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As vítimas esquecidas dos erros médicos

Esta reflexão incide sobre a ética e direito e deontologia médico. Dissertarei


sobre o erro médico, assunto que despertou a minha curiosidade depois de ler
fatos vinculados pela comunicação social. Tive interesse em pesquisar sobre
este assunto para descobrir o porquê desses erros e, se possível, como evitá-
los, visto que os resultados dos mesmos podem afetar temporária ou
permanentemente a vida das pessoas. Para além da dimensão humana que o
problema acarreta, há também a credibilidade de profissionais e instituições em
causa.

Quando falamos do erro médico temos de ter em conta três conceitos: a


imperícia, a imprudência e a negligência médica. Na verdade, há uma linha
muito ténue a separar estes três conceitos.

Imperícia médica: o médico imperito é aquele profissional que não possui


conhecimento técnico, teórico e prático para executar determinado
procedimento médico.

Imprudência médica: o médico imprudente é aquele que age sem sensatez,


não se preocupa com as consequências de seu ato. Nesse caso, o profissional
tem total conhecimento sobre o risco do ato, mas ignora a ciência médica e
toma a decisão de agir sem ter em conta os diversos procedimentos.

Negligência médica: quando são violadas as regras de segurança ou quando o


médico falta à sua obrigação de tratar, podendo fazê-lo.

Erro médico é assim a falha do médico no exercício da sua profissão. É


portanto, um mau resultado ou evento adverso decorrente da sua ação ou
omissão, por incumprimento de procedimentos técnicos, estando o médico no
pleno exercício das suas faculdades mentais. Excluem-se as limitações
impostas pela própria natureza da doença, bem como as lesões produzidas
deliberadamente para tratar um mal maior.

No início, a Medicina assentava em valores simples: fazer o bem, não fazer o


mal, confidencialidade, paternalismo e um espírito caritativo, tudo isto baseado
na confiança. Mas, atualmente, assistimos a uma mudança de paradigma. Hoje
em dia não bastam as competências profissionais e técnicas, são necessárias
capacidades de comunicação e uma atitude orientada para o trabalho em
equipa. A relação médico doente também mudou. No passado o médico tinha
uma posição predominante. Hoje, o doente é um consumidor que tem ao seu
dispor muita informação, que não se traduz necessariamente no aumento da
literacia em saúde, o que acarreta sérios problemas.
No entanto, qualquer insatisfação dos utentes em relação a atos médicos tende
a ser descrita por estes como «erro médico». Mas, para que haja erro médico
ele tem, necessariamente, de ser enquadrado em alguma das características
referidas anteriormente.

Alguns fatores como os fisiológicos, ambientais e psicológicos também


contribuem para a ocorrência de erros, assim como a falta de mecanismos que
diminuam a sua ocorrência, ou que impeçam o erro antes de chegar ao
consumidor final (o utente). Ou seja, trabalha-se com a premissa de que o
profissional de saúde não comete erros e, portanto, não se criam mecanismos
de prevenção e correção.

É importante então, haver uma mudança de paradigma curricular na formação


dos médicos permitindo simulações de situações clínicas com o objetivo de
minimizar o erro, tanto no diagnóstico como no tratamento.

Perante todos estes factos, como poderemos nós médicos contribuir para
minimizar este problema que na maioria das vezes são manchetes de jornais e
aberturas de telejornais, pondo em causa um grupo profissional e instituições.

Não é fácil assumir o erro e isso é um grande entrave para ter consciência do
problema. O erro é inerente ao ser humano, no entanto, diminuir o seu impacto
requer da nossa parte a aceitação da sua existência. Não é uma tarefa fácil
porque isso acarreta medo, culpa, humilhação, condenação, tendo um impacto
emocional muito grande, vivenciado muitas vezes de forma solitária. A
tentação de encobrir ou negar o erro é grande, visto que ninguém gosta de ser
taxado de incompetente. Se houver aprendizagem resultante de um erro, será
sempre individual, devido à falta de cultura de assumir o mesmo,
impossibilitando assim a partilha de experiências e busca de soluções para
minimizar ou reduzir os erros.

As tentativas de controle e prevenção de erros na prática médica na maioria


das instituições não é gerida adequadamente, O controle e prevenção
baseiam-se no «policiamento», em censuras e punições.
Se partirmos do princípio de que errar é humano teremos uma abrangência
mais sistêmica do problema, e uma visão mais ampliada das situações ou do
conjunto de circunstâncias que permitiram o erro. Esta seria com certeza a
forma mais eficiente de preveni-lo ou evitá-lo.

Alguns estudos revelam várias razões pelas quais os profissionais não


comunicam os seus erros aos utentes justificando da seguinte forma: evitar o
aumento de ansiedade no utente, evitar a diminuição da confiança do utente no
seu médico, além da possibilidade de enfrentarem um processo judicial, sem
esquecer da exposição pública que, pessoalmente, é um grande fator
intimidatório.
Há quem defenda também que é obrigação do médico que lesa o seu cliente
retratar-se, pedindo desculpas e em alguns casos indemnizar o lesado. Admitir
o erro não deve ser apenas uma questão ética, mas um requisito prático para a
prevenção de futuros erros.

A atividade médica pressupõe a interação entre pessoas, já a boa prática


médica caracteriza-se pelo equilíbrio entre o conhecimento científico, a
tecnologia disponível e o relacionamento entre médico e utente. No entanto, o
erro médico é visto como um erro pessoal dando uma visão indidualizada do
problema, mas este deve ser abordado de forma sistémica isto é, deve ser
visto como resultado de vários fatores e, ao invés de adotar uma politica de
punição e julgamento em praça pública de quem o cometeu, seria mais
benéfico construir mecanismos de prevenção capazes de detetá-lo
antecipadamente para evita-lo ou diminuir o seu impacto, esta é a versão
defendida por vários estudiosos que se debruçam sobre este assunto.

Após pesquisa, verifiquei que existe pouca informação produzida em Portugal


por médicos, que deveriam ser os mais interessados no assunto, não sabendo
assim em concreto qual a realidade portuguesa nesta área a não ser quando o
assunto passa para os meios de comunicação social, quer por informação geral
como a noticia no DN, que levou a esta minha inquietação, quer quando o tema
se torna litigioso e provoca polémicas, além disso existe muita informação
sobre o assunto produzida por advogados.

Seria pertinente investigar esta área para conhecer a real dimensão do


problema e trabalhar na prevenção. O erro médico deve ser encarado como
parte integrante de um sistema e não de um individuo em particular, para que
se possam criar mecanismos e formas eficazes de abordá-lo. Estimular a
mudança de cultura na formação para que o erro seja encarado com
maturidade, dando condições para o profissional envolvido reporte os seus
erros em vez de omiti-los. Esta forma atual de combater o erro médico baseado
na vigilância e identificação do infrator, a meu ver, é uma forma de perpetuar o
mesmo, conduzindo a novos erros devido ao aumento de stress no local de
trabalho, encorajando a desonestidade técnica e intelectual manobras para
imputar responsabilidade aos outros, esconder os erros perdendo a noção das
consequências. Em stress, a condição física e psicológica do médico é afetada
tendo repercussão na produtividade, na eficácia, na saúde do próprio e na
qualidade do trabalho prestado.

É necessário que se dê maior atenção ao erro médico e que se proceda a


elaboração de um método eficaz de quantificar a sua ocorrência para definir
ações que visem tratar a convivência médica com a sua ocorrência. Os
profissionais de saúde devem reconhecer que são passíveis de erros e assim
tomarem medidas de prevenção da ocorrência dos mesmos, com vista a
minimizarem danos tanto para os próprios como para o utente. A formação
contínua será também um fator a ter em conta pois permitirá a atualização e
aquisição de conhecimentos. Creio também que, face ao erro médico e suas
consequências, haverá interesse em aumentar o empenho cientifico na
pesquisa e busca de soluções que reduzam o seu impacto, o que beneficiará
todos os envolvidos.

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