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Universidade Estadual de Feira de Santana

Programa de Pós-Graduação em Filosofia Contemporânea


Ética e Política
Prof. Laurenio Leite Sombra

Identidade, diferença e colonialidade


Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

Vinicius Pimentel Ferreira


2023
Identidade, diferença e colonialidade: Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

Identidade, diferença e colonialidade


Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

Resumo: Partindo do problema da identidade, da diferença e da colonialidade como temas que


urgem enquanto questões contemporâneas, em meio a tantas discussões sobre os modos como
tantos grupos identitários surgem, se relacionam socialmente e os espaços que podem ocupar a
revelia da permissividade de um poder social, objetivo aqui propor um modo de pensar essas
questões a partir de uma perspectiva crítica com finalidades pedagógicas, ou seja, como pensar
criticamente essa problemática visando a construção de um modo de ensinar. Os métodos utilizados
para construir esta investigação se deram a partir da leitura e da comparação das teses em artigos de
estudiosos acadêmicos nessas temáticas, tendo como bibliografia principal textos do Prof. Tomaz
Tadeus da Silva e do Prof. Aníbal Quijano. Como resultado dessa leitura comparada, percebeu-se
que as identidades, diferenças e a colonialidade são construções artificiais do pensamento, que em
alguns casos visam estabelecer relações de poder e que não são nem de longe imutáveis ou
preferíveis. Partindo dessa conclusão, propõe-se uma perspectiva pedagógica crítica e libertadora.

Palavras-Chave: Pedagogia Crítica, Identidade, Diferença, Colonialismo.

Abstract: Addressing the issues of identity, difference, and coloniality as urgent contemporary
matters amid numerous discussions on how various identity groups emerge, socially relate, and
occupy spaces regardless of the permissiveness of social power, the objective here is to propose a
way of thinking about these issues from a critical perspective with pedagogical purposes. In other
words, it aims to critically analyze these problems towards the construction of a teaching method.
The methods employed to construct this investigation involved reading and comparing the theses in
articles by academic scholars on these themes, with the main bibliography comprising texts by Prof.
Tomaz Tadeus da Silva and Prof. Aníbal Quijano. As a result of this comparative reading, it was
observed that identities, differences, and coloniality are artificial constructs of thought, which in
some cases seek to establish power relations and are by no means immutable or preferable. Building
on this conclusion, a critical and liberating pedagogical perspective is proposed.

Key-Words: Critical Pedagogy, Identity, Difference, Colonialism

Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS


2
Identidade, diferença e colonialidade: Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

Identidade e Diferença, pensando através da obra de Tomaz Tadeu da Silva1


A identidade é simplesmente aquilo que se é, a coisa ou o conjunto de coisas que denotam a
singularidade de um ente e serve para identificá-lo, tal como sua sexualidade, sua posição política,
sua profissão, sua religião, características físicas e etc. Na construção de uma identidade, é sempre
uma ação de adjetivação e percepção de si para si, ou seja, a identidade se constrói a partir de uma
construção do sujeito sobre si mesmo.
A diferença faz oposição a identidade na medida em que é uma construção não de si mesmo,
mas uma construção do outro, ao invés de partir de um “eu sou”, parte de um “ele é”, mas sempre
segundo uma auto referência, ou seja, uma construção do outro em oposição ou em comparação
daquilo que eu sou.
A identidade e a diferença estão em uma estreita dependência existencial, pois ao me
afirmar de um modo, abro a possibilidade existencial de um ente que seja de um modo diverso, ou
seja, ao identificar um objeto como azul dizendo “este livro é azul”, implico a necessidade da
existência de um objeto que não o seja, nesse sentido de uma diferença, pois se azul fosse um
princípio identitário universal para que um livro seja um livro, afirmar que um livro é azul seria
tautológico e um mal uso da linguagem. Mas ser azul não redunda na natureza do ser do livro, de
modo que ele poderia não sê-lo, e ao afirmá-lo azul implico que haja outros livros que em relação a
esse apresentariam uma cor diferente. Nesse sentido, quando afirmo “sou alto”, partindo do
princípio que ser alto é acidental, aponto a possibilidade de alguém que divide a mesma categoria
existencial que eu (humano) não sê-lo, de modo que não pode haver identidade sem que haja a
diferença e também não pode haver diferença sem que haja identidade.

Da mesma forma, as afirmações sobre diferença só fazem sentido se compreendidas em sua


relação com as afirmações sobre a identidade. Dizer que "ela é chinesa" significa dizer que
"ela não é argentina", "ela não é japonesa" etc., incluindo a afirmação de que "ela não é
brasileira", isto é, que ela não é o que eu sou. As afirmações sobre a diferença também
dependem de uma cadeia, em geral oculta, de declarações negativas sobre (outras)
identidades. Assim como a identidade depende da diferença, a diferença depende da
identidade. Identidade e diferença são, pois, inseparáveis.
(Tomaz Tadeu, 2000,página 75).

Partindo do sentido oposto, toda afirmação denotativa sobre si mesmo é também uma
negação denotativa, ou seja, ao afirmar que sou alto, afirmo ao mesmo tempo que não sou baixo,

1
Tomaz Tadeu da Silva é Ph. D. pela Stanford University (1984). Atualmente é professor colaborador do
Programa em Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Seu último
(2007) trabalho publicado é a tradução da Ética, de Spinoza (Autêntica). Publicou mais de 30 artigos em
periódicos especializados, 30 capítulos de livros e 25 livros. Atua na área de educação, com ênfase em
Teoria do Currículo. Em seu currículo Lattes, os termos mais frequentes na contextualização da produção
científica são: currículo, diferença, Deleuze, Foucault, neoliberalismo, Estudos Culturais, identidade e
pós-modernismo. Fonte: Plataforma Lattes.
Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS
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Identidade, diferença e colonialidade: Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

pois não é possível que eu seja simultaneamente alto e baixo ao mesmo tempo, do mesmo modo
quando afirmo que sou homem nego ser qualquer coisa que imponha uma contradição necessária ao
fato de eu ser homem. O contrário também é verdadeiro, toda afirmação denotativa sobre implica
não só o que ele é, mas também o que ele não é, e a depender da construção frasal, apontar o
diferente no outro é falar sobre que eu não sou, uma vez que como já foi dito há uma relação
necessária entre diferença e identidade.
Segundo o Prof. Thomas Tadeus da Silva, a identidade e a diferença são “criação
linguística”, no sentido de dizer que não são seres independentes das perspectivas humanas da
realidade, não existem no mundo como meros fenômenos naturais, e muito menos são essenciais ou
existencialmente necessários. Esses dois conceitos exprimem qualidades que são produzidas, não
possuem qualquer existência a priori2, são criadas e que precisam ter constantemente um diálogo
entre outros signos que constantemente apontam o que elas são e o que elas não são, são criadas
com o propósito de servir a possibilidade da comunicação, do conhecimento e das relações sociais.
Um nome ao ser usado para identificar uma coisa, identifica a coisa não por uma característica
intrínseca, não tem uma relação necessária com o objeto:

De acordo com Saussure, os elementos-os signos-que constituem uma língua não têm
qualquer valor absoluto, não fazem sentido se considerados isoladamente. Se considerarmos
apenas o aspecto material de um signo, seu aspecto gráfico ou fonético (o sinal gráfico
"vaca", por exemplo, ou seu equivalente fonético), não há nele nada intrínseco que remeta
àquela coisa que reconhecemos como sendo uma vaca - ele poderia, de forma igualmente
arbitrária, remeter a um outro objeto como, por exemplo, uma faca. Ele só adquire valor -
ou sentido - numa cadeia infinita de outras marcas gráficas ou fonéticas que são diferentes
dele. O mesmo ocorre se considerarmos o significado que constitui um determinado signo,
isto é, se consideramos seu aspecto conceitual. O conceito de "vaca" só faz sentido uma
cadeia infinita de conceitos que não são "vaca". Tal como ocorre com o conceito "sou
brasileiro", a palavra "vaca" é apenas uma maneira conveniente e abreviada de dizer "isto
não é porco", "não é árvore", "não é casa" e assim por diante.
(Tomaz Tadeu, 2000,página 77)

Se tomarmos então como fato que as identidades não se dão aprioristicamente3 e por tanto
são construções da linguagem humana, construções estas que normalmente nós enquanto indivíduos
não participamos de sua produção, mas já chegamos no mundo com essas identidades e diferenças
já propostas e em plena aplicação social, podemos questionar de que modo e por quem foram
propostas e se o modo como foram propostas serve a um interesse comum ou a um interesse de
poucos, pois se é verdade que a distribuição de nomes e significados que servem para identificar e
diferenciar pessoas e objetos, ao se aplicarem em especial às pessoas, constrói-se não apenas um
meio de nos comunicarmos e nos reconhecermos, é verdade também que essas identidades
estabelecem não só uma normatividade e uma não normatividade, mas também limites para os

2
anterior a experiência.
3
ver nota anterior.
Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS
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Identidade, diferença e colonialidade: Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

modos em que possamos performar4 nossa existência. Nosso ser no mundo, não no sentido de uma
essência de si, mas no sentido de como performamos no mundo, essa performance se cria a partir do
momento que pensamos a nós mesmos no mundo a partir de uma identidade e de uma
diferenciação, a partir do momento em que nos nominamos e nos inserimos na complexa rede de
significados que traduz o mundo e a complexa rede de relacionamentos que chamamos de
sociedade.
A performance é muito mais do que um fazer, é um fazer pautado numa identidade. Eu digo
que sou dançarino porque danço, o movimento corporal ao qual chamo de dança não é apenas um
fazer, mas é um movimento dotado de identidade e que empresta ao sujeito que performa a dança a
identidade de dançarino. Um animal que não produz um encadeamento linguístico complexo, como
uma abelha por exemplo, pode fazer movimentos rítmicos com algum propósito objetivo qualquer,
mas é necessário que nós seres humanos, pela linguagem, identifiquemos aquilo como dança,
mesmo que para o animal que se movimenta freneticamente aquilo não o seja ou que ele nem
mesmo pense sobre o que faz, a identidade não possui necessariamente uma preocupação com
aquilo que é, mas uma preocupação em atribuir sentido, valor e permitir um discurso sobre algo ou
alguém, impondo assim por tanto, um limite que empresta um sentido de existência.
Nesse sentido, se é imputado à identidade do dançarino a necessidade do dançar, o sujeito
dançarino está obrigado a pratica da dança, de igual modo que está obrigado a ter como prática de
danças apenas àquilo que num contexto geral é reconhecido pela identidade de dança. Ou seja, se
um movimento corporal, acompanhado ou não de uma música não for por todos ou por alguma
autoridade considerando uma dança, sua prática, não torna o praticante um dançarino, de modo que
aquele que se pretende dançarino se vê limitado aos significados e sentidos dos discursos
construídos sobre a dança, sobre aquilo que ela é (identidade) e aquilo que ela não é (diferença).
Por tanto, às autoridade da arte da dança, é dado o poder de definir a identidade e a
diferença, poder que vai para além do campo puramente discursivo, mas também constrói as
possibilidades dos indivíduos, o que eles podem ser ou não ser, os espaços sociais que podem
ocupar e o modo como devem agir caso queiram performar certa identidade. Isso pode ser pensado
não só sobre o que é dança, mas também sobre o que é masculinidade e feminilidade, o que é ser
adulto ou ser infantil, ser belo ou feio, ser bom ou mau, ser moral ou imoral, ser virtuoso ou ignóbil
e etc. Aquele que impõe identidades, impõe também poder sobre o outro e estabelece ao outro seus
limites.

4
Aqui o termo não deve ser pensado como àquele apresentado pelo autor, mas como a expressão ativa
daquilo que faz o sujeito ser identificado por algo. A performance aqui é o fazer que identifica o sujeito a
uma identidade.
Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS
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Identidade, diferença e colonialidade: Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

A afirmação da identidade e a marcação da diferença implicam, sempre, as operações de


incluir e de excluir. Como vimos, dizer "o que somos" significa também dizer "o que não
somos". A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem
pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído.
Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras, significa fazer distinções entre o que
fica dentro e o que fica fora. A identidade está sempre ligada a uma forte separação entre
"nós" e "eles". Essa demarcação de fronteiras, essa separação e distinção, supõem e, ao
mesmo tempo, afirmam e reafirmam relações de poder. "Nós" e "eles" não são, neste caso,
simples distinções gramaticais. Os pronomes "nós" e "eles" não são, aqui, simples
categorias gramaticais, mas evidentes indicadores de posições-de-sujeito fortemente
marcadas por relações de poder.
(Tomaz Tadeu, 2000,página 82)

Se é verdade que a construção de identidade também é uma construção de um poder sobre o


outro, essa construção de poder nem sempre está a serviço de um status quo. Do mesmo modo que
visões mais tradicionais tendem a lutar pela manutenção de uma identidade mais original das coisas,
como ser homem, ser mulher, ser mãe e etc, nas ebulições sociais há movimentos que buscam
propor novas identidades e identidades mais fluidas que aquelas anteriormente propostas, isso
também movimenta um jogo de poder que por vezes reitera o poder dos antigos fundadores de
identidade e por vezes subvertem esse poder. Como as identidades são criadas e não são realidades
em si mesmas, ou seja, não são essências imutáveis, por mais que um grupo lute por sua
manutenção, no cabo de guerra do poder, novas identidades surgem e novas definições para
identidades já definidas buscam atualizar ou solapar definições já estabelecidas.

Colonialidade em Aníbal Quijano5


Da-se o nome de colonialismo a “dominação direta, política, social e cultural dos europeus
sobre os conquistados de todos os continentes”6, esse colonialismo com o passar dos anos foi sendo
substituído pelo imperialismo que consiste em “uma associação de interesses sociais entre os grupos
dominantes (classes sociais ou “etnias”) de países desigualmente colocados em uma articulação de
poder”7 sobre países politicamente e economicamente mais fracos. Apesar de um modo de política
colonial não ser mais o modo corrente, seus frutos crescem até os dias de hoje, o colonialismo
produziu inúmeros processos de diferenciação que submetem as etnias dos países dominados a uma
classe social e étnica dos países dominantes, a esses processos de diferenciação chamamos de

5
Aníbal Quijano (17 de novembro de 1930 – 31 de maio de 2018). Seu corpo de trabalho tem sido influente
nos campos dos estudos decoloniais e da teoria crítica. Foi professor na Universidade Nacional Mayor de
San Marcos, em Lima, e desde 1986 é professor da Universidade de Binghamton, em Binghamton, Nova
York, Estados Unidos. Em 2010, fundou, e desde então dirigiu, a Cátedra "América Latina e a Colonialidade
do Poder", na Universidade Ricardo Palma, em Lima.Residiu no exterior desde a década de 1940, dois
períodos em Santiago do Chile: o primeiro quando realizou seus estudos de mestrado na Faculdade
Latinoamericana de Ciências Sociais (FLACSO), e o segundo entre 1965 e 1971 como pesquisador da
Divisão de Assuntos Sociais da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), além de um ano
exilado no México em 1974, quando foi professor na Universidade Nacional Autónoma de México (UNAM).
Fonte: https://lergeo.fflch.usp.br/1928-2018-anibal-quijano
6
Aníbal Quijano, 1992. página 1.
7
Ibid. página 1.
Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS
6
Identidade, diferença e colonialidade: Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

racismo, preconceito ou discriminação que atingem aqueles que são representantes das etnias que
outrora foram colonizados.
Essa colonização não se deu apenas a nível material, mas principalmente epistêmico, o
indivíduo não teve apenas sua liberdade e bens subtraídos, mas também sua própria identidade e
portanto sua percepção de si próprio. Se originalmente aquele que foi colonizado era um indivíduo
de sua terra marcado por suas crenças, valores e performances sociais, após a colonização uma nova
identidade lhe é atribuída, atribuída pela diferença, atribuída pela nação colonizadora,
colonizando-se assim o imaginário de um povo.

Isso foi produto, no começo, de uma sistemática repressão não só de específicas crenças,
ideias, imagens, símbolos ou conhecimentos que não serviram para a dominação colonial
global. A repressão recaiu sobre os modos de conhecer, de produzir conhecimento, de
produzir perspectivas, imagens, sistemas de imagens, símbolos, modos de significação;
sobre os recursos, padrões e instrumentos de expressão formalizada e objetivada, intelectual
ou visual. Foi seguida pela imposição do uso dos próprios padrões de expressão dos
dominantes, assim como de suas crenças e imagens referidas ao sobrenatural, as quais
serviram não somente para impedir a produção cultural dos dominantes, mas também como
meios muito eficazes de controle social e cultural, quando a repressão imediata deixou de
ser constante e sistemática.
( Aníbal Quijano, 1992, página 2)

Desse colonialismo se produz uma colonialidade, um modo de perceber a realidade


produzida pelo colonizador. Os povos que antes foram colonizados, hoje mesmo os independentes,
não conseguem mais pensar claramente uma noção de existência ou desenvolvimento que não seja
uma reprodução do modo de vida (social, econômico e político) dos países imperialistas, ou seja,
dos colonizadores. A colonialidade é de certa forma adoção da identidade imposta pelo algoz, ou na
melhor das hipóteses uma hibridização da identidade imposta pelo algoz com a identidade
pré-colonial, o colonizado vê a si mesmo como inferior, como pária, como alguém que só pode ser
plenamente na medida que imita e se torna igual ao seu colonizador.

A elaboração intelectual do processo de modernidade produziu uma perspectiva de


conhecimento e um modo de produzir conhecimento que demonstram o caráter do padrão
mundial de poder: colonial/moderno, capitalista e eurocentrado. Essa perspectiva e modo
concreto de produzir conhecimento se reconhecem como eurocentrismo.
[...]
Não se trata, em conseqüência, de uma categoria que implica toda a história cognoscitiva
em toda a Europa, nem na Europa Ocidental em particular. Em outras palavras, não se
refere a todos os modos de conhecer de todos os europeus e em todas as épocas, mas a uma
específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna mundialmente
hegemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais, prévias ou diferentes, e a seus
respectivos saberes concretos, tanto na Europa como no resto do mundo.
(Aníbal Quijano, 2005, página 11)

Nessa perspectiva, pelo processo de colonização, tanto os colonizadores quanto os


colonizados passam a compartilhar de um ideal identitário fabricado, que é a identidade europeia ou
Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS
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norte-americana, em detrimento de uma identidade do inferior, como a identidade dos ameríndios e


africanos, que é a identidade dos colonizados (que não representa esses povos em suas vivências,
mas sim uma visão do colonizador sobre esses povos). Não só a identidade europeia é construída
artificialmente como uma ferramenta de poder como a identidade/diferenciação dos povos
conquistados também é construída artificialmente pelos povos dominadores com o objetivo de gerar
diferenciação e legitimar o processo de violência e dominação.

Uma pedagogia crítica às questões de identidade e colonialismo


Entende-se como uma pedagogia crítica uma perspectiva do ensino pautada em uma
superação da aceitação irrefletida do estado de coisas, a essa aceitação do estado de coisas eu
chamo de visão dogmática, por dogma compreendo aquilo o estado de coisas normativamente
aceito e este dogma pode ser moral, religioso, científico, filosófico, social, sexual e etc. Negar uma
aceitação irrefletida do dogma não necessariamente implica numa negação do dogma, mas sim
numa compreensão deste e de outras possibilidades existenciais para que uma escolha genuína do
modo de viver a vida seja possível de ser feito. Para além de proporcionar uma escolha genuína, a
pedagogia crítica compreende que essa escolha deve ser uma escolha daquilo que é melhor, mais
justo e que busca acarretar em um processo de humanização dos sujeitos.

Pelo contrário, tratava-se de oferecer uma maneira de pensar além da aparente naturalidade
ou inevitabilidade do estado atual das coisas, desafiando suposições validadas pelo “sentido
comum”, subindo além dos limites imediatos das experiências, entrando em um diálogo
com a história e imaginando um futuro que não apenas reproduza o presente. Assim, a
pedagogia crítica insiste que uma das tarefas fundamentais dos educadores é certificar-se de
que o futuro aponta o caminho para um mundo mais socialmente justo, um mundo no qual a
crítica e a possibilidade em conjunção com os valores da razão, da liberdade e igualdade –
função para alterar os motivos em que a vida é vivida. Ainda que renegue uma noção de
alfabetização como a transmissão de fatos ou habilidades relacionadas às últimas tendências
do mercado, a pedagogia crítica dificilmente é uma receita para a doutrina política, como
insistem os defensores de sua padronização. Oferece aos alunos novas maneiras de pensar e
agir de forma criativa e independente, deixando claro qual é a tarefa do educador.
(José Rubens Lima JARDILINO e Diana Elvira SOTO ARANGO, 2020. página 1084 )

Em uma pedagogia crítica, que tende a ser uma pedagogia pró diversidade, a identidade e a
diferença são tomadas como algo cristalizado e essencial. Segundo esse pensamento, deve-se adotar
uma posição na qual essas diferenças dos particulares sejam universalmente respeitadas e aceitas.
Apesar disso, uma postura puramente liberal acerca da identidade e da diferença não basta, é
necessário um desenvolvimento intelectual sobre tema visando a construção de uma teoria que torne
a relação com este não apenas uma postura de reconhecimento social ou aceitação, mas de uma
verdadeira compreensão que possibilite uma problematização desta questão na esfera da política, da
interação social e da prática pedagógica.

Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS


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Identidade, diferença e colonialidade: Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

Para Thomas, uma educação crítica deveria ir além do abraçar ou negar as identidades,
sejam elas liberais da pós modernidade ou dogmáticas do tradicionalismo, a educação crítica
deveria orientar a juventude para uma compreensão das relações de poder que permeiam o processo
de construção de identidades para que estes jovens tenham a capacidade de escolher livremente
sobre si mesmos e sobre o modo como irão operar no mundo e operar o mundo, podendo escolher
ceder ou subverter às identidades que lhe são impostas.

Se prestarmos, pois, atenção à teorização cultural contemporânea sobre identidade e


diferença, não poderemos abordar o multiculturalismo em educação simplesmente como
uma questão de tolerância e respeito para com a diversidade cultural. Por mais edificantes e
desejáveis que possam parecer, esses nobres sentimentos impedem que vejamos a
identidade e a diferença como processos de produção social, como processos que envolvem
relações de poder. Ver a identidade e a diferença como uma questão de produção significa
tratar as relações entre as diferentes culturas não como uma questão de consenso, de
diálogo ou comunicação, mas como uma questão que envolve, fundamentalmente, relações
de poder. A identidade e a diferença não são entidades preexistentes, que estão aí desde
sempre ou que passaram a estar aí a partir de algum momento fundador, elas não são
elementos passivos da cultura, mas têm que ser constantemente criadas e recriadas. A
identidade e a diferença têm a ver com a atribuição de sentido ao mundo social e com
disputa e luta em torno dessa atribuição.
(Tomaz Tadeu, 2000,página 96)

Além desse poder de escolha que uma pedagogia crítica sobre a identidade e a diferença
pode fornecer, ela também é capaz de preparar o aluno para a compreensão que a diferença não
apenas existe, como ela é inevitável, e sendo inevitável não podemos negá-la, mas descobrir
maneiras de conviver com ela. A diferença irá se apresentar por toda vida do indivíduo, seja na
escola, na família, no trabalho ou até mesmo percebendo que num contexto geral ele próprio escapa
a normatividade. Trazer ao estudante a perspectiva que as diferenças e as identidades são
construídas socialmente e que estabelecem relações de poder que não são naturais, mas artificiais,
permite a esse sujeito a percepção de que sua possível reatividade a essa diferença é também
artificial, possibilitando a ele um convívio pacífico e saudável com um outro que performa outra
sexualidade, outro gênero, outra etnia, outra cor, outra religião e etc. Quando o educador ignora a
necessidade dessa abordagem crítica, ele abre espaço para “conflitos, confrontos, hostilidades e até
mesmo violência”(Tomaz Tadeu, 2000,página 97), conflitos que jamais poderão dar cabo da
existência do diferente, mas faz com que esse diferente sempre reapareça “reforçado e
multiplicado”8.
Dando ao estudante o saber que a diversidade das identidades são construções artificiais e
que não há uma identidade essencial e apriorística, mostrando a ele o modo como essas identidades
foram sendo construídas e reconstruídas ao longo do tempo em diferentes culturas, lhe daria a
percepção de que não há e nunca houve uma identidade natural e imutável, e portanto, o que seria

8
Tomaz Tadeu, 2000,página 97
Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS
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Identidade, diferença e colonialidade: Uma pedagogia crítica para além de uma aceitação dogmática do identitarismo

permanente seria nossa construção de identidades e de mudanças de significados para essas


entidades, vendo na diferença não uma anomalia, mas um processo que é esse sim natural e não
artificial, e não apenas natural como necessariamente irrefreável.
Pela pedagogia crítica, se torna possível também a compreensão que o lugar que ocupamos
na sociedade muitas vezes nos é imposto por outros e que muitas das nossas dificuldades ou muitos
dos processos de desumanização os quais passamos, como por exemplo a insegurança social e a
insegurança alimentar, que atinge principalmente pessoas que fenotipicamente representam a
identidade dos povos colonizados, foi construído artificialmente e não se trata de uma realidade
natural, essencial e intransponível. Capacita o estudante a reconhecer a persona que performa no
mundo e os espaços em que suas performances são possíveis, como algo muitas vezes
anteriormente construído por outros, construído visando a manutenção de um status quo que
constrange e exclui às classes mais pobres da sociedade tendo um peso maior sobre as identidades
marginalizadas dos negros, mulheres e outras minorias, que são tomados pela diferença, pelo outro,
pelo inferior. A partir do reconhecimento dessas identidades e desses processos, cria-se a
possibilidade de um escape ou de uma mudança, permite ao jovem uma produção de si mesmo, uma
produção desamarrada das correntes da colonialidade e da submissão.

Bibliografia:
JARDILINO, José Rubens Lima e ARANGO, Diana Elvira Soto. Paulo Freire e a Pedagogia
Crítica: seu legado para uma nova pedagogia do Sul. Revista Ibero-Americana de Estudos em
Educação, Araraquara, v. 15, n. 3, p. 1072-1093, jul./set. 2020.
lergeo.fflch.usp.br/1928-2018-anibal-quijano
QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina. Editora CLACSO.
Buenos Aires. 2005.
QUIJANO, Aníbal. "Colonialidad y Modernidad-racionalidad". In: BONILLO, Heraclio (comp.).
Los conquistados. Bogotá: Tercer Mundo Ediciones; FLACSO, 1992, pp. 437-449. Tradução de
wanderson flor do nascimento.
SILVA, Thomas Tadeu. A produção Social da Identidade e da Diferença. Editora Vozes LTDA.
Petrópolis. Rio de Janeiro. 2000.
www.gov.br/cnpq/pt-br

Vinicius Pimentel Ferreira, estudante de especialização em Filosofia pela UEFS


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