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duos desenvolvem as potencialidades criativas pessoal e social que promove o progresso huma-
no campo da matemática. Ao contrário, é nosso no em todos os níveis e em todos os pontos da
propósito investigar o modo como a criatividade história” (p.159). E, nesse processo, atribui-se pa-
emerge não de “mentes individuais” (GLÃVEA- pel importante à matemática na medida em que
NU, 2014), mas dos processos relacionais nos o desenvolvimento dessa área do conhecimento
quais um coletivo trabalha em prol de encontrar facilita o progresso tecnológico e científico.
soluções adequadas e originais para determina- Buscar desenvolver o pensamento criativo
dos problemas matemáticos. Assim, desfocamos pode ser, então, um excelente investimento no
o direcionamento dos estudos para os aspectos que se refere ao progresso das nações e para a
individuais e nos aventuramos em tentar com- formação de indivíduos, com o inédito e o ines-
preender como pode ocorrer o fenômeno criativo perado emergindo constantemente no seio social,
em coletivos reunidos para construir conheci- podendo a matemática ser um dos caminhos
mento matemático. para tanto.
Com essas considerações, ficamos mais à Nessa realidade complexa, pessoas en-
vontade para iniciar as considerações teóricas volvem-se cada vez mais em atividades laborais
sobre o tema criatividade em matemática. que demandam o trabalho coletivo por meio de
equipes de trabalho. Van den Bossche et al. (2011)
O valor das pesquisas em criatividade justificam essas novas configurações laborais pos-
em matemática tulando que as equipes estão sendo cada vez mais
utilizadas para discutir e gerenciar problemas
Além de se mostrar uma lacuna na pes- complexos. Cooke (2000) alerta que a crescente
quisa desse campo, o estudo da criatividade complexidade das tarefas frequentemente ultra-
coletiva em matemática pode justificar-se pela passa as capacidades cognitivas dos indivíduos e,
complexidade que se encontra na sociedade portanto, exige uma abordagem de equipe. Coultas
atual, demandando pessoas criativas e que se et al. (2014) observam que temos assistido, nos
adaptem ao trabalho em equipe. Há consenso últimos 30 anos, a um aumento na pesquisa sobre
entre pesquisadores (por exemplo, ALENCAR; equipes, e Tannenbaum et al. (2012) confirmam
FLEITH, 2003; VAN DEN BOSSCHE et al., 2011) que tais pesquisas têm estudado a dinâmica das
de que os variados ambientes no mundo se têm equipes tentando descobrir a melhor forma de
configurado e reconfigurado em uma velocidade garantir a eficácia nos grupos. Emerge, portanto,
impressionante, o que acaba instalando um clima a necessidade de compreender o modo como
de instabilidade e incertezas sobre o que pode as equipes podem organizar-se para um melhor
acontecer amanhã. É tamanha a volubilidade aproveitamento de seu potencial na resolução das
social, econômica e tecnológica, que as pessoas complexidades do mundo, o que pode alavancar
dão-se conta de que acompanhar tão rápida mo- alternativas para um direcionamento mais pro-
dificação de parâmetros nos diversos campos da veitoso das habilidades das equipes.
vida moderna torna-se difícil para aqueles que O presente trabalho insere-se em meio a
insistem em manter uma postura pautada por essas duas preocupações recentes: o desenvol-
aprendizagens de décadas atrás. vimento da criatividade e o trabalho em equipe.
Os tempos são outros e, portanto, preci- No entanto, tais preocupações serão situadas em
sam ser outras as aprendizagens, outras as habili- um ambiente escolar, espaço a que a sociedade
dades e outras as posturas diante dos problemas recorre para a formação das gerações em desen-
a serem enfrentados. Pesquisadores apostam no volvimento.
desenvolvimento de habilidades criativas para
que os indivíduos consigam acompanhar as evo- Objetivos de pesquisa
luções da sociedade sabendo reagir aos proble-
mas inéditos que constantemente se apresentam Elencamos, portanto, como objetivo para
diante deles e que são as molas propulsoras do esta pesquisa:
desenvolvimento da sociedade. a) analisar o processo de emersão da criati-
Leikin e Pitta-Pantazi (2013), por exemplo, vidade em matemática em um grupo de
apostam que “a criatividade é uma característica alunos;
as pesquisas para a compreensão da criatividade na qual a criatividade pode ocorrer. Nesse sen-
coletiva, uma vez que os estudos atuais, com tido, nossas investigações tomam como objeto
pouquíssimas exceções (como LEIKIN, 2009, de estudo a criatividade matemática coletiva ou
2013; LEVENSON, 2011), não necessariamente compartilhada.
investigaram criatividade matemática como A criatividade coletiva tem sido estudada
um processo coletivo ou como produto de um sob várias concepções epistemológicas, sobretu-
esforço coletivo (LEVENSON, 2011), apesar de do tomando conceitos das ciências cognitivas, e
apontarem alguns subsídios que nos permitem entre elas podemos destacar a concepção sobre
enveredar por essa empreitada. a) criatividade distribuída, b) sobre criatividade
O presente trabalho apresenta como situada e c) sobre criatividade compartilhada.
proposta um estudo em que se considerem ce- Criatividade distribuída: Glãveanu (2014)
nários de desenvolvimento da criatividade em tece críticas importantes ao considerar a hege-
matemática em coletivos nos quais seus mem- monia das pesquisas em criatividade focalizan-
bros interajam e compartilhem conhecimentos. do o indivíduo em detrimento das produções
Assim, com o intuito de oferecer outras formas coletivas. Nesse sentido, o autor passa a estudar
de estudo desse constructo, optamos por anali- esse aspecto da criatividade guiando-se pelos
sar a criatividade em matemática em coletivos estudos realizados por Miettinen (2006), Sawyer
emergindo em situações de níveis variados de e Dezutter (2009)1 sobre o que passam a chamar
interação e de compartilhamento cognitivo de criatividade distribuída. Com o termo, o au-
entre seus membros. A seguir, abordaremos tor quer salientar que a criatividade não ocorre
aquilo que compreendemos como criatividade apenas dentro da mente individual das pessoas,
compartilhada. mas estende-se e é distribuída entre múltiplos
atores, criadores, lugares e tempos.
Criatividade compartilhada Criatividade situada: o campo da cognição
situada refere-se ao processo criativo como algo
Como nos referimos anteriormente, o que não pode estar somente no indivíduo, mas
mundo está inserido em um cenário complexo também no grupo e nos meios sociais em que ele
em que “a maioria das equipes opera num am- se encontra. Relaciona-se intrinsicamente com
biente mais fluido, dinâmico e complexo do que a teoria da atividade de Leontiev (2003). Assim,
no passado” (TANNENBAUM; MATHIEU, 2012, por meio da ação conjunta e da interação entre
p.3). Assim, atribui-se à criatividade um papel esses agentes, conhecimentos são compartilha-
preponderante na busca pela sobrevivência em dos permitindo a produção de algo socialmente
um mundo de futuro incerto e de intensa mu- constituído. Percebe-se que essas perspectivas
dança (ALENCAR; FLEITH, 2003). Trabalho em epistemológicas a respeito da criatividade cole-
equipe e habilidade criativa aparecem, portanto, tiva apresentam mais pontos de contato do que
como demandas para os cenários nos quais as divergências.
pessoas desenvolvem seu labor na atualidade. A Criatividade compartilhada: para efeitos
emersão da criatividade, ou seja, sua passagem da nossa pesquisa, escolhemos a perspectiva da
do estado individual, solitário, para a ocorrência cognição compartilhada, o que de fato será expli-
em um contexto de equipe, solidário, surge como citado nos próximos parágrafos. Originalmente,
necessidade de pesquisa que possa oferecer uma o constructo cognição compartilhada surgiu no
compreensão sobre como tal fenômeno ocorre. contexto das pesquisas em psicologia organiza-
Assim, nas mais diversas áreas nas quais cional há mais de 20 anos (CANNON-BOWERS;
há concentração de pessoas para proporcionar SALAS, 2001) como algo que beneficia o desem-
o desenvolvimento humano, é preciso levar em penho das equipes e das organizações. Neste
conta o desenvolvimento, também, das habili- trabalho, consideramos cognição compartilhada
dades criativas. Tomamos como foco a escola, como “compartilhamento e/ou congruência de
local de reunião de pessoas em desenvolvimento estruturas de conhecimento que possam existir
em que os aprendizes se organizam em turmas em diferentes níveis de conceituação dentro de
e formam grupos por afinidade ou por outros
critérios, e a matemática, como área específica 1
Ver bibliografia na obra original do autor.
pesquisa e fez-se o convite para participarem. Foi trabalho em grupo pelo professor e pelos alunos,
encaminhado um bilhete de autorização para os e organizar arranjos que permitam a configuração
pais. Após recebidas todas as autorizações, foram de grupos com características diferentes. Assim,
realizadas as seções com os alunos. percebeu-se que a professora organizou os grupos
tentando mesclar os alunos que ela considerava
Seções muito bons em matemática com alunos com algu-
ma dificuldade, fato explicitado pela resposta da
A primeira seção destinou-se à configura- professora ao questionário. No entanto, algumas
ção dos grupos da pesquisa. Assim, foi aplicado configurações de grupos foram realizadas no
o questionário de mapeamento da turma, no qual sentido de neutralizar situações de indisciplina
se requereu aos alunos responderem ao seguinte buscando não deixar alunos muito agitados no
questionamento: mesmo grupo, fato que, apesar de não constar
na resposta da professora ao questionário tal
justificativa, pôde ser explicitado em comentário
Quadro 1 – Questionário para alunos
espontâneo feito por ela.
1- Imaginem que a professora realizará uma atividade Contrastando as configurações de gru-
de matemática em grupo e peça para você escolher
duas pessoas com as quais queira realizar essa pos realizadas pela professora e pelos alunos,
atividade. Quem você escolheria? decidiu-se seguir as configurações da docente
não por concordar com os critérios por ela utili-
zados, mas devido à impossibilidade de atender
2- Por que você escolheu esses colegas?
às configurações dos discentes. Isso se explica
devido ao fato de que três ou quatro alunos foram
escolhidos para compor grupos pela maioria dos
O objetivo aqui foi construir links por meio respondentes.
das respostas dos alunos avaliando a rede de Segunda sessão: configurados os grupos,
relações constituída pela opção escolhida pelos foram apresentados os problemas abertos para
alunos e analisar quais os sentidos atribuídos que os alunos pudessem solucioná-los. Após
nessas escolhas: quem escolhe por critérios solucionarem nos grupos alguns itens sem a
ligados às afinidades emotivas, quem escolhe intervenção do pesquisador, passamos a testar
pelas influências oriundas das relações de poder uma estratégia de criatividade pautada sobre-
(escolher aquele considerado o mais inteligente tudo no modelo de aprendizagem colaborativa
em matemática, o mais disciplinado, etc.), pre- de Van den Bossche et al. (2011), no qual os au-
ferindo quem exerce maior influência na turma. tores admitem que a aprendizagem das equipes
Constatou-se que, nesse caso específico, a grande ocorre por meio de um processo social no qual
maioria dos respondentes escolheu os alunos o conhecimento se constrói mutuamente entre
que consideravam melhores em matemática, seus membros por meio do compartilhamento
provavelmente aqueles que se saem melhores cognitivo, o que somente pode ocorrer em situ-
em atividades e avaliações, para compor suas ações de interação. Aqui se percebe implícito o
equipes. princípio da emersão, uma vez que o conteúdo
Paralelamente, a professora respondeu ao cognitivo individual passa a compor um con-
questionário: teúdo cognitivo coletivo. Esse modelo, envolto
em um pano de fundo estampado pela interação,
explica os comportamentos de aprendizagem da
Quadro 2 – Questionário para os professores equipe que favorecem a cognição compartilhada,
1- Imagine que você realizará uma atividade de tendo como base três conceitos construídos nas
matemática em grupo e precisa dividir a turma em ciências da aprendizagem e na linguística: a)
trios. Quais seriam os componentes de cada trio?
2- Quais os critérios que você utilizou para realizar construção (explicitação dos sentidos atribuídos
essa divisão? aos problemas para os demais membros de uma
equipe); b) coconstrução (articulação desses
Com as informações da professora, foi sentidos pessoais, ocorrendo a construção mú-
possível contrastar os sentidos atribuídos ao tua de significados por meio do refinamento ou
Como podemos notar na Tabela 1, o aluno as soluções propostas pelo aluno A com as cor-
A, centro de nossas observações neste trabalho, respondentes modificações que deram resultado
apresentou cinco soluções, sendo todas valida- ao produto final. Salienta-se que, apesar de cada
das com alguma modificação. O aluno A ainda membro produzir no estágio inicial suas próprias
emitiu duas sugestões de modificações nas so- soluções, para cumprir os objetivos especificados
luções de seus colegas. A seguir, apresentamos neste trabalho vamos nos ater somente às solu-
ções de um desses membros.
Nenhuma das soluções apresentadas pelo chapéu era chinês e não de um palhaço. Na Fi-
aluno A foram aceitas sem que houvesse alguma gura 4, os pares não concordaram com a ideia de
contribuição de seus pares. A Figura 1 não foi que a representação se parecia com uma casa na
aceita como carro de guerra, no entanto houve árvore. No entanto, com algumas modificações
contribuições no sentido de aproveitar a ideia e com muita negociação, criaram a ideia de um
inicial e transformá-la em uma panela. A Figura cofre escondido em cima da árvore. Por fim, a
2 foi aprimorada pelos pares, sendo transformada Figura 5 transformou-se em uma bandeira de
em uma casa com poste. Na Figura 3, o acordo jogo de golfe, após os pares discordarem da ideia
entre os membros possibilitou a modificação do inicial do barco com sereia. A seguir, o resultado
chapéu do palhaço, sob o argumento de que o do aprimoramento e das modificações das res-
postas do aluno A:
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