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REVISÃO DE LITERATURA

A estrutura cultural das instituições educacionais revela-se profundamente permeada


por burocracia, normatividade e uma busca incessante pela homogeneidade nos ritmos,
processos e linguagens. Nesse cenário, as culturas pertencentes a minorias, incluindo aquelas
de natureza linguística, enfrentam desafios para afirmar sua identidade. Torna-se imperativo
reconhecer a necessidade de romper com a tendência fechada da escola em relação a essas
minorias culturais que coexistem em seu âmbito, abraçando e incorporando os diversos
significados e sentidos que moldam o seu cotidiano. Observa-se um interesse em ascensão
nos estudos culturais no âmbito educacional. Para compreender as práticas sociais intrínsecas
à complexidade da vida escolar, torna-se essencial aprofundar o estudo das relações que
entrelaçam o social e o simbólico, gerando significados que conferem sentido às ações
pedagógicas. ( PAULA,2009)

As identidades locais, as minorias étnicas, raciais, religiosas e outras diversas


características culturais desenvolvem sua própria subjetividade e identidade nos complexos
espaços multidimensionais do mundo contemporâneo. Esses ambientes multiculturais,
estruturados pela lógica da diversidade, não apenas influenciam a riqueza da convivência no
pluralismo de perspectivas, mas, sobretudo, determinam as discrepâncias nas posições
sociais, ou seja, o habitus (BORDIEU, 1996).

Perlin (1998) sugere que a identidade é um conceito dinâmico em constante


construção, uma estrutura móvel sujeita a transformações frequentes, levando o indivíduo a
assumir diferentes posições. As identidades abrangem elementos relacionais e,
simultaneamente, de diferenciação, sendo moldadas pela coexistência da necessidade de
pertencimento e autonomia.

No contexto social, o termo 'surdo' carrega estigmas, estereótipos e associações de


deficiência, representando a urgência de normalização em oposição ao conceito de diferença.
Conforme Perlin (1998), os estereótipos em torno da surdez não abraçam a verdadeira
identidade surda, impondo uma representação contraditória que não favorece uma política de
identidade.

A aceitação de uma língua, como destaca Behares (1987), implica na aceitação si-
multânea de uma cultura. Logo, a questão da língua de sinais está intrinsecamente ligada à
cultura surda. Abordar a cultura surda como elemento construtor da identidade implica
necessariamente discutir a questão da língua de sinais, como a Libras. A cultura surda, por
sua vez, está relacionada à identidade do indivíduo que interage, frequentemente, com ambas
as comunidades (surda e ouvinte).

Vygotsky (1993) conceitua o homem como um ser sociocultural, argumentando que


seu desenvolvimento ocorre inicialmente no plano intersubjetivo e, posteriormente, no plano
intra-subjetivo. Nessa perspectiva de desenvolvimento, a linguagem desempenha um papel
crucial como mediadora das interações e da construção de significados no mundo.

Segundo a teoria social do reconhecimento, destaca-se na pauta política do grupo


surdo a importância de valorizar a identidade, promover a autoestima e incentivar a
participação social. Esses elementos ganham destaque, oferecendo a oportunidade de
redefinir a concepção de deficiência, afastando-a da posição de opressão.(NOGUEIRA et
al.,2020)

Para Garcêz (2017)O corpo detém uma autoridade significativa, comparável à do


discurso, e a língua de sinais evidencia uma dimensão intraduzível por meio da presença
física. Além disso, os elementos culturais presentes nas línguas de sinais desencadeiam
rupturas nas formas convencionais de representação.

É imperativa uma transformação profunda e imediata no processo de inclusão dos


surdos, considerando a participação ativa desses indivíduos na formulação de um novo
modelo inclusivo. Esse modelo deve abranger não apenas a questão linguística, mas também
atender às demais particularidades dessa diversidade, uma vez que os surdos continuam à
margem social, não alcançando plenamente seu desenvolvimento conforme suas
potencialidades. Apesar dos avanços legislativos relacionados à inclusão, persistem
contradições significativas na prática inclusiva, intensificando a sensação de opressão e
exclusão entre os surdos. Eles enfrentam a pressão de conformar sua identidade aos padrões
hegemônicos da sociedade.( SILVA,2014)

A legislação garante o uso da Língua Brasileira de Sinais (Libras) no ensino para


surdos, no entanto, sua implementação em políticas educacionais demanda ajustes nas
abordagens de estímulo e resposta. Para aprimorar as condições de ensino da leitura e escrita
em alunos surdos, os investimentos devem ser direcionados mais para adaptações na
modalidade de comunicação do que em alterações nos métodos de ensino.( PEREIRA;
ALMEIRA-VERDU,2012)
A surdez é concebida como uma forma de existir que se desenvolve no cotidiano,
principalmente por meio das experiências visuais de interação com a natureza e a sociedade.
Este modo de ser assume uma identidade particular, sendo afirmado através de elementos
culturais, destacando o "ser surdo", e de componentes linguísticos, como a língua de sinais
(Libras). NOBREGA et al,2012

É essencial que os surdos promovam iniciativas positivas, solidificando uma


comunidade e uma cultura distintas. A condição funcional desempenha um papel crucial na
formação da identidade e na estruturação das dinâmicas políticas que permeiam tanto os
grupos surdos quanto os ouvintes em sua convivência.( CROMAK,2004)

Pode-se inferir que, sobretudo no ensino medio, embora haja esforços para incluir
alunos surdos, essa prática não assegura o pleno acesso ao aprendizado. Isso se deve a
desafios na comunicação entre professores e alunos surdos, à falta de compreensão sobre a
surdez e à implementação isolada de adaptações metodológicas na sala de aula. É desejável
que, no contexto da inclusão de alunos surdos no ensino regular, sejam proporcionadas
condições para um ensino que respeite as particularidades da surdez, permitindo que esses
indivíduos se desenvolvam e participem ativamente na sociedade em que estão inseridos.
(MALLMANN et al., 2014)

Os resultados da pesquisa de Mallmann et al (2014) indicam que, embora os alunos


surdos compartilhem o mesmo ambiente escolar com os ouvintes, isso não garante um acesso
efetivo às experiências de aprendizagem. Os desafios dos professores e pedagogos em
estabelecer comunicação com esses alunos são evidentes, atribuindo a principal causa dessas
dificuldades à falta de compartilhamento da mesma língua. No entanto, os discursos, tanto
explícitos quanto implícitos, revelam que a língua não é apenas um obstáculo prático, mas
também simbólico para a comunicação e oferta de experiências educativas.

Há assim uma notável preocupação sobre a responsabilidade limitada e a falta de


informação dos professores em relação à surdez e aos métodos adequados de atendimento aos
alunos surdos na educação inclusiva, haja vista que as escolas não têm fornecido as condições
necessárias para que os alunos surdos construam conhecimento, ressaltando que as
instituições regulares carecem de compreensão sobre o indivíduo surdo e as implicações da
surdez. A inclusão, segundo esses autores, é recebida nas escolas com apreensão devido à
ausência de uma língua compartilhada em sala de aula. (MALLMANN et al., 2014)

Alguns resultados indicam que que os professores têm uma falta de conhecimento
sobre deficiência auditiva, mas, mesmo sem compreender plenamente quais são as estratégias
de comunicação mais adequadas, eles adaptam suas abordagens ao se comunicar com os
alunos surdos. ( SANTOS; DELGADO-PINHEIRO, 2018)

O conjunto de informações apresentado destaca desafios significativos no contexto da

inclusão de alunos surdos no ambiente escolar. A pesquisa aponta para a falta de efetividade

na inclusão, evidenciando que a simples coexistência de alunos surdos e ouvintes no mesmo

espaço escolar não garante um acesso pleno às experiências de aprendizagem. Um dos

principais obstáculos identificados está na dificuldade dos professores e pedagogos em

estabelecer uma comunicação eficaz com os alunos surdos.

Essa dificuldade de comunicação é atribuída à falta de compartilhamento da mesma

língua entre os professores e os alunos surdos. Mesmo com a presença de intérpretes, a

pesquisa destaca que isso não é suficiente para garantir um aprendizado efetivo,

especialmente quando os professores não consideram as necessidades específicas dos alunos

surdos durante a apresentação do conteúdo.

Além disso, a pesquisa indica que a compreensão limitada da surdez vai além da falta

de conhecimento sobre a língua de sinais (Libras). Envolvem também a falta de compreensão

das concepções de surdez, a ausência de conhecimento sobre o papel da Libras no

desenvolvimento do sujeito surdo, o desconhecimento dos processos de alfabetização e

letramento desses sujeitos, bem como uma compreensão restrita das peculiaridades na forma

como os surdos percebem o mundo.

Por fim, a pesquisa sugere que a inclusão dos surdos na escola ainda enfrenta desafios

consideráveis, com a responsabilidade e a informação limitadas por parte dos professores em


relação à surdez e às práticas adequadas para atender a essa população. A conclusão aponta

para a necessidade premente de reformulação e aprimoramento nas práticas inclusivas, com

enfoque na compreensão mais ampla das necessidades específicas dos alunos surdos, na

capacitação dos educadores e na promoção de estratégias pedagógicas mais eficientes. Isso,

por sua vez, contribuirá para um ambiente educacional mais acessível, equitativo e

enriquecedor para todos os alunos, independentemente de suas diferenças.

REFERÊNCIAS

SANTOS, F. R. DOS .; DELGADO-PINHEIRO, E. M. C.. Relação entre o conhecimento dos


professores sobre grau de perda auditiva, dispositivos tecnológicos e estratégias de
comunicação. CoDAS, v. 30, n. 6, p. e20180037, 2018.

MALLMANN, F. M. et al.. A inclusão do aluno surdo no ensino médio e ensino


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CROMACK, Eliane Maria Polidoro da Costa. Identidade, cultura surda e produção de


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mar. 2012.
PEREIRA, Veronica Aparecida; ALMEIDA-VERDU, Ana Cláudia Moreira. Avaliação do
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script=sci_arttext&pid=S1516-36872012000200002&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 15
dez. 2023.

Surdez, identidade e subjetividade: da deficiência à diversidade cultural


Silva, Silvana Marques da.
Brasília; s.n; 2014.
Tese em Português | Index Psicologia - Teses | ID: pte-61082
Biblioteca responsável: BR1552.1
Localização: BR-BrUC; 159.923.33-056.263, S586s

GARCÊZ, R. L. DE O.. O corpo como fonte de autoridade na representação política não


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Inclusão do surdo no trabalho: diálogos sobre trajetórias e reconhecimento social /Nogueira,


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Artigo em Português | LILACS | ID: biblio-1370915

Biblioteca responsável: BR15.1

BEHARES, L. E. Que es uns seña? Trabajo preentado em el primer encuentro de educadores


sordos, Ministério de Educación: Venezuela, 1987.

VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem São Paulo: Martins Fontes, 1993.


PAULA, L. S. B. D.. Cultura escolar, cultura surda e construção de identidades na escola.
Revista Brasileira de Educação Especial, v. 15, n. 3, p. 407–416, set. 2009.

PERLIN, G. Identidades surdas. In: SKLIAR, C. A surdez: um olhar sobre as diferenças.


Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.

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