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Como 'reconfigurei' meu cérebro em seis semanas


Folha de S.Paulo ⋮ ⋮ 25/11/2023

"É surpreendente como é difícil não pensar em nada." Este foi um dos meus primeiros pensamentos ao
me deitar na entrada de uma máquina que está fazendo a varredura do meu cérebro .

Fui instruída a me concentrar em uma cruz preta, enquanto a barulhenta máquina de ressonância
magnética funcional (FMRI, na sigla em inglês) faz o seu trabalho.

Sinto que também parece impossível manter os olhos abertos. O ruído do aparelho é meio que hipnótico
e me preocupo um pouco se adormecer irá afetar a aparência do meu cérebro nas imagens sendo
geradas pela máquina.

Sintomas de ansiedade e depressão podem diminuir com a prática - Maddy Savage/BBC

Como jornalista especializada em ciências, sempre fui fascinada pelo funcionamento da mente. Por isso,
acabei dentro de uma máquina de ressonância magnética na Universidade de Londres Royal Holloway,
para examinar meu cérebro antes de começar um curso de alteração cerebral de seis semanas.

A intenção era investigar se existe uma forma de influenciar a formação de alterações significativas no
nosso próprio cérebro. Alterando alguns aspectos do meu dia a dia, eu esperava descobrir se é possível
fortalecer conexões fundamentais no cérebro e, paralelamente, tornar a mente mais saudável.

Durante o processo, aprendi técnicas que todos nós podemos usar —com resultados poderosos.

A plasticidade cerebral e a prática de mindfulness

O nosso cérebro tem enorme capacidade de adaptação, aprendizagem e crescimento. Sua natureza é
plástica, ou seja, ele muda com o passar do tempo.

Esta característica é chamada de neuroplasticidade, que significa simplesmente a capacidade do


cérebro de adaptar-se e evoluir ao longo do tempo, em termos de estrutura e funcionamento.

No passado, acreditava-se que esta capacidade só existisse na juventude, mas agora sabemos que ela
é uma força constante que ajuda a formar quem nós somos. E, toda vez que aprendemos algo novo,
nosso cérebro se adapta.

Neurocientistas e psicólogos estão agora descobrindo que temos o poder de controlar parcialmente este
processo. E existem boas razões para querermos estimular o nosso cérebro —afinal, cada vez mais
estudos indicam que é possível retardar ou evitar doenças cerebrais degenerativas desta forma.

Com a ajuda do professor de psicologia clínica Thorsten Barnhofer, da Universidade de Surrey, no Reino
Unido, é exatamente isso que vou fazer. Atualmente, ele realiza um estudo sobre os efeitos da prática de

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mindfulness (atenção plena) sobre a gestão do estresse e de emoções complexas, com foco especial
sobre indivíduos com depressão profunda.

Fiquei surpresa ao saber que algo simples como mindfulness pode desempenhar papel tão importante
para manter nossas mentes saudáveis.

Pesquisas demonstraram que a prática de mindfulness é uma forma simples, mas poderosa, de
melhorar diversas funções cognitivas. Ela pode aumentar a atenção, reduzir dores e combater o
estresse.

As pesquisas também demonstraram que, com apenas alguns meses de treinamento mindfulness,
certos sintomas de ansiedade e depressão podem diminuir —embora estes resultados naturalmente
possam variar, dependendo das circunstâncias de cada indivíduo, como ocorre com qualquer problema
complexo de saúde mental.

Mas os benefícios não param por aí. A prática de mindfulness pode alterar o cérebro. Isso porque,
quando o hormônio do estresse —o cortisol— aumenta e seus níveis permanecem altos, "ele pode se
tornar tóxico para o cérebro", segundo Barnhofer.

O estresse também pode inibir diretamente a neuroplasticidade. Por isso, seu controle permite manter a
plasticidade cerebral.

Mas a grande questão é a seguinte: será que tudo isso irá funcionar no meu cérebro? E, por seis
semanas, Barnhofer adaptou um curso de pesquisa de mindfulness para tentar descobrir.

O professor de psicologia clínica Thorsten Barnhofer explica como as técnicas de


mindfulness podem modelar o cérebro - BBC

O treinamento

Todos os dias, por 30 minutos —seja em uma única sessão ou em duas sessões de 15 minutos—,
pratiquei meditação mindfulness orientada, ouvindo uma gravação. Tive também uma sessão semanal
de meditação com Barnhofer, pela plataforma Zoom. O curso completo de mindfulness está disponível
online, gratuitamente (em inglês).

Fui instruída a manter o máximo de consciência possível no momento presente e prestar atenção àquilo
que, normalmente, costumo ignorar, como para onde vão meus pensamentos e o que ocupa minha
mente em diferentes momentos.

Ele também me incentivou a ficar mais consciente no dia a dia —quando cozinhar ou correr, por
exemplo, concentrar-me realmente no momento presente, trazendo minha mente de volta para o que
estava fazendo e observando com que frequência ela costuma vaguear.

O que é fascinante sobre esta área de pesquisa é que a prática de mindfulness, que parece ser um
processo muito simples, pode ter efeitos mensuráveis.

"Mindfulness pode amortecer o estresse", explica Barnhofer. "Você fica ciente dos desafios e das
reações mais ruminantes, uma tendência à preocupação."

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Talvez eu não seja uma candidata ideal —meus níveis de estresse, medidos antes e depois do
processo, geralmente são baixos— mas, mesmo assim, percebi que houve benefícios.

A fuga dos pensamentos

Assim que iniciei a sessão, achei que fosse fácil por um ou dois minutos. Eu me concentrava na minha
respiração ou em partes do corpo, conforme as instruções que recebi. Mas, em algum momento de
silêncio, observei minha mente sair em viagens pelo tempo.

Eu pensava em uma conversa que tive com uma amiga semanas antes, depois voava em questão de
segundos para uma consulta ao dentista que precisava agendar, depois para um prazo que se
aproximava no trabalho... e assim por diante.

Em rápida sucessão, eu conseguia observar a velocidade com que minha mente pulava de um
pensamento para outro. E basta acelerar este processo para que ele fique extremamente cansativo.

"As divagações da mente são algo que, naturalmente, pode ajudar de muitas formas", explica Barnhofer.
"Pode nos ajudar com a criatividade, mas pode também trazer maus resultados. E é aqui que entra o
pensamento repetitivo, onde entra o pensamento ruminante, onde entram as preocupações. E estes são
os fatores que aumentam o estresse depois que ele se instala."

Quando comecei a observar este ponto, ficou mais claro como esta brilhante capacidade que todos nós
tempos de pensar adiante, planejar e nos preocupar pode ser prejudicial se for tomada em excesso. Em
outras palavras, revelar o funcionamento da nossa mente é uma primeira etapa, fundamental para nos
livrarmos de parte dessa agitação.

Aprender algo novo – neste caso, a tocar pandeiro – é divertido e ajuda a manter o
crescimento do cérebro - BBC

Aumentando a plasticidade cerebral

Durante as seis semanas do curso de mindfulness, tratei também de entrevistar outros neurocientistas
para meu documentário Brain Hacks (algo como "Gambiarras do cérebro", em português). Assim,
poderia ver se havia outras "gambiarras" que eu poderia começar a praticar. Evidências demonstram,
por exemplo, que a meditação e o exercício aumentam a plasticidade cerebral.

Não aumentei meus níveis normais de exercício, mas me esforcei em correr mais rápido —
regularmente, 5 km no parque montanhoso vizinho em cerca de 21 minutos. E saber que isso poderia
também me ajudar a estimular o cérebro manteve minha motivação.

"A atividade física facilita o processo de plasticidade", afirma Ori Ossmy, professor de desenvolvimento
cognitivo e do cérebro da Universidade de Londres Birkbeck. "Se você combinar [a atividade física] com
tarefas cognitivas para melhorar as técnicas do seu interesse, provavelmente conseguirá aprimorar seu
desempenho."

Tudo isso faz sentido se considerarmos a relação próxima entre a saúde do corpo e do cérebro, segundo
Gillian Forrester, professora de cognição comparativa da Universidade de Sussex, no Reino Unido. Para
ela, "nossa saúde física e a saúde mental são totalmente entrelaçadas para criar a qualidade de vida".

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E a saúde física também está relacionada à saúde cognitiva. Cientistas como Forrester estão
aprendendo a observar a ligação entre o corpo e o cérebro em ação estudando os bebês.

No recém-formado laboratório Baby Lab, na Universidade Birkbeck, Forrester mostra seu mais recente
projeto, chamado Baby Grow. O estudo irá monitorar o desenvolvimento dos bebês nos seus primeiros
18 meses de vida, para identificar sinais de distúrbios cognitivos antes que eles se tornem evidentes.

Mas por que é importante estudá-los tão cedo? Bem, a resposta também tem relação com a
neuroplasticidade.

O cérebro da criança é excepcionalmente plástico nos seus primeiros anos de desenvolvimento. Novas
conexões e redes neurológicas são criadas em velocidade frenética, à medida que as crianças crescem
e aprendem sobre o ambiente à sua volta.

Isso significa que, potencialmente, é muito mais fácil intervir, em caso de necessidade, durante esta fase
altamente plástica. E este é um dos motivos que levaram Forrester a acreditar que é muito importante
aprender mais sobre os processos do dia a dia que ajudam a modelar o cérebro.

A mesma ideia também surge quando os pacientes estão se recuperando de lesões cerebrais sérias.
Para saber mais, entrevistei Angelo Quartarone, diretor científico do Centro Neurolesi Bonino Pulejo, um
centro de tratamento de lesões cerebrais na Sicília (Itália). Quartarone observa a plasticidade cerebral
em ação todos os dias.

"Mesmo nas piores condições, o cérebro ajuda a se reparar de alguma forma... com a neurorreabilitação,
podemos acelerar a recuperação", ele conta.

Sua equipe emprega diversos métodos de reabilitação assistida, incluindo robótica, realidade virtual e
aplicação de correntes elétricas no cérebro.

"Uma corrente elétrica minúscula pode interagir com os mesmos mecanismos empregados pelas
técnicas de neurorreabilitação", explica ele. "Com isso, você consegue um duplo incentivo."

Fiquei surpresa ao observar que um dos seus pacientes, que havia perdido a força dos membros do lado
direito, conseguiu formar novas conexões neurais com jogos de simulação em computador. Eles o
ajudaram a ganhar novamente capacidades motoras que estavam perdidas.

Este tipo de aperfeiçoamento cerebral pode ensinar algo para todos nós.

É evidente que praticar novas habilidades e nos expormos regularmente a novas situações ajuda o
cérebro a continuar crescendo e adaptando-se. Foi assim que acabei pedindo tomate seco em italiano
no restaurante e tive uma aula rápida sobre como tocar um pandeiro tradicional siciliano, antes de me
sentar na base do monte Etna para meditar.

É claro que preciso destacar uma enorme ressalva. Sou uma amostra de uma pessoa —e grande parte
do que aconteceu foi ilustrativo, não científico.

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A especialista em marketing da Vivo Karina Hassen na sala de meditação da empresa Adriano


Vizoni/Folhapress

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Respire fundo

Técnica de ‘mindfulness’ ganha espaço no mundo corporativo; exercício ajuda profissional a


aumentar a concentração

Os resultados

Ao final das seis semanas, fiquei extremamente curiosa para saber se todo este trabalho teve algum
efeito sobre o meu cérebro.

Depois de outra ressonância do cérebro e de alguma hesitação para saber o que poderia ter acontecido
na minha cabeça durante as semanas de intervenção, visitei Barnhofer na Universidade de Surrey para
descobrir. Ele ficou até altas horas da noite analisando e comparando as duas imagens do meu cérebro.

Ele encontrou resultados: a estrutura do meu cérebro, de fato, havia se alterado. E algumas mudanças
mensuráveis podiam ser observadas.

O volume de metade da minha amígdala —uma estrutura em forma de amêndoa, importante para o
processamento das emoções— foi reduzido no lado direito. A alteração foi pequena, mas mensurável.

O impressionante é que esta alteração está de acordo com a literatura científica, que demonstra que as
técnicas de mindfulness amortecem o estresse observado nas amígdalas, podendo reduzir o seu
tamanho.

Quando o nosso estresse aumenta, as amígdalas crescem. Eu não me sentia particularmente


estressada, mas, mesmo assim, foi fascinante observar esta alteração.

A outra mudança ocorreu no meu córtex cingulado, que é a parte do sistema límbico envolvida nas
nossas reações emocionais e comportamentais. Ele também é importante para a rede de modo padrão,
uma região que fica ativa quando a mente começa a vaguear e ruminar.

No meu cérebro, o córtex cingulado aumentou levemente de tamanho ao longo das seis semanas, o que
indica aumento do controle daquela área.

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Esta alteração também coincide com estudos publicados na literatura científica. E vem de encontro às
minhas observações durante as sessões. Com o passar do tempo, percebi que conseguia manter minha
mente mais descansada —eu conseguia afastar melhor os pensamentos agitados.

Foi surpreendente observar estes resultados no meu cérebro em uma tela grande, bem à minha frente.
Apenas com as técnicas mindfulness, consegui aumentar uma parte do cérebro que evita que minha
mente vagueie demais.

Cabe aqui uma advertência: é importante reconhecer que qualquer alteração cerebral observada pode
ter sido aleatória. Afinal, o cérebro está em constante mutação.

Mas os estudos indicam que a experiência como um todo valeu a pena. É um processo do qual muitas
pessoas podem facilmente se beneficiar.

É claro que, para que as alterações sejam duradouras, preciso continuar me forçando a fazer algumas
daquelas "gambiarras".

Se vou continuar a meditar todos os dias? Eu realmente adoraria dizer: "claro que sim". Mas isso, se a
vida permitir...

*Com colaboração de Tom Heyden e Pierangelo Pirak.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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