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AULA 1 – INTRODUÇÃO ÀS CIÊNCIAS SOCIAIS

1.1. POR QUE ESSA DISCIPLINA NO 1.º SEMESTRE?


Ao longo do século XX se consolidou a visão de que o “o direito é
posto e dado previamente pelo Estado, como um conjunto compacto de normas
que lhe compete sistematizar ou classificar, tendo em vista a decisão de possíveis
conflitos” (KÜMPEL, 2012, p. 25).
Isso faz com que o olhar voltado para o Direito seja de algo
altamente burocrático, inacessível e ao mesmo tempo o conhecimento jurídico
nada mais é do que o repasse de informações técnicas (KÜMPEL, 2012, p. 25).
Por conseguinte, o acúmulo de informações se demonstra útil ao
exercício da profissão, p.ex., advogado, promotor, juiz, delegado, o que prejudica
visivelmente olhar para o Direito como a ciência jurídica que é (KÜMPEL, 2012, p.
25).
Assim sendo, é preciso erguer a cabeça e olhar além dos modelos
de petições, decisões e pareceres, para perceber que o direito é um “instrumento
de gestão social”, ou, ainda, “um saber que também serve à luta social exigida pelo
mundo em que vivemos”. O Direito pode ser considerado “como instrumento de
mudança; [...] como uma prática virtuosa a favor do ser humano” (KÜMPEL, 2012,
p. 25).
Todavia, novos caminhos se abrem. Isto porque o operador do
Direito não pode permanecer alheio a todas essas possibilidades que se
apresentam como ferramentas jurídicas. É preciso ir além do simples
conhecimento e identificação das normas. Aliás, “se as normas condicionam
comportamentos, os comportamentos também condicionam as normas. Isso
significa que não é possível isolar normas jurídicas de suas condicionantes
situadas na filosofia, na sociologia, na teoria geral do direito, na antropologia etc.”
(KÜMPEL, 2012, p. 25).
“O estudo do direito exige precisão e rigor científico, mas também
abertura para o humano, para a história, para o social” (KÜMPEL, 2012, p. 25)
para ser efetivamente um modo de transformação da sociedade em que vivemos.
E isso começa por você. Se pretende prestar concursos na área
jurídica, o Conselho Nacional de Justiça, em relação aos juízes, determinou por
meio da resolução 75/2009 que as questões das provas devem contemplar
“Noções gerais de Direito e formação humanística”, o que inclui as temáticas que
serão aqui discutidas ao longo do semestre.
Fica o convite para conhecer o sistema jurídico com outros olhos,
que não sejam aqueles apenas fixados no ordenamento jurídico e sua
aplicabilidade, mas também atento a outros saberes que se entrelaçam ao Direito.

1.2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE VIDA X CIÊNCIA


A vida é muito mais que a Ciência. Ciência é uma coisa entre outras,
que empregamos na aventura de viver, que a única coisa que importa. É por isso
que, além da ciência, é preciso a sapiência, ciência saborosa, sabedoria, que tem
a ver com a arte de viver. Porque toda a ciência seria inútil se, por detrás de tudo
aquilo que faz os homens conhecer, eles não se tornassem mais sábios, mais
tolerantes, mais mansos, mais felizes, mais bonitos... Ciência: brincadeira que
pode dar prazer, que pode dar saber, que pode dar poder (MARCELLINO, 1988, p.
15).
EXISTE CIÊNCIA DEFINITVA? A verdade é que não existe ciência
definitiva, pois o conhecimento renova-se continuamente. Mas, seja enfatizando os
fatores de estabilidade e manutenção da organização social, seja concedendo a
sociedade como uma realidade de conflitos e contradições, seja valorizando mais
os aspectos teóricos, seja dando primazia às pesquisas empíricas, as ciências
sociais têm, ao longo do processo histórico, encontrado o seu lugar no quadro das
ciências (MARCELLINO, 1988, p. 26).
E se há uma ciência cujo rigor sistemático, objetivo e empírico –
tanto quanto possível – deve ser exigido é a ciência social, devido ao fato de o
próprio homem ser o cientista ou investigador e ser também o domínio ou área de
investigação (sociedades, grupos, instituições ) [...] Neste sentido, todo cientista
social ou todo especialista em ciências sociais deve possuir o sentido histórico
para captar com rigor o que é próprio de cada época e sob cada forma jurídica, o
sentido sistemático, para considerar cada conceito e cada proposição em sua
relação e sua reciprocidade viva com o todo, isto é, na relação que constitui o
verdadeiro e o natural (MEGALE, 1989, p. 76).
Qualquer cientista social é como o médico da sociedade. Diagnostica
os males, perscruta, através dos sintomas, mais desarranjos ainda em gestação
para depois, em equipe interdisciplinar, indicar pistas ou aventar com soluções. O
cientista social deve ver criticamente [...] (MEGALE, 1989, p. 91).

1.3. O QUE É CIÊNCIA?


Ciência é o conjunto de conhecimentos obtidos através da
investigação sistemática, objetiva e empírica. Eis uma definição cuja compreensão
é a seguinte.
 Primeiro, vários conhecimentos vinculados entre si, formando uma teoria
que constantemente está sendo posta à prova.
 Segundo, esta teoria ou conjunto de conhecimentos foi gerado por
investigação (estudo, pesquisa, busca de dados) sistemática, ou seja,
criteriosa, metódica, dentro da lógica ou coerência.
 Terceiro, a investigação é objetiva, isto é, visa a verdade, retrata fielmente o
objeto ou fenômeno estudado, sem opiniões pessoais dos pesquisadores a
interferir nos resultados.
 Quarto, investigação empírica indica que o conhecimento é fruto de
experiência, de tentativas de repetir o fenômeno, para se assegurar, com
certeza, de seus resultados (MEGALE, 1989, p. 41).
1.4. O QUE SÃO AS CIÊNCIAS SOCIAIS?
Há inúmeras outras classificações e o importante aqui é definir um
critério ou um princípio normativo como base. São conhecidas várias classificações
modernas, pelo critério da área, campo, domínio ou objeto de investigação
(MEGALE, 1989, p. 52).
Assim, existem ciências exatas, ciências naturais e ciências do
espírito, abrangendo estas últimas as ciências humanas e as ciências sociais
(MEGALE, 1989, p. 52).
As ciências exatas são abstratas, algumas não precisam de
confirmação empírica, como matemática, geometria, astronomia. As ciências
naturais têm como objeto de estudo as coisas concretas, os seres vivos, como
geografia, botânica, biologia, medicina, etc. as ciências humanas e sociais
investigam as relações sociais, estudam o homem não como ser vivo, biológico,
mas como ser social, como criador de cultura, em quaisquer que sejam os
aspectos da vida social. [...] estas últimas ciências, do espírito, sociais, humanas,
noológicas, são bem mais recentes que as demais, enquanto disciplinas
acadêmicas bem definidas por um domínio ou campo de investigação próprio, por
métodos já testados e válidos como instrumentos de investigação e por certa
autonomia em face das outras disciplinas ou ciências (MEGALE, 1989, p. 53).
Hoje, ciências do espírito, ciências noológicas, ciências humanas,
ciências sociais e, em menor escala, ciências do comportamento são
aproximadamente sinônimos, isto é, retratam o mesmo domínio de saber, uma
visão muito ampla de várias disciplinas acadêmicas que investigam a ação ou a
relação social em grupos humanos, com o ambiente físico e biológico, com os
seres vivos, com a estrutura de poder, baseada em documentos e vestígios do
passado etc. As ciências humanas tratam do homem enquanto ser social, tendo
por área ou domínio de investigação as relações decorrentes deste atributo: ser
social. Assim, Direito (normas, costumes, leis, sanções), Educação (aprendizagem,
valores a ensinar, técnicas de ensino), Linguística (idioma enquanto manifestação
cultural de um povo ou nação) são disciplinas que não constam como sociais,
embora façam parte, como várias outras, das ciências humanas (MEGALE, 1989,
p. 54/55).
As ciências sociais têm como área ou domínio de investigação o
mesmo das ciências sociais. Constituem um conceito ambicioso que define um
conjunto de disciplinas acadêmicas cujo campo de estudo são aspectos da vida
social ou da realidade social concreta. A rigor, não há diferença entre ciências
humanas e ciências sociais. Entretanto, como afirmei acima, as ciências humanas
englobam as ciências sociais e algumas outras. [...] se tomarmos antropologia,
sociologia, economia, geografia, história e política, aí sim, temos o conjunto mais
aceito como ciências sociais. Neste ponto há consenso. A divergência ou as
controvérsias estão na abertura do leque, ou melhor, nos critérios de definição de
ciências humanas e de ciências sociais. Entretanto, tais divergências em nada
afetam o desenvolvimento de cada uma das ciências ditas sociais ou humanas. [...]
na Idade Média, por exemplo, a discussão sobre o sexo dos anjos, que em nada
afetava a teologia [...]
Hoje essas discussões dentro das ciências sociais estão alheias a
problemas sociais mais prementes e graves, cujas soluções os cientistas devem
buscar com prioridade, evitando perderem o valioso tempo na estratosfera
intelectual do conhecimento, enquanto a realidade terrestre da miséria, pobreza,
delinquência, crescente e aberrante desigualdade social grassam sobre regiões e
nações.
Não bastasse isso, há uma dificuldade natural de identificar e
separar de forma rigorosa na vida dos homens o social do individual, o que
constitui um problema que tem sido enfrentado por diversas formas na literatura
especializada (BARATA, 1983, p. 7).
Muito mais importante que tais discussões, convém de início
ressaltar, é o conhecimento e a prática de alguns pontos relevantes. 1) Unidade da
ciência social; 2) Metodologia das ciências sociais e Interdisciplinaridade
(MEGALE, 1989, p. 55). Essas duas últimas serão discutidas, oportunamente, em
módulos do EAD, restando apenas a unicidade para uma breve reflexão.

1.5. UNICIDADE
Sim, no singular, pois cada uma das hoje ditas ciências
sociais é como um gomo de uma laranja. A unidade está no conjunto, formado por
elementos homogêneos, ligeiramente diferenciados entre si. Todas as ciências
sociais formam um conjunto teórico amplo, cuja imensa área de investigação e
cuja metodologia coincidem para cada uma delas. O nome de ciência social é mais
correto e adequado ao universo dos conhecimentos sociais. A realidade social, a
vida concreta é una e indivisível; e o conhecimento que a retrata só é partilhado
por razões compreensíveis, entre as quais apontamos as seguintes: a)
impossibilidade de se abarcar hoje todos os conhecimentos de tantos novos
campos de investigação conquistados há mais de cem anos; b) a partilha da
ciência social em várias novas disciplinas atende à ampliação do quadro
profissional, do mercado de trabalho que se especializa cada vez mais, cuja causa
é a seguinte; c) partilha, na vida acadêmica e nos centros de pesquisa teórica e
aplicada, de cada uma das disciplinas já desmembradas e com certa autonomia.
Os temas tornam-se cada vez mais específicos, mais fechados e pormenorizados.
Por razões didáticas e para fins de exercício profissional repartimos a laranja em
gomos unitários. Só compreendo a laranja quando completa de seus gomos. Daí a
primeira advertência: cada cientista social deve ter conhecimento de todos os
demais ramos de saber que pertencem a uma mesma área, que passa a ser seu
mundo acadêmico, seu universo profissional, seu ganha-pão. É sempre válida a
imagem da árvore e da floresta, sobretudo nesta matéria introdutória às ciências
sociais. Nada de especialização prematura (MEGALE, 1989, p. 56).
[...] É bastante artificial a partilha da ciência do homem ou da ciência
social, una e indivisível, pois esta retrata a unidade da vida social. Repito que para
ser um bom economista, um bom antropólogo, geógrafo, historiador ou sociólogo,
deve-se ser, antes de tudo, um bom cientista social, isto é, ter certo domínio de
cada uma destas ciências, pois cada qual nada mais é que uma árvore do bosque,
cuja visão total não pode ser prejudicada pela proximidade exagerada de uma só
árvore (MEGALE, 1989, p. 85).

EM SÍNTESE: [...] As ciências sociais tratam da vida social, da


realidade social, da relação do homem com os grupos sociais, como ambiente
físico e biológico, com os documentos e vestígios do passado, com a natureza
para dela extrair direta ou indiretamente seus meios de subsistência, enfim, são as
que investigam a ação do homem enquanto membro da sociedade (MEGALE,
1989, p. 85).
No dizer de Barata (1983, p. 7) “As ciências sociais têm por objeto o
estudo dos fenômenos ligados à vida dos homens em sociedade. Ocupam-se das
relações que os homens formam entre si e das que estabelecem com as coisas.
Procuram o entendimento das ações dos homens e das representações que estes
formam a respeito de si próprios e do mundo em que vivem. Interessam-se
especificamente pelos modos de atuar que andam associados à vida em grupo,
embora possam manifestar-se por intermédio dos indivíduos”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARATA, Óscar Soares. Introdução às Ciências Sociais. 2. Ed. Volume I. Lisboa:


Livraria Bertrand, 1983.

MEGALE, Januário Francisco. Introdução às ciências sociais: roteiro de estudo.


São Paulo: Atlas, 1989.

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Introdução às Ciências Sociais. 2ª ed.


Campinas, SP: Papirus, 1988.

KÜMPEL, Vitor Frederico. Noções gerais de direito e formação humanística. São


Paulo: Saraiva, 2012.

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