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Meio Ambiente,

Sociedade e
Cidadania
Yara Maria Gasbelotto

E-book 2
E-book Teorias, Conceitos e

2 Métodos das Ciências


Ambientais e Sociais

Neste E-book:
INTRODUÇÃO���������������������������������������������� 3
CIÊNCIAS DA NATUREZA E
CIÊNCIAS DA SOCIEDADE����������������������� 4
Diferenças nas metodologias e suas implicações7

FORMAÇÃO DA SOCIEDADE
BRASILEIRA�������������������������������������������������10
Patrimonialismo, coronelismo e o “jeitinho
brasileiro”��������������������������������������������������������������� 11
Construção da cidadania no Brasil���������������������� 16
Sociedade civil������������������������������������������������������ 19

CONSUMO E CIDADANIA���������������������� 23
Posse de bens e serviços nas sociedades
humanas���������������������������������������������������������������� 24
Origens do consumismo�������������������������������������� 26
Consumismo e seus impactos ambientais��������� 31

CONSIDERAÇÕES FINAIS����������������������38
SÍNTESE�������������������������������������������������������39

2
INTRODUÇÃO
Saudações!

Neste segundo módulo da disciplina Meio Ambiente,


Sociedade e Cidadania, iniciaremos tratando das di-
ferenças e complementaridades existentes entre as
ciências naturais e as ciências sociais. Afinal, como
já foi apresentado no Módulo 1, não estamos tratan-
do unicamente dos aspectos ambientais de Meio
Ambiente. Em seguida, percorreremos a formação
da sociedade brasileira, focando especialmente as
características de nossa sociedade civil e de nosso
entendimento de cidadania. É importante conhecer-
mos a formação de nossa cultura, uma vez que ela
influencia o modo como nós, brasileiros, entende-
mos a questão socioambiental. Trataremos ainda da
questão do consumo, um tema central na formação
das sociedades modernas e contemporâneas, e que
tem sido apontado como o cerne da problemática
ambiental.

3
CIÊNCIAS DA NATUREZA E
CIÊNCIAS DA SOCIEDADE
Já estudamos, no Módulo 1, a Revolução Científica
do final do século 16, que estabeleceu um novo mo-
delo de produção de conhecimento: o método cien-
tífico. De acordo com este método, as investigações
científicas devem estar sempre baseadas na obser-
vação e na experimentação, partindo da redução do
fenômeno analisado às suas menores dimensões
observáveis e mensuráveis.

Descartes, um dos pais do método científico, afir-


mava que o pesquisador deveria dividir cada uma
das dificuldades em tantas partes quantas possíveis
e necessárias para melhor resolvê-las. A partir daí,
deveria começar a investigação pelos objetos mais
simples e mais fáceis de conhecer e, aos poucos,
em etapas, chegar ao conhecimento mais complexo.

Observe que essas orientações estão tão incorpora-


das ao nosso cotidiano e à nossa organização social
atualmente, que soam até muito simplistas para nós,
não é mesmo? Porém, é sempre importante lembrar
que elas revolucionaram o conhecimento científico
na passagem do século 16 para o 17; embasaram
toda a produção de conhecimento a partir de então.

Pare para refletir: no currículo escolar do Ensino


Fundamental, há a disciplina de Ciências. No Ensino
Médio, há as disciplinas de Biologia, Química e Física.
Se você optar por fazer ensino superior em Biologia,

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terá disciplinas como Histologia, Citologia, Zoologia,
Botânica. À medida que avança no nível de escola-
ridade, você aprende sobre dimensões menores e
mais específicas de determinada área de conheci-
mento. Observe uma síntese esquemática de como
se constrói uma teoria científica (Figura 1).

Método Científico
(esboço)
Observação:
*sistemática Fatos: Hipóteses
* controlada * verificáveis *Testáveos
* Falseáveis

Teoria Científica
Conjunto indi sociável de
todos os fatos e hipóteses
harmônicos entre si.

Implicações Experimentos
Conclusões * Novas observações Novos Fatos
Previsões * Análise lógica

Reciclar não Resultados sim


corroboram
Hipóteses teoria?

Figura 1: O método científico de produção de conhecimento. Fonte:


Wikimedia.

Todos os estudos focados em entender os fenôme-


nos da natureza foram agrupados sob o termo de ci-
ências naturais, enquanto os estudos que utilizavam
o método científico para entender o comportamento
dos indivíduos e da sociedade humana foram deno-
minados de ciências sociais.

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Por muito tempo, persistiu a noção de que as ciên-
cias sociais seriam capazes de desvendar as leis
de funcionamento das sociedades humanas tal
qual as ciências naturais tinham feito com as leis
da natureza.

Obviamente, as ciências sociais não conseguiram


o mesmo nível de generalização que as ciências
naturais, dada a impossibilidade de reduzir um fe-
nômeno social somente a dimensões observáveis
e mensuráveis.

A esse respeito, Fabiola Zioni (2014, pp. 48-49)


afirma o seguinte:

[...] o comportamento humano não pode ser


descrito ou explicado a partir de caracte-
rísticas objetivas, uma vez que um mesmo
ato pode corresponder a diferentes sentidos
[...] Diante da especificidade de seu obje-
to, as ciências sociais só poderiam chegar
à compreensão dos fenômenos sociais
identificando as normas e os valores que
os agentes conferem às suas ações. Para
conseguir seus objetivos, as ciências so-
ciais deveriam recorrer a outros métodos,
como a comparação, a interpretação, que
permitiriam um conhecimento da dimensão
subjetiva da ação social.

Ou seja, enquanto as ciências naturais conseguiam


estabelecer leis universais para seus objetos de

6
estudo, as ciências sociais conseguiam estabele-
cer algumas generalizações, mas sempre condi-
cionadas às sociedades em que se encontrava o
objeto de estudo.

Diferenças nas metodologias e


suas implicações
Constatar a diferença entre os métodos de estudo
das ciências naturais e das ciências sociais, por
serem seus objetos de pesquisa também diferen-
tes, acabou por reforçar a fronteira já estabelecida
entre a natureza e o ser humano. De um lado, a
natureza: um mecanismo organizado sob regras
universais que, ao serem desvendadas, podem ser
previstas e controladas. De outro, os seres huma-
nos, organizados em sociedades com valores e
normas particulares e variáveis ao longo do tempo,
sobre as quais não é possível estabelecer regras
universais previsíveis e controláveis.

Para o pensamento da época, essa diferença refor-


çava o fato de o homem ser superior à natureza,
uma vez que seu comportamento individual e o
desenvolvimento de suas sociedades não estavam
condicionados a regras universais. Desse modo,

a fronteira que se estabeleceu entre o estu-


do do ser humano e o estudo da natureza
indica as origens de um problema que afe-
ta não somente o campo do conhecimento

7
científico, mas também o campo das práti-
cas sociais, como o demonstram as dificul-
dades de compreensão e a intervenção da
questão ambiental, dificuldade que somente
no fim do século 20 começou a ser seria-
mente tematizada (ZIONI, 2014, p. 49).

Em outras palavras, se o homem já se considerava


um ser à parte do resto da natureza e superior a
esta, a constatação de que o método científico apli-
cável aos fenômenos naturais não era aplicável aos
fenômenos sociais reforçou ainda mais essa distin-
ção, fazendo com que, num primeiro momento, as
áreas de pesquisas não se convergissem. Assim,
os naturalistas focavam seus esforços somente
na compreensão da natureza, sem considerar a
influência das atividades humanas; os cientistas
sociais focavam seus estudos na compreensão da
dinâmica humana, sem considerar a influência do
ambiente natural sobre as relações sociais.

Essa separação, como aponta Zioni (2014), refle-


tia-se também nas práticas sociais, ou seja, as
pessoas no dia a dia não enxergavam o impacto
de suas atividades sobre o ambiente natural nem
imaginavam que os danos causados ao meio am-
biente pudessem de alguma forma afetá-las. É por
isso que a temática ambiental como a conhecemos
hoje só começa a se tornar relevante entre as déca-
das de 1950 e 1960, como estudado no Módulo 1.

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Atualmente, o desafio é conciliar os dois campos
do conhecimento, que possuem metodologias dis-
tintas de pesquisa, em busca de soluções que equi-
librem o desenvolvimento social e a conservação
de nossos recursos naturais. Novos campos de
pesquisa, como as Ciências Ambientais, buscam
essa conciliação na produção de conhecimento.

9
FORMAÇÃO DA
SOCIEDADE BRASILEIRA
Já estudamos que a formação de uma sociedade
requer a construção e o reconhecimento de afinida-
des culturais entre os indivíduos, sendo, portanto,
algo mais do que um simples agrupamento de pes-
soas convivendo em um mesmo período e espaço.
Em uma sociedade cujos indivíduos compartilham
um conjunto de valores, normas sociais, costumes,
idioma, manifestações artísticas etc., que se mani-
festam por meio do comportamento social e das
representações sociais.

Cesar Beras (2013) aponta que a formação histó-


rica da sociedade brasileira percorreu 322 anos de
colônia, 67 anos de império, 41 anos de república,
dois períodos de governo autoritário (1937-1945 e
1964-1984) e três períodos de governo democrático
(1934-1937, 1946-1964, 1985-).

Para nossa disciplina, o mais relevante não é fazer


uma revisão histórica do Brasil, e sim resgatar algu-
mas características específicas de nossa formação
e a influência destas características na constituição
de nossa sociedade civil e de nossa cidadania (en-
tendido como o conjunto de direitos e deveres civis,
sociais e políticos).

10
Patrimonialismo, coronelismo e
o “jeitinho brasileiro”
De maneira resumida, podemos dizer que patrimo-
nialismo refere-se a uma forma de domínio em que
não se faz distinção entre o patrimônio público e
o patrimônio privado (particular). Diversos autores
apontam o patrimonialismo como um legado da co-
lonização portuguesa que persistiu à modernização
do Estado brasileiro. Iniciou com a família real portu-
guesa, seguiu com os senhores de engenho, com os
barões de café e com a consolidação dos governos
democráticos. O avanço do capitalismo, da indus-
trialização e da urbanização não foram capazes de
modificar essa realidade.

Antes que você pense “taí, é tudo culpa da coloniza-


ção portuguesa... se tivéssemos sido colonizados
pelos ingleses ou franceses, tudo seria diferente”.
É preciso entender que praticamente todas as so-
ciedades humanas foram patrimonialistas em seus
primórdios. Essa é uma das formas mais antigas de
organização sociopolítica, baseada em uma figura
central de poder − geralmente um patriarca, cuja le-
gitimidade baseia-se na tradição.

Neste modelo ancestral de organização, todas as


coisas pertencem ao “Senhor” e todas as pessoas
estavam ali para servi-lo. Por “Senhor”, podemos
entender o Rei, o Tzar, o Faraó, o Inca, o Sultão, o
Imperador ou qualquer outra figura detentora do

11
poder hereditário, passado de uma geração a outra
dentro de uma mesma família.

Na época da ocupação e colonização do continen-


te americano, todas as nações europeias organiza-
vam-se dessa maneira. As expedições de Cristóvão
Colombo e de Pedro Álvares Cabral foram investi-
mentos diretos das Coroas Espanhola e Portuguesa
respectivamente.

A colonização do Brasil pela Coroa Portuguesa de-


senvolveu-se nos moldes patrimonialistas, como era
a regra em todas as colônias europeias. No período
em que a família real portuguesa fixou residência no
Brasil, fugindo das invasões napoleônicas do início
do século 19, essa forma de organização social e
política foi reforçada, uma vez que toda a corte por-
tuguesa instalou-se no Rio de Janeiro.

A Independência do Brasil, ocorrida em 1822, foi


um processo pacífico e negociado com a Coroa
Portuguesa, de maneira que houve a manutenção da
monarquia e das estruturas sociais vigentes à época.

Em 1889, com a Proclamação da República, poderia


se esperar um encerramento dessa forma de organi-
zação de poder; afinal, diversas revoluções sociais vi-
nham ocorrendo em inúmeros países desde o século
18, destituindo as famílias reais. Em alguns países,
as famílias soberanas conseguiram sobreviver às
revoluções e mantiveram-se no poder de maneira
simbólica, como é o caso do Japão, da Inglaterra e
da Espanha. Em outros, as famílias foram exiladas

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ou mesmo assassinadas, como ocorreu na França
e na Rússia.

No Brasil, todavia, a República não foi proclamada


após um movimento de base popular, e sim após um
golpe de estado comandado pelo Marechal Deodoro
da Fonseca. Desta forma, novamente a estrutura so-
cial e política do país não se alterou. Ao contrário, o
patrimonialismo foi sucedido pelo coronelismo, um
modelo de organização de poder local baseado na
figura do “coronel”.

A origem dessa imagem do ‘coronel’ remon-


ta ao século 19, quando a Guarda Nacional
passou a distribuir patentes militares a civis
leais ao governo que tivessem meios para
recrutar, armar e manter tropas, assumindo,
dessa forma, funções de garantia da ordem
local, com o que o Estado central preservava
seu controle sobre os municípios do interior
(KERBAUY, 2013, p. 203).

Observe que o coronelismo brasileiro é uma forma


de patrimonialismo local, uma vez que esses “coro-
néis” obtinham sua patente, a qual era mantida na
família, sendo passada de pai para filho. E, dentro do
território sob domínio do “coronel”, todas as coisas
lhe pertenciam (terras, moradias, maquinários, cria-
ções de animais, plantações etc.) e todas as pessoas
estavam ali para servi-lo.

13
O coronel está presente nas análises sobre
poder local, sobretudo no período que com-
preende a República Velha (1889-1930), cuja
principal característica política era a complexa
rede de relações e trocas de favores que se
estabelecia entre o poder público e os chefes
políticos locais. O coronelismo denotaria pre-
cisamente o sistema político derivado dessa
rede de relações e barganhas entre o governo
central e os coronéis (KERBAUY, 2013, p. 203).

Podemos afirmar, então, que o passar do tempo e as


mudanças no sistema de organização política do país
pouco alteraram essa estrutura de poder. A figura do
coronel é transposta para o sistema democrático,
com as famílias tradicionais ocupando os cargos
públicos mais importantes, ou seja, o antigo coronel
é hoje o vereador, o prefeito, o deputado. As relações
de barganha se mantêm entre as esferas de poder,
entre o poder público e os interesses privados, e entre
as esferas de poder e a população.

Podemos relacionar o famoso “jeitinho brasileiro”


com essas raízes históricas. Se algumas vezes essa
expressão pode adquirir uma conotação positiva, no
sentido de representar a criatividade do brasileiro
para buscar soluções aos seus problemas cotidia-
nos, na maioria das vezes carrega uma conotação
negativa, com sentido de corrupção e de violação
das leis e instituições.

14
O jeitinho brasileiro tem entre suas origens as barga-
nhas, os “toma-lá-dá-cá”, as apropriações da coisa
pública pelos interesses privados, enfim, toda a es-
trutura de poder e organização do poder do patrimo-
nialismo e do coronelismo.

Ao optar sempre por “dar um jeitinho” para solucionar


seus problemas, o brasileiro não contraria a estrutura
de poder, mas aproveita-se dela em benefício próprio,
individualmente. Ao buscar soluções individuais (uma
vaga na escola, um agendamento médico, uma cesta
básica) para problemas públicos (rede de ensino com
poucas vagas; quantidade de médicos insuficiente
no sistema público de saúde, altas taxas de desem-
prego), o jeitinho brasileiro enfraquece a articulação
social e a construção de uma sociedade civil atuante.

Pode-se sintetizar esse cenário da seguinte forma:

O Brasil herdou um Estado patrimonial por-


tuguês e essa configuração não foi suficien-
temente mudada, permanecendo incólume
aos processos de modernização. Nessa con-
figuração, o Estado torna-se um ator central
baseado em uma burocracia poderosa, pesa-
da, ineficiente [...], tendo a ela associada uma
sociedade civil fraca, pouco articulada [...].
O Estado se caracteriza pela apropriação de
funções, órgãos e rendas públicas por seto-
res privados, setores esses que, no entanto,
permanecem subordinados e dependentes
do poder estatal. Cria-se, assim, uma forte
e histórica dependência de uma sociedade

15
frágil em relação ao Estado, que distribui fa-
vores, empregos, subsídios, benefícios em
geral (SACRAMENTO; PINHO, 2013, p. 667).

Construção da cidadania no
Brasil
Estudamos anteriormente que o Brasil desenvolveu-
-se e modernizou-se apesar de manter uma estrutura
“arcaica” de organização de poder ancorada em rela-
ções de subordinação e dependência da população
em relação ao Estado. De que maneira isso influen-
ciou a construção de nossa cidadania?

Em primeiro lugar, é sempre bom lembrar que quando


falamos em construção da cidadania, referimo-nos
a um processo histórico que parte de uma organi-
zação social em que vigoram somente os “deveres
dos súditos” e caminha em direção aos “direitos do
cidadão”. Como todo processo histórico, esse não é
um percurso linear, de avanço permanente.

O que diversos autores indicam é que boa parte de


nossos direitos civis e políticos foram concedidos
pelo Estado, como forma de se manter no poder.
Momentos históricos relevantes, como o processo
de independência e a proclamação da república, não
envolveram movimentos sociais significativos e não
reestruturaram nossa organização sociopolítica.

16
A chegada de grande contingente de imigrantes nas
primeiras décadas do século 20, especialmente eu-
ropeus com experiência sindical, é um fato impor-
tante que influenciou a organização de movimentos
trabalhistas durante o processo de industrialização
e obteve os primeiros direitos sociais relacionados
ao trabalho.

Getúlio Vargas é uma figura importante nesse pro-


cesso, especialmente a partir da década de 1930.
Presidente que misturava repressão e paternalismo,
ele manteve e fortaleceu a relação ambígua entre os
cidadãos e o governo iniciada com o coronelismo,
uma vez que estimulava a participação de setores
da sociedade, mas os mantinha dependentes do go-
verno e de suas lideranças.

Um exemplo eram as organizações sindicais, que


devido à legislação vigente eram dependentes do
Ministério do Trabalho. Essa situação de dependên-
cia originou o “peleguismo”, expressão popular para
se referir aos dirigentes sindicais subservientes ao
governo, que se comprometiam com o governo e
suas regalias em detrimento dos interesses reais
dos trabalhadores sindicalizados.

Chamado de “pai dos pobres”, concedeu diversos di-


reitos civis e sociais. É de sua época a Consolidação
das Leis Trabalhistas (CLT), por exemplo. É neste
período também que as mulheres obtêm seu direito
ao voto. Conheça um pouco mais deste processo
em O voto feminino.

17
Podcast 1
Especialmente a partir da década de 1970, o país
entra em um período de forte crescimento econô-
mico, conhecido como “milagre econômico”, com
intensa industrialização e um acelerado processo
de urbanização.

Entretanto, o crescimento econômico não se dis-


tribuiu uniformemente pela sociedade, gerando
grande desigualdade social. Como reflexo dessa
desigualdade, observa-se na década de 1980 a
articulação de diversos movimentos sociais, em
especial as associações de bairro e de moradores,
que reivindicavam habitação e melhorias urbanas
via contato direto com as prefeituras.

Na década seguinte, novos movimentos organi-


zados começam a surgir, trazendo à discussão
temas que até então não eram abordados, como
o meio ambiente.

FIQUE ATENTO
A Constituição Federal de 1988 instituiu em seu
artigo 225: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as presen-
tes e futuras gerações”.
Com isso, podemos afirmar que o meio ambien-
te passou a integrar oficialmente o conjunto de

18
direitos de todo brasileiro, constituindo parte da
plena cidadania. Disponível em: http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.
htm. Acesso em: 1 mai. 2019

O que podemos perceber ao fazer a recuperação


histórica da formação da cidadania no país é a pouca
ou nenhuma participação ativa da sociedade. Com
uma cidadania dada e não conquistada, a sociedade
brasileira nunca precisou se mobilizar muito e nun-
ca realizou grandes movimentos que alterassem de
maneira significativa a estrutura de poder no país.

As organizações da sociedade civil começam a se


estruturar melhor a partir dos anos 1980, profis-
sionalizando-se e abrindo novas possibilidades de
exercício da cidadania. Mas afinal, o que significa
“sociedade civil”?

Sociedade civil
Para esta disciplina, podemos definir sociedades ci-
vis como todos os grupos sociais que não compõem
nem representam o Estado, podendo ser entendida
como uma instância autônoma e intermediária entre
a família e o Estado.

Assim, de um lado, colocamos as instituições


Estatais: governos municipal, estadual e federal,
forças armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica),
autarquias, empresas e fundações estatais; de outro
lado, os demais grupos sociais: associações, movi-

19
mentos, organizações de classe, corporações priva-
das (empresas, instituições de ensino, comércios,
indústrias) etc.

“Diferentemente do Estado, que agiria em nome do


interesse geral da coletividade, a sociedade civil seria
o espaço em que se desenvolveriam ações voltadas
para a satisfação de necessidades e interesses par-
ticulares” (NOGUEIRA, 2013, p. 958).

É comum encontrarmos o termo “sociedade civil or-


ganizada” para se referir aos grupos de indivíduos
formalmente constituídos em torno de interesses
comuns (moradores do mesmo bairro, funcionários
do mesmo setor econômico, pessoas preocupadas
com meio ambiente etc.). Esse termo delimita grupos
específicos dentro da sociedade civil, o que pode
ser importante em determinados contextos, porém
simultaneamente traz a noção de que os indivíduos
que não estão em grupos desta natureza comporiam
uma parcela da sociedade civil que está “desorgani-
zada”. Nesse sentido o termo pode ser questionado;
por isso, optaremos pela expressão “organizações
da sociedade civil”.

As organizações da sociedade civil compõem o cha-


mado Terceiro Setor, termo originário das Ciências
Políticas e da Sociologia, que identifica essa parcela
da sociedade civil como uma esfera social autônoma
em relação ao Estado (primeiro setor) e em relação
às corporações privadas (segundo setor).

As organizações da sociedade civil, ou organizações


do terceiro setor, nascem geralmente por uma das

20
três razões: fiscalizar o poder público e as práticas
abusivas das empresas, atuar ao lado do governo,
diante das deficiências e por uma causa de idealismo
de seus fundadores. Economicamente, caracterizam-
-se pelo trabalho voluntário ou pelo fato de não ge-
rarem lucro, como as empresas.

FIQUE ATENTO
ONG é a sigla de Organização Não Governamen-
tal, termo mais difundido para essas organiza-
ções. Porém, o termo não tem embasamento
jurídico, ou seja, não é previsto no Direito brasilei-
ro; possui apenas um reconhecimento de cunho
cultural, político e sociológico que está em vigor
mundo afora. OSCIP é a sigla para Organização da
Sociedade Civil de Interesse Público. Trata-se de
uma qualificação concedida pelo governo fede-
ral para instituições privadas sem fins lucrativos
que atendam aos requisitos da Lei 9.790/1999. A
qualificação e o enquadramento legal permitem
que a instituição crie vínculo com o Poder Públi-
co através de parcerias com repasse de recursos,
dentre outros benefícios.

Podemos perceber, com essas definições, que


toda OSCIP é uma ONG, mas nem toda ONG é
uma OSCIP.

Fonte: https://www.megajuridico.com/a-socie-
dade-civil-e-o-terceiro-setor/. Acesso em: 2 mai.
2019.

21
Como estudamos no item anterior, os primeiros mo-
vimentos organizados da sociedade são movimentos
reativos ao sentimento de marginalização, e surgem
inicialmente impulsionados pelos imigrantes euro-
peus que vão trabalhar nas indústrias brasileiras. As
organizações sindicais são, portanto, as primeiras a
se organizarem e as primeiras a serem cooptadas
pelo Estado, especialmente nos períodos de governo
de Getúlio Vargas.

Na sequência, movimentos reivindicando moradia,


propriedade de terra e infraestrutura urbana organi-
zam-se pelo país, especialmente a partir da década
de 1980. Nos anos 1990, surgem os chamados “no-
vos movimentos sociais”, identificados como orga-
nizações que reivindicam outras demandas que não
as demandas primárias de sobrevivência. É nesse
cenário que as organizações voltadas ao meio am-
biente começam a surgir no Brasil.

Inicialmente, essas organizações centram-se em


questões preservacionistas, levantando como ban-
deira a preservação de espécies animais (mico-leão-
-dourado, ararinha-azul, boto cor-de-rosa etc.) e a
preservação de florestas (a princípio, Mata Atlântica e
Amazônia). Aos poucos, questões urbanas vão sendo
incorporadas e temas como consumo consciente
são inseridos na pauta ambiental. É sobre este tema,
aliás, que vamos nos debruçar agora.

22
CONSUMO E CIDADANIA
Nesta última etapa, abordaremos um assunto essen-
cial para a compreensão do contexto dos desafios
socioambientais que estamos enfrentando: o con-
sumo. Para começar nossa conversa, é importante
deixar claro o que se entende pelos seguintes termos:
consumo, consumismo e consumidor.

Consumo: é uma atividade econômica que consiste


na aquisição de bens ou serviços para atender às
necessidades humanas. Pode ser classificado em
consumo essencial e consumo supérfluo. Consumo
essencial é aquele que se destina à satisfação das
necessidades primárias, como alimentação, vestuá-
rio e moradia. Consumo supérfluo é aquele que se
destina à satisfação de necessidades secundárias
ou terciárias, não essenciais, como produtos cosmé-
ticos, títulos de clubes, objetos de decoração.

Consumismo: é o consumo exagerado, de origem


ilegítima, independentemente de ser consumo es-
sencial ou supérfluo. Por “origem ilegítima”, conside-
ramos todo consumo gerado não pela necessidade,
mas pelo desejo externo estimulado por empresas,
grupos sociais, políticas públicas. É um termo de
conotação negativa, por ser um desvirtuamento do
consumo.

Consumidor: é toda pessoa física ou jurídica


que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final.

23
SAIBA MAIS
A definição de consumidor apresentada cons-
ta do Art. 2º do Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor (Lei Federal nº 8.078/90). Trata-se
de importante legislação brasileira sobre o tema.
Vale a pena você conhecê-la. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.
htm. Acesso em: 1 mai. 2019.

Posse de bens e serviços nas


sociedades humanas
Estudamos no Módulo 1 que com a Revolução
Neolítica as sociedades humanas deixaram de ser
nômades e passaram a dispor de tempo para exer-
citar sua capacidade de criação e aprendizado em
atividades outras que não apenas a busca por ali-
mento ou abrigo.

Você já parou para pensar que nossa relação com


a posse de bens e objetos começou também com
essa Revolução? Sim, pois sociedades nômades só
possuem o que conseguem carregar.

Imagine que você vai passar um ano mochilando pela


Europa. Quantos pares de sapato você colocaria na
mochila? E quantos pares você possui hoje? Você
conseguiria sair pelo mundo carregando em uma mo-
chila tudo o que você possui dentro do seu armário?

24
As pesquisas arqueológicas já comprovaram que as
sociedades mais antigas e primitivas confecciona-
vam diversos objetos, desde úteis vasos para arma-
zenar alimento até bonecos e adornos corporais que
não teriam, a princípio, utilidade para a sobrevivência
de nossa espécie.

Claro que não podemos falar de ‘consumo supérfluo’


para as sociedades pré-históricas, uma vez que não
há uma relação comercial estabelecida, porém, po-
demos afirmar que a posse de bens supérfluos já
era uma realidade.

Com o passar do tempo e o aumento da complexi-


dade de nossas sociedades, os objetos supérfluos
foram adquirindo conotação de identificação social.
A arte plumária dos povos indígenas, as vestes dos
senadores do Império Romano e as coroas dos reis
europeus são bons exemplos de objetos supérfluos,
utilizados não para a sobrevivência, mas para a iden-
tidade do indivíduo dentro de sua sociedade.

Perceba, então, que nossa relação com objetos su-


pérfluos vem de longa data. E perceba também que,
se por um lado, identificamos alguns bens e serviços
como supérfluos por não serem necessários à nos-
sa sobrevivência biológica, por outro lado, eles são
essenciais para nossa vida em sociedade.

O vestuário é sempre um bom exemplo. O que nos


leva a ter mais do que um par de sapatos em casa
não é a necessidade biológica de protegermos os
pés. Pensando somente em proteção, poderíamos
nos contentar com um par de chinelos ou um par

25
de tênis. No entanto, temos mais do que isso, pois
a sociedade coloca como regra que não se vai ao
teatro de chinelo, do mesmo modo que não se vai
ao clube de sapato social.

A alimentação também traz bons exemplos. Para


sobrevivermos, um prato de arroz, feijão, salada e
carne atende a nossas necessidades nutricionais.
Um copo de água basta para nos hidratar, ou um
suco de frutas, que além de hidratar ainda fornece
vitaminas. Ainda assim, você se alimenta somente
com o básico?

Para os países que ultrapassaram a fronteira da po-


breza extrema (situação que, infelizmente, ainda não
foi alcançada por todas as nações), o consumo de
bens e serviços supérfluos é tão legítimo quanto o
consumo de bens e serviços essenciais.

Origens do consumismo
Então o consumo não é um problema? Não causa
impactos negativos na sociedade e no meio ambien-
te? O consumo, em si, não é uma adversidade. O
problema reside na disfunção do consumo, que é o
consumismo. Volte no início deste texto e releia a
definição de consumismo.

Vamos entender um pouco mais como se dá essa


disfunção?

Gino Giacomini Filho (2008) aponta que as relações


de trocas baseavam-se originalmente na demanda,

26
ou seja, na necessidade por determinados objetos
ou serviços (fossem eles essenciais ou supérfluos).
A partir da demanda, havia a produção e oferta do
objeto ou serviço. Quanto mais demanda, mais pro-
dução e consequentemente mais oferta. Porém, a
Revolução Industrial inverteu essa ordem. Graças
às novas tecnologias de produção de bens, a oferta
passou a ser maior do que a demanda.

O maior exemplo vem da indústria automobilística.


No início do século 20, Henry Ford desenvolveu um
processo de linha de montagem em esteiras que
possibilitou reduzir os custos e ao mesmo tempo
aumentar significativamente a produção de automó-
veis. Dito de outra maneira,

A grande inovação consistiu na correia trans-


portadora, na qual se fixava a parte principal
do automóvel em que os trabalhadores assen-
tavam os demais componentes, de forma que
se obtivesse, no final da linha, um automóvel
praticamente montado. [...] Com isso, o fordis-
mo inaugurou a produção em série, ou seja, a
produção em grande quantidade de produtos
absolutamente iguais (LEITE, 2013, p. 370).

Repare que o processo produtivo desenvolvido por


Ford tem como base as orientações de Descartes
sobre o método científico: ele dividiu sua dificuldade
(montagem de veículos) em tantas partes quantas
possíveis (cada trabalhador passou a fazer uma úni-
ca tarefa).

27
Com essa metodologia inovadora, Henry Ford lançou
sobre a sociedade uma quantidade de automóveis
incompatível com as necessidades das pessoas
(demanda) e mesmo com a infraestrutura urbana
existente à época.

Figura 2: Linha de Montagem de veículos. Fonte: Pixabay.

Se as indústrias conseguem produzir mais do que


a demanda original, o que acontece? Os produtos
“encalham”, não são vendidos, gerando prejuízo. Qual
foi a reação das indústrias ao constatar essa situa-
ção? Elas desenvolveram estratégias que gerassem
novas demandas e mantivessem em alta a demanda
já existente por produtos e serviços. Assim o fez
Henry Ford. Para escoar sua produção, empenhou-
-se em diversas iniciativas, intensificando sistemas
de publicidade, incentivando a criação de clubes de
automobilismo e mesmo aumentando o salário de
seus trabalhadores, como uma forma de ampliar o
mercado consumidor de seus veículos.

28
Portanto, a inversão na relação demanda e oferta
inicia-se com a Revolução Industrial e ganha forças
com a organização produtiva em linhas de monta-
gem. Com muita oferta de bens e serviços, é pre-
ciso estimular a demanda existente e criar novas
demandas. Como fazer isso? Por meio de diversas
estratégias de publicidade e marketing, cujas agên-
cias se profissionalizaram especialmente a partir
da década de 1960. Essas estratégias, ao mesmo
tempo em que estimularam o consumo legítimo de
produtos supérfluos, geraram como efeito colateral o
consumismo. Você pode conhecer algumas dessas
estratégias em A propaganda é a alma do negócio.

Podcast 2
Uma das estratégias mais relevantes para tratarmos
aqui é a obsolescência programada. Em termos de
consumo, denomina-se como obsoleto todo produto
ou serviço que está fora de uso, ou por utilizar de
uma tecnologia ultrapassada, ou por não atender
mais às necessidades da sociedade, ou por estar
envelhecido etc. Escolas de datilografia eram muito
procuradas até meados dos anos 1990, mas hoje
elas oferecem um serviço obsoleto. Máquinas de
escrever e videocassetes são exemplos de produtos
obsoletos. A obsolescência faz parte do ciclo de vida
de qualquer bem ou serviço.

Denominamos obsolescência programada ou plane-


jada quando a indústria intencionalmente manufatu-
ra produtos programando quando eles se tornarão

29
obsoletos, apenas como estratégia de incentivo ao
consumo. Por exemplo, a indústria automobilística
lança anualmente novos modelos de carro. Quais são
as inovações tecnológicas de fato relevantes? Em
geral, as mudanças são apenas estéticas e não justifi-
cariam a aquisição de um novo modelo. A velocidade
com que a indústria da moda lança novas tendências
é outro exemplo de obsolescência programada.

A obsolescência programada também pode ser veri-


ficada na durabilidade de bens de menor valor, como
eletrodomésticos. As indústrias conseguem estabe-
lecer a vida média de durabilidade de seu produto
equilibrando dois pontos essenciais: a confiança
do consumidor pela marca e a percepção do inves-
timento feito no produto.

Analisemos um exemplo simples, o de um liquidifica-


dor. Ele deve durar, ou seja, funcionar sem problemas
técnicos, o tempo suficiente para que o consumidor
queira trocar de produto, mas mantendo fidelidade à
marca. Se o produto quebra rápido e o consumidor
acha que gastou muito para o período curto de uso,
perde a confiança na marca. Se o produto quebra
rápido, mas o consumidor entende que o produto
foi barato, ele entende como normal o pouco tempo
de vida. Se, por outro lado, a marca investe na divul-
gação da durabilidade de seus liquidificadores, eles
não podem quebrar, e o incentivo ao consumo deve
se dar por outros modos – aí entra a obsolescência
pela desejabilidade, à semelhança da estratégia uti-
lizada pela indústria de automóveis.

30
Podemos constatar que a obsolescência planejada se
dá por meio de três possibilidades: 1) Obsolescência
tecnológica, quando o novo produto traz inovações
funcionais ou relacionadas à qualidade e eficácia;
2) Obsolescência psicológica, quando o produto
em uso deixa de ser desejável ou atraente, especial-
mente pelas inovações estéticas do novo produto;
3) Obsolescência econômica, quando o produto em
uso se quebra ou gasta em determinado prazo, re-
sultando em depreciação financeira e/ou de valor.

Seja qual for o critério adotado, constata-se no


mercado que a obsolescência planejada en-
volve mais mudanças cosméticas, decorativas
e psicológicas que tangíveis ao consumidor.
Nesse sentido, o marketing e a publicidade
possuem importante papel, tendo em vista
que anunciantes encorajam consumidores a
substituir produtos ainda em plena utilidade
(GIACOMINI FILHO, 2008, p. 186).

A obsolescência programada acelera o descarte de


bens e produtos, gerando enorme impacto ambiental.
Vamos analisar esse aspecto a seguir.

Consumismo e seus impactos


ambientais
Como diferenciar o consumo supérfluo do
consumismo?

31
Vamos retomar nosso exemplo dos sapatos.
Consumo essencial, em termos biológicos, seria
somente um par de sapatos para proteger os pés.
Consumo essencial, em termos sociais, seria, por
exemplo, ter um par de chinelos, um de calçados es-
portivos e um de calçados sociais. É a quantidade de
sapatos necessária à vida em sociedade. Consumo
supérfluo seria, por exemplo, possuir dois pares de
cada tipo de calçados apenas para variar a cor ou o
modelo conforme a roupa ou vontade. Consumismo
é comprar calçados de maneira exagerada, de modo
a não utilizá-los, guardando no armário com etique-
ta ou não ter lugar para guarda-los de tantos pares
adquiridos.

Da mesma maneira, com a alimentação. O consu-


mismo é identificado nos alimentos frescos que são
jogados fora por estragarem na geladeira sem serem
preparados, ou alimentos industrializados que são
jogados fora por terem passado o prazo de validade
sem nem terem sido abertos. É ir ao restaurante por
quilo, encher o prato, mas não conseguir comer tudo
o que pegou.

32
Figura 3: Consumismo é sempre um consumo exagerado, mesmo
de livros. Fonte: Pixabay.

Nas palavras se ao consumo espúrio, que se carac-


teriza pela má qualidade da compra ou pelo usufruto
de bens, tornando-se inadequado aos indivíduos,
à coletividade e aos padrões de sustentabilidade”.
É o consumismo, estimulado por diversos fatores

33
externos ao indivíduo, que causa grande impacto
negativo à sociedade e ao meio ambiente.

O produto adquirido de maneira desnecessária, exa-


gerada, é apenas uma parte de uma cadeia produtiva
que começa com a extração de recursos naturais
(minérios, combustíveis fósseis, madeira etc.), pas-
sa pela transformação na indústria (que consome
água e energia), pelo transporte aos pontos de venda,
seu armazenamento, sua comercialização, seu uso
e, posteriormente, seu descarte (do produto ou da
embalagem). Portanto, adquirir um produto e não
utilizá-lo, seja um sapato ou um alimento, significa
ter havido todo um esforço e impacto ambiental em
vão, inútil.

O consumidor médio não imagina que o obje-


to-símbolo que compra ou consome de forma
extravagante ou espúria envolve, necessaria-
mente, a remoção de rochas, a exploração
do solo, a derrubada de árvores, o sacrifício
de animais, a contaminação do ar, a poluição
das águas, o trabalho de vários homens, o que
compromete a sustentabilidade socioambien-
tal e a qualidade de vida (GIACOMINI FILHO,
2008, p. 241).

34
Figura 4: Representação do consumismo “consumindo” nosso planeta.
Fonte: Pixabay.

Esse modelo de produção e consumo tem sido


questionado e apontado como cerne dos proble-
mas ambientais. Uma produção de bens em grande
quantidade, muito além da demanda original, gera
a necessidade de escoamento por estímulo ao con-

35
sumo. Um consumo exagerado, sem necessidade
real, chamado de consumismo, gera excesso de re-
síduos pelos produtos e embalagens jogados fora.

O modelo linear, de extração-produção-consumo-


-descarte, vem se mostrando insustentável, pois
estamos consumindo recursos naturais em uma
velocidade acima da sua capacidade de regenera-
ção natural; estamos descartando produtos (indus-
trializados ou não) em uma velocidade acima da
capacidade de absorção pelos processos naturais
de decomposição.

SAIBA MAIS
Annie Leonard é uma norte-americana que fi-
cou mundialmente conhecida pelo seu vídeo A
história das coisas, na qual apresenta questões
essenciais sobre o ciclo de vida de bens mate-
riais. Esse vídeo ilustra muito bem o tema que
estamos analisando, por isso vale a pena você
assisti-lo. Disponível em: https://youtu.be/xagl-
F9jhZLs. Acesso em: 10 mai. 2019.

É claro que não se pode defender um retorno do


consumo aos “padrões de antigamente”, pois as
sociedades mudam, bem como as necessidades
à vida social. Não é possível viver sem um celu-
lar conectado à internet, objeto que nem mesmo
existia há 30 anos, do mesmo modo que não é
necessário trocar de aparelho a cada seis meses.
No caso de uma troca, é sempre importante veri-

36
ficar a possibilidade de reutilização e reciclagem
de seus componentes.

Iremos aprofundar essas questões, especialmente


a dos resíduos, no Módulo 3, quando abordaremos
os desafios encontrados nas grandes cidades.

37
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste módulo, abordamos como o método científico
estabelecido por Francis Bacon e René Descartes
impulsionou o conhecimento sobre os fenômenos
da natureza e as dificuldades de utilizar essa me-
todologia para a compreensão dos fenômenos re-
lacionados às sociedades humanas. Na sequência,
percorremos historicamente a nossa formação en-
quanto sociedade, ressaltando o patrimonialismo e
o coronelismo como características persistentes,
além da influência dessa estrutura de poder sobre
a consolidação de nossa cidadania. Apresentamos
a noção de sociedade civil e os conceitos de ONG,
OSCIP e Terceiro Setor. Por fim, tratamos da questão
do consumo, iniciando pelos primórdios da civiliza-
ção humana para mostrar que a posse de bens e o
uso de objetos como status social são praticamente
inerentes às nossas sociedades.
Identificamos o que se entende por consumo essen-
cial, consumo supérfluo e consumismo. Analisamos
como o consumismo é fortemente estimulado pelas
estruturas produtivas da sociedade pós-Revolução
Industrial, especialmente por meio da obsolescência
programada, e como ele impacta negativamente o
meio ambiente.
No próximo módulo, entenderemos o papel das or-
ganizações da sociedade civil na consolidação da
agenda ambiental no Brasil e conheceremos os prin-
cipais desafios das grandes cidades.
Até lá!

38
Síntese

TEORIAS, CONCEITOS
E MÉTODOS DAS
CIÊNCIAS AMBIENTAIS
E SOCIAIS

Ciências da natureza e
ciências da sociedade

• As diferenças nas metodologias e


suas implicações

Formação da sociedade
brasileira

• Patrimonialismo, coronelismo e o
“jeitinho brasileiro”

• Construção da cidadania no Brasil

• Sociedade civil

Consumo e cidadania

• Posse de bens e serviços nas socie-


dades humanas

• Origens do consumismo

• Consumismo e seus impactos


ambientais
Referências
BERAS, C. Democracia, cidadania e sociedade civil.
Curitiba: InterSaberes, 2013.

GIACOMINI FILHO, G. Meio Ambiente e


Consumismo. São Paulo: Senac São Paulo, 2008
(Série Meio Ambiente, v. 8).

KERBAUY, M. T. M. Coronelismo. In: DI GIOVANNI,


G.; NOGUEIRA, M. A. (Orgs.). Dicionário de Políticas
Públicas. São Paulo: Fundap, 2013. pp. 203-206.

LEITE, M. P. Fordismo. In: DI GIOVANNI, G.;


NOGUEIRA, M. A. (Orgs.). Dicionário de Políticas
Públicas. São Paulo: Fundap, 2013. pp. 370-373.

NOGUEIRA, M. A. Sociedade Civil. In: DI GIOVANNI,


G.; NOGUEIRA, M. A. (Orgs.). Dicionário de Políticas
Públicas. São Paulo: Fundap, 2013. pp. 958-964.

SACRAMENTO, A. R. S.; PINHO, J. A. G.


Patrimonialismo. In: DI GIOVANNI, G.; NOGUEIRA,
M. A. (Orgs.). Dicionário de Políticas Públicas. São
Paulo: Fundap, 2013. pp. 665-670.
ZIONI, F. Ciências Sociais e Meio Ambiente. In:
PHILIPPI JR., A.; PELICIONI, M. C. F. (Eds.). Educação
Ambiental e Sustentabilidade. Barueri: Manole,
2014. pp. 37-56. (Coleção Ambiental).

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