAFIA, LETTERING E TIPOGRAFIA

Para acompanhar com mais propriedade os conhecimentos da tipografia


é necessário sabermos alguns dos conceitos essenciais da área: escrita,
caligrafia, lettering e tipografia. Esses termos estão inter-relacionados e servem
de base para o aprendizado do tema.
A escrita é a representação gráfica por meio do signo da nossa linguagem
falada. Esta é praticada, geralmente, por traço único e também é conhecida
como manuscrito. A escrita vem da ação e efeito de escrever.
A caligrafia, por outro lado, é como é chamado o ensino da escrita nas
escolas. Nesse sentido, é utilizada para o aprendizado das escritas. No entanto,
no campo profissional são letras resultantes do gesto, em que a configuração
vem do material utilizado. Existem também pessoas que consideram que a
caligrafia é “uma escrita manual cujo propósito reside nela mesma, dedicada à
qualidade de suas formas” (Gerrit Noordzij citado por Henestrosa et al., 2014). A
prática e o estudo da caligrafia trazem muitos aprendizados sobre a construção,
os cânones e proporção das letras, que auxiliam sobremaneira na hora de avaliar
e criar uma fonte.

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No Japão existe o shodô, que significa o caminho da escrita e é por si só
uma arte, que envolve muitos anos de dedicação e é muito apreciada.

Figura 1 – Prática competitiva de caligrafia em um contexto contemporâneo

Crédito: Akiyoko/Shutterstock.

No lettering (letreiramento, em português, mas este termo é pouco usado)


as letras são desenhadas e construídas conforme a intenção do criador, muitas
vezes passando por diversos retoques.
Essas letras, em suma, são fruto de desenho e que não depende da
escrita, mas pode surgir dela. Atualmente tem um vasto mercado como pôsteres
de decoração.

Figura 2 – Expressividade das letras

Crédito: Visiostyle/Shutterstock.

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E finalmente, a tipografia, que tem dois significados distintos no nosso
contexto. Em um deles representa o processo de impressão, cuja matriz é em
relevo. Nesse processo pode-se reproduzir tanto texto como figuras, também.
Hoje é bem menos utilizada, mas ainda é aplicada para numeração ou
impressões especiais. O segundo significado se refere à área do conhecimento
relacionada aos tipos.

Figura 3 – Uso da tipografia na atualidade

Crédito: Mclittle Stock/Shutterstock.

Então as letras são geradas por três meios, escritas (a caligrafia se


enquadra aqui), desenhadas e tipográficas (Smeijers, 2015).
Agora que aprendemos um pouco sobre esses termos básicos, vamos
seguir com a história que nos trouxe até aos processos de impressão
mecanizada ou seja a tipografia.

TEMA 2 – O DOMÍNIO DO MANUSCRITO: A ERA GÓTICA

A Era Gótica foi marcada pelos castelos, onde os jovens eram treinados
para serem cavaleiros, e nos mosteiros os monges aprendiam a ler e escrever.
O propósito dos monges em copiar os textos era a glória de Deus e manter para
a posteridade e possibilitar disseminar os ensinamentos.

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Figura 4 – Época das iluminuras que acompanhavam as escritas

Crédito: Rafael Dias Katayama/Shutterstock.

O ambiente cultural do século XII se manifestou muito na arquitetura, mas


a escrita foi fortemente afetada. Como resultado, as letras foram esticadas,
ficaram mais próximas e ganharam contornos mais quebrados, resultando no
Gótico Minúsculo.
As letras passaram por várias alterações desde o Carolíngia Minuscule
até o século XI, originando diversos estilos que possibilitam a identificar as
regiões e períodos pelas suas características.

Figura 5 – Letras no estilo carolíngia feita a mão

Crédito: Mara Fribus/Shutterstock.

Uma delas é a textura, que veio desde o século XIII, resultado de uma
escrita com bicos largos, traços retos e verticais com cantos ângulos e agudos.

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Figura 6 – Uma página no estilo textura letras gótica literalmente formava uma
textura

Crédito: YKh/Shutterstock.

No estilo textura não havia formas arredondadas, e ascendentes e


descendentes eram mantidas curtas. Até mesmo as maiúsculas, desenvolvidas
em um estágio posterior, se encaixavam no sistema formal estrito.
No percurso, algumas fontes se consolidaram, como a rotunda, que é uma
escrita gótica estreita com elementos curvos, melhorando a escrita e legibilidade.
Essa forma de escrita se difundiu na Itália, Espanha e Alemanha, mas foi aos
poucos entrando em desuso e esquecida no decorrer do século XVI.
As góticas foram a escrita-padrão do século XIII, mas no século XIV se
propagaram mudanças, gerando uma maior riqueza formal.

TEMA 3 – FATORES QUE CONTRIBUÍRAM PARA A INVENÇÃO DA


TIPOGRAFIA

A inovação só ocorre quando há demanda para a novidade, e assim foi


também com a invenção da tipografia. Na história da tipografia os avanços
tecnológicos impulsionam as mudanças mais significativas.
A base para o processo de impressão é a cilografia, que é uma técnica
que imprime por meio de uma matriz em relevo, feita em madeira. Essa técnica,
originária da Ásia, tem um princípio de impressão que é o mesmo de um carimbo,
que é muito intuitivo de entender.
Outro elemento importante foi o papel. Tivemos antes o papiro e o
pergaminho, que eram utilizados como suportes, mas para a difusão do livro, o

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papel foi um invento muito significativo. Considera-se que a invenção do papel
ocorreu no ano 105, na China, e começou a ser fabricado na Europa por volta
de 1100, substituindo o papiro e o pergaminho.
Uma das demandas sociais foi o surgimento das universidades. No ano
de 1100 foi fundada a Universidade de Bolonha, a primeira universidade da
Europa, quando o conhecimento era privilégio de poucos. Lentamente foram
fundadas universidades pelo continente europeu, mas até a época da invenção
dos tipos móveis os livros eram caros, podendo um livro valer o equivalente a
uma fazenda ou vinhedo. Próximo dessa época (em 1424), a Universidade de
Cambridge, na Inglaterra, dispunha de 122 livros manuscritos.
Um livro de duzentas páginas levava de quatro a cinco meses para ser
produzido, além de 25 peles de carneiros, que precisava para sua confecção.

Figura 7 – Universidade de Bolonha, a primeira universidade da Europa

Crédito: Pio3/Shutterstock.

O movimento humanista e o Renascimento proporcionaram um ambiente


para novas ideias, em que universidades foram fundadas e novos continentes
foram descobertos. Avanços tecnológicos resultaram em uma nova era.

TEMA 4 – GUTENBERG E OS TIPOS MÓVEIS

4.1 O inventor

O nome completo dele era Johannes Gensfleisch zur Laden Gutenberg, e


a data provável de seu nascimento foi em 1396, na cidade de Mainz, na
Alemanha, e faleceu em 1468 na mesma cidade.

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Figura 8 – Uma gravura do século XVI de Johannes Gutenberg

Crédito: De Larmessin/PD.

Ele foi ferreiro, ourives, impressor e conhecido pelo seu invento da


impressão mecânica utilizando os tipos móveis, que proporcionou a revolução
da impressão. Esse invento é, para muitos, considerado o acontecimento mais
importante do período moderno. A invenção dele foi fundamental para o
desenvolvimento do Renascimento, Reforma, Iluminismo, revoluções científicas
e contribuiu para a era em que a economia se baseia no conhecimento.
O uso dos tipos móveis foi uma evolução significativa em relação aos
livros manuscritos. Essa tecnologia se espalhou pela Europa rapidamente e pelo
mundo. A primeira obra feita nesse processo foi a Bíblia de 42 linhas, que se
preserva em vários museus até os dias atuais.
O invento de Gutenberg agilizou a circulação da informação, incluindo
ideias revolucionárias, e ameaçou o poder das autoridades políticas e religiosas.
O aumento da alfabetização rompeu com o monopólio da elite e criou bases para
ascensão da classe média.
A contribuição do Gutenberg no processo de impressão foi além da
invenção dos tipos móveis. Ele usou tinta à base de óleo e evoluiu a prensa em
si. A primeira Bíblia impressa na história ficou pronta em 1455, com cerca de 180
cópias impressas. Mas para a sua empreitada, ele contraiu dívidas e, em uma
disputa judicial, ele perdeu a oficina e metade das bíblias impressas. Mesmo
assim, continuou no ofício de impressor, imprimindo outra Bíblia e conseguiu
ganhar dinheiro com impressões para igreja.

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Em 1465 ele foi reconhecido pelo seu invento e recebeu título de
cavalheiro da corte, e faleceu em 1468 em Mainz.

4.2. Impressão com tipo móvel

O princípio da impressão da tipografia é uma matriz em relevo em que se


passa a tinta, que é transferida para o papel, como no caso da xilogravura. O
que Gutenberg conseguiu com o seu invento foi otimizar o processo, utilizando
os tipos reaproveitáveis. Apesar do avanço tecnológico, a técnica da impressão
tipográfica não foi extinta e sobrevive até hoje, com diversos fornecedores
atuando em várias cidades.
A impressão com tipos móveis hoje é praticada em oficinas para fins
artísticos e em algumas gráficas, que prestam serviços para ocasiões especiais.
Existe ainda a sua versão em madeira, que tem sido utilizada por editoras com
propostas diferenciadas. Esse processo é conhecido como letterpress.
Para que pudesse ocorrer a impressão, era necessária a confecção dos
tipos. A fabricação dos tipos no início era bem manual, que a cada etapa
ocasionava imperfeições que, no decorrer da evolução técnica, foi melhorando.

4.3. Confecção dos tipos

O desenho era transformado em um padrão que seria a base para a


punção, que era feito em metal duro. Esta, por sua vez, criava a matriz em uma
barra de cobre mais macio. Essa matriz servia de base para fundir os tipos onde
a base era feita por molde. Esses tipos eram compostos para impressão. Com
essa técnica produz-se várias letras uniformes.
Os tipos eram armazenados em caixas (as maiúsculas nas caixas altas e
as minúsculas nas caixas de baixo).

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Figura 9 – Desenho simplificado do processo de produzir um tipo móvel

Esses tipos eram utilizados para compor uma página e depois eram
reutilizados. Esse processo ganhou o nome de tipos móveis.

4.4. Processo de impressão

A primeira etapa era a composição do texto. Em uma base eram


colocadas as letras e fixadas com outras peças, que ora centraliza, ora cria
espaços. Na figura a seguir é possível conferir aspecto da composição.

Figura 10 – Composição em uma versão moderna

Crédito: Worradirek/Shutterstock.

Essa base era tingida com tinta, sendo que esse processo pode ser feito
com rolos de borracha.
Sobre a superfície das letras é colocado o papel e passado na prensa.

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Figura 11 – Representação da etapa de prensagem na impressão

Crédito: Morphart Creation/Shutterstock.

Na área relacionada à difusão do conhecimento, a inovação técnica mais


revolucionária foi os tipos móveis de Johannes Gutenberg.
O primeiro impresso, como não poderia deixar de ser, foi a Bíblia,
conhecida como Bíblia de 42 linhas. Ela foi concluída em 1455 e levou 2 anos
para ser produzida. A demanda pela impressão foi expressiva, tanto que em
menos de cinquenta anos havia na Europa cerca de 1.100 oficinas de impressão.

Figura 12 – Bíblia

Crédito: Osugi/Shutterstock.

O processo de mecanização trouxe a possibilidade de se imprimir livros e


revolucionou o mundo, tanto na difusão do conhecimento como em pensamentos

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que contribuíram no campo da religião, por exemplo, abrindo espaço para a
reforma em que a impressão de livros teve um papel importante e fundamental.
O processo de impressão é algo em constante evolução e a história de tipografia
se confunde de certa maneira, pois evolui muito conforme as possibilidades de
reprodução. Mas está longe de ter chegado ao fim, no sentido de que ainda está
evoluindo e se transformando.

TEMA 5 – AULA DE PRÁTICA 1 – FONTES CARIMBADAS

Inspirado na reprodução do tipo móvel de Gutenberg, esse exercício tem


como objetivo vivenciar as possibilidades que uma letra, o elemento essencial
de uma composição, pode auxiliar em termos de expressividade.
O exercício compõe-se da confecção de carimbos e experimentos
gráficos decorrentes da reprodução de um tipo como matriz. Para começar a
atividade, forre a mesa e coloque uma roupa que não tenha problemas de sujar
ou coloque um avental, pois o exercício pode respingar tinta.

5.1 Lista de materiais

● EVA. O ideal são os de espessura de pelo menos 2 mm, mas pode ser
feito com os que se encontram nas papelarias comuns, que têm uma
espessura menor
● Estilete, bisturi ou tesoura
● Cola de bastão
● Almofada para carimbo
● Tinta para carimbo
● Papel para forrar a mesa
● Materiais para testes variados. Papel toalha, papel kraft, papel couché,
saco plástico e uma vela

5.2 Etapa 1: confecção dos carimbos

Para o exercício, pode-se fazer a matriz de diversas maneiras. A maneira


mais simples e que traz maiores aprendizados é fazer na mão imprimindo em
uma impressora caseira. Importante: as letras devem estar espelhadas (ou

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Este exercício foi inspirado na Tupigrafia n. 2

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“ilegível”, como se diz no jargão de gráfica). Cole o impresso no EVA e corte a
letra. Recorte as letras com estilete, bisturi ou tesoura (tomando cuidado para
não se cortar).
Pode-se recortar as 26 letras do alfabeto, mas eventualmente pode-se
recortar o número exato de letras para formar a palavra em mente. Para finalizar
os carimbos, cole-os em uma base onde possa ter uma pega.
Corpo 180 pontos, ou aproximadamente 4 cm, consegue criar letras com
altura boa de fonte.

Figura 13 – Sugestão de modelo para confecção do carimbo

5.3. Etapa 2: experimentos

Forre a mesa e experimente realizar as “carimbadas”. Coloque a tinta no


carimbo na almofada e tenha a tinha em mãos, que pode ajudá-lo a ter outros
resultados. O papel também ajuda nas experimentações. A ideia é realizar vários
experimentos para ter elementos para uma composição interessante.

Figura 14 – Exemplo de trabalho realizado como resultado do exercício

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5.4. Etapa 3: criação de uma composição

Com os experimentos feitos, agora é hora de juntá-las para compor uma


palavra ou mesmo uma frase. Na hora de criar uma peça gráfica, pode ser que
sinta a necessidade de adicionar algum outro elemento, além da letra, mas em
termos de exercício o interessante é buscar uma solução all type (somente de
texto). Busque nos experimentos as letras que apresentaram resultados fora do
usual.

NA PRÁTICA

A exemplo das expressões gráficas obtidas pelos exercícios de impressão


com os carimbos, existem outros erros que geram resultados interessantes. Um
exemplo é o Glitch Art, que é a exploração estética do erro da máquina analógica
ou digital.

Figura 15 – Glitch Art

Crédito: Munerf.Std/Shutterstock.

Busque outros movimentos ou artistas que trabalham os acidentes ou


falhas da reprodução de uma letra para criar as suas peças gráficas. Comece
por conhecer o trabalho do artista gráfico Eduardo Recife, que, como o próprio
nome do site dele denota, explora o erro de impressão de tipos (Disponível em:
<www.misprintedtype.com>. Acesso em: 5 abr. 2021. Busque pelo menos três
artistas que trabalhem esses efeitos e de preferência com tipografia.

Saiba mais
O período que antecede Gutenberg, com escribas trabalhando em
manuscritos, pode ser vislumbrado no filme “O nome da rosa”, de 1986. Nele,
pode-se conferir uma reconstituição de como era o ofício dos copistas. Existe

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uma a Bíblia de Gutenberg para consulta digital (Disponível em:
<digital.bodleian.ox.ac.uk/objects/ bea56620-793f-4dee-875d-
ff051563292a/surfaces/5a4b608f-fed8-4bf9-92c5-e8e014e5fdd9>. Acesso em: 5
abr. 2021). Lá você poderá visualizar todas as páginas da Bíblia em alta
resolução. Para se ter uma ideia do ofício de um tipógrafo, assista ao
documentário de Raquel Pinheiro e Virgínia Pitzer, intitulado “Prelo: o filme”
(Disponível em: <vimeo.com/99589395#at=1> Acesso em 5 abr. 2021).

TROCANDO IDEIAS

Poste os exercícios de prática no fórum, compartilhe e comente os seus


resultados e os resultados alcançados pelos seus colegas de curso.

FINALIZANDO

Nesta aula conferimos a transformação da produção do livro feita pelos


escribas copistas para o início da reprodução mecânica dos livros, que vai
contribuir para a base da difusão do conhecimento e é o início da tipografia em
si. A tipografia tem uma relação muito estreita com a forma de se criar e de se
reproduzir, assim, na medida que acontece a evolução dos meios, as suas
formas também vão mudando. Da época do Gutenberg para cá o mundo mudou
completamente, mas a relação processo x resultado na tipografia ainda está
presente, agora com as possibilidades da tipografia digital, que mudou e vai
mudar ainda mais, com novas possibilidades. Esta é uma área que interessa não
somente aos que têm interesse na tipografia, mas de alguma forma interferirá na
prática do design gráfico como um todo.

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REFERÊNCIAS

HENESTROSA, C. et al. Como criar tipos: do esboço à tela. Brasília:


Estereográfica, 2014.

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