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Pedro Pereira Leite

Museologia Social e
Educação Popular Patrimonial

Informal Museology Studies nº 16

winter 2017
Ficha Técnica:
Informal Museology Studies
Papers on Qualitative Research
Issue 16 – Winter /2017
Directory
Pedro Pereira Leite
ISSN – 2182-8962
Editor: Pedro Pereira Leite
Publisher: Marca d’ Água: Publicações e Projetos
Redaction: Casa Muss-amb-ike
Ilha de Moçambique,
3098 Moçambique
Lisbon: Passeio dos Fenícios, Lt. 4.33.01.B 5º Esq.
1990-302 Lisbon –Portugal

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" Escolhi a sombra desta
árvore para repousar do
muito que farei enquanto
esperarei por ti”.
Paulo Freire

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Índice

APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 7
1. Educação Patrimonial e participação comunitária ..................................... 9
2. Educação Global e museologia social: Experiências do sul global sobre
desenvolvimento sustentável ................................................................... 18
A ideia de Educação global .................................................................... 23
Aspetos relevantes da metodologia da educação global: ........................... 24
Educação Popular e Educação patrimonial ............................................... 25
Conclusão. .......................................................................................... 27
Universidades Populares e Educação popular .............................................. 29
Da educação para o desenvolvimento à Educação Global .......................... 30
Aprendizagem baseada na resolução de problemas .................................. 30
Aprendizagem baseada no diálogo ......................................................... 30
Aspectos importantes da metodologia da educação global: ....................... 30
Educação global II ............................................................................... 31
Os grandes objetivos da educação são ................................................... 31
Princípios da pedagógica pela emancipação ............................................. 32
Educação e Universidades Populares ...................................................... 33
Dimensões atuais das Universidades Populares........................................ 36
Património e Educação Popular ................................................................. 38
Educação e desenvolvimento ............................................................ 39
Dos públicos à população ...................................................................... 40
Os recursos do território ....................................................................... 41
A pedagogia da educação popular .......................................................... 43
Como pôr em prática esta nova pedagogia? ............................................ 44
Conclusão ........................................................................................... 46

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APRESENTAÇÃO

Neste número dos Informal Museology Studies publicamos um


conjunto de textos sobre Educação Patrimonial Popular. Foram textos
que trabalhamos ao longo de 2016 em diferentes contextos. Em janeiro
participamos na apresentação dos trabalhos sobre o referencial para a
Educação Global, um conceito que veio substituir, no campo da
Cooperação Não-Governamental a “Educação para o Desenvolvimento”.

Na sequência desse trabalho e da nossa participação em eventos


da Universidade Popular em Lisboa, surgiram alguns textos sobre a
atualização da ideia da Universidade Popular ou numa outra formulação
um Colégio de Museologia Nómada. Na sequência desses postais,
publicados no Caderno de Campo “Global Heritages”, avançamos para a
produção de dois artigos, que apresentamos, um em Agosto no 17º
Encontros Internacional do MINOM, na Nazaré, Rondônia, e em
Novembro no 5º Museion, em Placência.

A ordem que aqui são publicados é a inversa deste percurso, na


medida em que a densidade da reflexão sobre a questão assim o impõe.
O primeiro artigo corresponde, não só a uma síntese sobre as
oportunidades da educação patrimonial no campo da museologia social,
como procuram dialogar com a questão da dignidade humana.
Finalmente, um último artigo onde se republica um texto de referência
de Hugues de Varine sobre esta questão.

Tramin, março 2017

Pedro Pereira Leite.

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1. Educação Patrimonial e participação comunitária
Pedro Pereira Leite1

Queridos amigos e amigas da Rede Transfronteiriça de Museus Museion.


Agradeço o convite para participar neste VI encontro. Agradeço ao Museu de
Placência e á sua Deputacion todos os esforços que permitiram a minha
presença aqui. Saúdo as colegas Ana Mercedes, Aida Rechena a Ana Carro, pelo
convite. Cumprimento Juan Valdés Iñaki Diaz Balerdi e Joan Vicens, meus
colegas nesta mesa. Uma saudação especial para Laura Tirado pela sua
capacidade de organização que permite hoje a nossa reunião neste centro
cultural.

Comemora-se hoje, dia 25 de novembro, o dia internacional contra a


Discriminação e a Violência sobre a Mulher, que decorre da Convenção
homónima aprovada em 1979 pela Assembleia Geral das Nações Unidas,
conhecida por CEDAW, no seu acrónimo inglês.

Abordo aqui hoje esta efeméride, porque me parece uma relevante questão
para os trabalhos nos museus nos tempos que vivemos. A questão do género
está hoje no centro das políticas do património, e duma forma mais lata, da
cultura na defesa da dignidade humana. A dimensão do património nos museus
e a sua proposta de ação sobre o desenvolvimento das comunidades não pode
ser dissociada da questão da dignidade humana e do reconhecimento da sua
diversidade. E este é um desafio que a questão do género nos coloca na
construção das narrativas museológicas ou sobre o património.

Aida Rechena, aqui persente nesta sala, demonstrou na sua Tese


“Sociomuseologia de Género” que, nas narrativas nos museus portugueses, de
um modo geral a mulher surge representada num lugar de subordinação,
reproduzindo um estereótipo dominante na sociedade. A Mulher não surge
como sujeito da narrativa, apenas como objeto dessa narrativa.

Quem trabalha hoje nos museus e nas organizações culturais não pode deixar
de estar atento e crítico às linguagens usadas na construção das narrativas
sobre as posições sociais dos seus autores. É necessário não ter a ingenuidade
de pensar que as representações são desprovidas de sentidos sociais, e que se
sobre elas não exercermos um olhar crítico, a narrativa é uma mera reprodução
de estereótipos e não contribui para a função social de criar consciência

A questão da representação crítica das mulheres nos museus é uma das formas
de afirmar o género como um sujeito social. De dar configuração ao conteúdo
da Convenção Contra a Discriminação e a Violência sobre as Mulheres. De
entender que a discriminação implica que os diferentes atores sejam os sujeitos
das suas próprias narrativa.

1
Investigador doCentro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, membro do
MINOM e Professor de Museologia na ULHT

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Essa Dimensão, de afirmação de Direitos, que são Direitos Humanos, está
inscrita nos diferentes instrumentos internacionais e nas constituições dos
estados. Não estamos a dar-vos nenhuma novidade. Todos sabemos que estes
direitos estão consignados nos principais instrumentos legais. A mulher e a
cultura são, como se costuma dizer, objetos da lei.

O desafio. O nosso desafio, no campo da Educação Patrimonial, é fazer com que


a cultura seja também um sujeito de transformação que essa lei enuncia. Por
isso usei aqui o exemplo da CEDAW. Ela ilustra o caminho que temos que
percorrer, para fazer com que as leis sejam mais do que enunciados no papel.
Isso é relevante e fundamental. Mas não nos basta. Como todos os enunciados
legais, da lei emergem direitos e deveres. E se temos determinados direitos,
temos o dever de os exercer e de o fazer exercer.

Para quem trabalha com as questões do direito da cultura, usa como referencia
a Declaração de Friburgo que tem como objetivo garantir o acesso e o usufruto
dos bens patrimoniais, bem com a livre criação, considerados como elementos
agregadores da Dignidade Humana, questão intimamente associada aos
Direitos Humanos. Esta questão está hoje no centro dos debates que levamos a
cabo para entender o lugar da cultura no âmbito do desenvolvimento e da
educação patrimonial. E é nesta dimensão que queremos discutir a questão se o
património é ou pode ser um instrumento de desenvolvimento para a
comunidade.

Uso aqui a ideia de “Desenvolvimento” com algum sentido crítico. Como


sabemos, a ideia de desenvolvimento constitui-se como uma narrativa que vem
substituir a ideia de riqueza das nações, do progresso da civilização. Uma
construção que é feita a partir do final da segunda guerra mundial, que legitima
os apoios norte-americanos à então Europa devastada pelas hostilidades entre
as suas nações. Não iremos neste debate desenvolver esta questão, mas
gostaríamos de salientar que a usamos com algumas reservas, dada esta
crença num único caminho e na possibilidade de uso dos recursos do planeta de
forma infinita que ele tem vindo a legitimar. Por isso, falamos hoje de
“Desenvolvimento Sustentável”, uma outra narrativa, presente na agenda 2030
das Nações Unidades, que para o bem e para o mal marcará o pensamento
sobre as ações na economia, sociedade e no ambiente na próxima década e
meia.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão ancorados nestes três


pilares – economia, a sociedade e o ambiente. Algumas vozes críticas têm vindo
a chamar atenção para a ausência dum quarto pilar que seria a cultura. Vozes
críticas que tem-tido com resposta a visão da transversalidade da cultura, por
um lado, a sua presença em algumas medidas dos 17 ODS. Para quem defende,
tal como está consignado no artigo 9º da Convenção sobre a Proteção e
Promoção da Diversidade Cultural, aprovada pela UNESCO em 2006, que há
uma relação entre cultura e desenvolvimento, esta transversalidade teórica,
pontuada em meia dúzia de medidas, distribuídas pelas questões do combate à

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pobreza, do acesso à educação, da igualdade de género, na criação de cidades
mais sustentáveis ou no entendimento da necessidade dum trabalho digno,
deixou os grupos de intervenção cultural sem grandes margens de intervenção
nestes grandes desígnios da humanidade.

Não deixando de ser uma narrativa que menoriza o lugar da cultura, os atores
da cultura não deixarão certamente de colocar a questão do lugar da cultura e
do direito à cultura na agenda e manter uma ação de reivindicação da
relevância da cultura para o tempo que vivemos. Em que dimensões poderemos
então intervir?

Sabemos que a cultura é o ingrediente fundamental do processo de formação


das identidades das comunidades. Um processo que se desenvolve em diversos
níveis, do nível individual, de grupos e famílias e de cultura. A contribuição para
a formação das identidades é uma dos elementos mais relevantes da ação
cultural, pois fornece os elementos agregadores e de orientação. Mas a cultura
não é apenas um quadro de referências identitárias Ela é também a experiência
da vivência em sociedade. A experiencia através do ato criativo ou através do
consumo dos bens culturais.

Por essa razão os bens culturais têm que ser de acesso universal, necessitam
de uma atividade de educação e formação. A cultura necessita de ser
comunicada e é um instrumento de cooperação entre os povos e nações.
Através da cultura constroem-se diálogos entre diferentes comunidades.

Sendo a cultura um campo bastante vasto, composta por pessoas, grupos e


organizações que atuam em diferentes domínios, das artes, do espetáculo, da
leitura e da escrita, da inovação e do património, não podemos deixar de
refletir sobre o papel dos museus na educação patrimonial e da sua função na
sociedade atual.

A nova Recomendação da UNESCO sobre “museus, coleções, sua diversidade e


seu papel na sociedade”, aprovada faz agora um ano, para além de ser um
documento guia para os profissionais, chama a atenção para a relevância que
estas organizações têm no mundo contemporâneo, em particular na
intervenção na formação da cidadania nos lugares onde atuam. É neste quadro
que eu gostaria de chamar a atenção para a intervenção dos museus e dos
processos museológicos e patrimoniais para aquilo que poderemos considerar
como a sua função social e apontar as suas possibilidade para o envolvimento
das comunidades locais.

A educação patrimonial popular nos museus

Na verdade, isso não é algo de novo nos museus. Há vários lugares onde se
tem vindo a criar práticas de intervenção no campo da educação popular e
patrimonial. A aplicação dos princípios da educação popular parte da crítica aos
sistemas de educação formal, formados na acumulação de informação de forma
acrítica e aplicada a situações abstratas; e propõem, como alternativa, atuações

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que estimulem e favoreçam a criação da autonomia dos cidadãos/ãs e suas as
capacidades de aplicar uma consciência critica sobre as questões do mundo e
do lugar onde vivem.

Esta educação tem sido sobretudo aplicada em sistemas de formação de


adultos. Há contudo que reconhecer que ela se constitui uma ferramenta da
educação patrimonial. O objetivo da educação patrimonial é neste domínio criar
autonomia e consciência crítica através do património das comunidades.

A educação patrimonial parte do reconhecimento das memórias coletivas e dos


patrimónios dos lugares, dos problemas que são colocados e na procura de
soluções. Não é uma mera divagação pelo espaço ou pelas memórias na
procura de curiosidades. Pode implicar o reconhecimento desse espaço ou a
evocação de memórias singulares, mas esse processo terá sempre que ocorrer
em situação de diálogo e deverá identificar problemas e enunciar propostas de
resolução.

Não se trata de fazer um mero inventário ou de construir um roteiro no espaço.


Trata-se de um processo onde o que é relevante é o envolvimento dos
participantes na construção dos espaços e lugares de relevância, das memórias
coletivas vividas na comunidade e organizar processo onde essas memórias e
lugares sejam evocados.

A educação popular é um processo onde se encorajam as pessoas a fazerem


perguntas e a procuraram as respostas recorrendo à sua curiosidade natural
sobre eventos ou temas específicos do seu quotidiano e preocupações. Os
participantes são convidados a refletir sobre questões que não têm respostas
absolutas nem desenvolvimentos simples e que refletem a complexidade de
situações do mundo real. O processo estimula o diálogo entre os participantes.
O diálogo cria interações orais entre os participantes e procura estimular a troca
de ideias., o que permite criar pontes entre as pessoas e cria um espaço
propício para o desenvolvimento de ideias, reflexões e propostas, mesmo que
sejam opostas ou diferentes. É através do diálogo que emergem as
competências de comunicação e audição que promove a compreensão de
diferentes questões e pontos de vista. A diversidade do mundo através dos
diferentes pontos de vista permite ao individuo ganhar autonomia e consciência
de si.

A educação patrimonial permite criar uma consciência crítica sobre o território e


sobre as suas heranças, criar condições para a população agir sobre esse
território. A consciência critica sobre um território e sobre os seus processos
permite entender as formas de controlo desse espaço e dotar as comunidades
de instrumentos de trabalho (ferramentas) para que se possa apropriar ou
influir nos processos de ação sobre o território. Os processos participativos são
instrumentos de empoderamento na comunidade.

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Os processos participativos que os museus podem desenvolver nas
comunidades onde se inserem, ao desenvolver as vivências dos territórios e dos
seus diferentes tempos e modos de apropriação, permitem ultrapassar a visão
tecnocrática dos projetos, identificar as necessidades locais e acabam por
contribuir para a criação duma cultura comum e respeitadora da dignidade
humana. Por outro lado, estando os museus inseridos em territórios específicos
com a presença de comunidade portadoras de diferentes identidades, através
dos processos museológicos e patrimoniais é possível integrar a participação
dos diferentes grupos da comunidade.

Apenas para dar alguns exemplos onde isso está a acontecer no Sul global, não
podemos deixar de evidenciar o caso dos processos de museologia social no
Brasil Nos seus museus de Favela e nos ecomuseus indígenas. Neste ano o
MINOM realizou a sua 17ª conferência na Comunidade da Nazaré, situada nas
margens do Rio Madeira, no Estado da Rondônia, na amazónia. Ele realizou-se
nesse lugar, porque aa comunidade local procurava desenvolver um museu.
Quando lá chegamos verificamos, que em grande medida pelo trabalho
anteriormente feito pelo programa de extensão universitária da Universidade da
Rondônia, o museu já existia. Não tinha era o nome de museus, pois todo o
trabalho feito, de educação patrimonial popular, já tinha criado uma consciência
crítica sobre as heranças patrimoniais e a autonomia dos membros da
comunidade, que usam o património para organizaram as suas ações no
mundo. É claro, que essa consciência não resulta apenas do trabalho do
património, mas sobretudo do envolvimento das diferentes movimentos sociais,
que atualmente se desenvolvem nesta região do mundo.

A ligação aos problemas do mundo é uma das necessidades dos processos


patrimoniais. Eles não são movimentos para resolver esses problemas. Eles são
apenas lugares onde se pode tomar consciência deles e desenvolver uma
aprendizagem crítica sobre o mundo. São lugares de encontro.

Em Portugal, há também alguns lugares onde se desenvolvem processos de


educação patrimonial com a mobilização da comunidade. Em São Brás de
Alportel, onde a partir dum pequeno museu tradicional sobre o Traje, se
desenvolvem processos de inclusão das memórias e das comunidades. Em
Castro Verde, onde a partir do pequeno Museu da Ruralidade, se envolve a
comunidade na aprendizagem do canto tradicional. Um projeto que se espalhou
por todo o município. Em Setúbal, onde no Museu do Trabalho, as tardes
interculturais permitiram envolver diversas comunidades da envolvente ao
museu. Há vários casos onde através da participação da comunidade foi
possível desenvolver trabalho patrimonial, como no caso do Museu de Monte
Redondo, no Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, ou no museu Mineiro
de São Pedro da Cova.

Há no entanto que ter em atenção que estas ações patrimoniais de educação


popular podem não ser constantes no tempo. A ação patrimonial, embora deva
ser constante, na prática nem sempre assim é. Só acontece quando há vontade

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de património. Quando as pessoas se organizam e se mobilizam. Quando
exercem os seus direitos. Embora a lei preveja a participação, o exercício
desses direitos depende da vontade de agir.

Temos que reconhecer, ao olharmos para estes processos, que a maioria dos
casos a Educação Patrimonial Popular está ligada a ações que são dinamizadas
por profissionais que se envolvem nos processos museais. Eventos ou situações
em que algo sucede na sociedade onde se chama a atenção para o património,
para a sua situação de perigo ou um outro qualquer motivo. E quando há
sabres para agir a vontade de património tem condições de se exprimir de
formas mais eficiente.

Isso leva-nos á conclusão, reforçando a ideia que aqui queremos sublinhar: É


necessário que os direitos culturais sejam afirmados através de ações. Só assim
eles podem ser eficazes, aperfeiçoar-se e ganhar relevância na sociedade

Pensar a educação patrimonial como uma oportunidade de agir num mundo em


mudança é uma das possibilidades de criar e pensar sobre novas narrativas de
representação do mundo. Caberá aos profissionais do património envolvido na
educação identificar e estimular essa vontade de património. Quando essa
vontade se exprime localmente e quando há condições de envolvimento de
pessoas com autonomia e consciência crítica nos processos, algo acontece de
relevante. É por isso relevante para a criação de processos patrimoniais
participados que usem o envolvimento da comunidade em conjugação com
políticas públicas adequadas. E esse é um outro desafio dos direitos culturais, o
de reivindicar políticas públicas de apoio a processos de educação popular.

Bibliografia

•Declaração de Friburgo (2007). Universidade de Friburgo

•Direitos Culturais: Cultura e Desenvolvimento.


http://www.culturalrights.net/es/

•Leite, Pedro Pereira (2016). A Nova Recomendação da UNESCO sobre Museus


Coleções, sua Diversidade e Função social, informa Museology Studies, nº 13,
Lisboa
https://www.researchgate.net/publication/303566241_Sobre_a_Nova_Recome
ndacao_da_UNESCO_sobre_Museus_Coleccoes_sua_Diversidade_e_Funcao_Soc
ial

•Leite, Pedro Pereira Leite (2015). Cultura e Desenvolvimento?. Informal


Museology Studies, nº 11, Lisboa
http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/7317/culturaedesenvolvi
mento.pdf?sequence=1

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•Rechena, Aida (2012). Sociomuseologia e Género: imagens da mulher em
exposições de museus portugueses, Tese de Doutoramento em Museologia,
Lisboa, ULHT

•UNESCO (2015). Recomendação sobre Proteção e Promoção de Museus e


Coleções, sua Diversidade e sua Função Social.

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2. Educação Global e museologia social:
Experiências do sul global sobre
desenvolvimento sustentável
Pedro Pereira Leite

A questão dos direitos humanos, do desenvolvimento e da globalização na


perspetiva da museologia social e dos ecomuseus poderá ser olhado do ponto
de vista da educação global como processo de educação patrimonial popular.

Vale a pena olhar para três conceitos básicos nesta questão: - Educação,
Cidadania e Desenvolvimento, e procurar entender a forma como o seu
significado se foi consolidando na linguagem. A linguagem é o que sustenta a
forma como olhamos para o mundo, como construímos as nossas práticas. Eles
transportam intenções, certezas e ambiguidades.

Haverá hoje poucas dúvidas que estes três conceitos: Educação, cidadania e
desenvolvimento, são hoje campos semânticos de complexidade. São por um
lado construções históricas e apresentam significados diferentes em função do
seu lugar de enunciação. Por outro lado, eles são também conceitos que
ancoram a formulação de políticas públicas, afetam recursos públicos e
mobilizam a ação social. Em suma são conceitos que legitimam as políticas
públicas no campo da ajuda ao desenvolvimento e na educação para a
cidadania nos sistemas de ensino. São essas políticas que definem o que se
entende como Desenvolvimento e Cidadania.

Ensaiemos, em breves palavras, a genealogia destes conceitos para entender as


formas como se foram reconfigurando.

O conceito de Educação remete-nos para a emergência das políticas educativas


em extensão que caracterizam o pós-guerra, na Europa e através das políticas
da UNESCO em grande parte do mundo. É certo que a ideia da universalização
da Paideia, como processo de produção de condições para a emancipação social
já vinha do final do século XIX, nas ideias socialistas e republicanas para o
Estado. Mas é fundamentalmente no pós-guerra que se vão formar os sistemas
de educação formal, com base na constituição de espaços educativos, na
formação do pessoal docente, na constituição e uniformização de propostas
curriculares e na afetação de recursos públicos.

A Educação é então vista como uma Política Publica, caracterizada em algumas


constituições, como o caso da Portuguesa, como um direito social. Deixa de ser
um privilégio de alguns, para ser uma responsabilidade pública, de carater
universal. A educação, acredita-se é um poderoso instrumento de construção de

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inclusão social, fornecendo as ferramentas básicas para a circulação dos
indivíduos na sociedade.

As políticas públicas na educação constituem igualmente um espaço de prática


para a cidadania, de constituição da ideia de pertença e identidade social,
fundamentos da constituição dos estados nacionais.

E aqui temos um primeiro paradoxo: ao mesmo tempo que a Educação é olhada


como um instrumento de emancipação social, ela também é um instrumento de
reprodução social, reproduzindo os modelos sociais hegemónicos na economia,
na sociedade e na família.

Nesse sentido, a Educação relaciona-se com a questão dos Direitos Humanos.


Ao mesmo tempo que é um instrumento para moldar a sociedade, ela é
também vista como um instrumento para incluir.

A evolução das políticas educativas, sobretudo á medida em que os sistemas se


completaram e universalizaram, deram origem a novos problemas sobre a
eficiência dos processos, a necessidade de criar compreensividade em relação à
transformação da sociedade. Um dos elementos da transformação da sociedade
vai sentir-se através dos processos de globalização que induzem grande
pressão para a transformação dos sistemas de ensino.

Alguns sinais dessas tendências: Os processos de liberalização e privatização


dos mercados fizeram emergir a ideia de educação como mercadoria. Como
algo que se constitui como um serviço, que pode ser adquirido livremente. A
economia liberal, ao defender a necessidade de assegurar a competição no
mercado, passa o ónus da manutenção dos sistemas educativos para a esfera
das empresas, pressionando a redução dos investimentos e tutelas públicas nos
equipamentos escolares, na gestão escolar: Tendências que levaram a uma
diminuição os investimentos públicos em educação, com o argumento de que a
diminuição da capacidade de financiamento público obriga a diminuírem os
recursos (humanos, materiais e financeiros), apontado como alternativa a
solução do investimento privado e do princípio do utilizador/pagador. A política
de contenção de custos (ou austeridade) é uma solução política que introduz
severas limitações ao princípio da universalidade da educação como
instrumento de inclusão e igualdade.

Para além da questão do neoliberalismo, os tempos presentes acrescentam


fortes pressões que estão a alterar a natureza do sistema educativo. A
insegurança coletiva na Europa e as questões com os refugiados estão a fazer
aumentar a perceção do risco de insegurança e de exposição à criminalidade.
Os problemas na Europa estão igualmente a propiciar a emergência dos
nacionalismos e a resposta do isolamento como alternativa societal. Uma
resposta que acontece num mundo crescentemente urbano e que requere
competências multiculturais.

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São desafios que estão a chegar á Educação e aos Museus e que implicam o
reconhecimento da diversidade (da línguas, de religião, da cultura). Estão elas
próprias a produzir novas narrativas sobre o mundo. Como vários
investigadores tem vindo a fazer notar, as narrativas sobre os refugiados na
Europa tem vindo a ser subtilmente transformado em discursos sobre as
migrações. As ações políticas na Europa, ao invés de enfrentarem o problema
nas suas causas, estão a transformá-los numa questão externa, encerrando as
fronteiras, e negando o direito do refugiado.

No interior da Europa estão a gera-se novas formas de exclusão e desigualdade


com que a educação, a escola e o museu têm que lidar. Ou seja o desafio da
qualidade e do acesso estão agora a transformar-se no âmbito duma nova
geografia da desigualdade.

Finalmente um outro desafio para a educação é o desafio do envolvimento dos


atores: a participação. A educação como direito social implica o dever de
implicar todos os atores sociais. A responsabilidade pública na Educação é um
processo que implica a participação da comunidade, ainda que em diferentes
intensidades, em função das regiões e das tradições administrativas. A questão
do envolvimento dos atores leva mais uma vez á questão da capacidade da
escola de desenvolver competências para enfrentar a exclusão social. Será a
educação nas nossas escolas suficiente para enfrentar a desigualdade social.
Serão as nossas escolas capazes de enfrentar o global e atuar localmente

Em relação ao conceito de cidadania. É um conceito que radica na Revolução


Francesa, no final do século XVIII, onde o fim dos privilégios dos senhores
corresponde uma carta de direitos e deveres de todos os cidadãos. A cidadania
é um ato de produção de liberdade e igualdade, mas é também uma ferramenta
que pode ser usada para a emancipação social. No entanto, a cidadania, nas
nossas sociedades europeias, está a tornar-se também num instrumento de
exclusão social e de produção de desigualdades. A definição de que é e quem
pode ser cidadão, interdita o acesso a essa ferramenta a todos os que não o
são, e que hoje, por diferentes razões, seja de migração ou de refúgios,
tornam-se milhões em todo o mundo.

A cidadania é hoje o principal elemento de funcionamento do Estado nacional. É


a cidadania que defini que são os outros e quem são os cidadãos. A cidadania,
ao produzir relações de horizontalidade (igualdade) nega o outro, o excluído,
colocando um forte entrave à solidariedade. A cidadania torna-se num
instrumento de produção de hegemonia na sociedade.

A questão que se coloca para a cidadania no processo de globalização é a


adequabilidade dos mecanismos da nação para enfrentar os desafios das
interdependências. As velhas instituições do Estado Nacional estão em
contradição com os processos de globalização, gerando diversas condições o
cidadão emerge pelo lugar de nascimento, enfrentado o estrangeiro processos
de exclusão social.

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Terá a Cidadania a perder o potencial integrador, de produção de igualdade e
de inclusão que tinha? Poderá a ideia de Cidadão Universal emergir da Ideia de
cidadão nacional? Não são os Direitos Humanos Universais? Mas não são
aplicados numa base nacional? No caso dos Refugiados, por exemplo, será que
por não serem nacionais, estão excluídos os seus direitos Humanos.

Em suma cidadão é também hoje um conceito complexo que inclui e exclui.


Poderemos usar ainda o potencial da cidadania par anão excluir? Como fazer
para incluir a diversidade. Como vamos ultrapassar a lingaçã ao nacional. Não
será necessário criar uma utopia duma cidadania universal.

Finalmente o terceiro conceito: O Desenvolvimento. A história do


desenvolvimento está também ligada ao século das luzes. A crença no
progresso linear da técnica o acumular infinito da riqueza, através da sua
multiplicação de valor. A naturalização da ideia de desenvolvimento está
relacionada com a crença do domínio do ser humano sobre a natureza. Um
processo que está hoje longe de ser consensual, mas que ainda constitui, em
muitos lugares, uma referência do pensamento económico.

A necessidade é um processo linear e está inscrito na natureza humana. Uma


forma de pensar que contamina a narrativa sobre o mundo e que influencia a
ideia de educação. Educação constitui-se como uma ferramenta desse processo
linear, visto como uma forma de formatar a necessidade natural. Algo que
necessita de ser feito para que a utopia de concretize.

Nesse sentido a crítica ao conceito de desenvolvimento tem vindo a chamar a


atenção para esta componente de “fetiche” como algo que necessita de ser feito
para atingir um determinado resultado, algo que já foi feito por alguns países e
através do qual todos deverão passar para atingir um fim.

O conceito ganha relevância através do discurso do Presidente americano


Truman, quando em 1949 cristaliza no seu discurso a ideia do Desenvolvimento
como algo bom a ser atingido. Um discurso que cria a figura do
Desenvolvimento, como fim e do subdesenvolvimento como um estádio que
deverá ser ultrapassado. O subdesenvolvimento como um lugar primitivo, que
deve ser substituído por uma entrada na civilização ou modernidade. Num certo
sentido dá uma nova dimensão ao discurso colonial, de clivagem entre
selvagens e civilizados. É todavia um discurso que irá permitir, em conjunto
com as deliberações tomadas ao abrigo da Carta das Nações Unidas a ideia de
que o colonialismo e o subdesenvolvimento podem ser ultrapassados pelo
Desenvolvimento. Desse modo desenvolvimento torna-se o instrumento técnico
aplicado á economia. Torna-se num fim e num meio. O fim é alcançado pela
ideia do projeto.

O Desenvolvimento transforma-se num projeto global. Ainda que o capitalismo


se centre sobretudo nas questões do crescimento económico; as economias
socialistas, envolvidas no processo de criação dum novo projeto social,

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conferem ao desenvolvimento uma dimensão multifacetada, num discurso que
ganhará adeptos na análise das questões da dependência económica, na
clivagem entre o centro e a periferia.

Aplicado aos novos países africanos, os projetos do desenvolvimento irão


propiciar o surgimento das políticas públicas de Ajuda ao Desenvolvimento, a
emergência das relações entre doadores de fundo para o desenvolvimento, que
como ajudas externas, vão completar, de forma sempre vista como provisória,
as ajudas externas aos países mais atrasados, para que, através da ajuda estes
atinjam os fins previstos no tal “desenvolvimento”.

Na maioria dos casos nunca chega a concretizar-se, mesmo em situações em


que a alavancagem das economias pela venda de matérias-primas permite criar
imensas mais-valias, perdendo-se as vantagens financeiras em elites locais e
comercio menos adequado.

Independentemente dos resultados, a palavra “Desenvolvimento” inscreve-se


no discurso como ideia agregadora. Uma ideia forte e mobilizadora. Em certo
sentido, a medida do desenvolvimento ainda continua a ser usada como forma
de diferenciação entre os países. A força de atração desta palavra é tão ampla,
que hoje a incluímos em praticamente tudo o que tenha a ver com a questão da
virtuosidade do futuro. Tudo pode ser incluído na narrativa do desenvolvimento,
sendo que apesar de tudo a sus definição continua a ser pouco precisa.

Olhando para a historicidade do conceito, podemos verificar que, por exemplo,


nos anos setenta, a ideia de desenvolvimento estava associada à distribuição de
recursos. Estava-se convicto que, por exemplo, o combate á pobreza e à fome
podiam ser feitos através da distribuição de alimentos, a pela implementação
de políticas sociais, como a educação e o incentivo á produção, que a prazo,
garantiriam o desenvolvimento dessa sociedade. No entanto, a avaliação dos
resultados dessas políticas permitiu entender que a distribuição de recursos por
si só não estava a produzir os resultados desejados, como também estava a
produzir sistemas que ineficientes, que cada vez absorviam mais recursos e
com uma tendência para piorar os resultados.

Nos anos oitenta, a ideia de Ajustamento Estrutural, vem colocar na agenda do


desenvolvimento a necessidade de que a ajuda tem que produzir crescimento
económico. Apenas a troca e o mercado poderiam produzir riqueza, que
posteriormente podia ser distribuída pela sociedade. Era pois necessário
desregular e diminuir a ação do estado na sociedade. Nos países africanos, o
resultado da mercantilização da economia deu origem um Estado de negócios,
com os governantes a envolverem-se com a iniciativa provada, canalizando
recursos para proveito dos seus grupos de influência e gerindo as ajudas
externas.

A crítica aos ajustamentos estruturais, pela violência social que produziu em


muitos países, deu origem a diversas narrativas sobre o desenvolvimentos

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 22


alternativos. Uma narrativa sobre os direitos humanos, a do Desenvolvimento
Sustentável e a do Desenvolvimento Humano.

Embora o Desenvolvimento Sustentado tenha acabado por predominar no


discurso internacional com os novos ODS da Agenda 2030, o Desenvolvimento,
ainda que visto no âmbito dos seus limites ambientais e sociais, continua a ser
visto como algo que pode ser construído. Continua a ser uma narrativa
dinâmica que justifica as ações do presente em função dos resultados do futuro.
Por isso continua a ser uma análise multifacetada, fragmentada, e quase
sempre parcial. Apesar todas as tentativas de reconceptualizar a ideia de
Desenvolvimento, de tentar agregar a ideia de compromisso comum da
humanidade para um destino comum, não deixa de ser uma ideia messiânica de
realidade.

Em suma as três ideias, Educação, cidadania e desenvolvimento encontram-se


interligadas nos discursos da atualidade. Elas surgem em todos os grandes
problemas da globalização, do turismo às migrações, do ambiente à pobreza,
da economia á sociedade, como narrativas que regulam a reciprocidade, a
justiça e a solidariedade.

As três ideias são também relevantes para produzir o reconhecimento da


necessidade de parcerias, para conceptualizar os processos de transformação
social e para mobilizar os atores e suas vontades. A sua interdependência e o
seu reconhecimento permitem introduzir a necessidade de inclusão social e
trabalhar com os marginalizados da globalização. Nesse sentido são
instrumentos de reconhecimento da dignidade humana e dos direitos culturais.
Necessitamos de usar os instrumentos que temos para continuar a reconhecer e
a criar narrativas, ajustando o que necessita ser ajustado. A educação global
tem vindo a constituir esse instrumento.

A ideia de Educação global

É nesse sentido que nos últimos anos tem crescido a ideia da Educação Global
como alternativa à Educação para o Desenvolvimento, um processo que se
desenvolvia nas sociedades europeias e que tinha como objetivo dar a conhecer
o estado de desigualdade do mundo, ao mesmo tempo que procurava
acrescentar ação de solidariedade e apoio a esse desenvolvimento.

A consciência de que o Desenvolvimento não é apenas a ajuda aos países do


sul, mas algo que implica todos, e que esse desenvolvimento não pode ser
atingido e mantido num local sem que os outros também o possam atingir,
levou a uma alteração da referencia de Educação para o Desenvolvimento para
Educação global A educação global propõe-se assumir uma alternativa na
abordagem metodológica na educação propondo uma aprendizagem é baseada
na cooperação. Uma pratica que tem vindo a ser feita nas experiencia de
educação popular.

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 23


Na aprendizagem cooperativa há uma interdependência positiva entre os
esforços dos participantes para aprender. Eles empenham-se no apoio mútuo
para que todos os elementos do grupo beneficiem com os esforços uns dos
outros. Há uma interdependência positiva entre os participantes que se
empenham em trabalhar juntos.

Estas metodologias permitem aprender através da interação, melhorar as


competências de comunicação e fortalecer a autoestima.

Aprendizagem baseada na resolução de problemas

As metodologias baseadas na resolução de problemas encorajam as pessoas a


fazerem perguntas e a darem respostas, recorrendo à sua curiosidade natural
sobre eventos ou temas específicos. Os participantes são convidados a refletir
sobre questões que não têm respostas absolutas nem desenvolvimentos
simples e que refletem a complexidade de situações do mundo real. A
aprendizagem baseada na resolução de problemas abre caminho a uma
abordagem ativa do processo de aprendizagem.

Aprendizagem baseada no diálogo

O diálogo cria interações orais entre os participantes e procura estimular a troca


de ideias. Funciona como uma ponte entre as pessoas e cria um espaço propício
para o desenvolvimento de ideias, reflexões e propostas, mesmo que sejam
opostas ou diferentes. O diálogo ajuda a desenvolver competências de
comunicação e audição, logo, promove a compreensão de diferentes questões e
pontos de vista. É um dos métodos mais importantes da educação global.

Aspetos relevantes da metodologia da educação global:

• Escolher o ambiente de aprendizagem apropriado: Um ambiente centrado


no indivíduo baseia-se nos princípios da aprendizagem democrática,
participativa, cooperativa e experiencial.

• Desenvolver o pensamento crítico: O pensamento crítico desenvolve-se


nas diferentes fases e níveis de aprendizagem. Em primeiro lugar os indivíduos
precisam de reconhecer a realidade de forma a terem consciência da sociedade
global e desenvolverem valores referentes ao direito de todos a uma vida digna.

• Fazer a ponte do global para a realidade de cada um e para o seu dia-a-


dia é essencial para a compreensão dos fenómenos e acontecimentos
internacionais.

• Estimular a curiosidade Estimular a curiosidade é um pressuposto muito


importante para o desenvolvimento do pensamento crítico. Isto pode ser feito
principalmente através de pesquisa mais orientada para as questões certas do

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 24


que para as respostas corretas, as quais podem não existir num mundo incerto
de questões complexas.

• Estimular a criatividade Estimular a criatividade é também um


pressuposto muito importante para o desenvolvimento de perspetivas e
possibilidades para estabelecer relações de paz e sustentabilidade do mundo.

Abordamos até aqui as questões sobre a Educação global. Há várias vozes que
se tem vindo a levantar defendendo a necessidade de descolonizar,
despatricalializar e descapitalizar a educação. Vozes que defendem que é
necessário que a escola ajude a pensarem de forma diferente. Uma escola de
não seja um instituição de reprodução dum conhecimento inútil, mas uma
escola que se preocupe com os problemas relevantes do tempo em que
vivemos. Uma educação voltada para o futuro, marcada pelos valores da
justiça, pela criação de capacidade de ação e pelo trabalho com as emoções.

São propostas de uma educação voltada para a emancipação social, onde os


sues objetivos são.

• A identificação dos problemas,

• A procura de soluções

• O treino da implementação de soluções,

• O treino de enfrentar complexidades,

• E, uma proposta de pensar e trabalhar com utopias

Essa são os princípios da educação popular, já em prática em muitos países da


América do Sul e que poderão constituir igualmente os princípios da educação
patrimonial.

Educação Popular e Educação patrimonial

O Mundo está a mudar. É necessário pensar numa educação que se ajusta à


mudança e num património sobre o qual se possa construir a mudança e a
inovação. Não serão desafios fáceis. É necessário por uma lado colocar a
questão: que educação é necessária para o tipo de mudança que necessitamos?
Isso implica pensar a relação entre os processos educativos e os desafios do
contexto histórico. Pensar se a e educação é um processo que nos serve para
nos adaptarmos à mudança ou para agir sobre essa mudança?

Os processos educativos não são lineares. Ele são essencialmente instrumentos


do poder social que determinam o que a cada momento deve ser o saber e
conhecimento a mobilizar. Em sociedades estáveis, os processos educativos
tendem a privilegiar a reprodução de saberes. Em sociedades em transição,

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 25


pede-se que os processos educativos promovam a inovação a capacidade de
descoberta de novos saberes.

O campo da educação patrimonial, considerado a partir da tensão entre a


tradição e a modernidade são espaço onde é possível verificar esta dualidade.
Por um lado, a educação como esforço de reproduzir a tradicionalidade,
propondo ações de revivalismo nas comunidades arcaicas. Por outro lado, muito
menos explorado, a educação para o património como projeto de construção
dos futuros possíveis. Seja na proposta de colocar o património ao serviço do
desenvolvimento ou do património como catalisador da economia criativa.

Não é fácil responder a estas questões. São tensões contraditórias e que se


cristalizam em torno do modelo social que se quer seguir. Para quem defende
um modelo com base na competição da economia de mercado, defende uma
educação para a competitividade e eficiência no mercado de trabalho. Quem
defende um modelo societal voltado para a emancipação social na busca duma
justiça cognitiva, defenderá uma educação para a democratização ou cidadania
global.

Para qualquer dos modelos a educação está na base de qualquer mudança e


provavelmente a mudança acabará por ocorrer entre ambos. A educação
patrimonial será, provavelmente um espaço de observação privilegiado para
estas mudanças.

Poderá ser um espaço de observação porque é necessário ter em atenção que


não será a educação libertadora a produzir sozinha a mudança social. A
educação não será um campo de ação revolucionária. Mas como em todas as
utopias, não é possível pensar numa mudança social sem uma educação
libertadora. Como sabemos os patrimónios constituem-se como narrativas
sobre objetos sociais relevantes. Uma das dimensões que a relação patrimonial
permite estabelecer é a emergência do da multidimensionalidade do ser. As
relações humanas são essencialmente relações de afetos que agregam ou
repulsam. As relações com os objetos patrimoniais são relações de afeto que
estão sustentadas em valores simbólicos, da ordem e de legitimação. São nesse
sentido possibilidade de ação que apelam à reconstrução de narrativas.

A reconstrução de narrativas sobre o património, a partir da educação popular


implica, quanto a nós problematizar o espaço e o tempo duma determinada
comunidade. É necessário pensar nos processos do passado para entender de
que forma são possíveis a imaginação de novas ações.

Processos inovadores que procuram imaginar o futuro implicam desenvolver


ações éticas, politicas, culturais, pedagógicas (centrada nas aprendizagens), e
estéticas (recantar, repensar, rir). Ações de educação patrimonial onde os
sujeitos são protagonistas das transformações.

Na educação patrimonial popular não há uma preocupação pela transmissão de


conteúdos previamente determinados, mas uma preocupação de criar condições

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 26


para pensar de forma crítica e pensar criativamente sobre novos conteúdos.
Esse desafio implica uma nova postura do museólogo educado. Uma
experiencia em gerar aprendizagens a partir das histórias das comunidades, dos
seus objetos, dos seus saberes, técnicas e formas de expressão. De todas as
formas de expressão. Um papel de criar paixões pela descoberta do eu e do
outros através da experiencia.

A educação patrimonial popular surge assim como uma forma de pedagogia da


resistência e como uma pedagogia de alternativas. Resistência critica,
questionando dialogicamente o real, para construir proposta de ação, com base
na ação e na mobilização da comunidade na esperança de um futuro. A
educação patrimonial popular terá que ser uma busca duma coerência para o
futuro. Uma busca da Utopia que seja criadora de frutos.

Conclusão.
A educação patrimonial popular, enquanto proposta emancipatória é uma
aventura de conhecimento. A produção do conhecimento não como uma
coerência mas como uma procura da coerência.

Ao olharmos para as propostas de educação patrimonial popular que tem vindo


a ser construídas no Brasil, nas Favelas das grandes cidades, nas zonas
quilombolas, entre a população afrodescendentes, entre os indígenas e povos
da amazónia verificamos que esses processos são laboratórios criativos de
propostas emancipatórias com base na construção de relações dialógicas. Neles
os sujeitos atuam como atores da sua própria transformação.

Neles sente-se a emergência dum novo paradigma de viver bem e bem viver.
Uma Paradigma de viver numa sociedade planetária, feita de diversidade e em
relação com a natureza. O Bem-viver poderá afirmar-se ou não como uma
alternativa ao desenvolvimento sustentável, na sua versão tecnocrática.
Propõem-se partir das situações de cada local, de cada agregado regional para
construir interdependências com base na diversidade. A autonomia e a
autodeterminação são questões base na afirmação dos direitos culturais que
permitem transformar as relações de poder

Será possível uma transformação. Temos que ter esperança e confiança da


capacidade criadora. Esperança que é um impulso de transformação. Ou como
propôs Paulo Freire a espera como esperança “Escolhi a sombra desta árvore
para repousar do muito que farei enquanto esperarei por ti.”

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Universidades Populares e Educação popular
Pedro Pereira Leite

Da educação para o desenvolvimento à Educação Global

Nos últimos anos tem crescido a ideia da Educação Global como alternativa à
Educação para o Desenvolvimento. Educação Global segundo a Escola Mundo é
uma abordagem metodológica na educação onde a aprendizagem é baseada na
cooperação.

Na aprendizagem cooperativa há uma interdependência positiva entre os


esforços dos participantes para aprender. Eles empenham-se no apoio mútuo
para que todos os elementos do grupo beneficiem com os esforços uns dos
outros. Há uma interdependência positiva entre os participantes que se
empenham em trabalhar juntos.

Estas metodologias permitem aprender através da interação, melhorar as


competências de comunicação e fortalecer a autoestima.

Aprendizagem baseada na resolução de problemas


As metodologias baseadas na resolução de problemas encorajam as pessoas a
fazerem perguntas e a darem respostas, recorrendo à sua curiosidade natural
sobre eventos ou temas específicos. Os participantes são convidados a refletir
sobre questões que não têm respostas absolutas nem desenvolvimentos
simples e que refletem a complexidade de situações do mundo real. A
aprendizagem baseada na resolução de problemas abre caminho a uma
abordagem ativa do processo de aprendizagem.

Aprendizagem baseada no diálogo


O diálogo cria interações orais entre os participantes e procura estimular a troca
de ideias. Funciona como uma ponte entre as pessoas e cria um espaço propício
para o desenvolvimento de ideias, reflexões e propostas, mesmo que sejam
opostas ou diferentes. O diálogo ajuda a desenvolver competências de
comunicação e audição, logo, promove a compreensão de diferentes questões e
pontos de vista. É um dos métodos mais importantes da educação global.

Aspetos importantes da metodologia da educação global:


Escolher o ambiente de aprendizagem apropriado: Um ambiente centrado no
indivíduo baseia-se nos princípios da aprendizagem democrática, participativa,
cooperativa e experiencial.

Desenvolver o pensamento crítico: O pensamento crítico desenvolve-se nas


diferentes fases e níveis de aprendizagem. Em primeiro lugar os indivíduos
precisam de reconhecer a realidade de forma a terem consciência da sociedade
global e desenvolverem valores referentes ao direito de todos a uma vida digna.

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 30


Fazer a ponte do global para a realidade de cada um e para o seu dia-a-dia é
essencial para a compreensão dos fenómenos e acontecimentos internacionais.

Estimular a curiosidade Estimular a curiosidade é um pressuposto muito


importante para o desenvolvimento do pensamento crítico. Isto pode ser feito
principalmente através de pesquisa mais orientada para as questões certas do
que para as respostas corretas, as quais podem não existir num mundo incerto
de questões complexas.

Estimular a criatividade Estimular a criatividade é também um pressuposto


muito importante para o desenvolvimento de perspetival e possibilidades para
estabelecer relações de paz e sustentabilidade do mundo.

Educação global II

No último postal abordamos algumas questões sobre a Educação global. Há


várias vozes que se tem vindo a levantar defendendo a necessidade de
descolonizar, des patricalializar e descapitalizar a educação. É necessário que a
escola ajude a pensar de forma diferente. Uma educação voltada para o futuro,
marcada pelos valores da justiça, pela criação de capacidade de ação e pelo
trabalho com as emoções.

Os grandes objetivos da educação são


• Identificar problemas,

• Implementar soluções,

• Enfrentar complexidades,

• e trabalhar com utopias

Essa são os princípios da educação popular, já em prática em muitos países da


América do Sul. Óscar Jara e as suas experiências com Educação popular são
úteis para compreender o tipo de mudanças que é necessário promover.

O Mundo está a mudar. É necessário pensar numa educação que se ajusta à


mudança. é necessário colocar a questão : que educação para que tipo de
mudança? ou por outras palavras, pensar na relação entre o processo educativo
e os desafios do contexto histórico. Ou seja a educação serve para nos
adaptarmos à mudança ou para agir sobre a mudança?

Não é fácil responder a estas questões. São tensões contraditórias e que


mostram o modelo social que se quer seguir. Uma educação para a
competitividade e eficiência no mercado de trabalho, ou uma educação para a
democratização ou cidadania global. A educação está na base de qualquer
mudança.

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 31


A educação libertadora não produz sozinha a mudança social, mas não haverá
mudança social sem educação libertadora. são 7 ideias para uma educação
emancipadora educação para a vida.

Educação Popular releva a pedra de afeto nas relações humanas, e os processos


de destruição do planeta. Por isso advoga uma educação:

Uma outra educação e uma melhor educação. Uma educação emancipadora,


popular, libertadora.

Uma educação que equacione de forma crítica o modelo de desenvolvimento. É


necessário problematizar o desenvolvimento e imaginar as ações possíveis.

• A educação como um processo ético, politico, cultural, pedagógico


(centrada nas aprendizagens), estético (reecantar, repensar, rir)

• Uma educação onde os sujeitos são protagonistas das transformações.


Não há transmissão de conteúdos, mas uma preocupação de criar condições
para pensar de forma crítica.

• Um outro papel para os educadores. Educar é uma experiencia de gerar


aprendizagens. Criar paixões para descobrir.

• Uma educação com uma pedagogia da resistência. A pedagogia da


proposta, do diálogo da mobilização e da esperança.

• Uma educação para a utopia. A procura da coerência (como propôs Paulo


Freire).

• A aventura do conhecimento. O conhecimento não uma coerência mas a


procura da coerência. É necessário criar uma pedagogia criativa, produtora de
frutos.

Princípios da pedagógica pela emancipação

As Lições da América Latina por uma educação emancipadora popular mostram


que os principais desafios e resistência só podem ser respondidos através das
propostas de construção de relações democráticas.

Os princípios para pedagogia emancipatória na América são:

• A criação de sujeitos transformadores,

• Modelos de mudança sociopolítica foram dominantes nos anos 60 aos 80.


A lição foi que a liderança do poder político não muda a sociedade. Nos anos 90
a proposta foi transformar a sociedade alavancada no extrativismo. Os
processos de mudança são longos.

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 32


• É necessária uma liderança ética e pedagógica nas estruturas
hegemónicas.

• Sente-se a emergência dum novo paradigma viver bem e bem viver.


Paradigma de viver numa sociedade planetárias, em relação com a natureza,
numa sociedade de diversidade. Construir outra forma de convivência humana,
com a natureza e com os outros povos. O processo transformador tem que ser
regionais.

• As interdependências e as diversidades/ autonomia e autodeterminação


são chaves para a transformação das relações de poder

A transformação nas universidades. Relação pesquisa, ensino, extensão


ampliam o papel das universidades. É necessário combater o modelo da
universidade como produtora de serviços, separada dos problemas da
sociedade.

A construção da esperança como impulso de transformação. “Escolhi a sombra


desta árvore para repousar do muito que farei enquanto esperarei por ti.” A
espera como esperança conforme propôs Paulo Freire.

Educação e Universidades Populares

O movimento das Universidades populares, na sua forma mais recente tem


como figuras de referência, Paulo Freire e Fales Borda.

Vele a pena identificar as 4 características das Universidades Populares.

• Acessibilidades (são universais)

• Relevância das questões

• Educação horizontal

• Educação para a ação (transformação dos saber, do poder e do fazer)

Na sua genealogia inspira-se na pedagogia da libertação de Paulo Freire, na


necessidade de compreender o mundo em que se vive, para o poder
transformar. Já Fals Borda defende a investigação popular como um processo
de criar uma ciência relevante. A investigação-ação participativa. Fals borda
desenvolveu o seu modelo em Cartagena das Índias.

Antecedentes.

A criação duma representação do mundo. A primeira Universidade Popular


surge no século XIX no Epito, inspirada nos princípios do Anarquismo. A
competição entre o anarquismo e o comunismo, no final do século XIX e inícios

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 33


do século XX leva focar a ação nos processos de transformação, diminuindo o
seu foco no processo de criação duma representação. Ainda assim, no final do
século XIX e inícios do século XX a universidade popular surge no âmbito das
atividades do Bureau Internacional do Trabalho e tem desenvolvimentos em
Portugal com base no objetivo geral de dar educação a quem está excluído.
Entre a europa e as experiencias americanas nos anos sessenta e setenta há de
ter em conta os respetivos contextos. Na Europa, sobretudo na fase do pós-
guerra, as Universidades Populares orientavam-se para a evolução do ser
humano, numa prespetiva de educação integral e universal, enquanto na
América a experiencia orienta-se fundamentalmente para a alfabetização.

A universidade era vista como um espaço de elites. Por isso era necessário que
o povo dela se apropriasse. Se o conhecimento das universidades era um
conhecimento erudito, as universidades populares deveriam procurar um
conhecimento popular. Construir os seus próprios conteúdos sem serem
eurocêntricos.

As universidades não são eurocêntricas. As primeiras Universidades conhecidas


foram formadas em Tombuctu no Mali e em Assur no Egipto. A Universidade de
Bolonha, criada no século XI é uma universidade que é destinada a preparar a
burocracia e a classe comercial. Nesse sentido pode ser considerada a primeira
universidade para as elites.

Na Europa as Universidades tornam espaços de poder. Espaços de formação


das elites brancas e coloniais.

A crise da Educação Popular e a crise das Universidades das elites

No campo da educação popular, após o entusiamo dos anos oitenta, os modelos


das Universidades Populares entram em crise. Em parte pela institucionalização
dos modelos de educação universal extensiva, feita pelas campanhas da
UNESCO. As forte transformações sociais exigem um repensar das suas formas.

A educação popular já não se pode constituir com base numa pedagogia da


libertação. A libertação assenta no paradigma da opressão. Ele tem por base a
ideia que a libertação é possível pela consciência, pela conscientização. A
educação popular no entanto não foi sensível aos processos de opressão do
colonialismo, do patriarcado e do racismo. Não se ajustou aos mecanismos de
dominação

Em segundo lugar, a Universidade Popular não se adaptou à transformação do


conhecimento, nem à emergência da Internet. O conhecimento está hoje em
todo o lado, é acessível. A questão hoje que se coloca à educação já não é o
conhecimento, mas trabalhar por um mundo digno. A educação já não é um
monopólio de uma instituição.

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 34


Em terceiro lugar a Educação popular assenta no diálogo. Ele não assente num
conhecimento pré-existente, mas constrói-se no confronto entre saberes. O
objetivo da Educação popular é identificar os mecanismos de opressão.

A opressão está na sociedade de consumo e formação de mercadorias. A


educação popular deve assentar na produção dum pensamento crítico.

Em quarto lugar a educação popular questiona a hierarquia entre educador e


educando. O educador popular é um facilitador, alguém que facilita a
construção do conhecimento. Há uma tradição de facilitação nos países do norte
(noruega e USA) nos lugares onde se desenvolveram as ideias socialistas.

Em quinto lugar a educação popular está envolvida em processos de construção


coletiva. A educação popular faz parte das redes de formação das ONG que têm
demonstrado a utilidade da educação popular em contexto de atividades.

Em sexto lugar a Educação Popular tem que construir o seu próprio sistema de
poder. A educação popular tem que entrar nos sistemas de educação formal e
acabar com a dicotomia entre popular e tecnologia.

A crise universitária

O modelo universitário está em crise desde os anos oitenta. A ideia geral é que
o sistema está subfinanciado, o que obriga as universidades a procurarem uma
parte do seu financiamento na sociedade, fundamentalmente através de
empresas, em troca do qual são criadas ações educativos voltadas para o
mercado. As universidades deixaram de se recriar. A entrada das classes
médias na Universidade acabou por ditar o fim das Universidades como espaços
das elites, que se transferiram para universidades privadas, financiadas pela
atividade empresarial. As universidades públicas tendem a perder o papel da
universalização no ensino.

A educação popular e a educação universitária

A educação tende a ser olhada como uma oportunidade. Há que pensar novos
processos de intervenção do conhecimento. Por exemplo educação e saúde. A
educação popular terá que construir o seu próprio conhecimento a partir das
relevâncias da sociedade.

O desafio da Educação popular é trazer o saber popular para as universidades.


Criar universidades anticapitalistas, antipatriacais e anticolonialistas. Assim se
poderá ligar a Educação Popular e a Universidade Popular, através da
transformação social e a reformulação das estruturas internas. Estruturas sul-
sul assentem na criação e inovação.

O modelo de extensão universitária é também um dos desafios da Educação


Popular. Há vários modelos de extensão (anglo-saxónico, humboldtiano,
napoleónico e o modelo londrino). O modelo de extensão tem sido visto como
um modo de capturar receitas para a universidade.

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 35


No entanto o modelo de extensão permite criar inovação institucional. Por
exemplo, o modelo de observatórios articulados com a sociedade civil permitem
identificar problemas que estão a surgir e propor ações para os resolver ou
minorar.

É necessário reformular as universidades. Reequacionar o ensino médio e a


escola pública para a adequar às transformações na sociedade. Novas
instituições e novas formas de atuar.

Por exemplo, as oficinas da Universidade Popular, com a duração de dois dias,


ajudam a construir as epistemologias do Sul. As suas palavras de ordem são.
Democratizar, Descolonizar, Despatriacalizar desmercantilizar Obter
certificações autónomas e assentar em pedagogias alternativas

A pedagogia das ausências permite criar um outro conhecimento a partir da


interrogação do conhecimento do outro. Permite criar uma pedagogia crítica. A
pedagogia das emergências permite criar conhecimento a partir do diálogo,
permite confrontação de saberes, permite uma tradução intercultural a partir do
mapear das ideias. Permite construir um conhecimento vivo.

Construir um a pedagogia como um processo de artesanato, tecendo os


conhecimentos dos outros e integrar as diferenças. A pedagogia popular como
uma construção rizomática de corpos e saberes nos territórios.

Dimensões atuais das Universidades Populares

Avançando para uma síntese conclusiva, procuramos enquadrar os limites e a


extensão das Universidades Populares para a investigação participada. O
conhecimento científico do social é hoje portador de uma dimensão de
incompletude. Essa imperfeição ou esse conhecimento impuro é o espaço e o
tempo onde fermenta a possibilidade de construção da justiça cognitiva.

O conhecimento é hoje, no essencial um processo de mudança. Um processo de


alteração que envolve diferentes elementos.

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 36


• Legítimação/I
Codex/Imp legitimação
ureza

Ordem/
Desord
em
•Estrutura/
Fluído
União/Separação

• Simbólico
/Diabólico

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 37


2
Património e Educação Popular
Hugues de Varine 3

A educação popular assente no património torna-se, hoje em dia e no mundo


inteiro, um fator essencial do desenvolvimento local, através da formação de
pessoas conscientes da sua força e das suas capacidades de iniciativa e de
controlo do presente e do futuro.

O desenvolvimento local “sustentável”4, enquanto processo dinâmico de


transformação da sociedade e do meio, assenta em grande parte na
participação ativa e criativa das comunidades locais. Sem essa participação,
teremos apenas uma mera execução de programas tecnocráticos, cuja eficácia
depende da combinação conjuntural e efémera de uma vontade política e da
disponibilidade de meios financeiros e humanos. Como estes dois fatores –
vontade política e meios de Acão – estão estreitamente ligados a calendários
eleitorais, a programações de curto ou médio prazo e à presença de
personalidades fortes (os leaders), o desenvolvimento local não participativo
não pode de facto ser “sustentável”.

Contudo, só por si, a vontade de fazer participar a população, sob a forma de


indivíduos, de grupos ou de associações, ou mesmo da comunidade no seu
todo, também não basta para garantir que essa participação seja real e
assegurada no tempo. Isto porque o cidadão médio, tanto numa democracia
como numa ditadura, não é considerado como pessoa adulta, como sendo
capaz de assumir a sua quota de responsabilidade na “coisa pública”.
Frequentemente chamados a votar em candidatos que nem conhecem de facto,
na base de programas e de promessas em que a memória popular reconhece
que têm muito pouca probabilidade de serem aplicados tal como foram
anunciados, submetidos em seguida à autoridade destes eleitos (que
representam geralmente muito menos de metade da população), os cidadãos
não têm qualquer possibilidade de chegar por si mesmos a desempenhar um
papel concreto, seja para exprimir e fazer adotar ideias ou projetos, seja para
contribuir para a realização dos projetos dos representantes eleitos, e que no
entanto lhes dizem diretamente respeito.

2
Patrimônio e Educação Popular", (2002) Revista Ciências & Letras, FAPA 31, Porto
Alegre, 2002, 287-296 http://www4.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/sum/sum31.pdf
3
Ex-Director do ICOM, Conselho Internacional dos Museus. Viveu e trabalhou vários
anos em Portugal, ligado à Acão cultural da Embaixada francesa. Atualmente dirige uma
associação de desenvolvimento local e é consultor internacional nesta mesma área,
tendo efetuado frequentes missões no nosso país. Contacto: 21360 Lusigny-sur-Ouche,
França. E-mail: hdevarine@interactions-online.com
4
Hughes de Varine, em 1997 na Jornadas Sobre a Função social dos Museus já havia
abordado a questão do Desenvolvimento Sustentável. http://www.minom-
icom.net/_old/signud/DOC%20PDF/199700404.pdf

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 38


Educação e desenvolvimento

Nas sociedades mais desenvolvidas, onde a grande maioria da população


recebeu um ensino obrigatório, durante pelo menos dez anos, muitas vezes
seguido de estudos facultativos mais ou menos especializados, a experiência
provou que os conhecimentos adquiridos por ocasião da formação inicial não
permitiram a essas pessoas investir de uma maneira rigorosa e permanente
para participar ativamente na produção do seu próprio futuro e no dos seus
descendentes, dentro de um quadro coletivo. Aquilo a que Paulo Freire chamou
de educação “bancária”, isto é, a acumulação forçada de conhecimentos
segundo um esquema, conteúdos e métodos definidos de cima para baixo (pelo
Ministério da Educação, por exemplo), tem-se revelado incapaz de formar
gerações de cidadãos responsáveis, exceto quando tais conhecimentos acabam
por coincidir com a cultura herdada por parte de alguns dos alunos, aqueles que
pertencem à mesma categoria sociocultural dos decisores do sistema educativo.

Além disso, mesmo nas sociedades mais “educadas”, há sempre uma certa
percentagem da população que passou ao lado desta educação bancária, quer
se trate de analfabetos, de iletrados ou de abandonados pelos estabelecimentos
escolares, que nem sequer adquiriram os conhecimentos formais mínimos para
fazer o seu caminho na vida segundo as normas da sociedade que os rodeia.
Estes não podem regressar à escola e a sua única esperança será de entrar
num processo educativo novo, original, adaptado aos seus ritmos, à sua cultura
viva, aos seus interesses reais.

A estas duas categorias de público, que podemos qualificar sumariamente como


“letrados” e “não-letrados”, é indispensável propor formas de educação não-
bancária, a fim de libertar as suas capacidades de análise, criatividade,
iniciativa e autonomia, que lhes permitam inserir-se, de forma progressiva e
eficaz, nos processos de desenvolvimento (e, ainda, para os não-letrados, de
encontrar o seu lugar numa sociedade de cultura escrita, onde vivem sem se
acharem realmente integrados).

Têm-se dado diferentes nomes a esta educação não-bancária: educação


informal, educação de adultos, educação popular, educação permanente. Cada
termo tem o seu sentido próprio e não se confunde com os outros, mas pode
dizer--se que, no que diz respeito à participação no desenvolvimento, todos
partilham um mesmo objetivo, o de libertar a capacidade criadora da pessoa e
de a levar a ocupar plenamente um lugar de Actor cultural, social e económico,
na sua comunidade e no seu território. Este processo corresponde exatamente
à noção de conscientização em Paulo Freire.

Nas linhas que se seguem, falarei apenas de educação popular, para sublinhar o
que aqui nos interessa, o facto de que se trata de uma educação que se destina
ao conjunto da comunidade, associando-a e envolvendo-a no seu todo, com
todos os seus membros e os recursos do território.

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 39


Dos públicos à população

A educação popular para o desenvolvimento visa criar ou reforçar a comunidade


e o seu controlo sobre o despectivo território, fornecendo-lhe os necessários
instrumentos para a conceção, expressão e formulação de projetos, assim como
para a sua concretização e para a cooperação interna e externa.

Nesta abordagem, não se pode falar de públicos específicos, tal como se fala no
ensino clássico ou na Acão cultural e artística. É certo que cada um deve poder
aí encontrar respostas às suas necessidades próprias, em função do grau de
desenvolvimento pessoal a que chegou: o analfabeto procurará adquirir, ao seu
ritmo, os conhecimentos de base que lhe permitam poder ir mais longe de
seguida, o erudito ou técnico pedirá para aceder ao conhecimento do seu
quadro de vida ou a técnicas que lhe não são familiares, o imigrante ou o
recém-chegado quererá ligar-se ao passado e às línguas do seu novo quadro de
vida, enquanto os autóctones desejarão valorizar-se graças aos contributos
destes diferentes vizinhos, etc.

A educação popular não visa, portanto, apenas a satisfação de “públicos”


específicos; deve, sobretudo, constituir a fonte de uma cultura comum
construída a partir dos contributos de todos os membros da comunidade,
acrescentando contributos exteriores destinados a ajudar à integração desta
comunidade em comunidades mais largas: regional, nacional, internacional.

É, com efeito, apenas através do domínio da sua própria cultura que uma
população pode pretender tornar-se parceiro ativo e responsável do seu
presente e do seu futuro. As equipas locais da Associação “In Loco”, que
trabalham no seio das populações no interior serrano do Algarve, em Portugal,
produziram recentemente um notável trabalho de síntese e de metodologia,
que inclui nomeadamente a formação para o desenvolvimento pessoal5. Este
trabalho retoma, atualizando-o, o dos movimentos de educação popular ativos
na Europa em reconstrução, após a II Guerra Mundial. Todavia, na sua prática
quotidiana, onde geralmente a educação popular de ontem procurava fornecer
meios de formação ou de animação trazidos principalmente do exterior
(formadores, animadores, artistas, conferencistas), os técnicos da “In Loco”
procuram, antes de mais, dentro da própria comunidade os recursos e os
materiais da formação.

É de constatar que qualquer comunidade é constituída por subconjuntos, cujos


diferentes papeis no desenvolvimento são deveras importantes: os jovens (o
futuro), os idosos (a experiência), as mulheres (a educação no quotidiano e a
gestão da família), os profissionais (quadros da vida cultural, económica e
social). Esta distribuição por papéis e funções na comunidade é essencial para a

5
“Formação para o Desenvolvimento. Formação / Inserção Profissional Territorializada”.
Associação “In Loco”, www.in-loco.pt

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 40


organização da estratégia e do método da educação popular, em que cada um
deve simultaneamente dar e receber.

Os recursos do território

A educação popular, tal como o desenvolvimento no seu conjunto, assenta


principalmente nos meios disponíveis no próprio território: estruturas, pessoas,
saberes, bens materiais e virtuais.

Das estruturas

Deixando de lado as escolas de qualquer tipo, cuja função natural é a educação


“bancária”, pelo menos aos olhos de todos, encontramos instituições públicas
(bibliotecas, museus, centros culturais ou de animação, igrejas e outros
santuários de diferentes religiões, espaços com vocação desportiva, etc.) que
podem ser utilizadas, quer para a sua função central, quer como lugares
públicos que podem ser desviados dessa função para atividades de natureza
educativa. Pensemos também nas associações e noutros grupos organizados,
que têm uma finalidade social, cultural ou educativa, e podem ser
legitimamente mobilizados para ações de educação popular. Citarei
naturalmente aqui os novos museus, de comunidade ou de território, que
possuem, desde o momento da sua conceção, uma explícita vocação de
educação popular e se apresentam oficialmente como parceiros dos processos
de desenvolvimento. Podemos encontrar um exemplo no projeto de Ecomuseu
das Serras do Algarve ou no que está agora a emergir no Norte de Portugal, na
pequena região do Barroso. A educação popular é mencionada aqui
explicitamente como umas das dimensões do programa.

Das pessoas

Trata-se de pessoas-recurso, que se encontram em qualquer comunidade, mas


também e potencialmente, em dado momento, todo e qualquer membro dessa
comunidade. Têm conhecimentos e saber-fazer, uma memória, experiência,
competências profissionais, tempo, relações e redes locais ou exteriores,
motivações sociais ou outras que as tornam disponíveis, dentro de
circunstâncias variáveis, para uma utilização coletiva. Serão intervenientes,
referentes, conselheiros, enquadradores, informadores, etc. Podemos observar,
no Norte de França, agrupamentos de pessoas, no âmbito de movimentos de
economia solidária, que põem em comum as suas competências, relações e
meios financeiros, a fim de suscitar e facilitar a iniciativa económica por parte
de pessoas desprovidas de meios mas portadoras de projetos pessoais.

Dos saberes

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 41


Qualquer comunidade é um banco de saberes, uns formais e explícitos, outros
informais ou virtuais, que podem ser úteis mais tarde ou mais cedo, quer a uma
dada pessoa, quer ao conjunto da comunidade ou a uma determinada categoria
dos seus membros. Estes saberes podem valorizar-se em tempos normais ou
por ocasião de crises. Os portadores destes saberes são as pessoas-recurso de
que falámos acima. Em França, as Redes de Trocas Recíprocas de Saberes
(“Réseaux d’échanges réciproques de savoirs”), em centenas de lugares, vêm
criando laços entre indivíduos de origens socioeconómicas e socioculturais
muito diferentes, para gerar solidariedades cativas que fazem dos seus
membros atores imediatamente úteis aos processos locais de desenvolvimento,
no interior dos bairros, das empresas, das relações interpessoais.

Dos bens materiais

Tudo o que existe, com duas ou três dimensões, sobre o território e no seio da
comunidade, pode ser utilizado para a educação popular, para a observação, o
conhecimento do meio, a análise, a aprendizagem, o consumo, o controlo da
técnica, a identidade, o conhecimento do passado. A sua principal qualidade é
ser uma realidade tangível que multiplica a sua virtude pedagógica. Organizei
pessoalmente, em vários locais do Norte (Compiègne e arredores) e do Oeste
(Bouguenais, perto de Nantes) de França, “passeios de descoberta” do
património, destinados a formar militantes e animadores do desenvolvimento,
oriundos da população local, levando-os a ganhar consciência, ao mesmo
tempo, dos materiais à sua disposição e das suas responsabilidades na
respetivas preservação e utilização. Mencionarei também as exposições
participativas e os inventários participativos, deveras eficazes, não só para
(re)criar a identidade local, mas também para identificar as pessoas-recurso
que poderão tornar-se atores voluntários do desenvolvimento.

Dos bens virtuais

O mesmo sucede quanto à memória, tradição oral, costumes, particularidades


linguísticas, que apelam à imaginação e à sensibilidade e que ilustram as
diferenças entre as pessoas e os grupos, permitindo-lhes fortalecer interações e
cooperações. É o caso, entre outros, da “Abordagem Bairros” (“Démarche
Quartiers”), da cidade de Saint-Denis (próximo de Paris) ou da companhia
“Samirami Métropole Théatre”, em Roubaix (Norte de França): a memória oral
dos residentes, via de regra ocultada pela vergonha de uns e pelo desprezo de
outros, torna-se um fator dinâmico de construção da identidade, da vontade de
reagir, de participar na melhoria do quadro e das condições de vida. No
primeiro caso, emprega-se a técnica do conto narrado coletivamente; no outro,
é a encenação teatral na tradição do Teatro do Oprimido que serve de veículo
para a expressão pública da memória.

Será apenas quando todos estes meios se encontrarem inventariados e


mobilizados que se torna necessário apelar a outros materiais e a outros meios,
importados ou criados especialmente “in loco”. Em todo o caso, é de constatar

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 42


que o conjunto dos meios próprios da comunidade constitui ao mesmo tempo o
seu património, natural e cultural, material e humano.

A pedagogia da educação popular

A educação popular não é nada de novo, mas, para além de um período inicial
de prática militante, manteve-se vezes demais nas mãos dos docentes,
membros de uma corporação de técnicos da pedagogia. A verdade é que os
hábitos dos “clientes” potenciais da educação popular já não são os mesmos de
há 50 anos. Os não-letrados recusam o quadro escolar e os constrangimentos
da educação bancária, sobretudo quando o conheceram e dele saíram sem
qualquer bagagem cultural utilizável. Por seu turno, os letrados não veem a
utilidade de uma abordagem que não considere até certo nível os seus próprios
adquiridos culturais e intelectuais. Além disso já não se procura ocupar de
forma inteligente os tempos de lazer, mas sobretudo aceder a um estatuto
sociocultural e socioeconómico reconhecido ou adquirir o controlo dos meios de
expressão e de criação, tendo em vista uma plena participação na construção
do futuro. Em ambos os casos, a procura das pessoas coincide com a dos
agentes de desenvolvimento e da Acão comunitária, que pretendem interagir
com atores locais conscientizados e formados.

Esta situação pressupõe a invenção e a aplicação de uma nova pedagogia


interativa, em que o educando terá igual valor e igual contributo que o
educador, podendo este último beneficiar até, por sua vez, da posição de
educando.

É aqui que os recursos culturais e patrimoniais do território, da comunidade e


dos seus membros, entram em jogo, porque irão ser suporte, pretexto e
matéria-prima desta pedagogia. De facto, cada pessoa, independentemente do
seu estatuto social, possui um património que lhe é próprio e é, ao mesmo
tempo, coproprietário moral do património da comunidade a que pertence.
Poderá, assim, aprender a partir de algo que “é seu”, que conhece como seu ou
como fazendo parte do seu contexto, algo que vai poder reconhecer, aprofundar
e, por fim, utilizar.

O património (no sentido mais global do termo, evidentemente, natural e


cultural, material e imaterial, reconhecido publicamente ou desconhecido) vai
fornecer, muito especialmente, à educação popular os meios de atingir quatro
grandes objetivos, que são os mais úteis para o desenvolvimento participativo
da comunidade e do território:

 a formação da consciência da sua identidade, do seu território e da


comunidade humana de pertença;
 a autoestima e uma maior confiança nos outros, condição da participação
e da cooperação ao serviço do desenvolvimento;

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 43


 o despertar da capacidade de iniciativa e de criatividade, para se deixar
de ser consumidor e assistido e tornar-se empreendedor e promotor;
 o domínio da expressão e dos instrumentos da negociação, que permitem
intervir eficazmente na esfera pública.
Dois exemplos me vêm à mente para ilustrar esta abordagem pedagógica.

Em primeiro lugar, o do ecomuseu da Comunidade Urbana Le Creusot-Montceau


(Bourgogne, França), nos anos 70. Os dois primeiros objetivos tinham sido
definidos à partida para assegurar a transformação de uma população operária,
que saía de mais de um século de paternalismo autoritário, numa comunidade
de atores adultos, protagonistas de um desenvolvimento que se tornava cada
vez mais plural e territorialmente significativo. Contribuímos eficazmente para
isso, a partir de uma abordagem essencialmente patrimonial, em que os
técnicos-mediadores que constituíam a equipa do ecomuseu se apoiavam quase
exclusivamente nos recursos patrimoniais do território e dos seus habitantes.

Da mesma forma, e mais recentemente, os promotores do projeto de


desenvolvimento em Maestrazgo (Aragão, Espanha) prosseguiram os dois
últimos objetivos e conseguiram utilizar o património a fim de organizar
progressivamente uma população rural desvalorizada e a envelhecer para
investir no ordenamento do território, organização social, desenvolvimento
económico, acolhimento turístico, domínio e utilização corrente das novas
tecnologias.

Como pôr em prática esta nova pedagogia?

Existem, obviamente, tantos métodos quantos os lugares de aplicação. Alberto


Melo, um português que foi encarregado em 1998, pelo seu governo, de
conceber e de lançar uma nova política e novos programas de educação de
adultos, tentou inventar um modo de organização (a nível nacional) adaptado
às condições do Portugal de hoje. E, muito naturalmente, porque isso lhe
pareceu evidente, designadamente à luz da sua experiência de agente de
desenvolvimento no Algarve, recomendou, como um dos elementos essenciais
do novo dispositivo, a criação de redes desconcentradas de estruturas locais de
apoio, a partir das bibliotecas e dos pequenos museus que são espaços
familiares para a comunidade, geralmente geridos e animados por voluntários
da própria comunidade.

Do mesmo modo, os mexicanos fazem do museu comunitário, que é uma


primeira abordagem da reapropriação do património pela comunidade, um
espaço indiscutível de educação popular.

Mas não se trata apenas de museus: eu pratico pessoalmente, no âmbito de


missões sobre desenvolvimento local, o método dos “passeios de descoberta”,
que acima já referi, e que constituem uma pedagogia de formação partilhada,
através da qual os habitantes comunicam reciprocamente os seus

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 44


conhecimentos sobre o património e decidem assumir alguns problemas ou
adotar certas soluções resultantes da associação das suas competências.
Chega-se assim, e de forma algo surpreendente, a passar muito rapidamente
da tomada de consciência à tomada de confiança em si mesmo, em seguida à
iniciativa, e daí à organização coletiva.

Muitas associações ambientais adotam processos idênticos para educar jovens e


adultos sobre o conhecimento da Natureza, do ambiente, das consequências do
consumo e dos hábitos modernos, o necessário respeito de regras e
normativos, etc. Neste caso, deve partir-se, é evidente, do património, mas a
experiência demonstrou que as explicações puramente teóricas, mesmo
sustentadas por argumentos de elevado valor científico, não são suficientes
para fazer face a más práticas individuais e coletivas.

A região autónoma de Aragão, em Espanha, adotou, em 3 de Dezembro de


1997, uma lei dos parques culturais, sublinhando claramente a função
educativa destas instituições territoriais, onde se incluem entre os objetivos o
de “promover atividades pedagógicas sobre o património cultural junto das
crianças das escolas, das associações e dos residentes em geral” (o património
cultural abrange aqui espaços naturais, paisagens e o conjunto dos bens e
fenómenos que derivam da Natureza). O primeiro destes parques culturais, o
de Maestrazgo, já levou à constituição de inúmeros “Grupos de Acão sobre o
Património”, que atuam ao nível das aldeias para mobilizar os residentes e
elevar a tomada de consciência sobre a identidade local.

Um amigo meu, o professor V. H. Bedekar, museólogo indiano, lançou um


combate corajoso para pressionar gradualmente os milhares de grupos étnicos
e culturais do seu imenso país, uns atrás dos outros, a ganharem consciência
do valor da sua identidade, através da reconquista dos seus patrimónios
próprios. Começando no sudoeste, em Chaul, um território indo-português em
plena decadência económica e cultural, está a conseguir construir uma rede de
colegas extremamente envolvidos por todo o país (uma experiência destas está
a emergir agora em Assam, um Estado do nordeste). Em todos estes lugares, o
património local, sob as suas mais diversas formas, serve de matéria-prima
para um processo formativo no seio da população, na sua própria língua, tendo
em consideração a respetiva religião e o contexto socioeconómico específico. O
prof. Bedekar quer levar as populações locais a criarem uma oferta de
ecoturismo, um método original de educação popular, visando formar os
visitantes no conhecimento e no respeito pelas culturas que encontram6

Neste mesmo espírito, os animadores do Centro Cultural dos “Viajantes


Irlandeses” (ou “Irish Travellers”, uma população autóctone de nómadas, que
sofrem preconceitos racistas ou até graus de marginalização semelhantes aos

6
Para as pessoas locais, Ecoturismo significa um diálogo aberto e contínuo entre os de
fora e os de dentro; ao explicarem aos visitantes aquilo que são, as comunidades
indígenas descobrem o que realmente são” <em inglês no original

Informal Museology Studies, 16, winter 2017 45


que afetam os ciganos da Europa continental) utilizam sistematicamente o seu
património, largamente imaterial, para os levar a fortalecer a capacidade de
agirem como cidadãos responsáveis e a ser como tal reconhecidos.

Conclusão

Como no Brasil e noutros países da América Latina, talvez com um relativo


atraso no reconhecimento do fenómeno, a educação popular assente no
património torna-se, hoje em dia e no mundo inteiro, um fator essencial do
desenvolvimento local, através da formação de pessoas conscientes da sua
força e das suas capacidades de iniciativa e de controlo do presente e do
futuro; capacidades que brotam do conhecimento do respetivo património
cultural e natural. Só podemos lamentar que as instituições públicas, e em
especial os museus e o conjunto das estruturas de ensino, não se tenham dado
conta ainda da utilização educativa que pode fazer-se do património, muito
para além duma mera abordagem como instrumento complementar da
educação “bancária”.

Fontes.

Os exemplos citados neste artigo não resultam de leituras ou pesquisas


académicas, mas de experiencias pessoais, de observação sobre o terreno de
casos concretos e trocas entres profissionais do desenvolvimento, da educação
e do património. Eis uma breve lista destes locais:

 Ecomuseu da Comunidade de Le Creusot-Montceau (France) entre 1971


e 1995
 A Rede de Troca de Saberes le Réseau des échanges réciproques de
savoirs (RERS, France)
 Programa de Desenvolvimento da Associação In Loco nas Serras do
Algarve (Portugal)
 Ações do Centro Cultural "Irish Travellers" (Pavee Point, Dublin, Irlande)
 Parque Culturel de Maestrazgo de Teruel (Aragon, Espagne)
 Projeto do Ecomuseu do Barroso, Montalegre, Portugal
 Ecomuseu Comunitário de Korlai l'écomusée communautaire de Korlai et
les travaux du Prof. V.H. Bedekar (Maharashtra, Inde)
Foi fortemente influenciado pelos princípios e métodos de Paulo Freira, Mário de
Mário Vasquez (México) e Alberto Melo (Portugal).

Não mencionei informações e observações e ideias do Brasil, que se encontram


amplamente descritas na revista sobre esta questão.

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