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CAP.

16 EXAMES DE LABORATÓRIO EM PSIQUIATRIA


Luiz Hardt / Victor Bariani / Ricardo Riyoiti Uchida

CASO CLÍNICO 16.1


Paciente de 27 anos, sexo feminino, solteira, sem filhos, dançarina em uma casa de shows, comparece ao
seu consultório para uma primeira consulta ambulatorial. Sem antecedentes psiquiátricos, nega uso de
álcool ou drogas. Queixa-se de “ataques de nervosismo” há quatro meses, com piora nas últimas duas se-
manas. Segundo a paciente, tudo começou em seu trabalho, quando sofreu estupro por parte de um cliente,
saindo de um de seus turnos. Na ocasião do ocorrido, a paciente não procurou um serviço de saúde nem
ajuda policial. Refere que, nas duas semanas que sucederam o evento, teve dificuldades para dormir, crises
de choro e uma sensação constante de medo que algo parecido pudesse ocorrer a qualquer momento. Aco-
lhida por amigos e familiares, aos poucos a angústia foi melhorando e ela foi voltando normalmente à sua
rotina. Entretanto, cerca de dois meses após o trauma, ao voltar de ônibus para sua casa após uma noite
de trabalho, teve um ataque de pânico. Paciente refere que começou a sentir palpitações, falta de ar, suor
em suas mãos, dormência nas pernas e dor de cabeça, além de uma angústia muito forte, que a fez pensar
inclusive que poderia estar “ficando louca”. Episódios semelhantes aconteceram mais algumas vezes desde
então, sem claro fator desencadeante, inclusive enquanto a paciente dormia. A paciente começou a evitar
aglomerações, locais onde se sentia desprotegida e, mesmo com dificuldades financeiras, optava por voltar
para casa de taxi. Sempre com muito receio de novas crises.
Além disso, mesmo sem nenhum antecedente pessoal clínico relevante, começou a apresentar queda
de cabelo, bruxismo, perda ponderal, taquicardia e discreto tremor de repouso em mãos. Exame físico sem
maiores alterações.

1. Quais as principais hipóteses diagnósticas psiquiátricas e não psiquiátricas neste caso


clínico?

Discussão:
Mesmo sem antecedentes psiquiátricos, a paciente abre um quadro clássico de reação aguda ao estresse,
o que é compreensível após um evento traumático dessa magnitude. Além disso, observa-se a instalação
processual de um transtorno de pânico com agorafobia.
Adicionalmente, é mandatório levarmos em consideração um episódio de violência sexual como um
evento clinicamente relevante, de modo que dele podem resultar infecções sexualmente transmissíveis
(ISTs) e gravidez.
Por fim, ainda não é claro se os sintomas físicos de queda de cabelo, bruxismo, perda ponderal e dis-
creto tremor de repouso em mãos são em decorrência do próprio transtorno de pânico ou representam a
instalação de uma doença clínica da tireoide. É mister lembrar que as doenças psiquiátricas são, invaria-
velmente, diagnósticos de exclusão.

Resposta:
• Hipóteses diagnósticas psiquiátricas: reação aguda ao estresse (CID 10: F43.0) e transtorno de
pânico (CID 10: F41.0).
• Hipótese diagnóstica não psiquiátrica: violência sexual (CID 10: Y05) e hipertireoidismo (CID 10:
E05).

Nardi AE, Silva AG, Quevedo J, organizadores. Tratado de psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed; 2022.
© Grupo A Educação S. A. Todos os direitos reservados.
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2. Quais as principais hipóteses diagnósticas psiquiátricas e não psiquiátricas neste caso


clínico?

Discussão:
É importante oferecer a essa paciente um espaço de acolhimento e explicar para ela o motivo da solicitação
de cada um desses exames, principalmente o exame de HIV. É preciso que a paciente saiba sobre a possível
janela imunológica da transmissão do HIV. Além disso, caso haja alguma alteração dos níveis de TSH e
T4 livre, é preciso encaminhar a paciente para uma investigação com endocrinologista. A solicitação do
beta-HCG quatro meses após o evento justifica-se se o ciclo menstrual da paciente estiver irregular e/ou
se ela estiver sexualmente ativa e não fazendo uso de métodos contraceptivos. A solicitação de eletrólitos,
funções metabólica, renal e hepática, hemograma e coagulograma entram em um contexto de conhecer
globalmente a saúde da paciente.

Resposta:
Sim, é necessário proceder-se a uma análise laboratorial. Pensando-se tanto na exposição sexual, quanto
nos sintomas clínicos apresentados, bem como na possível introdução de um tratamento psiquiátrico, é
preciso solicitar:
• Alguns exames gerais podem ser solicitados dependendo da disponibilidade de recursos e medica-
ções a serem introduzidas, como função renal, hepática, coagulograma e eletrólitos.
• Outros exames são mais mandatórios para investigação de causa orgânica e agravos decorrentes
da violência sexual: hemograma; funções metabólicas (perfil lipídico e glicemia de jejum); função
tireoidiana (TSH e T4 livre); beta-HCG; sorologias para HIV, sífilis, hepatite B (incluindo anti-HBs)
e hepatite C.
• Apesar de não ser um exame laboratorial senso estrito, podemos solicitar também um eletrocar-
diograma de repouso, para avaliação da taquicardia e dos paroxismos autonômicos.

CASO CLÍNICO 16.2


Paciente masculino de 37 anos, mora com seus pais, solteiro, sem filhos, profissionalmente disfuncional
desde o primeiro episódio psicótico, aos 19 anos de idade. Está em seguimento ambulatorial devido ao
diagnóstico de esquizofrenia paranoide (CID 10: F20.0). Atualmente, em uso das seguintes medicações:
olanzapina 30 mg/dia, clorpromazina 100 mg/noite e valproato de sódio 500 mg/dia. Em seu histórico de
tratamento, o paciente já fez uso em doses terapêuticas efetivas de haloperidol e risperidona. Mesmo com
boa aderência ao tratamento e bom suporte familiar na assistência ao programa terapêutico proposto, o
paciente mantém sintomas psicóticos (como delírios e alucinações) e sintomas negativos da esquizofrenia
(como isolamento social e prejuízo de linguagem). O valproato de sódio encontra-se em sua prescrição
para controle de sintomas de impulsividade, bem como a clorpromazina auxilia no sono do paciente.
Em seu histórico clínico, não constam episódios de alteração da crase sanguínea. No entanto, paciente
apresenta comorbidades clínicas. Está com IMC de 32,5, hiperlipidemia e é tabagista ativo (cerca de 25
cigarros por dia). Nega uso de outras drogas.
Na consulta anterior, você orientou o paciente e a família sobre a introdução da clozapina, a qual está
claramente indicada para esse caso. Além disso, já solicitou uma série de exames antes de iniciar o trata-
mento com tal medicação.
A família traz os exames do paciente e os resultados são os seguintes: hemograma normal (Hb 14.2;
leucócitos 5.400; plaquetas 225 mil), coagulograma normal, funções renal, hepática e tireoidiana sem al-
terações, eletrólitos sem alterações, glicemia de jejum de 118 mg/dL e perfil lipídico alterado (LDL 180 mg/
dL, HDL 35 mg/dL, VLDL 40 mg/dL e triglicérides 205 mg/dL).

Nardi AE, Silva AG, Quevedo J, organizadores. Tratado de psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria. Porto Alegre: Artmed; 2022.
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3. Diante dos achados laboratoriais apresentados, quais as recomendações para segui-


mento laboratorial durante a introdução da clozapina?

Discussão:
Refratário a dois antipsicóticos atípicos utilizados em doses terapêuticas e em um contexto em que a to-
mada regular das medicações está assegurada, o caso clínico 2 configura uma indicação de clozapina. Tais
pacientes refratários aos tratamentos antipsicóticos para esquizofrenia são justamente os que mais se be-
neficiam da terapêutica com clozapina.
Antes de se iniciar o tratamento, o médico fez certo em solicitar os exames já descritos, posto que a
nova medicação pode, além de alterar a crase sanguínea (levando ao risco de neutropenia), piorar a hi-
perlipidemia, favorecer mais ganho ponderal, entre outros riscos clínicos (sedação, sialorreia, etc.). Além
disso, o tratamento à base de clozapina, principalmente em sua introdução, demanda muito pragmatismo
e organização. Tais aspectos podem faltar no paciente com esquizofrenia refratária. Assim sendo, a família
ou alguma instituição de saúde deve responsabilizar-se pela garantia de que o paciente tomará a medica-
ção na posologia indicada, além de realizar os exames necessários conforme solicitado.
Na presente consulta, deve-se também orientar mudanças de estilo de vida (com vistas a reduzir o ris-
co metabólico) e garantir a compreensão por parte do paciente e seus pais a respeito dos riscos envolvidos
no tratamento, bem como dos potenciais benefícios.
Ao logo do tratamento, mais exames podem ser necessários. Além da rotina de hemogramas, o pa-
ciente deve coletar, de maneira periódica, o perfil metabólico (colesterol e glicemia de jejum) e funções
hepática e tireoidiana.
É válido lembrar mais três aspectos importantes:
• Em associação com valproato de sódio, a clozapina pode tanto favorecer trombocitopenia quanto
lesões a enzimas hepáticas. Em contrapartida, o valproato pode prevenir convulsões, bem como
mioclonias decorrentes do uso da clozapina.
• Como bom instrumento para avaliar a posologia prescrita, o paciente pode coletar dosagens séri-
cas de clozapina ao longo do tratamento, dependendo da resposta clínica.
• Pacientes tabagistas ativos, que fumam mais do que sete cigarros ao dia, podem precisar de doses
maiores da clozapina, já que essa quantidade de cigarros já é suficiente para induzir a enzima 1A2
do citocromo p450.1 Em contrapartida, o uso da clozapina é capaz de reduzir significativamente o
consumo de cigarros por dia de pacientes esquizofrênicos.

Resposta:
Iniciar o tratamento com clozapina e solicitar hemograma semanalmente nos primeiros seis meses.

4. Oito meses após o início do tratamento, o paciente já se encontrava em remissão dos


sintomas psicóticos, mas contraiu covid-19 na forma grave. Teve que ficar intubado em UTI
por 35 dias, chegando, inclusive, a necessitar de traqueostomia. Durante todo esse período
de instabilidade clínica, a equipe de cuidados intensivos optou por suspender a clozapina,
e agora solicita sua avaliação no caso para reintroduzir a medicação, já que o paciente
está clinicamente estável e sem necessidade de terapia de suporte de oxigênio. Oriente a
equipe de maneira correta.

Discussão:
Garantida a estabilidade clínica do paciente, está indicada a reintrodução da clozapina, posto que houve
boa resposta terapêutica por parte do paciente. Uma vez que ele se encontra ainda internado em leito de
hospital geral, é válido ser cauteloso e aumentar a frequência da coleta de hemogramas até que o paciente
tenha condições clínicas e psiquiátricas de receber alta hospitalar.

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Mesmo que no curso da covid-19 tivesse havido um episódio de leucopenia, tal evento não necessaria-
mente iria contraindicar a reintrodução da clozapina, e seria mais um motivo para reintroduzir a medica-
ção enquanto o paciente ainda estivesse internado.

Resposta:
Iniciar o tratamento com clozapina com paciente ainda internado em leito de hospital geral e solicitar he-
mograma diariamente nos primeiros dias. Depois, fazer seguimento laboratorial ambulatorial como se o
paciente estivesse começando de novo o tratamento, ou seja, hemogramas semanais por seis meses.

Referência:
1. Meyer JM, Stahl SM. The clozapine handbook. New York, NY: Cambridge University; 2019.

CASO CLÍNICO 16.3


Paciente do sexo feminino, 63 anos, deu entrada no serviço de emergência clínico com quadro de confusão
mental, foi trazida por seu filho. O acompanhante referiu que encontrou sua mãe no quintal da frente de
casa, chorosa, olhando para os lados repetidamente, gritando aos transeuntes, na calçada, que não sabia
onde estava e que queria ser levada de volta à sua residência; além disso, relatou o filho, ainda, que escutara
sua mãe se queixando de diarreia e tremores nos últimos três dias. Ao exame físico de entrada, paciente en-
contrava-se emagrecida, com roupas largas e puídas, desidratada 2+/4+, taquicárdica e taquipneica, vígil,
apresentando sintomas de confusão mental, desorientada em tempo e espaço, com inquietação psicomo-
tora, pulsos finos, rítmicos, tremores grosseiros de extremidades nos quatro membros. Em prontuário, o
emergencista registrou, após término da coleta de anamnese objetiva com o acompanhante, que a paciente
possuía antecedente pessoal de transtorno bipolar (TB) desde os 50 anos de idade, diagnosticado após
um primeiro episódio maníaco; vinha estável desde o início do tratamento, em uso de divalproato 500 mg
12/12h e risperidona 2 mg à noite; há quatro semanas, devido a queixas de sintomas depressivos havia três
meses (tristeza, angústia, anedonia, abulia e inapetência, com redução da alimentação e ingesta hídrica
progressivamente, dificuldade para se levantar da cama e prejuízos no autocuidado). O psiquiatra que a
acompanha optou por realizar troca de medicação, substituindo o divalproato por carbonato de lítio 300
mg à noite, aumentando 300 mg/dia a cada quatro dias, até alcançar dose de 1.200 mg/dia, com retorno
após um mês. O filho relatou, também, que, após a troca de medicação, a paciente não obtivera melhora do
quadro depressivo e, quando perguntado ativamente pelo médico que realizou o atendimento, negou que
qualquer exame laboratorial tenha sido solicitado na última consulta com o psiquiatra. Considerar que não
há outros antecedentes comórbidos dignos de nota.

1. Com base neste relato de caso, quais as principais hipóteses diagnósticas que devem ser
levantadas ao término da primeira avaliação?

Discussão:
Trata-se de um quadro agudo de confusão mental, associado a elementos que permitem supor agitação e
inquietação, com desorganização do comportamento, sem rebaixamento do nível de consciência. O relato
recente de diarreia e os tremores observados ao exame são dados importantes. É necessário atentar para
o fato de tratar-se de uma paciente psiquiátrica de longa data, em troca recente de medicação. O quadro
confusional com desorientação alopsíquica não fala a favor de uma descompensação do quadro de base,
mas, sim, de delirium hiperativo. Corroboram esta hipótese a idade da paciente, relato de imobilidade e
redução de ingesta hídrica e alimentar recentes (relatados pelo acompanhante e observados pelo médico:
emagrecimento e desidratação 2+/4+) e diarreia. É necessário abrir o leque de possibilidades diagnósticas
para prosseguir na investigação da causa de delirium. No entanto, é possível supor como fator causal a in-
toxicação por lítio, que pode cursar com tremores, diarreia, taquiarritmias, e confusão mental.

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Resposta:
• Delirium hiperativo a esclarecer;
• Intoxicação por lítio;
• Transtorno bipolar (de base).

2. Quais exames complementares não podem ser dispensados para prosseguir no manejo
do caso?

Discussão:
Em relação às hipóteses iniciais, é indispensável solicitar rastreio infecto-metabólico completo, para in-
vestigação das causas de delirium: hemograma, eletrólitos, urina I, provas de função hepática e renal, glice-
mia, provas de atividade inflamatória e sorologias para hepatites, HIV e sífilis. Demais exames podem ser
solicitados, conforme suspeitas da equipe de clínica médica (neuroimagem, USG abdome total, culturas de
sangue e urina, etc.). Quanto à provável intoxicação por lítio, deve-se solicitar obrigatoriamente litemia,
função renal, função tireoidiana e eletrocardiograma.

Resposta (deve conter):


Hemograma, função renal e hepática, eletrólitos, urina I, glicemia, sorologias, litemia, função tireoidiana,
provas de atividade inflamatória e eletrocardiograma.
Após primeira bateria de exames, chamou a atenção da equipe médica o valor da litemia, 2,8 mEq/L.

3. Comente esse resultado de exame em face às hipóteses diagnósticas inicialmente for-


muladas.

Discussão:
Trata-se de valor compatível com diagnóstico de intoxicação por lítio. Neste nível, é necessário classificar
a intoxicação como grave. A intoxicação por si só pode explicar o quadro confusional no contexto de sinto-
mas neurológicos, além dos tremores e a história de diarreia nos dias que antecederam a ida ao serviço de
emergência. De outra forma, o quadro de delirium hiperativo pode ser explicado pela intoxicação por lítio,
sobretudo por tratar-se de paciente idosa, com estado geral prejudicado (desidratação, emagrecimento,
imobilidade recente).

Resposta:
Intoxicação por lítio grave é a hipótese confirmada, inicialmente, podendo explicar o quadro confusional
por sintoma direto dos elevados níveis séricos do fármaco, ou como fator predisponente de delirium em
paciente com idade superior aos 60 anos.

4. Supondo ser verdadeiro o relato do filho, comente a conduta do psiquiatra da paciente,


diante da queixa de sintomas depressivos por ela apresentada.

Discussão:
Em se tratando de um caso de TB, é adequado que a tentativa de tratamento de episódio depressivo deva se
basear, inicialmente, no uso de estabilizadores de humor. No caso em questão, como a paciente já estava
em uso de 1.000 mg/dia de divalproato, a substituição deste por lítio poderia ser uma conduta razoável.
No entanto, vale observar que a faixa etária da paciente (idade superior a 60 anos) e seu estado geral (a
princípio, piorado após o início do quadro depressivo) são dados que alertam para maior probabilidade
de intoxicação por lítio ou de efeitos colaterais graves (mesmo na ausência de intoxicação), como nefroto-
xicidade. Além disso, as diretrizes e evidências recomendam, amplamente, que a introdução de lítio seja

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acompanhada de investigação da função renal e tireoidiana, além de dosagem inicial da litemia após cinco
dias da introdução e de qualquer ajuste de dose do fármaco, o que não ocorreu, segundo o relato do filho.
Observar que foi orientado escalonamento por conta própria até dose alta do fármaco (1.200 mg/dia).

Resposta:
Seria importante pensar em outras possibilidades farmacológicas que não o lítio, nessa situação. Ao in-
troduzir o lítio, exames de função renal, tireoidiana e litemia deveriam ter sido solicitados. O aumento de
dose deveria ter sido mais parcimonioso, com dosagens seriadas de litemia, a cada aumento. O retorno
para avaliação clínica da paciente e sua adequação à nova medicação instituída poderia ocorrer em menos
de um mês. Essas condutas reduziriam o risco de intoxicação por lítio.

CASO CLÍNICO 16.4


Paciente do sexo masculino, 34 anos, previamente hígido, foi encaminhado a um serviço de emergência
psiquiátrica pela Equipe de Saúde da Família (ESF) de sua região de moradia. Ao realizar visita domiciliar,
por solicitação da esposa do paciente, a ESF constatou que paciente estava imóvel na cama, em decúbito
dorsal, de olhos abertos, olhar fixo no teto, sem realizar contato verbal ou visual. A esposa relatou à equipe
que o paciente começara a ficar diferente nos últimos três dias, quieto, parado, lento. “Passava alguns mo-
mentos em silêncio, muito tempo deitado, parecia não estar conseguindo prestar atenção em nada”. Um
dia antes da visita domiciliar, segundo a anamnese colhida, paciente teve piora importante do quadro: já
não se levantou da cama e, chorando, murmurou à esposa que “não sabia o que estava acontecendo, mas
precisava que tirassem ele dali, porque sentia que ia morrer”. A família do paciente o levou a um pronto-
-socorro clínico, onde recebeu diagnóstico de “depressão” e encaminhamento ambulatorial à psiquiatria.
No dia seguinte, a esposa despertara mais cedo e constatara que o paciente se encontrava completamente
estático na cama, de olhos abertos e vidrados, sem responder ou reagir, apenas piscando e, às vezes, lacri-
mejando. Antes do início dos primeiros sintomas, o paciente apresentava-se plenamente funcional, man-
tendo rotina costumeira: trabalho em dias úteis, tempo com a família aos fins de semana, bem-humorado,
com preservação completa do autocuidado e do contato interpessoal. Ao exame psíquico da entrada do
pronto-socorro, paciente encontrava-se vígil, com olhar fixo perplexo, negativismo passivo extremo, sem
respostas verbais ou mecânicas, estuporado. O médico que realizou o atendimento testou a mobilidade
passiva dos membros superiores: ao estender o braço direito do paciente para cima e, após, soltá-lo, cons-
tatou que ele permanecia imóvel na mesma posição deixada pelo profissional.

1. Qual a hipótese diagnóstica principal a ser levantada para o caso? Quais elementos do
enunciado corroboram esta hipótese?

Discussão:
Trata-se, seguramente, de um caso de catatonia. A catatonia é uma síndrome psiquiátrica grave caracteri-
zada, sobretudo, por negativismo passivo importante e imobilidade ou lentificação psicomotora extrema.
Corroboram esta hipótese a descrição de como o paciente foi encontrado na casa, o fato de estar vígil, po-
rém, não contactuante, o estupor e a flexibilidade cérea.

Resposta:
Hipótese diagnóstica: catatonia a esclarecer. Corroboram: passividade, imobilidade, negativismo, estupor
e flexibilidade cérea.

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2. Há necessidade de investigação complementar neste caso? Comente.

Discussão:
Trata-se de um quadro psiquiátrico grave de início abrupto, em paciente previamente hígido, sem relatos
anteriores de tratamento psiquiátrico. Isso justifica a necessidade de esclarecimento diagnóstico, com des-
carte de causas orgânicas para a apresentação sintomática. No caso da catatonia, é necessário frisar que
as primeiras hipóteses devem ser afecções neurológicas, estando as causas psiquiátricas colocadas como
diagnósticos de exclusão. A catatonia de início agudo pode estar relacionada a atividade epilética não con-
vulsiva, neuroinfecções, encefalites autoimunes e neoplasias do sistema nervoso central (SNC).

Resposta:
Sim. Caso psiquiátrico agudo, apresentado na forma de catatonia, sendo imperativa a investigação neuro-
lógica.

3. Quais exames laboratoriais complementares podem ser solicitados inicialmente para


descarte das etiologias neurológicas para o quadro?

Discussão:
No caso da catatonia, deve-se descartar, neurologicamente, atividade epilética, alterações estruturais (p.
ex., neoplasias) em SNC e neuroinfecção. Tomografia computadorizada ou ressonância nuclear do crânio
são necessárias para investigar hipóteses neoplásicas e neuroinfecciosas (por identificação de danos es-
truturais secundários à neuroinfecção). Eletroencefalograma é indicado para avaliação de atividade epi-
léptica. Sorologias e hemograma completo, com provas de atividade inflamatória, podem trazer dados que
aumentem a suspeita de infecção do SNC. Análise laboratorial do líquido cerebrospinal (LCS) é funda-
mental para investigar ou confirmar neuroinfecção ou encefalite autoimune (com pesquisas de anticorpos
específicos).

Resposta (deve conter):


Hemograma completo, sorologias, provas de atividade inflamatória e análise do LCS (o ideal é conter, ain-
da, neuroimagem e eletroencefalograma).

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