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Tiamat World
The Governess Brides 03
Christina Dodd
Seduzida
(Rules of Attraction)
Série Instrutoras ou The Governess Brides 03
Depois de nove anos, a senhorita Hannah Setterington decidiu vender
a Distinta Academia de Instrutoras para investigar em um passado
pessoal cheio de segredos. Para poder fazê-lo concordou ser a
acompanhante da tia do obscuro Dougald Pippard, lorde Raeburn, um
homem do qual se rumoreja assassinou sua esposa.
A nova tarefa de Hannah não é mais que um arrevesado plano
esboçado por Dougald para seduzi-la e se vingar dela. Mas sua
satisfação não durará muito porque ela tomou as rédeas e revive nele
uma paixão que não há sentido há nove anos. O fogo que sempre
ardeu entre ambos se aviva com cada roce, com cada olhar, até o
ponto que Dougald quase esquece seus planos de vingança.
Um homem nunca deveria seduzir uma mulher por vingança.
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The Governess Brides 03
Distinta Academia
de Instrutoras
que durante três anos formou às melhores governantas, damas de
companhia e instrutoras, sente prazer
em anunciar que vendeu a
Distinta Academia
de Instrutoras
em troca de uma considerável
fortuna, e decidiu fazer frente
aos problemas de seu passado que
seguem atormentando-a.
Capítulo 1
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The Governess Brides 03
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The Governess Brides 03
Embora o faria, por descontado. Trabalhara desde que tinha uso de razão,
já fosse costurando, fazendo recados, realizando as tarefas próprias de uma
criada... inclusive em seus estudos sempre se esforçou por ser a melhor.
E logo houve aquele breve, terrível e maravilhoso período no que não
trabalhara.
Atando a capa ao redor do pescoço, voltou a olhar para a estrada, mas
esta permanecia obstinadamente deserta e a luz do sol se desvanecia com
rapidez.
Nos últimos tempos recordava muito frequentemente os dias nos que se
sentira inútil e desnecessária, uma mera posse. Por mais que a claridade
daquelas lembranças lhe resultasse desconcertante, não podia dizer que a
surpreendessem.
Sempre que se encontrava ante uma encruzilhada e seus afazeres diários
não conseguiam ocupar cada segundo de seu tempo, sua mente divagava de
volta ao passado e as dúvidas voltavam a assaltá-la. Em momentos como
aquele, de espera solitária, enquanto as colunas de névoa se convertiam em
um espesso tecido que rabiscava as estrelas e a envolvia, a isolando de todo o
resto, se perguntava o que ocorreria se retornava a Liverpool, onde seu destino
a aguardava.
Entretanto, sempre acabava desprezando essa ideia. Na hora da verdade,
era muito covarde para assumir as consequências de seus pecados de
juventude, e muito sábia para perder tempo pensando neles.
Afundando o queixo em seu cachecol de lã e as mãos enluvadas debaixo
dos braços, tratou de represar seus pensamentos para um propósito mais útil:
o que fazer.
Ninguém se apresentara para recebê-la, não sabia como chegar à aldeia e
a noite se anunciava gelada. De algo estava segura: não sucumbiria ao pânico,
por mais que a tivessem abandonado a sua sorte.
Quando menos, sabia que não a seguiram até ali de Londres. Uma das
muitas razões pelas que aceitara aquele posto era a suspeita recente de se
achar sob vigilância.
Ou isso, ou um dos três cavalheiros de aspecto lúgubre e idêntico traje
que se instalaram na casa de frente visitava o mercado sempre que ela o fazia,
ia a ver as mesmas peças de teatro que ela e inclusive se apresentou em
Surrey o mesmo dia em que ela se deslocou até ali para assistir ao batismo do
segundo filho de Charlotte e visitar Pamela.
Mas quem podia se interessar por uma dama de berço humilde,
proprietária de um honrado negócio londrino, até o ponto de seguir seus
passos e observar todos e cada um de seus movimentos?
Só um homem... e sinceramente, como ia poder esquecê-la?
Possivelmente só fosse imaginação dela.
Por isso, quando chegou a suas mãos uma solicitude para o posto de dama
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The Governess Brides 03
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inusualmente alta para ser uma mulher. Possuía uma constituição robusta e
generosas nádegas. Quando caminhava, se ouvia o tinido da argola de ferro
repleta de chaves que pendurava de seu cinturão e que era sua particular
insígnia. Hannah seguiu os passos da governanta agarrada na mão, se
sentindo como uma folha arrastada por uma poderosa rajada de vento.
—Primeiro eu gostaria de me assear um pouco - disse.
—Ah, não! Aqui não fazemos o amo esperar - replicou a senhora Trenchard
em tom cortante. - Não é tão mau como dizem, mas sim severo, e gosta que se
façam as coisas a sua maneira. Eu procuro não contrariá-lo, e faz tempo que
espera sua chegada.
Hannah quis lhe fazer ver que isso não era culpa dela, mas a senhora
Trenchard seguiu falando sem cessar enquanto a empurrava escada acima.
—O amo quer reformar esta zona para que os convidados entrem no
castelo por um vestíbulo no segundo andar. A cozinha não é lugar para dar as
boas-vindas aos visitantes, e esta escada é tão velha e está tão desgastada
que é fácil tropeçar.
De fato, o amo anterior... bom, é igual. - A senhora Trenchard se deteve no
meio da escada, se apoiou contra a parede e levou uma mão às cadeiras com
uma careta de dor.
Hannah se alarmou ao contemplar acima a espiral de degraus de pedra
que deixaram atrás.
—Você está doente? - perguntou, agarrando à senhora Trenchard pelo
braço.
—Tolices - respondeu esta, afastando Hannah e voltando a empurrá-la
escada acima. - Jamais estive doente em minha vida. Tenho uma saúde de
ferro. Minha mãe passou desta para a melhor faz tão só cinco anos, à
venerável idade de oitenta e nove anos.
O que passa é que vou ficando velha, isso é tudo. - Assinalou o resplendor
que provinha de cima. - Uma vez que passemos a cozinha, a casa é uma
maravilha.
Hannah assentiu. Certamente a única coisa que ocorria à senhora
Trenchard era que teve um mau dia. Certamente parecia forte como um
carvalho.
—À morte do velho lorde, os dois amos que o substituíram empreenderam
a reforma do castelo, e o último, que em paz descanse, inclusive mandou
instalar estufas que esquentam o dobro de uma lareira. O amo atual estava
muito ocupado quando herdou o título, mas agora começou a restaurar as
tapeçarias, a limpar a carpintaria e a substituir as partes mais antigas. É um
castelo magnífico, já o verá.
—Estou segura disso - assentiu Hannah.
Não sabia se a senhora Trenchard sempre era tão loquaz ou se
simplesmente estava nervosa, mas quando chegaram ao alto da escada se deu
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conta que a governanta não lhe mentira. A parte menos nobre do castelo se
embelezou com uma combinação de mobiliário moderno e chãos de madeira
encerada. O corredor em forma de arco se alongava antes de desembocar em
uma sala ampla, muito bela e bem mobiliada onde o antigo e o moderno se
mesclavam com harmonia. O teto era tão alto que a vacilante luz das velas não
alcançava a iluminá-lo. Painéis de madeira escura revestiam as paredes, sobre
as que se alternavam escudos brunidos e tapeçarias tradicionais bordadas em
ouro e vermelho escarlate. Não obstante, o mobiliário parecia cômodo e de
recente aquisição, e pela primeira vez desde que chegara a Lancashire,
Hannah reconheceu um vislumbre do estilo decorativo que imperava em
Londres.
—O grande salão - anunciou a senhora Trenchard com evidente orgulho.
—Soberbo! - exclamou Hannah.
Seus dentes ainda tocavam castanholas, coisa que a incomodava
sobremaneira. Não queria transmitir uma sensação de fragilidade em seu
primeiro encontro com a criada, o amo e a idosa tia do conde.
A senhora Trenchard se enfiou em um corredor sombrio cujas paredes
estavam repletas de quadros. As portas passavam a um e outro lado, e em seu
extremo Hannah distinguiu uma ampla escada que desaparecia em um poço
de trevas.
Entretanto, no corredor propriamente dito, tudo reluzia e parecia cuidado
com esmero salvo uma das portas, que fora arrancada de suas dobradiças e
apodrecia apoiada contra a parede.
Ao passar pela frente daquela porta, a senhora Trenchard apontou o
interior da sala.
—O amo mandou construir estantes novas para a biblioteca, de carvalho
pintado de amarelo claro. Diz que darão mais luz à sala, e me parece que tem
toda razão.
—Ficará precioso.
—Há quem opina que deveríamos deixar tudo como está, que terá que
respeitar a tradição...
A governanta parecia interessada na opinião de Hannah, embora esta não
acreditasse estar em condições de emitir um juízo a respeito. Tentou sortear a
questão:
—Não há dúvida que é necessário conservar algumas das coisas antigas,
mas estou segura que para você tudo será mais fácil em um castelo novo e
reluzente.
A senhora Trenchard se voltou para Hannah.
—Por quê?
—Porque é você a governanta e os objetos antigos são frágeis e mais
difíceis de limpar... - aventurou Hannah.
A senhora Trenchard a escrutinou com um toque de desconfiança.
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The Governess Brides 03
O cabelo negro pendurava sobre sua nuca e, a julgar por sua nula reação
ante a chegada da senhora Trenchard e de Hannah, se diria que não as ouvira
entrar.
Nem sequer se incomodou em se voltar quando a senhora Trenchard
anunciou com uma reverência:
—A senhorita Hannah Setterington, excelência.
Por um momento seguiu de pé e em silêncio, rígido como uma silhueta
solitária esperando... esperando algo.
—Nos deixe a sós - ordenou ao cabo de um instante em um tom de voz
grave e profundo.
Hannah conteve a respiração.
Aquela voz. Aquele tom.
Seu coração deu um tombo no peito e começou a pulsar com força,
marcando a cada segundo, cada emoção, cada temor.
Visto de costas se parecia com ele, e o rosto refletido no vidro lhe
resultava familiar.
Mas sabia quão equivocada podia estar. Quando ele se apropriava dos
pensamentos de Hannah, todos os homens pareciam com ele.
E entretanto... e entretanto...
Logo que ouviu o ruído da porta se fechando. Lentamente, aquele homem
se voltou para ela.
E o presságio que a atormentara durante nove anos se fez realidade.
Aquele homem não podia ter matado sua esposa.
Porque sua esposa era ela.
Capítulo 02
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muito grave, e muito firme tendo em conta as circunstâncias. - Não pode ser.
Seus lábios, os finos lábios esculpidos a golpe de cinzel que em tempos ela
tinha apaixonado contemplar, se moveram para articular com parcimônia e
precisão:
—Asseguro que o sou.
—Como? Mas... como?
Um súbito calafrio a sobressaltou.
Ele entrecerrou os olhos.
—Se aproxime do fogo.
Hannah não esperou que ele repetisse. Sua reação instintiva era sair dali
quanto antes, mas o senso comum lhe dizia que ele teve muitos incômodos
para lhe preparar aquela armadilha, e que agora desfrutaria ante a menor
oportunidade de lhe fazer o que quer que fosse que fazia um homem à mulher
que o abandonara, assim não pensava provocá-lo.
Além disso, sentia frio.
Mas não podia sossegar seu instintivo temor, e não conseguiu convencer a
si mesma para afastar o olhar dele nem tão sequer durante o muito breve
lapso de tempo que demorou para se aproximar à lareira, por isso se deslocou
sigilosamente para o grupo de cadeiras e mesinhas situadas em torno do fogo
sem deixar em nenhum momento de observá-lo.
O passar do tempo provocou muitas mudanças em ambos. Tantas
mudanças.
Hannah começara a viver sob seu teto em Liverpool quando ele contratara
sua mãe como governanta. Quando maturou, Hannah não era mais que uma
menina de doze anos magrinha e inocente. Entretanto, inclusive então se
sentira fascinada por seu rosto: as maçãs do rosto marcadas, a poderosa
mandíbula, o nariz reto e curto, as grandes orelhas. Era moreno de pele, mas
tinha os olhos de um precioso verde jaspeado de ouro que delatava sua
ascendência escocesa. As pestanas eram longas, negras e sedosas. O cabelo
era fino, negro e reluzente. E além disso era muito alto. Para a jovem Hannah,
aquele homem encarnara a quinta essência de um crisol 2 no que se mesclavam
vikings, celtas e ingleses de pura cepa. Sua distinta família vivera no norte ha
dois mil anos. Presenciara e abraçara cada nova onda de imigração sem
renunciar a suas próprias raízes celtas, e Dougald gostava de presumir que
estava aparentado com todas as famílias ao norte de Londres.
Agora, o tempo e a experiência poliram seus traços, lhes emprestando um
ar austero que quadrava à perfeição com a pedra nua e pálida do castelo que
afirmava possuir. A pele tensa sobre os ossos, o olhar acerado e penetrante, e
o cabelo...
Deus santo, uma mecha branca prateava suas têmporas.
Os últimos nove anos não passaram em vão para... de que maneira se
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Recipiente das máquinas fundidoras e compositoras, onde se derrete o metal-tipo; caldeira.
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Capítulo 03
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e vir de sala de aula em sala de aula, do mercado para casa, sua viçosa e
exuberante silhueta se tornou magra e enxuta.
De modo que após se despojar do casaco o deslizando sobre os ombros, o
sustentou e ficou à espera da reação de Dougald.
Mas este não disse nada. se limitou a olhá-la com gesto inexpressivo.
Para sua própria surpresa, a indiferença de Dougald lhe sentou como um
jarro de água fria. Não é que quisesse animá-lo a cumprir sua incendiária
ameaça, mas dera por seguro que nunca resistiria a seus encantos.
Ao que parecia, em algum recôndito canto de sua alma, seguia abrigando
a esperança que se mantivesse fiel a suas promessas de eterna paixão.
—Podemos falar enquanto como algo - sugeriu, deixando o casaco sobre o
respaldo de um banco de madeira.
—De que deseja que falemos, querida esposa?
—Pode começar me explicando como averiguou meu paradeiro. Pode me
contar o que fez em todo este tempo. - E mais importante ainda: - Que planos
tem para mim.
Dougald levantou o queixo e a olhou com tal suficiência que, se não o
conhecesse, Hannah o teria tomado por um homem de alta linhagem.
—Contarei o que me venha em vontade te contar, nem mais nem menos.
Como detestava aquela arrogância! Quantas vezes teve que enfrentar a
ela em seu trato com a aristocracia! Decidiu tratá-lo com a mesma frieza que
se revelou eficaz frente a outros nobres, mais insolentes inclusive que ele.
—Bobagens! O que conseguirá me ocultando a verdade?
—O que conseguirei? Minha própria satisfação, é obvio, - se inclinou ante
ela, logo se dirigiu à porta e a abriu. - Charles - chamou, arrastando as sílabas
como estavam acostumados a fazer os ingleses ao pronunciar um nome
francês.
—Charles, a senhorita Setterington tem apetite. Diga à senhora Trenchard
que lhe traga algo de comer, - se voltou para olhar fugazmente a Hannah. -
Algo abundante.
Ao que parecia, se fixou em sua magreza. Dougald fechou a porta, apoiou
as costas nela e voltou a observá-la.
—Por favor - disse, apontando a cadeira, - sente-se.
Sempre que isso não o impedisse de sair-se com a sua, Dougald se
comportaria como um perfeito anfitrião. Muito bem, Hannah não esqueceria o
que a levara a aceitar um posto de trabalho em Lancashire.
Em troca, se comportaria como uma convidada exemplar e cruzaria os
dedos para que aquela farsa não acabasse em tragédia.
Enquanto tomava assento, esfregou os dedos gelados ante as chamas.
—Vejo que Charles continua com você.
—É obvio. - Dougald cruzou a sala sem pressa, mas sem se incomodar em
dissimular sua vigilância. - Onde ia estar, se não?
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prudente.
—Pelo dinheiro.
Hannah mordeu o lábio. Temera isso.
—O dinheiro que te enviei para pagar minha educação?
—Não sabe como lhe agradeço isso, embora só seja por isso. - Não parecia
agradecido, mas sim, indignado. - Quanto ao dinheiro, foi parar em várias
obras de caridade.
—Me dá igual o que fez com ele. Tinha jurado saldar essa dívida assim que
pudesse, e o fiz.
—E eu te havia dito que uma mulher não tem por que pagar nada a seu
marido, como se ele estivesse a seu cargo e não ao reverso.
—Lhe devia isso - insistiu ela. - Se supõe que deveria te compensar com
descendência e companhia, mas não o fiz.
—Ainda não.
A réplica direta de Dougald ficou flutuando no ar como uma espada de
Damocles. Acaso esperava que se mostrasse mais dócil após todos aqueles
anos de ausência?
Ou simplesmente estava disposto a fazer recair sobre ela todo o peso da
lei para obrigá-la a ocupar o lugar que lhe correspondia como sua legítima
esposa?
O que mais desejava no mundo era pegar o seguinte trem e se afastar dali
a toda pressa, mas sabia que isso era impossível. E não só porque ele o
impediria.
Faria, por descontado, mas Hannah burlara sua vigilância uma vez e podia
voltar a fazê-lo, embora agora lhe resultaria mais difícil.
Mas sim porque tinha uma missão a cumprir em Lancashire, e devia ficar
ali até encontrar o que fora procurar. Assim decidiu seguir Dougald a corrente
com a esperança de poder sair-se com a sua no dia que decidisse voltar a
escapar.
—Então esse é seu plano? Que eu volte a ser sua esposa, que te dê filhos
e te faça companhia?
—Minha esposa morreu, ou isso dizem. Como íamos justificar algo assim?
Dougald não respondera a sua pergunta. Maldito homem, estava decidido
a fazê-la sofrer como a uma minhoca se retorcendo no anzol.
—Muitas coisas teriam que mudar para que eu voltasse a ser sua esposa.
—Estou de acordo, embora me atreveria a acrescentar que temos ideias
completamente diferentes sobre as mudanças que deveriam se produzir.
—O que você e eu pensamos a respeito de algo sempre foi diferente, meu
senhor. A isso podemos atribuir o fracasso de nosso casamento.
—Dougald Pippard não conhece o significado da palavra fracasso.
—Vê? - replicou Hannah, apontando. - A isso precisamente me referia. Para
você, este casamento é seu e só seu. Que mais dá que eu seja a outra metade?
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—Tem toda razão. Teria sido mais acertado dizer que Dougald Pippard e
sua esposa não conhecem o significado da palavra fracasso - repôs com gesto
indolente observando o dedo que o apontava.
O que acabava de dizer não era mais acertado, e ele sabia.
—Não sou uma mera parte de você, indistinguível de sua pessoa - replicou
Hannah. - Tenho um nome próprio.
—Em efeito, tem: senhora de Dougald Pippard, ou melhor dizendo, lady
Raeburn.
—Hannah - resmungou ela entre dentes. - Me chamo Hannah.
Dougald fez caso omisso de suas palavras.
—Ante a lei, é indistinguível de minha pessoa. Me pertence e posso fazer
com você o que me agrade.
Outra ameaça. Não física, nesta ocasião, mas uma ameaça de todos os
modos. Até então, Dougald sempre arrumara para conseguir levá-la aonde
queria através da manipulação, da chantagem e da intimidação.
Ou chegara à conclusão que não valia a pena andar com sutilezas, ou os
anos o endureceram.
—Jamais pertenci a você. Se em algum momento chegou realmente a
acreditar que assim era, devo repetir que não é de estranhar que nosso
casamento viesse abaixo.
Hannah ficou à espera de sua acesa réplica o que lhe deu uma admirável
sensação de tranquilidade.
Mas Dougald tomou por surpresa:
—Lorde Ruskin já me advertiu que você se convertera em uma mulher de
caráter firme, toda determinação. Agora comprovo que estava certo.
—Lorde Ruskin? - balbuciou Hannah. - Como... por que... falou com lorde
Ruskin?
—A qual de suas perguntas devo responder primeiro?
Dougald falara com lorde Ruskin. Dougald lhe contara... somente Deus
sabia o que, e agora a olhava como uma besta cegada pelo desejo de
vingança, com um sorriso malévolo dançando nos lábios. Hannah se inclinou
para frente e o fulminou com o olhar.
—Me dá vontade de te dar um sopapo.
Dougald abriu os braços como a convidando a tentar, mas Hannah não era
tão tola. Finalmente, ele deixou cair os braços aos lados.
—Acredito que foi a sua amiga lady Ruskin, disse a ela que desejava fazer
chegar certa quantidade de dinheiro a um tal Dougald Pippard de Liverpool e,
sem se incomodar em lhe dar mais explicações, pediu-lhe que o fizesse em seu
nome para preservar sua identidade.
Sabia tudo. Apesar de seus esforços, a localizara através de suas
amizades e, o conhecendo, seguro que tinha posto Charlotte em um aperto.
Mas Charlotte era uma mulher de armas prontas.
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velada, possivelmente por parte de lorde Ruskin, que não via sua
independência com bons olhos. Acreditava sinceramente que toda mulher de
bem deveria se casar, e dentre todos seus amigos era o que mais empenho
tinha posto em lhe buscar um pretendente adequado, até o ponto que
Charlotte se viu obrigada a intervir para atalhar seus esforços. Charlotte, que o
permitia reinar como um monarca em seu lar e seus negócios.
Charlotte, que o controlava com mão firme mas envolta em uma luva de
veludo. E entretanto, a última vez que a vira, se comportou com ela como a
mesma amiga carinhosa de sempre. E sabia. Soube todo o tempo. Sabe lá o
que lhe teria passado pela cabeça.
Hannah se afastou da lareira.
—E entretanto lhe disseram onde estava.
—Lorde Ruskin me informou de seu paradeiro. Nossa situação o
consternara muito.
—É obvio. Está convencido que as mulheres sem os homens não seriam
nada, e lhes devem eterna gratidão. Se não fosse por Charlotte, não teria
quem o suportasse. - Olhou para Dougald, apoltronado em sua cadeira, e lhe
deu as costas.
Do contrário não teria podido reprimir o impulso de esbofeteá-lo, e não era
tão tola para acreditar que ele receberia semelhante ultraje sem responder. -
Charlotte diria a Pamela.
—Se refere a lady Kerrich, suponho.
—Há alguém em toda a Inglaterra a quem não contou? - espetou Hannah
se voltando para ele e elevando a voz.
—Acredito que só lorde Bucknell, lorde Ruskin, lorde Kerrich e suas
respectivas esposas conhecem a verdade. Não são tantos, se se compararem
com toda a população da Inglaterra.
—Dougald assinalou este fato com toda tranquilidade, como se pudesse
lhe servir de consolo.
Hannah voltou sobre seus passos e se agarrou com tanta força ao suporte
da lareira que o motivo do mármore esculpido ficou impresso nas palmas de
suas mãos.
—Está falando de meus amigos.
—Um círculo estreito e leal.
Agora suas amigas, sobretudo Pamela e Charlotte, sabiam que ela não
lhes contara os fatos mais importantes de sua vida. Sem dúvida se sentiriam
confusas, possivelmente inclusive feridas pela escassa confiança que
depositara nelas.
E para cúmulo... para cúmulo, não podia ir a elas em busca de apoio.
—Embora encontrasse o modo de abandonar o castelo Raeburn, e
asseguro que não seria fácil, procurar auxílio entre suas amigas causaria
fricções em seus respectivos casamentos.
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Não acredito que deseje fazer isso advertiu Dougald como se tivesse lido
seu pensamento.
Estava certo, é obvio.
—Não devia te enviar o dinheiro. Está claro que as boas ações nem
sempre se veem devidamente recompensadas.
—O que fez dista muito de ser uma boa ação - repôs ele com gesto
deliberadamente inexpressivo. - Pretendia me provocar, me incitar a descobrir
seu paradeiro.
—Não é certo!
—Pode seguir enganando a si mesma se assim o desejar, Hannah, mas
sabia que esse dinheiro me poria sobre sua pista. Teria te encontrado embora
seus amigos não se dispusessem a me ajudar.
—Dougald se acomodou na cadeira e uniu as palmas das mãos diante do
rosto em um gesto reflexivo. - Como não ia fazê-lo? Fundou uma academia,
uma escola para instrutoras, mestras e damas de companhia que gozava de
grande popularidade.
—Confiava em que ainda não tivesse começado para me buscar -
balbuciou.
—Outra mentira. Sabia que não ia me render tão facilmente.
De acordo. Sabia que antes ou depois Dougald acabaria dando com ela. E
possivelmente em algum recôndito lugar de sua mente acreditasse que tudo
seria mais fácil se não precisava ser ela quem desse o primeiro passo: buscá-
lo, ir vê-lo, explicar os motivos de sua fuga e tentar justificar sua prolongada
ausência. Por mais que soubesse que deviam solucionar de algum modo a
questão de seu casamento, lhe punha um arrepio só de pensar no reencontro,
e sim, possivelmente dera por certo que se voltasse a vê-lo de improviso, a
consternação dos primeiros momentos dissiparia seus temores. Mas... não
tinha por que jogar em sua cara de um modo tão aborrecível.
—Agora me dou conta de meu engano - repôs com frieza.
—Muito tarde, temo. Se esfumara tão completamente que durante oito
anos não soube nada de você. - Dougald elevou outros tantos dedos no ar. -
Oito anos, Hannah, sem saber se estava viva ou morta.
—Escrevi a você!
—Uma só vez! Recebi uma carta de Londres em que me dizia que estava
bem e que não me preocupasse.
—Se te tivesse escrito mais frequentemente, teria dado comigo em
seguida.
—Era minha esposa, é obvio que teria dado com você! Paguei uma fortuna
a um detetive particular para que a buscasse.
Tem ideia da quantidade de vezes que saí correndo para Londres com a
esperança que a tivesse encontrado, e das vezes que retornei cruelmente
decepcionado?
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Capítulo 04
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não imaginava Dougald jogando a toalha de um modo tão explícito. Mas então,
o que pretendia fazer com ela?
Charles estendeu as tampas ao lacaio e com um gesto indicou ao jovem
que partisse, coisa que este fez imediatamente, escapulindo da sala como se
acabasse de salvar a pele. Charles se separou da bandeja artisticamente
disposta.
—Fiz que o cozinheiro preparasse minha própria receita de coq au vin3 com
fatias de pão frito - anunciou com sua voz nasal e afrancesada, e logo
perguntou: - Posso lhes servir?
O estômago de Hannah a traiu com um espasmo de fome que desejou
tivesse passado inadvertido. Charles, certamente, não deu mostras de ter
ouvido nada enquanto servia o prato favorito de Hannah em uma grande
terrina para logo polvilhá-lo com fatias de pão frito e salsinha fresca antes de
deixá-lo sobre a mesa, frente a ela. Com um estalo do pulso, estendeu um
guardanapo de um branco radiante sobre o colo de Hannah e aproximou a
mesa.
Logo deixou uma reluzente colher ao alcance de sua mão direita e a
observou imóvel enquanto provava o primeiro bocado.
Que outra coisa podia fazer? A carne estava tenra, o caldo bem temperado
com tomilho e o guisado em seu conjunto retinha a saborosa lembrança do
vinho tinto e as primeiras verduras da primavera.
—Está delicioso - murmurou Hannah, sem olhá-lo diretamente aos olhos. -
Obrigado.
Charles lhe fez uma reverência com os lábios apertados.
—Eu gosto das mulheres com bom apetite - assinalou Dougald. - Faz muito
tempo aprendi que uma mulher que desfruta da boa mesa está acostumada a
ter um apetite similar para... outros prazeres.
Hannah levantou a cabeça bruscamente e lhe lançou um olhar assassino.
Fazendo girar o saca-rolha, Charles abriu uma garrafa de vinho da
Borgonha e o serviu em uma taça reluzente.
Hannah a agarrou pelo caule e acariciou as bordas de cristal esculpido.
Eram perfeitas, esculpidas para apanhar a luz e entretanto suaves ao tato.
E eram reais, não uma lembrança fugidia, como o daquela garrafa de
vinho que ia e vinha entre as mãos de um homem e uma moça.
Hannah tomou um gole e sorriu a Charles sem separar os lábios.
—Obrigado.
Além de qualquer outra coisa que se pudesse dizer dele, devia reconhecer
que sempre dirigira a cozinha com tirânica eficiência e resultado sublime.
De fato, dirigia toda a casa do mesmo modo, sem deixar a ela nada que
fazer exceto se dedicar aos trabalhos de agulha. Em boa medida, nisso
consistira o problema.
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Frango ao vinho tinto
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importância e não soube reparar seu engano. Não voltará a ter outra
oportunidade.
Hannah deixou a colher sobre o prato; perdera o apetite. Se Dougald podia
se mostrar tão implacável com Charles, que tipo de castigo teria reservado
para ela?
O divórcio parecia quase muito bom para uma mulher que fugiu,
convertendo seu marido em suspeito de assassinato durante todos aqueles
anos.
Embora fosse certo, recordou a si mesma, que Dougald não tinha por que
permitir que esses rumores se propagassem. Podia ter revelado ao mundo que
ela o abandonara...
—Por que não come? - perguntou ele. - Está muito magra.
—O mesmo digo - replicou ela.
Na realidade não estava tão magro. Um homem de sua constituição podia
permitir uns quilogramas de mais ou de menos sem que mal se notasse, mas
Hannah pensava que aquele ar taciturno que escurecia seu rosto podia se
suavizar se engordasse.
Além disso, um homem faminto era um homem irritável.
O que ele pensava, em troca, era um mistério para ela. Já não sabia ler em
seu rosto, mas sustentou seu olhar quando ele procurou o dela, o desafiando
com o queixo inclinado e os lábios selados.
Finalmente, Dougald voltou a pegar a colher e se aproximou da mesa, e
Hannah soube que ganhara.
Ganhara um combate. Possivelmente pudesse ganhar outro.
—Vai se divorciar de mim?
Dougald tragou saliva, levantou a vista do prato para olhar sua esposa
perdida fazia muito tempo e a observou com a fria e serena ira que o
acompanhava todos e cada um de seus dias.
Só o fato que ela ousasse mencionar a palavra divorcio lhe dizia o muito
que distava de compreender a situação. Se divorciar era difícil, custoso e uma
vergonha com a que teria que conviver até o último fôlego.
Como amo daquela propriedade, não poria em perigo sua recém adquirida
posição social se divorciando de sua esposa, por muito que ela o merecesse.
Mas essa não era a verdadeira razão.
Não, seus planos eram completamente diferentes. No tom mais indiferente
que conseguiu imprimir a sua voz, respondeu:
—De divórcio, nada.
Hannah o olhou com olhos surpreendidos. Escrutinou seu rosto, franzindo
o cenho, preocupada, procurando o velho Dougald, o homem que a salvara das
garras da miséria, o homem que a protegera durante sua juventude e querido
durante seu casamento.
Ele podia ter lhe dito que esse homem estava morto, tão morto como se
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dizia que o estava sua mulher, que a própria Hannah se encarregou de matá-lo.
Mas, por algum motivo que não conseguia explicar, seguia sentindo a
necessidade de protegê-la.
Hannah voltou a centrar sua atenção no prato que tinha ante si. Comeu
em silêncio, igual a ele fez, o tempo suficiente para que Hannah enchesse o
estômago e esvaziasse a terrina.
—Não mudou. Nunca perde o apetite, por muito mal que vão as coisas -
sentenciou ele logo que deixou a colher no prato.
—É algo que aprendi quando era pequena e raramente sabia de onde ia
sair minha próxima refeição. - Sustentando a taça com uma mão, agitou o
líquido de cor rubi e viu como as chamas reluziam através do cristal esculpido.
Evitou o olhar de Dougald, como havia feito desde sua chegada aquela
tarde. Agora sabia que a ia torturar com aquelas lembranças que ela tanto se
esforçava por manter no esquecimento. Quanto tempo levaria esperando
aquele momento, Deus santo!
—Querida, pedi expressamente que servissem este Borgonha 4 porque sei
o muito que o aprecia. Me diga, é de seu agrado?
Hannah não o olhou. Sabia por que o perguntava, mas fingiu ignorar como
um náufrago que se agarra ao último vestígio de sua embarcação.
—O vinho é magnífico, mas se não me falha a memória sua adega sempre
foi excepcional.
Se não fosse porque esquecera como se fazia, Dougald teria sorrido.
Hannah evitava o assunto com verdadeira mestria, mas ele sabia que sua
réplica não era mais que uma evasiva.
Aquele dia no trem deixara de ser uma menina para se converter em
mulher e, por mais que agora se empenhasse em se defender atrás de um
falso pudor, ele o recordaria na menor oportunidade.
Porque ele jamais o esqueceria.
Agarrou ao jovem ladrão pelo cangote e o sacudiu como fosse um cão com
sua presa.
—Onde está?
O moço cravou as unhas nas mãos de Dougald até que este afrouxou a
pressão sobre seu pescoço.
—Por ali - resmungou com voz rouca. - Se foi por ali.
O moço assinalou o concorrido acostamento da estação ferroviária de
Liverpool, confirmando assim os piores temores de Dougald. A jovem Hannah o
deixava da maneira mais direta possível - e também da mais perigosa, —em
um trem de mercadorias com destino a Birmingham. Sua prometida era uma
insensata. O trombadinha tentou escapar, e Dougald voltou a fechar os dedos
com força em torno de seu pescoço.
—Fez mal a ela?
4
Tipo de vinho
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por eles até o telhado, se arrastar ao longo deste, saltar até o seguinte vagão...
Não pôde reprimir uma gargalhada. Não havia feito nada tão perigoso ou
impetuoso em todos os anos que transcorreram desde a morte de seu pai.
Aquela era o tipo de façanha que deveria ter protagonizado um Dougald muito
mais jovem. Voltou a rir.
Possivelmente ao final Hannah resultasse ser sua salvação.
O trem estralava e exalava baforadas de fumaça enquanto Dougald subia
pela escadinha lateral que conduzia ao telhado.
Os degraus de metal tremiam entre suas mãos e sob seus pés, mas
mesmo assim se sentia mais seguro que acima, onde não teria cabos de
nenhum tipo.
Com um último impulso, se encarapitou ao teto metálico e reaquecido do
vagão. O vento açoitava seus cabelos.
Do alto do vagão tinha boas vistas de Liverpool, da paisagem campestre
no que entravam... e também da distância que agora o separava do chão.
Voltou a rir. Uma loucura. Aquilo era uma verdadeira loucura.
E entretanto não podia deixar Hannah escapar. Não depois de tê-la
sustentado entre seus braços enquanto chorava a morte de sua mãe.
Se arrastou pelo telhado, avançando em linha reta pelo centro do vagão.
Ao chegar ao gancho entre o último vagão e o seguinte, se levantou e tratou
de medir com o olhar a distância que os separava.
Abaixo, a junção estralava entre sacudidas e os trilhos deslizavam a toda
velocidade ante seus olhos.
Dougald fora um jovem temerário e em seus anos moços teria se jogado
divertido naquela aventura sem pensar duas vezes, mas agora era um
respeitável homem de negócios, consciente das consequências de seus atos.
Se falhasse o salto... Respirou fundo e saltou para frente. Aterrissou sobre
as quatro extremidades, fazendo tremer o telhado metálico sob seu peso. Mas
o conseguira.
Sem se erguer, correu como o faria uma besta selvagem até o outro
extremo do vagão.
Sim, agora compreendia as consequências, embora Hannah não fosse
consciente disso. Incontáveis perigos a espreitavam, e como faria para
esquivá-los? Sua vida passada não fora fácil, mas desde que ele a acolhera sob
seu amparo só provara o melhor: comida, roupa, educação, colégios para
senhoritas...
O trem avançava mais depressa. A distância entre os vagões parecia ter
aumentado. Mas desta vez Dougald mal se permitiu respirar fundo antes de
saltar.
Então olhou a seu redor. Conseguira. Aquele era o vagão de Hannah. Só
que ele estava em cima e ela dentro. A porta estava aberta, e a única forma de
entrar era fazendo uma simples pirueta... que não praticara há anos.
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Christina Dodd
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Desta vez não rompeu a rir, mas sim resmungou uma maldição. Se
aproximou pouco a pouco da borda do vagão e olhou para baixo. Os pés de
Hannah já não penduravam para fora da porta. Ao que parece entrara quando
o trem ganhara velocidade.
Muito sensata. Bom, sensata não. Não tão sensata, certamente. Do
contrário, não lhe teria ocorrido desafiar Dougald Pippard.
Possivelmente Hannah não fosse consciente disso, mas ele unira os
destinos de ambos com a mais honrosa das intenções. Agora seu dever -
melhor dizendo, seu carinho - o obrigava a protegê-la, inclusive de si mesmo.
Dougald sorriu por dentro.
Sim, Hannah lhe pertencia. O problema era que ainda não sabia.
Agarrou a soleira da porta, se segurou com força e, dando uma
cambalhota, desceu do teto e se meteu no vagão.
Inclinando a cabeça, Dougald elevou a taça e brindou a lembrança
daquele dia inesquecível no que a juventude, o amor e a aventura confluíram
em suas vidas.
Hannah permaneceu indiferente ao brinde.
—Então foi Charles quem contratou, por tua ordem, aos homens que me
seguiram em Londres...
Dougald deixou a colher sobre o prato, inapetente.
—É obvio.
—Me montou uma armadilha.
—Logo que as águas voltaram para seu leito no castelo, ordenei a Charles
que retornasse e contratei aos detetives particulares para... te pôr nervosa.
Logo fiz chegar uma oferta de trabalho que sabia te resultaria tentadora.
Era uma armadilha para ver se mordia o anzol.
Dougald apoiou o pé sobre a perna da mesa e a afastou com gesto brusco.
Os pratos se agitaram, as cobertas tilintaram, mas conseguira limpar o espaço
entre ambos, por isso agora podia observá-la sem estorvos.
Observá-la embora estivesse embelezada com aquele modesto traje negro
de trabalho. Sempre gostara de se disfarçar ... de moço aquele dia no trem, de
austera dama de companhia agora. Mas sua beleza sempre saía a reluzir.
Nada podia ocultar sua pele radiante, lisa como a de uma menina, nem a
exuberante juba dourada, nem os lábios que pediam a gritos ser beijados.
E, mais à frente do semblante, a escultural silhueta... não tão arredondada
como no passado, mas cada vez mais sedutora em sua esbelta elegância.
Hannah caminhava, se movia, como sempre fizera. Como se o Todo-
Poderoso a tivesse criado para distração de Dougald e a utilizasse para afastá-
lo do pecado e atraí-lo para o sagrado vínculo do casamento.
E o plano do Todo-Poderoso funcionara quase muito bem, pois quando
Hannah o abandonara levou consigo todos os prazeres e não deixara a não ser
escuridão atrás de si.
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Capítulo 05
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—Digno de risada não, mas fala destas damas como se fossem um aríete
de carga e você um portal assediado durante longo tempo.
Pela primeira vez desde que Dougald afastou o rosto da janela para olhá-
la, Hannah já não lhe temia, se interrogava sobre ele, o observava fixamente;
na realidade, temia que lhe proporcionasse um olhar cheio de ternura, pois não
estava zombando dela nem lhe lançava olhadas desafiantes.
OH, não! Era muito pior que isso!
A olhava como se ela fosse um cervo despreparado e ele um lobo à
espreita. Teria seguido o fio de suas reflexões e teria entrado em suas
lembranças?
Ou talvez recordava outros tempos, tempos de paixão, tempos nos que se
uniram, apesar das brigas e da infelicidade, porque não tinham mais remédio
que obedecer a exigência de seus corpos?
Se tinha se informado sobre a Distinta Academia de Instrutoras, ao menos
saberia as tribulações os desafios aos que teve que enfrentar. Sabia que era
forte e dura, que não era a inocente rapariga que quase chegara a destruir.
Só... só que o modo em que ele a olhava não tinha nada a ver com os
assuntos de negócios, nem com os anos que permaneceram separados, nem
sequer com as mudanças que experimentaram seus corpos e suas mentes.
A olhava e parecia banhá-la no mais puro zelo animal. Dougald projetava
uma enxurrada de lembranças... os fracos gemidos de Hannah, a paixão
desesperada para ele, seus corpos nus na cama, em cima da mesa... no trem.
Qualquer problema que pudesse se interpor entre eles carecia de
importância quando estavam um nos braços do outro.
Então Dougald fechou as pálpebras, como se quisesse ocultar seus
pensamentos, e escorregou graciosamente para trás na cadeira.
—Claro que terá que cuidar das tias. Não acreditará que a trouxe até aqui
para que me faça de esposa... em nenhum dos encargos de uma esposa? -
declarou com uma voz cheia de aborrecimento.
Canalha. Trapaceiro, vagabundo, demônio.
Como se atrevia a desprezar suas conjeturas quando a conduzira a pensar
exatamente isso? Lhe fizera engolir a isca, tentando-a com lembranças, a
levando até onde ele queria vê-la, para demonstrar que Hannah ainda o
desejava.
—Não se divorciará de mim - replicou, de um modo agressivo, talvez
desacertado, mas necessário.
—Não. Não serei eu o primeiro em atrair semelhante desgraça à família
Pippard.
—Então que outro recurso fica?
—Acredito que já sabe a resposta - respondeu, acariciando a suave
madeira esculpida do encosto da cadeira. - Podemos seguir como até agora.
Nunca revelarei a ninguém quem é e não poderei voltar a me casar.
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Capítulo 06
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Hannah.
—Vamos ter que vigiar a esses dois.
Capítulo 07
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—Além disso, Isabel, querida, sabe que decidimos que era um conto
maravilhoso, mas que ele não o fez. - Tia Spring deu uns tapinhas no braço de
Hannah. - Não deve temer que a assassinem em seu leito. Isto é muito seguro
com Dougald ao leme.
Todos os assassinatos ocorreram antes que ele chegasse.
—Os assassinatos? - replicou Hannah com temor.
—Se refere às mortes dos anteriores senhores - informou Dougald.
Com esse gosto latino pelo drama, tia Isabel não fez conta.
—Senhoras, vocês são quem tem decidido que Dougald era inocente, não
eu. Acredito que é maravilhosamente misterioso que tenha matado sua
esposa. Lhe dá um ar ameaçador. As coisas seriam muito aborrecidas aqui sem
um pingo de perigo. - Mudou o tom de ameaçador a evidente. - Além disso,
provavelmente tivesse razão. Deus sabe que eu mesma muitas vezes quis
liquidar ao velho ogro com o que me casei. - E se dirigindo a Hannah
prosseguiu.
—Nunca se case com um homem que a distancie de sua família por que
fará com você o que deseja e ninguém poderá impedir.
—Prometo que não o farei - repôs Hannah.
—Meu velho ogro se divorciou de mim. - Os olhos de Ethel se alagaram de
lágrimas. - Sabe os desgostos e o dinheiro que custa um divórcio? Deve ser
aprovado por lei pelo Parlamento, sabia?
—Isso tinha ouvido - murmurou Hannah.
—Mas pôs tanto empenho em se desembaraçar de mim que o pagou com
muito prazer. - Suas lágrimas secaram e piscou com energia. - Agora está
vivendo com essa senhoritazinha que antes era minha garçonete.
Provavelmente morrerá na cama e a morte não conseguirá apagar o
sorriso do seu rosto.
—Não há maior louco que um velho louco, eu sempre digo - proclamou a
senhorita Minnie ao mesmo tempo que assentia com a cabeça.
—Senhoras, podem estar seguras que nunca sucumbi às tendências
assassinas - Dougald dirigiu um olhar intenso a Hannah, - por muito que a
pessoa com a que esteja tratando o mereça.
—Veem, queridas - tia Spring disse com gosto. - Ele não o fez.
—Vamos, não ia admitir tê-la matado, não é? - exigiu tia Isabel.
Tia Ethel o olhou pensativa.
—Nunca antes o negara e realmente parece um assassino.
As demais damas o negaram a gritos.
Hannah recordou a hilaridade que modelava os traços de Dougald quando
sugeriu que podia matá-la e resolver assim seus problemas.
—Sim, parece - insistiu tia Ethel com teimosia. - E se não, olhem seu gesto
meditabundo. Esteve encerrado em si mesmo desde o dia em que chegou aqui.
Não é que me queixe, que fique claro, Dougald querido.
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Mas Hannah não recordava ter ouvido nada a respeito daquele rubor
nervoso que Dougald lhe provocara com seus olhos verdes como o mar, sua
voz profunda e sua etiqueta relaxada. Sempre menosprezara o tolo palavrório
das meninas, mas não tinha nem ideia de por que sentia aqueles calafrios na
pele, por que acelerava sua respiração nem por que de repente sentia a
deliberada urgência de danificar a perfeita manicure de suas unhas mordendo-
lhe até a raiz.
Não tinha nem a menor ideia.
Não é que Dougald o fizesse de propósito, é que não se dava conta de
quão sedutora sua atenção podia resultar a uma moça que não tinha nenhuma
experiência com os homens. Não podia ser tão porco para seduzi-la
deliberadamente.
Dougald queria se casar com Hannah e a mãe lhe dissera que todos os
homens queriam se casar com mulheres que se mantiveram incólumes ante os
instintos mais vis.
Assim não podia estar interessado em atrair Hannah, utilizando sua
própria curiosidade e ignorância contra ela.
Por que não lhe ocorrera comprar uma manta? Dougald a poderia estar
usando de travesseiro e ela não teria tido que estudar a paisagem com tanta
fruição para despistar seus traidores olhos e evitar que estudassem aquele
peito, esculpido e modelado pelo trabalho e o exercício, e aquelas costas
maravilhosamente largas. Aquele torso nu e moreno era muito tentador para
uma moça que tinha passado a infância e a adolescência privada dos afetos
mais básicos.
Uma moça que, até ha trinta minutos, ria da tentação irresistível.
Por sua própria paz de espírito era melhor não ver aqueles olhos arteiros
que se abriam somente um pouco para comprovar que ela se sentia incômoda
e logo se fechavam com satisfação.
—Que trabalho é esse que quer fazer?
Hannah deu um salto e esfregou as mãos suarentas contra as calças.
—Quero abrir uma boutique - murmurou como resposta.
—O que? Não a ouço. - Dougald estirou o pescoço, tentando captar as
palavras de Hannah.
—Eu disse que quero abrir uma loja de roupas sob medida - gritou,
repentinamente furiosa.
—Ah! - Deixou cair a cabeça para trás e resmungou: - Não precisa gritar.
Não é uma ambição tão espetacular. Como o dizia tão encolhida, pensei que
queria desenhar saias para damas escocesas com o traseiro nu.
—Não há suficiente demanda - soltou, embora um segundo mais tarde se
horrorizou de sua própria resposta.
Dougald sorriu com um atraente e perverso sorriso.
—Teria se você as fizesse.
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gabarão de ir para mim. Tenho habilidade para o desenho e boa cabeça para os
negócios - e concluiu com energia,
—mas não me prostituirei por uma boutique. Já estou em dívida com você.
—Não estou pedindo que se prostitua. Estou pedindo que se case comigo.
- O desespero raspava sua voz como uma lima.
—Não temo o trabalho duro. Sei como viver quase sem nada e abrirei
minha própria loja. Não vejo nenhum motivo para mudar meus princípios por
dinheiro.
Um leve e sinistro sorriso apareceu em um canto de sua expressiva boca.
—Seguro?
Dougald punha Hannah nervosa enquanto examinava seu rosto, seu
queixo tremia com um ataque de precaução tardia, e seus dedos também
tremiam insistentemente.
Dougald olhou seu pescoço, o rubor que desfigurava a pálida pele de seu
seio ali onde a blusa de fio de lã ficava inesperadamente baixa. A observou
muito bem.
—Não quero me casar com você - soltou a queima-roupa.
—Não quer? - voltou a lhe perguntar.
E, paralisando-a com seu olhar sustentado e sem pressa, se sentou.
Estendeu a mão, muito devagar e a agarrou pelos braços. Com cuidado e
lentamente a atraiu para que pudesse se deitar no vão quente que ele acabava
de deixar no algodão, de modo que a cabeça dela descansasse em cima de sua
camisa. Logo muito, muito lentamente deitou com o peito sobre o dela e os
quadris junto aos dela, uma coxa entre as pernas dela e o rosto quase pego a
ela.
—Nunca a beijaram - disse, com a cara tão perto da sua que sentia seu
fôlego enquanto respirava.
Como ocorrera aquilo? Foram aqueles maravilhosos olhos de jade que a
hipnotizavam, a atraíam e a tranquilizavam. Foi seu modo de se mover, seguro
e precavido, sem um movimento súbito que a sobressaltasse.
Nenhum outro homem podia tê-la feito passar de uma posição sentada a
outra deitada, de um furioso desafio a uma furiosa excitação, de uma fúria
entrecortada a uma entrecortada curiosidade.
Tia Spring sacudiu com cuidado o braço de Hannah para captar sua
atenção.
—Querida, você é boa com a agulha? Porque nós, minhas amigas e eu,
temos uma oficina preciosa. A melhor habitação da ala oeste, onde lhe
prometo que não teve lugar nenhuma tragédia.
Hannah não tinha nem ideia a que se referia.
—Isso está muito bem.
—Eu também acredito! E tem muito boa luz.
—O qual é muito importante - disse Hannah.
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—Sim, eu não vejo nada na metade das vezes - repôs tia Spring.
A senhorita Minnie suspirou.
—Isso é porque tem que pôr os óculos.
Os olhos de tia Spring se abriram como pratos.
—Eu não uso óculos.
Ninguém disse nada, então Dougald se inclinou para frente e levantou os
óculos que penduravam de uma corda ao redor do pescoço de tia Spring.
—Aqui estão, tia.
Com uma vaga expressão de surpresa, tia Spring agarrou as alças com
dois dedos.
—OH, obrigado, Dougald! Estive procurando eles por toda parte. - Sorriu a
seu sobrinho. - Já disse quão feliz estou de ter a meu sobrinho aqui por fim?
Hannah caiu na conta de que aquele era o tipo de desorientações que
levara Dougald a procurar uma dama de companhia para sua tia. Tia Spring
não estava louca nem senil, mas era esquecida e talvez caprichosa.
—A verdade, tia, é que me alegro de estar aqui com você. - Se voltando
com graça para Hannah, Dougald a utilizou para distrair a atenção de tia
Spring. - Eu disse às tias que era você uma perita costureira.
Hannah sentiu ressentimento contra ele por utilizar aquela informação
para manipulá-la.
—Sou boa com a agulha, senhora, mas já não desenho roupa - contou a tia
Spring e logo, olhando Dougald com muita intenção, prosseguiu: - Meu
principal critério para a moda é que não uso nada chamativo.
Se a ideia de Hannah vestindo uma roupa simples o desagradou,
dissimulou muito bem com uma deliciosa reverência.
Realmente necessitava que lhe dessem uma lição. Várias lições. Lições
sobre as mulheres, sobre as esposas, sobre o respeito e a filantropia pela
filantropia.
Mas Hannah não se dignaria a ilustrá-lo. Por muito que se orgulhasse de
ensinar o impensável, por muito que a atraísse a imagem de Dougald se
dobrando ante sua sabedoria, sabia que ele era muito obstinado, e não cairia
na tentação de instruí-lo.
—Muito inteligente por sua parte. - Tia Spring cravou seus grandes olhos
castanhos em Hannah. - Agora mesmo uso umas ligas com rendas e me ardem
de um modo atroz. E para que?, se perguntará. Nenhum homem me olhou as
meias em trinta anos.
Uma risada escapou de Hannah.
—Mas não deveria lhe dizer isto, não é? Sou uma solteirona e é meu dever
servir de bom exemplo para vocês as jovens.
—Mas se tiver mentido a respeito de suas ligas, isso tampouco seria um
bom exemplo, querida. - As mãos de tia Ethel revoaram para sua boca. - Mentir
é um pecado.
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Capítulo 08
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Capítulo 09
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a dúvidas que ele tentou conservá-la. Mas na verdade a usaria, tal como seu
pai lhe havia dito que teria que usar a uma mulher, sem amor, sem paixão,
para procriar.
E Hannah, a ardente, impulsiva, entusiasta Hannah, a garota que sonhara
pertencer a uma família... essa Hannah se sentiria muito desgraçada.
Tão desgraçada como ele fora durante os últimos nove anos.
Não podia esperar.
Se enfureceu tão quando, aos seis meses de se casar, Hannah fugiu dele.
Fugiu dele como se fosse uma espécie de monstro. Conhecia homens que eram
piores maridos do que ele jamais chegaria a ser.
Homens que negligenciavam suas esposas, que gritavam com elas, que
lhes batiam. E ele, que fora bom com aquela mocinha, se converteu no bobo
de seus colegas empresários. Logo... logo o acusaram de tê-la assassinado.
Que ressentimento lhe produziu! Essa estúpida donzela dela apregoou que
brigaram antes que Hannah desaparecesse.
Claro que brigaram, e o que? Ele nunca a teria matado. Nunca lhe teria
feito dano, nem teria posto a mão em cima dela em um arrebatamento de ira,
por muito que ela tivesse posto a prova sua paciência.
E depois, sempre a punha a prova o chamando mentiroso, exigindo que
cumprisse suas promessas. Como se ele fosse permitir que sua esposa
trabalhasse! Lançou-lhe uma diatribe6 quando pensou nas falações que isso
levantaria.
Agora sabia que havia coisas piores que as falações.
O caminho serpenteava para o Presham Crossing e mais à frente, para o
mar, e ele o seguia como sempre fazia nas noites em que as lembranças e a
frustração o tiravam da cama.
Nunca pensou que viveria sob a sombra da suspeita durante tanto tempo.
Pensou que encontrariam facilmente à menina com a que se casou e só temeu
que lhe fizessem algum dano ou que, em sua inocência, se aproveitassem dela.
Mas em lugar disso, se desvaneceu. Qualquer rastro dela se desvaneceu,
salvo uma única carta.
Esteve muito preocupado. Procurou por toda parte. Contratou detetives e
foi às nuvens contra Charles. Nem o menor rastro dela até... até que chegou
aquele cheque.
Naquela época estava tão acostumado a que seus criados e seus colegas
tivessem medo dele que já não se importava. Se converteu em um solitário
contumaz, frio e disciplinado, em um homem como seu pai.
Sobretudo se deu conta da necessidade de montar uma armadilha com
muita sutileza. Temia que Hannah saísse correndo, que descobrisse suas
verdadeiras intenções, pois se a moça sem um tostão nem um amigo fugira
dele, que não faria a mulher já adulta?
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Discurso ou escrito violento contra pessoas ou coisas
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Tinha contatos. Dougald sabia tudo a respeito deles. Sabia que a rainha
Vitória concedeu seu favor à Distinta Academia de Instrutoras.
Sabia tudo a respeito de seus amigos, tudo a respeito de sua situação
financeira, o nome de sua costureira e o número de seus sapatos. Porque
queria vingança.
Não porque a quisesse. Já não lhe tinha carinho. Não como marido, nem
como amante, não; o tempo e a distância tinham obtido seu objetivo.
Compreendeu isso quando recebeu seu dinheiro. Olhou o cheque e se deu
conta que chegara o momento.
O momento que esperara tantos anos. O momento em que ela se pôs em
suas mãos. E manteve a calma sem que nada o fizesse explodir, sem que a
paixão corresse por suas veias. Manteve a calma, a calma mais absoluta.
Salvo a noite. Salvo em sonhos. Salvo quando seus pensamentos o
tiravam da cama e o obrigavam a cavalgar sem descanso, como estava
fazendo essa noite.
Maldita mulher! Não se dava conta que agora tocava a ele se vingar dela?
A ele, não a ela.
Não tinha direito de beijá-lo, de atormentá-lo com a fragrância de seu
sinuoso corpo, o brilho de seu cabelo claro e dourado, a exigência de seus
acetinados lábios. Era ele quem tinha direito a atormentá-la.
Mas o conseguira?
Tinha-a em um punho, isso sabia. Não podia ir embora. Fizesse o que
fizesse, não podia ir. Não até que descobrisse a verdade sobre si mesma, sobre
sua procedência e sobre sua gente.
Esteve procurando aquela informação toda sua vida e ele tinha o poder de
dar-lhe.
Mas não o faria, ainda não. Não até que ele tivesse obtido o que queria
dela.
E o que queria era vingança.
Sem dúvida ela a devia.
Ao notar Dougald abstraído, o corcel mordeu o arreio. Dougald puxou as
rédeas, controlando-o com os joelhos e as mãos enluvadas. As pessoas da
propriedade esperavam que o senhor de Raeburn cavalgasse como um
centauro enlouquecido e não ia decepcioná-los. Na realidade, suspeitava que já
superara suas expectativas, graças a Deus. Já tiveram muitos sustos quando o
último senhor caiu pela escada e o penúltimo foi achado no fundo de um
escarpado marinho.
Pobres tipos! Nenhum dos dois pôde deixar o álcool.
Em qualquer caso, um mero cavalo não podia desafiar a autoridade de
Dougald; durante nove longos anos ninguém desafiara sua autoridade.
Dougald levantou sombriamente o olhar para o aveludado céu negro.
Todo mundo o conhecia como o homem que assassinara sua esposa,
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assim nunca lhe diriam que não, por medo que lhes proporcionasse o mesmo
trato.
Hannah era a única que não se enrugava ante ele. E motivos não lhe
teriam faltado se tivesse se precavido da escrupulosidade com a que tramara
as represálias, do esmero com o que planejara a vingança, e do modo em que
os anos gelaram sua raiva.
Em lugar disso, o beijara.
Sentiu uma tensão na entreperna só de pensar. Depois do inferno pelo que
o fizera passar, se atrevia a lhe beijar.
Dougald tinha vontade de gritar a voz em pescoço, mas esse já não era
seu estilo. Em lugar disso, deu rédea solta ao cavalo e galoparam pelo tortuoso
caminho que conduzia ao mar.
O ar clareou sua cabeça, o exercício fez que o sangue fluísse com brio por
suas veias, mas os demônios que o guiaram durante tantos anos viajavam com
ele. Sempre estavam com ele.
Quando coroou a colina que sobressaía sobre o Atlântico pôs o cavalo a
passo, cavalgou pelo atalho que serpenteava entre as rochas da praia e logo
voltou a subir até se internar entre prados e árvores balançadas pelo vento.
Em sua juventude, os demônios o dominaram. Em todos aqueles anos
aprendera a combatê-los. Bebera, frequentara rameiras, quase morrera.
Mas não foi ele quem morreu, a não ser seu pai.
Dougald nunca voltara a se permitir liberar a seus demônios.
Entretanto, aquela noite Hannah, com seus seios turgentes, sua figura
erguida e atitude provocadora, ameaçava deixá-los soltos. Maldita mulher!, se
supunha que não devia acontecer daquele modo.
Sua avó a escolhera, disse a Dougald que seria uma boa esposa e ele
acreditou. Hannah não era mais que uma menina então.
Que mais dava a ele, se ao mesmo tempo estava tentando aprender o
negócio de seu pai e o proteger de seus rivais que o teriam arrebatado?
Quando Hannah teve idade de merecer, já se acostumara à ideia. Não via
nada mau no acerto e, na realidade, gostava da ideia de ter uma esposa que
não requeresse mais resposta dele que a indiferença.
Pensou, louco dele, que Hannah entenderia as vantagens da união e a
aceitaria com submissão.
Em lugar disso lhe expôs um desafio.
Meu deus!, algum dia poderia esquecer a primeira vez que fugiu dele?
Ainda melhor foi o que ocorreu depois...
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The Governess Brides 03
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vez, pois não podia afastar a mente do urgente impulso de penetrá-la. Maldita
mulher!, não sabia o que lhe estava fazendo com sua encantadora inépcia?
Não, claro que não sabia.
Ela notou o que suas mãos impacientes conseguiram. Tentou voltá-lo para
rechaçar de um empurrão. E de novo rompeu o contato de repente, se
comportando como se o mero fato de tocar sua pele nua a queimasse.
Ele esperava que ardessem juntos.
Olhando aos olhos castanhos e delicados fez o que pôde para hipnotizá-la
com voz amável.
—Eu gostaria que me tocasse. Sua carícia é um prazer. Me acaricie e me
porei a ronronar... me toque como eu toco a você.
Abriu-lhe a camisa mostrando-a ao ar e à luz do sol, e viu pela primeira
vez seus seios perfeitos.
Ela tentou sair correndo, mas ele não podia permitir. Naquele instante já
não. Passando uma perna por cima dela, imobilizou-a enquanto a olhava. Não
podia deixar de olhá-la. Deus santo, que seios!
Nasciam em seu torso como suaves e cremosos montículos, pálidos,
deliciosos... dele. Acariciou levemente a ponta do mamilo com a ponta de um
dedo.
Com um esforço feroz e desesperado, Hannah levantou as mãos para
contê-lo.
—Alguém pode nos ver!
—Não. - Ele deixou que o segurasse. - Olhe. Estamos atravessando Chat
Moss. Não há ninguém.
Era certo. Estavam passando pelo vasto pântano de turfa que tantos
problemas causara aos engenheiros da ferrovia, e tudo o que alcançava a vista
eram arbustos, moitas e uma árvore de vez em quando que se deleitava na
umidade.
—Estamos a salvo. - A agarrou pelos pulsos. - Agora observa, observa.
Se colocou em cima dela e começou a descer. Primeiro entrou em contato
com os mamilos de Hannah, que aninharam no crespo pelo que lhe cobria os
peitorais. Seu coração dava tombos de excitação. Desejava enrolá-la, sem lhe
dar nenhuma oportunidade... queria se fundir com ela, tomá-la naquele mesmo
instante. Sua mente o animava a fazê-lo.
Então se sacudiu quando os estômagos se juntaram apertadamente e
lutou contra todo aquele instinto feroz e masculino enquanto lentamente
aplanava os seios dela com seu peito.
Enrolá-la, sim. Não lhe dar nenhuma oportunidade, começar aquela
relação tal como queria que prosseguisse, sim. Mas não podia assustá-la nem
lhe fazer mal e, pela expressão de seu rosto, Hannah estava assustada.
Soltou as mãos dela e elas começaram a empurrar sem conseguir seu
propósito. Empurrou e empurrou até que ele a abraçou e acariciou seu cabelo
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The Governess Brides 03
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Capítulo 10
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azuis emoldurados por longas pestanas que conseguia lhe imprimir uma
melancolia que teria sido o orgulho de Byron. Por desgraça não tinha a
cabeleira de Byron. Pelo contrário, o cabelo castanho crescia comprido sobre
um lado e alguém, provavelmente seu avantajado ajudante de quarto, o
penteara por cima da cabeça para tampar uma clareira na qual apareciam
partes de pálida pele entre as mechas condensadas.
Hannah fingiu não se dar conta.
—Você? vive aqui?
—Sim. - Hannah inspecionou a rosa que ainda segurava nas mãos e
percebeu que não a escolhera por sua beleza, mas sim porque combinava com
o fio amarelo de seu colete xadrez.
—Quando não estou em Londres, faço do castelo Raeburn meu lar.
—Peço desculpas por minha ignorância, senhor - sorriu Hannah.
Cada vez era mais consciente das vicissitudes que afligiam Dougald em
sua nova situação. Embora temia que seus sentimentos a condenassem, se
deleitava na calamidade de Dougald. Sempre fora tão ambicioso, ele e sua
família; ao herdar aquele patrimônio deve ter acreditado que conseguira todas
as suas metas, mas entre as anciãs damas, o herdeiro e sua própria esposa,
sem dúvida a herança o engasgara.
Dougald não podia nem imaginar, mas ela sim. E de fato assim o
imaginara mais de uma vez em seus melhores sonhos.
—Temo que ninguém me explicou que você residia aqui.
—Se me permitir a ousadia de me apresentar a mim mesmo: sou Seaton
Brackner, barão Onslow, filho do irmão mais novo do décimo segundo conde e
primo em quinto grau do atual lorde Raeburn.
Ela fez uma reverência.
—Senhorita Hannah Setterington, senhor. Vim ser dama de companhia da
tia de sua senhoria, que deve ser também a sua, presumo.
—Então a informação é certa. - Voltou a se inclinar ante ela e lhe estendeu
a rosa. - A mais bela das damas veio morar aqui.
Hannah aceitou solenemente a flor.
—Você me adula, senhor, mas sou muito prudente para deixar que me
faça perder a cabeça. Considerarei que seu interesse se deve só ao
aborrecimento de um londrino em suas atuais circunstâncias rurais.
—Suas palavras são desencorajadoras, - ofereceu-lhe o braço e ela posou
a mão em sua manga.
—Em troca você me resultou cativante, mas acredito que nunca se olhe ao
espelho ou se convenceria que minha adulação é sincera.
Hannah retificou seu primeiro julgamento. O senhor Onslow não era um
completo almofadinha, a não ser um resplandecente urbanita que sofria o
aborrecimento do campo, provavelmente devido a motivos econômicos.
Também era, decidiu ela, sua maior fonte de distração naquela situação
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insustentável.
—Aonde me leva, senhor?
—Meu primeiro pensamento foi ir para a sala do café da manhã, mas se o
prefere, bela dama, mandarei trazer meu corcel, a levantarei sobre a sela de
montar e a levarei longe do tédio da vida comum.
Hannah lhe olhou a calvície e ao vê-la claramente, pensou que a
possibilidade que ele a levantasse a algum lugar parecia bastante improvável.
—A sala do café da manhã parece tentadora - embora Dougald sem
dúvida rondaria por ali.
Sir Onslow respirou pesadamente.
—Como tantas outras jovens damas, você carece de imaginação.
—Não é que careça de imaginação, é que possuo uma forte praticidade.
E seguro que se se inteirava de que tentava fugir do castelo Raeburn,
Dougald a caçaria rapidamente. Não queria implicar nenhum homem em uma
disputa entre ela e seu marido; alguém poderia sair maltratado e esse alguém
nunca seria Dougald.
Ela e sir Onslow cruzaram a longa e ampla galeria que discorria da escada
para o grande salão.
—Então conheceu às tias. Ou deveria dizer? a tia Spring e suas
companheiras. Pelo modo em que me repreendem, também poderiam ser
minhas tias.
Seu abatimento a fez sorrir.
—As conheci ontem à noite.
—E o que opina?
—São umas damas encantadoras e estou segura que será um prazer
cuidar de tia Spring.
—Que discreta é você! - Parecia desconsoladamente contrariado, mas se
alegrou. - Sempre acredito que as tias são como uma pequena matilha de
terriers, dando voltas e mordiscando, saltando e reclamando atenção.
Hannah reprimiu um sorriso.
—Não são uma matilha, senhor. Têm personalidades muito diferentes.
—Sim, claro! Personalidades muito diferentes, mas consideradas em
conjunto são umas intrometidas, sentenciosas, benévolas sabichonas.
—Parece amargurado.
—Absolutamente. Eu também as adoro. E quem não? - Soltou um suspiro
teatralmente longo. - Eu só gostaria que tivessem um pingo de maturidade
entre todas elas!
Pelo que pudera observar a noite anterior, não tinha mais remédio que
estar de acordo com ele, as tias diziam o que pensavam e o que pensavam
com frequência não se podia repetir em voz alta.
Seus comentários sobre ela e Dougald foram críticos, e sua intuição ainda
mais. Na noite anterior se alegrou de deixar Dougald e se sentar com as tias
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em sua salinha, onde ria e assentia enquanto conversavam, e ao final teve que
alegar que estava exausta para que a senhora Trenchard pudesse acompanhá-
la até sua apertada, fria e pobre habitação.
Dormiu muito mal e sonhou com Dougald.
O corredor parecia muito diferente durante o dia com a luz do sol que
entrava por uma fileira de janelas que se abriam a um dos lados. Hannah não
vira as janelas na noite anterior, nem tampouco compreendia por que o castelo
se rendia para dentro para permitir janelas em semelhante lugar, mas todos os
edifícios antigos que visitara tinham alguma excentricidade.
—O castelo Raeburn é um lugar interessante - observou.
—Um maldito e velho montão de pedras - repôs sir Onslow. - Mas é nosso
montão de pedras e o amamos.
—Vejo que lorde Raeburn está fazendo reformas - comentou apontando a
porta apoiada contra a parede e o rumor das vozes dos trabalhadores.
—Lorde Raeburn é um bárbaro sem nenhum sentido da história - disse sir
Onslow com desdém . - E o que é pior, não arrumará meus aposentos até que
não tenha acabado com os seus.
Mas que se pode esperar de um bruto que matou sua esposa? - A
observou com atenção esperando ver sua reação.
Hannah era consciente do forte desejo que sentia de esbofeteá-lo. Em
lugar disso, se deteve e se armou de seu mais firme e desaprovador olhar de
instrutora.
—Você sabe ou está difundindo rumores sem fundamento?
—São rumores, é obvio! - Era óbvio que sir Onslow não sentia o mínimo
arrependimento. Minha querida senhorita Setterington, sou desses homens aos
que alguém convida para jantar para comentar os rumores.
Um homem de minha posição ou sabe contar anedotas e intrigas ou não o
quer ninguém.
—Ah! - A desaprovação de Hannah cedeu um pouco.
Tinha toda a razão. Quando assistia a um jantar, ela preferia se sentar ao
lado de um homem assim e não ao lado de um daqueles cavalheiros
eternamente aborrecidos e imensamente circunspetos que lorde Ruskin
considerara aceitáveis para uma dama solteira.
Bom. Já não teria que se preocupar nunca mais por isso.
—Não obstante, senhor, me parece muito descortês por sua parte o fato
que se beneficie da hospitalidade de lorde Raeburn e o difame de uma maneira
tão maliciosa.
Sir Onslow sorriu e se poliu.
—Fiz a Dougald um grande favor. Antes que chegasse aqui só uma
pequena porção da Inglaterra conhecia sua história: que era um rufião em sua
juventude, que escapou de sua casa porque seu pai o odiava, que vagava sem
rumo pelas ruas para pegar e roubar.
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—A senhora Trenchard?
—Sim, vem de uma antiga família de criados devotos. A mãe de tia Spring
morreu de parto, assim contrataram à mãe da senhora Trenchard como ama de
leite e nunca mais se foi. Até o dia de sua morte esteve ao lado de tia Spring, a
protegendo de algo desagradável que pudesse aparecer em sua vida, e educou
à senhora Trenchard para que fizesse o mesmo. É muito raro ver as duas, a tia
Spring tão feliz todo o tempo e à séria senhora Trenchard correndo atrás dela
para comprovar que se encontra bem a menor oportunidade.
Aquilo explicava o interrogatório da noite anterior.
—Então me trouxeram para substituir à senhora Trenchard?
—Em certo modo podíamos dizer assim. Ela é também a governanta, mas
não abandonará facilmente suas responsabilidades.
A senhorita Minnie ao que parece decidiu que já conversaram bastante em
voz baixa, pois dirigiu a ambos um olhar implacável.
—A comida está aqui. Você sirva a si mesma, senhorita Setterington.
Deixemos de cerimônias pela manhã - disse com voz ensurdecedora.
—Obrigado, senhora. Acabo de me dar conta que a viagem me tem aberto
o apetite.
Hannah foi ao aparador e observou tal variedade de comida que se
alegrou muito. Em nenhum lugar se comia melhor que em uma casa da
campina inglesa, e sem dúvida ia dar boa conta daquele banquete, sobretudo
quando Dougald não estava presente.
Sir Onslow a seguiu e esfregou as mãos ante a expectativa. Aquilo e o
brilho de seus olhos ao contemplar o montão de bolinhos recém feitos
explicavam a curva de seu estômago, que desafinava com a lisa silhueta de
sua sobrecasaca.
Com um garfo de servir, Hannah começou a se servir salsichas no prato.
—Se esta jovenzinha se propõe flertar com todos os cavalheiros do
castelo, muito em breve lhe encontraremos marido - declarou tia Ethel em uma
voz doce e insinuante.
Hannah esqueceu a salsicha e o garfo golpeou contra a porcelana com um
estalo.
—Querida, esteve flertando com Seaton? - opinou tia Spring.
Hannah não podia olhar para sir Onslow.
—Mas se estava beijando Dougald.
—Já? - sir Onslow parecia encantado, o fofoqueiro tinha uma nova intriga.
Hannah simulou não ouvi-lo. Ele era o menor de seus problemas.
A senhora Trenchard lhe dirigiu um olhar escandalizado e fez um gesto aos
criados, que começaram a tossir, para que abandonassem a sala de jantar.
Casamenteiras. As tias eram umas casamenteiras. Na experiência de
Hannah os casamenteiros eram um problema, pois manipulavam suas vítimas
até que conseguiam seu objetivo: o casamento entre dois inocentes.
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Capítulo 11
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outras partes da Europa, e em outros países como Canadá, Estados Unidos, Porto Rico, Brasil e
Austrália.
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Hannah endireitou as costas. Dougald era bom com os punhos. Ele mesmo
contou e ela o vira se pavonear transbordante de orgulho depois daquela briga.
Como fizera para sair tão maltratado?
O olhou com um pouco menos de aquecimento e um pouco mais de senso
comum.
Mas deliberadamente não ele prestou a menor atenção a ela. Coxeando
até a cadeira com braços, alta e lavrada, que estava na cabeceira da mesa, se
sentou com extremado cuidado como se lhe doesse muito.
—Não poderia estar melhor. - Desafiou com o olhar a qualquer um que o
refutasse.
Mas tia Spring pareceu não perceber.
—Por que brigou, Dougald? Nunca antes tinha brigado - insistiu tia Spring.
—Caí do cavalo - repetiu Dougald depois de sacudir o guardanapo.
—Brigou com seu cavalo? - brincou tia Isabel.
Dougald não lhe devolveu o sorriso. Certamente não podia fazê-lo com
aquele lábio partido. Hannah se serviu outro tenro pãozinho (como pensava
comer tanto?), e se dirigia a seu assento quando a senhora Trenchard
retornou, com as mãos cheias, quase correndo.
Charles fez gesto de se adiantar, mas a senhorita Minnie bramou:
—Dê as ataduras à senhorita Setterington. Veremos se sabe o bastante de
enfermaria para cuidar de nossa querida tia Spring.
—Eu não brigo a murros - objetou tia Spring.
—Mademoiselle Minnie, eu já me ofereci para curar as feridas do amo, e se
negou rotundamente. De modo que se ele - começou Charles.
Hannah não esperou para ouvir como acabava aquela discussão mas sim
avançou para Dougald com confiança arduamente ganha e com um prato de
comida.
Era uma enfermeira competente e seus dedos ansiavam curar Dougald em
mais de um sentido. O agarrou pelo braço.
—Vamos ao refeitório pequeno.
Dougald ficou olhando a mão com a que ela o pegava pelo braço.
—Senhorita Setterington, você é uma presunçosa.
Hannah o soltou.
—Muito bem.
Deu-lhe as costas e cruzou os braços, sabendo à perfeição o que estava a
ponto de ocorrer.
—Dougald, querido, parece um bárbaro. - Tia Spring parecia afligida.
—Não é algo agradável de ver na mesa do café da manhã - disse tia Isabel
em tom de recriminação.
Tia Ethel tampou os olhos com a mão.
—Enjoo se vir sangue.
Hannah ouviu a respiração pesada de Dougald e sorriu. Como gostava de
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Dougald.
Tia Spring correu para ele.
—Então, o que posso fazer por você?
—Não me disse que conhecia a família Burroughs? - perguntou ele em
uma voz tão exagerada como a de um ator ambulante.
O nome não significava nada para Hannah, que deu um puxão na saia com
a intenção de se liberar.
Tia Spring piscou ante aquele jogo de tira e afrouxa.
—Claro que sim, querido. Ao que resta deles: só o velho casal e é uma
lástima. - Se voltou para a senhorita Minnie, para tia Isabel e tia Ethel, quem,
guiadas pela curiosidade, a seguiram.
—Dougald está perguntando pelos Burroughs.
—Os conhecemos - troou a tia Isabel. - São um casal agradável, mas muito
estirados.
—Estirados? - perguntou a senhorita Minnie com desdém. - Estão muito
cheio de si mesmos.
Como não era homem que perdesse uma conversação assim, sir Onslow
apareceu atrás delas.
—Sim, senhora, mas a família leva na região desde a época dos Tudor. Se
diria que têm todo o direito do mundo a estar cheios de si mesmos.
—Bom, agora se extinguirão - declarou tia Isabel. - Não têm a ninguém.
Dougald retorceu a saia de Hannah em seu punho enfaixado.
—Disse que perderam seu filho quando estava na flor da idade, pouco
depois que lhe negasse a permissão para se casar com uma tal senhorita
Carola Thomlinson?
Hannah deixou de puxar tão de repente que se precipitou para Dougald,
mas recuperou o equilíbrio justo antes de cair sobre seu colo e deu meia volta
para o encarar.
Sentado em uma cadeira como se se tratasse de um trono, sombrio e
severo, estava o homem que conhecia seus segredos. O homem que sabia que
teclas devia pulsar nela. O homem que conhecia o nome de sua mãe e sabia o
desesperadamente que Hannah desejava descobrir que família deixara. O
homem que estava seguro que iria a Lancashire e ficaria, apesar do que ele
fizesse ou dissesse, para ter a oportunidade de conhecer seus avós.
Certamente ele era quem dirigira sutilmente suas indagações para o lugar
correto.
Não era de estranhar que estivesse tão crédulo.
—Burroughs. - Provou como soava o nome. Burroughs. O sobrenome de
seu pai. Não sabia. Sua mãe nunca disse. Ela perguntara, mas as pesquisas
causavam tal dor em sua mãe que preferira esperar, e esperou até que foi
muito tarde e sua mãe já não pôde dizer.
Agora Dougald sabia o nome de seus avós, dos pais de seus pais. Se
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voltou para tia Spring, incapaz de reprimir esse tipo de desespero que só um
órfão compreenderia.
—Poderia? me diria onde vivem?
Tia Spring lhe sorriu.
—Os conhece, querida?
—Não. Não, mas?
—Amigos da família, sem dúvida - comentou tia Ethel.
—Sim.
Hannah olhou a seu redor para descobrir que era o alvo de todos os
olhares. Não tinha reparado nisso, em que teria que se explicar ante todos. Por
que teria que fazê-lo?
Imaginara que poderia fazer discretas averiguações ao longo de um
dilatado período de tempo. Não pensara que Dougald estaria no castelo
Raeburn, fazendo impossível sua estadia ali, fazendo impossível sua fuga.
—Suponho que poderia se dizer assim, embora tenham passado muitos
anos? certamente não me conhecerão.
—Tenho uma ideia, tia Spring. Por que não os convida a nos fazer uma
visita dentro de, digamos, um mês?
Até então a senhorita Setterington já estará assentada em seu posto e
saberemos mais a respeito dela e sua relação com os Burroughs - disse
Dougald em um tom que transmitia uma falsa e cordial surpresa.
Tia Spring aplaudiu.
—Uma ideia genial, Dougald! Escreverei-lhes imediatamente.
—Mantém a presença da senhorita Setterington em segredo, será uma
surpresa - a instruiu. - Não queremos apresentá-la tão cedo.
—Seria maravilhoso ver suas caras - esteve de acordo tia Spring. Isso seria
aceitável para você, senhorita Setterington?
Hannah olhou o rosto de tia Spring, ardente ante a expectativa. Olhou às
tias, alegres e em espera de sua decisão. Observou sir Onslow que a sua vez a
observava. Contemplou Charles e à senhora Trenchard, que olhavam a cena tal
como fazem todos os criados entregues, tentando predizer o curso de seu
futuro pelas palavras de seus amos.
E olhou fixamente para Dougald, petulante, satisfeito, espancado mas
irredutível e como sempre, vitorioso.
—Eu gostaria muito, tia Spring. Isso eu gostaria muito - repôs, se dobrando
ante o inevitável.
Capítulo 12
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Hannah sair da sala de jantar rodeada das damas anciãs que acolhera sob sua
asa e se pôs a rir baixinho, com amargura.
Pouco depois que Hannah o abandonasse, começou a investigar sobre a
identidade de seus avós. Imaginara que lhe oferecia esta averiguação como
um presente, um presente que demonstraria que fizera o correto ao retornar
com ele. Mas ela nunca retornou e agora ele tinha aquela informação em um
punho, como um miserável. Teria que lhe pagar por aqueles dados. Lhe pagar
do modo que ele escolhesse.
Era vagamente consciente que Seaton tomava posições para se sentar a
sua direita, mas não prestava atenção a ele. Que Seaton falasse primeiro.
Dougald escutaria o que tinha a dizer.
Ao fim e ao cabo, raciocinou Dougald, Seaton matara ao menos a dois
duques de Raeburn e estava tentando matar a outro.
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Capítulo 13
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no lugar se falava das mortes dos jovens filhos do nobre; definitivamente foi
um acidente, senhor, a menos que o assassino conseguisse provocar uma
tormenta no mar.
Dougald assentiu. Ouvira o bastante para que a explicação o convencesse.
—Ouvi que o velho senhor estava morrendo, devido a sua avançada idade
mais que a nenhuma outra causa humana, e naturalmente eu conhecia a
relação que você tinha com o título.
Dougald olhava fixamente para Charles.
—Eu mal estava informado naquela época. Como soube?
—Seu pai.
—Claro, meu pai.
Charles não teve que dizer uma palavra mais. Dougald recordava muito
bem o ambicioso empenho de seu pai por conseguir nobreza, respeitabilidade
e riqueza. Tudo isso em nome da família Pippard.
Tudo para que continuasse a glória da estirpe. E ele se tornou como seu
pai.
Dougald fechou os olhos por um momento e pensou em Hannah, atrás da
porta, sentada, passeando ou o amaldiçoando. Seria a mãe de seu filho, a
portadora da ininterrupta glória dos Pippard.
Esperava que apreciasse a honra que fazia a ela, pois se asseguraria de
que obtivesse uma pequena e chata gratificação por sua posição como esposa
do senhor.
—Retornei periodicamente - disse Charles.
—Por quê?
—Eu gostava destas paragens e aqueles dias em que você amavelmente
me deu umas férias, retornei a este lugar.
Dougald o olhou. Não era certo, claro está. Charles nunca ia de férias sem
mais propósito. Voltara para Lancashire para velar por seu título, esperando,
contra todo prognóstico, que o destino favorecesse a seu senhor. Como de fato
ocorrera.
—Se o que tiver descoberto é certo, senhor, então devo aceitar que os
dois senhores anteriores foram assassinados com um propósito deliberado -
Charles disse rapidamente, afastando o olhar do de Dougald.
—O empurraram pela escada. O jogaram do escarpado?
Se Dougald não tivesse conhecido Charles tão bem, teria dito que ele era
o assassino. Ao fim e ao cabo, Charles não via nada mau em servir à família
Pippard em tudo o que pudesse, e talvez imaginasse que herdar o título
atenuaria o aborrecimento que sentia por sua causa. Mas Charles nunca teria
matado Dougald, embora só fosse pelo fato que sua própria sorte se veria
arrastada pela de seu amo.
Dougald olhou os dedos. Ainda tinha a articulação do polegar ligeiramente
torcida e lhe doía ao dobrá-lo. "Será uma fratura - pensou - ou um entorse."
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Mostrava um arroxeado, embora cada dia mais esvaído, da maçã do rosto até a
testa, e gostava de ter o tornozelo elevado. Nunca o sacudiram tanto e, se não
fosse por sua experiência nas brigas de ruas, não teria conseguido escapar.
Mesmo assim, deixou a dois homens inconscientes e a outro com um
braço quebrado. Retornou correndo ao castelo Raeburn com toda a urgência
que foi possível, e com a esperança de enviar a alguém atrás deles, mas só o
louco do Alfred estava acordado e se negou a deixar Dougald entrar. O
estúpido bêbado esteve propagando a voz em grito a maldição da família e a
volta do fantasma, e a gritaria despertara até à senhora Trenchard. Claro que
ela arrumara tudo com precisão, lhe prestara os primeiros socorros, mandara
chamar Charles e enviado alguns homens em busca dos assaltantes de
Dougald.
Os atacantes se foram e não ficava nenhum rastro deles pelos arredores.
Maldição! Maldição! Se Dougald tivesse conseguido capturar somente a
um deles, teria descoberto quem estava atrás daquela infame intriga e estaria
pendurado de uma corda antes que acabasse o ano.
—Quem você acredita que está fazendo isto?
Charles agachou a cabeça.
—Sou um miserável fracasso, senhor, não sou digno de limpar seus
sapatos.
—Sim, sim, mas é o agente mais inteligente que trabalha para mim.
—Não fui capaz de descobrir a seu assaltante nem ao dos anteriores
senhores.
—Seaton - pronunciou Dougald. - Esse almofadinha escorregadio é o único
que tem um motivo.
Charles torceu a boca para um lado, logo para o outro; estava procurando
a maneira de não ofendê-lo.
—Com o devido respeito, senhor, para seu intelecto superior e sua vasta
experiência em julgar a seus compatriotas: não acredito que sir Onslow tenha
estômago para isso, senhor.
Dougald ofendia Charles a três por quatro, mas naquele caso foi quase
delicado.
—Por isso contratou valentões para fazerem o trabalho sujo. É um trabalho
feio.
—A fofoca não faz ao assassino.
Dougald observou seu criado.
—Aonde quer ir parar?
—Já sabe quão falsas resultam as acusações sobre supostos assassinatos.
Você mesmo se viu preso em semelhante injustiça. - Charles se ergueu para
frente com as mãos crispadas.
—Pense, senhor, como sir Onslow desfruta com os relatos que rodeiam a
seu supostos crimes. Pense no abertamente que corteja a madame, mesmo
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The Governess Brides 03
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Setterington.
—Mas, senhor?
—Nenhuma palavra.
Dougald retornou ao trabalho.
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—Pelo amor de Deus, Hannah, tem que seguir falando dessa loja de
modas? Estou cansado de ouvir suas queixas.
—Não estou me queixando. Estou recordando sua promessa.
—Se esqueça da promessa! Acaso não te dou tudo o que necessita? Não
tem criados para satisfazer seus mínimos desejos? Não se veste com as
melhores roupas?
Hannah quase degustava seu desespero.
—Sim, sim, mas não é isso o que quero. Ao menos diga a Charles que me
deixe governar meu próprio lar. Não tenho nada a fazer!
—Não seja tola. A maioria das mulheres estariam felizes de viver como
você vive. - Dougald lhe franziu o cenho. - Deveria deixar de se queixar de
Charles e aprender a se dar bem com ele.
É meu criado de confiança e não vou despedi-lo pelos caprichos de uma
moça.
—Não confia em mim tanto como nele.
—Querida, não seja tola. - Dougald a atraiu para ele e a beijou na testa. -
Você é minha esposa.
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Não só o via durante as refeições, mas sim precisava ser educada com ele.
Precisava simular respeitar sua posição de senhor de Raeburn e não se mofar
quando pedia um relatório diário de suas atividades.
Precisava lhe falar de maneira cortês, e se aproveitava a oportunidade
para insinuar que deveria lhe ajudar a estabelecer corretamente suas
obrigações, também ele aproveitava a oportunidade para insinuar que falaria
com ela quando estivesse preparado e se encontrasse bem.
Precisava suportar o modo em que a olhava. A observava todo o tempo
com seus infatigáveis olhos verdes. A escutava quando falava. Se convertia em
um incômodo geral com seus cuidados inarticuladas que, ela sabia, tinham
como objetivo pôr sua crítica em evidência. Se pudesse falar livremente, sem
que nem as tias nem Seaton andassem por aí aguçando alegremente o ouvido,
então diria a ele que a importavam um cominho seus cuidados e que podia
abandonar a tentativa de torná-la apreensiva porque não ia dar certo.
Dougald e Hannah estavam pondo em cena uma dança, uma em que ela o
perseguia e ele a evitava e, maldito seja!, ela não queria persegui-lo.
Afetada uma vez mais pela injustiça da situação, se afundou no banco da
primeira fila e olhou para frente. Acaso o Dougald com o que se casou deixara
de existir? Existira alguma vez ou fora um produto de sua imaginação? Pois ela
não reconhecia a aquele difícil e perturbador senhor que poucas vezes se
incomodava em ocultar as escuras curvas de sua alma.
Se acabassem de apresenta-los, se não soubesse a verdade, seria fácil
acreditar que matara sua esposa.
Talvez fosse melhor ser prudente quando falasse com ele.
Devia existir uma solução para aquela situação. Talvez a poderia achar na
capela. Pois durante seiscentos anos o altar fora o coração do castelo. Os
degraus estavam gastos pelas pegadas de centenas de pés que se
aproximavam para receber a comunhão. O próprio altar era feito de carvalho e
se limpava e encerava diligentemente para que a nervura de ouro puro
seguisse brilhando e uma toalha branca imaculada, engomada e bordada
pendurasse de seus extremos.
Aquela capela vira nascimentos e mortes, ouvido preces e maldições, e
dentro de seus muros se celebraram incontáveis batismos e oficiado
incontáveis funerais. Ao lado daqueles acontecimentos vitais, a atual
adversidade de Hannah não tinha comparação, mas ainda assim baixou a
cabeça e pediu que a guiassem.
Quando voltou a levanta-la, olhou ansiosa a seu redor esperando ver ante
ela uma solução celestial. Em troca observou, no feixe de luz azul procedente
da janela, um tosco lugar no muro, ao lado esquerdo do altar.
Estava perto do chão, parecia como se um dos painéis lavrados tivesse se
desprendido da parede.
Olhou para o escritório de Dougald. A porta permanecia obstinadamente
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Christina Dodd
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The Governess Brides 03
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The Governess Brides 03
—Alguém mais - retificou. - Posso lhe sugerir que suba a seu quarto de
dormir? Eu explicarei às tias que está indisposta e farei que lhe subam o jantar
em uma bandeja. Deve descansar depois de um golpe assim na cabeça.
Mas sua amabilidade causava o efeito contrário e a voltava mais teimosa,
sabia muito bem o que significava.
—Sua senhoria falará comigo?
Charles conseguiu parecer contrito e inclusive retorceu as mãos.
—Sinto muito, madame, não tem tempo.
—Na realidade não quero nem vê-lo. Você sabe, não sabe?
—Entendo, madame.
—Tenho que lhe fazer uma única pergunta que só ele pode responder.
—Possivelmente se você me comunica a dúvida, poderia transmitir a ele.
Hannah soprou.
—Ou possivelmente não - reconheceu.
—Sua senhoria está jogando e tem tudo para perder - disse Hannah.
—Temo que tem razão.
Charles estava brincando com ela e aquilo a irritava ainda mais. Dougald
estava jogando, mas ela não tinha a mínima oportunidade de ganhar e tanto
ela como Charles sabiam.
—Ele não vai gostar do que vai acontecer a seguir.
Charles inclinou a cabeça.
—Faça o que queira, madame.
Zangada por sua cortesia ficou em pé, sua cabeça doía muito para tratar
com o amigável Charles. Rasgões negros turvaram sua visão e por uns
humilhantes momentos a náusea A ameaçou.
—Acredito que deveria acompanhar a madame até o quarto - disse
Charles.
—Isso não será necessário. - Respirou fundo e se estabilizou. - Se
necessita mais de um golpe na cabeça para me deter.
—Já o vejo.
Suspeitou que se tratava de um comentário sarcástico, mas lhe custava
muito esforço responder. Lenta e vagarosamente saiu da capela, percorreu o
corredor, subiu a escada e depois de um momento de dúvida no que se
debateu se deveria retornar com as tias, se dirigiu para seu quarto. Ali tirou
sua máquina portátil, se sentou à mesa que havia junto à estreita cama e
começou uma carta que começava assim:
"Minha querida e graciosa soberana, rainha Vitória..."
Capítulo 14
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Christina Dodd
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—Ethel querida, acredito que este fio branco servirá melhor para a gravata
de nosso querido príncipe. - A voz da tia Isabel ressoou alta e clara na oficina
das tias.
—Não querida, quero tecer uma parte neste fio mais escuro porque estou
começando a sombra. - Era o turno de tia Ethel no tear e defendia ferozmente
sua opinião.
—Acredito que um pouco mais de branco?
—Não, querida, esse foi o engano que cometemos na primeira vez!
Tia Ethel e tia Isabel estavam no canto melhor iluminado e ventilado: o
lugar onde foi montado a tapeçaria. A senhorita Minnie, tia Spring e Hannah se
sentavam junto a um dos janelões, enquanto a luz do sol poente iluminava o
trabalho de costura. Hannah baixou a cabeça para ver seu bordado e sorriu ao
ouvir as duas damas discutir sobre a gravata do príncipe Alberto. As quatro tias
eram como meninas, com vontade de brigar, cabeças-duras e empenhadas em
fazer tudo a sua maneira. Mas um objetivo comum as unia; queriam que a
tapeçaria da rainha fosse perfeita e trabalhavam um retalho após outro.
Tia Spring estalou a língua enquanto polia uma das bonitas pedras que
recolhera do leito do rio.
—Eu disse a Isabel que não se aproximasse até que Ethel tivesse
terminado.
A senhorita Minnie deixou seu caderno de desenho e tirou os óculos.
—Eu gostaria que não passassem por cima de minhas decisões. Eu
desenhei a cor de cada fio que devia se usar. - Esfregando a ponte do nariz
acrescentou: - Suponho que terei que ir me encarregar disto.
Hannah tampou a mão da senhorita Minnie com a dela.
—Deixe que eu faça isso .
A senhorita Minnie relaxou em sua cadeira.
—Seria tão amável, senhorita Setterington! Você tem o tato e a diplomacia
da que, ao que parece, eu careço.
Raramente elogiava a alguém, por isso Hannah se ruborizou ante o brusco
elogio. Se levantou e caminhou para onde as duas damas debatiam sobre a
virtude do branco frio e o branco quente.
As interrompeu sem reparos, pois se as tivesse deixado prosseguir nunca
teria podido interferir.
—A luz está morrendo, mas pelo que posso observar, o trabalho está
avançando muito bem.
—Esperava acabar esta fileira antes de deixá-lo - se lamentou tia Ethel.
Dando um passo atrás, Hannah contemplou toda a peça da tapeçaria. Nas
três semanas que estava no castelo Raeburn, tiraram da tapeçaria a peça que
continha o príncipe Alberto, descosturara a parte superior de seus ombros e
começado o árduo processo de voltar a criar seu rosto e o fundo. Cada retalho
de cor precisava ser tecido por separado e costurado ao seguinte retalho; cada
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—Tia Spring, você convidou aos Burroughs para vir nos visitar?
—OH, querida! Se supunha que precisava convidá-los?
Hannah baixou a cabeça por um breve instante no que a pena invadiu seu
coração. Era por isso que tia Spring necessitava uma dama de companhia. Às
vezes esquecia coisas. Coisas sem importância, como falar com Hannah dos
Burroughs. Coisas importantes, como onde se encontrava seu dormitório. Todo
mundo a ajudava.
As demais tias, Hannah, a senhorita Trenchard, sir Onslow, os lacaios, mas
já não podiam deixá-la só ou talvez se perderia nas curvas do castelo Raeburn.
—Posso convidá-los se quer - repôs tia Spring. - Os conhece?
—Pessoalmente não, mas ouvi falar deles.
—Talvez seus pais os conheciam?
—Sim. OH sim! Meus pais os conheciam.
—Os Burroughs são um casal encantador, um pouco mais velhos que eu. -
Tia Spring se aproximou um pouco a Hannah e sussurrou: - Não quero ser
fofoqueira!
A todas as tias adoravam a fofoca.
—Mas estavam acostumados a ser muito empertigados.
Hannah sabia. Sabia melhor que ninguém.
—Por quê?
Tia Spring deu de ombros, mostrando um indício de altivez próprio da irmã
de um conde.
—Pelo de sempre. Tinham dinheiro e suas famílias estiveram aqui desde o
começo dos tempos. Mas ambos eram os últimos de suas linhagens e tinham
um único filho que morreu sem herdeiros.
Agora estão completamente sozinhos. - Sorveu pelo nariz. - Eu disse a eles
que não deveriam jogar a essa jovem, mas não me escutaram.
Hannah ansiava ouvir a história de um ponto de vista alheio à mesma,
descobrir o que realmente acontecera naquele verão há vinte e oito anos.
Então perguntou.
—Que jovem?
—A senhorita Carola Thomlinson.
O nome ressoou dentro de Hannah.
—Amava tanto ao Henry.
—Henry. - Hannah pronunciou o nome. Seu pai se chamava Henry.
—Ele também a amava tanto, mas era um desses jovens que amaram,
sem personalidade. - Tia Spring tocou levemente o marco do tear. - Era tão
bonita.
Hannah recordava ter olhado a sua mãe e pensado que era a mulher mais
bela que vira em sua vida. Só quando Hannah ficou mais velha observou as
rugas de preocupação e as olheiras que o excessivo trabalho puseram sob seus
olhos.
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—Sim.
—Mas não tinha família. Era somente a governanta de uma família da
vizinhança.
Hannah estremeceu.
—Então a mandaram embora e ele o permitiu. - Os olhos de tia Spring se
encheram de lágrimas. - Ele começou a frequentar más companhias e morreu
em uma briga no botequim ao cabo de menos de três meses.
—Então ele nunca pôde ir procurar por ela.
Hannah sabia que estava morto; sua mãe contara, embora nunca soube
como ela descobrira. Mas de algum modo a ajudava acreditar que fora infeliz
depois de tomar aquela decisão, e imaginar que talvez, se tivesse vivido, teria
tido a coragem para desafiar a seus pais e se casar com a senhorita Carola
Thomlinson. E quanto a se estava informado do iminente nascimento de
Hannah, temia, seria um mistério, ao menos até que falasse com seus avós.
Seus avós. Possivelmente fossem cruéis, possivelmente fossem amáveis,
possivelmente não merecessem perdão algum pelo funesto destino que
propiciaram a seu filho, e possivelmente Hannah não se sentisse capaz de
perdoá-los. Mas precisava saber. Precisava vê-los. Se ocuparia disso
pessoalmente.
Na semana seguinte tinha meio-dia livre.
—Onde vivem os Burroughs? - perguntou tomando uma drástica resolução.
Capítulo 15
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Mas queria saber como era seu quarto. Então transpassou a soleira e,
levantando a vela, entrou com cautela até o centro da antessala de Dougald.
Na lareira brilhavam tenuamente alguns carvões que projetavam sua débil
luz sobre móveis e tapetes. Naquele lugar, sua vida como amo do castelo
Raeburn não era muito diferente da sua como dama de companhia das tias.
Sua antessala era maior, seu dormitório era maior, mas os tapetes
estavam igualmente descoloridos e apagados, o bordado dos assentos das
cadeiras estava desfiados, o papel pintado talvez estivesse na moda em outro
tempo, mas certamente não durante os últimos quarenta anos e, como
assegurara a senhora Trenchard, os carvões criavam uma cortina de fumaça no
ambiente.
O homem que trabalhara tão duro para conseguir os prazeres da vida
agora seguia trabalhando, mas ignorava os prazeres.
—Isto é penoso. - Alisou o horrível e puído tecido de uma das cadeiras. -
Realmente horrível. Quem escolheu o tecido?, o ferreiro do povoado?
A porta se fechou contra a parede e Dougald disse:
—Na realidade, acredito que a avó de tia Spring escolheu a malha.
Hannah deu um salto e se voltou. Na mão derramou cera quente e
segurou a vela por puro instinto.
Dougald a observava com seus resplandecentes olhos verdes. Atravessou
a soleira bloqueando a porta com suas amplas costas, e com os braços
cruzados parecia ainda maior.
Sua postura transmitia uma clara mensagem: não pensava lhe franquear o
passo.
—O que está fazendo aqui? - inquiriu Hannah.
Dougald arqueou uma sobrancelha.
Claro, aquele era seu quarto.
—Se perguntará o que eu estou fazendo aqui. Só estava olhando. - Sua
voz denotava culpabilidade e isso não era bom. - Queria falar com você.
Já estava dito. Por fim pode falar com firmeza. Muito melhor.
—O dormitório estava vazio.
—Pensei que podia entrar e te esperar.
—Que?, audácia de sua parte? - exclamou arrastando as palavras.
Sua brincadeira a recordou quão indignada estava e sacudiu a
culpabilidade de cima como um pato sacode a água.
—Se tivesse concordado em falar comigo quando lhe pedi isso, não teria
sido obrigada a me comportar deste modo.
—Não queria que me importunasse - repôs com frio desapego.
—Te importunar? - Pelo fato de convidar à rainha ao castelo Raeburn?
Hannah entrecerrou os olhos. - Te Importunar com o que?
—Com o assunto de nosso casamento. Com o assunto de sua família. -
Gesticulou para ela, com a mão aberta e os dedos separados. - Com o que quer
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razoável.
Nunca pôde inculcar um pouco de senso comum, mas seu Charles sim.
—O que Charles opina disto?
Seus olhos se converteram em duas finas lascas de gelo verde.
—Não perguntei.
A hostilidade de Dougald não a impressionava.
—Sempre gostou das comodidades, inclusive mais que você.
—Ele está cômodo em outra parte. - Dougald deu um passo entrando no
quarto. - Eu já não sou o mesmo, nada em mim é igual, Hannah. Se tentar me
julgar por minhas ações passadas está fadada ao fracasso.
—Então temos que falar de certos temas.
—Esta noite não. Aqui não. Agora não.
—Você disse que já não é o mesmo, mas deveria ser eu quem dissesse
isso. Segue sendo o de sempre. Claro, é um homem - se sentou em uma das
cadeiras estofadas com muito recheio e cruzou os braços.
—Esta noite. Aqui. Agora.
Ainda meio oculto pela sombra, reclinou o ombro na parede. Durante um
momento, vislumbrou ao antigo Dougald com seu meio sorriso.
—É muito descarada para ser uma mulher separada.
—Não fui eu a que se equivocou, Dougald.
Seu sorriso desapareceu e retornou a sombria cara do estranho.
—Sei. Já castiguei ao outro culpado.
O que queria dizer? De quem estava falando? De Charles ou dele mesmo?
—Ninguém me desafia, Hannah. Recorde isso.
Não, não castigara a si mesmo. Era muito presunçoso para isso.
—Eu o desafiei.
—Nem tampouco ninguém consegue que dê meu braço a torcer -
continuou. - Não estou disposto a suportar uma cena esta noite. Falaremos
quando eu o diga, e não antes.
Imediatamente Hannah se agarrou a suas palavras.
—Admite que temos que falar?
—Sim, quando considerar que é o momento oportuno, eu falarei e você
escutará.
Maldito homem e sua eterna impassibilidade! A tirava do sério até
enfurecê-la como ninguém na vida a enfurecera. Ficou em pé e se aproximou
de Dougald. Ele nem sequer se afastou, por que teria que fazê-lo? Ela não
podia lhe fazer nenhum dano. Deixou que o agarrasse pelas lapelas.
—Não mudou nem um ápice. É o mesmo Dougald de sempre, que dita
ordens e decide por outros. Não aprendeu nada. Mas - Hannah o sacudiu, - não
parece se dar conta. Eu sou diferente.
—Está mais velha, mais magra.
—Sou mais rica. - Levantou a vista para ele com um gesto altivo do
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queixo. - Não tenho por que suportar suas tolices, Dougald. Tenho suficientes
recursos para me manter sozinha.
—Dinheiro? - Dougald acariciava seu queixo com carícias lentas, leves e
amplas. - Tem dinheiro?
Hannah não fez caso de suas carícias. Ao fim e ao cabo, estava muito
séria. Queria que a escutasse, que soubesse que conseguira triunfar sem sua
ajuda.
—Estive economizando dinheiro desde a primeira vez que lady Temperly
me pagou. No princípio não tinha muito, mas economizei até o último tostão.
Ele assentiu.
—Em uma conta no Banco da Inglaterra.
—Sim. E finalmente, quando vendi a Distinta Academia de Instrutoras,
depositei todos os lucros. Não necessito seu emprego. Posso comprar um
bilhete de trem ou alugar uma carruagem.
Posso ir a qualquer parte e viver como uma dama, e você não pode me
deter.
—Embora nunca explique à polícia que é minha esposa?
A pergunta de Dougald deteve a inundação de palavras de Hannah como a
água extingue a chama. Mas o modo de dizê-lo, o modo de olhá-la e a mestria
dos dedos que acariciavam o perfil da mandíbula e desciam pelo pescoço...
ah!, ela não era de gelo. Naquele momento certamente que não. Baixou a vista
para ela como se fosse dele e tivesse reconhecido sua posse. Reconhecido sua
titularidade. Ela suspirou.
—E por que faria isso?
—Realmente imagina que a deixaria ir à estação de trem? Que te
permitiria voltar a me abandonar? - Soltou uma risada breve e rouca. - Quando
na realidade é minha esposa e um homem tem o direito de controlar tudo o de
sua esposa brigona, inconstante e irresponsável?
O amor, ou a ilusão do amor, não era suficiente. Nunca fora suficiente. As
horas felizes passaram há muito tempo, a esperança morrera e a paixão, bom,
se a paixão não estava completamente extinta, isso simplesmente significava
que devia ficar rígida, levantar o queixo e levantar a guarda para se defender.
—Encontrarei o modo de escapar de você, Dougald. Sabe que já o fiz
antes.
—Mas se o faz, querida, estará como antes. Sem recursos, sem amigos
que possam te ajudar, e realmente agora é uma personagem muito conhecida
em toda a Inglaterra. - Pôs a mão plana sob seu queixo e a segurou.
—A encontrarei.
Suas palavras, com aquela dose de brilhante engenho, produziram um
calafrio que percorreu sua coluna vertebral.
—O que quer dizer com "sem recursos"?
—Sua conta no Banco da Inglaterra. Onde tem depositadas suas
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economias. A fechei. Tudo o que uma mulher possui está sob o controle de seu
marido, - sorrindo ante seu olhar de espanto ele pôs as mãos na cintura dela.
—O que é seu, é meu.
Como uma torpe bailarina, se movendo muito rígida, com os joelhos
travados e os pés vacilantes, saiu pela porta e se internou no corredor.
—Que durma bem, querida.
A beijou nos lábios, se meteu em seu quarto e lhe fechou a porta na cara
dela, sem que ainda tivesse saído de seu assombro.
Capítulo 16
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Não pensou em se mover, nem para frente nem atrás. Só pôde ficar ali
plantada e contemplar aos criados colocar a escadinha debaixo da carruagem
e ajudar a entrar no veículo primeiro à dama idosa e logo ao idoso cavalheiro.
O criado fechou a porta e só então Hannah se deu conta que precisava se
esconder, melhor dizendo, devia se esconder.
Rapidamente conduziu o cavalo e a carreta até os arbustos e os ramos
ainda sussurravam atrás dela quando a carruagem passou.
Então, como a covarde néscia que era, saiu correndo e ficou de pé no
caminho olhando como se afastavam.
Eram sua avó e seu avô, e não encontrou a coragem para se apresentar
ante eles.
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convertesse em um grunhido.
—No que estava pensando? - Dougald passeava de um lado a outro de seu
minúsculo dormitório. - No que estava pensando?
—Em que sua majestade não viria.
O nariz de Dougald se inflou como o de um corcel cheirando um desafio.
—Hannah, espero que esse projeto de costura seja condenadamente
maravilhoso.
Ficou horrorizada.
—Nem sequer o viu?
—Não! Por que teria que me preocupar do modo em que quatro anciãs
empregam seu tempo?
—Seriamente é odioso, Dougald! Pensei que o vira e suspeitei que
estivesse usando a tapeçaria das tias para atrair sua majestade ao castelo
atrás de sua maior glorificação pessoal.
—Usar às tias para minha glória pessoal? Isso é estúpido!
—Talvez, mas não pude perguntar isso porque nem sequer me permitiu
falar com você em particular - replicou experimentando uma satisfação imensa
ao fazê-lo.
Dougald deixou de passear e a olhou fixamente.
—Me diga que me preocupo por nada. Me diga que a tapeçaria é
magnífica.
Pensou na tapeçaria. A formosa e grande tapeçaria de vivas cores na qual
as quatro damas trabalharam durante vinte e quatro anos. Tomou ar e logo o
soltou em um longo e vacilante suspiro.
—Era.
—O que quer dizer com "era"? - perguntou em uma voz perfeitamente
serena.
—É uma... hum... tapeçaria esplêndida, muito grande, muito elogiável.
—Mas?
—Mas as tias não tinham acabado bem os traços do príncipe Alberto,
Então lhes sugeri que desmontassem essa parte. - Seu grunhido grave fez que
se calasse de repente. - Quer que as ajude a terminá-lo?
—Tem duas semanas. - A encurralara entre o armário roupeiro e a parede
e se aproximou tanto a ela que seu quente fôlego acariciou sua face. - Duas
semanas antes que sua graciosa majestade, Vitória, rainha da Inglaterra, visite
nosso pequeno castelo. Se assegure que a tapeçaria está acabada.
Queria lhe dizer que era impossível, mas seus olhos eram apenas duas
raias furiosas e... bom, certamente fosse só fúria. Usava sua proximidade para
intimidá-la, e estava conseguindo à perfeição.
Certamente sua ameaçadora postura fez que seu coração pulsasse, seus
joelhos tremessem e suas vísceras encolhessem. Não deveria escolher aquele
momento para notar seu aroma, a couro, sabão e a Dougald.
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quando nem sequer fala comigo se não for para me dar instruções ou ordens.
Retrocedeu um passo e a examinou como se a estivesse inspecionando,
aconchegada no canto.
Ela avançou e ficou olhando fixamente a aquele canalha egoísta e
presunçoso que pensava que podia controlar seu dinheiro e seu destino.
Ele a abraçou. A segurou pelo cabelo e aproximou os lábios aos seus.
Se beijaram em um torvelinho de paixão, frustração e fúria, com os corpos
apertados, e a língua de Dougald em sua boca. Maldito! Voltar a trata-la de um
modo tão insolente, como se ela fosse a mocinha de dezoito e ele, o superior
homem amadurecido. Mas agora ele não era superior; a desejava, pois seus
braços a apertavam fortemente para ele, suas mãos procuravam através das
capas de saias e anáguas até lhe encontrar as coxas e levantá-los ao redor
dele. E ela, o abraçou pela cintura com as coxas, apertou o torso contra seu
colete, o beijou com os lábios abertos pressionando com força a língua contra a
sua e desejando que as roupas que os separavam desaparecessem de um
mágico sopro.
Dougald afastou a boca da dela.
—É terrivelmente excitante.
A fez girar sobre os calcanhares e se dirigiu para a estreita cama.
—Eu não. - Mal lhe ocorria uma resposta, mas o instinto a fez se estirar
para lhe morder o lábio superior.
—Eu não sou excitante. Isto não é excitante.
—Não. - A deitou sobre o colchão enquanto lhe rodeava o corpo com as
pernas e apertava os seios contra ele. - Não digo agora, mas sim desde que
chegou, cada dia. - A olhou aos olhos.
—Caminhando como se fizesse cambalhotas pelo castelo. Subindo a
escada. Atravessando os corredores.
—Eu não faço cambalhotas. - Acariciou-lhe o cabelo com os dedos e
decidiu que deveria deixar-lhe assim comprido sempre. - Não sou um cavalo!
—Falando daquela maneira, enquanto eu trabalhava em meu escritório, e
me esforçava por te ouvir conversar com Charles.
—Ordena que não fale com ninguém, - rindo com esse trapaceiro do
Seaton.
—Você vem de uma família de trapaceiros, e é o pior de todos.
—Vestindo de um modo provocador.
—De um modo provocador! - Entrecerrou os olhos para olhar o vestido
castanho.
Ficando de joelhos, Dougald lhe levantou a saia e as anáguas até a cintura
e, como um magistrado demonstrando a culpabilidade do acusado, mostrou
seus tornozelos.
—Olhe isto. Renda nas meias!
—Nunca mostrei isso. - tirou as pantufas de pele.
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logo o desejo. Santo Deus!, era grande e audaz, a desejava de um modo muito
explícito, e se não a penetrasse logo...
—Dougald, por favor. - Estendeu os braços para ele.
Dougald caiu sobre ela como um animal desenfreado, sem se preocupar
por sutilezas, respondendo à exigência de Hannah de se unir com um
satisfatório instinto que fazia que a investisse impetuosamente.
Hannah ofegou. Levava tanto tempo sem ser satisfeita, estava muito
tensa. O temor que lhe fizesse mal a assaltou e logo a dor se fez realidade.
—Não - disse lhe cravando as unhas nos braços.
Dougald a olhou, a olhou como um homem que está se afogando ao que
privam do resgate. Logo reparou na expressão dela: feroz, torturada,
insatisfeita. Tragou saliva e se conteve.
—Deixa que a encha, carinho. Relaxe e me deixe entrar - ele ordenou na
voz sussurrante e cálida de um amante.
Quando lhe falava assim, ela respondia como toda criatura feminina ante
a petição de seu casal. Relaxou, acomodou o corpo ao redor do de Dougald e
ele se internou por completo nela.
Hannah gemeu. A sensação era tão boa, mas aquilo era tão mau; ele
voltava a tê-la. De novo, mas...
Dougald tampouco queria fazer aquilo. Mas aquela noite, quando sua
frustração e sua fúria desatadas se transbordaram, foi vencida toda contenção.
De modo que estava bem. Não era manipulação, era de verdade.
Hannah levantou os quadris e contraiu os músculos internos. E em uma
voz tão cálida e acariciadora como a sua lhe disse:
—Por favor, amor. Te desejo.
Capítulo 17
Dougald sabia que não devia fazê-lo. Aquilo não era o que planejara.
Planejara fazer Hannah enlouquecer de desejo enquanto ele mantinha bem
presas as rédeas de suas próprias paixões.
Então ele ditaria as condições de sua reconciliação e ela reconheceria a
seu amo.
Mas seu ardor... seu aroma... sua voz dizendo: "Por favor, amor. Te desejo."
Era fraco e precisava tomá-la. Seus instintos primitivos lhe exigiram que a
enchesse de sua semente. Ela era sua posse, seu feudo, sua esposa.
Sem elegância, sem se refrear, cedeu a sua própria paixão. Cada gota de
seu sangue, cada parte de seu corpo, lutava por penetrá-la. Entrou nela e se
retirou, entrou e se retirou várias vezes.
Debaixo dele, Hannah emitia uns ruídos parecidos com suaves miados,
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Muito bem. Aquilo constituía uma advertência para Dougald do perigo que
Hannah representava, e trabalharia em consequência. Já não lhe permitiria
enviar cartas caprichosamente a nenhum lugar do país.
Nunca lhe permitiria sair a parte alguma sem acompanhamento. E ele já
não cederia a suas tentações sexuais. Era um homem com gelo nas veias.
Graças à solidão, o trabalho duro e a desolação, fizera a si mesmo a imagem
de seu pai, dedicado ao sobrenome familiar e livre da influência de nenhum
tipo de afeto. Não permitiria que Hannah fizesse renascer nele nenhuma
debilidade.
Dougald elevou a voz para chegar a todos os que o escutavam.
—São notícias maravilhosas. Teremos o privilégio de abrigar sua
majestade como convidada, mas não preciso lhes dizer que devemos nos
preparar para a visita real.
Charles olhou para Dougald de cima abaixo, como se tomasse medidas
para um traje.
—Necessitam roupa nova. Ele disse que necessitavam roupa nova.
—Daremos uma grande recepção. - Tia Spring entrecerrou os olhos. -
Convidarão a toda a região a honrar sua majestade.
—A toda a região? - Hannah voltou a cara para tia Spring. - Aqui? No
castelo Raeburn?
Os Burroughs viriam e ela por fim os conheceria. Dougald ponderou as
repercussões. Se estabeleceu ali no castelo Raeburn, se afeiçoou com as tias,
teve relações com ele. Muito bem.
Lhe permitiria conhecer seus avós.
—Os painéis. A entrada. - A senhora Trenchard levou a mão sulcada por
inumeráveis veias ao peito e olhou a seu redor com surpresa e desgosto. - O
grande salão. Devemos limpar tudo.
—Devemos restaurar tudo - lhe corrigiu Dougald.
—Os trabalhadores devem prestar especial atenção, senhor - disse
Charles, - para evitar um desastre.
Tia Isabel levou a mão à cabeça.
—Vou tingir meu cabelo.
Então sua suspeita era certa. Dougald comprovou.
—Tenta não salpicar de betume toda a pia. - Tia Ethel mediu a cintura com
as mãos. - Me pergunto se entrarei em meu melhor vestido de seda.
—Você se vê bem com qualquer coisa - a animou tia Spring.
Seaton mudou de cantinela.
—Isto é um maldito desastre. Um maldito desastre.
—Deixa de amaldiçoar, Seaton - lhe repreendeu a senhorita Minnie e,
alongando a mão para Hannah, prosseguiu: - Seriamente é certo, senhorita
Setterington? Nunca pensei que realmente fosse vir.
—Sabia que Hannah não falharia. - Tia Isabel aparou o cabelo escuro. - É
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Por que Hannah chegara a acreditar que ela não tinha poder? O poder que
esgrimia ante Dougald alcançava magnitudes assombrosas. Era certo que foi
necessário que ficassem a sós, foi necessário que ele estivesse nu e ela de
joelhos entre suas pernas, mas naquele momento ele se segurava à cabeceira
de Hannah com as duas mãos e se retorcia em uma agonia silenciosa porque
lhe havia dito que não a tocasse ou pararia. E ele teria vendido a alma ao diabo
para que ela deixasse de fazer o que estava fazendo.
Hannah sorriu e foi lhe beijando pelo flanco esquerdo, lambendo a fina
pele que lhe cobria o quadril, logo lhe roçou o umbigo e depositou ali um beijo.
Tinha gosto de limpo - fora a ela depois de se banhar - e o aroma de sua
excitação se mesclava com o de seu especial sabão.
Dougald aguardava, vibrando de incerteza, se perguntando se ela faria o
que pensava que ia fazer. E ela planejava fazê-lo, depois de tê-lo feito sofrer
um pouco. Ao fim e ao cabo, lhe devia um pouco de sofrimento, e que melhor
maneira de reparar sua dívida? Assim prolongou a espera, acariciando seus
músculos, deslizando as mãos por debaixo das coxas para agarrar suas
nádegas, se deleitando na firme musculatura.
Acariciou os testículos, investigou a rugosa textura, o exuberante pelo.
Não fazia só duas noites que ele a pôs de barriga para baixo na cama e a
forçou a celebrar seu próprio desmaio?
Bom, agora ela celebraria o dele.
—Você gosta? - Lhe depositou um beijo baixo, com a boca apertada na
virilha, justo por cima do triângulo de pelo.
Não respondeu, mas sim se retorceu na cama.
—Dougald? - Hannah levantou a cabeça. - Quer que pare?
—Não! Eu adoro. - Respirou fundo e seu peito se moveu com o esforço. -
Faz o que queira. O que queira.
Não queria pedir-lhe. Provavelmente pensava que ela ficaria traumatizada.
E assim teria ficado, duas noites atrás.
Mas naquelas duas noites Dougald a transportara a tais viagens sensuais
que só podia qualificar de puro hedonismo. A beijara por toda parte, a reduzira
a uma ruína choramingante, a fizera suplicar.
Ela sabia muito bem o que ele queria, e logo o daria. Voltou a beijá-lo,
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desta vez justo na base do membro, mas seguia tendo os lábios fechados.
—É isto o que quer?
—Sim. Sim, isso está bem. Mas talvez...
Exalou um lento e quente fôlego em cima dele enquanto o ouvia se
esforçar por encontrar as palavras.
—Mas talvez se usasse a língua?
—Assim? - Com lenta antecipação lhe lambeu todo o membro rígido e
ereto.
Dougald ofegou. Os músculos do braço se alongaram como se lutasse
contra o instinto de agarrar sua cabeça e lhe mostrar o que era que desejava.
—Que mais? - perguntou ela em voz baixa.
—Poderia imaginar o que eu gostaria - repôs ele também em voz baixa.
—Poderia. - Levantou a cabeça e lhe sorriu. - Mas quero ouvi-lo.
Dougald ficou olhando-a fixamente e de repente compreendeu. Franziu o
cenho, mas reconhecia a derrota quando a tinha ante o nariz. Não ia lutar com
ela naquele instante.
—Por favor, Hannah. Por favor, coloque isso na boca e... por favor? - disse
em tom lento, profundo e desesperado.
Hannah o perdoou pela falta de eloquência e lhe deu o que desejava.
Ao fim e ao cabo, aquela era absolutamente a última vez.
Capítulo 18
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Hannah esteve a ponto de dar golpes na cabeça contra a mesa. Por que
Dougald fazia aqueles comentários tão incendiários? Por que desvelava tanto e
entretanto tão pouco? Estava zombando dela e de seu ardor?
—Acaso a estava ameaçando outra vez?
Não sabia. Não sabia nada e a verdade era que, embora não havia nada
no mundo que desejasse mais que fazer amor com ele, não confiava nele.
Como podia ser assim?
Nos seis meses que viveram como marido e mulher, lhe fizera tanto dano?
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De modo que tirou o melhor proveito, mas não da maneira que ele
imaginara. Antes que pudesse ficar grávida e estivesse presa para sempre,
Hannah o abandonou.
Pegou o dinheiro que lhe prodigalizava como amostra de afeto ou
confiança e o abandonou.
Agora enfrentava à mesma armadilha. Olhou para a cabeceira da mesa.
Dougald se sentava ali, tranquilo, distante, inconquistável. Não falavam. Já não
lhe oferecia a compreensão nem o carinho de antes, e uma e outra vez
demonstrara que, para ele, o coito não era igual a amor. Entretanto,
compreendia o que tantas mulheres descobriram para sua consternação: o
amor não era necessário.
Quando duas pessoas tinham relações o resultado era um menino.
Então devia ser prudente. Se ele ia a seu quarto, ela precisava rechaçá-lo.
E se não fosse? bom, então tudo estaria bem.
Pelo que estava segura era que não seria ela quem iria para ele.
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mudaram sua cama. Se Hannah ia seguir visitando sua câmara, teria que
melhorar as condições.
—Disse que não importava. - Hannah aconchegou a cabeça no peito nu de
Dougald. - Disse que de todos os modos não pregava o olho.
—E não prego o olho, mas agora estou na cama e estou incômodo.
—Suponho que podemos fazê-lo em qualquer outro lugar.
—Sua cama também tem calombos e é horrorosamente estreita.
—Não me referia a meu quarto. Queria dizer aqui. - Levantou a cabeça e
olhou a seu redor aos móveis ruinosos, logo baixou a cabeça e suspirou. - Dá
no mesmo. Tudo é horrível.
Dougald olhou a seu redor. Tinha razão. Tudo era horroroso, mas embora
quisesse não podia fazer nada. Contratara homens para devolver ao castelo
seu antigo esplendor. Tinha-os trabalhando da alvorada até o ocaso, e até
mais, com o fim de prepará-lo para a visita da rainha. Não podia perder tempo
na frivolidade de arrumar seu próprio dormitório, apesar dos prazeres que
compartilhavam ele e sua esposa, embora de maneira clandestina, nos
momentos mais escuros da noite.
Pôs cara de poucos amigos. Ainda não conseguira se impor a
autodisciplina que desejava. Quando ela foi a ele aquela noite, deveria tê-la
jogado.
Em lugar de dizer a si mesmo que, como fora ela a que tinha acudido,
aquilo representava uma vitória para ele. Sim, assim era como ele preferia
considerá-lo. Como uma vitória.
Se levantou - e a tombou de costas em sua cama.
—Posso te fazer esquecer os desconfortos - disse se inclinando sobre ela.
Ela cruzou as mãos atrás da nuca.
—Sim, faça-o. Mas esta noite definitivamente é a última vez.
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Capítulo 19
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criados.
Avançava a saltos, com a saia rasgada, os lábios apertados e uma luz
combativa nos olhos. Quando viu Dougald lhe soltou um sermão.
—Lorde Raeburn, deve deixar claro aos trabalhadores que, antes que se
vão de noite, tudo o relacionado com as tias tem que estar perfeitamente
seguro.
Se não tivesse subido à oficina antes que chegassem as tias, uma delas
poderia ter se machucado.
O coração de Dougald voltou a pulsar. Estava ferida; mas se já o estava
admoestando, não devia ser tão grave.
O senso comum o refreou para não agarrá-la nos braços.
—Onde se machucou?
—No pé - espetou Hannah.
Sim, ficaria bem.
—Estava no patamar que conduz à oficina das tias - prosseguiu. - Uma
tábua se rompeu sob meus pés.
Dougald voltou a cabeça para Charles. Charles lhe deu os sapatos, abriu
caminho através do grupinho e se dirigiu para a cena do acidente.
—Subi a escada com muito cuidado, mas os carpinteiros não estavam
trabalhando no patamar então uma vez ali deixei de prestar atenção.
Dougald percebeu com surpresa que a voz dela tremia.
—Me afundou o pé por completo. Logo toda a tábua cedeu e eu caí -
piscou muito rápido, - e se não me tivesse pego ao corrimão teria caído de
tudo e não teria podido me levantar porque a tábua inteira caiu também
irremediavelmente feito em pedacinhos!
Ao inferno com o senso comum. Sua indômita esposa estava chorando.
Dougald deixou cair os sapatos, afastou os criados a um lado e a segurou
nos braços com ternura. Os criados se tornaram um pouco atrás, mas nenhum
se atreveu a olhá-los com surpresa. Hannah empurrou
Dougald só um momento, logo se abraçou a ele como se fosse um porto
na tormenta. Em outras circunstâncias, ele teria desfrutado de sua
necessidade. Estava acostumado a fazê-lo, mas naquele instante, pareceu-lhe
oportuna.
—Se a senhora Trenchard não tivesse me encontrado, não sei o que teria
feito - sussurrou Hannah.
Dougald soube que devia gratidão eterna a sua governanta.
—Senhor, traga-a aqui, por favor. - A senhora Trenchard estava de pé na
soleira do dormitório de Hannah.
Levou-a até a cama, com cara de aborrecimento todo o tempo. No que
estava pensando quando decidiu alojá-la naquele lugar? Com a entrada dos
tempranos raios do sol, a habitação parecia ainda mais ruinosa que de noite.
Se Hannah precisava passar algum tempo se recuperando, aquele era um
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péssimo lugar. E por que ia ter que se recuperar? Quando falasse com os
carpinteiros, desejariam ter escolhido a profissão de jardineiro.
—Chame o médico - disse à senhora Trenchard.
—O doutor é um bêbado. - A senhora Trenchard fez um gesto à donzela e
agarrou a maleta. - Eu mesma curarei à senhorita Setterington. - Olhou
fixamente a expressão de dúvida de Dougald.
—Lhe asseguro, senhor, que minha mãe era a parteira de meia região e
também a enfermeira da senhorita Spring, e me ensinou bem. A senhorita
Setterington está em boas mãos.
Dougald vacilou, mas a senhora Trenchard parecia muito segura de si
mesma quando abriu a maleta e tirou uma série de potes de argila. Com um
direto movimento de cabeça lhe concedeu permissão.
—Muito bem.
A senhora Trenchard pôs os potes em cima da mesa, logo se deteve e
olhou a seu redor.
—Senhorita Setterington - exclamou escandalizada, - já gastou sua
provisão semanal de velas!
—E a quem importa sua provisão semanal de velas? - Dougald não sabia
do que sua governanta estava falando.
A senhora Trenchard tirou um cilindro de tecido de algodão branco.
—Dou aos criados de menor fila oito velas por semana. Isso é uma por
noite e duas para o domingo, mas dormem quatro em um quarto, de modo que
é muito. Se tomarem cuidado com a luz, podem levar a vela a casa para suas
mães. Aos criados de fila superior lhes proporciono quinze velas por semana.
Isso é duas velas por noite e três no domingo. A senhorita Setterington
excedeu o limite.
—Sim - disse Hannah. - Eu fiquei lendo até tarde.
Era mentira; ela e Dougald queimaram as velas durante as noites que
passaram juntos.
—Temia isso - disse a senhora Trenchard. Isso é o que acontece se lhes
deixar ter livros. Bom, sinto muito, senhorita Setterington, mas não terá mais
vela até o domingo.
—Claro que as terá - interveio Dougald.
—Por favor, não importa. - Discretamente, Hannah lhe deu um golpe na
coxa. - O farei melhor na semana que vem.
Como era o correto, a senhora Trenchard fez caso omisso e em troca
respondeu a seu amo.
—Como desejar, meu senhor, mas é seu sebo o que tento economizar e
isso constituirá um mau exemplo para os outros criados.
—Não se preocupe, posso pagar o sebo. - Olhou para Hannah e lhe
devolveu o olhar.
Os olhos empanados danificaram o efeito. Mulheres! Suas lágrimas
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Capítulo 20
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Sabia a resposta; queria que Hannah o adorasse com todo seu coração, tal
como o adorava os dias antes de suas bodas.
Entretanto, nada conseguiria a afastar dele, antes que ele tivesse decidido
seu destino. Sim, quando encontrasse ao responsável por seu acidente, o
castigaria, e ninguém se atreveria a cometer outro engano.
Desceu a escada, passou pelo grande salão e a capela, e chegou a seu
escritório. Charles reunira aos carpinteiros responsáveis pelo acidente e,
conhecendo Charles, os homens estariam o aguardando em seu escritório
tremendo.
Mas Charles não estava na sala de espera e o escritório estava vazio.
Dougald franziu o cenho, logo ouviu o som de vozes que se aproximavam.
—Digo-lhe que não quero falar com sua senhoria. Me dá um pânico que
morro.
—Oui, sei, mas o senhor deseja ouvir o que tem a lhe dizer - repôs Charles
em seu tom mais tranquilizador.
—Não quero dizer.
—Prometo-lhe que não se zangará com você, Fred.
—Seu olhar basta para matar um homem, e ninguém assegura que não
tenha feito isso também.
Pela primeira vez em muitos anos, Dougald estava a ponto de estalar de
raiva. Tinha descoberto que estava farto que o acusassem injustamente de
assassinato. O assassinato de Hannah, o assassinato dos outros senhores de
Raeburn, ele nunca matara a ninguém. Nunca pôs a mão em cima de ninguém,
salvo durante uma briga justa. Entretanto, recebera seu castigo e, maldita
seja!, estava cansado que o estigmatizassem.
A voz do operário se converteu em um gemido.
—Não vê, homem? Provavelmente foi sua senhoria quem o fez.
Estigmatizado, e por um homem ao que Dougald resgatara da mais
absoluta pobreza, o levara ao castelo Raeburn e lhe dera um trabalho honrado.
Não esperava gratidão, mas um pouco de lealdade não iria mau.
Deu um passo para a porta e empregou um tom que soou como uma
chicotada.
—Provavelmente fiz o que?
Charles e o chefe dos carpinteiros se encontravam de pé dentro da capela
e Fred empalideceu.
—Senhor. - tirou a boina. - Não queria... o senhor Charles pensava que
você ainda não tinha chegado... por isso?
—Fiz o que? - repetiu Dougald.
Charles deu um empurrão em Fred.
—Entre! Não podemos falar disto aqui.
Dougald se separou da porta para deixar Fred entrar, mas não teve
piedade o bastante para se sentar ao outro lado da escrivaninha, mas sim
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ficou a passear de um lado a outro do estúdio até que Fred entrou e Charles
fechou a porta. Então, Dougald se voltou contra Fred.
—O que acredita que eu fiz?
Fred estava de pé retorcendo sua boina, claramente incapaz de falar.
—Os carpinteiros não estiveram trabalhando no patamar, senhor - Charles
informou a Dougald.
Dougald entrecerrou os olhos.
—Estiveram trabalhando na escada.
—Só na escada. Ainda não fizeram nada no patamar.
Dougald compreendeu imediatamente e sua raiva esfriou.
—Entretanto, ali é onde Hannah caiu. - Perambulava de um lado a outro. -
É possível que as pranchas estivessem podres?
O carpinteiro controlou seu nervosismo.
—Poderia ser, mas não foi isso.
—Então o que foi? - perguntou Dougald com voz suave e veemente.
—Alguém serrou um par de pranchas daqui e dali. As enfraqueceu.
Senhor, juro que não estavam assim ontem à noite, íamos começar a trabalhar
nelas esta manhã, e Rubin e eu as estudamos bem antes de ir.
Alguém tinha ferido deliberadamente à esposa de Dougald. Alguém que
sabia que a primeira coisa que sempre fazia pela manhã era subir à oficina das
tias.
Mas nem sequer sabiam que era sua esposa.
—Por que demônios alguém ia fazer uma coisa assim? - perguntou
Dougald.
Realmente não esperava uma resposta, de modo que Charles abriu a porta
e deixou que Fred saísse, logo a fechou.
—Senhor, você e madame foram indiscretos em suas visitas conjugais.
Dougald se voltou bruscamente para Charles.
—Como sabe que nós?
—Me dirigi a seu quarto para o ajudar a se vestir e ela estava saindo às
escondidas dali. No dia seguinte voltei outra vez para o ajudar a se vestir e era
você quem saía às escondidas do quarto de madame.
Me escondi no final do corredor para que nenhum criado se atrevesse a
olhar, mas senhor, esses são segredos que não se podem ocultar. Correm
rumores. Os ouvi. Os criados especulam sobre a razão pela qual você se
mostra menos intimidatorio. Veem a tensão que existe entre você e madame.
As olhada. Seus rubores. E especulam corretamente.
—Maldição!
Dougald não queria ouvir que ele fora a razão pela que atentaram contra a
vida de Hannah.
—Sim, senhor - disse Charles muito sério. - Não acredito que ninguém
possa imaginar que madame é sua esposa, mas sim certamente devem
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possivelmente, sua paixão por ele a manteriam aqui, —além disso a Hannah
que entrara naquela casa era diferente da jovem Hannah. Ela decidia uma
linha de ação e a levava adiante com senso comum e determinação. Se decidia
que podia ajudar Dougald a encontrar o culpado, insistiria em fazê-lo. E quando
Dougald pensava em Hannah enfrentando corajosamente a esse bruto do
Seaton com sua oculta perversão, bom, ela não iria porque Dougald tampouco
o pediria.
—Não posso cuidar dela e de você, e você sabe a quem preferiria se me
encontrasse na iminência de escolher - disse Charles com desespero.
Sim, Dougald sabia e nada do que pudesse dizer mudaria a lealdade de
Charles para com ele.
—Você pode fazer que se vá. - Com as mãos sobre a escrivaninha, Charles
se inclinou para frente e olhou fixamente para Dougald com grave sinceridade.
- Você sabe como.
—Sim. - Até que Dougald tivesse identificado o culpado e se encarregasse
dele, teria que afastar Hannah dali.
Com triste resolução, abriu a última gaveta de sua escrivaninha e tirou um
maço de cartas atadas com uma fita rosa esvaída. - Mas isto será o fim de
nossa reconciliação.
Capítulo 21
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seu aspecto.
Hannah agarrou as próprias lapelas, as elevou e as aproximou da
garganta. Ainda não compreendia e tentou dar um tom humorístico ao assunto.
—Não estou em minha melhor forma, mas...
Dougald a interrompeu sem piedade.
—E estou seguro que suspeitava de minhas intenções.
—Suas intenções?
—Deve ter se perguntado se minha paixão por você estava à altura da sua
por mim.
Dougald esticou o peito. Estava falando dos mais recônditos temores de
Hannah.
Dougald entrou no quarto e fechou a porta com força.
—Sua paixão era muito enternecedora. Muito comovedora. - Como um
depredador de passagem sigilosa, avançou até os pés da cama. - Muito
patética.
—Patética! - "O muito porco!"
—Te ocorre um adjetivo melhor para uma mulher que sente desejos por
um homem que a usa somente para se vingar?
—Isso não é certo. - Sabia que não era certo. - Está mentindo.
—Você suspeitava que a estava enrolando.
Dougald esperou até que ela admitiu.
—Sim.
—Teria que ser uma estúpida para não se dar conta e, Hannah, eu sei que
não é nenhuma estúpida. - Suas mãos se agarraram tanto aos chorões que
adornavam os pés da cama que os nódulos ficaram brancos.
—Ou ao menos, não é estúpida em nada, salvo no que diz respeito a mim.
—Outra vez. - Hannah começava a acreditar no que ele estava dizendo
com evidente desfrute.
—Sim, outra vez. Mas a primeira vez que a seduzi foi para nos casar. Desta
vez é para o divórcio.
Sentiu vontade de esbofetear seu rosto petulante. Ficar muito erguida e
adotar uma atitude desafiante. Mas ele a fez pedacinhos com sua
malevolência.
—Desta vez não me fez falsas promessas.
—Claro que não! Recorda o cuidado que pus em não te falar mais do que o
necessário durante nossos encontros noturnos.
—Por quê? porque estávamos ocupados em outras coisas.
—Porque sei o muito que detesta que faça promessas que não posso
cumprir. - Sacudiu o marco da cama e esta estralou. - É quase tão mau como
fazer votos matrimoniais e não cumpri-los.
Ela seguia sem compreender. Se negava a entender.
—Eu não deixei de cumpri-los. Você me forçou a te abandonar.
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—Poderia ter sido mais forte. Poderia ter tido mais integridade. Poderia ter
obrigado Charles a ceder. - Sua voz se fez mais grave, mais profunda, mais
intensa com cada acusação.
—Poderia ter me obrigado que a escutasse.
Hannah se sentia como se lhe tivesse dado uma bofetada.
—Mas?
—Se rendeu. Em seis meses se rendeu.
—Eu não queria. - Hannah não desejara desistir. - Não esteve bem, sabia,
mas não tinha nenhuma possibilidade de vencer a você e a Charles.
—Vencer! Não era nenhuma maldita guerra, era um casamento, e você
tinha um poder que nunca tentou usar.
Muito doída, se revolveu.
—Que poder? Não tinha nenhum poder. Tentei tudo.
—Provou com suas argúcias femininas?
Hannah as desdenhou.
—Não era honesto as utilizar.
—Honesto, diabos! - Apontou para ela com o dedo. - Seis meses, Hannah,
demorou para abandonar os mais sagrados votos que podem fazer um homem
e uma mulher. Compartilhou o leito comigo. Eu era escravo de seu corpo.
Se tivesse me falado na escuridão da noite depois de ter me feito o
homem mais feliz do mundo, faria qualquer coisa por você.
—E logo teria se queixado de manipulação.
—Provavelmente. Eu era jovem, estúpido e obstinado. - zombava dele
mesmo quando era jovem. - Mas a teria escutado e você teria tido o direito de
governar seu próprio lar, possuir sua boutique, se converter na mulher que
queria ser e a esposa com a que eu sonhava. Mas você... você foi muito
orgulhosa para utilizar as armas que tão bem esgrimia.
Só choramingava. Como se choramingar fosse muito mais honorável que
utilizar as argúcias femininas.
—Eu não choramingava! Tentava conseguir que me escutasse!
—Que escutasse suas palavras. E quando as palavras não funcionaram, o
que fez?
Engoliu saliva para evitar um estalo de pranto.
—Está tergiversando tudo. Não foi minha culpa!
—Me abandonou. Me deixou sozinho. Me deixou para que enfrentasse à
desgraça, à injustiça e às acusações de assassinato.
Dizia com muito sentimento. Via a dor que havia nele, uma dor que nunca
teria imaginado que aquele homem frio e cínico pudesse sentir. Dougald a
odiava. A culpava de suas desgraças.
—Esperei este momento durante anos, querida. - Sua voz se fez mais
suave, mais profunda e mais ameaçadora. - Anos pelo momento de me
encontrar frente a você e olhar como se quebrava em pedaços.
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The Governess Brides 03
Uma Hannah muito mais jovem aguardava no pátio da Knight Arms Inn de
Liverpool e observava como os palafreneros e os moços de estábulo subiam e
rodeavam o carro e trocavam os cavalos para o próximo lance do caminho.
Tinha passado muito tempo desde a última vez que subira em um
transporte público; desde antes que sua mãe morresse. Desde antes que
fossem a casa de Dougald.
A casa de Dougald? O lugar onde a Hannah menina acreditara que poderia
viver sempre e se sentir a salvo. O lugar onde a Hannah moça havia chegado
como uma noiva avermelhada, com a esperança de se converter por fim em
parte de uma família. Agora, aquela fria mansão de pedra cinza só lhe
recordava seus sonhos frustrados.
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desta vez se ia, o que ficaria salvo o orgulho quebrado, um espírito abatido e
os sonhos de uma família que jamais se fariam realidade?
Os sonhos de fundar uma família com Dougald. Dougald, que demonstrara
ser cruel e malvado com cada palavra que pronunciou. Dougald, que lera seu
pensamento e todos seus temores e os utilizara para zombar dela.
Hannah franziu o cenho.
Ele a acusava de o abandonar. De fugir de seu casamento sem realmente
tentar que funcionasse.
Mas ela tentara. Tentara! E só para lhe demonstrar que estava
equivocado?
—Eu não vou a nenhuma parte - repôs.
A consternação invadiu o rosto da senhora Trenchard.
—Senhorita Setterington?
Hannah pôs o pé no chão com cuidado.
Dougald não era cruel nem malvado. Era frio, difícil e o açulavam uns
demônios que ela não compreendia. Mas nunca montaria uma armadilha para
que ela caísse! A ideia era ridícula.
—Não vou. Ele não pode me obrigar.
A senhora Trenchard umedeceu os lábios.
—Senhorita Setterington, embora lamente contrariá-la, sim, sim pode.
Fazendo caso omisso da senhora Trenchard, Hannah ficou em pé pondo a
prova a força de seu tornozelo, pondo a prova sua determinação.
A senhora Trenchard lhe mostrou uma carta.
—Escrevi isto para você, é uma carta de recomendação em que elogio
todas suas qualidades.
Hannah pegou a carta, deu uma olhada e a lançou sobre a cama. Estava
ocorrendo algo, algo que não compreendia, mas não pensava deixar às tias
antes da visita da rainha. Não pensava ir sem conhecer seus avós.
—Obrigado, senhora Trenchard, mas não vou.
—O amo sempre se sai com a sua - repôs a senhora Trenchard com um
toque de desespero na voz.
Hannah deu um passo curto e capengante. Satisfeita que seu tornozelo
aguentasse, estendeu a mão para pegar a bengala.
Dougald a estava jogando por algum motivo. Talvez fosse porque tinha
terminado com ela ou talvez ocorresse algo mais. Algo concernente a seus
avós, às tias ou à própria Hannah.
Talvez Dougald tivesse encontrado uma amante mais desejável que
Hannah, mas fosse qual fosse a razão, Hannah não deixaria Dougald até que
ele sofresse o que ela sofrera.
Quando a senhora Trenchard a deu, Hannah a olhou fixamente aos olhos.
—Nada nem ninguém vai me jogar do castelo Raeburn até que esteja
preparada para ir.
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The Governess Brides 03
Capítulo 22
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Ela teria que compreendê-lo, porque, para que sua linhagem familiar se
perpetuasse, necessitava uma esposa.
Entretanto, enquanto caminhava pelo corredor, sentiu uma grande
preocupação. Sim, necessitava uma esposa. Necessitava um herdeiro. Já tinha
Hannah; nos últimos dias ficara demonstrado repetidas vezes e de maneira
assombrosa que funcionavam bem na cama. Engendrariam um herdeiro, o
esperado herdeiro, dentro de muito pouco tempo.
Se deteve ante a porta aberta da despensa. A pequena peça se usava
para guardar a baixela, os uniformes dos criados, os guardanapos, cadeira de
reposição e algo que os criados pudessem necessitar.
Uma parede estava cheia de prateleiras, contra a outra se achava uma
mesa. Se ofendia muito a Hannah, ela nunca voltaria a aceitá-lo em seu leito,
pensou depois de se expor várias opções, nenhuma delas atraente.
Podia se divorciar dela e se casar com outra.
Podia fazer que todo o peso da lei recaísse sobre ela e obrigá-la a retornar
com ele.
Ou podia cortejá-la.
Cortejar Hannah teria sido perder tempo. Já era dele. Mas as outras duas
opções o repugnavam, e sabia, sem nenhum pingo de dúvidas, que nunca
encontraria outra mulher que fizesse honra a seu leito da mesma maneira que
Hannah. Quando ele e Hannah faziam amor se consumiam de paixão e de
prazer. Precisava possuir Hannah, precisava possuir sua vontade.
Para possuí-la e a sua vontade, podia, claro está, utilizar o método lógico.
Quando tivesse despachado ao velhaco que tentara matá-la, a buscaria em
Londres ou Surrey ou.
—Céus, oxalá não tivesse que persegui-la além da Inglaterra! - e lhe
explicaria que a rechaçara por seu próprio bem.
Sem dúvida Hannah lhe fecharia a porta na cara, ou preferivelmente nos
dedos.
Hannah se sentava em um tamborete, de costas para ele, olhando o
aparador. Dougald se apoiou em um canto. A prataria cobria a exígua
superfície do aparador em uma fila resplandecente, e enquanto ele a
observava, ela ia ordenando as colheres, as empilhava e as colocava junto ao
outro montão de garfos que já tinha disposto cuidadosamente em um extremo.
Umas poucas mechas de cabelo, que lhe tinham soltado do coque, roçavam
sua nuca no preciso lugar onde ele ansiava acariciar. Dougald a penetrava com
um olhar de ardente intensidade.
Mas agora, para se desembaraçar dela, sabia muito bem o que dizer. Ao
fim e ao cabo, na diatribe que lhe arrojara em seu quarto se esqueceu de dizer
uma coisa muito importante e insultante.
Com uma mão abriu a porta de um empurrão tão forte que golpeou contra
a parede.
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queixosa. Se queixa até que um homem não ouça nem seus próprios
pensamentos.
Hannah tentou lhe atacar com a faca, uma tentativa vã, mas enquanto
estava distraído com sua tentativa, conseguiu lhe dar um bom murro no
estômago que o deixou sem fôlego.
Parecia ter aprendido outras técnicas de defesa das garotas da academia.
Com prática, poderia resultar letal. Por sorte, não tinha prática e Dougald
queria submetê-la do modo mais rápido possível.
Tirou a faca da mão dela e a lançou contra o aparador. Ficou pregada,
tremendo, na madeira.
—Vamos. Agora poderemos falar como pessoas razoáveis.
E a abraçou e a beijou.
Hannah não queria que a beijasse. Tentou afastar a cabeça, mas Dougald
a aproximou, a reclinou contra seu braço e a beijou forçadamente enquanto
saboreava a sensação do corpo a corpo.
Se assombrou um pouco de si mesmo. Pensava que, depois de anos de
solidão e isolamento, aprendera disciplina. Considerava a si mesmo um homem
implacável, intrigante, carente de paixão, carinho e humanidade.
Conforme parecia estava equivocado. Era apaixonado, o bastante ardoroso
para fundir o aço e muito humano.
Então o mordeu, justo no lábio superior.
Dougald se tornou um pouco atrás e contemplou à mulher que ainda
abraçava.
Lhe devolveu o olhar, com o peito agitado do esforço por recuperar o
fôlego. Seus lábios, avermelhados e acariciados pelos de Dougald,
permaneciam firmes, e tinha o queixo levantado. Os olhos eram uma mescla de
cor castanha e paixões turbulentas. Teria jurado que Hannah o olhava, o
julgava e tomava uma decisão.
—Dougald, me solte neste mesmo instante ou não vou poder te despir -
ordenou ela no tom mais inflexível da instrutora mais severa do mundo.
Em um abrasador e súbito vislumbre da verdade, Dougald compreendeu
que a amava. Todo esse tempo, todos aqueles anos, disse a si mesmo que
urdia os planos e as intrigas para dar a Hannah seu castigo por ter lhe deixado
em ridículo, quando na realidade esteve apaixonado por ela todo o tempo. Não
queria submetê-la. Queria fazê-la sua.
Mas, por que se comportava daquela maneira? Por que não tirava os olhos
dele?
Que mais lhe dava! Se ia lhe despir e seduzir, embora só fosse para
distraí-lo e poder cravar uma faca no seu coração, bom, havia piores maneiras
de morrer.
Tirou a jaqueta, logo pegou uma das cadeiras da mesa que estavam ali
guardadas e a trancou sob o trinco da porta. Voltou com ela e ficou quieto para
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Capítulo 23
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Cabeça alta, costas reta, mãos nos braços da cadeira, joelhos e pés juntos.
Se a desejava, teria que seduzi-la.
—Querida, deixa que a sirva.
Dougald se ajoelhou ante ela, como um suplicante mortal ante sua deusa.
Apertava o ventre contra os joelhos de Hannah, e lhe acariciava as coxas com
as mãos. Queria abrir as pernas dela. Insistia sutilmente, utilizando o corpo
para guiá-la.
Mas ela não queria que ele a guiasse e se reclinou para trás na cadeira,
deixando que os balaústres lhe esfriassem as costas. Levantou um braço,
voltou a cabeça para a parede e colocou a mão sob o queixo.
—Me agrade - ordenou.
Dougald riu com uma risada profunda e silenciosa.
—Como você mandar, querida.
Pegou sua mão livre, a levou aos lábios e lhe beijou cada dedo até chegar
ao mindinho. O meteu na boca até o nódulo, o chupou de um modo que
sugeria... bom, sugeria um movimento que a enchia de prazer.
Logo mordiscou a ponta. Hannah deu um salto e tentou se retirar.
—Não. Sente-se, Fique quieta. Se quiser que a agrade deve ficar quieta -
insistiu Dougald.
Assim se sentou enquanto ele beijava a palma da mão e guiava o beijo
para cima pela face interna do pulso, subia pelo cotovelo e passava por cada
sarda e curvas sensíveis. Dougald a agarrou pelos ombros.
Na escuridão, a carícia e a textura de suas pontas calosas a encantavam.
Quando se deu conta que ao voltar a cabeça tinha posto a descoberto o
pescoço para que ele o explorasse, começou a se maravilhar da sabedoria de
seu decreto.
Dougald adorava beijar sua nuca. Normalmente, quando ele deslizava os
lábios sobre a tenra pele da nuca, os dedos dos pés dela se encolhiam, a
respiração se acelerava e tentava afastá-lo.
Agora, graças às ordens explícitas de Hannah, ele tinha carta branca. Mas
deve ter notado sua apreensão porque lhe sussurrou ao ouvido:
—Confia em mim, meu coração.
Com uma mão sobre o ombro e outra na cabeça, beijou-lhe tão levemente
que mal sabia se estava ali. Mal o notou, salvo por seu aroma, essa
combinação de especiarias e couro que lhe resultava tão íntima, pelo modo em
que todo o pelo de seu corpo se arrepiava para ele, pela tensão que sentia no
ventre, pela exaltação dos mamilos.
Ela queria se voltar para ele, segurar sua cabeça com as mãos e abrir a
boca junto à dele. Queria fazer com ele o que ele fazia a ela, e muito mais.
Companheiros. Eram companheiros por toda a vida e aquela era sua
última vez.
A tristeza a invadiu, mas ele não podia ver seus olhos. Não sabia. Assim
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era melhor. Não queria que percebesse do muito que ia sentir falta dele. Hoje
ocultaria sua pena. Algum dia talvez a dor da perda desaparecesse.
Dougald jogou com uma mecha caída de seu cabelo.
—Quando vejo um só cacho de cabelo solto, me dá vontade de te soltar o
cabelo, espalhar pelo travesseiro, enterrar o rosto em seu cabelo e respirar seu
aroma. - Os dedos de Dougald vagavam por cima das maçãs do rosto de
Hannah. Acariciaram seus lábios. Seguiram a curva do queixo, desceram para o
peito e logo se separaram para segurar os seios. - Eu adoro. Quando vejo esta
curva oculta sob seu vestido, tenho vontade de ir para você, te abrir o sutiã e
contemplar de novo o mistério de seu corpo.
Aquele elogio a fez sorrir apesar de sua pena. Suas carícias a faziam
esquecer tudo salvo o desejo.
—Não há mistério algum. É o corpo de uma mulher - disse ela com voz
rouca carregada de emoção.
—Se equivoca. É seu corpo. É o mistério que eu tento desentranhar. E
quando o obtenho, sempre penso, agora a entendo. Será minha para sempre.
Logo você se levanta e se veste e já não a conheço absolutamente.
Ardente, vibrante, ansiosa, sua voz tecia um feitiço que a segurava com
tanta certeza como a escuridão. Ao lhe escutar qualquer um teria dito que a
adorava, e talvez fosse assim.
Talvez aquela involuntária adoração aguilhoasse seu orgulho e fizesse da
vingança uma necessidade para aquele homem imperioso.
—Nunca me conhecerá - sussurrou Hannah.
—Não. - Algo roçou seu mamilo: uma respiração e uns lábios suaves. -
Nunca a conhecerei de todo. Retornarei uma e outra vez até que o consiga.
—Não. - Sacudiu a cabeça e tentou se colocar frente a ele.
—Ainda não.
Lhe voltou a cara de novo e pôs uma mão sob o queixo e outra sobre o
encosto da cadeira.
Logo... nada. Ainda estava ali, mas sem se mover, mal respirando.
Estava olhando-a. Ela sabia e sem afetação soube que a visão o comovia.
—Deveria ordenar que a pintassem assim - disse Dougald.
—Não.
—Tensa, régia, gloriosa.
Hannah levantou as mãos para a atadura.
—Não.
Ele as agarrou.
—Espera. - Beijou os nódulos, logo cada palma. - Não fiz mais que
começar.
Com renovado ardor beijou um mamilo, logo com lenta fruição o meteu na
boca. O saboreou como se quisesse degustá-lo. As mãos se hospedaram nos
quadris de Hannah e acariciou o ventre com os polegares.
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jamais.
Capítulo 24
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nariz arrebitado.
—Não... não sei do que me fala.
Dougald intercambiou um olhar com Charles. O gesto de Seaton fora tão
eloquente como uma confissão de culpabilidade, mas Dougald queria uma
verdadeira confissão, queria os detalhes, queria capturar aos conspiradores e
ouvir o que Seaton planejara. Como Hannah insistira em ficar até depois da
visita da rainha, Dougald precisava saber tudo.
—É muito tarde. Estou cansado. Charles diz que me ponho muito
desagradável quando estou cansado. Espero que não me entretenha aqui
muito tempo ou me esgotará a paciência - disse Dougald, depois de uma
prolongada e silenciosa pausa durante a qual Dougald observou Seaton se
mover intranquilo um par de vezes mais.
—É melhor que confesse ante o amo antes que se enfureça - disse Charles
se inclinando para Seaton em tom obsequioso.
O olhar de Seaton voava de um a outro interrogador, um olhar que tinha
um pouco de incerteza.
—É isso o que o fez matar a sua esposa? Um arrebatamento de ciúmes?
—Não, senhor. Não estava ciumento absolutamente - repôs Charles
esfregando outra vez as mãos.
Dougald mal conservava a circunspeção. Charles estava desfrutando
muito com tudo aquilo. Dougald também teria desfrutado se a situação não
fosse tão séria.
—Charles, ultrapassou seus limites.
Charles retrocedeu para a parede mais afastada.
Depois de lhe dirigir um olhar longo e severo, Dougald voltou a centrar sua
atenção em Seaton.
—Bom, quero sua confissão e a quero já. Que estupidez esteve tramando?
Seaton olhou para Charles e logo para Dougald.
—Nada. Eu não estive...?
Dougald começou a ficar em pé.
Charles soltou uma exclamação.
Seaton mudou de tom e de intenções.
—Quer dizer... eu não acreditei que você soubesse?
Dougald voltou a se sentar.
—Confessa.
—Devolverei tudo - disse Seaton endireitando as costas aumentada pelas
ombreiras.
Não foi necessário que Dougald fingisse confusão.
—Devolver tudo?
Seaton segurou a própria testa.
—Foi esse colar que me deu de presente, não? Que peguei da senhora
Grizzle?
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Capítulo 25
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Mas se Dougald fora feliz naqueles últimos quatro dias, Hannah vira,
maldita a graça!, poucas amostras disso. Pelo contrário parecia gasto, como se
tivesse pouca paz e até menos sono.
Isso era o que Hannah esperava; que fosse desgraçado! Esperava que
cada vez que a visse na mesa do café da manhã, cada vez que a ouvisse
chamar as tias, cada vez que pensasse nela, se sentisse culpado, aflito,
zangado... mas não podia mentir a si mesma. Na realidade, o que queria que
sentisse eram as torturas da carne. Esperava que a olhasse e o membro se
levantasse e se enchesse.
Deus sabia que Hannah se vestiu para incitar os ingovernáveis instintos de
Dougald. Cada noite ficava acordada até tarde, dando pontos nas suas
camisolas, baixando os decotes, entrando as cinturas, acrescentando um
babado de renda às anáguas ou as cintas-ligas. Cada dia se assegurava que ele
se fixasse no decote, no tornozelo, em seu sorriso. Dougald nunca saberia o
que sofria quando o via, e imaginava quão vazia sempre estaria sua carne,
pensava em como murcharia e se faria velha sozinha, sem o consolo de um
marido, de um amante, de Dougald.
Os pedais golpeavam a um ritmo infernal e as lançadeiras voavam
enquanto Isabel e tia Ethel teciam os últimos retalhos da tapeçaria da rainha.
Os ombros das anciãs se moviam, tinham os olhos injetados em sangue,
mas os lábios firmes demonstravam sua determinação. Em dois dias, justo
antes das doze, a rainha Vitória chegaria em um vagão acondicionado para a
realeza. Com ajuda das donzelas, que iam em sua busca e aproximavam algo
que as tias pudessem necessitar, e de Hannah, que organizava e lhes dava
uma mão, a tapeçaria estaria acabada e penduraria da parede do salão
grande, majestático e em todo seu esplendor.
Hannah estava satisfeita de ter completado seu encargo, e nos interlúdios
imaginava, com o mais fraco dos sorrisos, como podia atormentar ainda mais
Dougald. Precisava se apressar; faltava pouco tempo, contudo, para abandonar
o castelo Raeburn. Faltava pouco tempo para voltar a ver a rainha, para que
apresentassem aos Burroughs e lhes dissesse quem era ela.
Entrecerrou os olhos. Seria melhor que Dougald desse de boa vontade o
maço de cartas de amor como prova de seu parentesco ou se veria obrigada a
ficar até que o fizesse.
Hannah riu amargamente.
O tear de tia Ethel diminuiu o ritmo.
—O que lhe faz tanta graça, querida?
Hannah ficou olhando-a.
—Como?
Tia Ethel lhe deu um recorte de malha que logo colocariam na tapeçaria.
—Querida, seus bordados são tão delicados. Minnie desenhou uma coroa
para que a bordemos na tapeçaria. Gostaria de trabalhar nela?
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—Claro que sim, senhora, estou aqui para as ajudar. - Hannah agarrou a
tapeçaria e afundou a agulha já enfiada na malha.
Dougald entregaria as cartas de amor que seu pai tinha escrito a sua mãe
porque deixara bem claro que faria algo para se desembaraçar dela.
Segundo Dougald, o abandonara, não tentara realmente fazer que seu
casamento funcionasse.
O qual simplesmente demonstrava que esse homem tinha uma atadura
nos olhos, pois ela havia feito todo o possível para que seu casamento
funcionasse e nada do que ele havia dito lhe tinha gerado a mais mínima
dúvida de que seus esforços tinham sido supremos. Sem dúvida. Nem a menor
duvida.
A culpa de tudo era dele. Sempre!
—Querida, o que está fazendo? Se supõe que deve ser uma coroa de ouro
maciço e não uma pepita.
Tia Ethel lhe tirou das mãos a tapeçaria enquanto Hannah piscava atônita.
Um rápido olhar demonstrava que seu bordado era pouco menos que perfeito,
sim, mas ela considerava que as tias estavam sendo grandemente ingratas
com seus esforços para ajuda-las. Bom!, possivelmente esteve um pouco
distraída, mas certamente...
A lançadeira de tia Isabel diminuiu o ritmo.
—Senhorita Setterington, querida, pode ir a qualquer outro lugar? Me irrita
quando fica aqui sentada em estado contemplativo. Se mova, moça! A rainha
está para chegar!
Hannah dirigiu sua atenção a tia Isabel.
—A irrito?
Algo em sua expressão deve ter alarmado às duas anciãs, porque tia Ethel
murmurou.
—Vê? Já conseguiu.
Tia Isabel gesticulou com as mãos.
—Não, não, não é irritar. É somente que quando tenho um pouco de fome
tudo me irrita.
—E tia Isabel deve estar faminta porque esteve tão zangada como o gato
do coronel - disse tia Ethel.
—Me faria um favor, senhorita Setterington, se fosse procurar à senhora
Trenchard e comprovasse que está preparando o chá.
—Uma das donzelas?
—Não, nenhuma das donzelas! - Tia Isabel se refreou. - Quero dizer, lhe
juro que as donzelas se dão um passeio, com as mentes em seus desbaratados
assuntos amorosos, e nunca transmitem a mensagem, e estamos desfalecidas
de fome. Por favor, senhorita Setterington, confiamos em você.
Aquilo tinha sentido para Hannah.
A senhorita Minnie e tia Spring ficaram em pé, se aproximaram dos teares
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"Hannah, venha a sala da torre desta ala. Tenho uma ideia para a visita da
rainha e desejo consultá-la com você."
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lugares; o sol caía com exiguidade sobre as bolinhas que vagavam sem
propósito.
Hannah pensou que ela era uma mulher sensata e séria, mas a idade e o
vazio alimentavam uma pena profundamente arraigada em sua alma.
As faces abertas do alçapão lhe produziam dor no tornozelo e
prudentemente a fechou. Se movendo com o sigilo de um enfermo em um
funeral, se aproximou da janela que dava ao sul e abriu o fecho das
venezianas.
Se abriram de par em par e a luz do sol alagou a sala. O sentimento de
abandono se fez mais intenso. Dali divisava o lado vazio do castelo, onde não
cresciam jardins nem passeava ninguém.
Aquela torre tinha pago o preço de sua má fama.
Quis olhar mais à frente, ver o panorama que se abria além daquela sala.
Mas recordava muito bem a queda que havia da janela de seu dormitório e
aquela era mais alta, muito mais alta.
Então retrocedeu, e elevou o olhar para o horizonte. Viu a neblina azulada
do céu sobre o oceano e logo as ondas que lambiam a praia, as onduladas
colinas e os vales e campos que brilhavam com o primeiro broto da primavera.
Poderia chegar a fazer de Lancashire seu lar. Poderia chegar a amar essa
combinação de terra e mar. Não só era potencial, realmente a amava.
Amava aquele lugar, e retornaria... se tudo ia bem e seus avós a
aceitavam. E Dougald estaria ali, no castelo Raeburn, talvez casado com outra
mulher, talvez se afundando em sua própria amargura.
Hannah não podia salvá-lo. Nem sequer podia salvar a ela mesma.
Reclinada contra o marco da janela, cruzou os braços e contemplou
fixamente a vista. Como odiava ter que admiti-lo! Entretanto que bem fazia
mentir para si mesma? O certo era, e a ironia era, que as mentiras que disse a
si mesma aos dezoito anos eram certas. Aos dezoito anos se entregou a
Dougald porque o amava. E agora, no castelo Raeburn, se entregou a Dougald
porque seguia amando-o.
Não importava quão furiosa ela estivesse nem o dano que lhe tivesse
feito, não importava quem era o responsável pelo fracasso de seu casamento,
Hannah sempre o amaria.
O chiado metálico de uma dobradiça fez que se voltasse de súbito.
Dougald estava ali, lhe estendendo um pedaço de papel.
—Hannah? O que quer? - perguntou, com o cenho tenso e um olhar
receoso.
Capítulo 26
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"Dougald, se reúna comigo na torre desta ala. Tenho que te contar algo
muito importante."
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—Sente-se.
—Sim. - Fechou devagar os olhos e desabou no chão. - Devo pensar.
Presa do desespero, Hannah tentou levantá-lo, mas pesava muito e a dor
do tornozelo se reavivou, assim se viu arrastada ao chão com ele. Hannah
recostou a cabeça no colo de Dougald e choramingou.
—Está morto? - Tomou o pulso no pescoço.
Pulsava acelerado sob seus dedos.
—Não, não está morto. - Declarar o que era óbvio lhe produziu uma rara
espécie de consolo.
A cabeça de Dougald pendurava de lado no torso de Hannah.
—Se permitir que Dougald viva - disse Hannah, fazendo um desesperado
pactuo com o Todo-poderoso, - serei o tipo de esposa que ele sempre quis. -
Passou-lhe as mãos pelos ombros, mas não conseguia encontrar o buraco de
bala. Mas vira aquela explosão de fios e aquelas gotas de sangue, então
procurou de novo. - Farei tudo o que ele me diga, se permitir que siga, -
procurou o lugar onde a bala o tinha ferido - respirando.
O olhou à cara. Ele a contemplava através daqueles olhos maravilhosos e
penetrantes.
—Poderia repetir isso, por favor, com a mão sobre uma Bíblia?
A bala fatiara a parte carnuda do ombro por cima da clavícula e saído a
um milímetro de onde penetrara. Sabia que lhe doía; mas sem dúvida não o
matara.
—Mas, se mal está ferido!
Dougald se moveu para ficar a vontade.
—Queima-me como um demônio.
—Não tente me enredar, lorde Raeburn. Foi pior essa surra que lhe deram.
Tentou afastar a cabeça, mas ele rodeou sua cintura com o braço. Ao cabo
de um momento de se debater com pouco entusiasmo, Hannah cedeu. Porque
estava sangrando embora a ferida já estivesse enfaixada.
Porque a luta com Alfred a assustara tanto que lhe arrebatara o pouco
juízo que restava. Porque era Dougald, e o amava.
A néscia da Hannah, apaixonada durante anos por um homem que a
queria e odiava querê-la, e logo culpada porque lhe pareceu que aquele acordo
era injusto e o abandonou.
—Você não merece uma boa esposa.
Ele recostou a cabeça mais perto de seu seio.
—Eu não quero uma boa esposa. Quero a você.
—Se supõe que é uma adulação?
—Acaso não a adula?
Era triste admitir, mas sim, a adulava o ouvir dizer que a queria como
esposa apesar de sua inépcia para viver a tradicional vida de casada ou
inclusive suportá-la, bom, sentiu vontade de rir.
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Capítulo 27
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matá-los no castelo em plena luz do dia? Não tinha nem ideia de que se
delatou ante Hannah.
Com esse pensamento em mente, Dougald caiu na conta que Hannah o
convencera.
—Tem razão - admitiu. - A senhora Trenchard é a assassina.
—Sim - repôs Hannah, sem denotar na aparência a generosidade de
semelhante concessão, - e estive pensando. A prova está na capela.
—Na capela? Por que na capela?
—Me custou uma dor de cabeça demonstrar que toda a trama se centra
na capela.
Com um sobressalto, Dougald recordou o que Charles disse. Alguém
golpeara Hannah na capela.
—Claro.
—Além disso, se minha triste teoria for certa, em que outro lugar podia
estar a prova?
Recordou a atitude protetora que tinha a senhora Trenchard com a capela,
se encarregando da limpeza ela mesma, e do que lhe havia dito a respeito de
suas restaurações.
Se interessou pelas intenções que Dougald tinha com respeito à capela. Se
interessou muito.
—Tenho um plano - exclamou Hannah.
Segurando-a pelo braço, Dougald a levou pelo corredor.
—Me conte.
Quando terminou de contar ele sacudiu a cabeça.
—Não. Tem que haver um modo melhor.
—Talvez o haja, mas agora mesmo não me ocorre nada melhor, e não fica
muito tempo antes da visita da rainha. Seria uma autêntica falta de etiqueta se
um de nós é assassinado antes de sua chegada.
—Não posso discutir isso, mas devo te advertir que ainda tenho minhas
dúvidas com respeito a suas deduções. Observei que a senhora Trenchard tem
muito carinho a Seaton.
—Como a maioria das mulheres!
Dougald não gostou desse comentário.
—Por quê? É somente o cachorrinho mais fraco da isca de peixe.
—É encantador, sempre conhece as últimas fofocas e gosta das mulheres.
—Também eu gosto das mulheres.
—E estava acostumado a ser encantador. Talvez possa voltar a cultivar
esse traço de seu caráter. - Lhe dirigiu um descarado sorriso. - Mas mexericar?
Acredito que não.
Pode pôr cara de poucos amigos ou pode mexericar, e nos últimos nove
anos aperfeiçoou a arte de pôr cara de poucos amigos.
Pôs cara de poucos amigos.
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—Senhora Trenchard, o que você está fazendo? - disse com voz lenta e
paciente.
A mulher soltou uma exclamação de surpresa, logo se voltou tão depressa
que Dougald piscou atônito. Sustentava a vela em alto e na outra mão
empunhava uma pistola, com a que apontou a ele... e a Hannah.
Seaton ficou a coberto.
As tias lançaram outra exclamação.
Hannah tentou se interpor entre Dougald e o cano da pistola.
Ele a empurrou para pô-la atrás dele.
Com uma voz tremula, tia Spring perguntou:
—Judy, foi aqui onde enterrou a meu bebê?
Capítulo 28
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mais velha. Tinha trinta e dois anos e não podia encontrar marido.
Me consolava pensando que você ficara para titia. Eu tinha um homem,
mas para o que me servia? Então você... você conheceu o senhor Lawrence.
Era bonito, forte e valente.
Tia Spring sorriu ao recordá-lo.
—Sim, era.
—Tudo o que eu não tinha. Guardava muito ressentimento contra você, um
ressentimento que me roia as vísceras. Me alegrei de dispor seus encontros
secretos.
—Agradeço sua ajuda.
—Já sei. Você só via bondade em mim.
—Querida?
—Não. Não fui boa. Só esperava que seu irmão os surpreendesse e a
jogasse do castelo. Em troca, sabe o que aconteceu? O senhor Lawrence lhe
fez um filho. - A senhora Trenchard levou a mão aos olhos e soluçou.
—Eu não podia ter filhos. Em todos aqueles anos de casamento, meu
corpo nunca germinou. Mas você... sua gravidez avançava cada dia mais. Sua
senhoria, seu irmão, enviou o senhor Lawrence à guerra, mas mesmo assim
você seguia sendo feliz, acariciando o segredo de seu ventre. Você estava
radiante de felicidade, e nem sequer a perspectiva de sua desonra
compensava minha infelicidade.
As lágrimas discorriam pelas rosadas e enrugadas faces de tia Spring.
—Judy, você não é a responsável pelo que ocorreu.
—Eu lhe desejava o pior. Queria que toda sua felicidade se acabasse.
Os gelados dedos de Hannah se fecharam convulsivamente nos de
Dougald, que segurou suas mãos e as esquentou entre as dele.
—Se desejar algo mal pudesse pôr fim a uma gravidez, Trenchard, teria
muitas mulheres sem filhos - comentou a senhorita Minnie.
A senhora Trenchard pareceu não ouvi-la. Só falava com tia Spring e só
escutava a ela.
—Foi minha culpa. Eu não fazia mais que odiá-la. Imaginei que morria e o
bebê também, em lugar disso, chegou a notícia da morte do senhor Lawrence.
Eu não queria lhe fazer mal.
Tentei que tudo voltasse para seu lugar. Seriamente, mas a notícia a
impressionou tanto que perdeu ao bebê.
—Judy, querida, não foi sua culpa. - Tia Spring tentou abraçar à senhora
Trenchard.
A senhora Trenchard escapou dando um passo atrás.
—Ajudei minha mãe em seu parto. Deu a luz uma doce menina,
perfeitamente formada, mas muito pequena para viver.
—Recordo. - A voz de tia Spring tremia.
—Minha mãe me deu isso para que a enterrasse. Disse que a enterrasse
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em terra sagrada para que fosse ao céu, mas que a escondesse para que
ninguém descobrisse jamais sua existência.
Disse que se o fazíamos bem, ninguém nunca conheceria sua desonra, e
poderia se casar e ser feliz.
—Mas eu não podia me casar com ninguém. - Tia Spring enxugou as
lágrimas com dedos trêmulos. - Amava Lawrence, e ele estava morto.
—Eu fracassei. Envolvi ao bebê, o meti em minha caixa de costura e o
trouxe aqui. Pensei que estaria seguro. Protegi o bebê de qualquer um que
tentasse descobri-lo. Protegi a você, senhorita Spring.
—Por fim a senhora Trenchard levantou a vista de tia Spring e lançou um
olhar desdenhoso a Hannah. - Mas essa bastarda intrometida encontrou o
lugar!
Hannah se equilibrou para a senhora Trenchard.
Dougald a segurou pelo braço.
Como se nada tivesse ocorrido, a senhora Trenchard acabou:
—E agora, por culpa dela, você nunca se casará. Nunca será feliz.
Hannah se acomodou em seu assento, mas a sacudiam tremores
esporádicos, como se lhe tivessem disparado nas vísceras.
Dougald nunca a vira reagir com tanta veemência, mas tampouco antes
ouvira ninguém chamá-la bastarda.
—Está louca - murmurou para Hannah. - A ninguém importa do que a
chamou.
—A mim sim. - Hannah o olhou fixamente, logo afastou a cara. - Louca ou
não, sim me importa.
Tia Spring agarrou as mãos da senhora Trenchard nas suas e a olhou aos
olhos.
—Judy, querida, matou a todos os condes de Raeburn?
—De modo que compreende - murmurou Dougald a Hannah.
—Pobre tia Spring - respondeu Hannah com um sussurro. - Ter que
confrontar isto agora.
A senhora Trenchard respondeu a tia Spring sem vacilação.
—Eu não matei a todos. Não matei nem a seu irmão nem aos filhos de seu
irmão. Mas aos outros dois, sim. Iam destroçar a capela para restaurá-la. Não
podia permitir.
—Judy, matar às pessoas é algo mau, muito mau - disse tia Spring.
—Sei. - A senhora Trenchard parecia impaciente com a amável instrução
de tia Spring. - Mas já estava condenada por matar Lawrence e ao bebê. Que
importavam outros?
Tia Spring sacudiu os dedos da senhora Trenchard.
—Tem que me prometer que não voltará a matar nunca mais, nem sequer
por meu bem.
A senhora Trenchard assentiu.
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Capítulo 29
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—Eu já suspeitava que não era o santo que sua avó pretendia - disse
Hannah.
—Não terá que falar mal dos mortos, mas tive minhas razões. - Sua boca
recuperou a habitual dureza.
—Não me lembro de minha mãe. Minha avó me deu todo o afeto, mas
meu pai era um tirano que não sentia nenhum amor por mim nem nenhum
interesse pelo que eu fazia, salvo aquilo que contribuía positivamente para
elogiar o nome da família.
—De modo que se rebelou.
—Já ouviu os rumores.
—Alguns - admitiu. - Faz anos, e mais recentemente de boca de Seaton.
—Seaton. - Dougald sorriu, mas não com simpatia. - Se ele tivesse
conhecido os detalhes, teria jantado fora durante anos.
—Tão horrorosos são os detalhes?
—Meu pai insistia no trabalho duro e na abstinência. Eu zombava dele.
Minha avó não deixava de dizer tolices sobre a honra da família e a tradição.
Eu o odiava. Tudo o que dizia me parecia passado de moda e restritivo.
Eu sabia o que queria, e não era a vida de um homem de negócios,
sempre com seu traje negro e a gravata ao redor do pescoço. - Muito sério,
Dougald tocou a própria gravata tão formalmente atada.
—Não, minha família era rica, então eu queria me dedicar à boa vida.
Quando tinha quinze anos, cada noite bebia até perder o sentido, fumava
charutos até cheirar mal e visitava as mais refinadas prostitutas.
Era todo um homem, um homem duro.
Hannah não podia imaginar Dougald levando uma vida tão desenfreada.
Levantou o olhar para topar com o olhar incrédulo de Hannah fixo nele e
acrescentou:
—Até que meu pai cortou a mensalidade.
Hannah fez uma careta.
—Não podia acreditar. Não podia acreditar que tivesse feito aquilo comigo.
O odiava tanto.
—Compreendo.
A olhou fixamente.
—Você?
—Eu também tive um pai - se explicou. - Ele não se casou com minha
mãe.
—Talvez quis, mas não pôde desafiar a seus pais.
—Os avós que conhecerei amanhã.
Quase desejou poder evitar esse encontro até que tivesse desenvolvido
mais confiança em si mesma, um espírito mais forte, ou que ao menos o pior
de sua tormenta emocional tivesse passado.
—Grande casal fazemos! - disse Dougald em seu tom mais pessimista.
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—Parece razoável.
—Sim. Sim, era. Mas o certo é que, sob meu ingênuo assombro, se
moviam os fantasmas de meu passado. Sempre me sussurravam ao ouvido. -
Com um tremulo suspiro admitiu:
—Nunca acreditei que nosso casamento durasse.
O rosto de Dougald se converteu na fria máscara do homem de negócios e
o senhor de Raeburn.
—Já vejo.
—Não, não entende. Você e eu não podíamos estar pior emparelhados.
Você, com tanto que demonstrar. Eu, sabendo que nenhum homem me
quereria eternamente.
A máscara dele caiu, deixando ver um homem confuso.
—Que não a quereria? Eu a queria todo o tempo. Tanto que me dava
vergonha. Temia perder o controle. Não sabia?
—Não, e se tivesse sabido, não teria servido de nada. O que eu tinha
vivido era que nenhum lar no mundo durava. Não para mim.
—Eu permiti que Charles dirigisse nosso lar, então nunca foi seu lar.
—Mas você tinha razão ao dizer que podia ter enfrentado a ele e ganhar.
Tinha as armas. Só que pensei que não fazia sentido. - Hannah ouvira o relato
de Dougald, lhe comovera a verdade, e queria lhe oferecer a verdade em troca.
Mas era duro. Doía como doem as antigas lembranças. Mesmo assim, falou,
sem fazer caso do tremor de sua voz.
—Minha mãe... você conheceu minha mãe.
—Uma boa mulher.
—Sim, e me criou o melhor que pôde. Me rodeou de amor. Tentou me fazer
orgulhosa e forte, mas teve que me deixar enquanto ia trabalhar. - Tentou lhe
sorrir.
—Sabe?, as primeiras palavras que lembro ter ouvido foram: "Né,
bastarda, deixa isso!" Minha babá não se recordava de meu nome. Tampouco
se recordava do de seus filhos. Então eu fui: "Né, bastarda!"
Dougald se agarrou ao banco que tinham à frente.
—Sua mãe sabia disso?
—Claro que não, e não o contei. - Recordou as vezes que desejara contar
mas reconhecera a carga que sua mãe levava . - Que outra alternativa lhe teria
ficado?
—Nenhuma. - Dougald franziu o cenho. - Mas não entendo o que tem isto
a ver com nosso casamento. Nunca me preocupou que fosse legítima ou não.
Eu nunca a reprovei isso. Teria matado a qualquer um que o tivesse feito.
—Por mim? - Endireitando a coluna, Hannah lhe expôs a difícil pergunta: -
Ou porque ninguém devia caluniar sua esposa?
—Por você... por que... nunca? - Gaguejou até se calar. - Eu... não sei,
Hannah. Inclusive naquele tempo, quando era um jovem egoísta, nem tudo o
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Capítulo 30
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de cabelo negro e pele branca, que estava somente a seis anos fazendo o
papel de rainha, mas já deixara rastro na nação.
Adorava seu marido, que adorava a seus dois filhos, e levavam uma vida
familiar exemplar. Na realidade, Hannah percebeu com assombro que sua
majestade voltava a estar grávida.
Hannah olhava com avidez o inchado ventre de sua majestade. Por algum
motivo, a gravidez lhe parecia um estado muito desejável.
Avançou e lhe fez uma reverência.
—Sua majestade.
—Senhorita Setterington. - Com um carinhoso sorriso, a rainha Vitória lhe
estendeu a mão. - Me alegro de voltar a vê-la.
O príncipe Alberto estava junto a ela e atrás dele se estendia uma fila de
infantes pelas mãos de suas babás, damas de companhia e cavalheiros da real
câmara, todos embainhados em seus casacos, que subiam pesadamente os
degraus, entravam no vestíbulo e jorravam no chão.
—Sua majestade, me alegro muito de voltar a vê-la. - Consciente que
precisava se apressar, para que todo mundo pudesse entrar, Hannah se voltou
para Dougald.
—Sua majestade, me permite lhe apresentar ao Dougald Pippard, conde
de Raeburn?
—Lorde Raeburn, me alegro de lhe conhecer.
A rainha Vitória caminhou para as tias. Dougald a acompanhou.
—É um prazer conhecê-la. Posso lhe apresentar às damas por cujo
trabalho você está aqui?
Hannah se afastou, mas observava com orgulho enquanto as tias
cativavam à rainha e ao príncipe Alberto. Os convidados continuaram
entrando, as tias conduziram à rainha Vitória para o grande salão onde
pendurava a tapeçaria acabada atrás de uma cortina e Hannah dirigiu aos
convidados e aos serventes para que a visita transcorresse com a maior fluidez
possível.
Ao final, notou que quatro dos convidados ficavam quietos a seu lado. Se
voltou para eles, preparada para lhes mostrar o caminho para o grande salão
quando viu .
—Charlotte!
A antiga lady Charlotte Dalrumple, cofundadora da Distinta Academia de
Instrutoras, sorria encantada. E a...
—Pamela!
A antiga senhorita Pamela Lockhart, outra cofundadora da Distinta
Academia de Instrutoras, abraçou Hannah.
—Sua majestade nos pediu que viéssemos para te fazer uma surpresa!
Não está surpreendida?
—Estou... aniquilada.
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Hannah quase não podia falar da emoção. Aquelas eram suas amigas, as
duas pessoas, entre todo mundo, com quem compartilhara insipidezes e
tribulações, alegrias e triunfos.
Enquanto Hannah recebia o abraço mais forte de Charlotte, seu coração
estava transbordando de alegria.
Por cima do ombro viu o visconde Ruskin as olhando com um adorado
orgulho que só o marido do Charlotte podia sentir.
O marido de Pamela, lorde Kerrich, riu enquanto as três mulheres se
olhavam entre si, voltavam a se abraçar e se afastavam de novo.
—Não posso acreditar que estejam aqui. - Hannah tentou fazer uma
reverência a ambos os cavalheiros sem deixar de abraçar a suas amigas. -
Estou tão emocionada. Tão contente. Tudo saiu tão bem.
OH, Charlotte! Pamela!
Ruskin cruzou os braços sobre seu enorme peito.
—É bom contemplar a emoção das mulheres.
—Eu que o diga! - Kerrich levantou o monóculo e fiscalizou ao grupinho. -
Raramente se veem tão boas amigas.
Hannah não prestou atenção neles. Ambos eram homens atraentes, mas
arrogantes e propensos a uma grandiosa segurança em si mesmos e a uma
incrível rabugice.
O único traço que os salvava, em sua opinião, era a devoção incondicional
que sentiam por suas esposas.
Isso, e o fato de que Charlotte, com tranquila segurança, e Pamela, com
aberta franqueza, dirigiam a seus maridos quando os homens ficavam muito
repelentes.
No outro extremo do corredor, Hannah ouvia o tom carinhoso de Dougald
no discurso de boas-vindas.
Na realidade, poderia se dizer que os maridos de Charlotte e Pamela
estavam cortados pelo mesmo padrão que Dougald.
Hannah examinou a suas amigas mais de perto.
—Charlotte, Pamela? desculpem minha curiosidade, mas as duas estão
grávidas?
Suas amigas intercambiaram olhadas.
—Sim - disse Pamela.
—Acreditamos que nossos bebês nascerão na mesma época. - Charlotte se
deu uns leves golpes no abdômen ligeiramente aumentado.
Grávidas? durante só um momento, Hannah se perguntou se devia lhes
confessar sua própria suspeita.
Descartou a ideia. Tentar explicar ali no vestíbulo? e ao fim e ao cabo,
Dougald devia ser o primeiro a ouvir.
—São notícias de primeira ordem. Muitas, muitas felicidades - disse em
troca.
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mostrar a tapeçaria.
Os cavalheiros e as damas soltaram uma exclamação, logo o grande salão
ficou em completo silêncio.
A grande obra se estendia pela parede como uma surpreendente amostra
de mestria em uma sala o bastante grande e cheia de história para lhe fazer
justiça. O azul real estava salpicado de estrelas amarelas, uma lua de prata e
um sol de ouro. As joias, radiantes esmeraldas, safiras e rubis, se derramavam
da arca. Rosas vermelhas, brancas e rosadas se entrelaçavam com a borda, e
no próprio centro estava a rainha Vitória, resplandecente em seu traje da
coroação, com Alberto, cujos traços foram tecidos de novo, a seu lado.
Inclusive Hannah, que já vira a tapeçaria, que trabalhara nela e se
preocupou por ela, não pôde evitar se impressionar.
As tias olhavam fixamente à rainha.
A rainha olhava fixamente a tapeçaria.
E sua majestade guardou silêncio durante tanto momento que Hannah
começou a se preocupar.
Por fim, a rainha reagiu e se voltou para as tias.
—Senhoras, trabalharam nisto durante vinte e quatro anos? - disse com
voz tremula.
—Meses mais ou meses menos - repôs tia Spring. - Devo lhe confessar que
não teríamos nos emocionado tanto se você tivesse sido um príncipe.
Sua declaração provocou as tosses de alguns dos espectadores e Hannah
teve que reprimir um sorriso.
A rainha Vitória estendeu as mãos.
—Me comove sua amabilidade, sua generosidade. Sua imaginação e sua
habilidade não têm comparação. Em meu nome e no de gerações de ingleses
que entesourarão esta tapeçaria, estou encantada de aceitar este presente.
—A tapeçaria terá um lugar de honra no Buckingham Palace - disse o
príncipe Alberto.
A um gesto de Hannah, as tias se congregaram ao redor da rainha para
segurar as mãos dela e, indevidamente, todas a chamaram querida.
—A senhorita Setterington tinha razão. Sua majestade não é nenhuma
tola. - Anunciou tia Isabel a Dougald com sua voz mais clara.
Capítulo 31
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saber que era ele. Reconheceu seu aroma, seu calor, sua presença. Respirava
com ele. Seu coração pulsava com ele. Eram realmente um.
—Senhor Burroughs, é muito tarde para lhe pedir a mão de Hannah, mas
prometo que a honrarei todos os dias de minha vida.
—A sinceridade de Dougald fluía como um bálsamo sobre a ofensa do
senhor Burroughs e a consternação da senhora Burroughs.
—A perdi uma vez e nunca voltarei a fazer nada para perdê-la. Amo-a.
—De verdade? - Hannah se voltou para ele. - De verdade?
—O que quer dizer - Dougald parecia surpreso - com "de verdade"?
—Nunca me disse isso.
—E que acredita que era tudo aquilo que lhe disse ontem na capela?
—Foi precioso. - Acariciou a face dele, admirando a estrutura das maçãs
do rosto e a leve sombra da barba. - Sempre me lembrarei com carinho desse
momento.
—Mas quer ouvi-lo com todas as letras. - A abraçou pela cintura. - Te amo,
Hannah.
—Eu também te amo - confessou Hannah em um sussurro.
—Eu acreditava, - o senhor Burroughs murmurava. - Vá impressão... vá
dia!
—Mas são boas emoções - acrescentou a senhora Burroughs ao balbuceio
do senhor Burroughs.
—Sim. Boas. Nem todos os dias vem a tona que alguém tem uma neta,
felizmente casada! - O nevoeiro lhe arrepiou de maneira ameaçadora enquanto
dirigia seu olhar a Hannah. - É feliz?
—Muito, senhor.
O senhor Burroughs assentiu.
—E com o conde do lugar. Moço, aqui tem um tesouro. Trata-a bem ou se
verá comigo.
O súbito estalo de lágrimas surpreendeu Hannah e a obrigou a procurar
seu lenço. Nunca, jamais, nem sequer durante os dias de seu casamento, teve
a alguém a apoiando.
Agora tinha a seus avós e eles eram tudo com o que ela sonhara.
Sua avó viu as lágrimas e isso fez brotar as suas também.
—OH, minha doce moça! - Abriu os braços e se abraçaram de maneira
espontânea, soluçando e rindo ao mesmo tempo.
—Que tolas são as mulheres! - A voz do senhor Burroughs soava um pouco
mais rouca do que o habitual. - Sempre chorando pelas coisas mais
insignificantes. Senhoras, se supõe que são felizes!
E estreitou a mão de Dougald.
—Somos. - A senhora Burroughs usou seu lenço de renda para secar os
olhos. - Vê? - Dirigiu um sorriso a seu irascível marido.
—Agora temo que vão ter que nos desculpar. - Dougald utilizou seu próprio
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lenço para enxugar a cara de Hannah. - Sua majestade, a rainha Vitória, quer
falar com minha esposa.
Enquanto ela e Dougald se afastavam, Hannah pensou que o favor real
certamente não prejudicaria a conexão com seus avós, de fato, inclusive podia
favorecer as relações familiares entre os Burroughs e a ovelha negra de seu
marido.
Charlotte e Ruskin, Pamela e Kerrich se achavam de pé junto ao príncipe
Alberto e a rainha Vitória, e trocaram agradados sorrisos quando viram
Dougald e a Hannah se aproximar juntos e apaixonados.
Mas as cabeças se voltaram quando a voz de tia Isabel soou claramente
através do salão.
—Minnie, vou te pagar o que devo. Estão casados. Ganhou a aposta. Mas a
ninguém vai gostar que fanfarroneie por isso.
FIM
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