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5. Os Lusíadas de Camões Manual · p. 261

Os momentos da estrutura interna d’ Os Lusíadas


Proposição
Como poema épico, existe em Os Lusíadas uma ação e um herói. Podemos, todavia, distinguir
uma ação aparente e uma ação real que se entrelaçam, confundem e coincidem, a primeira com
uma ação geográfica, a segunda com uma ação histórica.
Aparentemente, a ação do poema é a viagem de descobrimento da Índia e o seu herói o capi-
5 tão da armada – Vasco da Gama. De acordo, porém, com o conteúdo da proposição, verificamos
que essa ação e esse herói não são senão o disfarce simbólico-poético da verdadeira ação e do
verdadeiro herói: a História de Portugal e o Povo Português, representados pelo Feito e pelo
Homem reputados pelo poeta como os maiores. Tal como se toda a História de Portugal fosse
uma longa viagem de descobrimento, ao cabo da qual estava a glória (simbolizada pela Ilha dos
10 Amores). Indo mais longe, até mesmo para além da intenção do poeta, podemos também discer-
nir como ação de Os Lusíadas a vitória do Homem sobre a Natureza. Podemos dizer que, ao
cantar o descobrimento do globo terrestre, o poeta glorifica a ânsia humana de descobrir o que
está para além: o Cosmos. O seu herói será o próprio Homem. Esta interpretação confere ao
poema o seu mais profundo sentido humanístico, que se desenvolve ao longo dos dez Cantos do
15 poema que, na sua totalidade, cumprem ou executam a proposta contida nas três estrofes da
Proposição.
Os últimos doze versos do Canto I marcam o início de um percurso ou de um processo de
metamorfose. Metamorfose no sentido da elevação e da transcendência.
Com efeito, o ser inicial, sobre o qual vai operar-se a metamorfose, é o bicho da terra, ima-
20 gem degradada do fraco humano, o qual vai tender para o estatuto do herói.
Através da peregrinação “árdua e custosa”, o homem vai acedendo ao conhecimento e, em
última análise, ao “alto assento”. Assim, portanto, o bicho primordial, o ser amorfo e ignorante,
tende para assumir, finalmente, o estatuto projetado desde o início do poema. Trata-se de um
projeto-programa inacabado, cuja realização se vai clarificar nas estâncias finais do Canto IX.
25 Nas estâncias 142 e 143 do Canto X podemos dizer, finalmente, que a metamorfose está rea-
lizada. Aí, no mítico espaço da Ilha dos Amores, mercê de altos manjares excelentes, das iguarias
suaves e divinas, dos vinhos odoríferos que acima estão da ambrósia que Jove tanto estima (note-se
o insólito da adjetivação), mercê, sobretudo, das núpcias divinas, que vão dar origem a uma des-
cendência heroica, o bicho terreno alcança – finalmente – o estatuto divino e tem acesso ao nobre
30 mantimento, alimento dos deuses soberanos e senhores, garantia da imortalidade. E esse esta-
tuto marca, efetivamente, o termo de um longo percurso, “caminho da virtude alto e fragoroso
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mas por fim doce, alegre e deleitoso”, no decorrer do qual fora necessário atravessar as provas a
que tivera de submeter-se a sua fraca humanidade. Provas que não são, afinal, senão o percurso
tenebroso mas gratificante de um rito de passagem, que permite o acesso definitivo a uma eter-
35 nidade, cujo modelo se reencontra em outros lugares da obra camoniana e constitui a mensagem
profundamente humana e humanística do Poema.
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2 Outros materiais · Textos informativos complementares Sequência 5. Os Lusíadas de Camões

Invocação
Nos poemas antigos a Invocação era geralmente feita a divindades mitológicas propícias à

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poesia e às artes – Apolo (Febo) e as Musas ou Camenas. Seria, pois, natural que Camões as in-
vocasse também no início do seu poema, já que todo ele pressupõe a intervenção da mitologia. O
40 poeta, porém, invoca, nas estrofes 4 e 5, as Tágides (ninfas do Tejo) como émulas das divindades
da Antiguidade, tão capazes como elas de conceder uma inspiração qualitativamente igual mas
marcadas por um cunho nacional.
As ninfas do Tejo – por mais de uma vez invocadas (Canto I e final do Canto VII) – dão, pois, ao
poema um sentido inteiramente nacional.

Dedicatória
45 A Dedicatória é feita no início do poema, a partir da estrofe 6, a D. Sebastião, personagem
considerada pelo Autor como destinatário privilegiado e tutelar. No final do poema volta a dirigir-
-se ao rei, aconselhando-o, com a amargura adquirida nos anos decorridos na elaboração da
Epopeia. O facto de, no princípio e no fim do poema, ele se dirigir à mesma personagem é um
elemento de notável unidade na sua estrutura.

Narração
50 Começa já depois de passado o cabo da Boa Esperança, isto é, mais de metade da ação geo-
gráfica já efetuada (estrofe 19). Toda a ação se concentra, pois, no espaço e no tempo decorrido
entre Moçambique e o início da viagem de regresso da Índia.
BUESCU, Maria Leonor Carvalhão, 1993.
Apontamentos de Literatura Portuguesa. Porto: Porto Editora (pp. 79-80)

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