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SNC WALTER BUCKLEY

A SOCIOLOGIA
E A MODERNA TEORIA
DOS SISTEMAS

Tradução de
Ocravio MENDES CAJADO

rp

EDITÓRA CULTRIX
EDITÓRA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO
Título do original:

SOCIOLOGY AND THE MODERN SYSTEMS THEORY

Original English languagem published by Prentice-Hall


Inc, Englewood Cliffs, New Jersey, USA. O 1967 by
Prentice-Hall, Inc.

Revisão técnica da tradução:


Pror. GaBriEL COHN
(do Departamento de Ciências Humanas da Faculdade A minha mãe e à memória
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP)
de meu pai
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5 com exclusividade pela..
EDITORA CULTRIX LIDA,
nua Conselheiro Furtado, 648, fone 278-4811, S. Paulo
que se reserva a propriedade literária desta tradução

Impresso no Brasil
Printed in Brazil
ÍNDICE

PREFÁCIO 11

1 INTRODUÇÃO 1
Plano dos Capítulos 19

2 MODELOS DE SISFEMAS SOCIAIS

O Modelo Mecânico 24
O Modêlo Orgânico 28
O Modêlo de Processo 37
Os modelos de Parsons e Homans 44
O modêlo parsoniano de equilíbrio-função, 45. O modêlo
do equilíbrio de Flomans, 55.
A Perspectiva Geral dos Sistemas

3 SISTEMAS

Sistemas e Entidades 69
Sistemas Comparativos 74
Partes do sistema: do simples ao complexo, 75. Relações
sistêmicas: dos elos de energia aos elos de informação, 75.
Dos sistemas fechados aos abertos, 81. À tensão do sistema,
82. Realimentação e sistemas intencionais, 83. Morfostase
e morfogênese, 92
Um Modêlo Abstrato de Morfogênese 97
O Problema da Causalidade na Teoria Social 102

4 A ORGANIZAÇÃO E SUA GÊNESE:


1 — ATOS E INTERAÇÕES 123
Organização e Informação 124
A teoria da informação, 128. Ilustração empírica, 135.
Sociedade: Uma organização de significados, 138.
Ação e Interação: A Dinâmica da Morfogênese 141
O “Ato”, 141. O campo interacional: um sistema diná-
mico, 149. A teoria da troca, 156. O modêlo A-B-X de
Newcomb, 167. A teoria interpessoal da personalidade, de
Secord e Backman, 171. A teoria comportamental da
comunicação, de Ackoff, 177.

5 A ORGANIZAÇÃO E SUA GÊNESE:


PREFÁCIO
2 — PAPÉIS E INSTITUIÇÕES 185
O Processo Morfogênico: Considerações Gerais 186
A Institucionalização 190 Êste livro pretende ser um esbôço exploratório de uma
Comportamento Coletivo e Institucionalização 198 perspectiva científica e de um quadro de referência con-
ceptual revolucionários aplicáveis ao sistema sociocultural.
Modelos de Institucionalização Baseados na Troca e na Êsse ponto de vista e o quadro de referência ainda em
Negociação 199 desenvolvimento, como aqui são interpretados, decorrem do mo-
A Teoria da Institucionalização de Homans 203 vimento de Pesquisa Geral dos Sistemas e dos campos ora
O Modêlo de Institucionalização de Blau 207 intimamente ligados à Cibernética e à teoria da informação ou
Modelos do Processo Institucional 209 comunicação. O objetivo principal do livro é chamar a atenção
A concepção da criação do papel, de Turner, 210. O de um número maior de cientistas sociais, principalmente soció-
processo institucional como “Ordem Negociada”, 215, logos, para a riqueza de princípios, idéias e discernimentos que
O processo institucional como solução da tensão de papel, já propiciaram um grau mais elevado de ordem científica e com-
218. Dois estudos ilustrativos, 222. Conclusões, 229.
preensão a muitas áreas da Biologia, da Psicologia e de algumas
ciências físicas, para não falarmos nas áreas aplicadas da tecno-
6 O CONTROLE SOCIAL: logia, a que êles são essenciais.
O COMPORTAMENTO ABERRANTE, O PODER A moderna concepção dos sistemas, que floresceu durante a
E OS PROCESSOS DE REALIMENTAÇÃO 233 Segunda Guerra Mundial (embora baseada em princípios conhe-
O Contrôle Social cidos muito antes), já produziu os seus primeiros frutos e corte
235
O Comportamento Aberrante o risco de ser superficialmente aceita no corpo da Sociologia
238 mediante a incorporação de parte do seu vocabulário, hoje comum.
O Contrôle Realimentativo da Busca Social de Metas 246 Muito pouco do fermento intelectual que ela ocasionou penetrou
Poder, Autoridade e Legitimidade 251 a Sociologia, embora existam sinais recentes de movimentos dessa
Metas de Grupo, Poder e Burocracia 264 natureza. Espera-se que a discussão subsequente venha a estimular
Subtipos de Poder e Autoridade 272 o desejo de explorar em profundidade têrmos como “entrada”
(input), “saída” (output), “realimentação” (feedback), “limi-
BIBLIOGRAFIA SELETIVA 295 te” (boundary) e “sistema” (system). Eu, particularmente, me
interessei pela possibilidade de que o emprêgo ora normal da
noção de “sistema social” — derivada sobretudo dos modelos do
equilíbrio e organísmico — nos esteja levando enganosamente a
acreditar que já vínhamos usando por algum tempo a moderna

1
“teoria dos sistemas. Êste livro, com efeito, nasceu de uma ções e muitos princípios que patecem subjacentes à pesquisa
percepção das impropriedades dos modelos do equilíbrio mecá- contemporânea. Em outras palavras, procuro dissipar a impres-
*

nico e organísmico, assim como da crença de que a pesquisa são de que a moderna teoria dos sistemas, incluindo a Ciberné-
moderna dos sistemas pode proporcionar a base de um quadro tica e a teoria da informação, está tão “distante” que a sua
de referência mais capaz de fazer justiça às complexidades e pro- articulação com a Ciência Social pertence ao futuro remoto e não
priedades dinâmicas do sistema sociocultural. se podem esperar vantagens imediatas da tentativa de aplicá-la à
Isso traz à baila a questão do papel dos esquemas de refe- investigação corrente. Por “aplicar” quero dizer estudar a lite-
rência teóricos ou perspectivas na estruturação da investigação ratura suficientemente a sério para absorver-lhe as idéias, princi-
científica — na seleção das nossas suposições, metáforas, analo- pios e modelos em nosso mapa cognitivo, de modo que possamos
gias e modelos e, portanto, na pré-formação das nossas observa- perceber e estruturar o nosso tema em função dela. Em face das
ções e da maneira pela qual as conceptualizamos. No meu en- nossas predileções e dos nossos investimentos intelectuais ante-
tender, mostramos pouca fé nos princípios sugeridos pela nossa riores, isto não é fácil, mas o resultado talvez justifique o tempo
própria sociologia do conhecimento, e menosprezamos o papel e a energia que empregarmos na tarefa.
dos quadros de referência ou modelos teóricos gerais. Assim Êste livro foi escrito, em primeiro lugar e principalmente,
como alguns acreditam numa percepção irrepreensível de acon- como contribuição à ciência da sociedade, mas também se aten-
tecimentos “lá fora”, outros julgam possível construir uma teoria tou para a sua utilização pelo estudante adiantado. Dessarte se
dedutiva, lógicamente sistemática, livre de qualquer perspectiva repetem, mais do que seria necessário, os resumos de idéias e
orientadora explícita ou implícita, de qualquer modêlo ou filo- princípios importantes, e fornecem-se alguns antecedentes ou ma-
sofia. O trabalho científico, analiticamente falando, se processa teriais introdutórios às áreas centrais da Pesquisa Geral dos Sis-
em três, e não dois, níveis distinguíveis: além da pesquisa empf- temas, da Cibernética e da Teoria da Informação, que serão des-
rica e da teoria lógico-dedutiva, temos os quadros de referência, necessários e quiçá excessivamente simplificados ao estudioso
os modelos, as filosofias, igualmente importantes, embora de- mais informado. Entretanto, o livro não pode ser considerado
masiado implícitas, que informam nosso enfoque dos dois pri- como introdução adequada à ampla e volumosa literatura dos
meiros. Entendo que o tema do livro é especialmente sensível a campos do que hoje denominamos a moderna teoria dos sistemas.
considerações dêsse jaez, e o leitor deve estar preparado pata É sempre difícil fazer justiça às numerosas fontes de inspi-
enfrentar a questão em diversos pontos ao longo do caminho.
ração, apoio intelectual e ajuda concreta que contribuem para um
Não posso prometer-lhe argumentos definitivos, mas procuro
livro cuja feitura se prolonga por três anos ou mais. Particular-
transmitir a minha convicção de que o moderno enfoque dos
mente importantes na fase formativa foram as discussões e estu-
sistemas tem uma contribuição significativa para dar à teoria e
dos informais com Tamotsu Shibutani e Thomas J. Scheff, que
à pesquisa do sistema sociocultural, ainda que não seja em si ainda despenderam tempo lendo um rascunho do manuscrito e
mesmo uma teoria dedutiva nem possa ainda contar com vasto fazendo comentários importantes. Grande também é a minha
corpo de pesquisas em seu apoio. Isto, portanto, serve para dívida para com Aaron Cicourel, pela sua crítica construtiva do
advertir o leitor de que não encontrará aqui uma nova teoria manuscrito e pelas páginas de valiosos comentários, que foram
sociológica no sentido mais rigoroso do têrmo. Verificará, toda- muito além de qualquer obrigação. Valiosas sugestões me che-
via, que certo número de teorias atuais de nível médio, delinea-
garam de estudantes graduados e não graduados, que responde
das nos três últimos capítulos do livro, dão vigorosamente a
ram a parte do material apresentado em minhas aulas de Sociolo-
entender que a teoria moderna dos sistemas não difere radical- gia e em discussões informais; desejo agradecer em particular
mente do trabalho pioneiro atualmente realizado, nem é estranha aos estudantes graduados John Walton e John Shiflett a paciente
a êle, e pode tornar mais explícitas e sistemáticas muitas suposi- atenção que dispensaram ao manuscrito completo e por me con-
12 13
cederem várias horas de proveitosa discussão do seu conteúdo.
Confesso-me grato pela maneira profissional por que a Srta. Glo-
ria Nakagawa me auxiliou na pesquisa de bibliotecas, decifrou
meus garranchos e passou e repassou à máquina o grosso do ma-
nuscrito, e às senhoras do departamento de Sociologia da Uni-
versidade da Califórnia, Santa Bárbara, que surgiram no momen-
to mais crítico para ajudar a completar o rascunho final. Por
fim, desejo expressar o meu agradecimento pelo apoio que me
prestou o Comitê de Pesquisa daquela Universidade. INTRODUÇÃO
W. B
Pode-se notar, parafraseando Whitehead, que a teoria so-
ciológica tem vivido, há algum tempo, do capital intelectual de
séculos anteriores. Isto ajuda a explicar o fato de a grande
massa de pesquisa empírica no campo da Sociologia, realizada nas
últimas décadas, ter-se inspirado pouco na perspectiva teórica
dominante atualmente em voga, a saber, aquela a que os autores
variamente se referem como teoria do equilíbrio, do consenso
ou funcional, e ser ainda menos cumulativa do que ela. E tam-
bém sustenta o côro bastante grande de críticos e céticos dos
últimos anos em relação a essa teoria. De acôrdo com o tema
central dêste livro, a dificuldade reside, fundamentalmente, no
fato de ser a atual teoria dominante edificada sôbre modelos de
sistema mecânico e orgânico (ou mais exatamente, organísmico),
formulados durante os séculos anteriores e totalmente inadequa-
dos ao tratamento do tipo de sistema representado pela esfera
sociocultural 1 Embora seja mais do que óbvio, depois de pro-
clamado, que os sistemas socioculturais exibem traços funda-
mentais únicos em relação aos sistemas físicos e aos organismos
biológicos, ainda persiste a questão dos motivos por que as nos-
sas teorias dos primeiros continuam a valer-se de estéreis analo-
gias com os últimos. As respostas infelizes envolvem, indubitã-
velmente, o grande sucesso e prestígio das ciências físicas e as
semelhanças e afinidades sedutoras, não raro superficiais, entre

1
Empregaremos o têrmo “sociocultural” em todo o correr do livro
para tornar explícita a diferença entre o nível humano de organização e o
nível inferior, meramente “social”, de certas espécies de anímais ou de
insetos.

15
as esferas biológica e social, desenvolvidas por intelectos de ou- esfôrço só pode ser visto como tentativa e sondagem, na
tras eras, respeitáveis porém amiúde grosseiramente inexatos. esperança de que um número maior de sociólogos lhe teco-
A partir da Segunda Guerra Mundial se registrou ponderá- nheça as possibilidades, tire proveito dos nossos erros e leve
vel fermentação nas outras ciências, que está conduzindo ao adiante a tarefa.
ponto decisivo certo número de mudanças gerais de perspectiva, Cumpre dizer, de início, que êste não é um ensaio de crítica
cujo princípio data, pelo menos, do início do século. Referimo- definitiva da atual teoria dos sistemas em tôdas as suas esparra-
-nos aos desenvolvimentos, intimamente relacionados entre si, madas ramificações, mas uma ênfase seletiva dada às contribui-
que se processam sob o nome de Cibernética, teoria da informa- ções de significação potencial para a perspectiva sociológica. Além
ção e da comunicação, pesquisa geral dos sistemas, etc. O pro- disso, enfatiza-se a extração de princípios e suas implicações, com
gresso dêles assinala a transição de uma preocupação pela substân- o consegiente desinterêsse por técnicas e instrumentos mais es-
cia eterna e pela dinâmica da transformação da energia para uma pecializados, como as técnicas matemáticas da teoria da “infor-
focalização da organização e da sua dinâmica, baseada nos efeitos mação” (isto é, do sinal) ou da teoria do “jôgo” (isto é, do re-
“deflagradores” da transmissão da informação. Aqui se há de sultado). Por outro lado, não podemos ignorar a significação
encontrar o segrêdo que distingue a matéria viva da inanimada, de processos, como a análise do processo estocástico, ou as
os processos adaptativos, morfogênicos, dos processos equilibra- técnicas não numéricas da teoria dos conjuntos, da “nova
dores, entrópicos. Tanto a Sociologia quanto a moderna teoria matemática”, para a análise de certos tipos de fenômenos
dos sistemas estudam muitos problemas científicos em comum: sociológicos.
os todos e a maneira de lidar com êles como tais; a análise geral
da organização — as relações complexas e dinâmicas das partes,
Finalmente, talvez convenha tentar afastar, desde já, a crí-
tica provável de muitos sociólogos e outros no sentido de que,
sobretudo quando as partes são elas próprias complexas e mutá- embora tenhamos escapado corretamente às analogias físicas mais
veis e as relações não são rígidas, senão simbôlicamente processa-
velhas, estamos a pique de mergulhar numa orgia de analogismos
das por mediação, frequentemente circulares e com muitos graus
através da Cibernética, da teoria da transmissão do sinal e de
de liberdade; problemas de intercâmbio íntimo com o meio,
busca de metas, contínua elaboração e criação de estrutura, ou
outras disciplinas de “ciências exatas” do mesmo gênero. Acre-
ditamos haver aqui uma grosseira incompreensão da própria
de evolução mais ou menos adaptativa; mecânica do “contrôle”,
significação fundamental dêsses recentes desenvolvimentos, que
da auto-regulação ou autodireção. só pode ser esclarecida mediante extensa e favorável considera-
O potencial interdisciplinar generalizador e integrador dessa ção. Aqui só podemos expor brevemente nossos argumentos.
teoria dos sistemas mais recente tem sido amplamente aceito e À parte o fato de que o analogismo cauteloso
sempre foi
utilizado em todos os principais campos científicos, mas a Socio- básico para o progresso científico, existe uma diferença entre
logia permaneceu virtualmente imune a êle. Por outro lado, se raciocinar por analogia e discernir semelhanças fundamentais de
bem êle tenha propiciado alguns resultados significativos a umas estrutura (a não ser que definamos tão amplamente a analogia
poucas áreas específicas da ciência, será provivelmente justo di- que a façamos sinônima de teoria científica, como o fizeram al-
zer-se que a plena extensão das suas promessas continua a ser guns). Como afirmou Abraham Kaplan:
uma questão aberta. Tenciona o presente volume investigar os
ptincípios e métodos da moderna pesquisa de sistemas como Trabalhando com êsses conceitos de comunicação e contrôle, a
base de um modêlo ou quadro de referência teórico mais ade- Cibernética se torna relevante para o estudo do homem porque há
em muitos sentidos um paralelismo entre o comportamento humano
quado à análise do sistema sociocultural. Operamos com o e as máguinas de comunicação. Esse paralelo não é simples metá-
pressuposto de que êsse modêlo nôvo e mais viável evolui- fora, pois consiste numa semelhança de estrutura entre os processos
rá finalmente do enfoque moderno dos sistemas, e o nosso da máquina e os do comportamento humano. A continuidade dar-

16 17
winiana entre o homem e o resto da natureza atinge agora a sua a teoria dos “autômatos” de
plenitude... Tendo como chaves a comunicação e o contrôle, tam-
ticos — a “máquina de Turing”, *

bém se pode reconstituir uma semelhança de estrutura entre o in- John van Neuman, º ou a teoria geral da “Máquina de Ashby” 5
divíduo... e a sociedade... Pode-se dar agora uma interpretação — visto que o principal interêsse se concentra em modelos de
literalista à metáfora de Platão e Hobbes. 2 organização suficientemente gerais e complexos, embora cons-
truídos de unidades simples, para abarcar sistemas de comporta-
Para levar mais adiante o argumento, o crítico inadvertida- mento de qualquer tipo — físicos, biológicos, psicológicos ou
mente invoca as eternas diferenças substantivas entre tipos de socioculturais. Repetindo, basear o nosso ceticismo em alguma
sistemas, passando por alto o ponto principal anteriormente men- diferença inerente “substantiva” entre tais sistemas é retroceder
cionado, segundo o qual a concepção mais recente dos sistemas para uma posição filosófica mais antiga e não perceber o ponto
se baseia na percepção de que a chave das diferenças substanti- principal da tendência científica atual.
vas dos sistemas reside na maneira pela qual são organizados, nos
mecanismos e na dinâmica particulares das inter-relações das
partes e do meio. Dessa maneira, passamos a compreender, em Planos dos capítulos
princípio, as espécies particulares de mecanismos ou conexões
internas das partes que precisam sustentar todo comportamento O próximo capítulo prepara a cena com breve discussão do
de busca de metas, ou intencional, quer da máquina, quer do emprêgo de modelos mecânicos e orgânicos, bem como da pers-
homem, quer do grupo (pôsto que o autor afirme que disso não pectiva antagônica “de processo”, em Sociologia. A atual pre-
se segue, necessáriamente, que as máquinas cibernéticas tenham ponderância dos modelos mecânicos e orgânicos é então delineada
seus próprios objetivos ou que os computadores pensem, de fato, mediante uma comparação crítica das estruturas teóricas de dois
num sentido plenamente psicológico). Nessas condições, uma distintos teoristas, George C. Homans e Talcott Parsons. Exa-
das metas principais do movimento de Pesquisa geral dos Siste- minam-se as deficiências dêsses pontos de vista em função do
mas é descobrir precisamente tais semelhanças estruturais e as colapso dos modelos subjacentes em face dos focos persistentes
diferenças estruturais entre tipos de sistemas que diferem de problemas da Ciência Social: o conflito e o dissenso estrutu-
“substantivamente”. ralmente provocados e mantidos; a característica de elaboração
Releva não esquecer que os empréstimos e analogismos en- de estrutura e mudança de tôdas as sociedades; o status teórico
tre as ciências do comportamento e as ciências físicas nunca fo- do comportamento “coletivo” menos estruturado como aspecto
ram uma prática unilateral, e que a Cibernética e a teoria da negligenciado, mas importante, do sistema social; o status sistê-
informação em particular têm-se inspirado em pistas importantes mico do “comportamento aberrante” do “contrôle social”; e
recebidas por empréstimo, especificamente, de princípios do com- outros. Remata o capítulo breve exame do enfoque mais recente
portamento, que elas, em seguida, sistematizaram em função dos dos sistemas como base potencial de um modêlo de sistema socio-
mecanismos estruturais envolvidos. De mais a mais, não foi à cultural mais viável.
toa que o falecido Norbert Wiener, grande pioneiro nessas áreas,
escolheu a análise da sociedade como veículo para apresentar ao 4 AM Turing, “On Computable Numbers, with an Application to
público a sua concepção cibernética. * E não devemos deixar-nos the Entscheidungsproblem”, Proceedings of the London Mathematical So-
iludir pelo emprêgo freguente na literatura de têrmos mecanis- ciety (Série 2), 42 (1937), 230.65.
5 John von Neumann, “The General and Logical Theory of Auto-
mata”, em Cerebral Mechanisms in Bebavior: The Hixon Symposium, org.
2 Abraham Kaplan, “Sociology Learns the Language of Mathematics”,
por Lloyd A. Jeffress (Nova Iorque: John Wiley & Sons, Inc, 1959),
Commentary, 14 (1952), 274-84. pp 131
3 Norbert Wiener, The Human Use of Human Beings (Garden City, e W Ross Ashby, Au Introduction to Cybernetics (Nova Iorque:
Nova Iorque: Doubleday & Company, Inc., 19534), John Wiley & Sors, Inc, 1956).

18 19
ma sociocultural (e os nossos instrumentos de pesquisa se limi-
No terceiro capítulo examinamos o conceito de “sistema”
tam atualmente, em grandíssima parte, a tais relações), precisa-
com rápidas incursões pelas áreas de problemas da “totalidade”,
dos graus de “sistematicidade” (Csystemness”) ou de “enticida- mos ao menos começar a preocupar-nos com o problema de lidar
com êsses tipos de relações como “funções escalares” (“step-func-
de” (“entivivity”) e do problema ontológico. O nosso interêsse
tions”), “precipitantes”, “mecanismos amortecedores”, inter-re-
principal, entretanto, não se refere à discussão mais abstrata e
fregientemente ociosa das características comuns a qualquer sis-
lações complexas de realimentação positiva e negativa, etc. Suge-
te-se a relevância para a Sociologia de algumas técnicas analíticas
tema, senão à caracterização relativa dos traços principais que da teoria dos sistemas, tais como a lógica matemática das rela-
distinguem os sistemas mecânicos, orgânicos e socioculturais, nu-
ções como instrumento de análise da estrutura per se e a análise
ma tentativa de precisar a maneira pela qual os modelos mecâni-
estocástica de certos processos complexos de sistemas. Neste
cos e orgânicos são inadequados à análise dos sistemas sociocul-
turais e ensejar pontos mais particulares de ataque ao desenvolvi- particular, uma preocupação importante se resume em promover
a consciência da possibilidade de que o cálculo superior e a aná-
mento de um modêlo mais nôvo. Por exemplo, interessa-nos o
lise fatorial sejam não só os únicos mas também os melhores
fato de que um sistema físico isolado passa tipicamente ao seu
estado mais provável de organização mínima (equilíbrio), e de instrumentos que se podem prever para a futura Sociologia, e
de que a matemática não é, de maneira alguma, sinônimo de
que os sistemas orgânicos (ou mais exatamente, os sistemas orga-
nísmicos) operam caracteristicamente no sentido de manter uma manipulação de números e mensuração numérica.
estrutura específica, genêticamente dada, dentro de limites bem Uma das percepções centrais que derivam das discussões no
definidos (homeostase), ao passo que os sistemas nos níveis filo- terceiro capítulo é que um sistema como reunião contínua, man-
genéticos, psicológicos mais elevados e socioculturais se caracte- tenedora de limites e variamente relacionada, de partes, não se
rizam principalmente pelas suas propriedades morfogênicas. Isto deve confundir com a estrutura ou organização que possam assu-
é, êstes últimos se distinguem precisamente porque, em lugar de mir seus componentes em qualquer momento determinado. No
minimizar a organização ou preservar uma estrutura fixa, êles capítulo 4 examinamos o conceito geral de estrutura e as caracte-
tipicamente criam, elaboram ou mudam a estrutura como pré-re- rísticas que a distinguem em diferentes tipos de sistemas. De
quisito para permanecerem viáveis como sistemas operantes. acôrdo com um ponto anterior, segundo o qual a ciência mo-
Interessa-nos compreender o que é que há nos sistemas adapta- derna se passou do interêsse pela substância e pelas “qualidades”
tivos complexos — como aludiremos a êles com fregiiência — relativamente estáveis para a análise de uma estrutura mais mó-
que lhes dá essa capacidade. A nossa investigação nos conduz vel nas relações das partes, focalizamos a natureza particular-
a um exame dos princípios cibernéticos de contrôle, realimenta- mente fluida da estrutura dos sistemas socioculturais e a tênue
ções positivas e negativas, processamento da comunicação e da linha divisória conceptual entre essa “estrutura” e o que se deno-
informação, busca de metas, autoconsciência e autodireção, etc. mina “processo”, Investigam-se as perspectivas da teoria da in-
Além disso, consagramos algum espaço às questões metodológi- formação e da Cibernética acêrca da estrutura e do processo em
cas que surgem, em particular a uma discussão dos métodos conjunto com uma tentativa de esboçar os alicerces para um
causal, teleológico ou funcional, e cibernético de enfoque da aná- modélo generalizado do processo morfogênico ou de elaboração
lise do sistema adaptativo complexo. da esttutuia, que se vê operar nos sistemas sociais adaptativos
complexos, começando com a conceptualização do “ato” e o pro-
Outras questões metodológicas são aqui (e mais adiante)
cesso básico de interação.
suscitadas quando se assinalam os muitos tipos diferentes de
relações entre as partes que se encontram nos sistemas adaptati- Estribados numa concepção dinâmica e interativa ou tran-
sacional da associação humana, implícita na noção de “estrutura
vos complexos. Além das relações, ou correlações, mais simples
de causa e efeito entre elementos ou acontecimentos num siste- social”, tentamos sistematizar, no quinto capítulo, certo número

20 21
de considerações relativas à estruturação, desestruturação e rees-
truturação contínuas, características do sistema sociocultural, Su:
de sociedade, edificado sôbre
gere-se um modêlo “morfogênico”
alguns estudos teóricos e empíricos surgidos nos últimos anos e
que — afirmamos — se movem numa direção em estreita cor-
respondência, ou altamente compatível, com a moderna pers-
pectiva dos sistemas que estamos delineando.
2
Considerações sôbre a natureza das macroestruturas dos sis-
temas socioculturais nos levam a ver mais claramente as impro- MODELOS DE SISTEMAS SOCIAIS
priedades do modêlo atual de “consenso” e sua concepção rela-
tivamente estática de “instituições”, “contrôle social” e “ordem”
e “desordem” social. No sexto e último capítulo nos ocupamos
de alvitrar o modo pelo qual um modêlo cibernético de socieda- A maior parte da atual discussão dos sistemas em Sociologia
de, mais que um modêlo homeostático, ou de equilíbrio, pode é constrangedoramente ingênua e obsoleta à luz da moderna pes-
informar os conceitos de contrôle social, ordem e desordem social. quisa dos sistemas em outras disciplinas. Se bem se verifique
Isso nos conduz a: (1) inspirar-nos em conceptualizações atuais extenso emprêgo superficial (e amiúde incorreto) da terminolo-
do processo sistemático de geração do comportamento aberrante gia mais recente (é quase de rigueur a menção da “manutenção
— exemplo excelente do enfoque moderno dos sistemas (cons- de limites”, entrada-saída, “contrôle cibernético” [sic], realimen-
cientemente reconhecido, ou não), e (2) discutir com detalhes os tação, etc.), as concepções subjacentes revelam escasso progresso
problemas correntes da concepção do poder e da autoridade, da em relação ao modêlo do equilíbrio mecânico de séculos anterio-
legitimidade, e dos processos grupais de busca de metas e tomada res. De maneira análoga, os modelos orgânicos se afastaram mui-
de decisões. Embora não nos escapem os perigos inerentes à to pouco dos becos sem saída da era do darwinismo social das ana-
aplicação demasiado simplista da concepção cibernética do con- logias orgânicas e organísmicas: as “sociedades” ainda têm “neces-
trôle da realimentação, da “auto-regulação” e da “autodireção”, sidades” e arrostam os “problemas” de manter sua estrutura (ins-
afirmamos que ela pode ter fôrça como instrumento organizador, titucionalizada), que são resolvidos por mecanismos inerentes,
que nos ajude a harmonizar o grande número de linhas de for- automáticos, “homeostáticos”; ou as classes sociais representam
mulação e execução da política subgrupal e societal, a seleção natural decorrente de uma luta competitiva em que os
“mais aptos” ou “mais altamente qualificados” se elevam, mais
ou menos automâticamente, ao tôpo, a fim de ocupar as posi-
ções funcionalmente essenciais à “sobrevivência” das sociedades.
Que um ou outro dêsses modelos inspirasse a teorização nas
fases iniciais da sociologia científica, quando pouco se sabia cla-
ramente sôbre o sistema sociocultural, é assaz compreensível, Mas
a tentativa de fundir tanto os modelos mecânicos quanto os orgã-
nicos na mesma estrutura teórica, como hoje se faz, não é apenas
contestável em vista dos seus inumeráveis pontos de incompati-
bilidade, senão também retrógrado em face dos modernos pro-
gressos da Sociologia. Tais progressos deveriam ter-nos alertado
acêrca da possibilidade de que o nível sociocultural dos sistemas

23
não fundamentalmente
seja estrutural e dinâmicamente
comparável a êsses outros tipos
único
de e
sistemas, apesar de alguns
foram novamente tomados de empréstimo com os seus novos
atavios conotativos e aplicados ao homem e à sociedade. Des-
semelhança. O desenvolvimento da moderna teoria tarte, encontramos concepções de espaço moral ou social, em
pontos de
dos sistemas em outros campos, nos dois ou três últimos decê- que ocorrem os acontecimentos sociais;
de posição no espaço
nios, enseja nova perspectiva e princípios básicos, que apontam social e de um sistema de coordenadas sociais, que definem a
para um modêlo de sistema
sociocultural mais apropriado, que a posição do homem nêle; de processos sociais como resultados da
teoria sociológica não pode dar-se ao luxo de ignorar. “oravitação” ou atração e inércia de indivíduos e grupos, êstes
Tais são os temas que serão abordados neste capítulo. últimos considerados como sistema num equilibrio de fôrças cen-
Hrifugas e centripetas. A organização social, o poder e a autori-
dade eram resultantes das “pressões” de “átomos” e “moléculas
O MODÉLO MECÂNICO sociais”: disso nasceu a “estática social” ou a teoria do equilt-
brio social, análoga à estática na mecânica física, e a “dinâmica
Pititim A. Sotokin nos proporcionou um estudo admirável social”, que envolve o movimento ou a mudança como função
do desenvolvimento da “escola mecanística” da Sociologia, e nós do tempo e do espaço, que se podem exprimir por várias curvas
lhe pediremos muita coisa emprestada. ! Com o rápido avanço da matemáticas
Física, da Mecânica e da Matemática no século XVII, os homens
se voltaram para uma interpretação do homem, do seu espírito
No entender de Sotrokin, quase tôda a “física social” subse-
e da sociedade em têrmos dos mesmos métodos, conceitos e su- qiiente do século XVIII e da primeira metade do século XIX
posições, rejeitando em parte a teleologia, o vitalismo, o misti- foi apenas uma variação das tentativas do século RVII, que pres-
cismo e o antropomorfismo, menos apetecíveis, de outros pon- taram valiosa contribuição à ciência social e psicológica, À se-
tos de vista. Surgiu, assim a “Física Social” do século XVII, gunda metade do século XIX, todavia, apresentou sintomas de
segundo a qual o homem era considerado como objeto físico, uma revivescência, embora de ordinário sem reconhecer a con-
espécie de máquina complicada, cujas ações e processos psíqui- tribuição do século XVII. Entre os homens envolvidos nessa
cos poderiam ser analisados em função dos princípios da Mecã- revivescência figuram H. C. Carey, À. Bentley, T. N. Carver e
nica. Na “mecânica social” se encarava a sociedade como “siste- Pareto Os seus sistemas eram edificados sôbre conceitos como
ma astronômico”, cujos elementos eram sêres humanos ligados “campos de fôrça”, “transformação de energia” e “entropia so-
pela atração mútua ou diferenciados pela repulsão; grupos de cia”. A maioria oferecia “apenas uma série de analogias super-
sociedades ou Estados constitutam sistemas de oposições equili- ficiais, baseadas em interpretações inválidas de conceitos mecá-
bradas. O homem, seus grupos e suas inter-relações constituíam, nicos”, A “mecânica racional” de Pareto, engenheiro de forma-
assim, uma continuidade ininterrupta com o resto do universo, ção, pertence, entretanto, a uma classe diferente. Ele evitava os
mecanisticamente interpretado. Tudo se baseava na ação recí- analogismos mais especiosos e utilizava tão-sômente os princípios
de rela- mecânicos mais gerais, que pareciam aplicar-se a fenômenos so-
proca das causas naturais, a ser estudada como sistemas
ções que podiam ser medidos ou expressos em função de leis da ciais nos níveis metodológico ou heurístico. Temos, assim, na
mecânica social. base, o conceito de “sistema”, de elementos em mútuas inter-re-
Os conceitos físicos de espaço, tempo, atração, inércia, fôr- lações, que modem achar-se num estado de “equilíbrio”, de tal
mancha que quaisquer alterações moderadas nos elementos ou
ça, poder — que é forçoso reconhecer como antropomorfismos
recebidos por empréstimo da experiência humana cotidiana — em suas inter-relações, afastando-os da posição de equilíbrio, são
contrabalançadas por alterações que tendem a restaurá-la.
1 Pitirim Sorokin Contemporary Sociological Tbeories (Nova Torque: Esta foi a concepção encampada, quase sem modificações,
Harper & Row, Editôres, 1928), Cap. 1. por muitos sociólogos contemporâneos, notadamente George C.

24 25
manente, determinado por fôrças relativamente simples, de modo
Homans é Talcott Parsons (ambos influenciados por Henderson que qualquer mudança que afetasse fôsse incidental, alheia ou es-
em Harvard). º Antes dêles, e depois de Pareto, a idéia de so- tranha. Está mais de acôrdo com o registro histórico pensar em
ciedade como “sistema” de partes inter-relacionadas, com um têrmos de uma tendência constante para o equilíbrio, sempre asse-
diado, até na sociedade simples ou primitiva e ainda mais óbvia
limite, e tendentes de ordinário a manter um equilíbrio, foi ex- mente nas civilizações mais elevadas, por fórças que ameaçam
plicitamente endossada por N. Bukharin, P. Sorokin, F. Zna- abalá-lo ou rompêlo. Nessas condições, a própria natureza do
niecki e K. Lewin, entre outros. equilíbrio, é sempre móvel. 3
Muitos cientistas sociais se referitam à sociedade ou ao gru-
A tenacidade e a duração de um equilíbrio presumido têm
po como a um “sistema social”, sem assumir, entretanto, um
diminuído gradualmente nas concepções de alguns teoristas do
ponto de vista totalmente mecanístico — na verdade, como
Mclver, dando uma ênfase antagônica aos fatôres mentalísticos. equilíbrio. Isto é, considera-se o equilíbrio apenas um estado
Assim, discutindo a causa como “precipitante”, Mclver oferece temporário, efêmero, como na citação acima de Mclver ou no
o com-
uma visão de concepções e dificuldades, que estariam em evidên- que Homans denomina agora “equilíbrio prático”, que às vêzes
cia na teoria do sistema social um quarto de século depois: portamento, “sem dúvida temporária e precâriamente,
atinge”. à
.
entendemos por “precipitante” qualquer fator ou condição es- Afirma-se, por vêzes, que o conceito de equilíbrio é apenas
pecífica considerada como tendo desviado a direção preestabelecida bem a fun-
das coisas, como tendo rompido um equilíbrio preexistente, ou como um artifício heutístico, mas nunca se esclarece muito
tendo liberado tendências ou fôrças até então suprimidas ou laten- ção heurística que êle desempenha. Assim, Parsons sustenta cor-
tes. O pressuposto é de que o sistema opera de forma congruente retamente que, para estudar a mudança social, precisamos de algum
de Em
com a sua autoperpertuação, até que alguma coisa intervenha;
sistema é relativamente fechado até que alguma coisa o rom- ponto de referência a partir do qual ocorre a mudança.
que o seguída, não só se volta para uma avaliação da estrutura no ponto
pa e abra. Essa “alguma coisa” é, então, um precipitante, de partida da análise mas também recorte aos conceitos de equi-
Tal concepção representa uma das maneiras pelas quais busca-
Kbrio e inércia. Não está absolutamente claro, porém, o motivo
mos compreender o problema da continuidade e da mudança. Pres- dinâmico no início
supomos uma lei social mais ou menos correspondente à
lei física por que uma avaliação do estado estrutural e
da inércia, no sentido de que todo sistema social tende a man- não basta, por si só, como ponto de referência, sem introduzir
ter-se, a persistir em seu estado presente, até ser compelido por “equilíbrio” e “inércia”. De mais a mais, quando Parsons, pros-
alguma fôrça a alterar êsse estado. Qualquer sistema social, a todo
momento e em tóda a parte, é sustentado por códigos e institui-
seguindo, admite fôrças de mudança endógenas ao sistema, nós
nos separamos de quanto possa ser reconhecido pelo
estudante
ções, tradições, interêsses. Quando uma ordem social ou qualquer
situação social dentro dêle sofre uma alteração significativa, pensa- de mecânica clássica, Como outros já o observaram, dizer que
mos em alguma fôrça rebelde ou invasora, que lhe quebra, por as fôrças internas do sistema tendem para o equilíbrio mas, na
assim dizer, a “inércia”, o status quo. A forma mais simples do
conceito é a examinada na seção anterior, onde se encara a mudança
realidade, podem acarretar mudança é uma contradição em
como perturbação de um equilíbrio persistente. A falha dêsse con- têrmos. 8
ceito não residia na pressuposição do eguilíbrio, mas na suposição
não justificada de um único tipo de equilíbrio, fundamental e per- 3 Robert M. Maclver, Social Cassation (Nova Iorque: Harper
Torchbook, 1964), pp. 17273.
4 George C. Homans, Social Behavior: Its Elementary Forms (Nova
2 Lawrence 7 Henderson, Pareto's General Sociology (Cambridge, Torque: Harcourt, Brace & World, Inc., 1961), p. 1i4.
Mass Harvard University Press, 1935); George Homans e €. P. Curtis, An
: 6 Talcott Parsons, “Some Considerations on the Theory of Social
Introduction to Pareto (Nova lorque: Alfred A. Knopf, Inc, 1934). Para Change”, Rural Sociology, 26 (1961), 219-39.
um interessante ponto de vista alternativo da analogia do equilíbrio, veja 6 Veja Barrington Moore Jr, “Sociological Theory and Contemporary
R. Furth, “Physics of Social Equilibrium”, Advancement of Science, 8 Politics”, American Journal of Sociology, 61 (1955), 107-15.
(1952), 429-54.

27
26
de organismos que constituem espécies ou sistemas ecológicos.
Para apoiar o seu recurso a êsse conceito, o teórico do equi Muitos seguidores de Spencer exploraram ao máximo a analogia
sociedade,
brio assinala tipicamente que existem, em€ qualquer da situa-
organísmica, procurando os análogos sociais do coração, do cére-
conjuntos de normas, valôres, expectativas definições bro, do sistema circulatório, etc. O próprio Spencer, contudo,
de várias
ção mais ou menos comuns, sustentados por
sanções mais cauteloso, tecorria a princípios de similaridade mais ge-
espécies. Entretanto, ele
também deixa, tipicamente, de mencio- néricos.
tem igualmen- Seja-me aqui permitido asseverar distintamente que não existem
nar que tôda sociedade com alguma complexidade analogias entre o corpo político e o corpo vivo, a não ser as exigi-
te conjuntos assaz estáveis
de normas, valôres, etc. alternativos,
de am- das pela mútua dependência das partes, que êles exibem em comum.
diversos, aberrantes ou contrários, bem como vasta área Pôsto que, em capítulos anteriores, se tenham feito diversas com-
bigiiidades e comportamento “coletivo” não institucionalizado, de parações entre estruturas e funções sociais e estruturas e funções do
todos os graus e matizes, Êstes só podem ser varridos para baixo corpo humano, elas só se fizeram porque as estruturas e funções
residuais ou do corpo humano fornecem ilustrações familiares de estruturas e
do tapête teórico por um arbítrio de definição: são
do sistema. Mas a essa altura, o argu- funções em geral, O organismo social, abstrato e não concreto, assi-
não fazem, de fato, parte métrico e não simétrico, sensível em tôdas as suas unidades e não
foi reduzido a um jôgo de palavras.
mento já sensível apenas num centro único, não pode ser comparado com
Em suma, torna-se cada vez mais claro que os sistemas me- nenhum tipo particular de organismo individual, animal ou vegetal. 7
de sistemas,
cânicos e socioculturais são tipos muito diferentes
com princípios e dinâmica de organização basicamente diferentes. É, portanto, o princípio geral da “mútua dependência das
O apêlo reiterado aos primeiros pata compreender os últimos só partes” que assemelha a sociedade a um organismo, mas cumpre
serve para retardar a busca de outras conceptualizações mais notar também que o critério se aplica igualmente ao sistema me-
apropriadas e mais úteis. cânico. Falamos nisso porque se tornou corriqueiro em Sociolo-
gia proclamar êsse princípio como a característica distintiva cen-
Tais são os argumentos mais sensatos contra à teoria do
tral da análise funcional, quando, na verdade, como o demonstra
equilíbrio em Sociologia. No correr do livro se apresentarão a nossa discussão do modêlo mecânico, era fundamental para a
considerações mais sistemáticas. “física social” do século XVII e assim permanece nos modelos
do equilíbrio mecânico. Spencer rejeitou a esfera inorgânica
O MODELO ORGÂNICO
como base de comparação com o “agregado social” e procurou
novas razões para assimilar as relações entre as partes da socie-
social é dade às relações entre as partes de um corpo vivo.
A história do analogismo orgânico no pensamento
O emprêgo da metáfora or- De certo ponto de vista, porém, foi uma decisão particular-
uma história muitas vêzes repetida.
gânica, literalmente, é história antiga, mas o emprêgo científico mente infeliz de Spencer e de outros a de comparar a sociedade
sério começa com Herbert Spencer e seguidores seus como Lilien- aos organismos individuais em lugar de compará-la às espécies,
feld, Worms e Schãffle. Como aconteceu com o aparecimentoO pois muitas contradições em sua posição procedem da incapaci-
da ciência física, dade de distinguir os níveis biológicos de organização. (Isto se
do modêlo mecânico numa era de progressos
modêlo orgânico da sociedade foi inspirado pelos progressos da deve, provavelmente, em parte, à relutância que ainda persiste
Biologia, para os quais concorreu Spencer. em aceitar os agregados ecológicos como “entidades” ou siste-
mas no mesmo sentido de organismos — tópico que discutire-
O prosseguimento da discussão requer, neste ponto, que
O modêlo “orgâni-
distingamos entre a analogia “organísmica” e
co” mais geral. Os sistemas biológicos existem, naturalmente, 7 Herbert Spencer, Principles of Sociology, 3.º edição (Nova Iorque:
em mais de um nível: a organização e a
dinâmica do organismo Appleton-Century-Crofts, 1897), 2º Parte, p. 592.
individual diferem da organização e da dinâmica de uma coleção
29
28
mos em capítulo subseguente.) Com
trospectiva, podemos achar essa decisão —
o benefício da
tomada na era dar-
winiana — deveras surpreendente, pois, afinal de contas, a teoria
gia sociedades Além disso, entre os organismos individuais, o grau de
cooperação mede o grau de evolução; e essa verdade geral também
se aplica aos organismos sociais 10
de indi-
de Darwin se ocupa das espécies e da filogenia, e não Como sabemos, tal é a base da tipologia “militarista-indus-
víduos e da fisiologia. Se bem não estejamos optando pela ana-
exemplo, que trial” da evolução societal, de Spencer.
logia orgânica, teria sido mais sensato dizer, por
de tanto a Por outro lado, o darwinismo social é mais largamente co-
as sociedades semelham espécies no sentido que con-
nhecido pela sua ênfase oposta: a elevação “natural” e inevitável
servação quanto a mudança de estrutura são traços caracteristi-
dos indivíduos “mais aptos” na luta social competitiva. O mo-
cos em cettas condições; que nem as sociedades nem
as espécies
“morrem”, como os organismos; e, como assinalou Lester Ward,
dêlo é agora a espécie, não o indivíduo Assim, a controvérsia
“sobrevivência” (de organismos atual que se registra na teoria sociológica em tôrno do modêlo
que a luta evolutiva não é pela de conflito, em oposição ao do consenso, reflete-se nos aspectos
individuais) per se, senão mais fundamentalmente uma luta
pela estrutura”.8 Colin 5. Pittendrigh observou que os próprios duplos do modêlo biológico, tão confusamente baralhado pelos
biólogos tropeçaram nesse problema: teoristas sociais.
Uma das luzes mais claras que penetrou a névoa e quase
Os chavões da luta e da sobrevivência, até para os biólogos pro- demoliu o darwinismo social foi a obra do biologista-sociólogo
fissionais, focalizaram a atenção em aspectos secundários do processo
histórico, por meio do qual se acumula a informação genética.
Fo- Lester Ward. Aludindo à analogia entre o “organismo indivi-
catizaram-na em indivíduos — quando a deveriam ter focalizado
em dual” e o “organismo social”, Spencer afirmara uma “comunida-
morte do
populações; focalizaram-na na evitação da (perpetuação de de princípios fundamentais de organização” entre êles. Ward
indivíduo) — quando a deveriam ter focalizado na reprodução (per-
— e a moderna teoria dos sistemas — enxerga, através dessa
petuação do genótipo). 9 meia verdade, as diferenças fundamentais nos princípios de orga-
nização entre os sistemas socioculturais de um lado e os organis-
O nível particular de organização biológica escolhido como
base para modêlo da sociedade determina (ou pode ser determi-
mos
e sistemas filogenéticos de outro. A ênfase de Ward posta
nos processos do conhecimento (de obtenção), suas concepções
nado por isso) se vemos a sociedade como predominantemente da “luta pela estrutura” e seus princípios da “diferença de po-
cooperativa ou basicamente conflitual. Se a sociedade fôr como tencial” e de “sinergia” (“o trabalho em conjunto, sistemático e
na
um organismo, as suas partes cooperarão e não competirão orgânico, das fôrças antitéticas da natureza” para produzir a
luta pela sobrevivência, mas se à sociedade fôr como um agre-
modêlo darwiniano (ou organização) são congruentes com a moderna teoria dos sis-
gado ecológico, será mais aplicável o temas. 11
hobbesiano) de luta competitiva. Spencer optou pela primeira O funcionalismo atual em Sociologia representa a versão moder-
alternativa:
na do modêlo biológico. Mas, ao passo que os darwinistas sociais,
cada
Tôdas as espécies de criaturas são iguais na medida em que como acima se deu a entender, se lançaram ao modêlo filogené-
qual exibe cooperação entre os seus componentes em
todo; e êsse traço, comum a elas, é um traço comum
tambémpeito E às
tico para pôr em destaque o tema da luta competitiva, os fun-
cionalistas — que hoje, tipicamente, pôem em destaque a “or-
dem”, a coopetação e o consenso -— utilizam o modêlo organís-
Macmillan Com- mico como exemplo supremo da estreita cooperação das partes,
8 Lester Ward, Pure Sociology (Nova Jorque: The
pany, 1903), p. 184. que conservam uma estrutura relativamente fixa dentro de limi-
and
9 Cotin S Pittendrigh, “Adaptation, Natural Selection,
Gagylor pes
vior”, em Behavior and Evolution, org por Anne Roe e George 10 Spencer, Principles of Sociology.
Conn Yale University Press, 1958), p. 397.
Simpson (New Haven, : 11 Ward, Pure Sociology, especialmente os Capítulos 10 e 11,

30 al
As condições constantes que se mantêm no corpo podem ser
tes rigorosos de desvio.
Dessa maneira, em sua análise funcional denominadas egutilíbrios Essa palavra, contudo, passou a ter um
social como significado assaz preciso quando aplicada a estados físico-químicos
da mudança social, depois de representar o sistema relativamente simples, sistemas fechados, em que fôrças conhecidas
estável, por meio
tendente a manter um equilíbrio relativamente se equilibram. Os processos fisiológicos coordenados, que mantêm
endógenas e
de contínuos processos que “neutralizam” as fontes a maior parte dos estados constantes no organismo, são tão comple-
de modificar a estrutura se xos c tão peculiares aos sêres vivos... que sugeri uma designação
exógenas de variabilidade, capazes da especial para tais estados, homeostase, A palavra não implica uma
fôssem muito longe, Parsons dá uma ilustração organísmica
homeostase: a regulação da temperatura em animais.
adição à indiscriminada equiparação
e
dos princípios do equilíbrio
Em coisa fixa e imóvel, uma estagnação. Significa uma condição —
condição que pode variar, mas que é relativamente constante. 14
1º cabe notar que a inferência que se pode
aos da homeostase, Ao lidar, porém, com o sistema sociocultural, saltamos para
do animal não se con-
sacar lôgicamente é que, se a temperatura um nôvo nível de sistema e precisamos ainda de outro têrmo
de certos limites, êste acabaria por modificar
servasse dentro para expressar não só a característica mantenedora da estrutura,
sua estrutura — o que realmente faz, num sentido mais ou
básico no seguinte: mas também a característica elaboradora da estrutura e a caracte-
menos pickwickiano. O ponto reside aqui
rística variável do sistema inerentemente instável, isto é, um
os organismos maduros, pela própria natureza da sua
enquanto limites mui- conceito de morfogênese. A noção de “estado constante” (steady
organização, não podem alterar sua estrutura além de state), agora frequentemente usada, aproxima-se dessa concepção,
ainda viáveis, é precisamente essa
to acanhados e permanecer ou a leva em conta, se se entender que o “estado” que tende a
capacidade que distingue os sistemas
socioculturais. Trata-se de
dêste permanecer constante não deve ser identificado com a estrutura
uma importante vantagem adaptativa, no esquema evolutivo, particular do sistema. Isto é, no intuito de manter um estado
último nível de organização. Um modêlo de sociedade que não
constante, o sistema pode precisar alterar sua estrutura particular.
ponha em evidência êsse princípio está fadado à esterilidade eà C. A. Mace reconhece a distinção e pleiteia uma extensão do
dos sistemas, afirmamos nós,
extinção final. A nova perspectiva conceito de homeostase.
análise dos mecanismos
propicia ampla margem à apreciação e
que possibilitam essa morfogênese. o. A primeira extensão abrangeria o caso em que se mantém ou
Observemos que Cannon forjou o têrmo “homeostase para restaura não tanto o estado interno do organismo quanto alguma
de evitar as conotações estáticas de relação do organismo com o seu meio. Isto compreenderia os fatos
os sistemas biológicos a fim de adaptação e ajustamento, incluindo o ajustamento ao meio so-
equilíbrio e pôr em relêvo as propriedades dinâmicas, processuais,
dos sistemas fisiológicos basicamente cial... a segunda extensão abrangeria o caso em que a meta e/ou a
mantenedoras de potencial, norma é algum estado ou relação nunca anteriormente experimenta-
instáveis. dos. Não há, é claro, razão alguma para se imaginar que todo pro-
da nossa estrutura cesso do tipo homeostático consiste na manutenção ou na restaura-
Quando pensamos na extrema instabilidade ção de uma norma. Não há razão alguma para se supor que o pro-
com à perturba a mais leve aplicação de
corpórea, na presteza que
milagrosa a sua persistência cesso sempre começa num estado de equilíbrio, que é, então, per-
fórças externas .. parece-nos quase turbado... existem, de qualquer maneira, muitos casos a que é ne-
através de muitas décadas. O assombro aumenta quando refletimos
cessário estender o conceito de homeostase, para que êle possa apli-
intercâmbio com O
que o sistema é aberto, empenha-se em livre mas car-se não só à restauração de um equilíbrio mas também ao desco-
mundo externo, e que a própria estrutura não é permanente,
reedificada por processos de reparação...
está sendo continuamente 14 Walter B. Cannon, The Wisdom of the Body (edição revista),
Nova Iorque: W. W. Norton & Company, Inc, 1939), pp. 20, 24.
1º Parsons, “Some Considerations”. 16 CA, Mace, “Homeastasis, Needs and Values”, British Journal of
33 Essa não discriminação é comunissima; veja, por exemplo, Alex Psychology, 44 (1953), 204.5.
'

do equilíbrio simples versão


Inkeles, que vai até mais longe e vê no modêlo
What Is Sociology?
especial do enfoque orgânico estrutural e funcional, em
Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, Inc, 1964), pp. 37-38.
(Englewood
33
32
assinala
E Karl Deutsch, em sua crítica do modêlo orgânico, rico da mudança ocorrida em virtude do choque de diferentes
sôbre ser demasiado estreito, é
que o conceito de homeostase, estruturas ou subculturas relativamente estáveis dentro do sis-
dos de aprendizagem e cresci- tema? Se bem seja essencial, a escolha de algum ponto de vista
apenas um caso especial processos
mento, característicos de sistemas abertos, adaptativos: para o estudo da mudança é arriscada, e precisa envolver um ra-
ciocínio metodológico bem especificado e válido, mormente se
a homeostase não é um conceito suficientemente amplo para
descrever a reestruturação interna dos sistemas de aprendizagem ou se escolher um aspecto da estrutura do sistema, de preferência a
os descobrimentos combinatórios das soluções.
Trata-se de um con- outros, como o aspecto que os mecanismos “bomeostáticos”
ceito demasindo estreito, porque é a mudança, mais do que a esta estão, acima de tudo, tendendo a manter.
bilidade, que precisamos explicar. 16
A noção de “pré-requisitos funcionais” é também muitíssi-
mo apropriada como análogo organísmico. Existe uma estrutura
O recurso do funcionalista à analogia organísmica leva-o,
normal relativamente fixa, com limites bem definidos, de modo
além disso, a dat ênfase exagerada aos aspectos normativos mais
às que as condições de persistência podem ser definidas dentro dêsse
estáveis, superdeterminados e sustentados, do sistema social,
de igualmente importantes, sem os quais é im- grau de precisão. No nível filogenético, em que a mudança de
expensas outros,
estrutura é uma condição de viabilidade, as condições de persis-
possível a análise dinâmica. Isto se deve, aparentemente, à bus-
fixa do orga- tência devem ser mais amplamente definidas em relação a possí-
ca do equivalente social da estrutura relativamente
funcionalista biológico pode veis mudanças do meio, e parece permissível maior latitude das
nismo, em contraste com a qual o
avaliar a normalidade e a anormalidade, a saúde e a moléstia, e estruturas que satisfaçam a tais condições. No nível sociocultu-
homeostáticos, de manutenção. ral também não existe uma estrutura especifica que seja, ela
procurar mecanismos automáticos,
sinônimo só, viável e normal para cada sociedade. E não só pode mudar
Dessarte, para o parsoniano, o sistema social é quase
da estrutura social. No a estrutura como resposta a pressões sôbre a viabilidade, mas
da parte dominante, institucionalizada,
estrutura estável também os limites internos da compatibilidade estrutural pare-
artigo de Parsons que citamos, recorre-se a uma cem maiores do que desejam admitilo os funcionalistas, embo-
como ponto de referência para a mudança mas, no devido tempo,
ra, sem dúvida, com limites externos. Pois assim como a perso-
esta se transforma na estrutura do sistema e se define como “pa- nalidade humana é capaz de abrigar ponderáveis incompatibili-
drões institucionalizados de cultura normativa”. A “institucio- dades no que concerne a idéias, crenças, atitudes e ideologias,
de normas
nalização” estável, por seu turno, se define em têrmos
atôres sem que isso influa na eficácia do seu funcionamento, assim
estáveis, do compromisso motivacional dos para com as também os sistemas socioculturais podem abarcar largas diver-
“expectativas institucionais” (aparentemente as da instituição
sidades e incompatibilidades, embora se mantenham surpreen-
oficial), das “definições da situação” comumente aceitas, e da
mais amplo. Tal dentemente persistentes por longos períodos. Com efeito, a
integração no sistema normativo governante especificação das condições essenciais à persistência de qualquer
estrutura nos deixa sem saber como lidar com as muitas estrutu- sociedade (sobretudo se não especificarmos as condições am-
alter-
ras ou subculturas importantes, diferentes, abertantes ou bientais que ela tem de enfrentar) pouco nos dirá sôbre as es-
nativas, que constituem parte da estrutura dada de um sistema
truturas particulares que ela criará para satisfazer-lhes, Admi-
social complexo, mas não satisfazem aos critérios de Parsons re-
tindo-se que as sociedades persistentes estejam satisfazendo aos
lativos à institucionalização. Como lidaremos com o fato histó- requisitos no nível mínimo, ou acima dêle, o próprio conceito
de função não ministra critérios para se julgarem os níveis e
16 Karl W. Deutsch, em Towards a Unified Theory of Human processos estruturais amplamente variáveis dentro da esfera viá-
Behavior”, org. por Roy Grinker (Nova Iorque, Basic Books, Inc,
Pu- vel. Destarte, para que uma sociedade se mantenha é mister que
blishers, 1956), pp. 161-62 o seu índice de reprodução não permaneça por muito tempo

34 35
abaixo do índice de reposição; entretanto, o índice de reprodu-
O MODÊLO DE PROCESSO
de reposição, moderada-
ção pode achar-se exatamente no nível Antes de encetarmos a análise comparativa das imagens am-
mente acima dêle, ou pode ser explosivo. As repercussões dessas
serão, é claro, muito diferentes para a socie- plamente divergentes do sistema social, traçadas por dois teóri-
três possibilidades
cos contemporâneos, cada um dos quais usa o modêlo mecânico
dade em aprêço. O mesmo se pode dizer em relação aos demais
(e num caso também o modêlo orgânico), é preciso não deixar
requisitos: o problema da adequação deve ser analisado em ou- subentendido que nenhum outro modêlo ou perspectiva têm tido
tras bases, que constituem o centro do principal interêsse socio-
significação em Sociologia. Releva mencionar, em particular, o
lógico, Como afirmou S. F, Nadel em sua crítica não superada
mocdêlo “de processo”, que foi um ponto de vista predominan-
do funcionalismo:
te, no princípio do século XX, da sociologia norte-americana,
existe desajustamento como existe ajustamento; o conceito de liderada principalmente pela “escola de Chicago”, que incluía,
função limita-se a colocar o problema da adequação, mas não o re-
solve antecipadamente. Só da sociedade encarada abstratamente po- sobretudo, Albion W Small, G. H Mead, R. E Park e E. W.
demos dizer que é integrada, e só da cultura em geral se pode dizer Burgess, os quais, por seu turno, foram estimulados por sociólo-
que conduz à sobrevivência. As sociedades concretas se enfraque- gos alemães como G. Simmel e L. von Wiese, É possível que
cem, desintegram-se ou revelam sintomas de “patologia social”; e as essa perspectiva não tenha sido sistemâticamente desenvolvida
culturas concretas podem estar cheias de frustrações e ameaças à até lograr um estado que justificasse o rótulo de modêlo; além
sobrevivência. Na análise delas, portanto, a subserviência à função
significa uma adequação tentada, vária e, não rato, problemática. A disso, inspirou-se muito em aspectos da analogia orgânica, e até
antropologia “funcionalista” tende a perder de vista êsse corolário encontrou lugar, ocasionalmente, para o conceito de equilíbrio,
e falar acêrca de fatos sociais “que têm” tais e tais “funções”, como embora se opusesse a êle em princípio. Interessa-nos particular-
se estas fôssem verdades auto-suficientes. Entretanto, se apenas ten mente, porém, deixar aqui estabelecido que o ponto de vista do
cionássemos mostrar que a exogamia facilita a cooperação, os mitos
amparam os códigos de comportamento e a religião ajuda a alcançar
processo percorreu longo caminho até enxergar claro através das
o cquilíbrio social, estaríamos dizendo implicitamente que êsses mo- falhas dos modelos mecânico e organísmico pata a sociedade e
dos de comportamento satisfazem às necessidades dadas (em dadas que, além de ter muita afinidade com os princípios básicos da
condições) da maneira mais adequada possível, e que qualquer so- Cibernética, chegou a antecipá-los
ciedade que tem a exogamia e o resto é, nesse sentido, uma sociedade
ideal, Está visto que um pressuposto de adequação dessa natureza Em essência, o modêlo de processo encara tipicamente a
é indefensável. 17 sociedade como uma interação complexa, multifacetada e fluida
de graus e intensidades amplamente variáveis de associação e
No próximo capítulo teremos ocasião de discutir o funcio- dissociação. A “estrutura” é uma construção abstrata e não algo
nalismo como método de explanação em conftonto com os mé- distinto do processo interativo em marcha, mas a sua represen-
todos “causal”, lógico-significativo e da moderna pesquisa de tação temporária, acomodativa, em qualquer tempo. Estas con-
sistemas. Concluímos aqui, como na seção anterior, que o mo- siderações conduzem à percepção fundamental de que os sistemas
délo em tela é singularmente inadequado a algo mais que uma socioculturais são inerentemente elaboradores e modificadores de
análise superficial de sistema sociocultural. Adiante discutire-
estruturas; para alguns, as palavras “processo” e “mudança” são
mos o assunto de maneira mais sistemática. sinônimos Colocadas nos têrmos da nossa discussão anterior,
as sociedades e grupos mudam continuamente suas estruturas
como adaptações a condições internas ou externas O foco do
processo, portanto, são as ações e interações dos componentes
17 SF. Nadel, Fouudations of Social Anthropology (Nova Torque: de um sistema em evolução, de tal maneira que surgem, persis-
Free Press of Glencoe, Inc, 1951), pp. 375-76. tem, dissolvem-se ou se alteram graus variáveis de estruturação.

37
A linha central do caminho do
Talvez os primeiros nomes em que pensamos no contexto de progresso metodológico em Socio-
logia é assinalada pela gradativa mudança do esfôrço de representa-
uma perspectiva dessa natureza sejam os de Marx e Engels, com
ção analógica das estruturas sociais para a análise verdadeira dos
a sua concepção da História como processo dialético, pelo qual processos sociais. 20
novas estruturas emergem de condições imanentes em estruturas
anteriores. A oposição radical dessa concepção ao quadro de (Pode-se conjeturar com segurança que Small se teria sentido
referência do equilíbrio mecânico foi vigorosamente exposta por decepcionado com o rumo tomado pelos acontecimentos teóricos
Barrington Moore Jr.: no meado do século.) Este foi um ponto de vista importante
Para um marsista é quase tão difícil conceber uma situação que
para muitos pensadores sociais no início do século, possivelmen-
volta a um estado de máxima harmonia quanto o é para um teórico te como parte da tendência das Ciências Físicas e da Filosofia
do equilíbrio conceber um ciclo autogerador de uma luta sempre para uma concepção de processo da realidade, que evolvia da
mais árdua, que culmina na destruição. 18 obra de autores como Whitehead, Einstein, Dewey e Bentley.
Tais concepções, aparentemente, produziram escasso impacto nos
(Nessa formulação, contudo, poderiamos substituir “marxis- pensadores de décadas recentes, que desenvolveram os modelos
mais dominantes da Sociologia corrente, orientados
ta” pela expressão “teóricos de processo”) para a estru-
tura, Parece contudo claro que, com ou sem a ajuda do enfo-
Robustamente influenciado pela concepção de processo de
que geral dos sistemas, essencialmente preocupado com o pro-
Marx foi o importante sociólogo precursor norte-americano, Al- cesso, está gradualmente recuperando o terreno perdido um equi-
bion W. Small. Na ênfase que deu ao processo social percebeu líbrio mais uniforme entre processo e estrutura na análise dos
o papel dos “interêsses”, seus conflitos e ajustamentos, como sistemas socioculturais.
chaves de uma sociologia verdadeiramente dinâmica.
Empregando de maneira igualmente seletiva o modêlo orgà-
A experiência humana compõe um processo associativo ... à nico, C. H. Cooley focalizou — em seu Social Process — o “pro-
associação torna-se um processo acelerado de diferenciação ou per- cesso tentativo”, que envolve a energia e o crescimento inerentes
mutação de interêsses dentro do indivíduo, de contatos entre indi- como agentes dinâmicos, com o “desenvolvimento seletivo” pôs-
víduos e os grupos em que éles se combinam. Incidentais em rela- to em movimento pela interação de “tendências ativas” e “con-
ção a essa busca de propósitos e ao processo de ajustamento entre dições” circundantes. Afirmou êle que, para o processo social, a
as pessoas dela resultante, os indivíduos entabulam entre si relações
estruturais mais ou menos persistentes, conhecidas em geral como expressão “cresce o que é operativo” é preferível às expressões
“instituições”, e tomam direções de esfórço mais ou menos perma- “seleção natural” ou “sobrevivência do mais apto”, visto que
nentes, que podemos denominar funções sociais. Essas estruturas e “tem menores probabilidades de permitir que fiquemos com con-
funções sociais, no primeiro caso, resultam do processo associativo cepções mecânicas ou biológicas”.
anterior; mas tão logo passam do estado fluido para uma situação
relativamente estável, tornam-se, por seu turno, causas de fases Com o seu reconhecimento da fundamental importância da
subsegientes do processo associativo... 10 comunicação, R. E. Park manteve em primeiro plano a noção
de processo, quer analisasse as formas de interação, quer estu-
dasse os fundamentos da ecologia social. Em lugar do conceito
No princípio do século, Small afirmou, com singular pers-
de Small ou Cooley “do processo social”, Park desenvolveu de
picácia, que
20 Ibid,p ix Acrescentese aqui que a importante obra inicial de
Talcott Parsons, The Structure of Social Action, deve ser encarada como
18 Moore, “Sociological Theory”, p, 112. valiosa contribuição para esta mudança progressiva de esfôrço. Como outros
19 Albion W. Small, General Sociology (Chicago: University of já o observaram, porém, êle tendeu a retroceder em suas últimas obras,
Chicago Press, 1905), pp. 619-20 pondo em relêvo a estrutura às expensas da ação.

38 39
um sistema social, na presunção, altamente dúbia, de estabilidade
modo mais indutivo à sua classificação (ou contínuo) dos mui- cultural e integração funcional quase perfeita, parece estar claramen-
na sociedade. A experiência
tos processos sociais que operam te cedendo o passo, pelo menos neste país, a uma orientação diná-
jernalística talvez o levasse a dar maior destaque aos eventos do mica, que focaliza a atenção nos processos por meio dos quais êsses
tôdas as estruturas re- sistemas nascem e sucedem uns aos outros com o correr do tempo. 23
que às estruturas. De qualquer maneira,
para êle os resultados finais temporários de processos
presentavam Simultâneamente, Raymond Firth, no segundo dos dois dis-
de acomodações, ajustamentos e conflitos interpessoais. Como cursos presidenciais proferidos diante da Real Sociedade Antro-
disse Bogardus, segundo a concepção de Park “o mundo da vida pológica e consagrados ao mesmo tópico, declarou:
está cheio de atritos, acomodações delas resultantes e equilíbrios
de Oar de
temporários. O equilíbrio social é, em si mesmo, expressão encantamento que, nos dois últimos decênios, cercou o pon-
to de vista “estruturalista” começa a dissiparse, Agora que isto é
*
acomodações temporárias”.
assim, o valor básico do conceito de estrutura social, mais como ins-
Existem outros teoristas do processo que precisam ser men- trumento heurístico do que como entidade social substancial, , passou
cionados. Os lideres da chamada escola “formal? exerceram a ser reconhecido com maior clareza, 24
muita influência Se bem focalizassem as “formas” de intera-
Logo depois veio à luz a obra penetrante do falecido S. F.
ção, Simmel e outros punham mais em relêvo a interação como
sistemática de Leopold Nadel, The Theory of Social Structure, que fôra precedida de um
processo do que as “formas”, e embora a
desenvolvesse circunstanciadamen- reconhecimento anterior e de uma séria consideração da impot-
von Wiese e Howard Becker tância do nôvo ponto de vista cibernético, representado pela sua
te uma classificação dos padrões de ação, deu igual atenção aos
todo vir-a-ser social era análise da realimentação em “Social Control and Self Regula-
padrões de ação. Para W. 1. Thomas,
da consciência individual e da rea- tion”.?» Essa perspectiva é eficazmente usada na obra subse-
produto da contínua interação
lidade social objetiva, ponto de vista recentemente reforçado por quente como base para uma crítica do modêlo do equilíbrio, com
a ênfase que dá à “complementaridade das expectativas” e o re-
Znaniecki E ao menos um fio não partido nesse filão, que vem
lativo desdém demonstrado por diversos outros tipos cruciais de
desde o princípio do século, é a perspectiva de Dewey e Mead,
inter-relações sociais associativas e dissociativas, considerados
conhecida como interacionismo social. Um crítico de uma re-
igualmente importantes na sociologia anterior O livro de Nadel
cente coleção de ensaios interacionistas sociais teve “do princi-
da explora, em conjunto, a tese de que a análise estrutural não é,
pio ao fim, diante de si, o caráter contínuo da socialização,
complexidade e fluidez da interação, quando encarada mais como nem deveria ser, tratada como análise estática: “A estrutura so-
de formas sociais...” *º cial, disse Fortes de uma feita, precisa ser “visualizada” como
processo do que como simples sanção “soma de processos no tempo”, E, dizia eu, a estrutura social é,
A essa lista patcial só podemos ajuntar sucintamente alguns
implicitamente, uma estrutura de acontecimentos...” 2º E, con-
dos mais recentes argumentos em favor do ponto de vista do cluindo, reitera seu argumento:
processo. Os antropólogos, por exemplo, tornaram-se
profunda-
mente interessados por essa questão nos últimos anos. G. P. parece impossível falar em estrutura social no singular. A aná-
lise em função de estrutura é incapaz de apresentar sociedades in-
Murdock parece ecoar o pensamento de Small quando diz:
4

Tudo bem pensado, a concepção estática da estrutura social, que 23 George P, Murdock, “Changing Emphasis in Social Structure”,
da estrutura existente de
procura explicações exclusivamente dentro Southiwestern Journal of Anthropology, 11 (1955), p. 366.
2t Raymond Firth, “Some Principles of Social Organization”, Jour-
21 Emory S. Bogardus, The Development of Social Thought, 4º
edi-
nal of the Royal Anthropological Institute, 85 (1955), p. 1.
ção (Nova Iorque: David McKay Co, Inc, 1960), p.
567.
esr S.F Nadel, The Theory of Social Structure (Nova Iorque: Free
22 Melvin Sceman, crítica de Human Behavior and Social Process: Press of Glencoc, Inc, 1957).
Sociolo-
An Interactionist Approach, org por Arnold M, Rose, American 26 Ibid, p. 128.
gical Revieiw, 27 (1962), p. 557.
41
do
teiras; nem se pode dizer, o que dá no mesmo, acêrca
de nenhuma A associação humana altamente estruturada é relativamente
sociedade, que ela exibe uma estrutura abrangente, coerente, segun- infrequente e não o protótipo da vida humana em grupo. Em
do a nossa compreensão do têrmo. Existem sempre clivagens, disso- sintese, os padrões institucionalizados constituem sômente um
ciações, enclaves, de modo que qualquer descrição que pretenda apre- aspecto conceptual da sociedade e apontam para uma patte ape-
sentar uma estrutura única só apresentará, de fato, um quadro
fragmentário ou unilateral 27 nas do processo em marcha. (E, como sustentamos mais adiante,
é mister que se vejam incluídos padrões aberrantes e de desajus-

Como exemplo final em Antropologia, devemos mencionar tamento; em benefício da clareza conceptual e da relevância em-
pírica, a “institucionalização”, provavelmente, não deveria ser
o argumento convincente de Evon Z. Vogt, segundo o qual os tomada como se implicasse tão-só a “legitimidade”, o “consenso”
conceitos de estrutura e processo precisam ser integrados num
e os valôres finalmente adaptativos )
modêlo teórico geral. Como demonstrou Nadel, é êrro conce-
her a estrutura como estática e a mudança como patológica. De- Como derradeira nota de rodapé do nosso esbôço de con-
vemos antes estabelecer a primazia da mudança, vendo na estru- cepção do processo, releva notar que os teoristas da personalida-
de também parecem repudiar a concepção estática de personali-
tura a maneita por que a realidade móvel se traduz para o obser-
dade. Dessarte, encarando a personalidade como um sistema
vador, numa observação instantânea e artificial. As estruturas
sociais e culturais são apenas as interseções, no tempo e no es- aberto, diz Gordon Allport:
28
paço, do processo da mudança e do desenvolvimento em curso. Trata-se, evidentemente, de um sistema incompleto, que apre-
Entre os sociólogos, um crítico perene da concepção estru- senta vários graus de ordem e desordem. Possui, ao mesmo tempo
tural do grupo é Herbert Blumer. Blumer afirmou que a vida estrutura e ausência de estrutura, função e disfunção. Como diz
Murphy, “tôdas as pessoas normais têm muitos parafusos soltos”.
do grupo recebe do próprio processo interativo em curso suas Não obstante, a personalidade está suficientemente unida para qua-
principais características, que não podem ser adequadamente ana- lificar-se como sistema — que se define simplesmente como um
lisadas em função de atitudes fixas, de “cultura” ou de estrutu- complexo de elementos em mútua interação. 30
ra social, nem podem ser conceptualizadas em função de uma
estrutura mecânica, do funcionamento de um organismo ou de Em contraste com êsses pontos de vista, precisamos apenas
um sistema em busca de equilíbrio, “...
em vista do caráter lembrar as muitas críticas que destacam a incapacidade ou inépcia
formativo e exploratório da interação, pois os participantes se do tipo parsoniano de estrutura diante dos fatos de processo, do
julgam uns aos outros e orientam os próprios atos por êsse vira-ser” e da grande amplitude do “comportamento co-
julgamento”. letivo”, 3
O ser humano não é arrastado de um lado para outro, como Sugerimos neste ponto que concepções como a de Blumer,
unidade neutra e indiferente, pela operação de um sistema. Como uma continuação da perspectiva de muitos sociólogos e psicólo-
um organismo capaz de auto-interação, forja as suas ações por um gos sociais anteriores desdenhados, representam um ponto de

.
processo de definição que envolve escolha, avaliação e decisão... vista que está sendo agora adotado por muitos sob a rubrica de
As normas culturais, as posições de status e as relações de papel são
apenas quadros de referência, dentro dos quais se verifica aquêle Gordon W. Allport, Pattern and Growth in Personality (Holt,
processo de transação formativa. 20
Rinehart & Winston, Inc, 1961), p. 567. Veja também o seu trabalho
The Open System in Personality Theory”, em Personality and Social Em-
27 Ibid, p 153. counter: Selected Essays (Boston: Beacon Press, 1960), Cap. 3,
es Evon Z. Vogt, “On the Concept of Structure and Process in
Cultural Anthropology”, American Antbropologist, 62 (1960), 18-33.
31 Veja, por exemplo, Alvin V. Gouldner, “Some Observations on
Systematic Theory: 1945.55”, em Sociology in the United States of Ame-
29 Herbert Blumer, “Psychological Import of the Human Group”, rica, org. por Hans L Zetterberg (Paris: UNESCO, 1956), especialmente
em Group Relations at be Crossroads, org. por Muzafer Sherif e M. O as pp. 39-40.
Wilson (Nova Iorque: Harper & Row, Editôres, 1953), pp 199-201.

43
42
como os modelos mecânico e orgânico têm sido usados na So-
“teoria da decisão”. Como antecedentes, bastará mencionar a ciologia recente. Isto envolverá um rápido bosquejo do qua-
«definição da situação” de W. I. Thomas, o “coeficiente
huma-
de Weber, dro de referência mecânico-orgânico parsoniano, que incorpora
nístico” de Znanieki, o “versteben” [compreensão] a“2 as mais importantes dentre as muitas críticas recentes dirigi-
“interpretação” de Becker e a “avaliação dinâmica” de MacIver. das a êle. Em seguida se fará uma comparação com o modêlo
De mais a mais, o esquema parsoniano, em sua ênfase principal, do equilíbrio, de Homans. O nosso principal objetivo nesses
foco. Como afivma Philip
representa uma ruptura com êsse esboços críticos é mostrar as implicações teóricas diametral.
Selznick:
Uma verdadeira teoria da ação social aludiria ao comporta-
mente opostas que se podem sacar, conforme o uso feito de
mento orientado para metas ou solucionador de problemas, isolando
conceitos cu modelos aparentemente similares, que são ina-
resul- dequados à sua tarefa. Sustentaremos, contudo, que as con-
alguns dos seus atributos distintivos, formulando os prováveis
tados de determinada transformação... Nos escritos de Parsons clusões de Homans são tão diferentes porque a sua conceptua-
não encontra guarida a ídéia de que a estrutura está sendo contl- lização está mais próxima do espírito da moderna teoria dos
nuamente aberta e reconstruída pelo comportamento solucionador sistemas do que do espírito do modêlo tradicional de equi-
de problemas de indivíduos que respondem a situações concretas.
Esse é um ponto de vista que associamos a John Dewey e G. H. líbrio, de que ela presumivelmente derivou.
Mead, para os quais, realmente, tem significativa importância inte-
lectual Para êles e para os seus herdeiros intelectuais, a estrutura
social é algo que deve ser levada em conta na ação; a cognição não O Modêlo Parsoniano de Equilíbrio-Função
é meramente uma categoria vazia, senão um processo natural, que
envolve avaliações dinâmicas do eu e do outro 33 A enfadonha tarefa de acrescentar ainda mais uma às mui-
tas críticas ao esquema parsoniano deve defrontar-se com a
Pode-se sustentar, portanto, que está ocorrendo uma re sua frouxa estrutura conceptual. Se bem algumas críticas sejam
focalização através da “teoria da decisão”, concebida em sen- apenas grosseiras caricaturas, o fato de não ser o esquema um
tido lato, quer elaborada em função da teoria da “tensão de pa- sistema de postulação densamente urdido, de conceitos bem
péis”; quer elaborada em função das teorias de dissonância, definidos e consistentemente usados induz a êsse tratamento.
congtuência, ou equilíbrio cognitivo ou da formação de com- Este escôrço só pode pretender retratar ênfases caracteristicas,
da
ceitos; das teorias da troca, da barganha ou do conflito, ou muito mais do que princípios concisos e consistentes: o ana-
teoria matemática dos jogos O problema básico é o mesmo: lista crítico do parsonismo não tarda a verificar que se encon-
de que maneira personalidades e grupos interativos definem, tram nessa obra formulações que aparentemente refutam qua-
avaliam, interpretam, versteben [compreendem] a situação € se todos os argumentos críticos endereçados a êle.
agem sôbre ela? Parsons sempre se mosttou profundamente preocupado com
o conceito de “ordem”, e êle e Shils definem a noção de “sis-
E HOMANS
tema” em seus próprios têrmos:
OS MODELOS DE PARSONS
A propriedade mais geral e fundamental de um sistema é a in-
Nesta seção procuraremos hatmonizar alguns elementos das terdependência de partes ou variáveis. A interdependência consiste
seções anteriores e mostrar, um pouco mais sistemáticamente, na existência de determinadas relações entre as partes ou variáveis
em contraposição ao caráter aleatório da variabilidade Em outras
a2º O leitor encontrará excelente introdução inicial aos aspectos so- palavras, a interdependência é a ordem na relação entre os compo-
Social Causation, nentes que entram num sistema, 34
ciológicos do que hoje se chama “teoria da decisão” em
de Robert M Maclver, Capítulos 11 e 12
of Talcott 84 Talcott Parsons e Edward A. Shils, orgs, Toward a General Theo-
3 Philip Selznick, “Review Article: The Social Theories
934. ry of Action (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1951), p. 107.
Parsons”, American Sociological Review, 26 (1961),

4d 45
Convém notar que, sob essa definição, a “ordem” na so- mecânica da inércia. Pergunta-se, a seguir, que classes de ten-
ciedade pode abranger não só os padrões ou processos insti- dências mão mantenedoras dessa interação existem. Em pri-
tucionais legitimados, mas também a aberração, as alternati- meiro lugar, os novos membros que ingressam no sistema de-
cole-
vas subculturais, o conflito persistente, o comportamento vem adquirir, através da aprendizagem, suas orientações con-
tivo sistematicamente estruturado, etc. — enquanto puderem formativas de papel, visto que elas não são inatas. Em se-
ser encarados como funções das “relações determinadas entre gundo lugar, como a aprendizagem nem sempre é adequada em
as partes” do sistema e não meros incidentes fortuitos.
Aten- face da situação social existente, surgem “tendências para a
tese aqui também, todavia, para um significado completa- aberração, pata afastar-se da conformidade com os padrões nor-
mente diferente dado ao conceito de “ordem”, mais adiante. mativos, que passam a ser estabelecidos como a cultura co-
na mesma obra: mum”. 37 Essas duas fontes principais de aberração apresen-
A ordem — coexistência pacífica em condições de escassez —
tam, assim, ao sistema social “problemas” de contrôle, visto
é um dos primeiríssimos imperativos funcionais dos sistemas que, toleradas, tenderão a mudar ou desintegrar o sistema.
sociais 35 Dessa maneira, o sistema “enfrenta” êsses problemas através
dos seus “mecanismos de contrôle”: mecanismos de socializa-
Chamamos a atenção para essa diferença de significado ção e mecanismos de contrôle social trabalham de mãos dadas
com mecanismos de defesa e ajustamento no sistema da perso-
porque ela se encontra na raiz de grande parte da dificuldade nalidade para motivar os atôres à conformidade com o siste.
e da ambiguidade do esquema parsoniano, que aponta, de um
lado, para relações causais neutras e, de outro, para relações ma de expectativas, opor-se à aberração e a outras tensões,
normativas ou avaliatórias. que atuam sôbre o sistema, pata trazêlo de volta ao estado
Como vimos, Parsons e Shils em seguida postulam que dado e manter o equilíbrio inicial, A guisa de exemplo, afir-
“essa ordem precisa ter uma tendência para a automanuten- ma-se que as possibilidades de desequilíbrio nascem do fato
ção, que quase sempre se expressa no conceito de equilíbrio”.
* de nem sempre serem as idéias não empíricas comuns a todos
Ai está claramente implicada a segunda significação de ordem. os membros de uma coletividade, como é preciso que o sejam
Uma propriedade central adicional é a tendência do sistema a fim de manter a estabilidade. Tais possibilidades são re-
duzidas por mecanismos de contrôle — mecanismos de “imposi-
social para manter o equilíbrio dentro de certos limites relati-
ção” da uniformidade e estabilidade em crenças “tradiciona-
vos a um meio (tudo que não é parte do sistema), proprie-
dade considerada muito semelhante ao conceito biológico da lismo” e a “imposição por autoridade” constituem dois tipos
homeostase. O conceito dos imperativos funcionais também se principais dêsses mecanismos
harmoniza com o modêlo biológico: condições constituintes e Finalmente, se os mecanismos de contrôle do sistema não
precondições empiricamente necessárias de sistemas em curso, es- funcionarem adequadamente, o sistema modificará o seu estado
tabelecidas pelos fatos da escassez na situação-objeto, a natu- ou se desintegrará. Em outras palavras, o sistema funciona
reza do organismo e as realidades da coexistência. ou não funciona e, em qualquer caso, analisamos a situação
focalizando os mecanismos de contrôle.
Para Parsons é fundamental a suposição de que a manu-
tenção de um estado estabelecido de um sistema social é não- Tem merecido frequentes reparos dos críticos o status am-
-problemática, e que a tendência para manter o processo de inte- bíguo da “aberração” no sistema social de Parsons Se bem
ração é a “primeira lei do processo social”, semelhante à lei reconheça em muitos trechos que a aberração, as tensões e os
esforços estruturados são partes integrantes, determinadas, de
36 Ibid, p 180, 37 Talcott Parsons, The Social System (Nova Iorque: Free Press of
38 Ibid. Glencoe, Inc, 1951), p. 206.

47
da sua ex- cada qual se conforma com as expectativas do outro (ou dos outros)
um sistema social, êle identifica, em algum ponto de tal maneira que as reações do outro (ou dos outros) às ações do
posição, o “sistema” com a estrutura dominante, legitimada, ins-
ego são sanções positivas, que servem para reforçar as suas dispo-
titucionalizada ou, pelo menos, com as estruturas característi- sições de necessidades especificadas e, assim, realizar as suas ex
cas que não inclnem tensões padronizadas nem aberração e de- pectativas dadas 38
sordem estruturadas. E o conceito de “aberração instituciona-
lizada”, ora amplamente reconhecido por muitos sociólogos, Porventura o estado estabelecido não inclui também a in-
poderia ser uma contradição em têrmos para Parsons. teração estruturada não complementar, em que cada qual frus-
Em compensação, é possível argumentar que, ao lidar com tra as expectativas alheias, e assim por diante? Ou ainda:
um sistema social, ou com qualquer sistema, em nível científico, Um sistema social é sempre caracterizado por um sistema de
a aberração é um conceito normativo, ou antropocêntrico, rela- valôres institucionalizado. O primeiro imperativo funcional do sis-
tivo a algum ponto de referência arbitrariamente escolhido tema social é manter a integridade do sistema de valôres e sua ins-
No sistema solar, por exemplo, os astrônomos descobriram ligei- titucionalização. Esse processo de manutenção significa estabiliza-
ção contra pressões no sentido de mudar o sistema de valôres... A
ras “aberrações” das órbitas planetárias, em relação à elipse tendência para estabilizar o sistema em face das pressões que visam
perfeita, principalmente resultantes das interações dos próprios a mudar os valóres institucionalizados, através de canais culturais,
planêtas Mas essas “aberrações” são apenas subjetivamente pode ser denominada a função de “manutenção do padrão”... Nas-
interpretadas como tais, isto é, relativas ao observador huma- cidas de tensões em qualquer parte da situação social ou de fontes
no, que escolhe arbitrâriamente um esquema de referência (a orgânicas cu quaisquer outras fontes interpessoais, as tensões moti-
vacionais podem ameaçar a motivação individual à conformidade
elipse perfeita) e com êle compara a realidade. Na teoria físi- A estabilização
com as expectativas institucionalizadas de função.
ca, porém, as “aberrações” fazem parte do sistema total tanto contra essa fonte potencial de mudança pode chamar-se “manejo de
quanto a própria trajetória elíptica, e o sistema de fôrças em tensão”. 39
ação não permite distinção alguma. No caso do sistema social,
trata-se de saber se a conformidade e a ordem, de um lado, Podemos aceitar tudo isso, mas onde estão os contrapontos?
e a aberração e a desordem, de outro, devem ser consideradas, Podem-se fazer suposições e proposições igualmente defensáveis,
em igualdade de condições, como características ou produtos do tais como:
sistema. Se a resposta for “sim”, precisaremos equilibrar os
“mecanismos de contrôle” ou conformidade com uma busca Um estado estabelecido de qualquer sociedade complexa inclui
igualmente ardente e uma análise dos “mecanismos” da aberra- a interação estruturada não complementar (por exemplo, conflito
ção e da desordem Em ambos os casos, os “mecanismos” organizado, competição organizada, e assim por diante) em que cada
focalizam arbitrariamente aspectos do sistema, sem diferença de ator frustra as expectativas ou a busca de metas de outros.
Um sistema social é sempre caracterizado por múltiplos e con-
status, e ambos se afigurariam importantes pontos de tratamen- traditórios sistemas de valôres e seus muitos matizes de interpreta-
to das realidades da sociedade. ção de ação e interação concretas.
Se fôr correto dizer-se que um estado especificado (ou es- Um dos primeiros imperativos de um sistema social relativa-
tabelecido) de um sistema social, em qualquer momento, abran- mente ordenado, capaz de satisfazer às necessidades e livre de ten-
sões, é a criação de aberrações e variedades não patológicas como
ge tôdas as relações determinadas das partes incluindo, ao mes- fonte básica do continuado exame crítico e da mudança considerada
mo tempo, o que denominamos padrões de “conformidade” e das estruturas institucionalizadas e das interpretações de valôres.
padrões de “aberração”, o seguinte enunciado de Parsons será
claramente unilateral:
38 Ihid, pp. 2045.
Um estado estabelecido do sistema social é um processo de in- ao Talcott Parsons e Neil J Smelser, Economy and Society (Nova
teração complementar de dois ou mais atôres individuais, em que Torque: Free Press of Glencoe, Inc, 1956), pp 16-17.

48 49
A tendência para mudar o sistema em face de pressões tenden- tes, harmoniosos, mútuos, comuns, recíprocos, complementares,
tes à conservar a interpretação tradicional e institucionalizada de va- estabilizados e integrados. Numa palavra, o “sistema” aqui
lôres, através de canais culturais, pode denominar-se função de “re- exclui, ou incluí apenas residualmente, tensões estruturadas e
novação de padrões”. padrões aberrantes, os quais, no entanto, como o sabemos mui-
As tensões motivacionais, nascidas das pressões para a confor-
to bem, podem ser constantes, mútuos e recíprocos, no interior
midade em qualquer parte da situação social, ou de outras fontes,
de si mesmos e, em larga escala, em relação à estrutura domi-
podem ameaçar « motivação individual para pôr em dúvida a inte-
gridade do sistema de valôres e para inovar no tocante às expecta- nante (recorde-se, por exemplo, o estudo das atividades crimino-
tivas de funções institucionalizadas, ajudando assim a preservar uma sas em Street Corner Society, de William P. Whyte).
estrutura sociocultural disfuncional. A inovação contra essa fonte É mister assinalar que, essencialmente, essas críticas fo-
potencial de preservação de uma estrutura inadeguada pode cha-
mar-se “liberação da tensão criativa”. ram dirigidas ao esquema de Parsons há quase duas décadas por
importantes teóricos, mas sem impacto aparente. Assim, Theo-
E assim por diante. Um exercício como êste revela, ao dore Newcomb, em sua “Discussão” do ptimitivo enunciado de
Parsons acêrca da sua posição teórica, afirmou:
menos, a facilidade com que podemos permitir que uma termi-
nologia vaga e suas muitas conotações implícitas instilem ambi- A principal reordenação que propus se refere a duas de suas
guidade, quando não prevenções, em nossas proposições teóri- “Divisões” da teoria sociológica: “a teoria da motivação do compor-
cas pretendidas. tamento institucional” e “a teoria da motivação do comportamento
aberrante e o problema do contrôle social”. A distinção entre essas
Finalmente, nosso argumento pareceria fazer a seguinte es- duas espécies de motivação me parece pertencer à espécie que Kurt
tratégia de valor discutível: Lewin antes denominaria fenotípica do que genotípica. Em têr-
mos de psicologia social... não se me afigura haver diferença im-
-
quanto ao sistema social e à personalidade, não nos ocupare- portante entre papéis motivados conformativos e os que o não são.
mos do problema da manutenção de estados especificados do siste-
De um ponto de vista psicológico, o processo de aprendizagem
ma social, a não ser que existam tendências conhecidas para altera-
rem ésses estados. (Grifo de Parsons) 49 para responder de certas maneitas a outras pessoas é o mesmo, quer
seja o resultado final um papel conformativo, quer seja um papel
aberrante. Em qualguer caso, o processo é de comportamento diri-
Se um estado especificado de um sistema social contém gido para determinada meta, gue envolve percepção, desempenho,
sempre tendências para alterar êsse estado, como diz Parsons pensamento e afeto A meta para a qual se dirige o comportamento
amiúde, a manutenção passa a ser eternamente problemática. enquanto estão sendo adquiridos papéis institucionalmente prescri-
tos não é, necessariamente, “a aquisição do papel prescrito”. 42
Só poderemos falar em “lei da inércia” quando não existir fon-
te de mudança no interior do próprio sistema. Eis af uma dife-
Grande parte da discussão referente ao lugar da aberra-
rença fundamental entre um sistema fechado e um sistema aber-
ção no sistema social poderia repetir-se em relação ao status
to, que será discutida mais circunstanciadamente em outro local.
do “comportamento coletivo” a respeito de estruturas institu-
Considerando atentamente o plano de Parsons, percebemos cionalizadas. Pode-se argumentar que qualquer análise diná-
que a sua orientação conservadora foi seguida à risca na elabo- mica deve focalizar igualmente as fontes sistemáticas (ou “me-
ração do modêlo. Os limites do sistema são definidos em fun-
canismos”) do comportamento coletivo. Um enfoque dessa
ção dos “padrões de constância”, ligados a um conjunto harmo-
nioso de normas e valôres comuns, expectativas que se apóiam
natureza reconheceria, pelo menos, que os padrões do sistema
caem num continuo, que vai do “institucionalizado” ao quase
mutuamente, etc. O equilíbrio, por seu turno, é definido em não estruturado, e que muitas formas de padiões presumivel-
função do sistema mantenedor de limites, de padrões constan-
41 Theodore Newcomb, “Discussion”, American Sociological Review,
40 Parsons, The Social System, p 204 13 (1948), 168-69.

51
50
mente “legitimados” jazem fechadas para a área do comporta- 4. O modêlo parsoniano está inçado de antropomoifismo
mento coletivo — por exemplo, muitas estruturas de poder « e teleologia. O sistema “procura” o equilíbrio, tem “proble-
mudanças de regimes em muitas nações ilustram êsse contínuo. mas” e “imperativos” de contrôle, tem “necessidades sistêmi-
Com base em nossa breve discussão podemos agora tentar cas”. Parsons nunca se esquece de aspar êsses têrmos e expli-
sumariar mais explicitamente os ptincipais problemas com que citamente faz referência convencional aos perigos envolvidos.
se defronta o modêlo parsoniano, que usaremos como pontos Infelizmente, porém, como o revela a história da ciência, isso não
de comparação com o modêlo de Homans. basta para cobrir todo o preço que teremos finalmente de pagar
pelo empiêgo dessas noções por seu presumível valor heurís-
1. O sistema social de relações determinadas inclui ape- tico. Rigorosamente falando, até para sistemas caracterizados em
nas, ou primordialmente, as relações determinadas que compõem função da “busca de metas”, a análise cibernética corrobora o
a estrutura dominante “institucionalizada” de conformidade às
expectativas de papel. Essa estrutura dominante é assim toma- ponto de vista de que os têrmos teleológicos, como “imperati-
da como o ponto fixo de referência, em contraste com o qual vo funcional”, são totalmente redundantes, em face de uma de-
finição adequada do sistema de que estamos tratando,
outras estruturas ou consegiências latentes são vistas como po-
tencialmente diruptivas. Estas últimas suscitam “problemas” 5. Os postulados “mecanismos de contrôle” são inteira-
de contrôle (imperativos funcionais) ao sistema (isto é, à estru- mente unilaterais. Podemos admitir que o emprêgo do conceito
de “mecanismo” é válido e valioso: refere-se a uma parte arbi-
tura institucional dominante), que precisam ser enfrentados para
tràriamente isolada de um sistema total, que é, êle mesmo,
que o sistema se mantenha ou conserve. Dessa maneira, o “sis-
tema social” se acanha para abranger apenas certas relações de- tratado como um sistema a fim de se aquilatar a sua relevân-
terminadas — as de suposta “coexistência pacífica”, ou a defi- cia (em têrmos de possíveis resultados alternativos do mecanis-
nição alternativa de “ordem”, de Parsons. mo) para o sistema total, O que Parsons realmente faz, en-
2. Isto significa que a aberração e as tensões de várias tretanto, é isolar os mecanismos de contrôle e julgar-lhes a re-
espécies são residuais no modêlo, visto que não se lhes dá sta- levância, não para o sistema total, senão para a parte repre-
tus cabal como partes integrantes do sistema. Essa aberração sentada pela estrutura dominante ou legitimada, que êle tomou
ou essas tensões, quer se manifestem em sintomas neuróticos como ponto fixo de referência Segue-se, então, que tôdas as
difusos, quer se patenteiem em comportamento delinquente e outras estruturas ou tendências para a mudança estrutural são
criminoso, em movimentos sociais parcial ou plenamente organi- aberrantes ou disfuncionais e devem ser neutralizadas pelos me-
zados ou em inovação ideacional, precisam ser consideradas en- canismos, Para corrigir essa unilateralidade e ser coerente com
globadamente e tratadas como disfuncionais para o sistema as realidades de um sistema social, seria necessário tomar as
tensões estruturadas e a aberração estruturada como parte inte-
3. Surge a questão de se saber se a postulada “lei da
estática social” ou “inércia social” é aplicável a um sistema di- gtante do sistema e como ponto fixo de referência e perguntar
nâmico dentro do qual existem, como elementos integrantes, quais são os mecanismos tendentes a manter essas estruturas,
que podem ser isolados. A resposta levaria diretamente aos
fôrças ou pressões tendentes à mudança. Dir-se-á que isto só
tem sentido quando tais pressões são consideradas externas em
problemas cruciais de poder, ideologia e propaganda, interêsses
relação ao sistema, como o faz amiúde Parsons no que concer-
adquiridos, etc. Observamos, de fato, que, em sua discussão
da mudança social, Parsons dá a êsse último conceito um papel
ne ao seu “sistema”. Podemos concordar aqui com a sua pró-
pria observação, segundo a qual a lei da “inércia” “é, sem dú-
central, mas não encontra lugar para êle em seu modêlo teórico;
vida, contrária a grande parte do bom senso das ciências
(fato que talvez se relacione com o seu tom pessimista na dis-
cussão das possibilidades atuais de uma teoria da mudança).
sociais...” “2
Em suma, notamos que o modêlo conduz apenas a uma con-
42 The Social System, p 205. sideração de mecanismos como os de defesa, ajustamento e

53
contrôle da aberração, todos visando à adaptação do ator a uma Um sistema social, entretanto, não possui uma estrutura
estrutura dominante dada, sem levar em conta os mecanismos fixa, normal, dessa natureza, que, modificada dentro de limi-
histôricamente óbvios, que adaptam ou mudam a estrutura do tes estreitos, acarreta necessiriamente a “morte” do sistema.
sistema para acomodar o ator e manter O sistema total, Em contraste com o sistema organísmico, os sistemas sociais ca-
racterizam-se primordialmente pela propensão para mudar sua
6. Segue-se que, como no caso do conceito relacionado de
aberração, o modêlo parsoniano encontra grandes dificuldades estrutura durante a sua “existência” culturalmente contínua.
última tende Em tais circunstâncias, Parsons estende o modêlo organísmico
para lidar com a mudança social, visto que esta além dos seus limites quando se restringe ao uso de uma es-
também a ser vista como residual — algo que acontece ao siste-
trutura fixa existente como ponto de referência para avaliar
ma quando se rompem as relações e mecanismos com que se
avém o modêlo. Isto, não rato, parece implicar que as tontes os “imperativos funcionais” de um sistema social. sses impe-
de mudança são sempre externas em relação ao sistema, se rativos podem referir-se perfeitamente às próprias possibilida-
des de existência de um sistema genérico
bem se declare explicitamente que o modêlo permite a mudança (por exemplo qual.
endógena. quer sistema, sem embargo da sua estrutura interna particular
Poder-se-á sugerir que o capítulo de Parsons sôbre a mu- precisa fazer provisões de comida, abrigo, reprodução, e assim
por diante), mas, como o esclarece qualquer texto de Antto-
dança em The Social System é muito mais penetrante e de al- pologia ou de História, nenhuma estrutura interna particular
cance muito maior do que jamais o permitiria a estrita adesão
Em particular, dá-se um lugar destacado ao ou “normal” será capaz de satisfazer, sôzinha, a êsses impera-
ao seu modêlo. tivos. Embora existam, sem dúvida, limites dentro dos quais
papel dos sistemas de idéias ou crenças no primeiro, porém as características de uma estrutura de sistema social podem va-
insignificante no modêlo, visto que, para Parsons, as idéias não riar e, ainda assim, permanecer suficientemente compatíveis com
“concordes” com a estrutura social dominante são aberrantes a manutenção do sistema, é lícito afirmar que tais limites, para
e inibidas pelos mecanismos de contrôle.
um sistema social em confronto com um organismo ou um
7. Finalmente, causa de grande dificuldade para o mo- sistema mecânico, podem ser relativamente amplos E dentro
délo parsoniano é o fato de ter sido construído segundo uma dêsses limites se coloca a maioria das questões sociolôgica-
mistura do modêlo biológico de estrutura e função e do mo- mente interessantes
delo mecânico de equilíbrio. É significativo que os modelos
biológico e mecânico se separem em favor do sistema social pre-
cisamente nos pontos em que o modêlo de Parsons é mais ira- O Modêlo do Equilibrio de Homans
co e mais sujeito a críticas. (a) No sistema organísmico te-
mos uma estrutura relativamente fixa, normal para a espécie em
E de grande interêsse notar que o modêlo de Homans, 4º
determinado momento. (b) Essa estrutura biológica normal
nos ministra critérios perfeitamente definidos em confronto com conquanto similarmente baseado no conceito de equilíbrio, deri-
vado de Pareto, foi construído em têrmos de princípios e supo-
os quais podemos avaliar estruturas e processos aberrantes ou
disfuncionais. (c) A medida que surgem as tendências para a sições diametralmente opostos aos enumerados na síntese ante-
rior. Podemos, assim, analisá-los em função dos mesmos sete
aberração da estrutura normal (devidas principalmente a causas
pontos.
externas, como moléstias, extremos climáticos, etc.), entram
em ação mecanismos homeostáticos automáticos para neutrali-
zá-las e conservar a estrutura normal. (d) Quando êstes falham,
o organismo se desintegra (morre) e funde-se no meio.
13 George C Homans, The Human Group
Brace & World, Inc, 1950)
pl (Nova Iorque:
q ut,
Harcourt

54
5
1. Para Homans, o sistema é coerentemente definido em figuração está equilibrada e mantém-se um estado constante,
têrmos das inter-relações determinadas, recíprocas, de tódas as Ás vêzes está desequilibrada e ocorrem mudanças contínuas. *!
suas partes, sem levar em conta a estrutura particular em que 4. Nem todos os estados de um sistema estão em equili-
essas inter-relações se manifestam. (As pattes ou elementos
brio, nem o sistema “procura” o equilíbrio. Além disso, um
básicos são atividades, interação, sentimentos e normas.) Ássim, sistema não tem “problemas”, e as estruturas não surgem por
as inter-relações dos elementos se manifestam ora como uma es- serem “necessárias” a êle — por serem “imperativos funcio-
trutura de família, ora como uma estrutura de trabalho ou nais” — senão porque há fôrças gue as produzem, fôrças que
de comunidade. Não existe nenhuma tentativa para tomar qual- se manifestam na natureza dos elementos do sistema e de suas
quer uma dessas estruturas como pontos fixos, privilegiados, relações mútuas. Pela mesmíssima razão as estruturas podem
de referência. desaparecer.
2. Isto significa que a aberração é uma parte integrante O sistema é o contrôle social, não “impõe” um con-
5.
do sistema, explicável em têrmos das relações mútuas determi- trôle. O contrôle social está implícito mas relações dos seus
nadas dos elementos Por exemplo, o sistema social desenvolvi-
elementos; é o processo pelo qual, em se afastando o homem do
do na unidade de trabalho na Western Eletric, em Hawthorne
seu grau existente de obediência a uma norma, outras mudanças
(Capítulo 3) era analisável em dois grupos especiais, cada qual acabam por trazê-lo de volta a êsse grau (se o sistema estiver
com um comportamento aberrante em relação ao outro.
Se
do sistema em equilíbrio e o contrôle, assim, fôr eficaz). Os “contrôles”
bem uma norma de trabalho constituísse parte total não são mais do que relações de mútua dependência, e não um
(ou gtupo), as relações mútuas entre os elementos eram tais elemento separado da organização, nem uma “função” executa-
de obe-
que, se um homem se afastasse do seu grau existente da pelo grupo. De mais a mais, a inteligência e as idéias par-
diência à norma (em certos casos totalmente aberrante), outras
ticipam do contrôle social e, portanto, têm um lugar no siste-
mudanças no sistema de relações o trariam de volta a êsse grau. ma: a inteligência permite à pessoa, antes de encetar a ação,
Destarte, pressões e tensões podem ser uma parte integrante “ver” as relações entre os elementos interdependentes do sis-
do sistema (manifestando-se por meio da organização particular tema e, dessa maneira, agir de acôrdo com êsse discernimento
de sentimentos, padrões de interação, atividades e normas), € e obviar consegiiências danosas Isto, por seu turno, permite
constituem — ao lado da estrutura normativa consensual — que se localize no sistema o conceito de “autoridade”. Quan-
um equilíbrio automantenedor. do uma ordem dada por um líder é aceita por um membro e
3. Para Homans, a manutenção de um padrão ou esttu- lhe controla as atividades no grupo, diz-se que o lider tem auto-
tura dados é problemática, chega a ser um “milagre”. Por ridade sôbre êsse membro; o que quer dizer que a autoridade
é costumeiro um costume? Por que se repetem as repeti- de uma ordem reside sempre na disposição de obedecer-lhe ma-
que
ções? Tais são as questões protéicas que se apresentam a nifestada pela pessoa a quem foi dirigida. Mas a liderança, o
Homans. Os padrões estabelecidos de conformidade ou aberra- contrôle ou a autoridade eficazes supõem que as relações mú-
ção não se sustentam automâticamente, e a regularidade persis- tuas de um grupo sejam tais que o processo grupal zele por
te porque o afastamento encontra resistência. Nem é a resis- que o indivíduo escolha direito, isto é, por que as escolhas
tência simples inércia. Consiste, antes, na maneira pela qual “erradas” ponham em operação fôrças que as tragam de volta
estão inter-relacionados os elementos do sistema: uma mudança ao que era considerado certo pelo grupo.
num elemento resulta numa mudança em outtos, que a neutra- 6. ÀÃo estudar a mudança social nada descobrimos de
lizam e o trazem de volta ao estado original. Diz-se que um nôvo na relação entre os elementos do comportamento. Só
sistema em que isso ocorre está em equilíbrio Um sistema
social é uma configuração de fóôrças dinâmicas; às vêzes, a con- 44º
Thid, p. 282.

56 57
vemos como a mudança de valor de um ou mais dos elemen- A mudança conscientemente dirigida pode-se
converter num
tos (por exemplo, um acréscimo ou decréscimo) provoca mu- problema para o líder ou para os líderes (não um “problema”
danças em outros. para o “sistema” como tal), qual seja, o de manipular os ele-
Ao tratar da mudança, Homans aprecia tanto os proces- mentos ou as relações entre elementos do sistema de modo
sos de crescimento ou elaboração de estruturas (“evolução que qualquer afastamento do caminho que conduz à meta tope
adaptativa”) quanto os processos de desorganização e desinte- com mudanças que obstem ao afastamento. (Observe-se que
gração de estruturas (“anomia”). Ao fazêlo, distingue no siste- isso não supõe necessâriamente a manipulação dos membros do
ma total dois sistemas analiticamente separáveis, o “externo” e sistema, mas pode significar a manipulação da estrutura existente
o “interno”, e os relaciona em têrmos do conceito de realimen- de relações, de tal modo que o que os membros desejam fazer
tação. O sistema externo se refere às relações entre opiniões, coincida com o que se requer para que o sistema continue a
atividades, interações e normas encaradas como respostas dadas ser um sistema.)
pelos membros às necessidades de sobrevivência num meio. 7. Finalmente, Homans rejeita o modêlo biológico de es-
O sistema interno se refere às elaborações dêsses elementos e trutura-função ao atacar-lhe as escoras metodológicas básicas.
às suas relações, que simultâneamente nascem do sistema exter- Critica sobretudo a noção de sobrevivência da sociedade como
no e o realimentam, bem como ao sistema em conjunto. Os demasiado nebulosa para ser útil, a menos que seja muito clara
dois sistemas analiticamente separados definem-se relativamen- e concretamente especificada. Com efeito, dá a entender que a
te e são mutuamente dependentes. À realimentação que ocorre idéia da sobrevivência ou continuidade na teoria funcional só
entre ambos pode ser favorável ou desfavorável à existência pode tornar-se rigorosa se a sobrevivência fôr redefinida como
continuada de um, do outro, ou de ambos. Por exemplo, à equilíbrio E sublinhou que os sistemas não “procuram” essa
medida que o sistema interno evolve do externo, disso pode condição, nem todos os sistemas se acham nesse estado.
resultar uma divisão particular de trabalho (por exemplo, o de- Posto que o modêlo de Homans evite grande parte da di-
senvolvimento de grupos baseados em diferenciação de ativida- ficuldade e da ambigiúidade inerentes ao sistema parsoniano, sua
des ou distinções sociais), um esquema de interação que passa própria fraqueza parece residir precisamente na noção, mecâni-
a agir como um sistema de comunicação onde êste era mínimo camente derivada, do equilíbrio. Homans nos diz que, se um
ou não existia no sistema externo, e como contrôle social auto- sistema está em equilíbrio, podemos esperar que disso decortam
-impôsto e que sustenta um conjunto de normas surgidas. certas consegiências, mas não nos ministra base alguma para
É a elaboração dêsse excedente de estruturas, conducentes a determinar se um sistema está ou não em equilibrio —— para
novas atividades e novas reações ao meio, que proporciona mat- definir as condições em que êle está ou não em equilibrio.
gem ao sistema social para a evolução adaptativa. Como o equilíbrio se define operacionalmente em têrmos das
Por outro lado, no caso de estruturas já elaboradas, uma consegiiências reais do fato de achar-se um sistema nesse esta-
mudança em um ou mais elementos do sistema externo pode do, necessitamos de critérios independentes dessas consegiiências
conduzir a um decréscimo do valor quantitativo ou qualitativo empíricas. Mas como o modêlo de Homans nos deixa agora,
de elementos do sistema interno. Tais efeitos internos, a se- só podemos esperar para ver o que acontece e depois dizer que
guir, podem realimentar o sistema externo, acelerando ainda mais o sistema deve ter estado ou não em equilíbrio, ex post facto.
o processo de mudança. A menos que êsse processo seja ata- Esta, contudo, não é a principal dificuldade, pois Homans
lhado de alguma forma, as relações mútuas do sistema se de- sabe perfeitamente — tendo-o proclamado diversas vêzes — que
compõem numa espiral de realimentação positiva e o sistema o sistema de que êle está falando é um sistema aberto, em inte-
como tal, desorganizado, pode-se desintegrar ou cindir-se em ração com um meio, de tal forma que uma mudança irrever-
fragmentos separados. sível de estados do sistema é, uma característica inerente A

>8 59
deria encerrar num modêlo de equilíbrio mecânico. Os siste-
sua admissão dêsse fato faz-se em têrmos da sua distinção entre
“sistema externo” e “sistema interno”, * mas de equilíbrio mecânico não elaboram estruturas, não criam
relações novas e mais complicadas, não revelam causas eficientes
Supondo que esteja estabelecido entre os membros de um gru- favoráveis a causas finais, não progridem sem a ajuda de nin-
po um conjunto qualquer de relações que satisfaçam à condição de guém para novos níveis de sobrevivência, São sistemas fecha-
sobrevivência do grupo por algum tempo em seu meio particular,
físico e social, podemos demonstrar que, baseado nessas relações, O dos e entrópicos. Os sistemas sociais não o são. Num
ponto,
Homans recorreu à analogia do motor
a
a
grupo criará novas; que estas últimas modificarão ou até criarão as gasolina, mas não deixou
relações presumidas no início; e que, finalmente, o comportamento de reconhecer que
do grupo, além de ser determinado pelo meio, modificará, êle pró-
prio, o meio. 46 + existe uma grande diferença entre descrever o motor a ga-
A vida social nunca é totalmente utilitária: elabora-se, compli- solina e descrever o grupo. Com o motor a gasolina mostramos
ca-se, transcendendo as exigências da situação original A elabora- como os acontecimentos ulteriores do ciclo criam as próprias con-
ção acarreta mudanças nos motivos dos individuos... Mas a ela- dições que presumimos no comêço, Teremos de conceder campo de
boração também significa mudanças em suas atividades e interações ação à evolução emergente. 44
— mudanças, com efeito, na organização do grupo como um todo 47
A sociedade não se limita a sobreviver; sobrevivendo, cria con- Em segundo lugar, Homans argumenta com a sua simpli
dições que, em circunstâncias favoráveis, lhe permite sobreviver num -
cidade caracterlsticamente elogiente em favor do moderno
nôvo nível. Se lhe derem meia oportunidade, ela progredirá sem a en-
ajuda de ninguém. De que outra maneira poderemos explicar que foque dos sistemas, mesmo utilizando em parte o seu vocabulá-
de uma tribo surja uma civilização?... rio básico, Pois êsse enfoque também se ocupa de traduzir cau-
Afirmamos, por exemplo, que entre os Tikopia a família precisa sas finais em causas eficientes, que envolvem comunicações in-
ter alguma divisão de trabalho e alguma cadeia de comando, Até o ternas e realimentações, e descobrir as condições em que “esta-
ponto em que “explicamos” a existência dessas características de dos constantes” relativamente transitórios dão lugar a novos “es-
vida grupal pela presunção de que o grupo não poderia sobreviver tados constantes”, num nível diferente de complexidade estru-
sem elas, fomos funcionalistas. Mas em nosso estudo da estrutura- tural. Na obra que publicou uns dez anos depois, Homans
ção e da realimentação do sistema interno, consideramos... as cau-
sas eficientes dessas características. Isto é, mostramos alguns dos passa a falar num “equilíbrio prático”, “a fim de evitar os
processos que criam ou modificam as características de grupo pres- argumentos quase místicos que envolveram a segunda dessas pa-
supostas no princípio... Mas as realimentações não são tôdas fa- lavras em Ciência Social”, Prossegue êle:
voráveis, e a distância social entre pai e filho ou, de um modo
mais geral, entre pessoas de diferentes posições sociais, pode ser Nem presumimos que, se ocorrer uma mudança no equilíbrio
uma fonte de possível conflito e falha de comunicação. 48
.
prático, o comportamento reaja necessàriamente de modo a reduzilo
ou a livrar-se déle. Aqui não há homeostase: não se acredita que
um grupo aja como age um corpo animal, que lança de si uma in-
Citamos aqui extensamente Homans para estabelecer dois fecção. Ainda que alguns grupos, em certas circunstâncias, se com-
fatos concludentes. Em primeiro lugar, êle sustenta efetiva- portem dessa mancira, não há provas de que o façam sempre Nem
mente não só que a natureza orgânica da sociedade vai muito presumimos nós, como os chamados sociólogos funcionais, simples-
além de tudo o que foi concebido pelos antropólogos fun- mente que o equilíbrio existe e depois nos socorremos dêle para
tentar explicar por que as demais características de um grupo ou de
cionais, mas que também vai muito além de tudo o que se po-
uma sociedade devem ser o que são. Se um grupo está em equilí-
brio, dizem êles, o seu comportamento deve exibir certas outras
4 e 5. características. Para nós, por autro lado, a causas específicas devem
Ibid., Capitulos
9
45
seguir-se cfeitos específicos, porém não exigimos mais do que isso
46 Ibid, p
47 Ibid,p 109.
48 Ibid, pp 27274
49 Ibid, p 94

60 61
do comportamento de nenhum grupo; não existe outro deve em re-
lação a êle. O equilíbrio prático, portanto, não é um estado para O
qual se dirige tôda criação; é antes um estado que o comportamento,
temporária e precâriamente, às vêzes atinge. Não é alguma coisa
que presumimos; é algo que observamos dentro dos limites dos nos-
d
as
organização” ” ;
Poissa

a
os fisiologistas do século XVIII en-
frentavam um dilema básico, decorrente de um pressuposto
subjacente à teoria da matéria:
Z

a saber, a pressuposição de que a matéria-prima da Natureza deve


sos métodos. Não é alguma coisa que utilizamos para explicar as ser, intrinsecamente, animada ow inanimada. Se, de um lado, a ma-
outras características do comportamento social; é antes algo que, téria fôsse essencialmente bruta, mecânica e insensível, as conse
quando ocorre, deve ser explicado por essas outras características, 50 quiências seriam claras: nenhuma agregação feita exclusivamente de
matéria poderia ser outra coisa senão bruta, mecânica e insensível
— como Descartes declarara que eram os anímais. A ser assim, à
Está claro que Homans deixou tanto o modéêlo clássico de
própria idéia de uma máguina consciente seria uma contradição em
equilíbrio quanto o modêlo organísmico funcional muito para têrmos: nada que se compusesse únicamente de matéria seria
capaz
trás na evolução de sua concepção teórica do sistema sociocul- de pensar ou sentir, e as capacidades mentais (quiçá também as pro-
tural, Teremos ocasião de discutir mais tarde o seu decepcio- priedades vitais) deveriam provir de algum ingrediente distante
,
não material, 53
nante recurso a um psicologismo reducionista — gigantesco
retrocesso em relação ao seu enfoque anterior dos sistemas.
Mas de la Mettrie, único entre os seus colegas, fugiu ao
dilema rejeitando essa suposição fundamental.
A PERSPECTIVA GERAL DOS SISTEMAS
Em si mesma, a matéria não era orgânica nem inorgânica, viva
Como já foi aventado, a moderna teoria dos sistemas, em- nem morta, sensível nem insensível, A diferença entre êsses estados
bora aparentemente surgida de »ôvo do esfôrço da última guerra, ou propriedades das coisas materiais decorria, não das naturezas in-
trínsecas das suas matérias-primas, senão das diferentes maneiras
pode ser vista como culminação de ampla mudança na pers- em que êsses materiais estavam organizados. 54
pectiva científica, que forceja por preponderar sôbre os últi-
mos séculos. Essa visão científica do mundo, produto de uma
Entretanto, de la Mettrie não poderia oferecer muitas pro-
dialética constante entre concepções da ciência física e da ciên-
cia biológica, tem-se apartado do interêsse pela substância, pelas vas sólidas do seu ponto de vista. “Exatamente o que estava
organizado + e como, e de que maneiras essa “organização”
qualidades e pelas propriedades inerentes, voltando-se para a fo- se mantinha e transmitia de geração a geração: sôbre tais assun-
calização central dos princípios da organização per se, sem
levar em conta o que é que está organizado. Delineando o de- tos se manteve necessáriamente silencioso”. 55 Os pormenores
teriam de ser preenchidos pela gradual acumulação da pesquisa
senvolvimento histórico da teoria da matéria, Stephen Toulmin e e da teoria.
June Goodfieid contam a história da longa luta que se travou
para transpor o abismo teórico entre a matéria orgânica e a A luta continuou entre as concepções do mecanicismo e
do vitalismo, porém com esforços periódicos
matéria inorgânica. él Um dos que deram um salto ousado para para fundir os dois,
envidados por homens como Claude Bernard no século XIS,
a frente foi de la Mettrie, o fisiologista do século XVIII, cujo
tratado O Homem, uma Máquina, se publicou em 1747. “Por que explicou os mecanismos reguladores da máquina animal
meio de audaciosa generalização”, insinuam Toulmin e Good- “mediante princípios que só foram cabalmente explorados nas
field, “de la Mettrie esboçou os ousados contornos de um nôvo máquinas do século XX -— os princípios que inspiraram os ter-
sistema de Fisiologia: um sistema cujo conceito-chave era a
52 Ibid, p. 315.

60 Social Behavior: Its Elementary Forms, 113114.


53
Ibid,p 37
64 Ibid, p. 318.
51 Stephen Toulmin e June Goodfield, The Architecture of Matter 55 Ibid
(Nova Iorque: Harper & Row, Publishers, 1962).

62 63
cados e cujas interações podem ser descritas em função de quan-
servo-mecanismos”. é À
mostatos, os contrôles eletrônicos e os tidades ou gradientes continuamente distribuídos, como na me-
é
partir dêsse ponto, a história é recente, senão atual; um relato cânica estatística.
dos esforços finais dos que sustentavam a teoria orgânica ou
“neo-vitalismo” contra a Rapoport e Horvath prosseguem dando a entender que fo-
holística em Biologia, propondo um
mecanística mais grosseira, e que culminou na atual ram necessárias duas classes de instrumentos conceptuais para
biologia estender “métodos teóricos sistemáticos e rigorosos” à complexi-
fusão assim do organicismo como do mecanismo na Cibernética Ambas derivam dos métodos bio-
*” dade organizada do holista.
e na teoria geral dos sistemas. lógicos mais antigos da teleologia e da taxionomia, (1) À
Os lineamentos dêsse recentíssimo capítulo da história da velha teleologia voltou a ser respeitável graças à Cibernética,
Ciência são instrutivamente sumariados num artigo sôbre a teo- *º que recorre diretamente a leis físicas e aos princípios que go-
ria da organização, de Anatol Rapoport e William J, Horvath. vernam a construção das rêdes de relações causais, incluindo
Nos últimos decênios, homens como Whitehead chegaram à con-
“realimentações” de circuitos fechados, o que possibilitou uma
clusão de que os problemas crescentes da “complexidade orga- definição operacional aceitável do comportamento de busca de
nizada” não poderiam ser adequadamente estudados dentro do metas sem verdadeira teleologia. (2) À distinção entre máqui-
enfoque da Física clássica. A resposta residia antes na direção nas com e sem os circuitos de realimentação, que tendem para
do holismo orgânico da Biologia, cujos procedimentos diferiam a busca de metas, é uma distinção topológica, definível em
daqueles da Física clássica pela sua ênfase sôbre (1) a “expli- função da teoria dos gráficos, ramo da topologia. Às relações
da classificação
cação” teleológica e (2) a abundante utilização causais apresentadas como segmentos dirigidos, descrevem
da categorização. Se bem a Biologia e a Física modernas se
e o sistema como um gráfico dirigido, com ciclos, de tal
uma da outra mais estreitamente hoje em dia, pode-
aproximem sorte que o comportamento complexo é precisamente de-
da oferecem mais
mos ainda sustentar que os métodos Biologia
finido. Êsse princípio tinha sido sugerido por McCulloch e
subsídios ao estudo da complexidade organizada enquanto pu-
Pitts, em 1943, em sua demonstração do isomorfismo entre a
dermos mostrar a maneira pela qual o ponto de vista biológico lógica simbólica e a teoria da rêde. A topologia, sustentam
de
mais antigo se enquadra agora em métodos mais modernos
da complexidade organizada — de- Rapoport e Horvath, pode ser encarada como um ramo “taxio-
análise. O conceito-chave nômico” da Matemática — mais qualitativo do que quantitati-
finida como uma coleção de entidades interligadas por uma vo, e cujos teoremas têm um sabor de oito ou oitenta; afir-
rêde complexa de relações — deve ser extremado da (1) “sim- mam que alguma coisa existe ou não existe, é ou não é pos-
relati-
plicidade organizada” — um complexo de componentes sível, em lugar de expressar relações funcionais entre variáveis
vamente inalteráveis, ligados por uma ordem estritamente se-
cadeia que podem assumir um contínuo de valôres Êsses dois instru-
quencial ou atividade linear, sem circuitos fechados na mentos conceptuais interligados — a Cibernética e a topologia
causal; e da (2) “complexidade caótica” — um vasto número -— são vistos, assim, como duas disciplinas que, ao lado de uma
de componentes que não precisam ser especificamente identifi- terceira pedra angular — a “teoria das decisões”, “estarão na
base dêsse ramo da Ciência que trata da “complexidade orga-
56 Ibid,p. 334 nizada”, isto é, a teoria da organização”. *º
Development
57 Veja Ludwig von Bertalanffy, Moderu Theories of
(Nova Torque: Harper & Row, Publishers, Torchbook org., 1962), e
Pro- Em síntese, portanto, o moderno enfoque dos sistemas visa
blems of Life (Nova Iorque: Harper & Row, Publishers, Torchbook org., a substituir a técnica laplaciana mais antiga, analítica, atômi-
1960); Morton Beckner, The Biological Way of Thought (Nova Torque: ca, por uma orientação mais holística em relação ao proble.
Columbia University Press, 1959); e G. Sommerhoff, Analytical Biology ma da organização complexa. No entender de W. Ross Ashby,
(Londres: Oxford University Press, 1950). .
68 Anatol Rapoport e William J. Horvath, “Thoughts on Organization 69 Ibid, 90.
Theory”, General Systems, 4 (1959), 87-91.

64
a estratégia secular de variar um fator só se usa agora quando
o sistema é muito simples; quando êle se torna complexo, te- 6. Um estudo operacionalmente definível, objetivo, não antropo-
mórfico da intencionalidade, do comportamento do sistema de
mos de recorrer a uma estratégia especial, que vem sendo de: busca de metas, dos processos cognitivos simbólicos, da cons-
senvolvida talvez desde os trabalhos de R. A. Fisher, na déca- ciência e da autopercepção, da emergência sociocultural e da
da de 1920, e que conduz à atual teoria da informação e à dinâmica em geral
Cibernética. A maneira de não enfocar um sistema complexo,
diz Ashby, Eis aí grandes promessas, que precisam ser aceitas com te-

“ é por meio da análise, pois êsse processo nos dá somente um


vasto número de partes ou itens separados de informação, os resul-
tados de cujas interações ninguém pode prever. Se desmontarmos
servas, pois apenas apontam pata a direção em que se encontra
o trabalho árduo. Rematamos a nossa comparação dos diversos
modelos com o seguinte diagrama generalizado do que nos pare-
um sistema dêsses, verificaremos que não poderemos montá-lo outra cem ser as distinções cruciais. (Figura 2-1)
vez.
Õ
t&
E não é só. O antigo ponto de vista de que o estado tw
< Modélo do
atual de um sistema complexo é simplesmente uma função das N .
Modélo do Modêlo Processo ou
suas condições iniciais já não é defensável, pois o sistema com- E Equilíbrio Organísmico do Sistema
plexo, aberto, embora determinado, “muda tanto que, à propor- Q Homeostático adaptativo
ção que passa o tempo, o seu estado é caracterizado mais pelas O
experiências que sofreu do que pelo seu estado inicial”, %
Às lições dessa breve história da Ciência parecem de gran- a
de significação para a Sociologia, conquanto a sua aplicação mal 3
E
tenha começado. (O moderno enfoque dos sistemas deveria ser po
=
£Z
particularmente atraente para a Sociologia porque, em resumo,
promete desenvolver: FIGURA 2.1

1. Um vocabulário comum, que unifique as diversas disciplinas O modêlo do equilíbrio, rigorosamente falando, é aplicável
“do comportamento”; a tipos de sistema que, ao mover-se para um ponto de equi-
2. Uma técnica para lidar com a grande e complexa organização; Mbrio, perdem tipicamente a organização e, a seguir, tendem a
3. Um enfoque sintético em que não é possível a análise feita aos manter aquêle nível mínimo dentro de condições de perturba-
poucos, em virtude das intricadas inter-relações das partes, que ção relativamente acanhadas. Os modelos homeostáticos se apli-
não podem ser tratadas fora do contexto do todo;
cam a sistemas que tendem a manter um nível especificado, re-
4. Um ponto de vista que chega ao âmago da Sociologia, porque
vê o sistema sociocultural em função das rêdes de informação lativamente alto, de organização, contra tendências sempre pre-
e comunicação; sentes para destruí-lo. O modêlo do processo, ou do sistema
5. O estudo das relações de preferência ao estudo das “entida- adaptativo complexo, aplica-se a sistemas caracterizados pela ela-
des”, destacando-se o processo e as probabilidades de transição boração ou evolução da otganização; e, como o veremos, êstes
como base de uma estrutura flexível, com muitos graus de li- vicejam nas “perturbações” e na “variedade” do meio e, efeti-
berdade;
vamente, delas dependem.
Examinaremos, no capítulo seguinte, uma elaboração do
modêlo do sistema adaptativo e as suas principais diferenças
sº W. Ross Ashby, “The Effect of Experience on a Determinate Dy-
namic System”, Behavioral Science, 1, (1956), 35-42, dos modelos de sistemas de nível inferior, como os que se
baseiam no equilíbrio e na homeostase.
66
67
com o sistema mais aberto, dotado de uma estrutura altamen-
te flexível, a distinção entre os limites e o meio se torna uma
questão cada vez mais arbitrária, que depende do propósito do
observador,

SISTEMAS E ENTIDADES
3
Com efeito, está-se tornando claro que não podemos es-
SISTEMAS tabelecer uma divisão nítida entre as coisas que são e as coisas
que não são sistemas; de certo modo, teremos de reconhecer
graus variáveis de “sistematicidade”. E se reconhecermos tam-
Não nos entreteremos largamente, neste capítulo, em de- bém que as “substâncias” ou “entidades” estudadas pelas vá-
finir o conceito geral de “sistema” em têrmos formais. Pore- rias disciplinas científicas —— “partículas” nucleares, átomos,
mos sobretudo em relêvo as diferenças entre os principais ti- moléculas, sistemas solares, células, órgãos, organismos, comu:
nidades ecológicas, sociedades — são tôdas subordináveis a uma
pos de sistemas, especificados em função dos seus arranjos es-
truturais e da sua dinâmica, e os problemas metodológicos de definição de sistema, parecemos forçados a aceitar a noção de
análise por êles suscitados. graus variáveis de enticidade. Se continuarmos a pensar em
têrmos de “substâncias reais”, isso não parece fazer muito sen-
À espécie de sistema que nos interessa pode ser descrita,
tido, pois como haverá graus de “substância”? Mas se as
de modo geral, como um complexo de elementos ou compo- substâncias ou entidades representarem sistemas cujas caracte-
nentes direta ou indiretamente relacionados numa rêde cau- rísticas ou propriedades se devem a uma organização parti-
sal, de sorte que cada componente se relaciona pelo menos cular de componentes de nível inferior, e se admitirmos graus
com alguns outros, de modo mais ou menos estável, dentro variáveis de organização, desaparecerá o mistério. Pois pode-
de determinado período de tempo.! Os componentes podem
mos compreender que é a organização que deixa de existir
ser relativamente simples e estáveis, ou complexos e mutá- ou que se forma quando, por exemplo, uma partícula nuclear
veis; podem variar em apenas uma ou duas propriedades ou
se “aniguila” e outra se “cria”, quando a água se decompõe
assumir muitos estados diferentes. Às inter-relações entre
em hidrogênio e oxigênio, ou o sal de cozinha se forma com
êles podem ser mútuas ou unidirecionais, lineares ou inter-
átomos de sódio e de cloro, quando uma célula viva morre e
mitentes, e variar em graus de eficácia ou prioridade causal.
passa a ser apenas um conjunto de moléculas, ao passo que
As espécies particulares de inter-relações mais ou menos es-
uma nova célula viva é sintetizada a partir dessas moléculas,
táveis de componentes, que se estabelecem em qualquer tem-
ou quando um grupo social se dissolve em seus indivíduos cons-
po, constituem a estrutura particular do sistema nesse tempo, tituintes, ao passo que outro nasce da reunião de pessoas até
atingindo assim uma espécie de “todo” com algum grau de então não relacionadas.
continuidade e limites. Interessam-nos, outrossim, primordial-
Dessarte, se os grupos sociais não são “entidades reais”,
mente, os sistemas em cujo interior se registra sem cessar al. não o serão também os organismos, os órgãos, as células, as
gum processo, inclusive um intercâmbio com o meio, através moléculas, nem os átomos individuais, visto que são todos
dos limites. Concorda-se geralmente em que, ao lidarmos
“apenas” os constituintes de que são feitos. Mas nesse “ape-
1 O leitor encontrará uma boa exposição sôbre o conceito de “siste- nas” se esconde a chave do pensamento moderno — a orga-
ma” em “Definition of Systems”, General Systems, 1 (1956), 18-28, de nização dos componentes em relações sistemáticas. Quando
Arthur D. Halle R. E. Fagen. dizemos que “o todo é mais do que a soma das partes”, o

69
sentido perde a ambigiidade e o mistério: o “mais do que” uma sociedade e qualquer outra entidade “a única semelhan-
aponta para a organização, que confere ao agregado caracterís- ça concebível há de ser a que se deve ao paralelismo de prin-
ticas não só diferentes, mas também, muitas vêzes, não en- cípios na disposição dos componentes”.º E prosseguiu, tra-
contradas nos componentes isolados; e a “soma das partes” çando a analogia entre a sociedade e o
organismo, com as
significa, não a sua adição numérica, mas a sua agregação não consegiiências observadas no capítulo anterior. Entretanto,
organizada. os elementos em que êle se escorou para saltar da sociedade
ao
Dessa maneira nos vemos levados a encarar o venerável organismo não eram muito sólidos, e a moderna teoria dos
sistemas se acha agora em condições de prolongar-lhe a linha
problema da luta entre o nominalismo e o realismo socioló- de raciocínio numa direção mais aceitável.
gico. Abordando a questão da natureza dessa coisa chamada
“sociedade”, Herbert Spencer ofereceu um critério para a de- Falando de modo geral, podemos dizer
que os conceitos
terminação de “entidade”, fundamental também para o concei- modernos de sistema e organização tomaram as vêzes do
con-
to de sistema. ceito surrado, e talvez aposentado, do “orgânico”, Êste, ao
lado do conceito do equilíbrio mecânico, realizou a tarefa es-
Enquanto não tivermos decidido se devemos ou não considerar sencial de obrigar o cientista social a reconhecer
a sociedade como entidade; e enquanto não tivermos decidido se, plenamente
encarada como entidade, a sociedade deve ser classificada como o fato de que as partes da sociedade não são independentes
absolutamente dessemelhante de tôdas as outras entidades ou como que a sociedade, até certo ponto, é um todo interligado. Mas
semelhante a algumas outras; a nossa concepção do assunto que o progresso subsegiiente exigia que chegássemos a apreciar as
temos diante de nós permanecerá vaga. maneiras importantes pelas quais a sociedade difere do orgà-
Pode-se dizer que sociedade é apenas um nome coletivo para nico ou do mecânico.
certo número de individuos... Mas... é a permanência das rela-
ções entre as partes componentes que constitui a individualidade do Importante mudança de foco ocorreu com o crescente 1e-
todo, distinta das individualidades das partes. 2 conhecimento do fato de que, embora fenômenos de espécies
muitissimo diferentes sejam conjuntos constituídos de relações
Conquanto aceitável, o enunciado de Spencer impõe diver- mais ou menos permanentes de partes, um traço distintivo cru-
sos comentários. Em primeiro lugar, não podemos tomar muito cial é a natureza particular dessas relações Depois de Spencer,
à letra o critério da “permanência das relações”, pois embora foi-se tornando cada vez mais claro que, enquanto as rela-
seja necessária alguma estabilidade para a constituição de um ções das partes de um organismo são fisiológicas, envolvendo
sistema persistente, precisamos admitir a possibilidade de que complexos intercâmbios de energia físico-química, as relações
certos aspectos da estrutura de um sistema mudem de tempos das partes da sociedade são primordialmente psíquicas e en-
a tempos, ou até continuamente, sem a dissolução do próprio volvem complexos processos comunicativos de troca de infor
sistema Em segundo lugar, a questão de se saber se a socie- mação, e nessa diferença reside tôda a diferença.
dade é absolutamente dessemelhante ou semelhante a outras Como observaram Becker e Barnes, * a mudança do ponto
entidades não pode ser encatada como se implicasse uma dis- de vista “organístico” para o ponto de vista “orgânico” subse-
tinção radical, pois é provável que sempre encontremos simi- quente levou gradativamente estudiosos como Schãffle, Tarde
laridades e diferenças entre dois sistemas quaisquer. Spencer e Worms à perspectiva psicossocial do “interacionismo mental”,
sustentava convincentemente que, como as relações constantes
entre as suas partes fazem da sociedade uma entidade, entre
3
Ibid,p 448.
4 Howard Becker e Harry E Barnes, Social Thought from Lore to
2 Herbert Spencer, Principles of Sociology, 32 edição (Nova Torque:
Appleton-Century-Crofts, 1897), p. 447. PE 3º edição, 2 (Nova Iorque: Dover Publications, Inc, 1961),

70 71
desenvolvido em pormenores elucidativos por Baldwin, Cooley Os processos naturais de conhecimento, de que somos biológica-
da natu-
e G. A. Mead. Só depois da análise, feita por êles, mente dotados, como que tornam objetos como pedras ou chávenas
de chá muito mais “reais” do que os grupos sociais ou os neutrinos,
reza e da dinâmica das inter-relações psíguicas dos compo-
totalidade de tal sorte que nos desagrada o emprêgo do mesmo têrmo “real”
nestes, se compreendeu a natureza fundamental da Podem sugerir-se duas causas para êsse senti-
nos dois casos
da sociedade, apenas vagamente percebida pelo próprio Dur-
.

mento. Primeira: de acôrdo com certos critérios objetivos, que


kheim, a ponto de possibilitar uma solução verdadeiramente fun- serão discutidos mais adiante, os grupos, na maioria dos casos, são
damental do chamado problema hobbesiano da ordem e da de- menos “sólidos”, menos múltiplamente confirmados, de limites me-
sordem A penetração dêles sintetizou-se na noção de que o nos nítidos, menos “duros”. Segunda, e mais importante: nós evo-
luímos num meio em que a identificação de certas entidades de
indivíduo é realmente social e a sociedade realmente psíquica. tamanho médio era, ao mesmo tempo, útil e anatômicamente posst-
Já não se tratava, assim, de uma questão do individuo con- vel Como produto dêsse processo evolutivo temos o mecanismo
tra a sociedade; já não havia perguntar como é possível a uni- maravilhosamente eficaz da visão, o qual, dentro de uma série limi-
dade grupal ou a ordem societal quando só experimentamos tada de entidades, analisa a “enticidade” tão rápida e vividamente
indivíduos separados. A resposta que se esboçava era que que todos os outros processos ilativos parecem, em contraposição,
indiretos, pesados e precários É o que é mais importante, tão po-
os “indivíduos” da sociedade não são separados. Separado, para deroso e aparentemente direto é o processo visual que, por via de
o aparelho sensório limitado do observador humano, é sim- regra, não nos detemos a observar as fases dedutivas nêle envolvi-
plesmente o organismo físico. O indivíduo que age — a pes- das e a natureza das pistas empregadas. Minha sugestão é que
soa psicológica — é essencialmente uma organização que só olhemos para as pistas empíricas de entidade utilizadas na per-
cepção visual de entidades físicas de tamanho médio e, em seguida,
se desenvolve e mantém num intercâmbio simbólico, continua-
empreguemos essas pistas na análise dos agregados sociais como
do com outras pessoas, e através do mesmo intercâmbio. Al entidades. 5
guns dêsses intercâmbios se repetem e são esperados em certas
situações — e então nos referimos a uma “estrutura” de in- Campbell prossegue apresentando certo número de critérios
ter-relações sociais relativamente estáveis, que compreendem or- de “enticidade”, derivados em parte dos princípios de organi-
ganizações e instituições. São essas teias psicossocialmente de- zação perceptiva de Wertheimer, que faz com que elementos
senvolvidas e sustentadas de inter-relações comunicativas, de
separados sejam percebidos como partes de um todo, Entre
graus variáveis de permanência, que conferem à sociedade certo êles figuram: a proximidade, a similaridade, o destino comum
grau de totalidade, ou fazem dela uma “entidade” por direito e a “inteireza” (“pregnancy”) ou limite completado. Aos prin-
próprio, que deve ser estudada por técnicas e perspectivas di- cípios da psicologia da Gestalt acrescentam-se critérios determi-
ferentes das usadas para estudar a entidade chamada “indivíduo”. nados (1) pelo “reflexo ou resistência à intromissão de ener-
Será desnecessário historiar a disputa, não raro enfadonha gia externa, matéria ou sondagens diagnosticadoras” (por exem-
e ingrata, entre nominalistas e realistas. O que nos interessa plo, em se tratando de grupos, o chamado à fala da sentinela,
é a recente transição da questão de um problema alternativo os processos de doutrinação ou a permeabilidade), e (2) a di-
para o problema de graus de totalidade ou unidade, graus de fusão interna, a transferência ou os índices de comunicação e os
integração, graus de “enticidade” ou de “sistematicidade”. Em limites. Reconhece Campbell, todavia, que alguns dêsses crité-
recente artigo, de que já se valeu a nossa dissertação, o psicólo- rios podem ser relativamente superficiais ou menos essenciais
im-
go Donald T. Campbell sustenta que é metodolôgicamente quando se trata de grupos sociais ou sociedades. Mas a sua
próprio supor axiomâticamente que os grupos sociais que esta- análise em geral teria de percorrer longo caminho para demo-
mos estudando constituem entidades ou sistemas. Trata-se, an-
tes, de uma hipótese a ser verificada. Com êsse intuito, êle
5 Donald T. Campbell, “Common Fate, Similarity, and Other Indices
se dirige ao problema psicológico geral de como nós percebe- of the Status of Aggregates of Persons as Social Entities”, Bebavioral
mos entidades. Sustenta que: Science, 3 (1958), 17.

72 73
lir ingênua epistemologia que inspira grande parte da Ciência
a
mas físicos naturais. Neste contexto, a Máquina se referirá ao
Social. º tipo pré-cibernético, sem circuitos realimentadores reguladores.
Não abordaremos aqui a questão da especificação e da me- Mas para representar um sistema em equilíbrio, o nosso modêlo
dida exata dos graus de “sistematicidade”, orpanização ou “en- pode ser uma coleção de gases ou outras substâncias a tempe-
ticidade”. As técnicas estatísticas atuais de associação, correla- raturas, pressões ou concentrações diferentes, interagindo, sem
mais influências, o tempo suficiente para alcançar um estado de
ção e análise da variância, além de outras do mesmo gênero,
podem ser consideradas, naturalmente, medidas grosseiras dêles equilíbrio,
Entretanto, o problema de especificar e medir o grau de organi-
zação ou estrutura parece solucionável, em princípio, por técni-
cas como as da teoria da informação e da teoria dos gráficos, Partes do Sistema: Do Simples ao Complexo
conquanto a era da sua aplicação à organização social mal tenha À natureza das partes ou componentes de um sistema me-
começado, Teremos ocasião de examinar mais de perto o con-
ceito de “estrutura” e a sua relação com o conceito de “infor- cânico é, tipicamente, de relativa simplicidade em sua própria es-
mação” no próximo capítulo. trutura, estável, e não afetada, apreciável nem permanentemen-
te, pelo fato de fazer parte de um sistema. Em compensa-
ção, à medida que progredimos através dos níveis orgânico e
SISTEMAS COMPARATIVOS sociocultural, os componentes que se acham inter-relacionados se
apresentam cada vez mais complexos em sua própria organiza-
Voltamo-nos agora para um exame mais circunstanciado da ção, cada vez mais instáveis (mais facilmente sujeitos a mu-
natureza da organização, que caracteriza e diferencia os tipos danças por efeito de fôrças pequenas), e mais fundamental.
de sistemas Os nossos propósitos são
mente alteráveis pelo funcionamento do sistema de que fazem
1. Sondar algo mais profundamente as complexidades da análise parte. Claro está que essas características são tôdas pré-regui-
da natureza da organização -— além da mera interdependência sitos do próprio desenvolvimento de níveis mais elevados de
das partes, que caracteriza todo e qualquer sistema; organização.
2. Propiciar uma apreciação mais profunda das diferenças entre
a organização e a dinâmica dos sistemas mecânicos, orgânicos e
socioculturais;
3.
Relações Sistêmicas: Dos Elos de Energia aos Elos de
Apresentar algumas concepções-chave da análise moderna dos
sistemas. Informação
À natureza das relações entre os componentes varia de ma-
Vistos que os tipos de sistemas que aqui discutimos só re- neira importante, consoante as inúmeras dimensões, em dife-
presentam três pontos ao longo de uma série de possíveis níveis rentes tipos de sistemas. Nos sistemas mecânicos do tipo má-
de sistemas, as nossas generalizações apenas se aproximarão de
quina as inter-relações são, tipicamente, muito restritas, com
um sistema empírico determinado qualquer. E especialmente pouquíssimos graus de liberdade para o comportamento dos
no caso do sistema mecânico, o nosso modêlo é, às vêzes, a Má-
componentes. À estrutura do sistema é rígida, e temos aí um
quina feita pelo homem, entronizada nos séculos XVII e XIX, exemplo do que Rapoport denomina “simplicidade organi-
cujo protótipo, com fregiiência, é mais o relógio do que os siste- zada”. ? No sistema típico do equilíbrio na mecânica das par-
8 Veja também Ralph W. Gerard, “Entitation, Animorgs, and Other
Systems”, em Views or General Systems Theory, org. por Mihajlo D. Me- 7 Anatol Rapeport e William J. Horvath, “Thoughts on Organization
sarovic (Nova Iorque: John Wiley & Sons, Inc, 1964), Cap. 8. Theory”, General Systems, 4 (1959), 89.

74 75
tículas encontramos condições radicalmente opostas, de “com- te do companheiro. Se êste último, porém, compreender a lin-
plexidade caótica”. *
Existem tantos graus de liberdade nas re- gua, e a informação transmitida fôr, “Cuidado, um carro está se
lações dos componentes que os estados do sistema só podem aproximando de você!” -— a pequeniníssima quantidade de ener-
ser especificados estatisticamente, e pouca ou nenhuma estru- gia vocal deflagrará uma grande quantidade de energia no com-
tura estável existe. panheiro, que, nesse caso, funciona como sistema receptor, 1º
Os sistemas orgânico e sociocultural são exemplos de “com- Dessarte, a “informação” não é uma substância nem uma en-
tidade concreta, senão uma relação entre conjuntos de variedade
plexidade organizada”.º Ao subirmos de nível, as relações das
estruturada — para expressá-lo de maneira muito genérica. Às
partes se tornam mais flexíveis e a “estrutura” mais fluida à
medida que se funde com o processo e aumenta a série de com- implicações dessa mudança do fluxo de energia para o fluxo de
En- informação como base das inter-relações de componentes em sis-
portamentos alternativos franqueados aos componentes.
relações entre dos sistemas mecã- temas de nível mais elevado, são de importância central na dis-
quanto as os componentes
nicos são primordialmente uma função de considerações espa- tinção da natureza e das capacidades de comportamento dêstes
ciais e temporais e de transmissão de energia de um compo- últimos, em confronto com sistemas de nível inferior. Assim,
nente ao outro, as inter-relações que caracterizam os níveis mais uma quantidade diminuta de energia ou matéria estruturada de
elevados passam a depender cada vez mais da transmissão de um componente do sistema mais elevado é capaz de “deflagrar”
informação — princípio fundamental para a análise moderna seletivamente grande quantidade de atividade ou comportamen-
dos sistemas complexos (que discutiremos com maiores deta- to em outros componentes do sistema, sobrepujando, ao mesmo
lhes no capítulo seguinte). Se bem a informação dependa de tempo, as limitações de proximidade temporal e espacial e de
alguma base física ou fluxo de energia, o componente energé- disponibilidade de energia. Dessa maneira, os componentes dos
tico está inteiramente subordinado à forma ou estrutura parti- sistemas se tornam mais autônomos em certos sentidos, embora
culares das variações que possam manifestar a base física ou o ainda mantenham uma inter-relação íntima e mais intricada entre
fluxo, No processo de transmitir a informação, a base ou energia si. À estrutura do sistema torna-se mais e mais “Íluida” à me-
transportadora pode mudar de muitas maneiras — como na pro- dida que se funde com o processo — o processo de comunicação,
dução e reprodução de discos fonográficos —— mas a estrutura que é a sua característica predominante, Nos níveis mais eleva-
das variações nos diversos meios permanece invariante, apesar dos dos sistemas ecológicos, sociais e socioculturais, os compo-
das transformações da transportadora. Essa variação estrutural nentes individuais entram em contato físico, à maneira dos sis-
— as matcas da escrita, os sons da fala, o arranjo molecular do temas mecânicos, sômente ou principalmente na união sexual e
DNA (substância do código genético), etc — ainda não passa no combate físico.
de matéria-prima ou energia, a menos que “corresponda” à estru- As interações entre os componentes, mediadas pela “defla-
tura das variações de outros componentes a que possa, por êsse gração” seletiva dos fluxos de informação, só se tornam possi-
modo, telacionar-se dinâmicamente, ou a menos que se equipare a veis, naturalmente, porque (1) os componentes do sistema são,
ela de alguma forma importante. Uma pessoa que se dirija nu- êles mesmos, organizados e relativamente instáveis, ou são “sen-
ma língua estranha a um companheiro estará apenas, pelo que
toca a êste último, emitindo ruídos ou fazendo vibrar energia,
10 Exemplo mais pertinente para o pesquisador social é o problema
pois não é possível conciliar a variedade estruturada da energia
metodológico central de mapear a estrutura cognitiva cientlficamente orien-
vocal com o repertório de sons significativos estruturados na men- tada do pesquisador no mapeamento do senso comum do objeto da pes-
quisa (compreensão interpretativa) da variedade estruturada da situação
externa da ação. Este exemplo é proposto pela extensa discussão do pro-
8 Ibid. blema em Aethod and Measurement in Sociology, de Aaron V. Cicourel
9 Ibid. (Nova Iorque: Free Press of Glencoe, Inc., 1964).

76 77
síveis”, ou se acham em “tensão”, de modo que reagem fâcil-
mente a uma pequena influência do tipo correto (ou código) e mos reduzilo ao preenchimento de um mapa-múndi, pronto para
podem libertar quantidades muito maiores de energia prêsa do ser consultado de acôrdo com as necessidades e as metas correntes.
que a encerrada no sinal deflagrante; e (2) cada um dos compor- Seja qual fôr o nosso modêlo de pensamento, é claro que, a
tamentos alternativos franqueados aos componentes do sistema se menos de estar o organismo organizado exatamente para adequar-se
têrmo a têrmo ao estado de coisas em curso, será preciso trabalhar
associou, de certo modo, a um dos artanjos estruturais que en-
para atualizá-lo: trabalhar não só em sentido físico, mas também
cerram o código de informação. M em sentido lógico. Esse “trabalho lógico” consiste no ajustamento
Donald M. MacKay pertence ao pequeno grupo dos teóricos e na moldagem da estrutura de probabilidades condicionais do siste-
ma que se organiza: a formação, o fortalecimento ou a dissolução
de sistemas que atacaram a questão da informação semântica da
dos encadeamentos funcionais entre vários atos básicos ou segiiên-
perspectiva da moderna teoria da informação, 1º e o seu traba- cias básicas de atos. A configuração total dêsses encadeamentos
lho esclarece a nossa discussão. Êle começa sugerindo
que têm corporifica o que podemos denominar o “estado de prontidão” total
sido muito pequenos os progressos realizados no setor semân- do organismo. Alguns terão, naturalmente, funções puramente ve-
tico da teoria da informação por não se haver estudado o getativas, que não nos interessam. O que nos interessa é a confi-
pto- guração total que mantém o organismo equiparado ao seu campo de
cesso comunicativo dentro de um contexto suficientemente am- atividade intencional, e assim, implicitamente, representa (correta-
plo para abranger, não só o canal e a natureza dos sinais mente ou não) as características dêsse campo.
fluem através dêle, mas também o emissor e o
que Por amor da brevi-
receptor terminais dade, chamemos a isto o sistema orientador, e ao estado total de
como sistemas auto-adaptativos, dirigidos para metas. Em segui prontidão correspondente, a orientação do organismo. 13
da, de maneira que lembra vigorosamente o trabalho pioneiro de
G. H. Mead (veja o Capítulo 4), MacKay conceptualiza o Dentro dessa estrutura conceptual, Mackay prossegue defi-
orga-
nismo como um sistema com um repertório de atos básicos nindo a informação, o sentido e a comunicação, de forma gene-
que,
em várias combinações, lhe compõem o comportamento. ralizada, que acreditamos seja especialmente adequada à pers-
A fim de que o seu comportamento seja adaptativo ao meio, pectiva social interacionista da Sociologia e importante susten-
o processo seletivo mediante o qual se concatenam os atos básicos táculo teórico para ela.
precisa ser organizado de acôrdo com o estado em curso do meio
em relação ao organismo. Existem várias maneiras de retratar essa A informação pode agora definit-se como aquilo que realiza
necessidade. Em seus têrmos mais básicos, podemos considerar o trabalho lógico sôbre a orientação do organismo (seja corretamente
que é preciso como equivalente de vasta matriz, em constante mu- ou não, seja por adição, substituição ou confirmação dos encadea-
tação, de probabilidades condicionais... determinando as probabi- mentos funcionais do sistema orientador) Assim, deixamos aberta
lidades relativas de vários padrões (e padrões de padrões) de com- a questão de se saber se a informação é verdadeira ou falsa, recente,
corretiva ou confirmatória, etc... O significado de um item indica-
portamento em tôdas as circunstâncias possíveis. Mais econômica-
tivo de informação para o organismo se definiria agora como a sua
mente, podemos figurá-lo como o estabelecimento de uma estrutura
hierárquica de “sub-rotinas”, que se organizam para determinar essas função seletiva sôbre a série dos possíveis estados de orientação do
probabilidades condicionais, entrosada de tal maneira que organismo ou, em poucas palavras, como a sua função organizadora
representa para o organismo. Note-se que isto também é uma relação...
implicitamente a estrutura do meio (o mundo da atividade) com o
qual o organismo precisa interagir. Para muitos propósitos, pode- Um organismo solitário mantém atualizado o seu sistema orien-
tador em resposta a sinais físicos do estado do meio, recebidos pelos
seus órgios dos sentidos. A atualização adaptativa do estado de
HH
Discutiremos a teoria da informação e sua relação com a teoria orientação damos o nome de percepção Poderos considerar a co-
da organização mais circunstanciadamente no próximo capítulo mnnicação como extensão dêsse processo, por meio do qual parte do
trabalho de organização num organismo é tentado por outro orga-
12 Donald M. MacKay, “The Informational Analysis of Questions and
Commands”, em Information Theory: Fourth London Symposium,
mismo Normalmente, isso significa que o organismo receptor é
Colin Cherry (Londres: Butterworih & Co. Publisher, org. por
Ltd, 1961).
18 Ihid.
78
induzido a adaptar-se em resposta a sinais físicos percebidos como Dos Sistemas Fechados aos Abertos
símbolos — como se exigissem uma atividade orientadora (ou outra)
além daquela que constitui a percepção déles como acontecimentos
físicos, A transição dos sistemas mecânicos para os sistemas adapta-
O ponto de partida lógico para uma teoria semântica da comu- tivos, de processamento de informação, está intimamente relacio-
nicação pareceria ser, portanto, a análise das funções organizadoras nada à transição de um sistema relativamente fechado a um sis-
“extensíveis”, dessa maneira, de um organismo a outro 14 tema aberto. O fato de um sistema ser aberto significa não ape-
nas que êle se empenha em intercâmbios com o meio, mas tam-
Embora particularmente orientada para o nível humano, bém que êsse intercâmbio é um fator essencial, que lhe sustenta
adaptativo, essa conceptualização é tão ampla que abrange os a viabilidade, a capacidade reprodutiva ou continuidade e a ca-
vários níveis evolutivos do processo de comunicação da informa- pacidade de mudar, Como L, J. Henderson diligenciou assinalar
ção, desde os processos genéticos, bioquímicos, de informação, em seu livro, The Fitness of the Environment, o meio é tão bási-
que dirigem a formação ou a manutenção da estrutura orgânica, co quanto o sistema orgânico nas íntimas transações entre o siste-
passando por adequação ao meio derivadas de tropismos ou ins- ma e o meio, que explicam a adaptação e a evolução particulares
tintos, até os processos de aprendizagem individual e de acumu- dos sistemas complexos. 15 Está visto que, naturalmente, o siste-
lação cultural. As noções-chave fundamentais, em todos os casos, ma e o meio constituem subpartes de um sistema mais amplo,
que serão discutidas com maiores detalhes mais adiante, são: (1) que fregiientemente precisa ser tratado em seu próprio nível.
a equiparação de dois ou mais conjuntos de coisas ou aconteci- Êste, com efeito, é um princípio-chave subjacente ao enfoque de
mentos estruturados; e (2) a ação seletiva, assim possibilitada, campo ou transacional.
sôbre a ação de um subconjunto de um pelo subconjunto de ou- À resposta típica dos sistemas naturais, fechados, a uma in-
tro. Num sentido real, portanto, a informação pode “represen- tromissão de acontecimentos ambientais é uma perda de organi-
tar” estrutura ou organização, podendo, pois, preservá-la, trans- zação ou uma mudança no sentido da dissolução do sistema (mui-
mití-la através do espaço e do tempo, e modificá-la. A evolução
to embora, conforme a natureza e a fôrça da intromissão, o sis-
dos níveis que conduzem ao sistema sociocultural revela uma de-
tema possa, às vêzes, passar a um nôvo nível de equilíbrio). Por
pendência cada vez maior do encadeamento de comunicação in- outro lado, a resposta típica dos sistemas abertos a intromissões
direta, arbitrária ou simbólica dos componentes, e uma depen- ambientais é a elaboração ou a mudança da sua estrutura para
dência cada vez menor de encadeamentos substantivos e energé-
um nível alto ou mais complexo Isto se deve aos fatôres acima
ticos, até que, no nível sociocultural, o sistema se acha ligado
expostos: o intercâmbio ambiental não é, ou assim não permane-
quase que inteiramente pela troca convencionalizada de informa- ce por muito tempo, fortuito ou não estruturado, mas antes se
ção, enquanto o processo sobrepuja qualquer rígida estrutura torna seletivo em virtude das capacidades de planeiamento, codi-
substancial, como as que se encontram nos níveis organísmicos, ficação ou processamento de informação (isto é, em virtude da
sua adaptabilidade ) inerentes a êsse tipo de sistema. Isto tanto
se aplica ao mais baixo organismo biológico quanto a um com-
plexo sistema scciocultural, E à medida que vamos escalando
14 Só podemos aventar agui a significação analí-
os níveis de sistemas, verificamos que os sistemas se vão tornan-
TIbid, pp.et70-71.
tica de uma formulação dêsse tipo de sistemas abstratos para os progressos do cada vez mais abertos no sentido de se empenharem num in-
contemporâneos da análise linguística, associados a nomes como os de Noam tercâmbio mais amplo com uma variedade maior de aspectos do
Chomsky, Dell Hymes, Ward Goodenough, Floyd Lounsbury, e assim por
diante. Dir-se-á que as grandes complexidades e sutilezas da sociologia da
estrutura e do uso da linguagem requerem uma “metalinguagem” com o t5 Lawrence J. Henderson, The Fitness of the Environment (Nova
seu tipo de potencial. Torque: The Macmillan Company, 1915)

80 81
1. O homem está sempre tentando viver além dos seus meios A
vida é uma segiiência de reações à pressão; o homem está en-
meio, isto é, são capazes de mapear ou responder seletivamente
frentando de contínuo situações com as quais não se acha ple-
a uma esfera maior e a maiores detalhes da intérmina variedade namente capacitado para lidar.
do meio. No nível sociocultural, os detalhes do meio natural 2. Nas situações de pressão, mobiliza-se a energia e produz-se um
subordinam-se ao meio social, mímico, simbólico, que é agora estado de tensão,
mapeado e ao qual se responde de maneira seletiva e mais mi- 3. O estado de tensão tende a ser perturbador, e o homem pro-
nuciosa como a base da vida grupal. cura reduzir a tensão,
A distinção importante entre os sistemas abertos e fechados 4. Movem-no impulsos diretos para agir... 17
tem sido amiúde expressa em têrmos de “entropia”: nos sistemas
fechados a entropia tende a aumentar — e os sistemas a “decli- Dessa maneira se pode argumentar
que, longe de ver algum
nar”; os sistemas abertos são “negentrópicos” —. e nêles a entro- princípio de “inércia” em operação nos sistemas adaptativos com-
pia tende a decrescer, ou os sistemas elaboram a estrutura. 1º plexos, em que a “tensão” ocorre apenas ocasional ou residual-
Aplicar o conceito de equilíbrio aos sistemas abertos é ignorar mente como fator “perturbador”, precisamos considerar certo
essa importante distinção. nível de tensão como vital e característico de tais sistemas, muito
embora possa manifestar-se ora destrutivo, ora construtivo,

A Tensão do Sistema
Realimentação e Sistemas Intencionais
Como observamos anteriormente, a fonte de ação e intera-
ção das partes dos sistemas mecânicos se expressa no conceito Em face da natureza aberta, negentrópica, processadora da
físico da energia, ao passo que nos sistemas complexos, adaptati- informação, dos sistemas adaptativos complexos, ainda precisa-
vos, a energia bruta desempenha um papel cada vez menos im- mos de uma delineação mais exata dos mecanismos por meio dos
portante à medida que cede o passo a uma forma mais complexa quais êsses sistemas passam a comportar-se de maneira caracteris-
de fôrça motriz organizada e dirigida, à qual chamamos a ineren- tica, tão diferente dos sistemas físicos — maneira geralmente ex-
te “irritabilidade do protoplasma”, tensão ou pressão nos ani- pressa pelo conceito de “intencional”. Costumam concordar os
mais, e energia psíquica ou fórça motora nos homens. À “ten- teóricos dos sistemas em que um princípio básico, que inspira
são”, no sentido lato, da qual a “pressão” e a “distorção” são tais mecanismos intencionais, ou buscadores de metas, está cor-
manifestações em condições de bloqueio percebido, está sempre porificado no conceito de “realimentação” *8 Encara-se a noção
presente, de uma forma ou de outra, em todo o sistema socio-
cultural — às vêzes como esforços, frustrações, entusiasmos, agres-
sões, aberrações neuróticas ou normativas, difusas, socialmente 17 Herbert À, Thelen, “Emotionality and Work in Groups”, em The
não estruturadas; às vêzes como processos de grupo aglomerado State of the Social Sciences, org. por Leonard D. White (Chicago: Univer-
sity of Chicago Press, 1956), pp. 184-86. Concepção idêntica está implícita
e minimamente estruturado ou como processos quase normativa- também no pragmatismo ou behaviorismo social de William James, John
mente construtivos ou destrutivos; e, às vêzes, como criatividade Dewey e G. H. Mead.
e produção, conflito e competição ou convulsão e destruição so- 18 Arturo Rosenblueth, Norbert Wiener e Julian Bigelow, “Behavior,
cioculturalmente estruturadas. Como dizem Thelen e colegas: Purpose, and Teleology”, Philosophy of Science 10 (1943), 18-24; Arturo
Rosenblueth e Norbert Wiener, “Purposeful and Non-Purposeful Behavior”,
Philosophy of Science, 17 (1950), 318-26; W. Ross Ashby, Au Intro-
16 Veja Erwin Schrudinger, What Is Life? (Londres: Cambridge ductiou to Cybernetics (Londres: Chapman & Hall, Ltd, 1956); C. W, Chur-
University Press, 1945); e Leon Brillouin, “Life, Thermodynamies, and chman e R L Ackoff, “Purposive Behavior and Cybernetics”, Social
Cybernetics”, American Scientist, 37 (1949), 554.68.
83
82
de realimentação como se esta, afinal, removesse o antigo misti- Até termostato satisfaz a êsses requisitos básicos:
o simples
cismo associado à teleologia pela sua redefinição em têrmos ope- é umsistema componentes franqueados a um aspecto do meio,
de
racionalmente respeitáveis. Como afirmou Anatol Rapoport, a e contém: (1) Uma variável de critério, que representa a deter-
tendência é positivamente para a explicação em função de causas minada regulagem térmica escolhida. (2) Um elemento sensível
“eficientes” que operam no espaço e no tempo imediatamente à temperatura do ar ambiente, de modo que (3) O sistema res-
presentes, e não de causas “finais” (ou acontecimentos futuros, ponde a desvios da temperatura do ar de cada lado da regula-
“requisitos” de sistemas ou funções básicas). Hoje em dia pode- gem (4) Ligando ou desligando o componente térmico de modo
mos lidar com a “intenção” de maneira causal no sentido ante- que o desvio seja reduzido (consequentemente, um exemplo de
rior de fôrças que agem no espaço e no tempo imediatamente realimentação negativa). Chamaremos aos circuitos causais fe-
presentes; se pudermos construir um modêlo de intencionalidade, chados mais simples, desprovidos de variáveis internas, circuitos
poderemos explicá-la. *º de “pseudo-realimentação”.
O conceito de realimentação foi agora vulgarizado e é, com Os sistemas controlados pela realimentação se consideram
muita frequência, equiparado simplesmente a qualquer interação dirigidos para metas e não apenas orientados para metas, visto
recíproca entre variáveis. Entretanto, como princípio subjacen- que são os desvios do próprio estado de meta que dirigem o com-
tes ao comportamento de busca de metas dos sistemas comple- portamento do sistema, muito mais do que qualquer mecanismo
xos, envolve muito mais do que isso. Da maneira como é usado interno predeterminado, que procura às cegas. A significação do
aqui, aplica-se particularmente a um sistema aberto: contrôle realimentador para os sistemas complexos pode ser parcial-
mente expressa por uma comparação de máquinas “pré-ciberné-
1, Cujos traços característicos dependem de certos parâmetros in- ticas” com os modernos servomecanismos. Nas primeiras, cabia
ternos ou variáveis de critério, que permanecem dentro de certos
limites; ao inventor tentar antecipar tôdas as contingências que a máqui-
na poderia encontrar na execução da sua tarefa e incluir no in-
2. Cuja organização desenvolveu uma sensibilidade seletiva, ou re-
lação mapeada, por coisas ou acontecimentos ambientais de re- vento características neutralizantes; a máquina moderna, entre-
levância para essas variáveis de critério; tanto, utiliza essas mesmas contingências como informação que,
carreada para a máquina, a dirige contra elas. Nesses têrmos se
3. Cujo aparelho sensório é capaz de distinguir quaisquer desvios
dos estados internos dos sistemas e/ou o comportamento mani- compreende facilmente o grande aumento de capacidades que
festo de estados de metas definidos em têrmos das variáveis de disso advém.
critério; De particular interêsse para nós, ao lidar aqui com a evo-
4 De sorte que a realimentação dessa informação “inadequada” lução de sistemas adaptativos complexos, é o desenvolvimento de
nos centros encarregados de dirigir o comportamento do siste- subsistemas provadores de critérios, cada vez mais complexos.
ma reduz (no caso da realimentação negativa) ou aumenta (no
caso da realimentação positiva) o afastamento do sistema dos
Não nos interessam tanto os mecanismos homeostáticos, que po-
seus estados de metas ou limites de critério. dem ou não tornar-se mais compreensíveis pela sua tradução em
têrmos de realimentação, quanto os mecanismos que dirigem o
comportamento do sistema. fstes últimos percorrem tôda a ga-
Forces, 29 (1950), 32-39. Sôbre um estudo crítico, veja Richard Taylor, ma que vai desde os mecanismos fundados em tropismos, ínstin-
“Comments on a Mechanistic Conception of Purposefulness” e “Purpo-
tos e reflexos de verificação da realimentação, até os subsistemas
seful and Non-Purposefu! Behavior: A Rejoinder”, Philosophy of Scien-
ce, 17 (1950), 310-17, 327-32
aprendidos, conscientes, atuados por símbolos, e os mecanismos
19 Anstol Rapoport em Toward a Unified Theory of Human Beba- de planejamento social. Poder-se-á contestar que todos os me-
vior, org. por Roy Grinker (Nova Iorque: Basic Books, Inc, Publishers, canismos em cada um dêsses níveis envolvem uma verdadeira
1956), Capítulo 17. realimentação, mas parece claro que os mais altos níveis de con-

84 85
trôle, da aprendizagem cortical para diante, só podem ser bem Em virtude da capacidade de manipular símbolos e da consciên-
compreendidos em têrmos de transações realimentadoras com- cia de si mesmo, o ser humano “ensaia” a transação total no nível
plexas, não raro de ordem mais elevada. 2º oculto e, por conseguinte, gera sempre significado e comporta-
Escorado no conceito da realimentação, um número cres- mento significativo, independentemente dos acontecimentos con-
cente de psicólogos tem atacado com vigor os esteios básicos da cretos simbolizados. Será talvez por êsse motivo que nós, sem
psicologia tradicional, a saber, a concepção do arco reflexo e a muita exatidão, pensamos que as pessoas carregam “significado”
concepção behaviorista do estimulo-resposta, como inadequadas à na cabeça.
explicação da aprendizagem e do funcionamento de organismos
mais elevados, Assim, Charles W, Slack, entre outros, chamou
No espírito da mais recente perspectiva, teóricos como O.
H. Mowrer, Charles E. Osgood, e Donald T. Campbell desfecha-
a atenção para o caráter convincente da crítica do conceito do
tam novos ataques ao problema de especificar os mecanismos en-
arco reflexo, feita por John Dewey em 1896, à luz da ciberné- volvidos nas várias fases dos complexos processos cognitivos
tica e de recentes experimentos, que testaram finalmente o con- que
ceito no comportamento geral. Mostra êle, como sustentava fundamentam a transação total, a qual envolve acontecimentos
ambientais, percepção, aprendizagem, raciocínio, decisão e respos-
Dewey, que não podemos definir um “estímulo” como indepen-
dente do sujeito sôbre o qual age e, na realidade, não saberemos tas motoras. Seja qual fôr o enfoque dêles, neobehaviorista, neu-
rológico ou subjetivista (ou chame-se ainda “behaviorismo sub-
o que é o estimulo, »em a resposta, sem uma boa com-
jetivista”, como a obra recente e estimuladora de Miller, Galan-
preensão da transação realimentadora total, que envolve as
manipulações do experimentador, as metas do sujeito e as
ter e Pribram),23 o velho mêdo de examinar muito de perto a
“caixa preta” psicológica está diminuindo considerâvelmente. E
interações do sujeito com a situação, *! Pois, como vimos
ao discutir o ponto de vista informativo e teórico do o que se está encontrando parece ser, cada vez com maior clare-
“significado”, o relevante para um otganismo e para o seu za, analisável como um servo-sistema altamente flexível e eficien-
te do processamento da informação ** O intervalo entre o estt-
comportamento não é simplesmente um acontecimento ex- mulo e a resposta está-se escancarando para dar lugar a processos
terno, nem apenas um estado interno, senão a transação multifásicos de mediação, os únicos capazes de explicar as dife-
por meio da qual são “provados” certos aspectos do estímulo ex-
terno pelo organismo e adequados a estados internos escolhidos. renças de compottamento entre as bolas de bilhar que interagem
O “significado” do estímulo não é alguma coisa “dentro” dêle, entre si e os sistemas adaptativos interagentes. Ciberneticistas
como Norbert Wiener, McCulloch e Pitts, Bertalanffy, Ashby,
nem alguma coisa “dentro” do organismo, mas a relação entre
Neumann e outros, fizeram contribuições fundamentais à especi-
os dois: no dizer de Mackay, reside na “função seletiva” ou “fun-
ficação dêsses processos de mediação em suas pesquisas básicas, 5
ção organizadora” 22 dos aspectos do estímulo pata o organismo
e para o seu comportamento. Levando êsse ponto de vista à sua
conclusão lógica, diremos que o “significado” é gerado durante 23 Veja George A. Miller et al., Plans and the Structure of Beba-
a transação total e deixa de existir quando a transação termina. vior (Nova Iorque: Holt, Rinchart & Winston, Inc. 1960).
Conquanto uma concepção dessa natureza possa aplicar-se igual- 24 Veja também Omar K. Moore e Donald J. Lewis, “Purpose and
mente ao rato e ao ser humano, existe uma diferença importante. Learning Theory", The Psychological Review, 60 (1953), 149.56: David
Kretch, “Dynamic Systems as Open Neurological Systems”, The Psycho-
20 Veja, por exemplo, Derek H. Fender, “Control Mechanisms of the logical Review, 57 (1950), 345-61; e D. O Hebb, The Organization of
Eye”, Scientific American, 211 (julho de 1964). Bebavior (Nova Iorque: John Wiley & Sons, Inc, 1949).
21 Charles W. Slack, “Feedback Theory and the Reflex Arc Con- 25 Por exemplo, Warren S McCulloch e Walter H Pitts, “A Lo-
cept”, Psychological Review, 62 (1955), 263-67. gical Calculus of the Ideas Immanent in Nervous Activity”, The Bule
22 MacKay, “The Informational Analysis”, pp. 470-71. tin of Mathematical Biophysics, 5 (1943), 115:33; W Ross Ashby, Design
tor a Brain (Londres: Chapman & Hall, Ltd, 1952); e John von Neu-
86
87
tro do sistema mas, depois de perturbado o equilíbrio, quase nada
Outras áreas da Psicologia que tiram proveito do conceito se poderá dizer sôbre o futuro da sociedade. Essas teorias do
de realimentação incluem as da tensão, do conflito e da desorga-
equilíbrio, assinala Deutsch, baseiam-se no campo muito restrito
nização, representadas, nesse caso, pela obra de Geoffrey Vickers da “dinâmica do estado constante”, e não são apropriadas para
2º A Sociologia, con-
e de Notterman e Trumbull, por exemplo, lidar com acontecimentos transitórios, para prever as consequên-
tudo, ainda não sentiu o impacto da moderna pesquisa dos sis-
relevância cias de mudanças súbitas “De um modo geral, no mundo da
temas. O pouco que tem sido escrito de sociológica
não maior teoria do equilíbrio, não há crescimento, nem evolução, nem mu-
por autores que não são sociólogos foi, em sua parte,
danças súbitas, nem eficiente previsão das consegiiências do “atri-
apresentado em têrmos diretamente aplicáveis ao campo. O pou- to” sôbre o tempo”, “8
co que já foi feito com orientação cibernética por autores volta-
dos para a Sociologia será discutido mais tarde. Entretanto, Karl A teoria da realimentação, por outro lado, não empurra O
W. Deutsch apresentou utilíssima discussão dos progressos da “atrito” para o fundo do quadro, mas é capaz de lidar especifica-
análise do sistema social provocado pelo conceito de realimenta- mente com o “atraso” e o “ganho” entre acontecimentos coliden-
ção em contraposição às noções de equilíbrio ou homeostase, Ás tes, O grande “atraso” pode ser conceptualizado como um afas-
suas opiniões também corroboram substancialmente a nossa cri- tamento das metas comuns tão anterior à ocorrência da correção
tica anterior dêsses últimos conceitos tais quais se usam em So- realimentadora que só uma reação violenta como, por exemplo,
ciologia, e serão apresentados aqui. Para Deutsch, a realimentação uma revolução, poderá trazer de volta o sistema social a um
estado mais viável, orientado para metas. À apreciação cabal da
é uma noção mais complexa do que a simples noção mecânica
.

função e da natureza du realimentação permite um ataque rela-


do equilíbrio, e promete tornar-se um instrumento mais poderoso
das Ciências Sociais do que a tradicional análise do equilíbrio. 27
tivamente objetivo ao problema da avaliação e da correção do
“atraso” no sistema.
No entender de Deutsch, dizer que um sistema social está Deutsch robustece ainda mais a nossa concepção da reali-
em equilíbrio implica dizer que: (1) êle voltará a um estado mentação sugerindo as espécies de informação necessárias à “dire-
particular quando perturbado; (2) a perturbação vem de fora do ção” de uma sociedade, as espécies de níveis de realimentação que
sistema; (3) quanto maior a perturbação, tanto maior a fôrça fundamentam a eficácia do sistema e os níveis sucessivos de in-
com que o sistema voltará ao estado original; (4) a velocidade tenção que por essa maneira se tornam possíveis. Para ter uma
da reação do sistema à perturbação é, de certo modo, menos re- “autodireção” eficaz, um sistema sociocultural precisa continuar
levante — uma espécie de atrito ou defeito que não tem lugar a receber um fluxo pleno de três espécies de informação: (1) in-
no equilíbrio “ideal”; (5) nenhuma catástrofe pode ocorrer den- formação do mundo exterior; (2) informação do passado, com
grande amplitude de revocação e recombinação; e (3) informa-
ção acêrca de si mesmo e das suas partes. Três espécies de rea-
mann, “Fhe General and Logical Theory of Automata”, em Cerebral Me- limentação, que se utilizam dêsses tipos de informação, incluem:
chanisms in Bebavior: The Fixon Symposium, org por Lloyd A. Jeffress
(Nova Iorque: John Wiley and Sons, Inc, 1951), pp. 131.
(1) busca de metas — realimentação de novos dados externos
carreados para a rêde do sistema, cujos canais operacionais per-
20 Geoffrey Vickers, “The Concept of Stress in Relntion to the
Disorganization of Human Behavior”, em Stress and Psychiatric Disorder, manecem inalterados; (2) aprendizagem — realimentação de no-
org. por 7 M Tanner (Oxford: Blackwell Scientific Publications, Lid, vos dados externos pata a mudança dos próprios canais operado-
1959), pp. 3:10; Joseph M. Notterman e Richard Trumbull, “Note on res, isto é, mudança na estrutura do sistema; e (3) consciência,
Self-Regulating Systems and Stress”, Behavioral Science, 4 (1950), 324-27.
27 Kal W Deutsch, “Mechanism, Teleology, and Mind”, Philoso-
phby and Phenomenological Research, 12 (1951), 185.222, O trecho ci 28 Ibid.
tado se encontra à p. 198.
89
88
ou auto-percepção — tealimentação de novos dados intertos por Os processos mais básicos de nível inferior, que ensejam
via de mensagens secundárias, atinentes a mudanças no estado
aos sistemas adaptativos “planejarem” dentro de si mesmos parte
das partes do próprio sistema. Essas mensagens secundárias ser- da variedade ambiental, isto é, lograr o conhecimento prático
vem de símbolos ou rótulos internos para as mudanças de estado do mundo, são: (1) a mutação genética e sobrevivência seleti.
dentro da rêde. Finalmente, podem reconhecer-se quatro ordens va — dos sistemas que mais eficazmente se combinam com o
sucessivamente mais elevadas de intenções: (1) a busca da satis- meio, e (2) bissexualidade e a heterozigocidade — que, em com-
fação imediata; (2) a autopreservação, que às vêzes requer o binação com o primeiro processo, possibilitam ajustamentos mais
afastamento da primeira; (3) a preservação do grupo; e (4) a rápidos às mudanças ambientais.
preservação de um processo de busca de metas além de qualquer Os níveis acima dêstes, aventa Campbell, são mais pronta-
grupo. Essas ordens de intenção, naturalmente, requerem ordens mente reconhecíveis como “processos de conhecimento”: (3) so-
sucessivamente mais elevadas de rêdes de realimentação. ?º
lução do problema de ensaio e érro cegos, como a dos paramécia,
Estas sugestões, naturalmente, precisam de extenso desen- do estentor ou do “homeostato” de W. Ross Ashby; (4) aprem-
volvimento, mas podem servir aqui para demonstrar que, en- dizagem — retenção de padrões de respostas adaptativas para
quanto o conceito de “equilíbrio” se restringe à descrição dos es- uso subsegiiente, interrompendo abruptamente o processo de en-
tados constantes, o ponto de vista cibernético se baseia na diná- saio e êrro em situações familiares de problemas; (5) percepção
mica total, incluindo a mudança de estado como aspecto ineren-
— exploração visual de alternativas de comportamento potencial,
te e necessário à operação do sistema complexo. Pode-se ver, em substituindo a exploração manifesta; (6) aprendizagem pela
particular, que a Cibernética se presta a dar ao problema da in- observação — característica de animais sociais, que aprendem
tenção uma cota maior de atenção, e até a ajudar-nos a fazer uma observando os resultados de outro animal explorador, tirando
distinção indispensável entre a consecução de metas externas proveito das experiências potencialmente fatais de outro; (7)
reais e a redução do impulso para a meta pelo reajustamento in-
imitação — aquisição de um modêlo de comportamento pela
terno, que proporciona uma satisfação sucedânea (ou curto-cir- percepção do comportamento alheio; (8) instrução lingiiística
cuito), como a atribuição de culpa a outrem, o uso de drogas, — sôbre a natureza do mundo e as respostas corretas dadas a
ou mais alguns dos chamados “mecanismos de contrôle”, Segun- êle; (9) pensamento — por meio do qual um comportamento
do o ponto de vista de Deutsch, as concepções de realimentação,
potencial é simbôlicamente ensaiado em confronto com um mo-
mais complexas, de mudança de metas, levam em conta essa dêlo aprendido do meio; e (10) tomada social de decisão — em
distinção.
que as observações de muitas pessoas são reunidas num modêlo
Donald T. Campbell propôs uma hierarquia de “processos único, mais adequado, do meio.
de conhecimento” encontrados nos diferentes níveis evolutivos de À similaridade essencial entre os processos indutivos de se-
sistemas adaptativos complexos. 3º Um breve exame dêles pode leção natural em evolução e os da aprendizagem pela técnica de
servir ainda mais para dilatar a nossa perspectiva sôbre os siste- ensaio e êrro (já observada, a propósito, em 1900
por J. M.
mas adaptativos e reforçar o nosso sentido da continuidade de Baldwin) é vista por Campbell como sendo “talvez o discerni-
tais sistemas, à proporção que nos conduzem ao nível sociocul- mento-chave de tôda a reorganização da perspectiva dos processos
tural, tornando-nos, ao mesmo tempo, sensíveis às importantes do conhecimento”. 3: As implicações ulteriores dessa perspecti-
diferenças em sua organização e em sua dinâmica. va serão discutidas mais adiante.

29 Ibid, 201,
30 Donald T. Campbell, “Methodological Suggestions from a Com-
parative Psychology of Knowledge Processes”, Inquiry, 2 (1959), 152-82. 31 Ihid, 156 « seguintes.

90
91
a organização ou o estado de um sistema. À morfogênese se re-
Morfostase e Morfogênese fere aos processos que tendem a elaborar ou mudar a forma, a
estrutura ou o estado de um sistema. Os processos homeostáticos
As diversas características dos sistemas adaptativos comple- em organismos e o ritual nos sistemas socioculturais são exem-
xos até agora delineadas — abertura,
encadeamento de informa-
direção para plos de “morfostase”; a evolução biológica, a aprendizagem e o
ção das partes e do meio, circuitos de realimentação,
elementos con-
desenvolvimento societal são exemplos de “morfogênese”.
metas, € assim por diante — proporcionam os
básicos, subjacente aos traços gerais característicos de Já discutimos os processos morfostáticos ao tratar do equi-
ceptuais
sistemas cognominados “auto-reguladores”, “autodiretores” e líbrio, da homeostase e da realimentação negativa. Esses pro-
“auto-organizadores”. Todos êsses conceitos apontam para O
fa- cessos conservadores, neutralizadores de aberrações, vieram a ser
de sistemas complexos, abertos, destacados na literatura às expensas dos processos de elaboração
to de não ser o comportamento
é O de estruturas e de promoção de aberrações, fundamentais para
função simples e direta de fôrças externas incidentes, como socio-
dos a compreensão de sistemas de nível mais elevado, como o
caso das bolas de bilhar que colidem umas com as outras ou de realimentação negativa en-
sistemas gravitacionais. Pelo contrário, à medida que os siste- cultural, Assim como o conceito
desenvolvem-se dentro sejou a compreensão imediata dos mecanismos que alicerçam os
mas abertos se tornam mais complexos, conceito da realimentação positiva
déles processos medianeiros cada vez mais complicados, que
in- processos homeostáticos, o funda-
tervêm entre as fôrças externas e o comportamento. Em níveis proporciona a compreensão imediata dos mecanismos que
mais mentam a edificação de estruturas, ou morfogênese. Magoroh
mais altos, êsses processos de mediação se tornam mais e necessi-
independentes ou autônomos, e mais determinantes de compor- Maruyama demonstrou há pouco, muito eficazmente, a
dade de maior interêsse pelos últimos.
tamento. Passam a realizar as operações de: (1) ajustamento
direção do
temporário do sistema às contingências externas; (2) Focalizando o aspecto neutralizador de aberrações das relações
sistema para meios mais favoráveis; e (3) reorganização perma- causais mútuas... os ciberneticistas prestaram menor atenção aos
de
fim de lidar talvez mais sistemas em que os efeitos causais mútuos são amplificadores
nente de aspectos do próprio sistema a acumulação de capital na in-
eficazmente com o meio, O “auto” de “auto-regulação”, “auto- aberrações Tais sistemas são ubíquos:
de culturas de
refere-se, naturalmente, a êsses dústria, evolução de organismos vivos, surgimento
direção” e “auto-organização” vários tipos, processos interpessoais que produzem
enfermidades
inclinemos a empregar o têr-
processos mediadores, se bem nos internacionais imprecisamente de-
mentais, conflitos e os processos
nível humano. Entretan- nominados “círculos viciosos” e “juros compostos”: em suma, todos
mo “auto”, no sentido pleno, apenas no impulso
to, a perspectiva que estamos adotando supõe que a compreensão os processos de relações causais mútuas que amplificam um
de níveis dos sistemas inferiores nos inicial insignificante ou acidental, desenvolvem desvio e divergem
dos processos mediação nos
funcionamento no nível da condição inicial 82
ajudará a compreender-lhes a natureza e O
acentuadas.
superior: não se encontram descontinuidades Maruyama oferece como exemplo o desenvolvimento de uma
Algumas conotações dêsses conceitos de “auto-regulação”
e cidade numa planície agrícola. Um fazendeiro abre uma fazenda
moder- homo-
quejándos são enganosas, quer se apliquem a máquinas num lugar qualquer, escolhido ao acaso, de uma planície
tendência é para dar ên- gênea. Atraídos pelo exemplo, outros fazendeiros o imitam. Al
nas, a homens ou a grupos, visto que a
fase excessiva à independência do sistema interno à custa das va- guém abre uma loja de ferragens, outro, uma venda, e, aos pou-
riáveis situacionais ou ambientais. Por essa razão, talvez seja cos, cresce uma aldeia. A aldeia facilita a
oferta de produtos no
utilizar têrmos mais neutros para Os dois processos
proveitoso
a
Deviation-Arm-
básicos que aqui nos interessam, saber, morfostase e morfogêne- 32 Magoroh Maruyama, “The Second: Cybernetics:
51 (1963), 164-79.
O sistema plifying Mutual Causal Processes”, American Scientist,
se. O primeiro se refere aos processos das trocas entre
manter a forma, O trecho citado encontra-se à p 164.
complexo e o meio, que tendem a preservar ou
93
92
mercado e atrai novas fazendas. O aumento de atividade e da
uma submissão ainda mais rígida às regras e uma defesa
mais vigorosa do status. Em suma, o desvio da meta de
ainda
agradar
população exige o desenvolvimento da indústria e a aldeia se trans- aos clientes tende a reforçar os próprios fatôres que
geram a
muda em cidade, 33 aberração. 35
Um dos muitos exemplos evolutivos é a adaptação de certas Como assinala Maruyama, podem-se inferir certas implica-
variedades de uma espécie a climas cada vez mais frios. No iní- ções metodológicas da consideração dêsses processos morfoge-
cio, alguns mutantes são capazes de viver a uma temperatura néticos. Segundo o princípio clássico da causalidade, condições
mais fria do que a normal para a espécie. Mudam-se para um similares produzem efeitos similares e, conseguentemente, resul.
clima mais frígido, onde se registram novas mutações. Há os tados dissimilares se devem a condições dissimilares. 3º Analisando
que não se adaptam à frigidez e morrem, mas há também os que as características auto-reguladoras, ou morfostáticas, dos sistemas
suportam ambientes mais álgidos até do que os próprios ante- biológicos abertos, Bertalanffy afrouxou essa concepção clássica
passados e mudam-se para um clima ainda mais frio. Êsse pro- introduzindo o conceito da “egiiifinalidade”. 37 Sustenta êsse
cesso de amplificação de desvio continua até chegar a certo limite. conceito que, na ontogênese por exemplo, o estado adulto final
Poderiam citar-se também numerosos exemplos elucidativos normal pode ser alcançado por uma série de caminhos evolutivos
no terreno sociocultural. Além dos processos acima citados de aberrantes. Os processos morfogenéticos, todavia, vão ainda mais
crescimento ou mudança estrutural adaptativa, são frequentes os longe e supõem um princípio oposto, que talvez se pudesse cha-
processos não adaptativos, como os corporificados na teoria do mar da “multifinalidade” 8: condições iniciais similares podem
“círculo vicioso” da discriminação racial, de Myrdal, por meio conduzir a estados finais dissimílares. Dessarte, duas culturas
dos quais preconceitos iniciais geram as características pessoais que se desenvolvem em meios ecológicos muito semelhantes, po-
e sociais dos negros, que passam a justificar maior discriminação, dem redundar em sistemas socioculturais muito diferentes. No
**
a qual, por seu turno, agrava ainda mais a condição dos negros. exemplo do crescimento da cidade, Maruyama alvitra que, se um
Outro exemplo é o processo pelo qual pode ocorrer o mau fun- historiador procurasse encontrar a “causa” do desenvolvimento
cionamento das organizações burocráticas. Em Organizations, da cidade naquele determinado lugar, seria incapaz de fazê-lo,
March e Simon traçaram um modêlo da teoria da burocracia de quer em função da homogeneidade inicial da planície, quer em
Robert Merton, que, em sua forma simplificada, começa com a têrmos da decisão do primeiro fazendeiro.
exigência de contrôle feita à organização pela administração sur
O segrêdo do crescimento da cidade reside antes no processo
perior Essa exigência assume a forma de uma ênfase dada à fide- de amplificação do desvio das rêdes de realimentação mútua posi-
dignidade de comportamento de administradores de nível infe- tiva, do que na condição ou no impulso iniciais. Mais do que a
rior, operacionalizada em têrmos de responsabilidade e predizi- condição inicial, êsse processo gerou a cidade complexamente estru-
bilidade de comportamento. Tal ênfase, pot seu turno, conduz turada É nesse sentido que se chama “morfogênese” ao processo
causal mútuo de amplificação do desvio. 39
a uma rígida aderência a regras e à defesa mútua das posições dos
membros. Mas isto cria dificuldades às relações entre o admi-
nistrador e o cliente, que resultam na percebida necessidade de as James G. March e Herbert A. Simon, Organizations (Nova
defensabilidade da ação individual. A pressão do cliente sôbre Iorque: John Wiley & Sons, Inc, 1958), pp. 37-41.
os funcionários inferiores e superiores tem por efeito robustecer 36 Myrdal, Au American Dilema
aínda mais a ênfase oficial da cúpula sôbre a fidedignidade, fe- 3% TIudwig von Bertalanffy, Problems of Life (Nova Iorque: Har-
chando assim o circuito de realimentação positiva, que acarreta per & Row, Publishers, Torchbook org, 1960), pp. 142 e seguintes
às Este conceito está talvez implicado na noção biológica de “equi
as Ibid, 165-66. potencial”,
34 Gunnar Myrdal, 47 American Dilema (Nova Iorque: Harper 39 M. Maruyama, “The Second Cybernetics”, 166.
& Row, Publishers, 1944), pp 75-78
95
94
Tais considerações proporcionam um fundamento metodo- O mesmo princípio se aplica igualmente ao sistema socio-:
lógico mais preciso e básico para o enfoque transacional
do estu- cultural, Não existem informação, conhecimento nem poder de '

do de sistemas adaptativos complexos. Por exemplo, a clássica tomar decisões suficientes quando apenas se somam todos os
abordagem do estudo do comportamento delingiiente ou crimi- indivíduos ou grupos relevantes para explicar a organização com-
noso, consistia em considerar a personalidade ou a situação am- plexa plenamente desabrochada, a aglomeração metropolitana, o
biente. Hoje, contudo, podemos apreciar mais cabalmente a pos- corpo da teoria científica ou o dogma religioso desenvolvido. O
sibilidade de que alguma transação de amplificação do desvio, padrão sociocultural é gerado pelas regras (normas, leis e valô-
operando entre o sistema da personalidade e a situação, tenha res — êstes mesmos gerados de maneira semelhante) e pelas
gerado o resultado aberrante. As condições iniciais, seja na interações dos indivíduos e subgrupos normativa e intencional.
personalidade, seja na situação, podem ou não ser relevantes ou mente orientados num cenário ecológico. A compreensão e a
causalmente dominantes, “º explanação plenas não podem valer-se, sozinhas, nem da história
anterior, nem das características humanas comuns (condições
Na discussão, feita por Maruyama, do assombro do biologis-
iniciais), nem da estrutua final e das funções Será preciso
ta ao constatar que a quantidade de informação armazenada nos
atentar finalmente para as interações geradas pelas regras, vistas
genes é demasiado pequena para especificar a estrutura porme- como simples estruturas limitativas da ação; para a nova infor-
norizada do indivíduo adulto, propõe-se uma generalização parcial
mação, os novos significados e as regras revisadas, geradas pelas
do processo morfogênico. O enigma poderá ser solucionado se
descobrirmos que não é necessário que os genes carreguem tôda interações; e para os produtos sociais mais ou menos temporá-
rios, que representam o estado ou a estrutura correntes do pro-
a informação pormenorizada, bastando apenas que carreguem
cesso em marcha, Só mesmo uma observação e uma conceptuali-
um conjunto de regras para gerar a informação. Isso pode ser
zação unilaterais, altamente seletivas, poderiam levar-nos a ver
conceptualizado, por exemplo, em têrmos de regras que especi-
um princípio de “inércia social” ou a predominância de processos
fiquem a direção geral e a quantidade de crescimento celular em morfostáticos operando na esfera sociocultural. No capítulo 5
função do meio espacial e celular imediato dos tecidos que cres-
examinaremos algumas novas direções do pensamento sociológi-
cem; os detalhes são, então, gerados pelas interações das células, co em curso, que edificam suas análises e teorias mais em tôrno
dos tecidos e de outros limites e gradientes limitantes. Dessa
de processos morfogênicos que de processos morfostáticos,
maneira, se bem o processo total seja determinista, não é possi-
vel nem necessário especificar na condição inicial se, por exem-
plo, determinada parte do embrião vai transformar-se em tecido UM MODÊLO ABSTRATO DE MOBFOGÊNESE
dos olhos ou tecido da pele Segundo as palavras de Maruyama:
As conceptualizações de processos morfogênicos aventadas
A quantidade de informação para descrever o padrão resultante é
muito mais do que a quantidade de informação para descrever as por Campbell, Maruyama e outros, *º prepararam o caminho para
regras generativas e as posições dos tecidos
iniciais. O padrão é o advento de um paradigma altamente generalizado de morfogê-
gerado pelas regras e pela interação dos tecidos. Nesse sentido, a nese ou evolução, aplicável, em ptincípio, a todos os níveis de
informação para descrever o indivíduo adulto não estava contida sistemas complexos, Tal paradigma justífica a consideração
nos tecidos iniciais desde o comêço, mas foi gerada pelas suas inte- cuidadosa como estrutura que proporciona uma penetração mais
rações. 11
profunda não só nos mecanismos implícitos na evolução da orga-
nização, mas também no significado da própria evolução como
so Discutiremos com maiores minúcias a geração da aberração social
como processo morfogênico no último capítulo. 42 Veja J. W. S Pringle, “On the Parallel Between Learning and
4 Ibid, N74. Evolution", Behavior, 3 (1951), 174-215.

96 4 97
processo cientificamente definível. Assim como a teoria
moder- zado pela variedade coacta e por uma organização ou sistema.
na dos sistemas promete salvar a “intenção” do descrédito meta- adaptativos, cuja persistência e elaboração para níveis mais altos
físico, assim também poderá restituir o conceito revivescente da dependem do mapeamento bem sucedido de parte da variedade
evolução sociocultural ao centro de um respeitável interêsse e da coerção ambientais em sua própria organização, pelo menos
científico. em base semipermanente. Isto signífica que o nosso sistema
Por ser tão generalizado o paradigma que esboçaremos mais adaptativo — seja êle biológico, psicológico ou sociocultural —
adiante, começaremos com uma breve definição dos conceitos precisa manifestar (1) certo grau de “plasticidade” e “sensibi-
básicos que serão utilizados. lidade” ou tensão em relação ao meio, de modo que leve a cabo
constante intercâmbio com acontecimentos ambientais, agindo sô-
O queio, sejam quais forem as outras maneiras por que se possa bre êles e reagindo a êles; (2) alguma fonte de mecanismos que
caracterizar, pode ser visto, no fundo, como «ss conjunto de ele-
mentos, estados ou acontecimentos, mais ou menos distinguíveis, se- proporcione variedade, para agir como fundo comum potencial
jam essas discriminações feitas em função de relações espaciais ou de variabilidade adaptativa, enfrentando o problema de mapear
temporais, ou ainda de propriedades. Tais diferenças distinguíveis variedade e coerções novas e mais detalhadas num meio muda-
num conjunto, de um modo mais geral, podem classificar-se como diço; (3) uma série de critérios ou mecanismos seletivos capa-
“variedade”,
zes de separar do “fundo comum de variedade”, a fim de esco-
As relações “causais”, espaciais e/ou temporais, mais ou menos
lher as variações da organização ou do sistema que mais estreita-
estáveis, entre êsses elementos distinguíveis, de um modo geral, po-
dem classificar-se como “coerção”: a maioria dos acontecimentos se mente mapeiem o meio e as que o não fazem; e (4) um arranjo
associa definicamente a outros acontecimentos. Quando os elemen- para preservar efou propagar êsses mapeamentos “bem su-
tos se acham tão frouxamente relacionados que existe uma probabi- cedidos”. +3
lidade igual de qualquer elemento ou estado associar-se a qualquer
outro, falamos em “caos”, ou completa casualidade e, portanto, falta Cumpre notar, como acima se aventou, que esta é uma pets-
de coerção Mas o nosso meio natural mais típico se caracteriza pectiva relacional, em estreita correspondência com a concepção
por um grau relativamente elevado de coerção, sem o qual não te- corrente de “informação”, encarada como o processo de seleção,
riam sido possíveis o desenvolvimento e a elaboração de sistemas proveniente de um conjunto de variedade, de um subconjunto
adaptativos (bem como da “ciência”),
que, para ter “significação”, precisa equiparar-se a outro subcon-
Quando a organização interna de um sistema adaptativo adquire
características que lhe permitem discriminar aspectos da variedade junto tirado de um conjunto similar, Comunicação é o processo
ambiental e de suas coerções, agir sôbre êles e responder a êles, pelo qual essa variedade coacta se transmite, de uma forma ou de
dizemos que o sistema mapeou parte da variedade e das coerções outra, entre tais conjuntos, envolvendo codificação e decodifica-
ambientais em sua organização Dessarte, um subconjunto da varie- ção, de modo que a variedade original e suas coerções permane-
dade coacta do meio, transmitida através de vários canais, resulta
çam relativamente invariáveis no terminal receptor. Se a fonte
numa ativação seletiva da estrutura do sistema receptor, que, em de comunicação fôr a variedade causalmente coacta do meio na-
certos sentidos, se tornou isomorfo em relação à variedade original.
Dessa maneira, o sistema se torna seletivamente relacionado ao seu tural, e a destinação fôr o sistema biológico adaptativo, estare-
meio, tanto do lado sensório quanto do lado motor. Releva acres- mos diante do processo darwiniano de seleção natural, por meio
centar que dois ou mais sistemas adaptativos, bem como um siste- do qual a informação codificada no material cromossômico (por
ma adaptativo e o seu meio natural, se podem dizer inter-relaciona- exemplo, o DNA) reflete a variedade ambiental ou representa
dos do mesmo modo pela variedade mais ou menos coacta (por
seu delineamento, e possibilita a adaptação continua e mais ou
exemplo, como ocorre na “socialização” ). menos bem sucedida do organismo ao meio. Se o sistema adapta-
Nessas condições, portanto, o paradigma implícito na evolu- tivo em aprêço fôr um sistema psicológico ou cortical (de nível
ção de sistemas adaptativos cada vez mais complexos principia
com a existência de um meio potencialmente mutável, caracteri- 43 Campbell, “Methodological Suggestions”,

98 99
relativamente alto), estaremos diante da “aprendizagem”, por cada vez menos determinante). (2) Os graus sumamente va-
meio da qual a variedade ambiental significativa se transmite, riáveis de fidelidade de delineamento do meio no sistema adapta-
através de canais sensórios e perceptivos e decodificações, aos tivo, a partir dos organismos unicelulares inferiores com um re-
centros corticais onde, na base de critérios seletivos (por exem- pertório muito simples de ações e reações ao meio, passando pelo
plo, “recompensa” e “castigo”) relacionados com “necessida- complexo de comportamentos instintivos a aprendidos, até às
des” ou “impulsos” psicológicos e/ou outros, partes relevantes acumulações mais requintadas e verídicas, sempre proliferantes,
dela são codificadas e preservadas como “experiência”, por pe- do sistema sociocultural. (3) A separação progressivamente
ríodos variáveis de tempo, e podem promover a adaptação. Ou, maior da informação armazenada e mais requintada dos processos
no nível do sistema sociocultural baseado no simbolo, onde as puramente biológicos, à medida que a informação genética é aos
ações mais ou menos padronizadas de indivíduos ou grupos cons- poucos aumentada pela informação corticalmente impressa e, afi-
tituem parte fundamental do meio de outros individuos e grupos nal, por depósitos socioculturais inteiramente extrassomáticos.
como o meio não social, a variedade de comportamento e suas Assim sendo, a nossa compreensão da significação de “cultura”
coerções mais ou menos normativamente definidas são cultural- se aprofunda pelo reconhecimento não só da sua continuidade de
mente codificadas, transmitidas e decodificadas no terminal re- desenvolvimento com processos psicológicos e biológicos de “in-
ceptor por meio dos vários canais e processos intragrupais fami- formação”, mas também de suas diferenças qualitativas.
liares, com graus variáveis de fidelidade. Com o correr do tem- Um ponto que requer discussão muito mais ampla pode ser
po, novamente por um processo seletivo — agora muito mais rápidamente mencionado aqui. Trata-se da aparente desconti-
complexo, tentativo e menos facilmente especificado — notamos nuidade que podemos ver na transição do sistema adaptativo não
a elaboração seletiva e a preservação mais ou menos temporária humano para a sociedade humana. (A sociedade de insetos e a
de parte dessa complexa variedade social e física em forma de sociedade animal rudimentar mais elevada não representam se-
“cultura”, “organização social” e “estrutura da personalidade”. quer uma ruptura clara.) À proporção que passamos dos siste-
Na base de um contínuo assim de níveis evolventes, elabo- mas adaptativos biológicos inferiores para os superiores notamos,
como regra geral, o papel cada vez maior de outras unidades bio-
rativos, de sistemas adaptativos (assinalamos apenas três pontos
lógicas, não só da mesma espécie mas também de espécies dife-
ao longo dêsse continuo), poderíamos ampliar e aprimorar a nos-
sa discussão das características diferenciais dos vários níveis de
rentes, como parte do meio significativo. À variedade e as
coerções representadas pelo comportamento dessas unidades
sistemas. Nessas condições, notamos que, à medida que os siste
precisam ser mapeadas bem como as do meio físico. Com a tran-
mas adaptativos se desenvolvem dos níveis biológicos inferiores
sição da organização social mais elevada dos primatas para o sis-
para os níveis psicológicos e socioculturais mais elevados, pode- tema sociocultural humano, plenamente desabrochado, mediado
mos distinguir: (1) O variável espaço de tempo requerido para
por símbolos, o mapeamento dos comportamentos, gestos e in-
que os exemplares do sistema adaptativo mapeiem ou codifi- tenções sutis dos indivíduos que constituem a organização social
quem dentro de si mesmos as mudanças sofridas pela variedade efetiva se torna cada vez mais central e, finalmente, iguala ou
e pelas coerções do meio. Os sistemas neurais genéticos e tro-
até sobrepuja o mapeamento do meio físico. ** Os novos e difí-
písticos ou instintivos requerem uma escala de tempo filogenéti- ceis requisitos de coordenação, antecipação, expectativa e quejan-
ca; os sistemas psicológicos ou corticais mais elevados exigem dos dentro de um meio social cada vez mais complexo de outros,
uma escala de tempo ontogenética; e, no caso sociocultural, o
espaço de tempo pode ser curtíssimo — dias — ou extremamen- 44 Como veremos mais adiante, a psicologia social de G. H. Mesd
te longo, mas complicado pelo fato de que o meio relevante in-
e outros se preocupava em descrever o processo de interação social, por
clui não só a variedade e as coerções intra e intersocietais, mas meio do qual se verifica êsse “mapeamento” de gestos e intenções de
também a variedade do meio natural (tornando-se esta última outros.

100 101
interagentes e interdependentes — em que os mapeamentos ge- quência com à associação grupal, e assim por diante. Instr
néticos estavam ausentes ou eram inadequados — inspiraram a mento fundamental tem sido uma simples medida estatística de
rápida elaboração de características relativamente novas no siste- associação, que mostra a relação entre duas, às vêzes três, variá-
veis. Além disso, as técnicas tradicionais de mensuração se ba-
convencionali-
ma social. Estas inclufam, naturalmente: (1) a
zação sempre maior de gestos em verdadeiros símbolos; (2) o seiam numa lógica bivalente e tendem a focalizar atributos de
desenvolvimento de um “eu”, autopercepção ou autoconsciência elementos de um sistema; em consegiiência disso, não se apro-
provenientes da espelhação e do mapeamento contínuos, mediados priam à plena dinâmica do processo de sistema, sobretudo quan-
de cada do os circuitos de realimentação modificam os parâmetros
por símbolos, dos próprios comportamentos e gestos
pessoa nos dos outros sempre presentes (processo bem descrito iniciais.15

por John Dewey, G. H. Mead, Cooley e outros); e (3) a capa- Entretanto, cavados os alicerces, começamos agora a formu-
cidade resultante de lidar, no presente, com o futuro predito e lar perguntas muito mais completas e a buscar compreender os
com o passado e, portanto, manifestar um comportamento cons- mecanismos mais detalhados implícitos no desenvolvimento, na
ciente de busca de metas, avaliação, relacionamento entre o eu e manutenção e na mudança das inter-relações societais estabeleci-
o outro e sujeição a normas. Na terminologia cibernética, êsse das. “No nível teórico, a noção de sociedade como sistema foi
sistema sociocultural de nível mais elevado foi possibilitado pelo apreciada por algum tempo, mas revelou-se incapaz
— como
desenvolvimento de realimentações de ordem mais alta, de tal tentamos mostrar — de levar-nos muito longe na direção de uma
sorte que os subsistemas componentes se tornaram capazes de análise adequada das questões mais complexas. Insistiu
corteta-

mapear, armazenar e agir, seletiva ou normativamente, não mente em que pelo menos muitas partes do sistema social estão
em relação à variedade e às coerções externas do meio social e relacionadas a muitas outras partes, mas a teoria — mormente
físico, mas também em relação aos seus próprios estados inter- como a interpretam os funcionalistas — não conseguiu oferecer
nos. Falar em autoconsciência, internalizar, expectativa, esco- nenhum programa de pesquisa que não se limitasse a aconse-
lha, certeza e incerteza etc., é desenvolver êsse ponto básico. À lhar-nos a sair e estudar as inter-relações de tôdas as partes ou, até
transição, portanto, dá origem ao nôvo nível adaptativo, que de- mais restritamente, a estudar as “consegiiências” de uma parte
nominamos sociocultural e que assim justifica o estudo científico qualquer para qualquer outra parte E a metodologia de pesqui-
em têrmos tão distintos do sistema puramente biológico quanto sa mal começou a pensar, além das técnicas estatísticas tradício-
os têrmos analíticos dêste último o extremam dos sistemas físicos. nais, relativamente simples, nos métodos necessários para se
Nos dois capítulos seguintes voltamo-nos para uma tentativa chegar a um sistema de partes que interagem de maneira
mais pormenorizada de conceptualizar em têrmos modernos êsse complexa.
processo, por meio do qual se constroem e desenvolvem as estru- O nosso esbôço comparativo da natureza do sistema socio-
turas socioculturais complexas, em função dos processos de nível cultural em outra passagem dêste capítulo nos adverte
inferior de ação e interação simbólicas. que um
modêlo simples de causação e correlação e sua metodologia são
lamentâvelmente inadequados em face dos sistemas adaptativos
NA TEORIA SOCIAL
complexos. Desejamos agora rematar o capítulo com breve dis-
O PROBLEMA DA CAUSALIDADE
cussão das maneiras por que têm sido conceptualizadas as rela-
Durante a maior parte dêste século, a Sociologia dedicou as ções entre variáveis e das principais orientações teóricas que
assim se edificarara.
suas energias à demonstração de proposições básicas, que mos-
tram que uma parte ou aspecto da sociedade estão relacionados
a outra parte ou aspecto: a religião se relaciona com o voto, a 45 Sóbre uma discussão dos aspectos dêsse problema veja Cicourel,
solidariedade com o suicídio, a educação com a classe, a delin- Method and Measurement in Sociology

102 103
de Por importantes que sejam tais considerações — na verdade,
Não nos interessam aqui, essencialmente, os vários tipos
duas variáveis, mas é perti- justamente por serem tão importantes — devemos deixar que o
funções (matemáticas) que ligam entendido em metodologia nos forneça um tratado, aliás muito
nossos
nente chamarmos a atenção para elas, Ao passo que os necessário, sôbre as implicações de pesquisa da análise moderna
metodológicos tradicionais geralmente focalizam ou
instrumentos dos sistemas sociais (particularmente dos que não se reportam
mais recente está
supõem uma simples relação linear, a pesquisa ao equilíbrio). Discutiremos mais adiante, de preferência, as
evidenciando a importância de outros tipos de funções para uma
do desenvolvimento, da manutenção ou maneiras mais gerais por que os cientistas sociais trataram das
compreensão da dinâmica relações entre variáveis ou partes de sistemas e das orientações
da mudança dos sistemas sociais Um tipo de relação que se
encontra com frequência cada vez maior é o tipo especial de rela-
meio da qual uma
teóricas construídas sôbre elas.

ção não linear cognominada step function, por


variável não tem efeito apreciável sôbre as outras enquanto O Relações causais tradicionais. O) método mais comum de
diminuído analisar um dado fenômeno X tem sido relacioná-lo a fenômenos
seu valor não tiver sido aumentado ou por algum
acréscimo mínimo. Conseguentemente, a pesquisa pode não re-
ou “causas” anteriores, a, b, c...,mum encadeamento causal
unilateral. Se os acontecimentos anteriores estiverem próximos
velar nenhuma relação significativa, muito embora se esteja es-
do acontecimento que está sendo explicado, falamos em “causas
truturando, de fato, uma grande interação potencial. Uma espé-
de eficientes”; se estiverem mais distantes, referimo-nos a “causas
cie correlata de inter-relação de variáveis envolve a presença
de históricas”,
mecanismos amortecedores, que retardam os efeitos uma va-
riável até um ponto subsequente qualquer do processo. Essas
duas funções suscitam problemas similares pata O pesquisador. Teleologia ou causa final. Aqui tentamos analisar um
-Um problema especialmente importante hoje em dia
envolve a acontecimento RX em função de sua relação com acontecimentos
primazia de certas variáveis sistemáticas sôbre outras, O que se (ou propósitos, funções ou conseguências ) futuros.
chamar problema do “pluralismo metodológico”. Reagi-
pode o
teorias de um só fator su- Relações recíprocas ou mútuas. Especialmente com o
mos de maneira excessiva contra as
de eficácia” igualmente radical da plura- advento do modêlo do equilíbrio mecânico, o reconhecimento da
pondo uma “igualdade
“O
lidade de fatôres. Assim, como Andrew Hacker observou, importância de acontecimentos, variáveis ou elementos de siste-
demasia, que interagem numa mas mittuamente inter-relacionados pôs em dúvida os recursos
esquema de Parsons tem idéias em*º
paridade de significação causal”. Mas os modernos teóricos mais simplificados à causalidade. Durante certo período, com
dos sistemas reconheceram há muito que o simples fato de se efeito, parece ter-se registrado uma reação exagerada, associada à
acharem algumas variáveis inter-relacionadas de uma maneira sis- afirmativa de que o interacionismo mútuo substitui completa-
têmica não significa necessâriamente que cada qual tenha o mes- mente a causalidade mais antiga. Agora, entretanto, tudo indica
do sistema: qual-
mo pêso na produção de estados característicos que o exagêro cedeu o passo à moderação, estribada no
reconhe-
tôda a gama, desde a teorias cien-
quer variável sistemática pode percorrer discussões socioló-
cimento de que (como sói acontecer com as novas
inconteste. As
insignificância até a primazia tíficas) as novas perspectivas costumam aprimorar e ampliar as
não forem mais
gicas nessa área continuarão imaturas enquanto velhas, em lugar de substituí-las de vez, de tal modo que as ve-
da pesquisa moderna dos
amplamente assimilados os princípios lhas passam a ser vistas como casos especiais de aplicabilidade
sistemas. restrita. Poder-se-á talvez argumentar que o livro de Robert
Maclver, Social Cansation, representa uma tentativa, no terreno
Social Theo-
46 Andrew Hacker, “Sociology and Ideology”, em The “da Ciência Social, de moderar as afirmativas do interacionismo
Max Black (Englewood Cliffs, N. J.:
ries of Talcott Parsons, org. por mútuo, segundo as quais êste teria dado inteiramente cabo da
Prentice-Hall, Inc, 1961), p. 297.
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104
“causalidade”. Como quer que seja, o reconhecimento das rela- vos e auto-reguladores, e um protótipo do gênero de organização
ções recíprocas entre as partes de um complexo mais amplo foi que manifesta “intenção” ou busca de metas.
um primeiro passo importante na direção de uma completa aná- Importa, contudo, reconhecer que não se deve identificar a
lise dos sistemas. Ou, em outras palavras, os primitivos enfoques simples cadeia causal circular com o verdadeito circuito de rea-
da sociedade ou do grupo em função de modelos de sistema físi- limentação dirigido para metas, encontrado na base dos sistemas
co ou mecânico conduziram ao amplo reconhecimento de que as autodiretores mais avançados. Alguns exemplos da cadeia cau-
partes da sociedade não são tipicamente independentes, senão sal circular se vêem no processo reeguilibrador dos sistemas de
mutuamente inter-relacionadas e constituem um todo, pelo me- equilíbrio mecânico perturbados, na reação em cadeia da fissão
nos até certo ponto. Ésse argumento histórico necessita de nuclear, nas inter-relações ecológicas entre o tamanho da popula-
ênfase, como já tivemos ocasião de ventilar, em vista da tenta- ção e a provisão de alimentos, no “círculo vicioso” da discrimi-
tiva atual, não raro engenhosa, de muitos funcionalistas no sen- nação racial etc. Não se trata aqui de ciclos verdadeiros de
tido de reivindicar crédito para essa compreensão ou, na reali- “realimentação” no sentido cibernético, porquanto não há me-
dade, para definir a análise funcional em função do destaque canismos que meçam ou comparem a entrada da realimentação
dado às relações mútuas das partes, em lugar do destaque, mais em relação à meta e transmitam a informação inadequada a um
correto, dado às causas ou consegiiências finais para o todo centro de contrôle capaz de ativar o comportamento neutralizan-
maior. *7 te apropriado do sistema. Aqui não há “contrôle”, mas apenas
uma cega reação da variável original às fôrças que ela ajudou a
Cadeias causais circulares (pseudo-realimentação). O criar e que voltam agora a reagir a ela, Foi essa ausência de
conceito das relações mútuas das partes não poderia permanecer uma nitida distinção entre a pseudo-realimentação das cadeias
por muito tempo como conceito simples e não diferenciado, visto causais circulares mais simples e os verdadeiros circuitos de con-
que existem inúmeros subtipos para serem reconhecidos e anali- trôle da realimentação que ajudaram a criar a controvérsia entre
sados. Pusemos em relêvo a centralidade cada vez maior do os ciberneticistas Rosenblueth, Wiener e Bigelow, de um lado,
conceito de organização para a ciência moderna; implícitas nesse e o filósofo Richard Taylor de outro, no que concerne à defini-
conceito estão a compreensão e a análise das maneiras complexas ção do comportamento intencional e à questão de se saber se é
por que as partes de um todo se inter-relacionam para produzir possível afirmar que as máquinas cibernéticas são intencionais sob
a estrutura e a dinâmica do que ora denominamos sistemas. De êsse aspecto. “8 Os ciberneticistas tentaram definir o comporta-
especial importância são as espécies de relações mútuas que com- mento intencional como o comportamento dirigido à meta, sen-
põem o que tem sido cognominado cadeias causais circulares: o do a meta qualquer característica do meio com a qual o objeto
efeito de um acontecimento ou variável volta indiretamente a in- agente diligencia obter certa correlação definida. Como assinala
fluenciar o próprio acontecimento original através de um ou mais Taylor corretamente, do ponto de vista do observador, uma de-
acontecimentos ou variáveis intermediários. Êsse tipo de inter- finição dessa natureza poderia aplicar-se até a um seixo ro-
-relação das partes veio a ser reconhecido como uma espécie de lante. !º De maneira análoga, podemos adiantar que os pro-
unidade constitutiva de sistemas de nível mais elevado, adaptati- cessos baseados em cadeias causais circulares (por exemplo, os
que se acham implícitos na evolução das formas vivas inferiores),
são apenas superficialmente semelhantes ao comportamento in-
47 Um argumento anterior, que tentava equiparar o funcionalismo
simplesmente com a boa análise sociológica, ou até com a análise cientf-
fica em geral, foi mal sucedido, principalmente porque deixou de levar
48 Rosenblueth, Wiener e Bigelow, “Behavior, Purpose, and Teleo-
em conta éste ponto. Veja Kingsley Davis, “The Myth of Functional Ana-
lysis as a Special Method in Sociology and Anthropology”, American So- logy”; e Taylor, “Comments”.
ciological Review, 24 (1959), 757-72 49 Taylor, “Comments”, pp. 311 e seguintes

106 107
tencional. As correlações encontradas entre o objeto que age e gados de elementos ou a sistemas fechados de equilíbrio, e tra-
o seu meio devem-se a processos cegos, que envolvem cadeias tamos de sistemas abertos, que envolvem certo grau de aprendi-
causais circulares, postas à prova apenas pelos critérios da mera zagem, intenção ou busca de meta, elaboração de organização ou
sobrevivência e reprodutibilidade. Sômente nos níveis mais ele evolução em geral,
vados de evolução ou de maquinaria cibernética topamos com
parâmetros de prova internos, que operam de acôrdo com sinais A map B A done B

ou símbolos, representativos de certos estados de meta, únicos


1. Causa eficiente 2. Função, ou causa final
capazes de possibilitar o comportamento “intencional”, dirigido
à meta. É a comparação de acontecimentos ou objetos externos
a êsses critérios internos de prova que aqui patece básica, essen- À
emu B A
emma
8

cial a qualquer resposta satisfatória ao bom argumento de Taylor. 3. Interação mútua 4 Circuito de retroalimentação
Insiste êle em que pelo menos uma diferença significativa e irre-
dutível entre o comportamento humano intencional e o compor- FIGURA 3-1 Relações entre variáveis
tamento do servomecanismo é o fato presumível de que êste últi-
mo nunca poderá procurar positivamente objetos não existentes,
º
Cada uma dessas espécies de inter-relações de elementos,
como o Santo Gral. Mas assim que reconhecemos que a in- qual mais complexa, mostradas na Figura 3-1, podem ser vistas
tenção precisa encerrar alguma representação interna de um es- — sem demasiada distorção — como implícitas numa das oxien-
tado de meta, e que êste talvez esteja no futuro ou mesmo não tações metodológicas básicas em Sociologia: a análise causal tra-
exista, a objeção de Taylor perde a sua fôrça e nós precisamos dicional, o funcionalismo, a análise do sistema de equilíbrio e a
admitir que os servomecanismos, tanto quanto os homens, podem análise dos sistemas cibernéticos Discutiremos brevemente cada
tentar confrontar o meio a uma representação interna, cuja con- uma delas.
trapartida externa inexiste. A questão da maneira pela qual essa
representação entrou no sistema, se foi introduzida acinte no
servomecanismo ou aprendida como crença ou motivo pelo ho- Análise causal tradicional. Quem quer que encare os
mem, é outro problema, que não deveria prejudicar o da inten- acontecimentos como principalmente relacionados em função de
cionalidade do comportamento per se É, para reiterarmos o sequências de causa e efeito estará empregando uma espécie mais
nosso ponto principal, o comportamento intencional envolve cir- ou menos tradicional de análise causal como base de uma teoria
cuitos de realimentação verdadeiros e não apenas cadeias causais ou explicação dó fenômeno estudado. Se a cadeia causal se es-
simples, circulares. Os sistemas de nível mais elevado precisa- tender relativamente longe no passado, falamos em análise his-
ram aguardar o desenvolvimento de representações internas, me- tórica; se os acontecimentos causais estiverem próximos do fe-
diadas por símbolos, e subsistemas de prova antes de se tornar nômeno que está sendo explicado podemos falar em “causas efi-
possível o verdadeiro comportamento intencional. cientes”. Pôsto que a teoria causal tradicional pode ser inefi-
ciente ou ineficaz, como asseveramos, ao lidarmos com sistemas
Por conseguinte, os circuitos de realimentação verdadeiros,
complexos, e a despeito do fato de ser amplamente aceita a na-
auto-reguladores, constituem um nível mais elevado de inter-rela-
ções das partes, e fundamentam a organização e a dinâmica com-
tureza sistêmica da sociedade, a análise causal continua a ser uma
plexas dos sistemas adaptativos de nível mais alto. Aqui ultra- peça robusta da Ciência Social. Para ilustrar uma perspectiva
comparativa mencionamos a êsse respeito dois exemplos recentes.
passamos as espécies de inter-relações pertinentes a simples agre-
Angus Campbell et al. tentaram desenvolver um quadro de refe-
rência sistemático que proporciona uma ampla explicação do com-
50 Taylor, “Purposeful and Non-Purposeful Behavior”, pp. 329-30, portamento eleitoral político nos Estados Unidos. Reconhecendo

108 109
as muitas dificuldades encontradas no conceito tradicional de cau- Essa manobra teórica suscita alguns problemas importantes,
salidade, concluíram que em particular a questão de se saber até que ponto no passado
Não obstante, a limitação do conceito a referências às uniformida- deveriamos tentar estudar a infinita regressão de fatôres ante-
des de segiiência observadas no passado, cuja persistência no futuro cedentes. Os autores vêem dois enfoques principais do problema.
pode ser esperada na ausência de fatôres exógenos, permanece útil à O primeiro é o enfoque “social”, que se lhes afigura mais “histó-
nossa indagação. 51 tico” ou genético em sua tentativa de predição desde pontos mais
remotos do funil de causação. Esse enfoque parece identificar-se,
À fim de utilizar a informação ministrada por diferentes
na mente dos autores, com o tratamento newtoniano mais antigo
níveis de explicação (por exemplo, o nível social e o psicológico) da causalidade, que supunha a ação a distância e ligava ampla-
sem confusão, e levando em conta o problema particular esco- mente acontecimentos separados, O segundo, que êles adotam,
lhido por êles (isto é, “explicar um comportamento isolado num é o enfoque “de atitude”, identificado com a teoria do campo de
ponto fixo do tempo... que decorre de uma multiplicidade de Kurt Lewin, que encara o campo dos acontecimentos, a qualquer
fatôres anteriores”), tentam estruturar a sua teoria em têrmos de
momento, como produto do campo na vizinhança imediata no
um “funil de causalidade”. instante que acaba de passar. Isso é interpretado como “um
Conrcebem-se os acontecimentos como se sucedessem um ao ou- recurso à mensuração inicial em cortes transversais do funil, que
tro numa segiiência convergente de cadeias causais, movendo-se da se encontiam muito próximos do acontecimento dependente, com
bôca para o pé do funil À forma afunilada é um produto lógico a explicação “histórica” recuando a passos curtos”. “4 Apesar de
da tarefa explanatória escolhida, A maioria dos acontecimentos com-
reconhecerem as limitações dêsse enfoque, Campbell et al, enten-
plexos no funil ocorre como resultado de múltiplas causas anterio-
res. Cada um dêsses acontecimentos, por seu turno, é responsável, dem que êle tem uma fôrça explanatória relativamente grande
outrossim, por múltiplos efeitos, mas o nosso foco de interêsse vai-se por diversas razões.
estreitando à medida que nos aproximamos do comportamento de-
pendente... Eliminamos progressivamente os efeitos que perdem a Primeira, os fatôres exógenos que podem intervir são reduzidos
relevância para o ato político. Como somos forçados a aceitar tôdas ao mínimo. Segunda, o emprêgo de atitudes restringe a mensura-
as causas parciais como relevantes em qualquer ponto, os efeitos ção a condições relevantes, que já são pessoais, de modo que não
relevantes serão, portanto, em muito menor número do que as cau- precisamos tomar em consideração as condições de comunicação que
sas relevantes. O resultado é um efeito de convergência. 52
z

governam a transição dos acontecimentos externos para aconteci-


mentos pessoais. Finalmente, e talvez a mais importante, os acon-
Tomando-se um corte transversal do funil em qualquer pon- tecimentos são observados depois de terem recebido suas traduções
políticas, de modo que se excluem do sistema as condições de im
to, supõe-se “que possamos medir todos os acontecimentos e es-
certeza que cercam a predição da interpretação dos acontecimentos,
tados tais e quais se encontram no momento em que fluem atra- feita pelo eleitor, 55
vés dêsse plano” e, assim, que as congéries de variáveis são mais
ou menos da mesma “ordem conceptual” e deveriam predizer Embora sejam muitas as críticas que se podem fazer a essa
perfeitamente o comportamento dependente, “contanto que co- orientação teórica, aqui nos deteremos apenas o suficiente para
nheçamos as leis combinadoras necessárias” — isto é, que “com-
aventar que, se a sociedade é realmente um sistema adaptativo
preendamos a interação do nosso sistema de fatôres em todos os complexo de acontecimentos sociais e psicológicos interligados nu-
cortes transversais intervenientes”. 53
ma teia de comunicações, e envolve contínuas tomadas de deci-
são em condições de incerteza, a estratégia dos autores exempli-
51 Angus Campbell et al, The American Voter (Nova Iorque: John
Wiley & Sons, Inc, 1960), p. 21
62 Ibid, p 24. 64 Thid, pp 3334.
63 Ibid 55 Thid,p. 34.

110 111
ficada especialmente na passagem acima citada pode ter por efeito Dessa maneira, enquanto Campbell ez al. visualizam um fu-
afastar do caminho as próprias espécies de considerações sistê- nil de causação, o esquema de Smelser pode ser visto como uma
micas, as únicas capazes de conduzir a compreensão e explicação série de funis ligados, em que o acontecimento na
ponta mais
mais profundas. estreita de um funil constitui uma das condições necessárias ao
Um segundo exemplo de análise causal corrente, com uma desenvolvimento do seguinte,
característica algo diversa, é a Theory of Collective Behavior, de No contexto presente, todavia, os dois planos diferem em
Neil 7. Smelser. A sua estratégia envolve 6 emprêgo do que êle sentidos mais importantes. Em primeiro lugar, a estratégia de
denomina o “processo do valor adicionado” como meio de orga- Smelser tenta abarcar tanto os fatôres sociais quanto os fatôres
nizar as causas principais — ou “determinantes”, como prefere psicológicos, e isso de maneira que não parece hostil à teoria do
chamar-lhes — do comportamento coletivo num modêlo expla-
campo. Ésse fato nos dá a entender que talvez seja inadequado
natório. identificar a teoria do campo com a análise exclusiva das variá-
As principais determinantes são a conducibilidade estrutural, veis psicológicas e encarar os fatôres “sociais” sômente como
a ten-
são, a cristalização de uma crença generalizada, os fatôres precipitan- “históricos” ou “genéticos”, e extensamente separados, em certo
tes, a mobilização para a ação e o contrôle social, sentido causal, dos acontecimentos correntes de comportamento.
Concebemos a operação dessas determinantes como um proces- Em segundo lugar, o que talvez seja ainda mais importante, a
so de valor adicionado. Cada determinante é uma condição neces- estratégia de Smelser vai pelo menos um pouco mais longe no
sária à operação da seguinte como determinante num episódio de
sentido de reconhecer a natureza sistêmica dos fenômenos socio-
comportamento coletivo. À proporção que se acumulam as condi-
ções necessárias, torna-se mais determinada a explicação do episó- psicológicos. E faz isso procurando não só as determinantes
dio. Juntas, as condições necessárias constituem a condição sufi- que antecedem o fenômeno em vias de ser explicado, mas tam-
ciente para o episódio Cumpre destacar, além disso, que encara- bém os efeitos gerados pelo fenômeno e incumbidos da realimen-
mos a acumulação de condições necessárias como processo analítico tação por meio de reações societais (por exemplo, o “contrôle
e não como processo temporal. 56
social”) a fim de determinar se êle persiste e se desenvolve ou
se aborta. Entretanto, o modêlo “de valor adicionado” de Smel-
Ássim, por exemplo, a “conducibilidade estrutural”, primei-
ser não permite o pleno reconhecimento do processo sistemático,
ra fase do processo de valor adicionado, se refere ao grau em que complexo, em andamento, dentro do qual qualquer uma das cha-
qualquer estrutura permite um tipo dado de comportamento co- madas “condições necessárias” pode, efetivamente,
letivo... À tensão é também uma condição necessária, que, requerer, até
certo ponto, para a sua geração, a presença de uma, duas, ou
“... entretanto, só pode assumir significação como determinan- tôdas as outras “condições necessárias” — uma espiral,
por exem-
te dentro do campo estabelecido pelas condições anteriores de plo, de realimentação positiva. (O modêlo de “valor adicionado”
conducibilidade”. &7 Uma proposição típica dêsse plano é, então,
implica o recíproco isolamento de alguns dos vários fatôres, quer
a seguinte: “Ocorrerá o pânico se estiverem presentes as condi-
analítica, quer temporâriamente, passando assim por alto a im-
ções apropriadas de conducibilidade e se estiverem presentes as
portante possibilidade de que estejam todos, de fato, envolvidos
condições apropriadas de tensão e se se formar uma crença his-
num processo realmente sistêmico de emergência (O que te-
térica e se ocorrer a mobilização e se os contrôles sociais deixarem
mos em mente é semelhante à análise sistêmica da geração da
de operar”. 58
aberração social, discutida e diagramada no Capítulo 6.)
50 Neil J. Smelser, Theory of Collective Bebavior (Nova Iorque: Free
Press of Glencoe, Inc, 1963), p. 382. Interacionismo mútuo. A reação contra o princípio cau-
67 Ibid., 383.84. sal foi especialmente vigorosa no início dêste século, sob a lide-
58 Ihid,p 385. rança dos neopositivistas, impressionados pelos amplos indícios

113
ou fôrças determinados constitui a estrutura de um sistema fechado
das muitas inter-relações recíprocas encontradas na natureza e em estado de equilíbrio Não tem relevância para um sistema
sobretudo nos sistemas de equilíbrio, e com o grande sucesso das que
não pode ser compreendido em função de fatôres ou componentes
equações matemáticas empregadas na sua descrição, Como expõe isoláveis Não tem aplicação para um sistema cujas mudanças de-
Mario Bunge: pendem, de qualquer maneira, do impacto de fatôres que se en-
contram fora dêle. É incapaz de expressar ou mesmo de indicar a
, os tradicionais esforços dos empiristas para reduzir a causação natureza das mudanças que ocorrem em qualquer ordem mutável —
à associação regular, à justaposição externa de acontecimentos con- que é, praticamente, todo o mundo da nossa experiência. As rela-
comitantes, foram substituídos, por alguns seguidores de Hume, ções que ela simboliza são a variação concomitante de fatôres de
pela tentativa de trocar a dependência causal pela interdependência uma ordem eterna... Em nenhum sentido a função matemática
funcional. Foi êste, em especial, o caso de Mach, que, à diferença simboliza a nossa experiência do tempo, a ordem irreversível
que
da maioria dos seus precursores e seguidores, tinha uma percepção caminha do presente para o passado, da causa para o efeito... E
profunda e um tanto romântica da diversidade da natureza e das um belo instrumento para expressar os atributos elementares cal-
íntimas interconexões existentes entre os seus diferentes membros culáveis da mecânica física, mas seria ocioso procurar aplicá-la aos
e aspectos... Mach propôs que o conceito matemático de fun- processos, tendências e acontecimentos das complexas construções,
ção fôsse usado como o instrumento científico preciso para refletir cingidas pelo tempo, dentro das quais temos o nosso ser. 80
a interdependência. Mostrou assim que, por interdependência, não
entendia a inter-relação genética, senão a mútua dependência entre Não há dúvida de que a principal dificuldade
existentes, uma rêde estática de dependências recíprocas como a que nos apre-
que se nota entre as partes de uma estrutura de aço, 59
senta o princípio do interacionismo mútuo, dificuldade que muito
fêz para reduzir-lhe a importância na ciência atual, é a sua inca-
Êsse princípio de interacionismo mútuo surgiu também na pacidade de permitir que algumas variáveis ou fatôres do sistema
Ciência Social, e está talvez sintetizado na obra de Pareto e na possam ter primazia ou prioridade sôbre outros. Traduzido em
do seu ex-seguidor Homans, a que já nos referimos.
têrmos práticos, ou aplicados, isto significa a ausência de um
ponto de aplicação de propósito ou esfôrço planejado. Citando
Desejamos reiterar aqui o nosso argumento, segundo o qual, Bunge outra vez:
embora tenha sido de inestimável importância para a Sociologia
ao destacar a natureza interdependente de grande parte da vida a maioria dos cientistas sociais contemporâneos estaria prepa-
social, o princípio de interacionismo exagerou ao identificar o rada para admitir que a interação, mais do que a causação, é «a

conceito de sistema apenas com o tipo de equilíbrio mecânico. categoria preponderante de determinação em questões sociais En-
tretanto, ninguém, a não ser os funcionalistas (matemáticos), con-
Em resumo, conquanto seja aplicável a sistemas fechados em sidera a sociedade como uma confusão de ações recíprocas que se
equilíbrio, êle se esboroa quando se trata de sistemas abertos, encontram tódas mo mesmo pé de igualdade Reconhecese geral.
adaptativos, em que o desenvolvimento, ou a mudança através mente que as várias funções sociais repousam basicamente no traba-
do tempo, é endêmico. Em sua corajosa defesa do princípio lho, na produção material, na economia, exatamente como as mais
altas funções do organismo dependem basicamente da ingestão de
causal contra o que denominou “limbo matemático”, Maclver
comida, de oxigênio e de calor... 61
viu tudo isto com muita clareza, se bem não apreciasse os mo-
dernos princípios dos sistemas tais como aqui se debatem.
Numa crítica endereçada, há algum tempo, à tese marxista
Uma equação funcional é um admirável artifício para simboli- do determinismo econômico, Pitirim Sorokin sustentou que o
zas certas relações altamente gerais ou universais em condições hipo- êrro residia principalmente na presunção de uma relação causal
téricas, onde, por exemplo, se presume que certo número de fatôres

80 Robert M. Maclver, Social Cunsaiios (Nova lorque: Harper &


à Mario Bunge, Causality: The Place of the Causal Principle in Mo-
ders Science (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1959),
Row, Publishers, 1964), p 52
pp.
90-91.
61 Causality, p. 157.

114 115
unilateral, mais do que num relacionismo mútuo, e empenhou-se de seleção natural que envolva a reorganização de muitas dessas
em extenso estudo crítico da pesquisa em que se estribava o pon- sociedades; mas também não podemos presumir, na maioria dos
to de vista de que a primazia econômica era conceptualmente casos, que tenha havido um reconhecimento e um planejamento
obscura ou mal apoiada emplricamente. Hoje, porém, as coisas verdadeiros em nome de algum “pré-requisito funcional”, A
se inverteram, e vemos Gouldber e Peterson, por exemplo, em- única fonte possível de explanação, nesse caso, se encontra nos
penhados numa pesquisa semelhante para demonstrar o princípio têrmos das fôrças e mecanismos que se achavam em ação para
da primazia, sobretudo na esfera dos fatôres econômicos. 8º É produzir a estrutura dada; qualquer recurso a “pré-requisitos
significativo que o estudo dêles tenha sido, pelo menos em parte, funcionais” universais ou a “necessidades” do sistema social será
uma reação contra a análise atual do sistema do equilíbrio em gratuito.
Sociologia. Notamos que o funcionalismo, como o interacionismo mú-
Análise funcional. Ao passo que a análise causal tradicio- tuo, foi muitas vêzes tachado de incapaz de lidar com a priori-
nal focaliza uma segúência temporal de causa anterior e efeito dade causal de algumas partes do sistema sôbre outras e, conse-
presente, e o interacionismo mútuo recorre a um estado eterno quentemente, incapaz de lidar com problemas de desenvolvimento
ou simultâneo de variáveis correlativas, o funcionalismo focaliza ou mudança. Essa deficiência tem sido relacionada com a já co-
os acontecimentos indo dos presentes para os futuros, e procura mentada identificação do funcionalismo com o destaque restrito
compreender ou explicar um fenômeno presente em função de conferido à interdependência mais ou menos estática das partes
suas consequências pata a continuidade, a persistência, a estabi- da sociedade. Ilustra bem êsses pontos o seguinte pronuncia-
lidade ou a sobrevivência do complexo de que êle faz parte. mento, extraído da obra de Elman R. Service:
Esta, como afirmamos, é a sua característica distintiva (e não a Uma das importantes finalidades dêste livro é discutir com certas
noção da interdependência sistêmica das partes), e foi nesses minúcias a relação de dependência entre a estrutura social e outras
têrmos que êle se revelou repetidamente inadeguado. Como ar- partes da cultura.
gumentaram convincentemente Homans e outros sociólogos, além
de biologistas, e como o confirmaram lógicos, a explicação deve
Este último ponto é uma forma de falar sôbre causa e efeito, de
discutir a prioridade de desenvolvimento de algumas coisas sôbre
outras. Por não se haver ocupado do desenvolvimento no correr
sempre traduzir “funções” em “causas eficientes” (ou seja, os do tempo, a análise estrutural-funciona! não atribui, nem pode atri-
estados anteriores ou correntes de um sistema de preferência aos buir, significados variáveis às diferentes partes de uma cultura —
supostos efeitos futuros) a menos que se possa sustentar uma as partes são tôdas interdependentes num sentido aparentemente
presunção de adequação ou auto-regulação automáticas, E essa equivalente. Como diz Meyer Fortes (1953): “Não há maneira de
presunção ministraria apenas uma explicação substituta, no caso se estabelecer uma ordem de prioridade onde tôdas as instituições
de estruturas fisiológicas e suas funções, por compreendermos são interdependentes, senão por critérios que não podem ser usados
num estudo sincrônico; e o estudo sincrônico é o sine qua nom da
tão bem o processo de seleção natural por cujo intermédio evol- pesquisa funcional”. O presente trabalho é evolucionário e não
vem tais estruturas. Mas êsse processo cego de “gênese”, como apenas sincrônico ou funcional; por isso mesmo, talvez sejamos ca-
lhe chama Lester Ward, é muito diferente do processo social pazes de trazer à tona algumas idéias sôbre caracteristicas primárias
seletivo de “telese”. Quando notamos, por exemplo, que deter- ou iniciatórias na cultura, em contraste com as consegiiências.
Talvez sejamos mais capazes de extremar as funções dos fatôres rela-
minada estrutura, nascida em alguma sociedade industrial mo- cionados às origens das instituições, processo há muito tempo pro-
derna, parece estar desempenhando um papel na manutenção da- posto por Durkheim (1938, Cap. V) mas que mereceu pouca aten-
quela sociedade, não podemos recorrer a nenhum processo cego ção depois disso. 83

e2 Alvin W, Gouldner e R. À, Peterson, Notes on Technology and 63 Elman R Service, Primitive Social Organization (Nova Torque;
the Moral Order (Iindianápolis: The Bobbs-Merrill Co, Inc. 1962). Random House, Inc, 1962), pp 6:7.

116 117

do
A última observação que gostaríamos de fazer acêrca É assim que se cria, na maior parte, a estrutura social. Incluímos
funcionalismo no presente contexto refere-se ao seu tratamento
aqui... os modelos, costumes e padrões culturais que os homens
seguem em tôda a parte. Eles não prevêem e em seguida planejam
metodológico, ou melhor, à ausência de tratamento do conceito êsses padrões mais amplos... Nem os criam pela ação concertada
de intenção. Colocada em outtos têrmos, a questão se refere ao dirigida para um objetivo, como cooperam para construir uma má-
papel dos processos cognitivos da tomada de decisão, bem como quina Ao invés disso, tais padrões emergem da conjuntura de di-
dos motivos e interêsses, ou sentimentos, quando tentamos com-
preender a estabilidade e a mudança. Tal como se pratica cor-
Ei atividades dirigidas para finalidades menos latas e mais ime-
jatas. 67

rentemente, o funcionalismo tende a focalizar, sobretudo, as Êsse nexo entre os fenômenos sociais e uma massa de ativi-
chamadas “necessidades” do sistema. O problema-chave das in-
dades individualizadas tem lugar evidente no sistema de causa-
tenções e decisões humanas, fundamental na sociologia norte-
ção de Maclver, sob a rubrica do “Porquê da conjuntura social”.
“americana anterior — como o atestam os conceitos de verstehen,
“avaliação dinâmica”, “definição da situação”, “coeficiente hu- É altamente instrutivo pôr em contraste a distinção corren-
manístico”, “lógico-significativo”, e quejandos — de tal manei- te, simples, entre as consequências “manifestas” (conscientes e
ra se perdeu que hoje topamos com rogos para “Trazer os homens intencionais) e “latentes” (inconscientes e não intencionais) do
de volta”, &! ou, pelo menos, para um emprêgo maior de fatôres comportamento humano, ao lado da tese de que as estruturas
psicológicos como variáveis intervenientes na explicação social,
85 sociais persistem porque satisfazem às “necessidades” do sistema
social, de um lado, e a concepção de Maclver da estrutura social
Êiste foi umproblema básico no estudo de Maclver sôbre a e do papel da intenção e da “avaliação dinâmica”, de outro. Pois
causação social, Recordamos que, em sua classificação dos vários a maioria dos padrões sociais é um produto complexo e emer-
“Modos da pergunta Por quê”, Maclver reconhece o princípio
gente de consegiências tanto intencionais quanto não intencio-
funcional, embora o considere “propriamente relevante para O nais. Quando logramos distinguir as duas empiricamente, subsis-
nível biológico” como o “Porquê da função orgânica”. No nível
tem questões importantes. Por exemplo, para gue indivíduos e
caracterlsticamente social, êle distingue duas categorias principais
de “nexo causal”. A primeira é o nexo sociopsicológico ou “nexo
grupos são intencionais as consequências, e para que outros são
elas não intencionais e não reconhecidas? Já tivemos ocasião de
telcológico”: “um modo de determinação peculiar a sêres dotados dizer, neste livro, que os capítulos de MacIver sôbre a “avalia-
de consciência, séres que, até certo ponto, têm consciência do
fazêlo”. 98 ção dinâmica” constituem importantes prolegômenos para o te-
que estão fazendo e quê, de certo modo, tencionam vivescente interêsse pelos processos de tomada de decisão na
Os três subtipos são o “Porquê do objetivo”, o “Porquê da análise social. E, com efeito, é nesse nível dos propósitos e
motivação” e o “Porquê do desígnio”. O segundo tipo de nexo
i
i

decisões de complexos de indivíduos e grupos inter-relacionados


é “explicitamente social”:
e interagentes — que a pesquisa e a teoria atuais estão desenvol-
Os fenômenos a que nos referimos são as resultantes sociais de nu- vendo as importantes teorias modernas da tensão, do “esfôrço de
merosissimas ações individuais ou de grupo, dirigidas para finalida- papel” [role-strain], da troca ou barganha e outras que tais (se
des totalmente outras, mas que, juntas, conspiram para produzias. bem não seja por isso necessário reduzit a análise a uma estrutu-
ra de individualismo metodológico radical, como sustentarama
alguns). 08
o4 George C Homans, “Bringing Men Back To”, American Sociological
Review, 29 (1964), 809-18
c5 Alex Inkeles, “Personality and Social Structure”, em Sociology 07º Ibid,
pp. 20-21.
Today, org por Rabert K Merton «: al. (Nova Iorque: Basic Books, 68 Para duas discussões recentes, hicidas, acêrca do problema da fun-
Inc, Publishers, 1959) ção e da causa, veja Ronald P Dore, “Function and Cause”, American So-
66 Maclver, Social Cansation, pp. 14-15, ciological Reviciy, 26 (1961), 843-53; e Yonina Talmon, “Mate Selection

118 119
A moderna análise de sistemas modernos. Temos, sem ponente do sistema é mais decisivo do que outro reside na res-
dúvida, de concordar com a recente reexposição,
feita por posta à pergunta: “Que parte do sistema nos dá a máxima mu-
da em que “o progresso das ciências sociais dança global no desempenho do sistema em relação à mudança
Maclver, sua crença
(e, em particular, da Sociologia) depende, em grande parte,
de menor ou mais insignificante na estrutura do subconjunto?” 7º
problema excessivamente Finalmente, ao pôr em contraste a análise dos sistemas com
um ataque mais completo e vigoroso ao
Sustentamos o funcionalismo, notamos que os conceitos de teleologia e inten-
9?
complexo da causação dos fenômenos sociais”.
que o ataque mais significativo, registrado nos dias que correm, ção ganharam respeitabilidade ou precisão ao serem traduzidos
dos siste- em “causas eficientes” ou, mais particularmente, em mecanismos
se verifica dentro do movimento da moderna pesquisa
concepções tradicionais da especificáveis que envolvem realimentações. Além disso, estabe-
mas, que está ampliando as nossas
causação a tal ponto que talvez conviesse, como O alvitram mui- leceram-se as bases para elucidar as condições conducentes à auto-
tos, evitar de todo a terminologia
causal (se bem fôsse enganoso, -tegulação, ao desenvolvimento ou à desintegração — em lugar
e pouco ou nada significativo, afirmar que o “princípio
causal” de presumir a regulação automática ou “mecanismos de contrô-
foi “derrubado”. le” em qualquer sistema de que estejamos tratando. E à tomada
velhos de decisão de grupos de indivíduos de que aprendem, pensam,
Já vimos quanto excesso de simplificação existe nos
axiomas causais, tais como, “Tudo o que acontece tem uma cau- dá-se lugar importante como processo psico-social que conjunta
sa”, ou “Causas semelhantes produzem efeitos semelhantes”, ou acontecimentos ou condições anteriormente não relacionados, por
ainda, “Quando há diferença no efeito há uma diferença na meio da ação e da transação sociais, a fim de produzir a estrutu-
uma
ra sociocultural corrente. Dessa maneira, encara-se a tomada
causa”. A moderna pesquisa dos sistemas preferiu propor Os
conceitos de “eguifinalidade” e “multifinalidade”, de acôrdo com de decisão como o modêlo, no sistema sociocultural, do processo
efeitos finais seletivo geral que ocorre em todo sistema adaptativo, por cujo
os quais condições iniciais diferentes conduzem a
semelhantes, ou condições iniciais conduzem a efeitos finais di- intermédio a variedade é seletivamente organizada e utilizada
ferentes. E demonstrou também a insuficiência da análise causal para a auto-regulação e para a autodireção.
tradicional para lidar com fenômenos importantes como à emer- Breve mas sugestiva ilustração de alguns dêsses pontos pode
gência, a intenção ou busca de meta, a auto-regulação, a adapta- apresentar-se em conexão com o Midtown Manhattan Study de
ção e outros do mesmo teor. saúde mental, em que Leo Srole et al começaram com uma tese
Quando opusemos a pesquisa dos sistemas ao interacionis- convergente de causalidade, que encarava os fatôres sociogênicos
7! Mas os
como conducentes à enfermidade ou à saúde mental.
mo mútuo, vimos que a primeira transcende a referência ao
equi-
reconhecer problema muito dife- autores, então, reconheceram a importância: (1) das possíveis
brio estático do último ao o
não depende influências recíprocas da variável dependente sôbre as variáveis
rente do sistema complexo, aberto, adaptativo, que
de espécies independentes, por intermédio, por exemplo, das “escolhas”,
simplesmente das mútuas relações das partes, senão
pelos indivíduos, dos seus meios sociais particulares, e (2) das
muito particulares de inter-relações mútuas. Além disso, os im-
de algumas partes sôbre outras possíveis interações “circulares” ou “espiraladas” dêsses Entôres
portantes problemas da primazia relacionados através do tempo. Nessas circunstâncias, passou-se
e os graus variáveis de conexão de algumas partes do sistema com
ser objeto de análise, Destarte, Karl Deutsch a perceber a existência de pelo menos três categorias de fatôres
outras passam a
determinar se algum com- ou variáveis que precisavam ser tomadas em consideração: (1) a
sugere um teste importante para se

Review, 29 (1964), 70 Em Grinker, Toward a Unified Theory, p. 279.


in Collective Settlements”, American Sociological
491.508. 71 Leo Srole et al, Mental Healib in the Metropolis (Nova Torque:
McGraw-Hill Book Company, 1962).
o» Maclver, Social Cansation, p. vii.
121
120
variável dependente — saúde ou doença mental, (2) os fatôres
independentes — idade, sexo, origem étnica, e assim por diante,
e (3) “variáveis recíprocas” -—— status conjugal, status socioeco-
nômico, religião, migração rural-urbana, Ao tecerem comentários
sôbre estas últimas quatro variáveis, aventam os autores que
“As variações em todos os quatro podem ser autodeterminadas
4
e, como tais, bem podem ser consegiiências mais do que antece-
dentes independentes da saúde mental”. 7º” Notamos, portanto,
que, se bem qualquer um dos enfoques que discutimos possa ser A ORGANIZAÇÃO E SUA GÊNESE:
usado em tal estudo, só o moderno enfoque dos sistemas prome-
te chegar à plena complexidade dos fenômenos interagentes —
e ver não só as causas que atuam sôbre os fenômenos em estu- 1 — ATOS E INTERAÇÕES
do, as possíveis consegiiências dos fenômenos e as possíveis inte-
rações mútuas de alguns dêsses fatôres, mas também os processos O capítulo precedente apresentou largo esbôço de alguns
totais emergentes como função de possíveis realimentações posi- dos princípios fundamentais do moderno enfoque dos sistemas,
tivas e/ou negativas, mediadas pelas decisões seletivas, ou “esco- com referências apenas ocasionais e não sistemáticas às suas im-
lhas” dos indivíduos e grupos direta ou indiretamente envolvi- plicações para a análise dos sistemas socioculturais. Os capítu-
dos. Não se pode esperar que nenhum enfoque menos complexo los restantes são consagrados à sustentação da tese principal dêste
consiga chegar à complexidade dos fenômenos estudados. livro, segundo a qual a moderna perspectiva dos sistemas pro-
porciona um quadro de referência teórico ao sistema sociocultu-
ral significativamente mais adequado e apropriado do que os mo-
delos de equilíbrio-mecânico «1 organísmico-funcional, que do-
minam, em grande parte, o pensamento corrente em Ciência
Social.
Êste capítulo está dividido em duas seções. A Seção À ten-
tará passar em revista, mais circunstanciadamente, a teoria abstra-
ta da organização, ou modêlo de morfogênese, dos sistemas adapta-
tivos complexos, esboçada no capitulo anterior, Isto envolverá
um exame mais atento dos conceitos encadeados de informação,
organização, significado, incerteza, seleção, coerção, etc. Suge-
re-se que uma perspectiva teórica da informação ministra instru-
mentos conceituais, que pôem em relêvo a natureza processual,
mais do que a estática, da organização sociocultural.
À Seção B examina certo número de modelos conceptuais
de ação e interação sociais, cada qual complementando os outros
na contribuição que presta a uma teoria da dinâmica básica do
processo morfogênico sociocultural. Alvitra-se, de um lado, que
êsses modelos do processo de interação básica demonstram a re-
levância da teoria dos sistemas mais abstratos de organização, e
72 Ibid,p. 18.

122 123
implícita ou explici- derar a organização como algo em que haja interdependência entre
sugerem interpretações dela, utilizando-lhe, as várias partes organizadas, mas em que essa interdependência te-
tamente, os princípios fundamentais e, de outro lado, que o mo- nha gradações. Certas interdependências internas terão de ser mais
dêlo dos sistemas tem o potencial necessário à síntese dos mo- importantes do que outras, o que vale dizer que a interdependência
delos de interação num plano conceptual coerente — uma teoria interna não é completa, e que a determinação de certas quantidades
realizar do sistema deixa a outras a oportunidade de variar. 1
básica — do processo sociocultural. Não pretendemos
bá-
aqui essa síntese coerente, mas apenas indicar os princípios
sicos e alguns pontos de articulação entre os diversos modelos De maneira semelhante, W. Ross ÁAshby argumenta que “A
.
essência do conceito, no meu entender, é a “condicionalidade”.
contribuintes.
unifica- Assim que a relação entre duas entidades À e B se torna condi-
Nos capítulos seguintes, portanto, o tema central cionada ao valor ou estado de C, está presente um componente
dor é a tentativa de esboçar o desenvolvimento de um modêlo
necessário de “organização” ”.*
do sistema sociocultural como “sistema adaptativo complexo”
no sentido discutido no capítulo antecedente.
Esse desenvolvi- Encarado de um ponto de vista um pouco diferente, o fato
simbólico, de um conjunto de elementos ser organizado supõe a existência
mento vai do micronível do ato e do processo básico, de coerções operando entre os elementos, de tal modo que só
de interação (discutido mais adiante neste capítulo) à matriz
de interação mais ou menos estabilizada, que denominamos papel prevalecem entre êles certas inter-relações ou interações, e não
dinâmica do papel, e ao complexo de papéis que concorrem outras. Dessarte, para Ashby, uma idéia essencial implícita na
e
condicionalidade é a de que, do espaço-produto das possibilida-
para a formação de organizações e instituições. des de interação, ensejadas por um conjunto de elementos, tôda
organização real dos elementos está sujeita a certo subconjunto
ORGANIZAÇÃO E INFORMAÇÃO de interações. O contrário da organização é a independência dos
fato elementos: se, para um dado acontecimento em À, todos os
Deveria revestir-se de particular interêsse para nós o acontecimentos possíveis podem ocorrer em B, não existe “cor-
de que o moderno teórico dos sistemas vincula estreitamente O

conceito generalizado de organização ao conceito de informação relação”, nem “interação”, nem “comunicação” e,
assim, não pode
haver coerção sôbre os possíveis pares A-B. Numa palavra, “a
e comunicação, porque — como vimos — O
sistema sociocultu-
de elementos quase presença de “organização” entre variáveis equivale à existência
ral deve ser encarado como um conjunto de uma coerção no espaço-produto das possibilidades”. 3
intercomunicação da informação
que inteiramente ligados pela Além dos conceitos de “contingência” e de “coerções”, há
do energia ou pela substância,
(no sentido lato), mais que pela
terceiro conceito importante, fundamental para a explica-
são os sistemas físicos ou organísmicos. Conquanto a um
como o
moderna seja suficientemente geral para abranger O ção da organização complexa. Isso está implícito no trecho de
perspectiva Wiener acima citado, e envolve a presença de graus de liberdade
talvez mais comum, de organiza-
ponto de vista mais simples, e nas inter-relações das partes. Embora deva haver coerções na
ção como estrutura mais estática, de partes rigidamente vincula-
mais recente pela organização adaptativa comple- interação dos elementos, deve haver também certa liberdade de
das, o interêsse
xa chegou à conclusão de que a chave importante é a noção de
contingência Assim, ao trabalhar no campo das comunicações 1 Norbert Wiener, 1 am a Mathematicias (Nova Iorque: Doubleday
de que
e na teoria da probabilidade, Wiener veio a persuadir-se & Company, Inc., 1956), pp. 322-23
obter idéia de organização num
“não se pode uma significativa
mundo em que tudo é necessário e nada é contingente”. É W. Ross Ashby, “Principles of the Self-Organizing System”, em
Principles of Selt-Organization, org. por Heinz von Poerster e George W.
Zopf (Nova Torque: Pergamon Press, 1962), pp. 255-56
Um mundo assim rigido só é organizado no sentido em que é
Ibid,p 257
..
3
organizada uma ponte rigidamente soldada, Precisamos consi-

125
124
A breve exposição, que se segue, da “teoria da informação”
ação dentro dos limites das coerções pois, do contrário, teremos º
apenas uma organização rígida, destituída
de dinâmica, Jerome não visa a uma descrição da teoria estatística da variedade, da
co-
Rothstein nos dá uma precisa descrição dêsse requisito. Diante dificação e da transmissão de sinais por canais limitados e com
de um conjunto de elementos, podemos conceptualizar a organi- ruído, mas antes à estrutura lógica generalizada para a discussão
da intercomunicação simbólica,
zação dinâmica como aquela em que cada elemento está associa- que essa obra importante ajudou
do ao seu próprio conjunto de ligações alternativas com outros a desenvolver. Como observou muito bem Colin Cherry,
elementos, A
a

medica
de Hn
e
fue
o sy
informação 44
média)
ica-se dos próprios sinais e não se
“» de Wiener e Shan-
.

Se não houvesse liberdade de escolha entre um conjunto de al- nen ap m ocupa do seu “significa-
o”. certo sentido, é uma pena que os conceitos matemáticos
ternativas, o elemento correspondente seria mais um dente estático
e passivo de engrenagem do que uma unidade ativa, capaz de con-
teibuir para a organização de maneira essencial. Um elemento nessas
ra
qu
á
pts
é
de Hartley tenham sido rotulados de “informação”. A
a para Hn realmente a medida de uma só facêta do conceito
e informação; é à raridade estatística ou “valor surprêsa” de
condições pode ser chamado estrutural, para distingui-lo do elemento uma
fonte de sinais. 7
ativo ou de organização. 4

O mesmo poderia dizer-se também acêrca dos têrmos “es-


Assim, conceptualizando o conjunto de tôdas as possíveis
inter-relações de elementos de maneira semelhante ao “espaço- colha” e “incerteza”, que Shannon e Weaver e muitos outros
-produto” de Asbby, Rothstein nos permite visualizar tôda a expositores têm usado, visto que êsses conceitos psicológicos
são, na melhor das hipóteses, artifícios heurísticos ou pedagógi-
série dos variáveis graus de liberdade de uma organização, desde
cos, que não desempenham papel algum na teoria estatística, e
o mero agregado de elementos não relacionados até uma estru-
na pior das hipóteses, podem causar muita confusão e até indu
tura rigidamente fixa. Se não houver nenhuma ligação entre os zir-nos falsamente a acreditar que a teoria os elucida.
elementos, teremos uma condição de nenhuma organização. No
extremo oposto, se a ligação entre os elementos fôr tão vigorosa O danosso propósito seguinte é investigar as possibilidades da
que só seja possível um subconjunto de ligações (apenas uma
“complexão”), sem outras alternativas franqueadas à “escolha”
de qualquer elemento, dir-seá que a organização é máxima.
Ei informação como base para desenvolver os princípios
undamentais dos conceitos de “organização” e “significado”
(apenas brevemente discutidos no capítulo anterior) como bási-
Todos os elementos, nesse caso, serão “dentes de engrenagem” cos para o estudo da organização social e pessoal, encetado na
numa estrutura rígida última parte dêste capítulo.
Em geral, as interações em que consiste a organização servem de
estreitar o conjunto de complexões admissíveis. Essas interações têm
a natureza de correlações, ligações, coerções, ordens ou instruções
que restringem as escolhas acessíveis a um dado elemento, de acôrdo a Encontramos, às vêzes, a “teoria da informação” e a “teoria da
comunicação” empregadas como sinônimos, porém muito frequentemente —
com as escolhas feitas no conjunto das alternativas associadas a ou- sobretudo no estrangeiro — a primeira é considerada
tros elementos. 5 apenas uma facêta do
estudo muito mais lato realizado sob a última designação. Para um estudo
pormenorizado dessas áreas recomenda-se ao estudioso que procure o artigo
Escorado em tais considerações, Rothstein sustenta a equi- hoje encontradiço, de Shannon e a exposição, mais popular, de Weaver,
valência essencial entre o conceito de “organização” e a “entro- nas páginas de Th: Mathematical Theory of Communication, de Claude E
Shannon e Warren Weaver (Urbana: University of Ilinois Press, 1963),
pia negativa” da moderna teoria da informação.
bem como o tratamento geral dado ao assunto no livro Oy Human Comn-
(In nication, de Colin Cherry (Nova Iorque: Science Editions, 1961), além da
4 Jerome Rothstein, Comtunication, Organization and Science
dian Hills, Coto: Falcon's Wing Press, 1958), p. 35. extensa bibliografia de Cherry.
5 Ibid, pp 35-36.
T
Ibid, p. 50.

126 127
to pré-combinado corresponderia a um dos estados. Nessa base
A Teoria da Informação a medida da quantidade de “informação” necessária para es e
cificar a possível variedade do meio se resumíria no número le
A teoria matemática da “informação” começa supondo
a
existência de uma fonte, que está gerando continuamente sinais, estados possíveis: H (medida de “informação”) = 4 (número
simbolos ou mensagens — de um modo geral, o que
denomina- dos diferentes estados possíveis)= 8 Uma breve reflexão, en-
de utilizar essa varie- tretanto, nos dirá que não é necessário queimar todo aquêle óleo
mos variedade — e de um receptor capaz de de lanterna. Pois é possível arranjar as coisas de modo que
dade. Assim, a fonte geradora tanto pode ser um conjunto
variedade de sinais coloridos, uma lanterna, digamos a primeira da esquerda, especifique a
luzes de tráfego, que emite uma dicotomia terra-mar (digamos, com o emprêgo de duas panta-
Presu-
quanto uma pessoa que profere palavras ou sentenças. anteriormente, lhas, uma verde e outra vermelha, visto que o expediente de
me-se que assim a fonte como o receptor tenham, acendê-las ou apagá-las talvez não funcionasse muito bem), uma
obje-
mapeado ou codificado essa variedade segundo os mesmos segunda lanterna especifique, de maneira semelhante, o tama-
objetos similares, de sorte que as
tos de referência ou segundo
significado e relacionar-se com o compor- nho da fôrça, grande ou pequena, e uma terceira, à direita, espe-
mensagens possam ter cifique a aproximação do norte ou do sul, Dessarte precisare-
não tem mais
tamento; mas a êsse respeito a teoria matemática mos apenas de três lanternas, cada uma das quais corresponderá
nada a dizer.
a dois estados, À natureza dicotômica de cada lanterna repre-
Cumpre reconhecer, de início, que a teoria é estatística e
4

senta a unidade mínima de especificação da informação — a uni-


proporciona uma 72édia como medida de “informação” depen- dade sim—não, ou liga-desliga, o “bit”. A quantidade mínima
dente da presunção de longas sequências de “mensagens” gera- de “informação” que agora se percebe necessária para especificar
das por um processo de Markov ou outro processo estocástico, os 8 estados é apenas de 3 bits — o que, não por acidente, é o
de modo que elas se aproximam de uma distribuição de freguên- logaritmo de base 2 de 8. Numa palavra, a fórmula para a me-
cias de elementos estável à medida que as segiiências se aproxi- dida de informação nesses casos simples é H = log.2n.
A melhor
mam da extensão infinita (isto é, são “ergódicas"). A medida de informação mais genérica, entretanto, não
maneira, porém, de apresentar o princípio que inspira a medida
varie- trata de um conjunto particular, limitado, de sinais, mas de uma
são ilustrações que envolvem segiiências breves e pouca
observa- taxa ou quantidade média, gerada por uma fonte, quando se
dade Assim sendo, imaginemos Paul Revere e o seu
transmite um número suficiente de sequências longas de sinais
dor na tôrre da igreja perto de Boston com um código prévia-
dar aviso da ou mensagens. Segiiências diferentes especificarão diferentes
mente combinado, que utiliza lanternas acesas para de de modo que a quantidade média que
Compliquemos a situação original para quantidades variedade,
chegada dos inglêses.
fins de exposição e suponhamos que Revere desejasse informa- podemos esperar para cada mensagem da fonte dada é expressa
ção não só sôbre se êles chegariam por terra ou por mar,
mas pela fórmula H = — E pilogap: em que pi é a probabilida-
e sôbre se dade de que o inésimo sinal ou mensagem acabe ocorrendo.
também sôbre se a fórça era grande ou pequena,
do sul. Haveria, portanto, oito possibilida- Dessa maneira, bits por mensagem ou por unidade de tempo
vinha do norte ou
des para as quais seria preciso arranjar sinais: terra-grande-norte;
(amiúde chamado “entropia” porque a fórmula, se não o prin-
terra-grande-sul; terra-pequena-norte; e assim por diante.
Em cípio, é quase idêntica à da entropia na termodinâmica) aumen-
meio pode assu- ta à medida que aumenta a quantidade de variedade no conjunto
outras palavras, a variedade que interessa no
mir um dentre oito estados. Uma forma possível de
transmitir de mensagens possíveis, mas é ponderada pela relativa fregiiên-
seria, observador, apresentar um cia da ocorrência dos vários sinais ou mensagens que compõem
a informação adequada para o
diferente de lanternas acesas, de um a oito, de acôrdo o conjunto. Se todos os elementos forem igualmente prováveis,
número
sendo que cada núme- H chegará a um máximo; no extremo oposto, se forem nulas as
com o estado que viesse a concretizar-se,
129
128
“a
só êste poderá mensagens Os seus importantes teoremas especificaram as con-
probabilidades de todos os elementos menos um, dições em que a fidelidade de saída poderia ser alcançada com
Outrossim,
ocorrer e tanto a variedade quanto H serão
nulas.
combinações de elementos redu- um mínimo de êrro, a despeito da introdução do ruído no canal,
as coerções sôbre as possíveis condições que envolvem a capacidade relativa do canal, a intro-
zem a variedade e, portanto, H. Nessas condições, o nosso Paul
qualquer fôrça vinda mar teria dução de suficiente redundância nas mensagens e a sua codifica-
Revere talvez soubesse que por
ção numa forma eficiente. Não examinaremos aqui essas idéias,
de ser pequena, e por terra, grande. Isto, com efeito, reduziria
2 lanternas seriam a não ser quando forem necessárias à nossa discussão da relação
o número de contingências para 4, e apenas
necessárias. Portanto, a variedade H fica reduzida a loga4 =2. entre “informação” e “organização”, já observada. Refletindo
sôbre todo o alvorôço provocado pela introdução da teoria da
Pode-se notar que H se relaciona assim a medidas estatísticas
informação, George A. Miller foi levado a dizer:
de correlação ou contingência no uso comum, e pode ser consi-
derada como medida não paramétrica de variância. º Em suma, A razão do alvorôço é que a teoria da informação ministra um
a “entropia” H de um conjunto de elementos variáveis mede a estalão para medir a organização. O argumento se desenvolve da
quantidade de variação dos elementos, sua relativa fregiiência seguinte maneira. Um sistema bem organizado é previsível — quase
sabemos o que êle vai fazer antes que isso aconteça. Quando um
de ocorrência, e a quantidade de coerções, correlações ou inter- sistema bem organizado faz alguma coisa, pouco aprendemos além
dependências encontrada entre êles. do que já sabíamos adquirimos pouca informação, Um sistema
lu-
(Se o fundamento lógico do emprêgo do logaritmo em perfeitamente organizado é totalmente previsível e o seu compor-
tamento não ministra informação alguma. Quanto mais desorganiza-
gar da quantidade de variedade
não ficou perfeitamente claro,
do e imprevisível fôr um sistema, tanto maior a quantidade de infor-
releva notar que a codificação e a transmissão da informação se mação que poderemos obter observando-o. À informação, a organi-
outra
vale da disposição espacial (ou temporal, ou de qualquer zação e a previsibilidade moram juntas nesta casa teórica. 9
Assim, à especificação feita por
classificação) dos elementos. di-
lanterna esquerda, uma central e outra
Paul Revere de uma Vimos a tentativa de Rothstein para expressar as mesmas
da informação qua
reita é tão importante para a especificação idéias em têrmos mais precisos, visualizando a organização como
côr das lanternas, exatamente como o € à dis-
to o número e a certo número de elementos, cada qual associado ao seu próprio
da escrita ou da fala na comunica-
posição espacial ou temporal conjunto de interações alternativas com outros elementos. Dessa
im-
ção da informação. Essa consideração geralmente permanece maneita, cada elemento tem alguma liberdade de escolha das in-
das discussões da da informação.) terações, mas também algumas coerções. O conjunto patticular
plícita na maioria teoria
a
Ao desenvolver a sua teoria matemática, Shannon passou de tôdas as escolhas isoladas feitas por cada um dos elementos
“ruído intro-
considerar o caso de outra fonte de variedade, o, , e a da organização constitui o que Rothstein denomina uma “com-
duzido no fluxo da variedade de uma fonte de informação, das plexão”. Existem, portanto, tantas complexões numa oiganiza-
saída e o de entrada
diferença resultante entre o conjunto de ção quantas forem as maneiras de escolher um representante de
cada conjunto de alternativas. Temos, assim, uma situação lógi-
camente equivalente a um típico conjunto de variedade no con-

ao
8 E C. Frick, “The Application of Information Theory in Behavio- texto da teoria da informação, e pode-se usar a medida de infor-
ral Studies”, em Psychology: À Study of a Science, 2, org. por Sigmund mação ou “entropia” H. Se os elementos de uma suposta orga-
1959), 611-36;
Koch (Nova Iorque: McGraw-Hill Book Company,
k

is
Garner e W. J. McGill, “Relation Between Uncertainty, Variance nização fôssem, de fato, independentes um do outro, de sorte
relation Analyses”, Psychometrika, 21 (1956), 219-28; W. 1 McGill, so-
que qualquer elemento pudesse interagir com qualquer outro
Information Theory in Psychology,
morphism in Statistical Analysis”, em
Free Press of Glencoe, Inc,
org por Henry Quastler (Nova Torque: and Structure as Psychologica
* George À. Miller, “What Is Information Measurement?”, Ameri-
pp. 5662; e W. R. Garner, Uncertainty
cas Psychologist, 8 (1953), 3-12 A passagem citada se encontra à p. 3
Concepts (Nova Torque: John Wiley & Sons, Inc,
pense
1962).
nasgua

131
130
aa

ii
com probabilidade igual, teríamos um caso equivalente a um con- coerções entre elas, e o máximo possível nesse conjunto sem
junto de “mensagens” emitidas de uma fonte com, probabilidade coerções.
igual, sem coerção alguma entre elas. A “entropia” em ambos Prossegue Rothstein aplicando essas noções a um “siste-
os casos seria máxima, e a “organização”, que se percebe intuiti- ma”? ou “organização com uma função” (isto é, tarefa, progra-
vamente ser o oposto da “entropia”, seria nula — isto é, have- ma, padrão de comportamento ou objetivo). Por “função” en-
ria total “desorganização”. No dizer de Rothstein, o conjunto tende êle o mapeamento de um conjunto de alternativas, cha-
de complexões tem aqui uma entropia que é tão-sômente a soma mado de entrada, em outto conjunto, chamado de saida Dessa
das entropias dos conjuntos individuais de alternativas, No ex- maneira, um sistema //edidor mapeia um conjunto de estados do
tremo oposto, em que a organização permite apenas uma só com- objeto de interêsse num conjunto de possíveis indicações do

a
plexão, a entropia do conjunto potencial de complexões é nula,
ns
e a organização, máxima.
Geralmente, porém, numa organização dinâmica, temos uma
situação intermediária, e a entropia do conjunto de complexões,
aparelho, ou um sistema de comunicação mapeia um conjunto
de mensagens de uma fonte num conjunto no ponto de destino,
ou um sistema de transporte mapeia um conjunto de pontos de
partida num conjunto de pontos de destino. Alvitra-se, então,
sem ser nula, é menor do que a soma das entropias dos conjun- que:
tos individuais de alternativas. Baseado nisso, Rothstein propõe
À entropia da função é menos do que a soma das entropias de
uma definição da quantidade de organização: entrada e saída de acórdo com a quantidade de organização intro-
Definimos a quantidade de organização como o excesso dêsse mixi duzida no sistema A fim de poder executar a sua função, o sis-
mo valor possível da entropia da complexão em relação à entropia tema precisa ter uma entropia pelo menos tão grande quanto a da
do conjunto de complexões calculada com as correlações que caracte- sua função. 11
rizam a organização em aprêço. É fácil constatar que a organização
mede quanta informação foi introduzida no conjunto das comple- Assim topamos, se bem que em forma algo diferente, com o
xões, em virtude das interações. 10 princípio da “variedade indispensável” de Ashby, apresentada
no último capítulo: para que um sistema ou organização possa
(Na última sentença talvez preferissemos dizer que a orga- adaptar-se ao meio, ou controlá-lo, precisa conter, pelo menos,
nização mede a quantidade de coerção introduzida no conjunto tanta variedade (ou “entropia” ou “liberdade” de escolha de al-
de complexões, ou a perda de variedade verificada nesse conjun- ternativas) quanto a que existe no meio a ser controlado.
to, em virtude das interações. Por outro lado, o pronunciamento O tratamento dispensado por Shannon à interação de uma
original dá a entender que vemos a organização social como fonte de informação e uma fonte de “ruído” a fim de produzir
“informação ligada”, em que o têrmo “informação” é usado em uma saída mista pode ser tomado como a base de uma extensão
sentido lato, para implicar significados comuns, papéis normati- do modêlo acima de organização para o caso de duas (ou mais)
vamente definidos etc ) Vê-se que a definição de organização organizações que interajam para produzir um resultado conjun-
proposta por Rothstein, é equivalente à medida teórico-informa- to. Isso pode ser conceptualizado nos têrmos da Figura 4-1, o
tiva de “redundância”: isto é simplesmente um menos a relação diagrama de Euler dos conjuntos imbricados, proposto por G. À.
entre a entropia real de um conjunto de mensagens, devida a Miller. Duas coletividades (ou grupos, ou sociedades) são re-
presentadas por xe y H(x)ecH (y) representam a organiza-
10 Communication, Organization, and Science, p. 36. Assinalam dois ção das interações de cada um dos grupos.
dos meus alunos graduados, John Walton e John Shiflett, que seria difícil
especificar todo o conjunto de possíveis compleições para muitas situações 1º Fhid, p. 37. Veja também “Information and Organization as the
sociais concretas, de sorte que a medida da relação entre as ações ou Inte- Language of the Operational Viewpoint”, Philosophy of Science, 29 (1962),
rações alternativas reais c as possíveis é operactonalmente problemática 406-11, de Jerome Rothstein.

132 133
Hy (x) e Hx(y) representam as interações (ou
lóres) mituamente incompatíveis ou irrelevantes para dps
cada
e
va
um
isso terá de ser julgado mais tarde, depois
sérios tiverem sido feitos.
que muitos esforços
das organizações em relação à outra. E T representa a
quanti-

esr
dade de interações organizacionais comuns ou compatíveis pese
das pelos dois grupos em contato. Nessas
antes
se esperar que a tarefa ou saída de comportamento e ois
de Nustração Empírica

pos interagentes com organizações


socioculturais amplamente di-
Faremos aqui uma pequena interrupção no argumento
para
esboçar uma ilustração sugestiva, tirada da obra recente de um
antropólogo que estuda a interpenetração de certo número de
bandos patrilocais índios, culturalmente relacionados, porém in-
dependentes, da Baixa Califórnia do Norte, 12 sses bandos se
espalharam por extensa área, mas o contato entre êles é possí-
vel. Nessa área se falavam três idiomas miútuamente ininteligt-

ao
Hy (x)

organização,
sÓ NO grupo
ou

X
. ou
Informação
organização
comuns a
Hx (y)
y
Informação
ou organização,
só no grupo y
veis: kiliwa, paipai e tipai. Cada qual se subdividia em dialetos
regionais, sendo cada grupo lingúístico relativamente pequeno e
mais ou menos localizado em cenários ambientais muito diversos,
e sem quaisquer integrações extrapolíticas entre êles. Pratica-
xey va-se uma rígida exogamia, sendo proibido o casamento com pa-
rentes consangiiíneos conhecidos de ambos os lados. Cada ban-
do variava, assim, um pouco lingiilsticamente, enfrentava
proble-
mas ambientais algo distintos, e possuia uma cultura ou “sistema
FIGURA dl conceptual adaptativo” um tanto diferente. Como se observa,
temos aqui uma situação proximamente equivalente à situação
ferentes se restringisse a uma área comum relativamente estreita biológica de um sistema ecológico com gradientes de intercâm-
( presumindo-se a ausência de conflito total), ao passo bio genético implícitos nos processos de fixação das variedades,
Es seria
eq hibridação, tendência genética, [ genetic drift] etc. De um pon-
de se esperar que grupos com organizações muito s
saída
antes to de vista da teoria da informação, dispomos de certo número
engrenassem, de modo que a se valesse não só a
varie E

aa
de mais ampla, mas também das coerções proporcionadas pelas de conjuntos de variedade coacta,
que agem como fontes de con-
duas juntas. tínua geração e transmissão de sistemas de símbolos, com distri-
| buições diferenciais de mapeamentos ou intercomunicação entre
O cientista social deveria perceber facilmente não só a gran- êles. E do ponto de vista do nosso modêlo abstrato de morfogê-
de generalidade de um modêlo assim, mas
pontos em que êle se articula com
mos, entretanto, precisar advertir a teoria social. Não deveria-
que a aplicação da teoria ne
nese, contamos com certo número de sistemas ou organizações
adaptativas complexas, abertas, imbricadas, no processo de deli-
near nas próprias estruturas socioculturais e psíquicas a varieda-
temática aqui é restrita, embora mal tenhamos começado a explo- de de seus meios particulares físico e social.
rar as possibilidades, como o vêm fazendo, por exemplo, psi-
cólogos há mais de um decênio. Poderíamos também reafirmar
o Por causa da norma exógama, os cônjuges, principalmente
abstrato com que do sexo feminino, precisavam ser escolhidos entre
a nossa asserção, neste ponto, de que o modélo pessoas que
estamos lidando não é apenas um analogismo nem uma tradução
Mas 12 Roger C. Owen, “The Patrilocal Band: A Linguistically and Cultu-
em têrmos novos, sem qualquer acréscimo de compreensão. rally Hybrid Social Unit”, American Antbropologist, 67 (1965), 675.90.

1534
135
a mudar o suficiente para viciar aspectos das adaptações cultu-
bandos relativa-
não fôssem parentes — o que queria dizer, em rais existentes e/ou fazer sentir a necessidade de arranjos dife-
de escolher um cônjuge
mente distantes. Pois a probabilidade vizinhos rentes. Assim, Owen observa:
visto que os bandos
num bando contíguo era remota,
de embora genealo- Em relação ao crescimento e à mudança evolutiva geral, o bando
se constituam principalmente parentes que
afastados, se viam excluídos por fôrça do extremo tabu patrilocal híbrido proporcionaria um tipo estrutural altamente adapta-
gicamente tivo. Contido em qualquer população haveria um conjunto diversi-
de
do incesto. Isto significava a importação, para um bando, ficado de símbolos adaptativos derivados das mulheres; para cada
constante corrente de mulheres provenientes de bandos lingiís- situação de rigorosa pressão seletiva haveria, disponível, certo nú-
tica e culturalmente diferentes, e a introdução, por essa manei- mero de respostas possíveis, que propotrcionaria, dessa forma, ao ban-
do “ruído”) no bando. do culturalmente híbrido, elevado potencial de sobrevivência. 13
ra, da “variedade” (quando não
Tais bandos, portanto, se compunham principalmente de Em segundo lugar, o paradigma geral da evolução do siste-
homens que falavam uma língua e se achavam adestrados num ma adaptativo complexo, discutido no último capítulo, e a corre-
mulheres que fa-
conjunto de símbolos adaptativos, e de muitas lata discussão em têrmos da teoria da informação das interações
lavam outra língua, ou pelo menos outro dialeto, e que haviam de duas ou mais “organizações”, podem ser vistos como minis-
sido treinadas numa série diversa de costumes tradicionais.
Na
idade lingua tradores, pelo menos, dos primórdios de um modêlo geral da
família típica, os filhos adquiriam — até certa — a
não raro evolução dos sistemas socioculturais no sentido de unidades so-
e os modos culturais da mãe e de outras mulheres (que cietais cada vez maiores e mais estruturalmente diferenciadas.
mais tarde, adquiriam o sistema de simbo-
diferiam entte si), e, A interação de certo número de organizações parcialmente im-
do
los masculino. Havia, dessarte, grande variedade no interior bricadas ou fontes geradoras de simbolos, conduz na extremida-
sob as suas coerções
bando, variando os filhos de ambos os pais de de saída do sistema de transmissão, e em determinadas con-
biculturais e bilingues, bem como divergindo de outras crianças dições, à perda seletiva de símbolos incompatíveis ou equívocos,
do bando. Dessa maneira, o bando patrilocal se caracteriza como à difusão de outros e à resultante convergência das diversas orga-
grupo de residência cultural
laços consangiiíncos
e lingúisticamente híbrido, unido por
patrilineares, mas não por laços de língua
nizações e conjuntos de simbolos para um sistema de símbolos
mais comum e uma organização social amalgamada. Assim, o
nem de cultura comuns. acrescido potencial de sobrevivência do bando patrilocal, propi-
O nosso modêlo abstrato de informação-organização sugere ciado pelo grande fundo comum de variedade, tende a aumentar
determinada
que, numa situação dessa natureza, se pode esperar do co- a densidade da população, o que muitos antropólogos reconhe-
marcha dos acontecimentos (na dependência, entretanto, cem como pré-requisito do progresso cultural Roger Owen pros-
dos importantes, tais como à
nhecimento suficiente parâmetros segue delincando as implicações correspondentes da seguinte
índice de mudança dos meios significativos dos
estabilidade ou maneira:
êles. O
bandos é as taxas de intercâmbio de simbolos entre
moderno teórico da probabilidade pode querer analisar a prová- O concomitante cultural do aumento da densidade, naturalmente,
de um conjunto de seria o aumento de certas coisas, como a intensidade da comunica-
vel marcha dos acontecimentos em têrmos de ção linguística e da comunicação cultural em geral Isto funcionaria
probabilidades transicionais, geradas por um processo no sentido de diminuir as diferenças dialetais regionais e culturais.
Markov). Outro efeito da maior densidade populacional seria tornar disponí-
Dentro
Em primeiro lugar, a continua introdução de novos siste- veis cônjuges adicionais de grupos vizinhos de residência.
do bando, isto concorreria para reduzir o grau de dissimilitude lin-
mas de símbolos no bando por meio dos cônjuges proporciona gitística e cultural entre os casais €, finalmente, o desenvolvimento
renovado, em
um “fundo comum de variedade” constantemente
à variedade do meio
que o bando pode abastecer-se, ao adaptar-se social físico)
13 Numa versão anterior, não publicada, do artigo supracitado
ou controlá-la, no caso de vir o
meio (tanto quanto
137
136
de aldeias sedentárias, endógamas, redundaria em uniões de indi-
víduos que falassem precisamente a mesma língua e praticassem uma conceptualização de MacKay, segundo a qual um organismo é
cultura virtualmente idêntica, 14 uma reunião de atos básicos, que, em várias combinações, com-
põem o comportamento. O comportamento adaptativo de um
Em suma, um processo dessa ordem conduziria ao nível seguin- organismo dêsse gênero supõe um processo seletivo, por inter-
te de integração sociocultural, o nível “tribal”, característico do médio do qual um subconjunto de atos básicos se concatena de
período neolítico — para usarmos a classificação evolucionária tal maneira que se equipara, de acôrdo com determinada meta,
de Elman R. Service. *8 ao subconjunto de variedade concta que é o estado corrente do
Espera-se que essa breve ilustração, sejam quais forem os
meio do organismo. No caso do organismo humano, êsses ma-
seus demais efeitos, sitva para reforçar a opinião — fregiente- peamentos seletivos são mediados por um complexo de símbolos,
mente expressa, porém levada a sério com menos frequência — e o comportamento social supõe tais mapeamentos mediados por
de que a sociedade é um sistema de comunicação num sentido símbolos entre indivíduos ligados interativamente. Assim, a in-
muito mais profundo do que o que pode implicar o significado teração social — que é uma interação significativa — implica
comum do têrmo. uma comunidade mínima dos mapeamentos dos indivíduos e de
seus meios correspondentes, seus sistemas de símbolos e seus
estados de necessidade.
Sociedade: Uma Organização de Significados Esse ponto de vista está bem expresso, por exemplo, na
discussão da metodologia do operacionismo na ciência, de
Tendo examinado brevemente os aspectos centrais do lado Rothstein.
da “transmissão de sinais” da “teoria da informação” e o con-
ceito correlato de “organização”, resta-nos consolidar a nossa O ponto de vista operacional supõe implicitamente que obser-
compreensão do conceito de “significado” e da sua relação com vadores que executam as mesmas operações produzirão os mesmos
ambos. Vimos que a “teoria da informação” se ocupa de acon- resultados, Aplicada a diferentes observadores, a palavra “mesmo”
significa que êles podem comunicar-se, concordar acêrca de algu-
tecimentos entre uma fonte de sinais e um receptor, mas não da mas coisas, e que essas coisas, portanto, são interpessoais e, conse-
natureza dessas extremidades nem das condições em que os si- quentemente, objetivas Isto se acha também implícito no ponto de
nais transmitidos entre elas se convertem em informação “signi- vista informativo, pois se presume implicitamente que conjuntos co-
ficativa”. O quadro de referência geral dessa teoria, porém, es- muns de alternativas podem ser definidos para todos os observado-
timulou a renovação do interêsse pelo problema do significado. res. Mais precisamente, podem definir-se para todos os observado-
res uma a uma as projeções entre os conjuntos de alternativas asso-
Êsse quadro de referência põe em relêvo o fato de que a “in! ciadas a cada observador. Por isso entendemos que existem objetos
formação”, como portadora de “significado”, não é uma entida- aos quais podemos dar nomes, e que as pessoas podem usar êsses
de existente em algum lugar ou que flua de um lugar para outro, nomes para se comunicarem e concordarem em que êles se referem
ao mesmo objeto. 18
mas uma relação, ou “mapeamento”, entre conjuntos de varie-
dade estruturada, incorporada — para as nossas finalidades pre-
sentes — em sistemas adaptativos orientados para metas e em Muitos outros, embora pretendam apresentar a teoria mate-
seus meios; e que a “comunicação” envolve um processo de se- mática da “informação” como teoria puramente formal, pro-
leção dêsses conjuntos. No último capítulo pusemos reparo na põem, com efeito, essa mesma espécie de interpretação substanti-
va (sociopsicológica), como o fêz o próprio Shannon, Assim,
14 TIbid
F.C Frick apresenta a “teoria básica” discutindo a tese de que
Elman R Service, Primitive Social Organizatios
15 (Nova Iorque:
Random House, Inc., 1962). 14 Jerome Rethstein, “Information and Organization”, 410-11,

138
139
todos os processos de transmissão de informações são, básica- em função de um conjunto de coeições, baseadas em significados
mente, processos de seleção, como, por
exemplo, a fala. comuns, no complexo das possíveis interações de unidades so-
ciais, de uma redução da incerteza dos comportamentos, ou de
Alternativamente, só precisamos de informação quando nos ve- um conjunto de “mapeamentos” de comportamentos e estados
diante de uma escolha qualquer. Se conheço a estrada para
mos de meta. Alguns dêsses mapeamentos, os suficientemente es-
Boston, dispenso o sinal rodoviário no cruzamento...
táveis ou suficientemente salientes, passam a ser generalizados
Assim, a informação e a ignorância, a escolha, a previsão e a
incerteza estão tôdas intimamente relacionadas. Por outro lado, a como códigos, regras ou normas. Mas é importante não confun-
completa ignorância ou indeterminação também impede a trans- dir essas regras, ou normas, com o processo real de organização
missão de informação. Uma conferência em alemão não é informa- a que êles, em parte, dão forma. Pois, como já vimos ao tratar
tiva para o ouvinte que não entende alemão É preciso que haja
do problema da morfogênese, a “organização” concreta resulta
certo grau de acôrdo, alguma espécie de língua comum estabelecida
entre à fonte de informação e o receptor Ou mais precisamente: não só de atôres que se cingem às regras, mas também das inte-
os processos de informação são processos de seleção, mas é
mister rações dêsses atôres uns com os outros e com um meio cujas
de alterna-
que essas seleções sejum feitas num conjunto específico coerções e exigências são, de ordinário, demasiado ricas para se-
tivas, € para que a sequência de seleções transmita informação, as rem abarcadas pelas regras (em outras palavras, é demasiado pe-
escolhas possíveis devem ser conhecidas do receptor
Dentro dêsses limites de completo conhecimento e ignorância
quena a informação seletiva existente nas regras para especificar
completa, parece-nos intuitivamente razoável falarmos em graus de ou controlar tôda a variedade dos elementos interagentes e do
incerteza Quanto mais ampla a escolha, quanto maior o conjunto seu meio )
de alternativas que nos é franqueado, tanto mais incertos nos vere- Na seção seguinte, passaremos às conceptualizações das ações
mos no tocante À mancira de prosseguir — de tanto maior informa- e interações individuais e da organização social, tais como po-
ção necessitamos para tomar a nossa decisão. Às nossas incer-
tezas estão intimamente ligadas a estimativas de probabilidade, e
dem ser encaradas por êste prisma.
à
para que possamos ajustar nossas noções intuitivas concernentes
informação, precisamos considerar não só a série de escolhas à nossa
17
disposição, mas também as probabilidades associadas a cada uma.
Ação e Interação: A Dinâmica da Mortogênese
Diante dessa concepção muito genérica de “significado”, o
Vimos que, dentre os diversos modelos utilizados para ca-
problema se converte em saber como surgem êsses significados
racterizar a sociedade, o modêlo de processo -— mormente como
comuns e qual é a relação entre êles e o comportamento dos in-
foi desenvolvido neste século sob o nome de interacionismo so-
dividuos e dos grupos As respostas que temos até agora estão
cial — é o mais afim do moderno ponto de vista dos sistemas,
englobadas em grande parte no trabalho realizado neste século dêle. Por isso
no campo da Psicologia Social e da Sociologia. De modo geral, que estamos estudando, se não fôr um precursor
verificamos que os significados são gerados num processo de in- mesmo, a nossa exposição nesta seção se apoiará largamente nessa
perspectiva, sobretudo tal como é apresentada na obra de G. H.
teração social de certo número de indivíduos às voltas com um
Mead e seus seguidores, embora reconheçamos que muitas ou-
meio mais ou menos comum. Gerados, atuam na qualidade de
tras fontes prestaram também a sua contribuição.
funções seletivas implícitas nos processos de tomada de decisão
social
que possibilitam (mas não garantem) o comportamento
organizado. Dessa maneira, a organização social pode ser vista
O “BETO”

17 Frederick C. Erick, “Information Theory”, em Psychology: A


Study of à Science, 2, org por Sigmund Koch (Nova Iorque: McGraw-
O ponto de vista do processo de Dewey e Mead (que tra-
-Hilt Book Company, 1959), Gid-15. balharam juntos na Universidade de Chicago) representava, ro-

140 141
busta e explicitamente, um ponto de vista evolucionário, em que - êste enfoque assume particular importância porque é capaz de
lidar com o campo de comunicação de uma forma que nem Watson
o organismo e o meio eram encarados como intimamente inter- nem o introspeccionista podem fazer. Desejamos enfocar a lingua-
dependentes de uma forma que hoje denominamos sistêmica. gem... em seu contexto mais amplo de cooperação no grupo, que
Não encontramos uma relação mecânica entre o estímulo e a res- ocorre por meio de sinais e gestos. O significado aparece dentro
in- dêsse processo, 20
posta, senão um “ato” complexo em curso dentto do qual o
divíduo é um agente ativo com graus de liberdade, seletividade Não é, portanto, por acidente que os psicólogos influen-
ou inovação a mediarem entre as influências externas e o com- ciados pela moderna teoria da informação estão começando a
portamento manifesto. O ato total envolve um “impulso”, ou
tensão induzida por um problema, ou meta em vista, bem como pensar em têrmos semelhantes, mesmo quando pertencem à “ca-
beçuda” variedade behaviorista do psicólogo. Ássim, Frick nos
a percepção e a manipulação seletivas do meio pela pessoa, de
chama a atenção para a sugestão de E. R. F. W. Crossman, se-
tal modo que cada um dêsses elementos só se define ou só adqui-
Segundo a expressão de gundo a qual, “Em lugar de uma reação causada por um estimulo
re significado em função dos outros
Mead, quando o limiar é ultrapassado, pensamos agora mais em função
de um sinal que pode ser obscurecido pelo ruido, proporcionan-
Um ato é um impulso que mantém o processo vital pela sele- do a informação necessária à escolha da resposta”, 21 Frick pros-
ção de certas espécies de estímulos de que êle necessita, Dêsse mo- segue insistindo em que essa reformulação não é meramente jo-
do, o organismo cria o seu meio... Os estímulos são meios, a ten-
dência é a verdadeira coisa. A inteligência é a seleção dos estimulos cosa, mas influi em nossa escolha das variáveis e em nossa pla-
reconstruí-la. 18 nificação das experiências.
que libertarão e manterão a vida e ajudarão a
Crossman, por exemplo, continua a sua discussão assinalando
E igualmente em relação ao ato social, ponto central básico da que, à diferença do estímulo, o sinal... supõe uma série de alterna-
Psicologia Social: tivas e, assim, põe em destaque o efeito sôbre o comportamento
não só do que poderia ter sido, mas também do que é imediatamente
Não se explica o ato social estruturando-o pela adição do estímulo presente. Além disso, um sinal nesse sentido funciona puramente
e da resposta; é preciso aceitá-lo como um todo dinâmico — como como base para a escolha da resposta. De acôrdo com a teoria,
alguma coisa em curso — nenhuma de cujas partes pode ser consi- pode ser codificado numa variedade de formas físicas e encaixado
derada ou compreendida por si mesma — um processo orgênico numa variedade de conjuntos de sinais, sem efeito sôbre a sua fun-
complexo implicado em cada estímulo e em cada resposta individual ção seletiva. 22
néle envolvida. 19
Mencionamos, em capítulo anterior, as teorias igualmente
Explica-se, a seguir,que o ato social deve restringir-se “à clas- relevantes “de mediação” do comportamento baseado em simbo-
se de atos que envolvem a cooperação de mais de um indivíduo, los, de Osgood e Mowrer, bem como o florescer da “teoria da
e cujo objeto... é um objeto social... O objetivo dos atos decisão”. Notamos igualmente, e aqui reforçamos a sugestão,
encontra-se, pois, no processo vital do gtupo e não apenas nos que o trabalho mituamente apoiador de Mead e dos modernos
dos indivíduos separados”. teóricos da comunicação ministra uma base mais fundamental às
idéias propostas, de maneira mais discursiva, pelo versteben de
Reconhecendo que “parte do ato reside no interior do or-
Max Weber, pela “definição da situação” de W. I. Thomas, ou
ganismo e só é expressa mais tarde”, Mead percebeu que
pela “avaliação dinâmica” de Robert Maclver.
20 Ihid, p. 6.
18 George H Mead, Mind, Self, and Society (Chicago: University of Frick. “Information
21 Theory”, 630.
Chicago Press, 1934), p 6, nota de rodapé nº 5.
w lbid,p 7.
22 Ihid

143
lda
Paxtindo da sua concepção do ato, Mead passou a desenvol. comuns a ambos, sem assumir uma tendência particular de imita-
são. Há aqui um processo seletivo, por meio do qual se escolhe o
ver-lhe as implicações para os conceitos de mente e inteligência,
que é comum, 2t
significado, autoconsciência e processo social. Como há pouco
sustentou Herbert Blumer, só Mead “procurou descobrir, pela Mead continua sugerindo que, na comunicação simbólica, o
reflexão, o que supõe o ato da interpretação para a compreensão indivíduo precisa estar continuamente respondendo aos próprios
do ser humano, da ação humana e da associação humana
SM
q

símbolos vocais para poder levar avante com êxito uma con-
Mead não tentou combater um determinismo mecânico, externo,
versação,
de comportamento com um vago recurso ao “livre arbítrio ou
ao “voluntarismo”, como o fizeram outros, mas focalizou incan- O significado do que estamos dizendo é a tendência para res-
sâvelmente a natureza simbólica do ato até chegar aonde queria. ponder ao que dizemos Pedimos a alguém que traga uma cadeira
Examinemos algumas de suas concepções e notemos, em patti- para uma visita Despertamos nesse alguém a tendência de ir bus-
car a cadeira, mas se êsse alguém demorar em agir, nós mesmos ire-
cular, a natureza plenamente cibernética da sua análise da ação mos buscá-la. À resposta ao gesto vocal é a feitura de certa coisa,
humana como sistema de comunicação e contrôle de realimenta- e nós despertamos a mesma tendência em nós mesmos,. Presu-
ção O ponto central da sua interpretação é o que êle denomina mimos que, até certo ponto, deve haver identidade na resposta. E

a
a reflexibilidade do comportamento mediado por símbolos — o ação numa base comum. 25
voltar-se da experiência do indivíduo sôbre si mesmo”. Isto é
possibilitado pelo emprêgo do símbolo e, por seu turno, possibi- Generalizando, Mead nos confessa querer isolar o mecanis-
lita o processo mental peculiarmente humano, ou mente — o mo envolvido no fato de nós, inconscientemente, nos colocarmos
eu, a autoconsciência, o autocontrôle e, por isso mesmo, O con- no lugar de outros e agirmos como agem os outros “porque é de
trôle social, fundamental importância no desenvolvimento do
que chamamos
O “gesto vocal” ou simbolo significante possibilita ao orga- autoconsciência e no aparecimento do eu”. Através do
emptrêgo
nismo utilizá-lo a fim de evocar em si próprio a mesma resposta do gesto vocal, despertamos continuamente em nós
mesmos as
que êle evoca no outro a quem é dirigido. Sendo o significado respostas que evocamos em outros, de tal sorte que “estamos
de um simbolo a tendência para responder a êle de determinada tomando as atitudes de outras pessoas em nossa própria condu-
maneira, temos aqui a base de um conjunto comum de significa- ta”, Isto é:
dos e respostas num grupo de indivíduos e, por conseguinte, uma A importância decisiva da linguagem no desenvolvimento da
ex-
base de ação e interação comuns. Nessas condições, ao ilustrar periência humana reside no fato de ser o estímulo capaz de reagir
o seu argumento por meio de cantos e pios de pássaros, diz sôbre o indivíduo que está falando como reage sôbre o outro, 26
Mead:
Sendo um bchaviorista que não tem mêdo de olhar
Quando existe um som específico que provoca uma resposta espe- para
cífica, sendo o som produzido por outras formas, provocará a respos-
dentro da “caixa preta”, Mead, de vez em quando, nos
propor-
ta na forma em aprêço. Se o pardal utilizar êsse som determinado, ciona concepções notâvelmente modernas dos
processos de con-
a resposta a êle se ouvirá com muito maior frequência do que qual. trôle de realimentação do sistema nervoso central Assim, dá a
quer outra. Dessa maneira, serão escolhidos, no repertório do par- entender que, se tentarmos encontrar no sistema nervoso central
dal, os elementos que se encontram no canto do canário e, grada- alguma coisa correspondente à palavra “cadeira”, encontraremos,
tivamente, tal seleção estruturará, no canto do pardal, os elementos

24 Mead, Mind, Self, and Society, p 65


2: Herbert Blumer, “Society as Symbolic Interaction”, em Human
Bebavior and Social Processes, org por Arnold M Rose (Boston: Houghton
25 Ibid, p 67.
Mifflin Company, 1962), pp 180-81 20 Ihbid,p 69

144 145
presumivelmente, “uma organização de todo um grupo de pos- j
um estímulo -
à. nossa ação Ele se converte no estímulo para uma
síveis reações ligadas de tal maneira que, se uma partir numa di- fase subsegiiente de ação, que deverá verificar-se do
ponto de vista
dessa resposta particular 28
reção, levará a cabo um processo, e se partir em outra direção,
levará a cabo outro processo”. Dêsse modo, a cadeira é um obje-
Nessa base, surge no indivíduo humano um “eu” organiza-
to físico sôbre o qual nos sentamos, de sorte que podemos ca-
minhar para ela e, em seguida, iniciar o processo de sentar-nos do e torna-se a sede reflexiva da tomada de decisões e do con-
quando a alcançamos. trôle do comportamento. Esse eu organizado “E simplesmente a
organização, pelo organismo individual, do conjunto de atitudes
Um estimulo excita certos caminhos que fazem o indivíduo dirigir-se para com o seu meio social — e para consigo mesmo do ponto
para aquêle objeto e sentar-se, Tais centros são de certo modo
físi-
de vista dêsse meio ..” Isto é:
cos. Note-se que há una influência do ato consegilente sôbre o ato
antecedente. O processo consegiente, que deve prosseguir, já foi A reflexão ou o comportamento reflexivo só surgem em condições
iniciado e exerce influência sôbre o processo antecedente... Oxa,
de autoconsciência e tornam possíveis o contrôle e a organização
essa organização de um grande grupo de elementos nervosas capaz
de levar-nos à conduta com referência aos objetos que nos rodeiam intencionais, pelo organismo individual, de sua conduta com refe-
rência ao meio social e físico...
é a que encontraríamos no sistema nervoso central em resposta ao
que denominamos objeto As complicações são muito grandes, mas Por intermédio do mecanismo fisiológico do sistema nervoso
o sistema nervoso central encerra um número quase infinito de ele- central humano, a inteligência humana escolhe deliberadamente uma
mentos, e êstes podem organizar-se não só em conexão espacial uns dentre as diversas respostas alternativas possíveis na situação am-
com os outros, mas também de um ponto de vista temporal. Em biental problemática dada.
virtude dêsse último fato, a nossa conduta se compõe de uma série É a entrada das possibilidades alternativas da futura
de fases que sucedem umas às outras, e as últimas já podem ter resposta
na determinação da conduta presente em qualquer situação ambien-
começado e influir nas primeiras. O que vamos fazer é atuar de tal dada, e sua operação... como parte dos fatôres ou condições de-
volta sôbre o que estamos fazendo. 27
terminantes do comportamento presente, que põe em oposição, deci-
sivamente, a conduta ou comportamento inteligente à conduta re-
E êste processo de realimentação, implícito no comportamen- flexa, instintiva e habitual, ou a reação retardada pelo comporta-
mento à reação imediata. 20
to humano intencional, como o estão redescobrindo psicólogos co-
mo Osgood e Mowrer, é possibilitado pelo fato de que o símbolo
E é por estar sempre emergindo do passado e sendo condiciona-
pode mediar agindo não só como resposta evocada, mas também
do por possíveis resultados futuros, que o comportamento pre-
como estímulo promotor da ação. Para Mead, é a relação do
símbolo “com um conjunto assim de respostas, tanto no próprio sente nunca é exatamente previsível e envolve sempre um ele-
indivíduo quanto no outro, que faz daquele gesto vocal o que eu mento de espontaneidade.
chamo um símbolo significante”. Mas há mais alguma coisa en- É é neste sentido, portanto, que o indivíduo humano não
volvida em sua atuação como símbolo significante: só controla, mas também cria e recria gtande parte do meio efe-
“cadei-
tivo. O seu conjunto de simbolos representa projeções de possí-
. essa resposta dentro do próprio eu a uma palavra como
veis relações de comportamento com o meio, relações que não
ra”, ou “cachorro”, representa assim um estímulo para o indivíduo
como uma resposta Isto, naturalmente, é o que está envolvido no são dadas na realidade, mas podem ser continuamente criadas
que denominamos o significado de uma coisa, ou o seu sentido... pelas respostas e estimulações mútuas de indivíduos que fazem
Quando aludimos ao significado do que estamos fazendo, esta- gestos e interagem num meio,
mos dando a própria resposta de que nos achamos a ponto de levar

28 Ibid, pp 71-72
27 Ibid, pp. 70-71 Os grifos são nossos 20 Ihid, pp 91, 98

146 id?
O processo social relaciona as respostas do indivíduo aos gestosé É isso nos traz, mais uma vez, “à condição essencial, dentro
dessa maneira, do processo social, para o desenvolvimento da mente”, a saber
de outro, como os significados dêste último, e,
responsável pelo surgimento e existência de novosobjetos na situa- a reflexibilidade -— “A volta da experiência do indivíduo sábre
constituídos
ção social, objetos dependentes dêsses significados ou si mesmo”, de medo que êle possa considerar-se como um objeto
êles... Escolhemos meio organizado em relação com a
num campo mais amplo de experiência, * Na linguagem da Ci-
por um
não só repre-
nossa resposta, de sorte que essas atitudes, como tais,
sentam nossas respostas organizadas mas também o que existe para bernética, essa autoconsciência é um mecanismo de realimenta-
nós no mundo
. O nosso mundo é definidamente mapeado para
nós pelas respostas que vão verificar-se... A estrutura do meio
qualquer
é
ção interna dos próprios estados do sistema, que podem ser ma-
peados ou comparados com outra informação da situação e da
um mapeamento de respostas orgânicas para à realidade;
memória, permitindo a seleção num repertório de ações, de ma-
meio, seja êle social ou individual, é um mapeamento da estrutura
lógica do ato a que êle responde, um ato que busca expressio
ma- neira dirigida para a meta, que leva explicitamente em conta o
nifesta. 30 eu e o comportamento do próprio indivíduo, 33

Além disso, Mead reconheceu clatamente uma proposição


da informação, segundo à
que já sustentamos, derivada da teoria O Campo Interacional: Um Sistema Dinâmico
coisa,
qual o significado ou informação significativa não é uma
de de
senão uma relação que subsiste dentro um campo expe- Embora faça parte da sabedoria convencional começar com
riência, Esta concepção pode ser encarada como um apoio funda- o “indivíduo” e o seu ato, não podemos, como sustentaram Mead
mental ao que veio a chamar-se a “teoria do campo”: e muitos outros, chegar ao social por meio do “indivíduo” por
simples adição ou agregação. Devemos, de preferência, começar
Assim sendo, o significado não deve ser concebido, fundamental
mente, como estado de consciência, nem como conjunto
de relações com um campo interacional de organismos interdependentes num
mentalmente existentes ou subsistentes fora do campo da experiên- meio, e descrever, a partir dêsse campo, o que entendemos por
cia em que elas entram; pelo contrário, deve ser concebido objeti- “individuo” humano e pela organização social dêsses “indiví-
dêsse
vamente, como tendo a sua existência inteiramente dentro duos”. O nosso modêlo básico, no mínimo, terá de fundar-se
próprio campo...
numa ligação de dois organismos de alguma forma sistêmica.
O que precisamos reconhecer é que estamos tratando da relação Este eterno problema do “locus” em Psicologia Social *! eviden-
do organismo com o meio escolhido pela sua própria sensibilidade... cia-se particularmente na confusão sôbre o que se pretende signi-
inteli-
Os processos mentais não .. residem em palavras, como a ficar quando se emprega o têrmo “indivíduo” — confusão sôbre
sistema nervoso
gência do organismo não reside nos elementos do
central Ambos fazem parte de um processo em evolução entre
O
se nos referimos ao organismo revestido de pele, ao “eu” ou à
organismo e o meio Os simbolos desempenham a sua parte nesse “personalidade”. Ao pôr em contraste as teorias individuais e
comunicação. Da
processo, e é isto o que torna tão importante a
linguagem emerge o campo da mente. 31
. 2 Mead, Mind, Self, and Society, p 134.
as Veja, por exemplo, Karl Deutsch, Nerves of Government (Nova
“0 Ibid, pp 78, 128-29. Iorque: The Free Press of Glencoe, 1963), Capítulo 6; Donald M. MacKavy,

E
“Towards an Information-Flow Model of Human Behavior”, British Jour-
Ibid., pp. 78, 13233. Sôbre uma teoria moderna da percepçãoà
3! nal of Psychology, 47 (1956), 30-43; e George À. Miller et al., Plaus and
semelhante
como transação total do organismo e do meio, notivelmente
perspectiva Dewey-Mead, embora aplicada a um nível diferente de
ativida-
de consciente, veja James G. Taylor, The Behavioral Basis of Perceptiou
a of Behavior (Nova Iorque: Holt, Rinchart & Winston, Inc.,

dt Cf Abraham Edel, “The Concept of Levels in Social Theory”,


(New Haven, Conn: Yale University Press, 1962). Veja também Explo-
Kilpatrick (Nova em Symposium on Sociological Theory, org. por Llewellyn Gross (Nova
rations in Transactional Psychology, org por Franktin
P.
Torque: Harper & Row, Publishers, 1959), Cap. 6.
Torque: New York University Press, 1961).

1468
149
pessoa só será tedricamente aceitável se ajuntarmos outras variá-
sociais do eu e da mente, Mead optou claramente por um ento veis que, junto com aquelas, “especifiquem a espécie de compor-
de vista social, ou de campo, que, como veremos, está atualmen- tamento que se pode esperar dessa pessoa em certas circunstân-
te ganhando terreno. cias específicas”. 7 E a circunstância particular de grave impor-
tância é o meio interpessoal, Às características da personalidade
Ao defender uma teoria social da mente estamos defendendo um
ponto de vista funcional, quanto à sua natureza, em contraposição
a e as relações interpessoais são mituamente determinantes, e quer
qualquer forma de ponto de vista substantivo ou entitivo. E,
so- consideremos a situação do grupo como antecedente e a indivi-
bretudo, estamos contrastando todos os pontos de vista FE dera dual como consegiente, quer façamos o contrário, “as duas es-
nianos ou intra-epidérmicos quanto ao seu caráter e locus. Pois
da

coexis- pécies de acontecimento se acham tão comumente misturadas


nossa teoria social da mente se segue que o campo precisa em relações causais que é impossível conceptualizá-las separada-
tir, incluindo todos os seus componentes, com o campo do processo
social da experiência e do comportamento, isto é, a matriz das re- mente”. Assim, apesar do fato de que “os psicólogos pensam
lações sociais e interações entre indivíduos, pressupostas por
e das quais êle nasce ou em virtude das quais passa a
existir.
locus de quetaued
e de
monâdicamente”, é essencial uma unidade diádica — “que des-
creva as ações combinadas de duas ou mais pessoas”. Isto é
a mente fôr socialmente constituída, o campo ou especialmente verdadeiro quando refletimos que uma grande pro-
mente individual precisa estender-se até onde se estende a atividade
social ou aparelho de relações sociais, que o constitui; e, nessas porção da nossa personalidade se forma originalmente em situa-
condições, o campo não pode ser limitado pela pele do organismo ções diádicas e só pode ser medida com referência a tais situações.
individual a que êle pertence. 35 Nessa base, Sears esboça um modêlo da “seguência diádica”,
que gira em tôrno da condição de que as ações de uma pessoa
da
A modo de contraste, notamos a tendência de boa parte “produzem os acontecimentos ambientais para” a outta, e vice-
Sociologia para insistir no que se chama “distinção analítica en- -versa (Esta é também a condição de G. H. Mead). Quando
tre a “personalidade” (presumivelmente intracraniana
temas de símbolos (cultura), e as matrizes
),
os sis-
das relações sociais
surgem expectações ou reações antecipadoras em relação aos acon-
tecimentos ambientais depois que se desenvolve a estabilidade da
da
(sistemas sociais), embora o trabalho real dos proponentes unidade diádica e o comportamento das duas pessoas se torna
ela é ilusória ou freguentemente insusten- verdadeiramente interdependente,
distinção mostre que
tável na prática. Estão assim bem expendidas as razões em favor da priori-
Robert R. Sears é um dos vários psicólogos que, por volta dade lógica da interação sôbre a ação. Mais adiante examinare-
do último decênio, propuseram um modêlo “diádico” ou inte- mos com maior atenção os modelos diádicos implícitos na teoria
36
racional como base da teoria da personalidade. Ele sugere social em curso, particularmente porque êles fundamentam os
social (que
uma combinação do “comportamento individual e modelos de consenso ou conflito da sociedade, ora tão em voga.
inocente distinção!) numa estrutura teórica única, que focalize Antes, porém, desejamos ressaltar mais vividamente as implica-
mais a “ação” do que as estruturas ou processos Internos. Ássi- ções do ponto de vista diádico ou interacionista e, em particular,
nala, contudo, que isso não quer dizer que tais estruturas inter- o sentido pleno em que o sistema diádico constitui um sistema
nas, como necessidades ou características, sejam despiciendas, vis- emergente, com propriedades que não se encontram em seus ele-
to que podem desempenhar importante papel teórico como vatiá- mentos e não são analisáveis em função dêsses elementos. O
veis intervenientes; mas só poderão fazê-lo se ajudarem a teoria estudo de pesquisa que passaremos em revista, à guisa de ilus-
a uma
a prever as ações. À atribuição de características internas tração, não focaliza a esfera do comportamento simbólico hu-
mano, mas se refere às transações diíádicas de pombos torcazes
26
38
Mind, Self, and Society, p. 223, nota de
se a 25.

Robert R Sears, “A Theoretical Framework for Personality an


Social Behavior”, American Psychologist, 6 (1959), 47684.
| | aT Ibid, 478

151
150
acasalados. Nesse nível obtemos um quadro
nítido das inter-re- secreções hormonais). Assim, os pássaros não constroem o ni-
realmente sistêmicas de comportamento, dos estímulos am- nho simplesmente porque lá está o material de construção, mas
lações
hientais ou “situacionais” e das mudanças intraorganismicas — o fazem depois de se haverem associado por algum tempo. Não
um quadro que retrata, inequivocamente,
conceito do “ato” de Dewey-Mead e o ponto
a diferença entre
de vista mecânico
0 se deitarão sôbre os ovos simplesmente por encontrá-los ali na
gaiola, mas o farão se lhes tiver sido possível compartilhar da
S-R [estímulo-resposta], ou do “arco reflexo”, do comportamento. tarefa de construção do ninho. O desenvolvimento dos ovários
Daniel S. Lehrman, psicólogo, empreendeu o estudo do com- da fêmea não é provocado apenas pela vista de outro pássaro,
reprodutivo do pombo torcaz, a fim de descobrir os senão por vêlo ou ouvilo comportar-se como macho — com-
portamento
acontecimentos psicológicos e biológicos que lhe dão Origem. portamento que resulta da ação dos hormônios masculinos sôbre
O ciclo normal dura cêrca de seis ou sete semanas e principia,
AO
o sistema nervoso do próprio macho. E a vista da fêmea in-
ambiente de laboratório, quando o macho e a fêmea, com expe- cubando induz à secreção da prolactina no macho, mas isto só
rência anterior de procriação, são colocados numa gaiola que acuntecerá se êle estiver no estado fisiológico produzido pela sua
contém uma tigela para receber o ninho e o material para cons- participação anterior na construção do ninho. Para expor o assun-
truílo. A côrte é feita durante o primeiro dia — quando o ma- to em têrmos mais positivos, segundo Lehrman, transparece dos
fêmea —
cho se pavoneia, inclina a cabeça e arrulha para a e seus experimentos que duas espécies importantes de mudanças
os dois escolhem o loca são provocadas nos pássaros: em primeiro lugar, êles se transfor-
culmina, poucas horas depois, quando
tigela e despedindo um arru- mam de aves “essencialmente interessadas em fazer a côrte em
para fazer o ninho ajeitando-se na de uma semana
lho característico. Durante o espaço aproximado aves essencialmente interessadas em construir o ninho, e essa
ninho, e ocorte a
os dois pássaros se entretêm em construir mudança é ocasionada pela estimulação nascida da associação com
O

torna cada vez mais um companheiro”. Em segundo lugar, alcançada esta fase, ocorre
cópula A partir de então, a fêmea se
ape
gada ao ninho, o que indica que está prestes
lizada a postura, o macho e a fêmea se alternam no
à botar os ovos.
e
afã de cho-
dos
nova mudança, desta feita em aves essencialmente interessadas
na incubação de ovos, incentivada pela participação na constru-
cá-los; cêrca de duas semanas depois, os filhotes saem Eds ção do ninho: os estímulos proporcionados pelo macho e ajudados
alimentá-los com “leite de papo”, segregado, pela presença do ninho e do material de construção do ninho in-
e os pais começam a
de
nessa fase do ciclo, pelo papo do pombo adulto. Depois duzem à secreção de hormônios estimuladores das gônadas pela
duas semanas dêsse tipo de alimentação, os filhotes já são pituitária da fêmea, resultando dêsse processo a disposição para
umas
capazes de apanhar a comida no chão, com
Dali
o bico, e os país prin-
pouco tempo, êstes
incubar E os estímulos que se originam da participação na
incubação, incluindo os estímulos visuais de ver a companheira
cipiam a perder o interêsse por êles. a
já estão prontos para recomeçar 0 ciclo. sentada sôbre os ovos, “faz que as glândulas pituitárias dos pom-
du-
Assinala Lehrman que as variações de comportamento bos segreguem a prolactina”,
rante todo o ciclo não são casuais, senão
fases distintas, que re- O autor conclui dêsses experimentos que as mudanças veri-
global de atividade e
presentam “mudanças notáveis no padrão mudanças de com- ficadas na atividade endócrina são facilitadas por estímulos de
acasalamento”. E as
na atmosfera da gaiola de vários aspectos do meio, que ocorrem em diferentes fases do ci-
à mudanças na situa-
portamento não se restringem a respostas
uma clo, e essas mudanças de hormônios acarretam mudanças de com-
espécie de cadeia de S-R, mas são antes
ção externa, numa portamento que são, por si mesmas, fontes de nova estimulação.
interestimula-
interação complexa de acontecimentos ambientais, Dessa maneira, temos aqui exemplificado um sistema adaptativo
exemplo,
ções de comportamento e mudanças fisiológicas (por diádico, “auto-regulador”, completo, tom circuitos de realimen-
Behavior of Ring Doves”, tação — o tipo discutido pelos modernos teóricos dos sistemas.
as Daniel S Lehtman, “The Reproductive
Scientific American, 211 (1964), 48-54. (Veja a Figura 4-2)

152 153
capacidades concomitantes introduzidas no sistema através do
Estiímulos ambientais
simbolo significante e do córtex ampliado.
Examinemos agora a concepção do processo básico de inte-
ração social implícito no modêlo do “consenso” na Sociologia
atual. Vimos, ao tratar dêsse modêlo, que, segundo o seu ponto
de vista, o sistema social estabelecido se caracteriza em função
da interação complementar de dois ou mais atôres individuais,
em que “cada qual se conforma às expectações do outro (ou ou-
tros), de tal maneira que as reações do outro às ações do ego
Sistema nervoso Sistema nervoso são sanções positivas, que servem de reforçar as suas disposi-
ções-necessidades dadas e, assim, satisfazer às suas determinadas
expectativas”. 1º Ésse ponto de vista de todo o sistema social
procede do modêlo diádico implícito que é usado. Escolhe-se um
Hormônios
Hormônios
tipo ideal de relação diádica estável — o tipo cooperativo; ou-
tros tipos — de competição, de acomodação, de conflito, e que-
Organismo 1
ad
Organismo a2
jandos — não são desenvolvidos, a despeito do fato de haverem
os sociólogos anteriores tratado longamente dêles. Não é que o
FIGURA 4-2 (Proposta por Lehrman 39) teórico do consenso não lhes reconheça a existência, mas não se
ocupa dêles sistemâticamente, como o faz com a conformidade,
resultando daí que êles não encontram um lugar confortável em
Lehrman acredita que a regulação do ciclo depende, pelo seu quadro de referência teórico.
menos em parte, de “um duplo conjunto de inter-relações reci- Dessarte, o modêlo básico em tela, de interação diádica,
procas”. Primeiro, há a relação recíproca entre os efeitos dos focaliza a “complementaridade das expectativas” de dois indivi-
hormônios sôbre o comportamento e os efeitos do comportamen- duos interagentes, cada um dos quais age em função das expecta-
to e de outros estímulos externos sôbre a secreção dos hormô- tivas relativas às prováveis reações do outro, que assim funcio-
nios Em seguida, há “uma complicada relação recíproca entre nam como recompensas ou castigos para êles Até aqui, não há
os efeitos da presença e do comportamento do companheiro sô- problema: temos uma forma simplificada do esquema de intera-
bre o sistema endócrino do outro e os efeitos da presença e do ção simbólica, de Mead. Mas o teórico do consenso conclui dêste
comportamento da segunda ave (incluindo os aspectos do seu paradigma: “Portanto, o sistema de interação pode ser analisado
comportamento provocado por êsses efeitos endócrinos) sôbre o em função da extensão da conformidade da ação do ego com as
sistema endócrino da primeira”. Em suma, temos um fenômeno expectativas do outro, e vice-versa”. !! Conquanto permaneça
aberta a possibilidade, não há, de fato, menção alguma de que
emergente: a “ocorrência, em cada membro do casal, de um ci-
clo que não se encontra em nenhuma ave isolada...” Não nos um sistema dêsses também possa ser analisado em função de um
será preciso dilucidar a estreita semelhança estrutural ou parale- padrão estabilizado de competição, acomodação ou conflito —
lo metodológico com o conceito do ato, de Dewey e Mead; nem em que prevalecem espécies muito diferentes de complementari-
será necessário observarmos as importantes diferenças substan- 40 Talcott Parsons, The Social System (Nova Iorque: Free Press of
tivas, além de notar a complexidade vastamente aumentada e as Glencoe, 1951), pp. 204.5
41 Talcott Parsons e Edward A Shils, orgs, Toward a General Theo-
15.
ry of Action (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1951), p.
3º Lehrman, “Ihe Reproductive Behavior of Ring Doves”, p. 54.
155
154
dade de expectativas. Todos êsses modelos requerem tratamento nas últimas décadas, variamente apelidada de teorias da
da “barganha”, da “negociação” e dos
“troca”
sistemático, visto que todos os padrões de interação concorrem “jogos”. Tóôdas elas po-
dem ser encaradas como representando
para compor o “estado estabelecido” da maioria dos sistemas uma tentativa de vistoriar
sociais reais. Parsons, porém, salta do modêlo diádico para a completamente a teoria contemporânea do consenso
tôrno ao fundamento sociopsicológico e a reconstrução,por
um re-
caracterização do sistema social como um todo apenas sob o as- a partir
pecto da “mutualidade de orientação normativa”, e não, por dos alicerces, de uma concepção equilibrada e dinâmica
da orga-
exemplo, sob o aspecto da mutualidade de expectativas e orien- nização social complexa. Essa vistoria promete resolver, pelo
tações competitivas, acomodativas ou conflitantes. Claro está que menos, os seguintes conflitos centrais, que estão sendo travados
não se acha aqui em discussão a necessidade de um grau signifi- hoje em dia;
cativo dessa complementaridade conformativa, mas apenas o acêr- Explicação sociologistica vs, explicação psicologística A
co de definir um sistema social sômente sob êsse aspecto. O estrutura e a cultura sociais são determinantes da ação e da inte-
que admira é que a recente erupção de contra-propostas de um tação, mas conjuntamente, por meio da estrutura situacional dessa
modêlo de conflito da sociedade ou, pelo menos, de uma resposta ação e, mais diretamente, por meio da interação da mente sôbre
mais equilibrada ao “problema hobbesiano da desordem” não se a mente. Os indivíduos possuem um córtex
tenha manifestado mais cedo. Com efeito, podemos concordar apurado e utilizam-
-no, não importa quão imperfeitamente, para tomarem decisões
com Ralph Turner quando êle observa que êsse desequilíbrio não que influem no seu comportamento e no comportamento de ou-
precisaria ter surgido se se houvesse considerado com maior aten- tros; mas a “mente” humana envolve não só o córtex,
ção o modêlo de interação de Mead, que pode
ser condicionado, mas também o “eu”, que supõe muito mais —
A teoria do papel, que originalmente retratava um processo de sendo, como o demonstraram Mead e outros, um produto social
interação tentativo e criativo, passou a ser empregada cada vez mais emergente. À recente teoria da troca de Homans 3 (e, até certo
como refinamento da teoria da conformidade, Em consegiência ponto, a exposição muito similar de Thibaut e Kelley) * cons-
disso, a teoria se tornou relativamente estéril, salvo no que concer- tituí um desafio direto e dramático ao determinismo normativo,
ne às consegúências do conflito de papéis e de outras formas de
desvio do modêto convencional do comportamento de papel. A se bem esteja sujeita a criticas como reação exagerada do extremo
assunção de papéis, entretanto, sugere um processo por meio do psicologismo. Em outras palavras, o problema do “voluntaris-
qual os atôres tentam organizar a sua interação de modo que o com- mo”, que desempenhou a sua parte na obra anterior de Parsons,
portamento de cada um possa ser encarado como expressão de uma está sendo reaberto, e de maneira significativa, pela própria ver-
orientação coerente, que tira q seu significado ou coerência do pró- são recente de Parsons da teoria da troca, tal como se desenvol.
prio caráter como forma de ombrear-se com um ou mais atôres, que
representam de maneira semelhante orientações coerentes À con- ve no debate com James S. Coleman e Raymond Bauer sôbre o
formidade com as expectações percebidas é apenas uma forma es- conceito de “influência”. t5
pecial de relacionar o desempenho de papel de um ator ao papel de
outros 2 Medêlo estrutural vs. modêlo de processo. O prognós-
'
tico de Albion Small de uma mudança da representação analógi-
ca da estrutura social para a análise real do
À Teoria da Troca processo social só

Voltamo-nos agora para um fato recente, que talvez repre- 43 George €, Homans, Social Behavior: Its Elementary Forms (Nova
sente a reorientação teórica geral mais significativa da Sociologia Torque: Harcourt, Brace & World, Inc, 1961),
*t John W Thibaute HH Kelley, The Social Psychology
(Nova Torque: John Wiley & Sons, Inc, 1959).
? Ero
of Groups
?
42Ralph H Turner, “Role-Taking: Process Versus Conformity”, em
Rose, Human Behavior and Social Processes, pp. 37-38 45 Public Opinion Quarterly, 27 (Primavera de 1963), 37.92.

156 157
agora está sendo sistemâticamente realizado na teoria
troca e nas recentes extensões do interacionismo
ênfase emprestada ao processo na Sociologia do passado poa
pténê
reconquistar terreno e uma das metas mais importantes é com
oo isto não pode ser falsamente tomado
nem pode substituíla. Já se sugeriu
tura convida à categorização, ao Passo
como teoria explanatória,
que a ênfase dada à estru-
que a ênfase emprestada
ao processo convida à explanação causal. Como
preender, em seus têrmos, a estrutura institucional. as teorias atuais da troca parecem
quer que seja,
capazes de lidar com uma equi-
librada mescla de ambas,
Consenso e conformidade vs. conflito e aberração. A Comecemos a nossa discussão da teoria da
teoria da troca abrange, explícita e sistemâticamente, os extre- troca através do
tratamento de Homans. Éle parte de dois postulados, extraídos
mos bem como as gradações intermediárias de processos e pa-

ent,
da economia elementar, e da versão de
Skinner da psicologia
drões associativos e dissociativos de interação, behaviorista Quando pombos, e presumivelmente
maioria dos grupos e sociedades complexas. O problema hobbe- pe homens, se
empenham num comportamento que é recompensado
'
siano” da desordem e a dialética marxista estão em vias de ser gado”, são condicionados para empenhar-se
ou “refor-
no mesmo compor-
repensados e reformulados. ** tamento em outras ocasiões apropriadas. O
comportamento,
nesse caso, é encarado como função do seu resultado sob
Persistência vs. mudança. O modêlo que recentemente o as-
pecto das recompensas e castigos que acarreta. O

pa
comportamento
se desenvolve não parece encontrar nenhuma dificuldade con- social se converte em troca de atividade
entre dois ou mais indi-
ceptual básica para abarcar os processos de de pa- víduos, mais ou menos compensadora
ou onerosa. Na interação,
drões, e sua mudança, dentro do mesmo quadro de referência. cada qual emite atividades
que têm como consegiiência os maio-
Não sendo a estrutura social encarada como particularmente si- res lucros — recompensas, ou unidades de
valor, menores custos
milar a uma estrutura organísmica fixa, encaixada em processos ou castigos — medidos segundo algum
padrão de justiça distri-
homeostáticos que visam irresistivelmente a preservar essa es- butiva. As recompensas não são
sempre, nem primordialmente,
trutura particular, pode ser vista agora mais claramente materiais, mas podem envolver lucros psíquicos, atividades cha-
Fam
organização adaptativa complexa, capaz de manter-se
ni
tea
justando-se às condições externas e aos seus conflitos e aberra-
ções internos normais.
madas “juízos”, cuja
aprovação social é particularmente impor-
tante. Às principais variáveis operacionais são
unidade de atividade e a quantidade dessas o valor de uma
unidades num dado
período de tempo. As proposições básicas edificadas
sôbre esta
Estrutura categórica vs. teoria dedutiva. Por fim, as base conceptual têm a
seguinte forma: “(1) Se no passado a
implicações metodológicas dos novos enfoques são iguajmente ocortência de determinada situação estimuladora foi
a ocasião em
profundas. Apenas mencionamos aqui a distinção crucial, que a atividade de um homem se viu recompensada,
sm quanto mais

oa
bém levantada por Homans à sua maneira desprendidamente di- semelhante à situação passada fôr a atual
situação estimuladora,
reta, entre a construção de um edifício minucioso pe tanto mais provável será que êle
exerça agora a atividade, al.
guma atividade semelhante”. Ou, “(2) Quanto mais ou
conceptuais, compartimentos classificadores e tal
e um plano dedutivo explanatório, lôgicamente Ea :
ein
ico
pias, dentro de certo período de tempo,
a
amiúde,
atividade de um homem re-
piricamente bem encadeado. É verdade que a Sociologia ainda se:
encontra em plena fase categorizadora de desenvolvimento, ma
compensar
tiráa
a atividade de outro, tanto mais amiúde
atividade”. 48 o outro emi-
À seguir, Homans passa a ilustrar tais
40 Recentissimamente, em Rose, org,, Human Bebavior ass d Social
i ]

corolários com pesquisas de


proposições e seus
Processes; e Peter M Blau, Exchange and Power in Social Life (Nova campo, pesquisas experimentais e
Torque: John Wiley & Sons, Ine., 1964).
47 Veja Blau, Ibid 48 Homans, Social Behavior, pp. 53-54.

158
é edifi- ticamente, a justiça distributiva se verifica quando cada uma das
muita discussão perspicaz. O que êle faz, na realidade, várias características dos seus investimentos e das suas atividades,
car (embora nem sempre por simples dedução lógica) algumas
postas em ordem de importância e confrontadas com as de outros
das construções sociológicas fundamentais, subjacentes na análise homens, caem no mesmo lugar em tódas as diferentes ordens de
dos sistemas socioculturais complexos. Entre elas figuram : influ- importância... 61

ência”, “normas”, “conformidade”, “status”, “estima”, “Justiça”, Dizemos que um homem que influi regularmente sôbre maior
“autoridade” e “igualdade”. Assim, à guisa de ilustração, o concei- número de membros do que outro possui maior autoridade do que
o outro; e ago homem que detém a maior autoridade chamamos o
to de “influência”, definido como tentativas para mudar o compor- lider do grupo. O homem logra autoridade adquirindo estima, e
tamento, procede das proposições básicas seguintes: Quanto mais adquire estima recompensando os outros .. Conseguentemente, êstes
valiosa para a Pessoa fôr a atividade (ou sentimento) que ela outros passam a reconhecê-lo como um homem que tende a recom-
obtém ou espera obter do Outro, tanto mais valiosa e frequente pensar a obediência às suas instruções, o que faz com que êles este-
será a atividade (ou sentimento) que a Pessoa dá ao Outro. Se, jam ainda mais preparados para obedecer às suas instruções em al.
guma nova ocasião 52
todavia, a expectativa não fôr realizada, não fôr recompensada
cada
pelo Outro, a Pessoa exercerá a atividade com fregiiência Isto deve bastar como amostra da teoria da troca de Ho-
vez menor.
mans. Notemos que, escorado nessa tentativa aparentemente bem
Visto que o custo da atividade da Pessoa é o valor da recom- sucedida, Homans prosseguiu, em escritos subsequentes, pro-
pensa que ela teria recebido por outra atividade, abandonada
a
emitir a primeira, a presença de atividades alternativas franqueadas
à Pessoa tende a aumentar o custo, para ela, de qualquer uma delas
curando virar Durkheim de cabeça para baixo, por assim dizer:
ao revés do que afirma Durkheim, a Sociologia é um corolário
Quanto menor fôr o lucro atual que lhe proporciona o seu com-
portamento -— isto é, quanto menor o excesso de valor em
relação
da Psicologia, e não é sequer
a psicologia do comportamento de
Mead, senão a de Skinner, “* Por serem essas proposições psico-
ao custo — tanto mais propenderá ela a mudar o próprio compor- lógicas sais gerais, sustenta êle, do que as da teoria funcional,
tamento; e muda-o de modo a aumentar o seu lucro.
49
e se passarmos das causas finais para as causas eficientes, será
possível reduzir a teoria funcional à psicologia individual A sua
O mesmo ocorre com a “estima”, o “status”, a
,
UA e a
“justiça” teoria psicológica mais geral repousa em proposições aplicáveis
“autoridade”. a todos “os homens como homens”, ou “ao comportamento dos
homens como membros de uma espécie”. *! E como êste é o
Definimos a estima da seguinte maneira: quanto maior fôr a
único tipo de alternativa para o que concordamos tratar-se de
recompensa total, em aprovação social expressa, que um homem re-
cebe dos outros membros do seu grupo, tanto maior será a estima uma teoria estrutural e funcional genérica falha, somos obriga-
em que êles o têm... A aprovação social é uma recompensa real, dos a negar que a Sociologia “possuia alguma teoria distintamen-
mas qualquer atividade (ou sentimento) pode ser um estímulo e te própria”. 95
uma recompensa, e nós empregaremos o têrmo status quando nos
referimos aos estímulos que um homem oferece a outros homens 51
Ibid,p 264
de um
(e a si mesmo)... o que os homens reconhecem a respeito 5º Ibid, p 314 Sôbre uma crítica ao emprêgo, por parte de Ho-
dos seus semelhantes. 50
ho- mans, do quadro de referência de Skinner, veja Morton Deutsch, “Homans
A troca justa, ou justiça distributiva nas relações entre os in the Skinner Box”, Sociological Inquiry, 34 (1964), 156.65.
verifica quando o lucro, ou a recompensa menos O custo, 53 George €. Homans, “Bringing Men Back In”, American Sociolo-
mens se
de cada homem é diretamente proporcional aos seus investimentos: gical Review, 29 (1964), 809-18.
Pra-
coisas como idade, sexo, antiguidade ou habilidade adquirida. 54 George €C Fomans, “Contemporary Theory in Sociology”, em
Handbook of Moders Sociology, org. por Robert E. L. Faris (Chicago:
Rand McNally & Co., 1964), p 967.
49 Ihid, pp H0-11
50 Ihid, p. 149,
63
Ibid,p 970

8 161
160
Não há dúvida de que uma posição dessa ordem provocará se possa decidir cientificamente. E Homans não está discutindo
um sem-número de contra-ataques, grande parte dos quais será a validade da teoria do nível sociológico como tal. Em síntese,
desfechada numa atmosfera de ambivalência, senão de dissonân- se alguma ciência determinada possui uma teoria distintivamente
cia cognitiva, uma vez que muita coisa dita por Homans em sua própria, não se poderá negar a nenhuma delas idêntica posse num
obra é sensata, e de grande valor para o desenvolvimento da nível diferente de realidade. A única alternativa lógica seria in-
teoria sociológica. Restringiremos nossas próprias observações sistir numa redução até à Física.
críticas a uns poucos pontos que dizem diretamente respeito à Acredita Homans que a sua teoria psicológica “se compade-
nossa tese presente. ce totalmente com a doutrina de que o comportamento humano
O que Homans quer dizer quando propõe a “redução” da é, e sempre foi, social”, e simplesmente supõe que as proposi-
teoria sociológica à teoria psicológica não é que tôdas as propo- ções gerais da Psicologia, como, por exemplo, a “lei do efeito”,
sições sociológicas contêm apenas têrmos psicológicos, senão que “não mudam quando a fonte de recompensa de uma ação deixa
algumas delas contêm alguns conceitos dessa natureza. À sua de ser, digamos, o meio físico para ser outra criatura humana”. 5º
teoria geral só é “psicológica” “no sentido de que os sistemas Ora, podemos todos concordar em que as leis da Psicologia, assim
dedutivos por intermédio dos quais explicamos o comportamento como as da Física, não cessam de operar no comportamento so-
social conteriam, completados, entre as suas proposições de ordem cial. Mas isso não quer dizer que elas sejam suficientes para
mais elevada, uma ou mais proposições que denomino psicoló- uma teoria do comportamento social. FHomans afirma que “de-
gicas”, 88 No seu entender, as explicações estruturais que encer- nominar psicológica uma explicação não implica na adoção de ne-
institui- nhum dos muitos sistemas da teoria psicológica”. *º Entretanto,
ram, pot exemplo, proposições sôbre as relações entre
ções não são explicações gerais de Sociologia porque “algumas existe muita diferença entre as leis do efeito ou do “condiciona-
proposições estruturais, embora nem tôdas, podem ser, elas pró- mento operante”, de um lado e, por exemplo, do outro, a teoria
prias, explicadas psicolôgicamente”. 7 Mas se Homans não sus- behaviorista social, proposta por Mead, da mente humana, do
tenta mais do que isso, efetivamente lhe faltarão bases para ne- eu e da sociedade Homans sugere que uma lista das proposi-
gar que a Sociologia “possua alguma teoria distintamente pró- ções psicológicas essenciais ao comportamento social incluiria as
pria”. Concedamos que, conforme a meta explanatória do cien- que dizem respeito “à maneita pela qual os próprios valôres são
tista, uma teoria sociológica possa conter um ou muitos conceitos adquitidos”, “à maneira pela qual os homens percebem as cir-
psicológicos: se êle estiver tentando explicar a ocorrência espe- cunstâncias em que agem”, e as “espécies de circunstâncias capa-
cífica do suicídio ou da delingiiência numa determinada pessoa, zes de liberar o comportamento emocional”. 8! Cumpre-nos afir-
por exemplo, precisará talvez de muitas
variáveis psicológicas, mar, entretanto, que estas não podem derivar, ao menos por en-
ainda que apenas como “variáveis intervenientes”;
98
mas se es- quanto, das leis de Skinner do “condicionamento operante”, ao
tiverem em jôgo taxas, pode ser que êle não sinta a necessidade passo que as nossas probabilidades serão muito maiores se to-
de nenhuma variável psicológica para as suas finalidades parti- marmos como ponto de partida a teoria de Mead. Mas a teoria
culares. A determinação do nível em que estamos dispostos a de Mead não satisfaz aos requisitos de Flomans para o treducio-
aceitar uma explicação como “satisfatória” não é problema que nismo psicológico, Pois o grupo e as suas características preci-
sam ser considerados lógica e empiricamente anteriores à aquisi-

o Ibid,
p. 968.
Theory in Sociology”, em Handbook of
qa
5º FHomans, “Contemporary
7 Ibid,
p. 969
Modern Sociology, pp. 969-70,
"58 Cf Alex Inkeles, “Sociology and Psychology”, em Psychology: À
Study of a Science, 6, org. por Sigmund Koch (Nova Torque: McGraw-
80 TIhid,p 967
“Hill Book Company, 1963), 317-87. et TIbid

162
ção dos valôres sociais, das tendências permanentes e das reações sentido em que a natureza dos pombos e as leis de laboratório
emocionais, ou, pelo menos, simultâneos com ela. Nenhum re- de condicionamento operante são insuficientes para uma teoria
curso à natureza comum dos “homens como homens”
lista de Homans das
é suficiente do comportamento social não planejado e de suas características
para deduzir a proposições psicológicas emergentes.
essenciais. Homans reconhece o princípio da emergência mas não pode
O psicólogo Richard Dittman afirmou que a Psicologia é a levar a sério tôdas as suas simplificações:
“ciência socialmente indiferente”, “2 que se ocupa tão só dos me- Os efeitos de composição, as maneiras pelas quais as proposições se
canismos e processos do indivíduo e do seu sistema nervoso, sem desenvolvem para produzir um resultado concreto, são muito mais
atentar para a natureza ou para o conteúdo dos acontecimentos complicados quando as ações individuais de dois ou mais homens
externos com que êles, naturalmente, interagem. Éstes últimos recompensam as ações dos outros, mas as próprias proposições não
se modificam Quando dizemos que o conjunto da vida social é
acontecimentos são supostos, mas não desempenham um papel mais do que a soma das suas partes, as ações dos indivíduos, esta-
sistemático na teoria psicológica, a qual, presumivelmente, tem mo-nos referindo apenas à: complexidade dos efeitos de composição
: . . sam 83
em mira as leis pelas quais os acontecimentos psicológicos inter-
nos se relacionam com amplas classes de acontecimentos exter- Mas é precisamente nesses “efeitos de composição” e sômen-
relacionadas: estí-
nos, tomados como categorias separadas, não te nêles que reside tôda a diferença que se pode estabelecer entre
mulos visuais ou táteis, bloqueios de metas, aprendizagem de os níveis de realidade. E não é que algumas proposições se 270-
habilidades, soluções de problemas em variadas condições, e coi-
dificam mercê dessa diferença, senão que algumas têm de ser
sas semelhantes Entretanto, quando deixamos o laboratório, acrescentadas Tóda a diferença existente entire um indivíduo
único local em que tais relações isoladas podem ser estudadas, e humano que se conforma com os padrões sociais aceitos e um
tentamos compreender o comportamento do indivíduo, descobri- cadáver de um mês está na complexidade e na dinâmica dos “efei-
mos a necessidade de organizar e sistematizar os acontecimentos tos de composição”. Observemos simplesmente que, se atentar-
externos que interagem, e interagitam, com o indivíduo. Só en- mos para os vários níveis da ciência — a Física Atômica, a Qui-
tão são as leis psicológicas capazes de prever, no meio da confu- mica, a Fisiologia, a Psicologia, a Sociologia — poderemos dizer
são de combinações especificáveis de acontecimentos externos, as
que cada qual é uma ciência dos “efeitos de composição” dos
condições que podem ser relevantes para o comportamento. Em elementos do nível inferior mais próximo, que interagem uns com
outras palavras, as classes externas de acontecimentos precisam os outros e com o seu “meio”. Dessarte, a interação de certo
ser trazidas para dentro do sistema em companhia dos aconteci- número de átomos num meio de pressão e temperatura determi-
mentos “puramente individuais”. Dito de outra maneira, uma nadas pode organizá-los no nível “químico”; certo número de
teoria viável terá de incorporar não só as leis separadas de labo- moléculas num meio biológico particular pode organizar-se no
ratório, mas também os “efeitos de composição” — as complexas nível “fistológico”; certo número de processos fisiológicos (por
interações de certo número de processos internos interdependen- exemplo, neurais) que interagem num meio externo pode orga-
tes com um complexo de acontecimentos externos inter-relacio- nizar-se em acontecimentos “psicológicos”; e certo número de
nados, que formam, juntos, um campo sistêmico. Se fôr social- entidades psicológicas que interagem num meio social pode orga-
mente indiferente, a Psicologia será, de um modo geral, ambien- nizar-se no nível “sociocultural” ou de grupo. Antes de se de-
talmente indiferente — ponto de vista que, formulado dessa ma- senvolver a perspectiva dos sistemas, talvez estivéssemos dispos-
neira, nos coloca diante de graves dificuldades. Até a nossa dis- tos a afirmar que, em princípio, cada ciência poderia ser final.
cussão do comportamento do pombo torcaz põe de manifesto o

s2 Richard Littman, “Psychology: The Socially Indifferent Science”, 88 “Contemporary Theory in Sociology”, em Handbook of Moderss
Americans Psychologist, 16 (1961), 232-36 Sociology, p. 970.

164 165
contudo, isto atuais de Talcott Parsons, ** o ponto de vista de Homans se
mente reduzida à inferior mais próxima. Agora, nos
parece sem sentido, visto que reduzila é perder a composição, apresenta como ofuscante contraste — apesar de algumas estrei-
efeitos sistêmicos de organização que estamos buscando. tas similaridades. Na obra mais recente, topamos com noções
ou os
Quando atentamos para o desenvolvimento, realizado por explícitas do investimento do ex em outros, trocas de auto-iden-
Homans, da teoria da troca vemos que êle, já de início, deixa tidades, auto-recompensas (por exemplo, o respeito próprio, o
muito para trás as espécies de leis que explicam o comportamen- realce do eu) baseadas nos conceitos de aprovação social atra-
to do pombo. De outro modo, jamais tetia conseguido chegar a ção interpessoal, influência social, e quejandos, que também se
conceitos como os de aprovação social, normas de justiça, esti- acham implícitos no esquema de Homans. Os indivíduos não
não se
ma, e assim por diante, Ele concorda em que os pombos avaliam recompensas e custos, nem tomam decisões ou fazem
utilizam de símbolos e os homens se utilizam dêles, mas não opções como mônadas independentes numa situação hobbesiana
do caminho até concordar em senão como “eus” numa matriz ou campo interpessoal de sím-
parece disposto a percorrer o resto
não os pombos, têm e consciência de si bolos pelo menos parcialmente emparelhados ou comuns e Ínti-
que os homens, e egos
mesmos e, portanto, sofrerão por longos períodos todos os tipos mos intercâmbios de informação —- tendentes a uma união mais
de privações, reforços negativos e até a morte por meros símbo- do que superficial dos elementos (originalmente
apenas organis-
los e auto-estima. Talvez possamos discutir tal comportamento mos biológicos) em mentes, personalidades e grupos sociais que
em função do “condicionamento” e da busca de proveitos. Não compartem de um destino comum. Aqui se patenteia a íntima
refutar utilidade dêsses conceitos per se, em determi- relação com o behaviorismo de G. H. Mead, muito mais do
podemos a que
nadas condições. Mas querer aplicá-los a tôda e qualquer espé- com à variedade de Skinner. E a convergência se torna ainda mais
cie de comportamento, seja êle qual fôr, por mais “altruísta” ou óbvia quando examinamos as discussões interacionistas atuais da
“egoísta” que seja, é perpetrar uma tautologia ou um truísmo. organização social como processo transacional de barganha e ne-
Esta, sem dúvida, é uma das principais razões por que o hedonis- gociação. Tudo isso discutiremos melhor no próximo capítulo.
mo egoísta do século XVIII e seu derivativo lógico, o utilitaris- *! À
Diversos outros modelos do processo básico de interação
mo de Bentham, não sobreviveram a uma análise rigorosa. precisam ser agora examinados particularmente tendo-se em vis-
revivência do famoso “cálculo felicífico” de Bentham, levada a ta as diferentes facêtas que são postas em relêvo e a maneira pela
cabo por Homans, não pode escapar aos seus erros. Exatamente qual elas tendem a encaminhar-se para a moderna concepção dos
como o pensador social insatisfeito do século XVIII pode ter-se sistemas.
voltado, à procura de equilíbrio, para a teoria da simpatia de
Hume e à Teoria dos sentimentos morais de Adam Smith (a últi-
ma das quais foi a principal responsável, não nos esqueça, pela O Modélo A-B-X de Newcomb
famosa “consciência da espécie” do pioneiro da sociologia norte-
-americana Franklin Gidding), o contemporâneo descontente pode Nos últimos decênios se registrou um número substancial
voltar-se para o interacionismo social de Mead e para as suas só- de outras tentativas paia criar uma teoria de campo ou modêlo
lidas escoras teóricas. 85 interpessoal precisos de comportamento. Entre elas figuram o
modêlo topológico de Kurt Lewin, a teoria “tinsit” (tendência
Quando examinamos as mais recentes teorias da troca, so-
bretudo as de Peter Blau, James S. Coleman, e algumas excursões em situação) de Walter Coutu, o modêlo do “campo situacional”

et Para uma discussão pertinente, veja John Plamenatz, May and 8º Blau, Exchange and Power in Social Life; James S. Coleman,
Society, 2 (Nova Torque: McGraw-Hill Book Company, 1963), 1.15. arComment on “On the Concept of Influence” ”, Public Opinion Quarterly,
ca Cf Howard Becker e Harry E Barns, Social T bought from Lore 27 ( 1963), 63-82; Talcott Parsons, “On the Concept of Influence”, Public
to Science, 2 (Nova Torque: Dover Publications, Inc, 1961), 529-38 Opinion Quarterly, 27 (1963), 37-62

166 167

mm
dois ou mais indivíduos manterem uma orientação simultânea
de Leonard S Cottrell e o modêlo A-B-X de Theodore New- um para o outro como comunicadores e para objetos de comuni-
comb 7 Embora tôdas mereçam um estudo mais atento, exa- ên- cação”. 98 O ato comunicativo é visto como “transmissão de in-
rninaremos particularmente o modêlo de Newcomb pelas suas formação, que consiste em estímulos discriminativos, a partir de
outros modelos. Ao passo
fases contrastantes em confronto com uma fonte para um recipiente”. ºº Em sua forma mais simples

quero
focaliza a metáfora econômica, a teoria dos a Pessoa A transmite informação à Pessoa B acêrca de alguma
que a teoria da troca
a metáfora do jôgo, e os modelos “dra-

amam
jogos emprega o jôgo ou coisa X. Conceito fundamental é o da coorientação, a orientação
modêlo
matúrgicos” se valem da metáfora da dramatização, o social simultânea (tanto cognitiva quanto catética) de À para B e para
A-B-X de Newcomb, como o de Mead, focaliza a interação X em forma interdependente. Dessa maneira, a transação A-B-X
comunicativos.
especificamente como um processo de atos deve ser encarada como um sistema, com certas relações definí-
Porque Newcomb define a interação ou troca
sob o aspecto veis entre cada um dos elementos e tôdas vistas como interdepen-
de atos comunicativos, somos levados a examinar os mecanis- dentes Presume-se que exista um determinado estado do siste-
do
mos sócio-psicológicos principais implícitos na organização ma quando ocorre um ato comunicativo A-B-X dêsse tipo e o
supõem os processos de ato modifica o estado do sistema (ainda que seja apenas te-
comportamento, particularmente os que simbólica
seleção cognitivos e afetivos, que só a comunicação forçando-o).
as rela-
possibilita. Somos levados a estudar a maneira pela qual sele-
O desenho esquemático básico é o da Figura 4-3, Quatro
meio da troca
ções comunicativas com outros operam por orientações são possíveis e digna de nota é a característica dinã-
comum dos obje-
tiva de informação para formular uma definição mica distintiva da inter-relação A-B em confronto com a relação
Essa ca-
tos ambientais, incluindo o seu valor de recompensa. da pessoa para o objeto: na relação A-B há um processo regene-
tôrno do pêso mais
racterística do modêlo, por seu turno, gira em rativo recíproco, ou realimentação, que reside no fundo do com-
uniforme conferido aos três cantos da transação triangular, que

o
portamento humano.
envolve a Pessoa 4, a Pessoa Be o Objeto X Ao passo que à
dêsses cantos
teoria da troca S-R tende a aceitar como certo um
do significado (por exemplo, supondo
e a contornar o problema
meio dado de troca), O
o valor para 4 ou
X

cio
B do objeto como
X (por exem-
modêlo A-B-X nos leva a perguntar como o Objeto À
certo es-
O

plo, um automóvel Cadillac, uma determinada mulher,


tilo de música ou uma resposta social particular) vem a ser so-
cialmente discriminado, definido e validado e, assim, al FIGURA 43 O Sistema A-B-X (segundo Newcomb)

coisa a qual nos orientamos simbôlicamente ou


guma para
à qual respondemos. Nessas condições, presume-se que a “coorientação” é essencial
comunica- à vida humana em vista dos fatos complementares, segundo os
Dessarte, a suposição de Newcomb é de que “a
ção entre os humanos exerce a função essencial de permitir a quais as orientações de pessoa-para-pessoa virtualmente nunca
são feitas nem sustentadas num vácuo ambiental, e as orienta-
ções de pessoa-para-objeto raro se fazem, se é que se fazem algu-
o Kurt Levin, Field Theory in Social Science (Nova Torque: Harper
of Situa-
and Row, Publishers, 1951); Leonard S Cottrell, “The Analysis
7 (1942),
tional Fields in Social Psychology”, American Sociological Revieto, es Newcomb, “An Approach”, 393
Alfred A.
370.82; Walter Coutu, Emergent Human Nature (Nova Torque:
M Newcomb, “An Approach to the Study eo Ibid
Knopf, Inc, 1949); Theodore
393-404.
of Communicative Acts”, Psychological Review, 60 (1953),
169
168
mr

trema

ma vez, num vácuo social de outros comunicantes


Às relações pensas e condicionamento. Bastará um exemplo: em certas con-
serva

A-B são quase sempre uma contingência do desenvolvimento de dições situacionais, uma das partes do sistema 4-B-X pode per-
interêsses comuns no meio, e as orientações 4-X vêm a ser defi- ceber assimetria de orientação para X, de tal sorte que qualquer
cane

nídas e confirmadas numa realidade social de outros comunican- uma de uma série de mudanças dinâmicas pode ocorrer no siste-
tes. Daí que, “Na medida em que a orientação de A quer para ma. Assim, A se vê diante de um problema:
X, quer para B, é uma contingência da orientação de B para X, que ela pode tentar resolver pelo comportamento (isto é, por
A é motivada a influir na orientação de B para X e/ou a infor- meio de atos comunicativos) e/ou pela cognição (isto é, mudando
mar-se a respeito dela”. 7º A comunicação é o meio mais comum as suas próprias orientações ou a sua percepção das orientações de
e eficaz de fazêlo e, por conseguinte, precisa desempenhar um B)... Se A tiver liberdade para continuar ou não continuar sua
associação com B, de duas uma: ou (a) alcança um equilíbrio ca-
papel central em todo modêlo de interação, cm adição a qual- zacterizado pela atração relativamente grande para B e por uma
decorrentes
quer consideração tocante às recompensas e castigos simetria percebida relativamente alta, e a associação é continuada;
do processo. ou (b) alcança um equilíbrio caracterizado pela atração relativa-
Como base nesse modêlo e na pressuposição adicional de mente reduzida para B e por uma simetria percebida relativamente
sôbre o baixa, e a associação é descontinuada 72
que existem fôrças ou “esforços” persistentes que atuam
sistema A-B-X impelindo-o para estados preferidos de “equili-
brio”, inferem-se novos postulados e proposições no que concer- Entretanto, quando 4 é coagido a continuar a associação, essa
ne às condições de “simetria” das orientações de 4 e coerção também dita os requisitos para a coorientação, agora in-
B (quer
identidade, quer complementaridade das orientações de A e B dependentes da atação “Os dados empíricos dão a entender que
para X). Sustenta-se que dessa simetria resultam vantagens — o grau em que a atração é independente da simetria varia com o
do comportamento de outros e a grau de coerção percebida (mais do que com o grau da coerção
por exemplo, a predizibilidade
validação da nossa própria orientação — de tal modo que os atos objetivamente observada )”. 7º
comunicativos conducentes à simetria tendem a ser recompensa-
dos, adquirindo assim um valor de recompensa secundário. O
postulado básico, portanto, é o seguinte: “Quanto mais vigoro- A Teoria Interpessoal da Personalidade, de Secord e
sas forem as fórças tendentes à coorientação de À em relação a Backman
BeaX,(1) tanto maior será o esfôrço de À para a simetria
de Para o estudo sociológico da organização social, para o estu-
com B em relação aX; e (2) tanto maior será a probabilidade
simetria aumentada como consegiiência de um ou mais atos co- do sócio-psicológico do comportamento social e para o estudo da
municativos”. 71 Não examinaremos as diversas proposições e personalidade utilizaram-se, como fundamento, modelos diádicos
hipóteses verificáveis que Newcomb deduz, mas nos restringize- do processo básico de interação. Secord e Backman focalizam a
a
mos reiterar o argumento de que a introdução explícita do con-
ceito da comunicação simbólica em nosso modêlo ou sistema de-
personalidade, assumindo o que muitos enxergam como uma po-
sição radical acêrca da espinhosa questão ventilada por G. H.
dutivo e, portanto, a introdução do aparelho da teoria interacio- Mead há algumas décadas — a saber, o locus da personalidade.
nista simbólica, nos permite chegar a minúcias mais finas e mais
sutis do comportamento social e da organização social do que 2 Ibid, 401.
qualquer outro esquema que utilize apenas frequências, recom- 73 Ibid Newcomb prosseguiu, a partir dêsse comêço, desenvolvendo
e utilizando êsse modêlo com minúcias esclarecedoras. Veja “The Pre-
diction of Interpersonal Attraction”, American Psychologist, 11 (1956),
70 Ibid, 395. 575.86; e The Acquaintance Process (Nova Iorque: Holt, Rinchart &
7 Ibid, 396 Winston, Inc, 19611.

171
170
7. Milton Yinger assinalou recentemente, em artigo muito
Assim, ao contrário do ponto de vista de que a personalidade bem arrazoado, que o ponto de vista de campo, radical, da perso-
não deve ser concebida como intracraniana, Gordon Allport acre- nalidade não elimina nem subestima o princípio da continuidade
êle mes-
dira que a maioria dos teóricos ocidentais — inclusive
reconheça da personalidade 7º Se reconhecermos que as várias facêtas do
mo — adota o “ponto de vista tegumentado” (embora
perfeitamente um viés ocidental pro- sistema-pessoa devem ser interpretadas como prontidão para agir,
que isso pode representar mais do que como comportamento, não haverá conflito. Há,
fundamente arraigado). 7! A sua posição conservadora, afirma
dois motivos: manifestamente, muita continuidade num complexo de tendên-
ele, se justifica por cias para agir; mas o comportamento é uma função do sistema-
(a) existe um persistente, embora mutável, sistema-pessoa no “tendência e do campo situacional, e não apenas do sistema-ten-
pela morte; (b)
tempo, claramente delimitado pelo nascimento e bem dência. Numa palavra, não se pode supor que o comportamento
temos consciência imediata do funcionamento dêsse sistema; se já pronto seja transportado na cabeça À posição de Yinger im-
imperfeito, o nosso conhecimento dêle é direto, so passo que
que
o nosso conhecimento de todos os outros sistemas externos,
incluindo plica que a extensão da continuidade da personalidade é uma
o sistema social, é defletido e, não raro,
deformado pela sua neces questão empírica, podendo-se esperar que essa continuidade varie
sária incorporação em nossas próprias percepções 75 com os indivíduos e com as condições de aprendizagem ou socia-
lizadoras. Além disso, assinala Yinger, a personalidade não é
Admite êle que o teórico da personalidade deve versar muito tão homogênea que continue como um todo unitário:
bem todos os contextos sociais situacionais a que se pode ajustar
o comportamento do indivíduo mas, ao mesmo tempo: Alguns aspectos da personalidade são mais maleáveis do que outros;
os juízos podem mudar mais prontamente do que as opiniões, as
ele não deve perder de vista — como o fazem alguns teóricos opiniões mais prontamente do que as atitudes, as atitudes mais pron-
de todos tamente do que os valôres e os valôres mais prontamente do que à
— o fato de existir uma padronização interna e subjetiva cultura
esses atos contextuais O viajante que se move de uma a auto-imagem — para colocarmos a questão em têrmos excessiva-
outra, de uma situação a outra, não será por isso uma pessoa
menos mente simples São menores as probabilidades de ocorrência de mu-
das
individual; e dentro déle se encontrará o nexo, a padronização, danças da personalidade quando as estruturas de grupo em que O
diversas experiências e associações que lhe constituem a personá- indivíduo está envolvido permanecem estáveis. 78
lidade 79
Êste último ponto nos traz ao modêlo diádico que deseja-
Existem, a nosso ver, grandes dificuldades nesse argumen- mos examinar, o de Paul F. Secord e Carl W, Backman,* Ata-
to. Não estamos muito seguros de que a “clara delimitação”, cando a suposição de que a estabilidade do comportamento é
indivi-
pelo nascimento e pela morte, ou por meio do viajante uma função apenas, ou essencialmente, de uma suposta
estabili-
dual, não incorra em petição de princípio, confundindo o orga- êles modêlo
dade da estrutura da personalidade, constroem um
nismo circunscrito pela pele e o sistema-pessoa; e estamos mais realmente interpessoal, que situa o locus da estabilidade e da mu-
caixa de Pandora
seguros de que o resto do enunciado abre uma dança do comportamento diretamente no processo de interação,
cheia de questões filosóficas cediças, que fecharemos sem mais
mais do que no individuo ou na cultura normativa. O núcleo do
delongas. Persiste ainda a questão de se saber se a “padroniza-
in-
ção interna e subjetiva” (que há de ser fisiológica) pode ser
teiramente equiparada à personalidade (que é comportamental). 17] Milton Yinger, “Research Implications of a Field View of Per-
sonality”, American Journal of Sociology, 68 (1963), 580-92
74Gordon W. Allport, “The Open System in Personality Theory”, is Ibid, 589
Journal of Abnormal and Social Psychology, 61 (1960), 30131t. 1º Paul F Secord e Carl W Backman, “Personality Theory and the
Problem of Stability and Change in Individual Behavior: An Interpersonal
15 Ibid, 308
Approach”, Psychological Review, 68 (1961), 21-33
70 Ihid
173
172
modêlo é o conjunto de relações funcionais entre os três com-
Z
meio destituído de interêsses materiais. 8! O conceito de “con-
ponentes que compõem a matriz interpessoal: (1) um aspecto do gruência cognitiva” empregado em ambos os modelos (e em ou-
autoconceito da pessoa, $; (2) a sua interpretação dos elemen- tros) pode ser visto, no entanto, como reexpressão subjetivista
tos do seu comportamento relacionados com êsse aspecto; e (3) do ponto de vista pragmatista de que os homens possuem córti-
a sua percepção dos aspectos relacionados da outra pessoa, O, ces e os utilizam para solucionar problemas -— sociais, psicológi-
com a qual está interagindo. O comportamento de qualquer cos e materiais — subjetivamente sentidos como “incongruências”
pessoa é visto em função da sua participação em certo número ou “dissonâncias”. Tais “problemas” envolvem as orintações
de matizes cambiantes dêsse tipo durante períodos variáveis de do indivíduo para si mesmo, para os outros e pata objetos am-
tempo. O componente dinâmico do modêlo é proporcionado pela bientais. Importante contribuição do trabalho recente sôbre a
presunção de que a pessoa diligencia modelar o processo de inte- congruência ou a dissonância cognitivas é a noção de que o ele-
tação de modo a lograr “congruência” entre os componentes da mento cognitivo, agindo independentemente ou em estreitíssima
matriz, sendo a “congruência” encarada como fenômeno cogniti- relação com elementos “não racionais”, é em si mesmo fonte de
vo, que envolve a experiência perceptiva dos indivíduos. Defi- tensão ou esfôrço, que afeta o comportamento. Dessa maneira,
ne-se o estado de completa congruência entre os componentes as noções simplistas de “racionalidade” e “não racionalidade” es-
“quando os comportamentos de $ e O supõem definições do eu tão sendo proveitosamente argúidas.
“0
congruentes com aspectos relevantes do autoconceito. Baseados no seu modêlo, Secord e Backman propõem uma
Assim sendo, existem importantes similaridades e diferen- teoria da dinâmica da personalidade e da estabilidade e da mu-
ças entre as ênfases dêste modêlo e as do modêlo de Newcomb, dança do comportamento. Alguns dos seus princípios di-
Em primeiro lugar, observamos a explícita incorporação do eu zem respeito aos processos de lograr e manter estados “con-
ou do autoconceito no modêlo, e o que é ainda mais importan- gruentes” no indivíduo Vários dêles são semelhantes aos
te, a inclusão do mecanismo dinâmico central da “reflexividade”, que decorrem de modelos totalmente diversos, como, por exem-
de Mead, baseado no fato de nos tomarmos como objeto e, por- plo, a teoria da mudança. Assim: (1) a pessoa tende a repetir
tanto, sermos capazes de interpretar nosso próprio comportamen- os encontros interpessoais anteriormente congruentes; (2) a pes-
to por essa perspectiva. À explícita inclusão dessa característica soa envolvida numa matriz não congruente tenderá a imprimir-
no modêlo 4-B-X de Newcomb complicaria, mas enriqueceria, a lhe um sentido mais congruente; (3) duas pessoas em “con-
estrutura e a dinâmica daquele sistema, se bem uma observação gruente” interação uma com a outra tendem a fomentar o afeto
mais detida do emprêgo do modêélo por Newcomb nos mostre mútuo e a perpetuar a interação. Se substituímos a palavra
que a “reflexividade” está implícita na sua análise e é, de fato, “congruente” pela palavra “recompensadora”, teremos as típicas
essencial a ela. Em segundo lugar, o modêlo de Secord e de proposições de troca, de Homans, e a questão passa a resumir-se
Backman não incorpora explicitamente, por outro lado, os obje- nas vantagens teóricas de um dêsses conceitos sôbre o outro, À
tos ambientais e as orientações dos atôres para êles; além disso, nossa discussão dá a entender que o conceito de recompensa nos
presume a função seletiva da comunicação per se. Incluindo ex- impele a arrimar-nos a uma simples “Jei do efeito” e, dessa for-
plicitamente os objetos ambientais — objetos e interêsses mate- ma, à contornarmos a riqueza explanatória essencial da dinâmica
riais — o modélo A-B-X dá lugar à consideração do importante
papel dos elementos não normativos, ou a “base material” da
ação social, demolindo assim a presunção de que os padrões so- 81 Cf David Lockwood, “Some Remarks on “The Social System nx» +

ciais são produtos arbitrários do eu e do outro, gerados num British Journal of Sociology, 7 (1956), 134-46; Reinhard Bendix, Max
Weber: An Intellectual Portrait (Nova Iorque: Doubleday & Company,
Inc, 1962), especialmente as páginas 41-48 e o Capítulo 15; e, natural-
80 Ihid, 23. mente, os exames d> problema levados a cabo por Karl Marx.

174
comunicativa do eu e do outro, a que nos conduz o conceito de mente se esforça por manter não é um conjunto de traços ou de
“congruência”, hábitos, senão matrizes interpessoais “congruentes”. Em con-
Tratando do problema da estabilidade das relações interpes- dições de pronunciada mudança nessas matrizes, como acontece
soais, Secord e Backman alvitram certo número de processos que quando uma pessoa passa de uma classe social pata outra muito
tendem a contrariar as tendências sempre presentes para a mu- diferente, pode-se esperar uma significativa mudança na esttutu-
dança, nascidas do desdobramento normal de carreiras, das mu- ra e no comportamento interpessoais. Se tal concepção parecer
danças fortuitas de situação ou das pressões sociais. Alguns dêsses demasiado radical, poderá ser temperada por considerações como
a de Yinger, a saber, que os vários níveis de funcionamento da
processos de estabilização operam através da transformação de
O, o outro, na matriz interpessoal, como, por exemplo, pela in- personalidade exibem graus diferentes de resistência à mudança.
A idéia geral, todavia, parece estar conforme, ao mesmo tempo,
teração seletiva outros, pela avaliação seletiva de outros,
pela comparação seletiva com aspectos de outros, ou pela falsa com uma teoria sólida e dados substanciais, e terá de aguardar
percepção de outros. Outros processos de estabilização operam novas comprovações empíricas antes de poder ser posta de lado.
em função de uma transformação de $, o eu ou o comportamento Para as finalidades presentes, nós a encaramos como importante
da pessoa, pela apresentação seletiva do eu para se equi- contribuição à sistematização da teoria social intetacionista. 83
parar à percepção dos outros pelo eu, ou pela falsa interpre-
tação do próprio comportamento do eu para lograr “congruência”,
Chamamos aqui a atenção, se fôr necessário, para a extensão em À Teoria Comportamental da Comunicação, de Aclkoff
que essas concepções repousam implicitamente no conceito da
“função seletiva” da comunicação e do significado, já discutido, Abordamos, finalmente, mais um modêlo explícito — a teo-
e que, até certo ponto, se acha incorporado no modêlo de ria comportamental da comunicação, de Russell Ackoff. 't! Em-
Newcomb. bora não se trate especificamente de um modêlo de interação so-
cial per se, assume particular interêsse como articulação concisa
Finalmente, o modêlo de Secord e Backman explica a mu-
dança no eu ou na personalidade em função de um processo de de muitos fatôres que atuam nos outros modelos já discutidos,
três fases: (1) a existência de uma “incongruência” na matriz in- com especial atenção para os mecanismos gerais por cujo inter-
médio a comunicação é mediadora “do efeito de uma mente
terpessoal; (2) a formação de nova matriz “congruente”, envol-
vendo um componente mudado do eu; e (3) o ajustamento das sôbre outra”. Ackoff tenta tornar operacional essa noção por
meio de uma definição formal dos elementos do comportamento
outras relações sociais relevantes afetadas pelas mudanças. Des-
sarte, a mesma série de processos interpessoais envolvidos na no “estado intencional” do indivíduo Sem tentar endossar-lhe o
estabilização da matriz interpessoal está envolvida na explicação formalismo, podemos afirmar que êsses elementos de comporta-
da mudança do eu. E isso deverá ser assim, se o locus da perso- mento incluem: (1) a existência, pelo menos, de dois cursos de
nalidade residir no processo interpessoal. Afirma-se que a per- ação alternativos ao alcance do indivíduo em seu meio; (2) pelo
sonalidade só permanece estável quando se compadece com um
processo “congruente”, em evolução, de interação, e o fato de st Especialmente pertinente também é o livro de Anselm Strauss,
manter a maioria dos indivíduos uma personalidade estável “é Mirrors and Masks (Nova Iorque: Free Press of Glencoe, Inc, 1959).
função do fato de ser o comportamento de outros em relação aos 81 Russell L. Ackoff, “Towards a Behavioral Theory of Communi-
indivíduos em aprêço, por via de regra, absolutamente compati- cation”, Management Science, 4 (1957-1958), 218-34, Veja também Donald
vel com essa manutenção” *? Em suma, o que a pessoa normal- M. Mackay, “Towards an Information-Flow Model of Human Behavior”,
British Journal of Psychology, 47 (1956), 30-43; e “Operational Aspects
of Some Fundamental Concepts of Human Communication”, Syuihese, 9
s2 Secord e Backman, “Personality Theory”, p 29. (1954), 182.98

176 177
menos dois dos cursos de ação objetivamente disponíveis são,
tomada de decisão c a influência do outro. O que mais uma vez
subjetivamente, escolhas potenciais do indivíduo (a que se po- se põe em relêvo é a natureza dinâmica, sistêmica, da interação
dem atribuir, tedricamente, probabilidades); (3) êsses cursos de comunicativa, e a natureza dos mecanismos por cujo intermédio
ação potenciais têm alguma efetividade (“eficiência”) na produ- as mudanças de estado do sistema são funções especificáveis da
ção de um resultado ou objetivo (também definível em função de natureza seletiva da informação. E a natureza inerentemente
probabilidades); e (4) o resultado tem algum valor para o indi- probabilista do modêlo proporciona um ponto de partida espe-
víduo (negativo ou positivo). Ackoff define, a seguir, a nature- cialmente sugestivo para aquêles que se disponham a seguir a
za da comunicação. Uma mensagem se define como um conjun- concepção de Max Weber, segundo a qual só se pode conferir
to de “sinais” (ou símbolos) que significam alguma coisa para significado às relações sociais em função da probabilidade de vir
alguém, isto é, que produzem respostas a coisas outras além dêles a ocorrer uma ação social significativamente orientada de deter-
mesmos. Existe comunicação entre À e B quando B responde a minada espécie.
um conjunto de símbolos escolhidos por 4, que se acha em “es-
tado intencional”. A definição pretende implicar que 4 pode
comunicar-se consigo mesmo; e que, como emissor, talvez não A Teoria dos Jogos
pretenda nem deseje comunicar-se com um receptor a fim de fa-
zê-lo de fato, (Vale notar que essas definições estão muito pró- Antes de rematar esta seção, precisamos fazer menção da
ximas das de MacKay e de outros, já discutidos.) “teoria dos jogos” como um enfoque que se diria intimamente re-
Tôdas essas definições são, a seguir, organizadas numa con- lacionado com as espécies de modelos que temos discutido. Em
ceptualização do ato comunicativo. Em geral, o recebimento da sentido restrito, a teoria dos jogos pode ser vista como tentativa
comunicação envolve uma mudança em algum aspecto do “estado para desenvolver modelos do processo básico de interação, tenta-
intencional” do receptor. A mudança, ou mudanças, pode ocorrer tiva que nos interessa de maneira muito especial porque focaliza
em um ou mais dentre os seguintes: (1) as probabilidades de es- o fim descurado do contínuo das relações sociais, a saber, o con-
colha associadas aos possíveis cursos de ação; (2) as eficiências flito. Rigorosamente falando, porém, a teoria dos jogos é um
dos cursos de ação em relação ao resultado, ou resultados, ou ao ramo da Matemática que trata apenas da estrutura lógica dos jo-
objetivo, ou objetivos; (3) o valor, ou valôres, do resultado, ou gos ou situações de conflito em que certos parâmetros podem set
resultados; ou (4) novos cursos de ação que venham a ser pos- claramente definidos e quantificados Como sustentou recente-
síveis para o indivíduo. Nessa base, Ackoff decompõe a comu- mente Anatol Rapopott, ** a teoria dos jogos não pode ser in-
nicação em três componentes: a transmissão de informação, de terpretada como teoria descritiva —— ramo da ciência do compor-
instrução e de motivação. Destarte, a comunicação ou mensagem tamento, nem é mais do que parcialmente uma teoria normativa
que modifica o número dos cursos potenciais de ação, ou as pro- do conflito racional. Antes pelo contrário, ela abstrai totalmen-
babilidades de escolha dêles, informa; a comunicação que muda te a estrutura dos acontecimentos do seu conteúdo e descreve
as eficiências das escolhas em relação aos resultados desejados, essa estrutura em têrmos matemáticos. O êxito da teorias dos
instrui; e a comunicação que altera os valôres do resultado, ou jogos como teoria normativa reside sobretudo na sua habilidade
resultados, e, por êsse meio, a base da escolha entre êles, motiva. em especificar e ministrar soluções para o jôgo “a duas pessoas
Ackoff prossegue aventando medições em função da teoria com soma nula”. Mas a esfera de aplicação dêsse modêlo está
da informação, que não discutiremos aqui. De especial interêsse
para nós é a extensão em que êle definiu, em têrmos de compor- 85 Anatol Rapoport, “Game Theory and Human Conflict”, em The
tamento, a função seletiva da comunicação, ligando-a às noções Nature of Emuman Conflict, org por Elton B McNeil (Englewood Cliffs,
de intenção, valor, percepção de ações alternativas, escolha ou N. J: Prentice-Hail, Inc. 1965), Capítulo 10.

178 179
circunscrita a situações em que: (1) duas partes entram em con- o aventou recentemente Jessie Bernard, é, na essência, uma psi-
flito sôbre interêsses completamente opostos, de tal sorte que cologia social interacionista. ** Em lugar de focalizar tão-sômen-
se exclui qualquer coincidência de interêsses e, portanto, quais- te a estrutura lógica do jôgo, Schelling analisa a “estratégia” da
focalização do conflito na interdependência das decisões ou esco-
quer coalizões; (2) a racionalidade dos jogadores pode ser pres-
sumida e definida sem ambiguidades; e (3) a situação é de fato lhas de ação dos adversários, chegando, assim, ao conteúdo sócio-
um “jôgo”, definido de tal maneira que (a) dois ou mais joga- psicológico do processo de conflito. Nessas condições, o melhor
dores (b) têm uma série de escolhas de “estratégias”, (c) com curso de ação de À depende das suas expectativas de comporta-
conhecimento de todos os resultados possíveis de tôdas as possi- mento de B e da capacidade de A de influir na escolha das ações
veis combinações das escolhas de estratégia e (d) uma prefe- de B influindo nas expectativas de B quanto à maneira por que A
rência por determinados resultados, que pode ser ordenada num: agirá ou reagirá. Isto, evidentemente, nos traz de volta à mesma
escala de intervalos. Observa-se, de um lado, a estreita corres- problemática encontrada nos outros modelos de interação, em
pondência entre êsses conceitos e os de Ackoff, ou os da teoria que a dinâmica da intercomunicação ocupa o centro das coisas.
ca troca, mas a natureza estática do modêlo dos jogos, por outro Parte da análise, de fato, é uma teoria da barganha ou da troca,
lado, se revela claramente numa comparação dêsse gênero. À que reconhece a intricada mistura de interêsses comuns e con-
dinâmica da comunicação entre os “jogadores” — que vincula tlitantes na grande massa do comportamento social, quer se trate
de uma amizade pessoal, quer se trate de uma guerra fria políti-
o “jôgo” a um sistema de variáveis interdependentes e mutáveis
e lhe confere a verdadeira natureza do comportamento social — ca. Uma das mais importantes dentre as muitas concepções en-
não existe. contradas no estudo de Schelling talvez seja esta sugestão de que
a teoria da estratégia não discrimina entre o conflito e o interêsse
À proporção que a teoria dos jogos se estende além do mo-
comum ou a cooperação; dessa maneira, pode abarcar tôda a
délo “duas pessoas, soma nula” para abranger questões de for-
gama das relações sociais normais. A teoria degenera, sustenta
mação de coalizão, comunicação entre os jogadores, cooperação êle, nos dois extremos — a completa ausência de interêsses co-
e conflito, e conceitos como o da barganha, da confiança mútua muns ou possiveis acomodações, e nenhum conflito e nenhum
e das justas recompensas coletivas, vamos deixando o terreno em
problema de identificação e alcance de metas comuns.
que a Matemática é pura, as soluções são únicas e a racionalida- Outra contribuição importante, que devemos mencionar
de é claramente definível Pois o teórico dos jogos só inicia o
aqui, é a discussão de Schelling sôbre o difícil conceito de “racio-
seu trabalho depois de terem sido especificadas as regras do jôgo
i

nalidade”, conceito problemático não só na avançada teoria dos


e as hierarquias de utilidades ou de valor, que definem as recom-
Í

A gênese do conflito, suas características sociopsicoló- jogos, mas na maior parte das outras teorias do comportamen-
pensas.
to. 87 Schelling aceita o pressuposto de racionalidade como uma
i

gicas e o seu cenário sociocultural estão além da esfera da análi-


se. É fácil aceitarmos a sugestão de Rapoport, segundo a qual o primeira aproximação da teoria — como referência de nível, com
valor da teoria dos jogos pata a ciência do comportamento tem a ajuda da qual se podem avaliar cursos alternativos de compor-
residido exatamente em suas fraquezas: ao desvelar a estrutura
básica das situações de conflito, obrigou a atenção a focalizar as 8% Thomas €. Shelling, The Strategy of Conflict (Cambridge, Mass.:
presunções e “dados” não especificados do modêlo — a psicolo- Harvard University Press, 1960); Jessie Bernard, “Some Current Con-
gia social, o problema da comunicação e a questão dos valóôres. ceptualizations in the Field of Conflict”, American Journal of Sociology,
70 (1965), d$2-54
Considerações como estas, evidentemente, concorreram para 87 Veja também a relevante dissertação de Herbert A. Simon, “Eco-
a acolhida entusiástica dispensada ao estudo de Thomas C. Schel- nomics and Psychology”, em Psychology: Study of a Science, 6, Org. por
ling sôbre a estratégia do conflito — estudo frequentemente va- Sigmund Koch (Nova Iorque: McGraw-Hill Book Company, 1959), mor-
zado em têrmos da teoria dos jogos, mas que, na realidade, como mente as páginas 709.18

180 181
tamento Mas assinala que êsse emprêgo é capaz de elucidar a Zi À orientação para os objetos ambientais é
uma contingência da
“projeção” cortical do meio, feita pelo indivíduo, num conjunto
natureza multidimensional da “irracionalidade” (e, portanto, da de “prontidões-para-agir” alternativas e uma contribuição
“racionalidade” ). Dessarte, a irracionalidade pode significar uma essa projeção -— processo que se denomina aprendizagem. Mas
para
escala desordenada ou inconsistente de valor ou de utilidade, ou tal orientação raro se verifica num vácuo social,
um cálculo falho de alternativas ou resultados, ou a incapacidade A orientação para outros indivíduos (e grupos) é
de receber mensagens ou de comunicar-se eficientemente, ou ain- contingência
de uma projeção similar dêsses outros e seus
gestos e ações
da a presença de influências aleatórias na tomada de decisão ou catacterísticas, bem como uma contribuição para tal projeção,
de “ruído” na transmissão da informação Ou pode refletir, e, consegiientemente, uma projeção dos nossos próprios senti-
mentos e ações, e do nosso eu, num conjunto de atitudes e opi-
pura e simplesmente, a natureza coletiva do processo de tomada niões alternativas — processo denominado de socialização,
de decisão entre vários indivíduos e subgrupos, suas organiza- que,
embora envolva a aprendizagem, depende de um nível mais ele-
ções, valôres e sistemas de comunicação. Em função de um mo- vado de dinâmica, suficiente para produzir uma diferença
qua-
dêlo de sistema, se a racionalidade fôr uma característica do com- litativa entre o comportamento animal e o comportamento hu-
mano. Essas diferenças envolvem a autoconsciência, a
portamento, e o comportamento fôr uma função decorrente de repre-
certo número de componentes do sistema, a racionalidade ou a patação e a comunicação simbólicas e a orientação passada e
tura
irracionalidade podem ser função de um ou mais dêsses compo- Esse sistema de componentes é mediado em função de
um con-
nentes: cálculo de alternativas e resultados; escalas de preferên- junto mais ou menos comum de símbolos pelo menos parcial.
cia; elos de comunicação e sistemas simbólicos; concepções do mente projetado contra as alternativas potenciais de ação do
eu e dos outros; e quejandos. Essa é a espécie de coisa implícita indivíduo, de tal sorte que a comunicação atua como dispositi-
vo seletivo, que suscita a cognição, a emoção, o valor e, dêsse
no fecundo pronunciamento de Peter Blau, segundo
“Administrar uma organização social de acôrdo com critérios pu-
o
qual
modo, respostas de comportamento, que podem relacionar-se a
objetos ambientais, a si mesmo, a outros ou à qualquer com-
ramente técnicos de racionalidade é irracional, por ignorar os binação A comunicação simbólica ocorre no interior dos pro-
aspectos não racionais da conduta social”.
88 cessos mentais de qualquer indivíduo, bem como entre indivi-
duos. A função seletiva da comunicação é demonstrada nos
À guisa de recapitulação, convém repor em destaque as se- conceitos importantes da percepção seletiva, da definição sele-
guintes características básicas do processo de interação: tiva e da interação e comportamento seletivos A comunicação
entre individuos, bem como a orientação para a informação
1. O modêlo básico de interação deveria incluir, pelo menos, Os proveniente do meio físico, não podem ser mais efetivas ou
seguintes componentes: a. O indivíduo biológico, seus impul- significativas do que o grau de projeções comuns dos conjuntos
sos inerentes à ação, o seu conceito de si mesmo
consciência; b.
e a sua auto-
os objetos ambientais de relevância ou inte-
relevantes de variedade Os processos de tomada de decisão,
de orientação do grupo de referência, de assunção e desempe-
rêsse potenciais para êle; e c. outro indivíduo semelhante- nho de papéis, e outros, fundam-se nas considerações acima
mente dotado Tais componentes estão intimamente ligados
A interação comunicativa entre indivíduos, ao lado das suas
uns aos outros por d. intercâmbios de comunicação e informa-
concepções de si mesmos e da situação ambiental, constitui um
ção para constituir um sistema adaptativo complexo — não
sistema, cujas fôrças propulsoras são variamente analisadas e
apenas um sistema de equilibrio ou homeostático — que opera descritas. Os teóricos falam em função de: barganha
como um processo ou transação em curso, que está continua- e troca
de coisas e acontecimentos recompensadores (teoria da troca);
mente gerando, mantendo ou alterando significados e padrões
de comportamento, aos quais afixamos vários rótulos (por exem- cooperação normativa ou sujeição a expectativas estabilizadas
plo, cooperação, conflito e competição). (teoria do consenso); manutenção da congruência de relações
em condições de mudáveis matrizes interpessoais (modelos de
Newcomb e Secord e Backman); comunicação de informação,
instrução ou motivação numa reunião de mentes intencionais
ss Veja Peter M, Blau, Burcascracy in Modern Society (Nova Iorque: (modélo de Ackoff); superestimação de recompensas ou estraté-
Random House, Inc., 1956), p 58. gias de jôgo (teoria dos jogos e da estratégia); ou encareci-

182 183
mento do eu na apresentação do indivíduo diante de auditórios
no palco da vida (modelos dramatúrgicos). Cada um dêles diz
respeito a um ou mais de um aspecto importante da dinâmica
do sistema; algumas metáforas são mais frouxas, menos amplas
ou mais estáticas do gue outras.

Repetindo, seja qual fôr a metáfora ou a conceptualização


empregada, estamos lidando com um sistema de componentes in-
terligados, que só podem ser definidos em função das inter-rela- 5
ções de cada um dêles em um processo de desenvolvimento em
in-
curso, que gera fenômenos emergentes — entre os quais se A ORGANIZAÇÃO E SUA GÊNESE:
cluem os que denominamos estrutura institucional. A seguir,
examinaremos as conceptualizações dêsse processo morfogênico
além do nível diádico. 2 — PAPÉIS E INSTITUIÇÕES

Ao saltarmos dos microprocessos de relações interpessoais


para uma organização social de escala mais ampla, ou estrutura
“institucional”, caminhamos para um problema central da teoria
sociológica. As discussões dos microprocessos são feitas tipica-
mente, e muitas vêzes por necessidade, na presunção de um vácuo
estrutural social circundante. Apresentada a orla estrutural, sur-
ge a questão fundamental de se saber como, e até que ponto, ela
engole e “determina” os processos interpessoais e, na realidade,
o que significa dizer isso. Grande parte da teoria sociológica
dá um salto meio abrupto dos processos diádicos e de pequenos
grupos para “instituições”, a par com a suposição da manuten-
ção e estabilidade estruturais não problemáticas escoradas no
consenso normativo, na autoridade legítima, nos valôres comuns,
na interiorização dos papéis através da socialização etc. Como
vimos, a dinâmica dos processos interpessoais e intergrupais ten-
deu, por isso mesmo, a perder-se numa confusão de terminologia
estrutural e de categorização estática. As reações cada vez mais
fortes contra essa tendência, porém, conduziram recentemente à
completa revisão do enfogue metodológico e da conceptualização
da organização social, As recentes teorias da troca, de Homans
e Blau, por exemplo, devem ser vistas a essa luz. Não foi por
acaso que êles voltaram ao princípio, começando do nada com o
processo básico de interação, o problema hobbesiano da ordem e
da desordem, o problema maquiaveliano da fé e da moral, o
“cálculo felicífico” de Bentham e as leis do lucro e da perda pri-

184 185
vada de Adam Smith. Parece que a tentativa de Parsons de har- lo supõe um sistema em curso de componentes interagentes com
monizar êsses fantastas com a “teoria da ação social” não foi to- uma fonte interna de tensão, o conjunto empenhado em contínua
talmente feliz. transação com o seu variegado meio externo e interno, de modo
Tornou-se manifesto que precisamos pôr em dúvida não só que êste último tende a tornar-se seletivamente “mapeado” de
o ponto de vista de que a estrutura institucional é “apenas” asso- alguma forma em sua estrutura (por exemplo, como informação
ciação pessoal em grande escala, mas também, por outro lado, codificada, como significados e como tendências para agir de cer-
que a estrutura institucional “modela” a situação da ação bem tas maneiras). Esse processo adaptativo envolve, assim, uma
como da personalidade, até o ponto de determinar o comporta- fonte de variedade da qual se pode sacar certo número de meca-
mento além de um resíduo mínimo de escolha e tomada de deci- nismos seletivos que selecionam e põem à prova essa variedade
são, que é único e inovador. À questão parece ser principalmente ambiental de acôrdo com alguns critérios de viabilidade, e pro-
de conceptualização e de uso (e abuso) de terminologia. Não cessos que tendem a ligar e perpetuar a variedade escolhida du-
deixamos o terreno da ação e da interação — do processo de rante certo espaço de tempo. À continua mudança do ambiente
associação e dissociação — ao entrarmos na esfera “institucio- e do meio interno assegura a continua “ciclização” do processo,
nal”, se bem as relações e intercomunicações se tornem mais su- acarretando com muita frequência, uma acumulação de complexi-
jeitas, mais indiretas, mais complexas e diferenciadas. Nem dei- dade estrutural e processual. À estrutura de um sistema dessa
xamos a esfera institucional quando focalizamos até as formas natureza é vista, assim, em função de conjuntos de ações alter-
mais superficiais da sociabilidade -—— como Simmel e muitos in- nativas, ou tendências para agir de certas maneiras, associadas
teracionistas sociais tão bem o demonstraram. O problema pte- aos componentes e às coerções que especificam ou limitam as
sente consiste em especificar e conceptualizar os processos e me- ações alternativas. À gênese da organização é, portanto, a gera-
canismos por meio dos quais as estruturas associativas ou ma- ção dêsses conjuntos de alternativas e das coerções que as
trizes de comunicação mais complexas e indiretas provêm de pro- definem.
cessos associativos padronizados menos complexos e menos in- O sistema sociocultural deve ser encarado como organiza-
diretos — a maneira pela qual os primeiros, por um processo de ção complexa, adaptativa, de componentes, Procura continua-
realimentação, ajudam a estruturar os últimos; e a maneira pela mente “mapear” a variedade do seu meio externo através da
qual cada um dêles pode interagir continuamente para ajudar a ciência, da tecnologia, da magia e da religião, e o seu meio in-
manter ou a mudar o outro. terno através da compreensão, dos simbolos, das expectativas,
das normas e dos valôres comuns A diferenciação social, as
PROCESSO MORFOGÊNICO: GERAIS
diferenças individuais e subgrupais, a experiência, a investigação,
O CONSIDERAÇÕES
a renovação dos componentes e a difusão cultural, ministram um
Estamos afirmando que o modêlo abstrato do processo mot- fluxo de variedade potencialmente usável. A fonte interna de
fogênico nos sistemas adaptativos complexos (anteriormente des- dinâmica pata o processo em curso é a continua geração de vários
crito) constitui um quadro de referência muito geral, dentro do graus de tensão, “pressão” ou “torção”, dentro dos componen-
qual se podem organizar inúmeras conceptualizações correntes da tes interagentes e entre êles; hoje está sendo reconhecida essa
gênese, da manutenção ou da mudança da estrutura social. Quer tensão como característica inerente e essencial de tais sistemas.
tentemos compreender o processo pelo qual as modernas institui- Certo número de mecanismos seletivos psicológicos e sociais vem
ções ocidentais evolveram da decadência do anciem régime, quer sendo agora conceptualizado e estudado, principalmente sob as
busquemos entender a mais recente institucionalização das rela- tubricas de tomada de decisão individual e de grupo, interação
ções entte a administração e a mão-de-obra, êsse modêlo parece seletiva, percepção e avaliação seletivas e orientações seletivas
abranger a dinâmica comum implícita Lembremos que o modê- para normas, valóres, assistências e gtupos de referência.

186 187
A análise dos indivíduos interagentes que forcejam por man- total, Dessarte, a estrutura total deve ser vista como gerada não
só pelas regras e decisões limitadas, que canalizam os vários atô-
ter “congruência”, equilíbrio, simetria ou “consonância” con-
siste, essencialmente, em estudos dos fatôres psicológicos e socio- res tomados separadamente, mas também pelas interações e aco-
psicológicos implícitos nesses mecanismos seletivos. À estima e modações em curso dêsses componentes, na medida em que êles
o prestígio, a autoridade e o poder, a proficiência e a liderança entram em conjunto. Esse princípio é parcialmente reconhecido
estão sendo encarados também como mecanismos de seleção so- em Sociologia quando dizemos que as normas e papéis de um
cial, fundamentais que são para a tomada de decisão intergrupal; grupo só podem especificar, quando muito, uma gama de com-
isto é, fundamentais para a seleção do conteúdo da comunicação portamentos esperados ou aceitáveis, e é dentro dessa gama que
e das rêdes de interação, do aparelho de feitura de regras, dos se registra grande parte da dinâmica essencial da sociedade,
cenários ecológicos e planejamentos físicos etc., todos os quais Ficou também reconhecido no conceito de MacIver de “conjun-
trabalham para canalizar ações, atitudes, comportamento coletivo tura social”: os padrões institucionais são a resultante de grande
e decisões. número de linhas de ações individuais ou grupais, dirigidas para
várias finalidades ou propósitos, que se cruzam, correm paralelas
Nessa base ocorrem a gênese e a cristalização das novas es-
umas às outras, convergem e divergem entre si, de tal sorte que
truturas sociais e psicológicas, às vêzes gradativa, às vêzes abrup- o produto total só se harmoniza parcialmente com quaisquer pla-
tamente, com maior ou menor intenção consciente e deliberada, nos ou intenções originais. Que muitos dentre nós tendamos a
tomando lugar às vêzes dentro da organização institucional exis-
equiparar o produto final às intenções iniciais deve-se, provâvel-
tente e, às vêzes, começando de processos coletivos relativamen-
mente, em grande parte, à nossa observação limitada e seletiva e
te não estruturados fora das esferas institucionais. À institucio- à nossa tendência para confundir a verbalização idealizada e a
nalização dos sindicatos trabalhistas ou da moderna emprêsa são
Estruturas sociais de matrizes interativas pas- representação simbólica com a realidade sociocultural. Inúmeras
exemplos disso.
estruturas institucionalizadas, como a opressão racial, o crime ins-
sam a ser edificadas ou reorganizadas diferencialmente e tendem titucionalizado ou as classes sociais devem ser encaradas, não como
a reforçar e perpetuar as percepções, interpretações e decisões
O aparelhamento institucio- consegiiências inevitáveis da operação do sistema social como tal,
seletivas, oriundas das transações
senão dos determinados mecanismos seletivos e perpetuadores
nal — símbolos, rêdes de comunicação, arranjos ecológicos e
esteios materiais — é construído gradativa ou rápidamente, mas que lhe caracterizaram a operação passada.
À estrutura nunca se mantém a si mesma; é necessário um
sempre de maneira seletiva, para ajudar a canalizar certas per-
cepções, ações e interações, e excluir outras. Os instrumentos de constante dispêndio de energia de alguma espécie para manter
coerção direta, naturalmente, desempenham amiúde um papel em “estado constante” qualquer sistema aberto. As discrepân-
central, pelo menos até que se efetivem os processos mais lentos cias ou exigências de uma espécie ou de outra conduzem ao re-
de persuasão, socialização e renovação dos membros, Dessa ma- mapeamento e à reorganização contínuas. Isso significa que tôda
neira são geradas as organizações e instituições complexas — in- e qualquer estrutura social não só deixará, até certo ponto, de
clusive as que têm uma base sólida e não deformada de legitimi- definir, especificar ou ministrar adequadamente algumas exigên-
dade, as que são em grande parte não legitimadas e até as que cias ou acontecimentos não estruturados, mas também que ela
podem ser ponderosamente ilegítimas. mesma gerará efetivamente tais exigências: conflitos de interêsse,
Um princípio cuja importância avulta no estudo do processo
padrões ambíguos, discrepâncias de papel e incapacidade de al-
social morfogênico é o de que a quantidade de informação dispo- cançar metas.
nível como base das ações ou decisões seletivas dos indivíduos Num sistema aberto, portanto, a “operação normal” das
num sistema complexo nunca é suficiente para especificar mais suas instituições gera constantemente uma entrada de variedade
do que as regras gerais ou os contornos mais amplos da estrutura e torções, contribuindo, dessa maneira, para um processo con-

188 189
e
reorganização. E não só lidade e na quantidade de certos tipos de relações sociais, al

tinuo de “elaboração de estrutura” e


sistema dessa natureza, mas ções nas inter-relações de subgrupos ou subculturas, a
espécie de
mente tais entradas são normais num
contrôle social em operação e a natureza da coesão social. ds im
também são características inerentes, que concorrem para à sua sociedade
surgiu a longa progressão de classificações analíticas: iza.
viabilidade, muito embora não a garantam. militarista-industrial, solidariedade mecânico-orgânica or
ção social da Comunidade-Sociedade (ou de
A INSTITUCIONALIZAÇÃO folk-urbana, sacra-secular, universalista-particularista etc | E le
roce o
gos entre êsse nível estrutural de análise e o nível do
orien- conceitos como
Uma concepção geral como esta só pode proporcionar sociopsicológico foram construídos por meio de
difícil de conceptualizar e sistematizar os de relações sociais primárias e secundárias, e sua mais fscehte
tação para a tarefa mais
mecanismos e processos mais detalhados implícitos na ordem elaboração em têrmos do esquema da “variável padrão” e a teo-
os de recentes contri-
social. A seguir, discutitemos certo número ria do papel e do grupo de referência. A despeito poréia do
à despeito das socio sicolé
buições a essa tarefa e tentaremos mostrar que, seu grande número, os trabalhos sôbre a dinâmica
convergência substancial na direção gica não foram sistematizados nem articulados com o estudo
mais
suas diferenças, existe uma esboçando. Tais
vimos
do modêlo adaptativo de sistema que amplo da institucionalização, tendo êste último, portanto, conti-
mais dinâmica do processo
contribuições visam a uma concepção nuado em grande parte sob o aspecto de categorização e classifi
institucional por meio de cação estruturais (se bem que com notáveis exceções).
de institucionalização e manutenção
de decisão coletiva, da
novos avanços nas áreas dos processos A obra de Max Weber, e o seu diálogo permanente com a
barganha e das teorias
teoria do papel, dos modelos da troca e
da tensão e do conflito.
da
o.
dinâmica marxista, por exemplo, revelou-se particularmente E
da institucionalização radoura porque, apesar da ênfase estrutural e tipológica, não só
Os enfoques parciais de uma teoria ministrou contínua e concreta referência histórica, mas também
divididos no enfoque estrutural e ca-
podem ser, grosso-modo,
enfoque do “com- — o que talvez seja o mais importante — flertou constantemente
tegórico, em grande parte sociologístico; no
sociopsico- (na verdade não se pode dizer que tratasse sistemâticamente
essencialmente
portamento coletivo”; e no enfoque social. Interessa-nos dela) com a dinâmica psicológica e interacional implícita. Alu-
exemplo, o interacionista
lógico como, por
teoria satisfatória, que englo- dimos, sem dúvida, ao interêsse de Weber por “idéias”, “inte-
a possibilidade de desenvolver uma Con- rêsses” materiais e ideais, pelo papel da “compreensão” e “signi.
de cada dêsses enfoques.
be as contribuições essenciais um
crítica das três orientações, po- ficado subjetivo” e, consequentemente, pelo papel endêmico da
quanto não tentemos fazer uma oposição entre os valôres “finais”. Os conflitos de poder e as
demos recordar brevemente, como ponto de partida, as suas lutas ideológicas pela “legitimidade” entre gtupos porfiantes de
características mais importantes.
da institu- status foram considerados básicos para a gênese e a preponderân-
Grande parte do trabalho inicial sôbre a teoria cia de um sistema institucional e cultural sôbre outro. Vale notar
caracterizar, categorizar e ex-
cionalização foi uma tentativa pata
da civilização ocidental. Os pontos de que a teoria contemporânea do consenso aproveitou muita coisa
plicar o desenvolvimento dentre as so- pôsto que muito seletivamente, de Weber; os interêsses de Weber
simples
vista genéricos reconheciam que, nas mais denomina- que acabamos de mencionar são precisamente os escolhidos para
ciedades pré-letradas, os complexos sociais que hoje
separáveis. O desen- serem quase sistemâticamente excluídos da estrutura mais formal
mos “instituições” não são empiricamente dessa teoria, Consoante a observação de Bendix, Weber concebia
volvimento da civilização, nesse caso, poderia ser tratado em
da autonomia em desen- a “ação com sentido” como se esta se estendesse num continuo
função da diferenciação cada vez maior e
da inovação à conformidade e, por conseguinte, tendia a evitar o
volvimento das várias esferas institucionais.
As causas e conse-
mudanças na qua- uso de conceitos estruturais ou coletivos, salvo como rótulos con-
giiências dessa elaboração relacionavam-se com
191
190
Por isso mesmo, em- atual está aqui centralizada: a teoria funcional, a teoria do con-
venientes para as “tendências de ação”.
!

lugar de “sociedade”, senso e a teoria do equilíbrio dão ênfase às coerções estruturais


[socialização] em
prega Vergesellschaftung socictais de baseadas em con- e subestimam a ação na série de alternativas que estão continua-
tendências ação
para referir-se às utiliza Verge- mente alterando os limites dessas coerções, ao passo que os seus
siderações de vantagens ou utilidade materiais, e
tendências de críticos realçam (e, às vêzes, talvez até realcem com exagêro) a
meinschaftung [comunitarização] para referir-se a receptividade e a fluidez.
?
afinidade social
ação oriundas de um sentido de solidariedade ou
estruturais coletivas como a “socieda- Por outro lado, porém, o uso feito por Weber do método
com outros. Entidades ou
“Estado” não “agem”, não “se mantêm”, não “fun- tipológico de simplificar as suas entidades estruturais teve o efeito
de” ou o
cionam”. infeliz de eliminar a ambigiidade e a incoerência das orientações
ideológicas dos seus grupos históricos de statts, obscurecendo,
A partir dessa perspectiva, Weber desenvolveu o seu tema
central de explicação da gênese dos tipos de arranjos institucio- por essa maneira, os processos sociopsicológicos por cujo inter-
estudos das médio tais orientações produziam seus efeitos imperfeitos sôbre
nais característicos da civilização ocidental. Os seus
grandes religiões clássicas se constituíram como que
demonstrar as
em
instituições
prolegô-
domi- ai
a endix:
prática cotidiana dêsses grupos. Segundo as palavras de

ss
menos disso, e tentaram que
nantes do dia “são as relíquias
“que sofreram, lidaram, fizetam”
das lutas passadas entre
” * Uma ação recíproca inicial
homens
.
ai
êle ignorou as
:
modificações pelas quais tanto os homens práti-

de interêsses materiais e “inspirações carismáticas”


de
dos poucos aa
cos quanto os intelectuais desenvolvem até as suas crenças mais sa-
. Aa e da mudança his-
gradas Em relação às exigências da circunstância
É

tórica. '
mo NO

status, que, por


passa a ser o “estilo de vida”
de um grupo
seu turno — depois dos conflitos ocorridos entre um composto
Em outras palavras, Weber não desenvolveu coerentemente
dêsses grupos de status, cujas idéias e interêsses divergiam, pelo
menos parcialmente — tornou-se finalmente a orientação
domi- nem com suficiente profundidade a sua concepção do papel da
de tôda nação ou civi- interpretação subjetiva” da situação da ação e, dessa maneira
nante, o “sistema comum de valôres” uma
perdeu oportunidade de pôr em confronto o papel do que ota
lização Essa imagem da sociedade, assinala Bendix,
de Weber, “que procura abranger
destaca-se
a
denominamos dissonância cognitiva, incongruência de matrizes in-
na concepção da ação política,
não só as grandíssimas limitações que tôda situação
social impõe terpessoais ou assimetria das orientações para objetos na geração
de ação ine- do “significado subjetivo” com as ações e interações consegien-
ao indivíduo, mas também as grandes oportunidades tes. Hoje podemos apreciar mais plena e sistemâticamente as
sociais”. ? Numa palavra,
rentes à instabilidade das estruturas
Weber concebeu a estrutura social — para usarmos a terminolo- concepções de Weber nesse sentido. Atuando à maneira de va:
entre uma varieda- Hiáveis intervenientes entre as fôrças e comportamentos “estru-
gia mais recente — como inerente polaridade
de de alternativas de ação, de um lado, e as coerções
estruturais turais”, essa dinâmica psico-social está começando a proporcionar
variedade, do outro. Um ponto a base de uma explicação mais profunda da dinâmica da organi-
que, não obstante, limitam essa estru-
fluidez da “estrutura”, zação, que não pode ser proporcionada por categorizações
que êle destacou foi a receptividade
e a
da qual ocorrem o processo Ou à di- turais e pela análise correlacional entre tais categorias.
apesar das coerções, dentro diálogo teórico
nâmica social adaptativa, Grande parte do nosso Antes de discutir outros enfoques, cumpre-nos mencionar a
recente revivescência da teoria evolutiva social e dos esforços pro-
Portrait (Nova missores dos estruturalistas para erguer o seu edifício sôbre obras
1 Reinhard Bendix, Max Weber: Au Intellectual
262, 47-78
Iorque: Doubleday & Co, Inc, 1962), pp.
2 Ibid, p 266 4 Ibid, p. 275
º Ibid,p 261

193
192
comentários a artigos gir para a “necessidade” funcional de centralização da responsa-
como à de Weber. Restringiremos nossos
assinados por Talcott Parsons e Neil ]. Smelser. bilidade” —— isto é, condição necessária ao desenvolvimento da
“civilização arcaica” a partir do Estado primitivo é o colapso da
Em seu recente trabalho sôbre os “universais evolutivos” ne- “teia inconsútil” rigidamente conservadora da atribuição de pa-
cessários ao desenvolvimento de sociedades a partir da
“condi-
arcaicas”, é Parsons faz rentesco e das difusas obrigações recíprocas, e o estabelecimento
ção primitiva” até chegar às “civilizações da liderança centralizada, que se concentra no contrôle político
referência explícita à analogia entre a sociedade e — não mais ao
à vis do meio, e religioso. Á necessidade do contrôle centralizado é estimulada
organismo — à espécie e ao processo seletivo vis pela maior complexidade da sociedade, mercê do crescimento po-
conduz à mudança adaptativa da estrutura do sistema como
que da mão e do pulacional e, possivelmente, territorial, que suscita problemas de
capacidade inerente. À semelhança da visão, ou “ordem interna”, como o contrôle da violência, a defesa da pro-
universal evolutivo societal é
cérebro na evolução orgânica, um
de estruturas associados, priedade e outras regras, a defesa externa etc.
visto como “um complexo e processos
Nessas condições, a estratificação do poder e do prestígio e
cujo desenvolvimento aumenta de tal forma a capacidade adapta-
tiva a longo prazo de sistemas vivos numa determinada “classe”, a consegiiente concentração e generalização do contrôle signifi-
nível mais elevado. Além cam uma tendência para a assunção exclusiva de prerrogativas e
que só êles são capazes de atingir um funções de status mais elevado. Estas incluem reivindicações de
disso, ésses “universais tendem a gerar mudanças importantes
por sua conta, geralmente criando estruturas mais complexas”, º direitos sôbre os serviços e recursos de grupos inferiores e a uti-
Em outras palavras, o sistema sociocultural é um sistema adapta- lização déles para a obtenção de vantagens mais estreitas ou para
tivo complexo, tal como desenvolvemos essa noção, e não,
fun- a coordenação de metas coletivas mais amplas. Mas o uso da
damentalmente, um sistema do equilíbrio ou homeostático. posição favorecida para inovar, pondo em risco os recursos de
outros, aumenta as distorções já inerentes à diferenciação e à
Dois dos universais evolutivos que Parsons sugere podem
estratificação que andou ocorrendo. Dat que a liderança da classe
estar implícitos no “surgimento” da fase primitiva da evolução;
superior julgue necessário legitimar suas posições e ações, a fim
são êles: (1) “o desenvolvimento de um sistema bem definido
de legitimação cultu- de justificar suas vantagens e prerrogativas em contraste com os
de estratificação social” e (2) “um sistema
ônus e privações sofridas por outros A legitimação cultural
ral explícita” de uma diferenciada “função política, independente significa “a emergência de uma definição cultural institucionali-
do parentesco”, que se torna necessária na medida em que se zada da sociedade de referência, a saber, um objeto de referência
desenvolve o primeiro universal A “estratificação” é aqui de- de “nós” (por exemplo, “Nós, os tikopias”, no estudo de Firth)
finida com inusitada clareza como “a diferenciação da população
de tal sorte que é diferenciado, histórica ou comparativamente, ou de ambos
numa escala de prestígio das unidades de parentesco, os modos, de outras sociedades, enquanto o mérito da qualidade-
classes delas, se tornam
que as distinções entre essas unidades, ou
-de-nós se afirma num contexto normativo. * À pat com isso se
importantemente hereditárias”,
7 Dessa
maneira, os grupos se di-
eixo de vantagem-desvantagem” processa a institucionalização das estruturas com funções explíci-
ferenciam — “relativamente a um
mais ele- tas, orientadas para a cultura, legitimadoras
— isto é, uma classe superior se desenvolve com graus Sem tocar nos outros universais aventados por Parsons, po-
vados de prestígio ou status comunitário, riqueza e poder em re-
demos delincar da seguinte maneira o modêlo geral. O cresci-
lação a uma classe inferior, Essa diferenciação “tende a conver-
mento da população e a expansão territorial, presumivelmente
favorecidos pela tecnologia aprimorada, criam pressões socio»
Talcott Parsons, “Evolutionary Universals in Society”, American
6
psicológicas não especificadas nas mentes e nos processos de de-
Sociological Review, 29 (1964), 339-57.
0 Ibid, 34041.
7 Ibid, 344.
8 Ibid, 345.

195
194
resultado é a diferenciação e a Um modêlo correlato de diferenciação de institucionalização
cisão dos membros do grupo; O
especialização de funções anteriormente abarcadas numa teia so- é o quadro de referência de Smelser para a análise do desenvol-
turno, vimento econômico em países subdesenvolvidos, mas sem o fun-
ciocultural mais homogênea de inter-relações; isto, por seu cada
exacerba as pressões e tensões decorrentes da complexidade cionalismo. Enquanto Parsons fala em têrmos de “precisões”
também por funcionais, Smelser descreve o processo, em têrmos ideais típicos,
vez maior, do que resultam — presumivelmente
meio de processos
sões que dão origem
sócio-psicológicos
a nova
não
diferenciação
especificados —
cultural e estrutural, pr como parece estar ocorrendo histôricamente. Encarado sob o
aspecto de tecnologia aprimorada, agricultura comercial, indus-
segundo se presume, integra ou trialização e urbanização, o desenvolvimento econômico é postu-
como uma superestrutura, que,
Sublinhamos aqui os hiatos lado para dar origem à diferenciação e à especialização estrutu-
sustenta a diferenciação anterior.
criados pela falta de especificação dos processos sócio-psicológi- rais, à integração e às tensões ou distúrbios nascidos do progresso
porque outros desigual destas últimas. A diferenciação estrutural representa o
cos envolvidos no processo de institucionalização, notabilizam
estudos recentes, que focalizamos mais adiante, se rompimento com as instituições tradicionais e é definida como
“a evolução de uma estrutura de papel multifuncional para di-
pelo fato de os porem em relêvo.
da fun- versas estruturas mais especializadas”. 1! O argumento principal,
À guisa de aparte, deveríamos notar à transparência mais uma vez, é o colapso da “teia inconsútil de parentesco”
ção do funcionalismo como instrumento
metodológico no quadro
substituto êsses com a sua organização multifuncional e a gênese de novas estru-
de referência acima: serve de para precisamente tutas especializadas nessas funções perdidas. Mas um concomi-
debate. À a
diferenciação, espe
processos sócio-psicológicos em tante da crescente divisão do trabalho é o desenvolvimento de
cialização, a centralização etc. ocorrem — não por causa
das

ecológica par arranjos institucionais, que tendem a coordenar as organizações


fôrças sócio-psicológicas que operam numa situação cada vez mais diversas e potencialmente conflitantes, Isto, por
das “necessidades de um sistema socia
ticular, mas por causa seu turno, tende a produzir uma diferenciação ainda maior — e
deixe de recorrer intuitivamente
em evolução. Não que Parsons o desenvolvimento de instituições como sindicatos, partidos po-
à psicologia social: líticos, associações voluntárias e órgãos administrativos estatais.
essencial de progressos impor- Finalmente, tais mudanças estruturais, são diruptivas e produto-
A estratificação, portanto, é condição observar,
santes da efetividade política, porque, como se acabou de ras de tensão, porque entram em conflito com métodos tradiício-
proporciona aos elementos favorecidos uma posição dfienteen nais, progridem irregularmente através da cultura e através do
certos TISCOS ao incumbir-se
da

segura para permitir-lhes aceitar tempo e, assim, geram anomia e dão origem a estruturas inte-
derança coletiva. 9
grantes, capazes, elas mesmas, de contribuir para o conflito.
O moderno teórico dos sistemas reconhece aqui todos os
Mas o argumento principal é funcionalista: atributos essenciais de um processo morfogênico plenamente sis-
mesmo que sim
O argumento funcional é aqui essencialmente o temático, com boas possibilidades de uma situação explosiva de
a estratificação .. os líderes políticos precisam,
tempo, ter não só poder
com O correr
suficiente, mas também a legitimação E e,
o realimentação positiva. Isto, portanto, representa um passo na
direção em que estamos caminhando, mas o próximo passo requer
Sobretudo quando medidas mais amplas de execução devem ser eg
timadas, a legitimação precisa tornar-se uma função neiicne
e
um conhecimento mais minucioso dos mecanismos sócio-psicoló-
diferenciada. (Os grilos gicos envolvidos, para podermos compreender os vários resulta-
explícita e, em muitos casos, socialmente
são nossos) 10

caem o Ihid
11 Neil J Smelser, “Mechanisms of Change and Adjustment to Chan-
ge”, em Industrialization and Society, org. por Bert F. Hoselitz et al.
10 Thid, 346 (Haia; Unesco-Mouton and Company, 1963), p. 35.

197
196
dos concretos que se verificam nas sociedades reais. Assim como -se, por exemplo, as mudanças qualitativas registradas nas insti-
os emocionantes progressos da Biologia estão-se registrando em tuições econômicas e políticas modernas, que são os resultados
função dos microprocessos químicos de processamento da infor- cumulativos dos planos de ação, quase sempre não coordenados
mação pelas moléculas genéticas, assim também os progressos da e fregiientemente não legitimados, das organizações constituintes
sociologia do desenvolvimento e da mudança institucionais exi- Para explorar essa área faz-se mister uma integração tanto da
de decisão de
gem maior atenção aos microprocessos de tomada análise estrutural quanto da análise da decisão coletiva, como a
grupo e geração, no grupo, de significados, normas etc,, implíci- que se encontra em algumas obras recentes sôbre a teoria das
tos no processo de institucionalização. organizações complexas.
O que se requer, em particular, é tornar mais explícito o
COMPORTAMENTO COLETIVO E INSTITUCIONALIZAÇÃO reconhecimento de que a institucionalização é um processo em
curso, circular, sistêmico, e não uma cadeia aberta de aconteci-
O enfoque do problema da institucionalização fundado no mentos com antecedentes e consegiências definidas. Encarando-a
“comportamento coletivo” reconheceu que muitos traços caracte- pelo prisma dos sistemas, vêmo-la como processo de realimenta-
rísticos das principais instituições da sociedade ocidental moder- ção, ou pseudo-realimentação, que contém, ao mesmo tempo, ele-
na — econômicas, políticas, religiosas — têm suas origens em mentos negativos (estabilizantes ou rigidificantes) e característi-
processos coletivos relativamente não estruturados e são parcial. cas positivas (de elaboração de estruturas ou cada vez mais de-
mente mantidos e rejuvenescidos por êles. Essa perspectiva en- sorganizadoras), (Veja a Figura 5-1). Como principiam a suge-
cara a geração da estrutura institucional em função de uma histó- rir algumas das mais recentes concepções, um fecho dessa natu-
ria natural, que parte de uma situação de “intrangiilidade social” reza é essencial a um modêlo plenamente dinâmico do sistema
dos
e de uma tendência para o colapso ou rejeição da tradição e sociocultural. De uma forma ou de outra, está-se sustentando
contrôles institucionais existentes, e prossegue através de várias que as estruturas institucionais ajudam a criar-se e recriar-se num
formas de comportamentos coletivos espontâneos (ações da mul- processo de desenvolvimento em plena evolução. A moderna
tidão ou do populacho, discussão pública e formação da opinião) perspectiva dos sistemas está fornecendo os instrumentos con-
decisão e ação cole-
para formas mais organizadas de tomada de ceptuais que vão eliminando o misticismo das noções de “mu-
tivas (movimentos sociais, formação de partidos políticos ou re- dança imanente” e de guarida das “sementes” da própria destrui-
volução), culminando, em certos casos, na institucionalização de ção — ou construção — de uma instituição. Inspirada ou não
uma nova ordem. Não há implicação, todavia, de segiências diretamente pela perspectiva moderna, a teoria atual caminha em
unilaterais ou estádios necessários direções similares ou compatíveis.
Desenvolvida principalmente por interacionistas sociais, uma
orientação dessa natureza complementa o enfoque estruturalista,
sobretudo pela tentativa de intercalação da dinâmica sociopsico- MODELOS DE INSIPTUCIONALIZAÇÃO BASEADOS
lógica O principal interêsse se concentra nos processos por cujo NA TROCA E NA NEGOCIAÇÃO

intermédio, em situações minimamente estruturadas — geralmen-


te de tensão — são geradas coletivamente novas perspectivas, Um terceiro enfoque distinguível da institucionalização ini-
definições, simbolos, normas e valôres, de uma forma mais ou ciou a sua teoria no nível da interação elementar (como a que

menos espontânea, se bem que não aleatória. Por outro lado, se discutiu no último capítulo). Referimo-nos particularmente às
sendo uma teoria da institucionalização, não trata dos processos teorias da troca e da barganha e à teoriainteracionista do papel.
mais deliberados, “racionais”, socialmente estruturados e menos Como já se aventou, grande parte dêsse trabalho representa tenta-
diretamente diruptivos de elaboração institucional. Considerem- tivas de uma reorientação conceptual geral, que está reabrindo

198 199
Coleman ataca a estratégia característica de sociólogos que “en-
caram as normas como se fôssem os governadores do comporta-
Realimentação indireta:
mento social e, assim, contornam claramente o difícil problema
reações socictais, suscitado por Hobbes”. 1º Em tais condições, êsses teóricos são
incapazes de tratar, senão de maneira ad hoc, do problema das
reformas legislativas, att

programas
suncadores, vtec
decisões coletivas sôbre assuntos para os quais não existem nor-
mas. No intuito de emendar êsse êrto, Coleman adota a estra-
Sa tégia do “êrro oposto”. Começa com uma imagem do homem
sã Outras respostas: como:
83 5
Erudita ao,
n
enfermidade muntal,
Zsa
3ou e !

insatisfação
dude
=]
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air ele
delinqliência
Woêmia:
e crime., não socializado, inteiramente voltado para os seus interêsses, não
ea coagido pelas normas do sistema, mas apenas inclinado a favorecer
Rg
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| os próprios interêsses... aqui nos ocupamos do estado primitivo
de um conjunto de atóres empenhados em decisões em que o poder
»a E

o
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Ação individual
e coletiva
ra
Redefinição coletiva
e organizaçã
e os interêsses são distribuídos entre êles... 13

+ ( espontânea para a ação Êle prossegue desenvolvendo certo número de postulados e


Estrutura institucional deduções, que especificam as condições em que se pode evitar
determinada
uma guerra de cada um contra todos e em que as decisões coleti-
1 vas podem ocorrer sem o emprêgo da fôrça externa. Por outro
Ação antitnstitucional:
lado, reconhece claramente o que está sendo sacrificado nessa
t

protesto. movimentos
estratégia de excluir normas e socialização, a saber, a riqueza de
Opasição
Jegitima

sociais, ete.

ações devidas ao “investimento dos atôres um no outro e na pró-


Pressão no sentido da
pria coletividade”. Dá a entender, não obstante, que um aspecto
importante da socialização é não tanto a “internalização das nor-
Debate civil &

conflito
reorganização institucional
mas” quanto a aprendizagem das consegiiências a longo prazo,
bem
no para si mesmo, das próprias estratégias de ação, e que, se
FIGURA 51- Vista sistemática simplificada do enfoque, baseado as normas se desenvolvam nos sistemas sociais:
institucionalização
“comportamento coletivo”, de uma teoria da
não são normas, nem indivíduos socializados pata elas, que consti-
tuem os pontos de partida de uma teoria fecunda dos sistemas so-
ciais, senão, pelo contrário, ações coletivas e atóres racionais, cada
da teoria social em sua
algumas questões clássicas fundamentais qual com interêsses e poder em relação a essas ações.
14
do À reabertura do
rejeição do modêlo mais estático consenso.
da ordem” no contexto de uma rejuvenes-
“problema hobbesiano Em artigo esctito pouco antes, contudo, Coleman argumen-
utilitária é, da troca), por exemplo, só pode ser
cida teoria (isto ta que:
compreendida em função da crise atual do pensa-
plenamente
mento sociológico.
Essas questões foram postas em relêvo em alguns pronun-
12 James S. Coleman, “Collective Decisions”, Sociological Inquiry,
forneceu (1964), 16681. O trecho citado encontra-se à página 167,
ciamentos recentes de James S. Coleman, que também
34
da teoria da troca ao problema da 13 Ibid, 167, 170
uma introdução à aplicação
coletivas”, Ibid, 180.
institucionalização. Numa discussão das “decisões W

201
200
a essência de um sistema social é a interdependência, e a essência da retamente envolvido e outra em que êle está envolvido. Com
interdependência é o investimento de si mesmos feito pelos homens efeito, essa mesma distinção pode ser, normativamente definida
em outros homens e nas coletividades existentes no interior do sis-
tema. São êsses investimentos que mantêm unido o sistema e lhe para um grupo ou organização, tal como é reconhecida, por exem-
dão fôrça... 35 plo, na distinção conceptual que fazemos entre relações “primá-
rias” e “secundárias”, ou entre “universalismo e especificidade”,
Uma confrontação dessa ordem está evidentemente a pedir de um lado, e “particularismo e difusidade”, de outro. Ou con-
um rapprochement e uma reavaliação dos fundamentos con- sidere-se o exame das noções de “reputação” e “status”, feito por
ceptuais de conceitos sociológicos abstratos como confiança, jus- Coleman, em que êle dá a entender que
tiça, status, autoridade legitima e consenso. Em primeiro lugar, . as pessoas investem, com fregiiência, muito da sua identidade
o recurso principalmente a normas e à socialização é, por certo, em outras de status elevado, não pelo que possam obter da intera-
insuficiente. Em segundo lugar, há o reconhecimento do vasto ção, mas porque, assim identificadas com a outra, partilham vicâria-
elemento do comportamento calculador e manipulatório, caracte- mente da glória dessa outra. 17
rístico da civilização secular, industrial -— manifestado, por exem-
plo, na recente sugestão de Etzioni de uma categoria interme- Sustentar, como poderia fazê-lo Homans, que essas pessoas, não
diária de sujeição “utilitária” a ser intercalada na tradicional di- obstante, estão fazendo uma troca pela glória vicária é caminhar
cotomia sociológica da sujeição “coerciva” e da sujeição “norma- cientificamente morro abaixo na direção da conceptualização tôs-
tiva” 1º (para não falarmos na entusiástica acolhida dispensada à ca e da explicação ad hoc,
teoria dos jogos). Em terceiro lugar, levanta-se uma questão que
se transforma em ponto de controvérsia entre as teorias da troca
de Homans e de Peter Blau, no tocante à natureza emergente, A TEORIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE HOMANS

qualitativamente diferente, dos fenômenos “institucionais” em A despeito da posição reducionista de Homans, 1º a sua
relação ao nível hobbesiano “pré-social” do intercâmbio humano. tentativa de transpor o hiato entre as formas elementares do
A posição metodológica assumida aqui pode ser crucial, determi-
comportamento social e o nível institucional -— tarefa empreen-
nando se tentaremos analisar os complexos fenômenos institu- dida um tanto apologêticamente, no espírito de uma “orgia” —
cionais por alguma espécie de agregação de elementos e processos constitui valiosa contribuição para uma teoria da instituciona-
de nível inferior, ou se os trataremos como resultantes sistêmi-
lização. Êle começa reconhecendo que, se bem tenham pontos
cas, de desenvolvimento, que exigem uma reconceptualização em em comum, os dois níveis não são iguais:
nível mais elevado e requerem explicação em função de interli-
gações e realimentações mais complexas do que as facultadas . ainda que apenas porque, num grupo informal, o homem adgui-
pelo enfoque agregativo. re status através das suas trocas diretas com os outros membros, ao
passo que adquire statss na sociedade mais ampla pela herança, pela
Por exemplo, recorrer apenas ao sentido hobbesiano ou da riqueza, pela ocupação, pelo cargo, por autoridade legal — seja como
economia clássica do “interêsse próprio” é ignorar a interpreta- fôr por sua posição em algum esquema institucional, muitas vêzes
ção de G. H. Mead dêsse conceito e, portanto, ignorar a impor- um esquema com uma longa história atrás de si, 19
tantíssima distinção entre uma troca em que o “eu” não está di-
17 James S Coleman, “Comment”, 70.
15 James S. Coleman, “Comment on “On the Concept of Influen- 18 Cf.oseu ponto de vista anterior sôbre a “emergência”, discutido
ce” ?, Public Opinion Quarterly, 27 (1963), 63-82. no Capítulo 2.
19 Amitai Etzioni, À Comparative Analysis of Complex Organizations 19 George €. Homans, Social Behavior: Its Elementary Forms (Nova
(Nova Iorgue: Free Press of Glencoe, Inc., 1961), pp. 14 e seguintes. Iorque: Harcourt, Brace & World, Inc, 1961), p. 379.

202 203
Percebe-se que aqui operam dois princípios básicos: (1) neira diferente uma hipótese importante de sua obra anterior:
nas organizações complexas, as atividades vêm a ser mantidas as instituições não podem ser mantidas pela simples fôrça das
não pelas suas “recompensas naturais ou primárias”, mas tam- normas e das recompensas secundárias; mais cedo ou mais tarde,
bém por “recompensas inventadas como o dinheiro e a aprova- terão de aparecer as recompensas primárias, e comportamentos
ção social; (2) o processo da troca de atividades recompensado- alternativos com novas recompensas primárias serão apresenta-
ras torna-se cada vez mais indireto, à proporção que se estende dos por inovadores, ou se processará a decadência institucional,
a rêde de obrigações e laços interacionais. E nota-se que “As instituições não continuam funcionando para sempre por
êsses dois processos se baseiam numa crescente confiança em obra do próprio impulso”. >>
normas e ordens explicitamente enunciadas. Assim se observa Esmiuçando com maior profundidade a mecânica do seu
que as instituições — “regras explícitas que governam o com- segundo princípio de institucionalização — a natureza cada vez
do com-
portamento de muita gente” — são um prolongamento mais indireta da troca de recompensa, ou divisão do trabalho —
portamento social elementar, visto que evolvem continuamente Homans apresenta, no restante do seu livro, o núcleo de uma
dêste último; e os processos fundamentais de comportamento, teoria da evolução social. Tendo algum “capital” — material
“governados pelos seus resultados e estímulos”, assevera Ho- excedente e, especialmente, um código moral capaz de sustentar
mans, são “idênticos” nos dois casos, residindo a diferença no a fé e a confiança entre os homens — uma sociedade propende
fato de que, no nível institucional, “as relações entre os proces- a “investilo” em comportamento inovante, que conduz a um

sos fundamentais são mais complexas”. entrelaçamento mais complexo de comportamentos de maior nú-
Homans fornece uma ilustração da maneira pela qual certas mero de pessoas, de maneiras mais complexas e indiretas, que
instituições podem ter nascido assim. A restrição da produção exigem a compreensão de conjuntos mais explícitos de normas.
industrial pode ter surgido porque alguns mem- Poder-se-ia citar, por exemplo, o desenvolvimento do sistema
por um grupo
bros acharam os seus resultados compensadores, mas êsses re- feudal ou a ascensão do industrialismo. Estas cadeias indiretas
sultados dependem de um grande número de outros que venham mais compridas de transações significam que as inovações vin-
também a conformar-se com a norma da produção. Os incon- culam entre si maior número de pessoas, conduzem a maior es-
formistas, que privariam os demais da recompensa, são, sem em- pecialização e, por conseguinte, diminuem a riqueza dos laços
bargo disso, induzidos a conformar-se — não em razão da te- particulares. E quanto maior fôr o número de pessoas envolvi-
compensa primária por fazê-lo, senão por mêdo
de perder a esti- das, quanto mais complexa fôr a sua interdependência, tanto
ma dos outros. A norma da restrição da produção se acha,
dessa mais os seus ajustamentos mútuos terão de “obedecer à regra”
maneira, “em vias de tornar-se numa instituição, ensinada aos em lugar de serem deixados “à improvisação do contato face a
novos membros e até às novas gerações como uma das leis da face”. Isto significa maior impessoalidade e o final desenvolvi-
vida da fábrica. Pelo processo da bola de neve, êsses processos mento de uma organização especializada na sanção de normas,
combinatórios podem acumular-se em imensos edifícios institu- isto é, um sistema legal. Mas essa elaboração e essa inovação
cionais”, 21 institucionais podem não “recompensar” e, portanto, podem não
O reconhecimento da possibilidade de que tais “sanções se- persistir; são sempre problemáticas. Os arranjos institucionais,
em última análise, precisam ser satisfatórios para os indivíduos,
cundárias” venham talvez a substituir as recompensas mais pri-
não apenas porque êles compartem de uma cultura particular,
márias para grande número de pessoas, fregiientemente sem que
mas “porque são homens”. Além disso, as formas mais elemen-
elas tenham consciência disso, leva Homans a enunciar de ma-
tares de comportamento continuarão a proliferar, não só em
20 Ibid,p 380.
e Ibid, p. 382.
eº Ibid,p 383.

204 205
áreas de vida não cobertas por instituições, mas também na pro- a discussão de Homans nos diz que, ao construírmos um quadro
fundeza das próprias instituições. Isto é assim porque as nor- de referência teórico de categorias analíticas e conceitos comple-
mas não podem prescrever o comportamento em seus pormeno- xamente inter-relacionados, precisamos deixar muito espaço para
tes, e os indivíduos só se conformam dentro de certos limites os processos dinâmicos no nível sociopsicológico da transação
— ou seja, é muito maior a ação no interior das estruturas ins- interpessoal, assim como para ampla série de níveis de “integra-
titucionaís de papel do que o daria a entender a maior parte das ção”, dentro da qual pode “funcionar” e persistir a “ordem nor-
teorias estruturais mativa”,
Às vêzes, êsses crescimentos subinstitucionais proporcio-
|
nam sólido apoio às metas institucionais, mas é fregiente entra- O MODÉÊLO DE INSTITUCIONALIZAÇÃO DE BLAU
rem ambos em conflito. O resultado do conflito não será, ne-
cessâriamente, o colapso das formas institucionais e o retôrno Muito recentemente, Peter M. Blau apresentou um nôvo de-
às formas elementares: Homans oferece, ao contrário, os rudi- senvolvimento da perspectiva teórica da troca, na base, porém,
mentos de uma tipologia de possíveis respostas do sistema. de nítidas diferenças metodológicas em relação a Homans. ?º
Blau rejeita, em particular, o reducionismo psicológico em favor
1. Evolução adaptativa: pode ocorrer a emergência (Flomans pre- de uma explícita concepção de emergência da institucionaliza-
fere a “fundação”) de uma nova instituição destinada a manter
os valôres subinstitucionais ou recompensas primárias -— por ção. Na prática, isto equivale a uma tentativa séria de derivar
exemplo, o desenvolvimento de sindicatos trabalhistas em de- um conjunto de conceitos intermediários dos fenômenos elemen-
corrência do conflito industrial, tares (por exemplo, diferenciação de status e poder, autoridade,
2. Ajustamento adaptativo: a “boa administração” dentro do qua- legitimidade, subestruturas) e de utilizar êsses conceitos inter-
dra institucional dado pode compensar muitas deficiências desta mediários, por sua própria natureza, como base para a compreen-
última pelo emprêgo judicioso de vários mecanismos de contrô- são dos complexos processos e estruturas de associações, tão afas-
le; por exemplo, a persistência “afortunada” de tantas autocra-
cias do passado.
tados da “base psicológica final de tôda a vida social” ?* que não
3. Desintegração: “a sociedade pode espedaçar-se no conflito”. permitem a tradução direta. Tais conceitos sociológicos aludem
4. Persistência desintegradora: as deficiências institucionais e os a propriedades emergentes das coletividades, propriedades essas
problemas crônicos “podem simplesmente persistir sem resultar que não têm contrapartida nos atributos correspondentes dos
em conflito manifesto, mas também sem solução”. Às inova- indivíduos e não podem ser adequadamente explicadas em fun-
ções potenciais de ajustamento permanecem demasiado arris- ção de motivos individuais — sobretudo porque os motivos de-
cadas ou não são inventadas, as pessoas se mantêm em grande
rivam, em grande parte, o seu caráter dessas mesmas proprieda-
parte apáticas e as instituições permanecem “ “congeladas” num
equilíbrio desnatura!”; por exemplo, o estado atual da indústria des coletivas. Por outro lado, Blau também tenta evitar o em-
norte-americana, incluindo os sindicatos. prêgo de abstrações tipológicas ou categóricas, que se acham tão
afastadas da realidade psicológica que não podem fornecer hipó-
Pondo de parte os muitos pontos discutíveis e as perguntas teses verificáveis e são tão impessoais que não podem envolver
não respondidas, o trabalho de Homans é uma contribuição para os processos inter-humanos em que estão radicadas.
a crítica da teoria do consenso, e sua perspectiva e principal im- Um segundo afastamento importante da posição de Homans
pulso são bem conduzidos. Seja o que fôr além disso, a socie- é o claro reconhecimento do problema da racionalidade encerra-
dade é, reconhecidamente, um complexo sistema adaptativo de
grande flexibilidade e com espaço para a ação e para a dinâmica 23 Peter M. Blau, Exchange and Power in Social Life (Nova Iorque:
interna, apesar da sua complexa estrutura institucional, ou até John Wiley & Sons, Inc, 1964).
mesmo por causa dela. Ainda que possa ser supersimplificada, 24 Ihid, p. 20

206 207
do na metáfora da troca econômica. Nessas circunstâncias, Blau inerente e da mudança dialética, de outto. Destarte, após um
re-
expressa consciência da natureza tautológica de um princípio que lativo intervalo de calma na teoria sociológica geral,
representa-
é ampliado para aplicar-se a todo comportamento, e restringe o do pelo predomínio da teoria do consenso, 2? vemo-nos recolhen-
seu uso da “troca social” à ação orientada pata fins só alcançá- do novamente os fios das teorias da institucionalização, de
veis através da interação com outtos, e que procura adaptar os Weber e Marx. Retornaremos mais adiante ao modêlo de Blau.
meios para o alcançamento dêsses fins. Exclui-se o comporta- Quando concebemos a institucionalização em função do po-
mento baseado na “arremetida irracional” das fôrças emocionais, der, da autoridade e da legitimidade, é evidente que estamos fo-
o comportamento baseado na coerção e o comportamento “ex- calizando o problema da “ordem” social ou do “contrôle social”
pressivo”, mais orientado para valôres ou questões de consciên- por um prisma que precisa incluir não só os elementos normati-
cia mais fundamentais do que para recompensas imediatas. E a vos, mas também os elementos não normativos da ação e da in-
troca social ainda se distingue melhor da troca econômica “pelas teração sociais. Com efeito, o normativo é especificamente con-
obrigações não especificadas que acarreta e pela confiança que siderado como problemático, e não apenas como suposto ou dado.
ela, ao mesmo tempo, requer e incentiva”. 2º Blau, explicita- Somos obrigados a admitir, pelo menos, a possibilidade de
que
mente, não presume que os homens tenham informação comple- alguns arranjos institucionais, em algumas sociedades, por algum
ta, que não tenham compromissos sociais limitativos, que tenham tempo, não tenham base apurável de “legitimidade” em nenhum
uma escala coerente ou constante de preferências ou que visem a “consenso social” subjacente — quer estejamos examinando es-
uma única meta final com exclusão de tôdas as outras. truturas políticas, a organização econômica ou até estruturas “le-
Em suma, Blau apresenta um “prolepêmeno a uma teoria da
estrutura social”, que se alia à crítica atual da teoria do consenso
gais”. Como
já alvitramos, para que o nosso aparelho conceptual
reflita a realidade, não deve tentar resolver questões empíticas
e à sua “preocupação com as orientações de valôres, que divertiu
escorado apenas no que dectetam as definições. Podemos, natu-
a atenção teórica do estudo das associações reais entre pessoas e ralmente, definir por êsse meio as estruturas institucionalizadas
das estruturas das suas associações”. 2º Ao mesmo tempo, po- como “legitimadas” mas, nesse caso, devemos estar preparados
rém, tenta moderar quaisquer reações exageradas e sustentar uma para distingui-las de estruturas semelhantes sob outros aspectos,
encravadas na vida social e, sobretudo, precisamos evitar identi-
perspectiva sociológica, que, não obstante, mantém íntimas re-
ficar o sistema social exclusivamente com as estruturas
lações com os processos sociais humanos fundamentais. que se
Blau aceita a caracterização geral de Homans dos fenôme- presumem legitimadas.
nos em nível institucional em função da natureza secundária das
recompensas trocadas, da rêde indireta de inter-relações entre as MODELOS DO PROCESSO INSTITUCIONAL
pessoas e da importância de normas mais explícitas, Faz-se, po-
rém, um esfôrco muito grande para conceptualizar mais cabal e Examinamos diversos enfoques de uma conceptualização
sistemâticamente êsses processos emergentes por intermédio de das origens e do desenvolvimento de estruturas institucionais, e
um aparelho conceptual intermediário. Êste último inclui; a di- observamos as constantes tentativas de chegar ao fundo das am-
ferenciação do status e do poder oriundos do processo de troca, plas categorizações estruturais apresentando a dinâmica psicoló-
a emergência da autoridade consensual oriunda dos processos de gica social subjacente. Voltamo-nos agora para certo número de
legitimação, o contraste entre os valôres institucionais e os va- recentes conceprualizações e estudos empíricos do processo ins-
lôres de oposição, de um lado, e os princípios do desequilíbrio
27
Importante exceção nesse sentidoé a obra negligenciada de Hans
25
Ibid,p 8 Gerth e C. Wright Milis, Character and Social Structure: The Psychology
268
Thid, p. 13. of Social Institution:
(Nova Iorque: Harcourt, Brace & World, Inc., 1953).

209
titucional em curso, que ocorre dentro de “estruturas” relativa- dos papéis e da assunção de papéis *º As inúmeras críticas váli.
das à concepção mais estática e superdeterminante dos
mente estabilizadas, pondo especial reparo nas tentativas para papéis
fazer da dinâmica psicológica social parte integrante dos nossos devem-se, acredita êle, à predominância da concepção do papel
conceitos estruturais, frequentemente estáticos. de Ralph Linton e ao uso de um modêlo exageradamente simpli-
ficado de funcionamento do papel. 3! Encarando, porém,
Como vimos, a concepção processual da teoria inte- o de-
racionista simbólica desenvolveu-se em constante oposição à sempenho e a assunção de papéis como um processo Turner de-

a
concepção estrutural convencional. Consoante a recente afirma- monstra que há nisso mais do que uma simples “extensão da teo-
tiva de Blumer, o interacionismo reconhece o fato da organiza- ria determinista normativa ou cultural”, e que a concepção di-
do papel acrescenta elementos novos à ação de interação
ção na sociedade, mas trata dêle de maneira diferente, seguindo
duas diretrizes principais. Em primeiro lugar, a organização da social,
sociedade é “o quadro em cujo interior se verifica a ação social À natureza morfogênica do comportamento do papel é
posta
e não o determinante dessa ação”; em segundo lugar, a organiza- em destaque, desde o princípio, no conceito de Turner da “cria-
ção e as mudanças que nela se registram “são o produto da ati- ção do papel”. Em lugar de pressupor a existência inicial de
vidade de unidades agentes e não de “fôrças” que não levam em papéis distintos, identificáveis, êle supõe uma tendência pata
conta essas unidades agentes”. 2º Os traços culturais — “cultu- criar e modificar concepções de papéis próprios e alheios num
1a”, “papéis”, “status” etc. — estabelecem as condições da ação, processo de orientação interativa Visto que os atôres se com-
modelando-lhe as situações e propiciando a cunhagem comum de portam como se houvesse papéis — embora os papéis só existam
simbolos. Mas são as pessoas que agem em relação às situações, realmente em graus variáveis de finalidade e coerência — os
e as interpretam, seja em associações formais, seja em associações atôres tentam, com efeito, defini-los e explicá-los por êsse meio
criando-os e modificando-os à medida
informais, de tal sorte que “surgem correntes de novas situações que prosseguem. A chave
da assunção de papéis, portanto, é a propensão morfogênica
e as velhas situações se tornam instáveis”, e o comportamento “pa-
organizacional assume um caráter processual de criação e recria- ra dar ao mundo fenomênico o feitio de papéis”, A regulação
ção de significados e expectações, numa sucessão de situações organizacional formal que restringe êsse processo não deve ser
parcial ou nulamente regularizadas e padronizadas. Encontram- tomada como protótipo, senão como um “caso desvirtuado” da
-se, de fato, normas na operação, mas, como observa Shibutani, classe mais ampla dos fenômenos de assunção de papéis. Na
elas são “criativamente reafirmadas todos os dias na interação medida em que o cenário burocrático bloqueia o
processo da
» 29
social dos participantes”, assunção de papéis, a organização é máxima, a “variedade” das
alternativas de ação é mínima, os atóres são engrenagens de um
rígido maquinismo e frustra-se o processo morfogênico.
A Concepção da Criação de Papel, de Turner A interação de papéis é um processo tentativo de
. resposta
Ralph Turner estendeu-se sôbre essa perspectiva numa área recíproca do eu e do outro, desafiando ou reforçando a nossa
conceptual fundamental à análise das instituições, a saber, a área concepção do papel do outro e, consegientemente, estabilizando
ou modificando o nosso próprio papel como produto dessa tran-
“s Herbert Blumer, “Society as Symbolic Interaction”, em Human sação de prova, que é essencialmente de realimentação. A con-
Behavior and Social Processes, otg. por Arnold M. Rose (Boston: Houghton
Mifflin Company, 1962), p. 189
30 Ralph H Turner, “Role-Taking: Process Versus
2º Tamorsu Shibutani, “Reference Groups and Social Control”, em Conformity”, em
Rose, Human Behavior and Social Processes, Capitulo 2.
Rose, Humans Behavior and Social Processes, p. 143; veja também Edward
Sapir, “Social Communication”, Encyclopedia of the Social Sciences, TV
31 Ralph Linton, The Study of Man (Nova lorque: Appleton-Centu-
(Nova Iorque: The Macmillan Company, 1935), 78 ry-Crofts, Inc, 1936)

210 211
cepção convencional de papéis, que destaca uma complementa- péis. Nem tôdas as combinações de relações entre o comporta-
tidade prescrita de expectações, dá lugar, assim, a uma concepção mento e o objetivo podem classificar-se num único papel, de
da assunção de papéis como processo de “ideação de um desem- sorte que são necessários critérios pelos quais os atôres possam
penho na base de um papel alheio imputado”, em que uma parte “verificar” ou “validar” a construção de certo número de ele-
importante é representada pelos processos cognitivos de verifi- mentos num papel coerente. Essa verificação procede de duas
cação de inferência. De maneira consentânea com os modelos do fontes: a “validação interna” da própria interação, e a “valida-
processo básico de interação, que passamos em revista no capí- ção externa”, derivada do “outro generalizado” de Mead. A pri-
tulo anterior (especialmente os de Newcomb e de Secord e meira gira em tôro da predição ou antecipação bem sucedidas
Backman), Turner encara como característica central da assun- do comportamento alheio relevante no conjunto total de papéis
ção de papéis “o processo de descobrir e criar totalidades “coe- e, por conseguinte, em tôrno da existência de padrões de papéis,
rentes” tiradas do comportamento”, de “idear um padrão” que, por cujo intermédio se pode fazer a congruente seleção de com-
ao mesmo tempo, enfrente com eficácia vários tipos de outros portamentos que se supõem constituam um papel coerente. Mas
pertinentes e satisfaça alguns critérios reconhecíveis de coerên- a noção da prescrição fixa do papel não é implicada por êsse
cia. Uma concepção dessa natureza gera uma hipótese, empiri- meio, visto que, em primeiro lugar, os papéis — como as nor-
camente verificável, importante para o nosso interêsse pela mor- mas — frequente ou habitualmente ministram uma gama de ma-
fogênese institucional: “Tôda vez que a estrutura social é tal neiras alternativas de lidar com qualquer papel alheio ou, como
é o caso mais comum, o seu pequeno segmento ativado a qual.
que muitos indivíduos agem caracteristicamente a partir da pers-
pectiva de dois papéis dados simultâneamente, tende a emergir quer tempo; e, em segundo lugar, a coerência e a predizibilidade
um papel único, que engloba a ação”. 3? de um papel devem ser avaliadas e vistas como “validadas”, não
Voltando-se diretamente para as implicações do desempe- em função de um papel alheio qualquer, mas em função da
nho formal, institucional, de papéis, Turner sustenta que o papel Gestalt de todos os requisitos acomodativos e ajustados estabe-
lecidos pelos papéis alheios no conjunto de papéis do ator e ge-
formal, primordialmente é um “esqueleto” das regras que evo-
rados no processo em curso de criação de papéis.
cam e pôem em movimento os papéis mais completos, estrutura-
dos e mais ou menos consensualmente validados pelas maneiras Um exemplo é ministrado pelo estudo de Gross et al. do
acima, O comportamento de papel só é relativamente fixo en- papel do superintendente da escola *3 Verifica-se que o exerci-
quanto proporciona uma coerência percebida e uma estrutura es- cio dêsse papel: (1) envolvia realmente grande quantidade de
tável para a interação, mas sofre uma revisão cumulativa no pro- comportamento seletivo na escolha entre as interpretações e os
cesso assuntivo de papéis de acomodação à simples conformidade comportamentos alternativos julgados possíveis e apropriados, e
exigida pelas prescrições formais, e de compromisso com ela. que (2) a congruência e a coerência do comportamento de um
Às intenções e opiniões dos atôres constituem elemento uni- titular do papel só poderiam ser encaradas em função do papel
ficador na gênese e manutenção de papéis e, por conseguinte, a total como acomodação aos papéis alheios correlativos do mem-
assunção de papéis deve ser vista como envolvendo grande dose
bro da junta escolar, do professor e do pai, com os quais o su-
de percepção seletiva do comportamento alheio e de ênfase di- perintendente precisava interagir simultâneamente. No dizer dos
ferencial na elaboração do padrão de papéis. Êsse processo de autores, um “modêlo de sistema”, em contraste com um modêlo
seleção opera sôbre a grande variedade de elementos na situação “centrado na posição”, envolve a importante inclusão das inter-
de objetos e comportamentos alheios relevantes que poderiam -relações entre as posições contrárias
tornar-se componentes reconhecidos num padrão coerente de pa-
33 Neal Gross et al, Explorations in Role Analysis (Nova Torque:
42 Turner, loc cit, p 26 John Wiley & Sons, Inc., 1958).

212 213
Uma posição só pode ser descrita completamente se se descre-
ver q sistema total de posições e relações de que ela faz parte. Em
papéis. As verdadeiras transações de papéis que ocorrem, con-
outras palavras, num sistema de partes interdependentes, uma mu- tudo, geram um compromisso de trabalho mais ou menos coe-
rente e estável entre as prescrições ídeais e um processo flexível
É

dança em qualquer relação produzirá efeito sôbre tôdas as outras


i
i

de criação de papéis — entre as estruturadas exigências alheias e


Í

relações, e as posições só podem ser descritas pelas relações. 34


os requisitos de nossas próprias intenções e opiniões. Essa con-
Dessa maneira, Turner vê o critério de validação interna co- cepção das relações dos papéis como “plenamente interativas”,
mo se êste assegurasse a modificação, a criação ou a rejeição mais do que meramente conformativas, contribui para as tendên-
constantes do conteúdo dos papéis específicos que ocorrem na cias recentes “de subordinar os processos normativos aos funcio-
ação recíproca entre as concepções ideais de papel do ator e a ex- nais na explicação da integração societal” 3º pondo em destaque
periência que êle tem das suas implicações concretas. a complexa interdependência adaptativa de atôres e ações no que
A base da “validação externa” de um papel é o juizo de que vemos como um processo essencialmente morfogênico —- mais
o comportamento constitui um papel, formulado por outros que uma vez em confronto com um processo tão-só de equilíbrio ou
se presumem pretendentes à correção e à legitimidade, Os cri-
homeostático.
térios aqui incluem: o descobrimento de um nome de uso co-
mum para o papel: a confirmação das principais normas ou valô-
res, a segurança de pertencer, como membro, a grupos reconhe- O Processo Institucional como “Ordem Negociada”
cidos, a ocupação de posições formalizadas e a experiência de
indivíduos-chave como modelos de papel, que traduzem em ação, Recente estudo empírico de uma organização formal ilustra
atitudes costumeiras, metas e ações específicas, admirâvelmente inúmeras facêtas da concepção de Turner e for-
Na “frouxa operação normal da sociedade”, assevera Tur- nece novas achegas à nossa tese. No estudo que fêz do hospital
ner, êsses vários critérios internos e externos de validação, na e da sua ordem interativa, Anselm Strauss e seus colegas desen-
melhor das hipóteses, são apenas parcialmente coerentes e con- volveram um modêlo de processo de organização, que se rela-
ducentes à identificação das mesmas unidades e do mesmo con- ciona diretamente com o problema sociológico básico “da manei-
teúdo com papéis. Às resultantes e inevitáveis discrepâncias ra pela qual se mantém uma medida de ordem em face de mu-
entre as regras e papéis formais e institucionais, de um lado, e danças inevitáveis (deriváveis de fontes tanto externas quanto
as metas, opiniões e interpretações seletivas, nascidas da expes internas em relação à organização)” Rejeitando uma con-
37?

riência dos que realmente tentam representá-los, de outro, fazem cepção demasiadamente estrutural, êles partiram da presunção de
das concepções de papéis “compromissos criativos”, e asseguram que a ordem social não é apenas normativamente especificada e
“que a estrutura dos papéis operará como quadros de referência automaticamente mantida, mas alguma coisa que precisa ser “tra-
ideais imprecisamente concebidos para o comportamento, muito balhada” e permanentemente reconstituída. Os acôrdos parti-
mais do que como conjunto inequívoco de fórmulas”, 85 lhados, implícitos na regularidade, não são sempre obrigatórios
Em suma, as instituições podem ensejar uma estrutura nor- nem são partilhados indefinidamente, mas envolvem uma dimen-
são temporal, que implica uma revisão final e a renovação ou a
mativa, que prescreve os papéis a serem representados, assegu-
rando assim a necessária divisão do trabalho e reduzindo ao mí- rejeição consegiientes. Fundados nessas considerações, Strauss e
nimo os custos do comportamento exploratório da fixação de
30 Ibid,p 38.
37 Anselm Strauss ct al, “The Hospital and Tts Negotiated Order”,
34 Ibid, p. 53 em The Hospital ir Modery Society, Eliot Freidson (Nova Iorque: Free
so Turner, loc cit, p 32. Press of Glencoe, Inc, 1963), p. 148.

aid 215
seus colegas criaram a sua concepção da ordem organizacional co- ções universais, sendo preciso que se lhes aquilatasse a aplicabi-
mo “ordem negociada”. lidade ao caso específico.
À semelhança de qualquer organização, o hospital pode ser As ambigúidades e divergências que exigem negociação são
visualizado como hierarquia de status e poder, de regras, papéis vistas pelos pesquisadores como padronizadas. Os vários moti-
e metas organizacionais. Mas é também local pata um complexo vos que conduzem à negociação incluem: discordância e tensão
em curso de transações entre tipos diferenciados de atôres: pro- no tocante à escolha da melhor enfermaria para o paciente, a fim
de ensejar-lhe as maiores probabilidades de cura; o método de
fissionais, como médicos, psiquiatras, residentes, enfermeiras e
estudantes de enfermagem, psicólogos, terapeutas ocupacionais e tratamento escolhido pelo médico (intimamente ligado à sua pró-
assistentes sociais; e não profissionais, como o pessoal em seus pria ideologia e treinamento psiquiátricos); a multiplicidade de
vários níveis, os próprios pacientes e suas famílias. Os indiví- propósitos e finalidades temporais de cada um dos grupos pro-
duos envolvidos se encontram em vários estádios de suas carrei- fissionais ao manobrarem no sentido de obter a necessária coope-
ração dos companheiros de trabalho; o elemento de incerteza mé-
ras, têm suas próprias metas, opiniões, grupos de referência e
dica subentendido no tratamento do paciente como “caso indi-
ideologias particulares, gozam de vários graus de prestígio, esti-
vidual”, único, e a grande área consegiiente de contingência, que
ma e poder e conferem à situação do hospital uma significação
diferencial. Verificou-se que as regras que se julgavam destina- se acha forçosamente além da prescrição específica do papel; e,
das a governar as ações dos profissionais estavam longe de ser por fim, as mudanças inevitáveis impostas ao hospital e à sua
amplas, claramente enunciadas ou compulsórias; práticamente gente por fôrças externas, pelas imprevistas consegiiências de po-
líticas internas e pela ronda das próprias negociações. O que se
ninguém conhecia tôdas as regras existentes nem as situações e
observa concretamente, portanto, ao pesquisar a ordem organi-
sanções aplicáveis. Algumas regras anteriormente administradas
zacional do hospital, é a negociação entre o médico treinado neu-
caíam em desuso, recebiam a reafirmação administrativa ou eram
recriadas numa situação de crise. Como em qualquer organiza- rolôgicamente e o médico treinado psicoterapêuticamente, entre
as enfermeiras e o pessoal da administração, entre o pessoal não
ção, as regras se invocavam, violavam ou ignoravam seletivamen-
te, para ajustar-se às necessidades definidas do pessoal. Os níveis
profissional e o médico, e entre o paciente e cada um dos outros.
administrativos mais elevados, principalmente, evitavam as ten- Constatou-se que o próprio processo de negociação tem ca-
tativas periódicas de codificação e formalização das regras, com racterísticas padronizadas e temporais. Nessas condições, médi-
receio de restringir a inovação e a improvisação, que se cuidavam cos diferentes instituem seus próprios programas particulares de
necessárias ao trato dos pacientes. Além disso, a multiplicidade tratamento e atendimento dos pacientes e, no decorrer do pro-
de ideologias, teorias e intenções profissionais jamais tolerariam cesso, criam entendimentos assaz estáveis com enfermeiras ou
tamanha rigidificação. outros guardiães institucionais, de modo a promover uma ordem
eficiente de comportamentos com um mínimo de comunicação e
Em suma, era diminuta a área de ação abrangida pelas re-
instruções especiais. Tais arranjos não são exigidos por nenhu-
gtas claramente definidas, representadas por umas poucas “regras ma prescrição de papel organizacional mas, não obstante, repte-
gerais da casa”, baseadas em entendimentos partilhados havia sentam parte da organização real gerada no processo morfogênico
muito tempo. A base da ordem organizacional residia na injun- da negociação (ou da criação e assunção de papéis, segundo a ter-
ção generalizada, na meta ambígua e única de devolver os pacien- minologia de Turner). Dessarte, os acordos não são fortuitos,
tes ao mundo exterior em melhores condições. Fora isso, as re- senão padronizados em função de “quem contrata quem, a res-
gras que ordenavam a ação com essa finalidade eram tema de peito do que, quando...” º8 Existe também um aspecto tem-
continuas negociações — discutidas, espichadas, ignoradas ou
postas de lado, conforme parecesse exigi-lo a ocasião. Como em
qualquer outro lugar, as regras deixavam de atuar como prescri- 38 Ibid,p. 162.

216 217
poral importante, qual seja, o da especificação de um período de vista que, por fôrça da sua lógica e da sua relevância empíti-
final, muitas vêzes incluído por escrito num acôrdo — como ca, está desafiando sêriamente o ponto de vista estrutural-norma-
quando o médico negocia com a enfermeira-chefe a permissão tivo. Outro espécime importante, um pronunciamento teórico
para que o seu paciente permaneça numa determinada enferma- mais geral aplicável no nível societal, é a “Teoria da tensão de
ria por “mais dois dias”, a fim de ver se as coisas se encaminham papel”, de William J. Goode. 3º Segundo o seu argumento fun-
satisfatôriamente. damental, a ordem ou estabilidade social deve ser explicada, não
Numa seção final do artigo que escreveram, Strauss e os pelo “compromisso consensual normativo” dos indivíduos do
seus colegas trazem à baila as plenas implicações do seu modêlo grupo, nem pela integração das próprias normas, senão como re-
de negociação para a mudança organizacional autêntica. O mo-
sultado de um processo cumulativo, caracterizado pelo dissenso,
dêlo apresenta uma imagem do hospital -— e talvez da maioria
decorrendo a tensão de papel da dificuldade normalmente senti-
da de satisfazer às suas exigências, e a conseguente barganha de
das outras esferas institucionalizadas da vida social — como am-
papéis, que serve para organizar os sistemas totais de papéis dos
biente transacional em que inúmeros acordos são continuamente
atôres e o seu desempenho. Às “instituições” são o estado cumu-
firmados, renovados, examinados, revogados, revisados”. Mas
lativo atual dêsse processo em curso, essencialmente morfogênico.
isto suscita o problema da relação entre êsse processo e a estru-
tura mais estável das normas, status etc. Os autores enxergam Ao desenvolver êsse tema, tece Goode uma teia conceptual
estreita relação sistêmica entre ambos. Às negociações diárias que concorre ainda mais para o entrelaçamento da “estrutura so-
exigem periodicamente uma reavaliação e uma reconstituição da cial”, dos processos de tomada de decisão e dos produtos emer-
ordem organizacional numa “nova ordem, e não no restabeleci- gentes da interação social. As estruturas sociais são vistas como
mento de uma ordem antiga, como se se reinstituísse um equilí- formadas de relações de papéis, as quais consistem em transações
brio anterior”. E, acrescentaríamos nós, nada adiantará referir- de papéis ou segiiências de “barganhas de papéis”, que, por seu
mo-nos a isso como a um “equilíbrio móvel” no sentido cienti- turno, envolvem indivíduos interagentes, que tentam resolver as
ficamente estabelecido do têrmo. O processo diário de negocia- distorções mais ou menos normais de papéis tipicamente muito
ção não só permite que seja feito o trabalho de todos os dias, difíceis. A solução da tensão do papel ocorre num processo ca-
mas também realimenta a estrutura mais formalizada e estável racterístico do sistema adaptativo complexo, tal como foi deli-
de regras e planos de ação, por meio de “um processo periódico neado em nosso moderno modêlo de sistemas.
de avaliação” -— modificando-o, às vêzes lenta e gradativamen- Sustenta Goode que o largamente aceito modêlo da socie-
te, às vêzes rápida e convulsivamente. E é possível afirmar que dade em têrmos de papéis, de Linton, — baseado na presunção
tôdas as estruturas formais existentes podem ser virtualmente de que a continuidade do papel e, portanto, a manutenção socie-
acompanhadas desde o início até o estado atual, aparentemente tal se devem principalmente ao compromisso consensual e à inte-
sem fim, por meio de um processo morfogênico dessa natureza gração normativa -— não consegue explicar os fatos da complexa
— um processo característico do que denominamos o sistema sociedade moderna. Por exemplo, certos indivíduos não aceitam
adaptativo complexo. sequer os valôres “centrais”; o compromisso emocional varia
significativamente entre os indivíduos, de acôrdo com a classe
social, a idade e o sexo, a região, etc.; as pessoas aceitam amiúde
O Processo Institucional como Solução da Tensão de Papel valôres contraditórios; os seus valôres e compromissos mudam,
não raro, significativamente mercê das mudanças da posição so-
Concepções como as de Tutner e de Strauss et al. não são
simplesmente duas maneiras novas de encarar a organização so- s9 William jJ. Goode, “A Theory of Role Strain”, American Sociolo-
cial, mas representam parte da recente convergência de pontos gical Review, 25 (1960), 483.96,

218 219
cial, e assim por diante. Reconhece-se, além disso, mais uma vez, “variáveis de padrão”. Assim, sugere-se que o indivíduo pod

uma utilizar dois grupos de técnicas ao tentar reduzir sua tensão do


que as normas e as definições de papéis especificam apenas papel. Um grupo se refere à decisão sôbre se encetará ou deixa.
gama de comportamentos e, portanto, não são guias adequados
de ação, ainda que aceitos. rá uma relação de papéis, ou quando deverá fazê-lo, e inclui: a
separação em compartimentos estanques” de várias exigências
As obrigações totais impostas pelo papel ao indivíduo, afir- dopapel; delegação”; a “eliminação” das relações do pa el;
ma Goode, são idealizadas e excessivamente difíceis. Na
reali- a.
dade, não são sempre intrinsecamente agradáveis e amiúde se
a extensão” de algumas obrigações do papel
para justificar o
menosprêzo de outras; e o estabelecimento de “barreiras à intru-
revelam ambivalentes, contraditórias, incoerentes ou conflitantes.
são, como uma secretária ou outro guardião. O uso eficaz des-
Daí que as presunções de integração institucional e de compro- sas técnicas — que, segundo podemos notar, tornam-se institu-
misso com as normas não possam explicar a verdadeira integra- cionalizadas como facêtas importantes de estruturas e processos
ção ativa do sistema total de papéis de um indivíduo, nem a in- organizacionais — proporciona ao indivíduo margem para esco-
tegração entre os sistemas de papéis de grupos de indivíduos. lher um grupo de papéis que sejam razoâvelmente afins
Como vimos, foi precisamente admitindo por hipótese a inte- que se
sustentem mútuamente e que não conflitem em demasia uns com
gração normativa e simplificando em demasia ou reificando a es- os outros Reconhecemos nessa concepção um complemento da
trutura social que a tradicional teoria do consenso perdeu muitas análise de Turner do processo de “criação e assunção de papéis”
vêzes de vista a dinâmica do processo social. A perspectiva de e dos modelos de interação esboçados no capítulo gtéior º
Goode, como a de Turner, a de Strauss e outros, nos obriga a
“desreificar” a noção da estrutura social e expô-la sob o aspecto oO outro grupo de técnicas focaliza as reais transações de
das transações e acomodações interindividuais, que conduzem à papéis com outros, depois de permitida ou requerida uma rela-
emergência de estabilidades relativas de expectativas e padrões ção. Isto conduz ao exame da barganha de papéis, com que já
topamos nas teorias da troca, d negociaçãoiaçã
do comportamento real, com que topamos ao estudar os fenôme- ção, dos jogos,
j
»
da
8 ogo e que
uú -
ande
À

nos organizacionais concretos.


Longe de descobrir alguma “lei da inércia social”, Goode
À estrutura institucional dada é vista mais
uma vez por-
vê um constante impulso por trás dessa atividade e conceptuali- tanto, como quadro ou cenário que limita e ajuda a afeiçoar as
do papel” transações de papéis da tomada de decisão, ajudando a determi-
za-o em função da tensão psíquica normal ou “tensão
“q dificuldade sentida em satisfazer às obrigações do papel” nar, por exemplo, as técnicas empregadas para reduzir a tensão

— que acompanha as séries diárias de atividades e interações dos
indivíduos. Continuamente, e só mais ou menos sistemâticamen-
do papel. O que se quer dizer é que as transações e expectações
de papel anteriores estabilizaram-se o tempo suficiente
para se-
te, os indivíduos distribuem o seu tempo, as suas energias e as rem apoiadas por um crescimento cultural de ideais, valôres e
suas habilidades entre as várias exigências formais e informais ideologias mais ou menos interiorizados, bem como por símbolos
dos parceiros no mesmo papel e das próprias autoconcepções. externos, esteios materiais e, sobretudo, instrumentos de sanção
A “estrutura institucional” existente — as acomodações anterior- organizados, que escoram posições sociais de poder e autoridade.
mente estabilizadas e formalizadas — limita e padroniza essa ação Mas, como sustentaremos mais circunstanciadamente no capítulo
reciproca de decisões e interações mas, em resultado disso, a seguinte, ainda quando tratamos dos fenômenos básicos do po-
própria estrutura sofre contínua modificação. der, da autoridade e da legitimidade, ainda estamos olhando pata
as acomodações cotidianas de transações de papéis parcialmente
Goode mostra como um modêlo dêsses é capaz de gerar ca-
espontâneas e criativas, que se acham implícitas na presumida
tegorias intermediárias de estruturação da ação e da interação so-
ordem social e nos afastam da presunção demasiado fácil de uma
ciais, de uma forma que, a nosso ver, se articula com alguma das
mais fecundas categorias da teoria do consenso, por exemplo, as integração e de um consenso normativos. Como argumenta

220 221
indiví-
Goode, a soma total das decisões de papéis dos muitos associadas a qualquer posição particular. Mas o descobri
essa
duos e grupos que tentam resolver a tensão do papel estabelece o dos graus diferenciais de consenso pôs sêriamente em dú ida
eco
fluxo dos desempenhos de papéis que constituem as instituições
ativas e, assim, determina o grau preponderante de integração
suposição. Em função do nosso modêlo de sistemas o
cimento dos graus de consenso equivale ao rerquhesimiente deo, ,he
entre os vários aspectos da estrutura institucional. E conquanto uma contínua fonte de “variedade” no sistema de pa eis 1
nos faz procurar os vários processos seletivos que ocorrem
ni
êsse complexo de desempenhos mantenha, de ordinário, uma so- co.
ciedade, pode também modificá-la significativamente, ou mesmo transações de papéis. Pelo menos no caso das posições ocu
deixar de mantê-la, a despeito de todos os ornatos institucionais.
Não existem garantias automáticas, embora êsse tipo de sistema
nais estudadas, verificou-se que a presunção de que a s
ção se verifica na base do consenso prévio nas definições
daliza
de o
de insustentável e merecia “ser contestada na maior parte
— como sustenta o nosso modêlo — contenha o potencial pós era
as formulações de aquisição de papéis, incluindo até as
adaptação. O mesmo sucede com o indivíduo: o seu padrão to-
que se
tal de papéis pode ou não vir a apoiá-lo; as pressões e os confli- referiam à. socialização
.
da criança”, 1º
da Em segundo lugar, a pesquisa revelou que, em lugar de
tos internos gerados podem acarretar mudanças adaptativas
personalidade ou a má adaptação e a destruição. supor o consenso na definição dos papéis e explicar as vari GE
de comportamento de ocupantes da mesma posição função

eo
em

roi
de variáveis da personalidade, seria mais fácil explicá-la bo
Dois Estudos Ilustrativos aspecto das várias expectativas e definições de papéis — Po
dem não ter nenhuma ligação com diferenças

Remataremos êste capítulo sôbre a “estrutura” institucional As implicações são também importantes para uma teoria “que d

fe
como processo morfogênico examinando rápidamente
dois estu- contrôle social, Em vez de um modêlo em que se presum ;
conduzirão a recapi- a aplicação ou a ameaça de sanções negativas E arreros a
dos empíricos, que vêm em seu apoio e nos
tular o nosso modêlo geral de sistemas da sociedade como um midade com normas aceitas, Gross et al. encontraram Riibigios
sistema adaptativo complexo, alheio ao sistema do equilíbrio. O situações em que, mercê de variadas ou ambíguas definições le
estudo supracitado de Gross ef al, sôbre o sistema papéis, o mesmo comportamento resultava em sanções negativa :
primeito é o
de papéis do superintendente da escola e de seus parceiros
de impostas por alguns parceiros do papel e em sanções ositi
papéis contrários, o membro da junta escolar, o professor e o impostas por outros. Às vêzes não se registrava gemer a apli
pai. Um dos ônus principais dêsse estudo empírico é demonstrar, cação de sanções em virtude da ambigiidade percebida; à da:
mais uma vez, a esterilidade, em matéria de pesquisa,
da con- vêzes, se verificava a não conformidade com as expecta ões pe s
cepção lintoniana do papel e das teorias estruturais edificadas cebidas de outro, a despeito das sanções negativas ne a
de- expectações do outro eram definidas como sendo gás Togitinmas:
sôbre ela, graças principalmente ao postulado de consenso na
finição do papel O estudo mostrou uma maioria de diferenças Outro postulado lintoniano contestado é
por essa pesquisa
de
significativas nas definições dos seus papéis por uma amostra que, se bem possa ocupar muitas posições, até simultâneamente
social e por ocupantes de posições o ator ativa cada papel de per sí, enquanto os outros perman
ocupantes da mesma posição
contrárias diferentes, porém inter-relacionadas. Êsse fato
levou cem “latentes”. Constatou-se, todavia, que os indivíduos não
consegiuên- raro percebem e agem em relação a parceiros de papel como se
os autores a demonstrar certo número de importantes
cias teóricas derivadas da sua rejeição do postulado do consenso

SE
o pro-
na definição do papel. Presume-se frequentemente que 40 Neal Gross et al, , Explorations in Rol e Analysis,
da
j
321.
À

“adquirem” os papéis, minis- E)

in
cesso de socialização, pelo qual se : ] et al, Organizational Stress: Seudico
p.

L. Kabn Role
tra um conjunto de expectações claramente definidas e aceitas, ict and Ambiguity (Nova Iorque: John Wiley & Sons, Inc., 1964).

222 223
múltiplos papéis simultâneos estivessem sendo
ativados. Por péis, proposta pelos teóricos do consenso. A vinculação se faz
exemplo, podem-se acalentar, em relação a um professor jovem em função dos conceitos de legitimidade percebida das expecta-
e solteiro, expectações diferentes dos que se
acalentam em rela- ções conflitantes, de uma avaliação das sanções que podem ser
aplicadas e de uma predisposição para dar primazia a uma orien-
ção a um aprofessôra mais velha e casada, Em outras palavras,
total — como de- tação moral, a uma organização conveniente ou a um equilíbrio
os padrões e expectações aplicam-se à pessoa
corrência, em parte, do complexo de posições que se percebe que entre as duas. Estamos, assim, tratando de questões de poder
está ocupando naquele momento. Uma consideração autoridade, valôres interiorizados e interêsses materiais, que, co:
a pessoa
correlata envolve o espaço de tempo em que dois ou mais indiví- mo já vimos, são fundamentais para a análise dos processos ins-
êles ocupam, entram pro- titucionais. Enfrentamos, mais uma vez, a questão de saber como
duos interagem: outras posições, que
de cada um dos outros e, con- as transações de papéis são condicionadas pela estrutura social
gressivamente em sua percepção circundante e como essa estrutura é gerada e regenerada como
lhes modificam as avaliações e expectações. Dessa
segitentemente,
maneira, os autores generalizam o argumento, emprestando-lhe produto do complexo de transações de papéis.
social ao aventarem As quatro alternativas que, ao parecer de Gross e seus co-
um cunho de teoria mais ampla da interação
transferem, com o tempo, dos que legas, estão frangueadas ao ator que tenta resolver um conflito
que os padrões de avaliação se
ocupante de uma posição deter- de papéis entre duas expectações incompatíveis, 4 e B, são: (1)
se aplicam como apropriados ao
minada, para os que se aplicam à pessoa total com características conformidade com a expectação 4, (2) conformidade com a ex-
derivadas das múlti-
de personalidade e capacidades particulares pectação B, (3) uma conciliação, ou tentativa de conformidade
plas posições. parcial com ambas as expectações, e (4) tentativa para evitar a
êsses conformidade com qualquer uma das expectações. O primeiro
Finalmente, a rejeição do modêlo do consenso levou
do papel ou de critério que a teoria postula para fundamentar a escolha de alter-
pesquisadores a acharem um processo de tensão nativas é a definição, pelo ator, da legitimidade das suas ex-
geração e solução do conflito de papéis semelhante, em
princí-
discutidos. Tendo defini- pectações. Dessa maneira, as previsões de comportamento estri-
pio, ao conceptualizado por outros, já badas nesse critério são as seguintes: quando apenas uma ex-
estudando como um verda-
do o conjunto de papéis que estavam
pectação é percebida como legítima, o ator se conformará com
deiro sistema complexo de componentes inter-relacionados e ten- ela; quando ambas se definem como legítimas, êle buscará con-
do, a seguir, descoberto e analisado a variedade continuamente ciliar as duas; e quando nenhuma é vista como legítima, êle
introduzida no sistema por intermédio de variadas, ambíguas ou adotará um comportamento qualquer no sentido de evitálas. O
mutáveis definições de papéis, passaram a focalizar o processo segundo critério é a percepção, pelo ator, das sanções que seriam
de seleção por meio do qual essa variedade era joeirada e separa-
circunstân-
Nessas aplicadas em caso de inconformidade. Isto poderia criar pressões
da no toma-lá-dá-cá das transações de papéis. tendentes à conformidade se se previssem vigorosas sanções ne-
cias, numa situação em que o titular do papel se via diante das
de papéis gativas. Entretanto, o critério não prevê o caso em que ambas
expectações incompatíveis de dois dos seus parceiros as expectações, 4 e B, são percebidas como conducentes a pou-
à sô-
contrários, construiu-se uma teoria para responder pergunta cas sanções negativas, ou a nenhuma,
escolher entre quatro alter-
bre a maneira pela qual o ator pode
nativas na solução do conflito Visto da nossa perspectiva pre- Presume-se que, em qualquer situação de conflito de papéis,
con- o ator empregaria ambos os critérios e tomaria uma decisão cor-
sente, o esquema teórico dêles constitui outra importante
tribuição para o forjamento de um veículo conceptual entre a respondente. Nesse ponto, as previsões bascadas na teoria con-
duzem a soluções determinadas do conflito em sete das dezesseis
dinâmica da transação de papéis e a estrutura social circundante,
identifi- combinações derivadas dos quatro tipos de legitimidade e dos
mais estável — vínculo frequentemente ignorado pela
social desempenho consensual de pa- quatro tipos de situações sancionadoras, permanecendo as outras
cação da estrutura com o

224
8 225
nove combinações indeterminadas. Isto se dá porque os dois O segundo estudo empírico que esboçaremos baseia-se mais
critérios predispõem o ator a diferentes direções ao mesmo tem- explicitamente numa compreensão do enfoque moderno dos sis-
po e faz-se mister, pelo menos, um terceiro critério para deter- temas, focalizando, como o faz, uma teoria da “mudança interna
minar o resultado líquido. Os autores recorrem, portanto, à autogeradora”, O antropólogo Ronald Cohen expõe uma aná-
predisposição do ator para dar primazia ao critério da legitimi- lise tedricamente bem organizada do seu estudo de campo do
dade ou à dimensão das sanções ou, ainda, para equilibrar os
dois. Isto nos leva à postulação de três tipos de orientações pre-
conflito de papéis e mudança entre os Canúris da Nigéria.
estudo focaliza uma “ambiguidade de metas” e “padrões confli-
!O

disponentes às expectações, tais como foram enumeradas acima tantes” numa facêta da hierarquia político-administrativa de na-
— q moral, a conveniente e a equilibrada ;oral-conveniente. tivos e colonizadores conjuntamente, e sobretudo a posição cen-
Tôdas as combinações de situações tornam-se agora previsíveis. tral do “chefe de distrito” nativo, que veio a combinar as diver-
À exatidão das previsões foi posta à prova empiricamente com síssimas otientações culturais dos colonizadores britânicos e dos
os dados do estudo sôbre o papel do superintendente para qua- Canúris nativos. Essa diversidade entre as duas culturas, bem
tro “situações incompatíveis de expectação”. As provas corro- como no interior de ambas, tendia a provocar incoerências, am-
boraram a teoria, apesar de algumas previsões incorretas. bigiiidades e conflitos no tocante às metas políticas bem como
Às implicações dessa conceptualização e da análise empíri- aos padrões e desempenhos de papéis, e tais problemas eram con-
ca são de grande alcance, como já se aventou, pata a teoria so- tinuamente exacerbados pela variedade de pressões exercidas sô-
ciológica geral. O estudo se ocupa do que se deve considerar bre os chefes de distritos pela administração nativa central, pela
como organização e processo “institucionais”, e apoia um modê- administração colonial e pelos departamentos técnicos coloniais.
lo dessa estrutura e dêsse processo muito diferente dos modelos Cohen analisa as consegiiências dessa situação para O siste-
mais tradicionais. Como assinalam os autores, uma grande van- ma político em função da teoria do processo e da mudança orga-
tagem da teoria é a sua conceptualização do comportamento de nizacionais, de A, G. Frank. *º Em face das condições de ambi-
papel institucional mais em têrmos das “expectações”, sejam elas gúidade e conflito de padrões e metas, presume-se a ocorrência
legítimas ou ilegítimas, do que em função das “obrigações” (ex- de um processo de desempenho seletivo e de imposição seletiva
pectativas legítimas ) como o presume a teoria do consenso. Ela de padrões. Os subordinados serão obrigados a decidir quais as
dá margem assim à possibilidade de que as expectações ilegíti- expectativas a que se conformarão e dos superiores se exigirá que
mas constituam parte significativa do comportamento de papel avaliem êsses desempenhos e, portanto, imponham seletivamente
institucional, e fundamenta boa parte do conflito que ocorre — certos padrões em detrimento de outros. Tal presunção conduz
como sabemos perfeitamente ser o caso — no interior do pro- a certo número de previsões, que Cohen passou a verificar, Em
cesso institucional. Segue-se, além disso, que a aberração — não essência, predisse êle que se inicia um processo contínuo, que
conformidade com as expectações — é um elemento mais ínti- muito se assemelha, embora de forma exagerada, às situações de
mo e normal do comportamento institucional do que o permi- “tensão do papel”, “criação do papel” e “ordem negociada” que
tiria a teoria do consenso. E a teoria também admite o reconhe- já examinamos. Os titulares do papel deixam de conformar-se,
cimento teórico da possibilidade de que grande parte do compor- ou fingem conformar-se, a alguns padrões e escolhem diferencial
tamento organizacional se baseie, não em normas e valôres inter.
nalizados, mas num cálculo conveniente dos interêsses próprios 41 Ronald Cohen, “Conflict and Change in a Northern Nigerian Emi-
e das possíveis recompensas e castigos. Isto, por seu turno, dei- rate”, em Explorations in Social Change, org por George K. Zollschan e
Walter Hirsch (Boston: Houghton Mifftin Company, 1964), Capítulo 19.
xa aberta a possibilidade teórica de que o poder, bem como a
42 A G Frank, “Goal Ambiguity and Conflicting Standards: An
autoridade legitimada, seja fregentemente um fator de contrôle
Approach to the Study of Organization”, Human Organization, 17 (1959),
do comportamento institucional. 813.

226
mente aquêles a que se conformarão. Como consegiiência, pres- seletivos analiticamente distintos, que operam sôbre a variação no
supõe-se que o sistema de papéis exiba uma tensão no sentido interior do fenômeno, para produzir uma história de desenvolvi-
da racionalidade substantiva (na acepção de Weber), de padrões mento que se adapta constantemente e, portanto, evolvente, Em-
mutáveis para os membros, da ampla inovação de papéis ou bora se achem presentes em Bornu orientações de tradição mais ou
“aberração”, da pronta adaptação às mudanças do meio e de menos estáveis, os conflitos que se verificam na organização política
produzem uma variabilidade de resposta pelos atôres, sôbre os quais
uma ativa e farta circulação de informação acêrca de padrões e podem atuar as pressões seletivas exercidas por superiores na hierar-
metas por “distribuidores intermediários de informação” e mem- quia política no sentido de provocar inovações e mudanças por in-
bros que procuram reduzir a ambigiidade e o conflito encerrados crementos, isto é, mais evolucionárias do que revolucionárias. 43
nesses padrões e nessas metas O processo, por conseguinte, é
um circuito de realimentação em que os superiores modificam
continuamente os seus padrões ou expectativas à medida que mu- Conclusões
dam as definições dos objetivos políticos, e os subordinados
adaptam as suas decisões e os seus desempenhos a essas mutá- Nos dois últimos capítulos tentamos expor uma concepção
veis expectativas e às circunstâncias que os rodeiam; e isto, dos processos por cujo intermédio se desenvolvem, mantêm, ela-
por
seu turno, modifica o estado de tôda a situação em relação à boram e modificam as estruturas socioculturais, ou instituições.
qual os superiores estão agindo O sistema de papéis, portanto, Ao fazê-lo, aduzimos argumentos em favor do modêlo de sistema
é visto como continuamente receptivo e sensível às pressões ex-
adaptativo complexo, em contraste com o modêlo de sistema ho-
ternas € internas, que exigem uma espécie de “projeção” praticá- meostático ou de equilíbrio, e procuramos mostrar que o primei-
vel da “variedade” situacional abundantemente acessível, a qual,
ro organiza mais adequadamente o que julgamos saber, através
por sua vez, possibilita — se bem não garanta — a evolução de da observação empírica, sôbre a natureza dinâmica das socieda-
processos organizacionais, institucionalizados, mais ou menos des. Acreditamos que a teoria e a pesquisa modernas estão, de
adaptativos. fato, caminhando para um modêlo assim, cujos primórdios fo-
Aplicando essa teoria aos Canúris, Cohen descobriu que as ram dignos de nota na sociologia inicial dêste século, antes do
previsões eram substancialmente confirmadas. Deixemos a des- aparecimento da “teoria estruturalista do consenso”.
|
crição pormenorizada dêsses fenômenos ao estudo original, que Discutindo as principais hipóteses da teoria do consenso,
! chegou à seguinte conclusão prática geral: apesar do seu tradi- argumentou-se que o grau de generalidade e especificidade das
cionalismo aparentemente conservador e antiprogressista, o sis- normas e valôres numa sociedade é empiricamente problemático
tema de papéis políticos dos Canúris revelou maior submissão às e que, de qualquer maneira, essa teoria não explica as estruturas
variadas pressões de superiores e às exigências situacionais do e processos ativos encontrados na realidade. Normas e valôres e,
que aos dogmas da tradição Demonstrou ser, por essa maneira, portanto, papéis e estruturas institucionais em geral, não especi-
um sistema autogerador, que encerra os mecanismos da própria ficam comportamentos concretos; são regras ou guias mais ou
transformação. Ás ilações dêsse fato para os planos de ação re- menos gerais e não contêm “informação” suficiente para especi-
lativos aos “países subdesenvolvidos” são de óbvia importância. ficar a operação pormenorizada do sistema ou para “mapear”
Do lado teórico, Cohen reconhece claramente os corolários mais que uma pequena parte da “variedade” do meio ou o siste-
do seu método de análise para um modêlo de evolução socio- ma interno. O modêlo de sistema dinâmico nega que o sistema
cultural: sociocultural possa ser adeguadamente caracterizado como má-
quina pré-programada; a noção da organização adaptativa com-
Este modélo depende basicamente de duas condições. Primeira: é plexa sugere antes a geração de alternativas, que estão sendo con-
preciso mostrar o fenômeno evolvente como variável em função de
suas unidades constituintes; e segunda: é preciso que haja fatôres
43 “Conflict and Change”, p. 519. Os grifos são nossos.
to to Co
229
tinuamente escolhidas durante o processo de operação por uni- acham implícitos podem ser divididos, de um modo muito geral,
dades de tomada de decisão. Nesse processo, podem ser geradas, em dois tipos principais: há as congruências ou simetrias de co-
mantidas, elaboradas ou mudadas estruturas socioculturais de orientações dentro das matrizes interpessoais de papel, às vêzes
todos os níveis de complexidade. conscientemente negociadas, às vêzes descobertas por acaso —
Em face dessa natureza mais fluida e tentativa da estrutura como o sugerem os modelos de interação de Newcomb, Secord e
sociocultural, o nôvo modêlo sugere que focalizemos as seguintes Backman, e outros, e as teorias do papel de Turner, Goode e
características. Em primeiro lugar estão a natureza e as fontes Strauss et a! Tais “congruências” ou “simetrias” constituem os
da variedade do sistema, incluindo as que são ativamente geradas fundamentos de uma ordem legitima e o seu sistema de autori-
pela própria estrutura dada. Assim sendo, além das “exigências” dade e contrôle. Por outro lado, o mecanismo estabilizador pri-
não mapeadas do meio externo e interno, da ambigiidade norma- mário pode ser uma distribuição diferencial de poder dentro das
tiva e da série de alternativas permissivas, temos também a ino- “matrizes de papéis”, de tal sorte que os padrões de submissão
são institucionalizados, finalmente, na base de sanções coercivas
vação planejada e a não planejada, a aberração aleatória e a es-
truturada, e a diferenciação social e cultural de inúmeras espé- — a despeito da persistência de “incongruências e assimetrias de
cies. Em segundo lugar, precisamos encarar a tensão como agen- coorientação' dentro das “matrizes de papéis”. Isto fundamen-
ta o que poderíamos denominar uma ordem não legitimada de
te dinâmico normal, sempre presente e que, longe de ser “tedu-
zido” por processos automáticos de sistema, precisa ser conser- poder institucionalizado. Ésses dois tipos gerais de mecanismo
vado — como o nível da variedade — num nível ótimo para que abrangem, naturalmente, um contínuo de variados subtipos, que
se fundem concretamente um no outro.
o sistema permaneça viável. As teorias de “redução da tensão”
não podem perder de vista as contribuições positivas da produ- Os processos de seleção continuam por tal modo que algu-
ção de tensão em sistemas complexos. Em terceiro lugar, exis- mas das matrizes de papéis vêm a estabelecer-se como organiza-
tem os processos de seleção por meio dos quais a variedade per- ções ou instituições mais duradouras, as novas estruturas em cujo
cebida, apresentando-se como incerteza, ambiguidade ou confli- interior ocorre o processo social dinâmico. Mas elas mesmas,
to, é ordenada e peneirada em intercâmbios intra-individuais e por sua vez, geram a sua própria versão de variedade e tensão,
interpessoais. As rêdes de comunicação e os fluxos de informa- prosseguindo nesta série de processos de sistema durante todo o
ção podem ser vistos como veículos por cujo intermédio as ten- tempo em que se mantém um nível mínimo de viabilidade.
sões, intenções e expectações são comunicadas como pressões so- Uma coisa que ressalta penosamente da nossa discussão é a
ciais ou influências interpessoais, e por cujo intermédio são dadas profunda impropriedade do conceito de “instituição” tal como
as respostas seletivas cuja soma total, em qualquer período, con- veio a ser utilizado em Sociologia. Embora se trate de um dos
tribui para a ordem (ou desordem) “institucional” nesse mo- têrmos mais empregados nesse campo, possui apenas os mais
mento. Tal processo transacional de troca, negociação ou barga- vagos objetos de referência. Qual é exatamente a base dêsses
nha é, assim, inerentemente, um processo morfogênico, do qual “conjuntos estáveis de expectações”, cuja existência tão amiúde
emergem estruturas sociais e culturais relativamente estáveis; isto presumimos quando, na realidade, encontramos tão avultada quan-
é, definições, expectações, motivos e intenções, que se desenvol- tidade de dissenso, ambigiidade, conflito e mudança nas verda-
vem dentro (e fora) de um dado ato da estrutura institucional deiras regras operatrizes que jazem no âmago das estruturas so-
para o reconstituir, elaborar e modificar por um complexo de
vá- ciais? E até que ponto a estabilidade social que encontramos é o
rios níveis de realimentações. Em quarto lugar, há os processos resultado de mera formalidade ou legalidade, ou de arranjos físi-
de perpetuação e transmissão de algumas dessas estabilidades. cos e ecológicos, que existem há algum tempo e sôbre os quais
Das contínuas transações emergem algumas acomodações e ajus- apenas aquiescem mais ou menos tâcitamente os participantes?
tamentos relativamente estáveis. Os mecanismos que nêles se O problema de definir uma “instituição” frequentemente vem a

230 231
furo quando defrontamos com o conceito de “Jegitimidade”. Os
dois têrmos são, muitas vêzes, interpretados como se significas-
sem a mesma coisa, ou como se um implicasse o outro,
evitando,
assim, os problemas fundamentais do poder, da desorganização,
da má organização e da aberração sociais. Pressupõe-se, com fre-
isso
guência, que tudo o que é “institucionalizado” se baseia, por
mesmo, em normas e valôres interiorizados, consensuais,
sequentemente, “legitimado”. O estudo da desorganização so-
e é, con- 6

cial, da aberração e dos “problemas sociais”, bem como da mu- O CONTRÔLE SOCIAL:
dança social, andou-se atolando por algum tempo nessa presun-
ção. Mas uma grande soma de pesquisas dá a
entender que o O COMPORTAMENTO ABERRANTE, O PODER
crime organizado, a corrupção política, a fraude e a exploração E OS PROCESSOS DE RBEALIMENTAÇÃO
econômicas e outros “problemas sociais” são tão difundidos, tão
estáveis e tão difíceis de se extirparem precisamente por serem
“institucionalizados”. Isto é, envolvem rêdes interpessoais com- Neste capítulo final discutiremos, embora de modo muito
plexas, e não raro altamente organizadas, de expectações, comu- genérico e sucinto, algumas maneiras por que a moderna pers-
nicações, interpretações normativas, interêsses e crenças encerra- pectiva dos sistemas se relaciona com problemas importantes na
das na mesma matriz sociocultural que encerra as estruturas “le- área tradicional do “contrôle social”, a saber, a conformidade e a
gitimadas”. Por conseguinte, se vamos empregar o têrmo “ins- aberração, o poder e a autoridade e os processos de busca de me-
tituição”, façamo-lo preparados para distinguir as instituições “le- tas pelo grupo.
galizadas” das “legitimadas”, e as instituições
“ “legitimadas” das
A julgar pelas aparências, o campo da Cibernética, com o
“não legitimadas”; o poder social da autoridade legitimada; e a
submissão utilitária ou coerciva da conformidade normativa e do destaque que confere à auto-regulação e ao contrôle, deveria ter
muita coisa para oferecer nessa área. Não se esqueça, todavia,
consenso do valor.
que muitos princípios do especialista em Cibernética derivam
da
Abordaremos, no capítulo final, os aspectos centrais dessa observação do comportamento humano, e a reaplicação de tais
grande área de problemas — os aspectos que se referem ao po- princípios a êsse comportamento não tende a ser tão simples
der, à autoridade, à legitimidade e ao “contrôle social”. assemelhados.
quanto a sua aplicação a canhões auto-regulados,
Sobretudo, não permitamos que as noções de “contrôle automá-
tico” e “auto-regulação” nos tirem do sério. Aplicados a mágui-
de referên-
nas, êsses têrmos se relacionam a um ponto humano
cia; isto é, referem-se a máquinas que controlam as próprias ope-
rações, sem a intervenção humana. Mas quando falamos em sis-
temas humanos ou sociais, em que o próprio homem faz parte
do sistema, o conceito de “auto-regulação” poderá ser enganoso
se não fôr cautelosamente usado. Nenhuma idéia de que um
sistema sociocultural é auto-regulador pode significar a garantia
de que — sem embargo das decisões e ações dos homens — os
mecanismos estabilizadores ou de contrôle adaptativo venham a

233
232
funcionar automâticamente quando ocorrerem “distúrbios” no tor procurar encontrar mais que uma reexposição de alguns dos
sistema. Precisamos estar preparados para a possibilidade de que muitos problemas conceptuais de interêsse tradicional, ao lado
um sistema social passe a gerar e a manter fórças aberrantes e de- de umas poucas indicações sôbre os grandes proveitos que pos-
sorganizadoras de maneira tão “automática” quanto a que gera sivelmente advirão do emprêgo sério do moderno esquema de
mecanismos de conformidade e organização. Um sistema auto- referência dos sistemas.
-regulador só pode ser um organismo que encerre certas partes e
inter-relações de partes com possibilidade de responder, de certo
modo adaptativo ou mantenedor de limites, a fôrças externas e O CONTRÔLE SOCIAL
internas — dentro de certos limites e sem nenhuma garantia.
A noção de “contrôle social” não teve uma carreira muito
É preciso também ter cuidado para distinguir (como já afir- feliz em Sociologia em razão das dificuldades de conceptualiza-
mamos) entre a auto-regulação de uma dada estrutura de siste- ção. Na maior parte das vêzes talvez tenha sido empregada, vir-
ma — que tende a manter essa estrutura em sua forma essencial tualmente, como sinônimo da própria Sociologia, interessada, por
(como na homeostase) — e a autodireção (ou contrôle) do pró- exemplo, no problema da ordem social no sentido mais lato. Às
prio sistema, que pode implicar a mudança frequente da sua es- vêzes, tem focalizado as condições de conformidade e refreamen-
trutura particular (como na evolução biológica e sociocultural). to da aberração; outras, a autoridade e a legitimidade, que man-
Sustentamos que esta última representa o traço mais característi- têm uma dada estrutura institucional. * Seja como fôr, os mo-
co dos sistemas socioculturais, ao passo que a primeira representa delos do consenso ou do equilíbrio da sociedade trabalharam de
uma perspectiva altamente seletiva e circunscrita dêsse tipo de mãos dadas com o conceito de “contrôle social” a fim de refor-
sistema, estreitamente relacionada com a teoria do consenso.
çar mútuamente suas fraquezas.
Na primeira seção dêste Capítulo examinaremos brevemente A nossa perspectiva abrange o ponto de vista tão bem sus-
a concepção sociológica geral do “contrôle social” e uma tentati- tentado por Homans: o “contrôle social” não é parte separada
va recente para reformulá-la em função da moderna perspectiva de um sistema — alguma coisa “estabelecida” por um sistema ou
dos sistemas. A segunda seção continua com importante facêta imposta a êle — mas é inerente às inter-relações e interações dos
dessa área, a saber, a “aberração” social, e focaliza as teorias re- elementos que compõem o sistema. Em têrmos cibernéticos, na
centes que pôem em destaque a aberração como fenômeno socio- melhor das hipóteses, o contrôle é apenas parcialmente pré-pro-
gênico decorrente da ação recíproca de certas fôrças sociais e psi- gramado na estrutura do sistema, na antecipação de distúrbios ou
cológicas. Vemos nessa nova teoria uma ilustração da moderna aberrações particulares; parte importante é “regulada pelo êrro”,
pesquisa dos sistemas, muito embora não tenha sido explicita- no sentido de que o sistema processa continuamente a informa-
mente inspirada por ela. A seção final investiga as possibilidades ção, mediante realimentação, acêrca do seu próprio estado e das
de se utilizar o modêlo de realimentação cibernética do aberrações de suas metas. A noção de mecanismos embutidos de
compor-
tamento de busca de metas na análise de determinada espécie de contrôle, por outro lado, supõe uma pré-programação de coerções,
contrôle social, a espécie que envolve o contrôle ou coordenação destinadas a manter uma dada estrutura, apesar da possibilidade
de comportamentos dos membros de uma sociedade ou organiza- de que desafios ulteriores possam exigir mudanças dessa estru-
ção social que visa, específica e conscientemente, ao atingimento
de metas grupais. Às três seções tentam abordar, de maneira mais
unificada, uma área complexa e conceptualmente confundida de 1 Sôbre apanhados recentes do conceito de “contrôle social” veja
contrôle social, que se sobrepõe às áreas discutidas em seções an- Kurt Wolff, “Social Control”, em Contemporary Sociology, org por Joseph
Roucek (Nova Iorgue: Philosophical Library, 1958), 110-31; Roger Nett,
teriores, e que é geralmente tratada sob as rubricas de “poder”, “Conformity-Deviation and the Social Control Concept”, Ethics, 64 (1953),
“autoridade” e “legitimidade”. Nessas seções, não deverá o lei- 38-45,

234 235
tura para maior flexibilidade adaptativa, Grande parte da nossa cessos mais fundamentais da sociedade e concorrem para a for-
discussão em capítulos anteriores tentou demonstrar que isto é mação de um “nexo instrumental” ou complexo de relações, que
assim, se ramificam, entre os vários meios e metas da sociedade. Isto
Negar a existência de mecanismos especiais de contrôle não significa que a adesão ao comportamento socialmente canalizado
é dizer que não deveríamos focalizar áreas especiais —-- tais como conduz, no curso natural dos eventos societais, a “prêmios” (e
o papel das pressões de grupo na promoção da conformidade, ou não a “recompensas” ), e a aberração acarreta “penalidades” (e
o da socialização na produção do comportamento ordenado — en- não “castigos” ). Assim, por exemplo, um homem numa certa
quanto ficar bem claro que a conformidade e o comportamento sociedade de folk, que não se casa, verifica que muitas das coisas
ordenado não exaurem a significação das pressões de grupo e da apreciadas, segundo a definição daquele grupo, não estão ao seu
socialização; a saber, que a última, de fato, é também responsá- alcance em virtude do seu status de celibatário, conquanto não
vel pelo efeito contrário. lhe sejam conscientemente cominadas punições por isso. Dessar-
Recortemos ao princípio de que as normas e valôres, por si te, viu Nadel um processo circular de realimentação subjacente a
sós, não especificam a ação, de que são as normas e valôres, mais essa auto-regulação É a própria adoção dos comportamentos ca-
as interações daqueles que os interpretam diferencialmente, os nalizados que lhes demonstra, de inúmeras maneiras, a validade;
geradores dos comportamentos sociais que estamos tentando ex- isto é, as transações envolvidas geram “a informação que sus-
plicar. Para empregarmos um símile, a ação social é como uma tenta o prosseguimento de uma ação dêsse gênero”. Não pode-
partida de xadrês: as regras e a meta constituem esquema de re- mos simplesmente recorrer aos “contrôles sociais” da crítica pú-
ferência de ação, mas o estado ou a estrutura particulares do ta- blica ou da educação institucionalizada, pois êstes:
buleiro de xadrês em qualquer ocasião são uma função das inte-
não só protegem mas também pressupõem valóres e, portanto, re-
rações particulares das peças até aquêle momento. No caso da presentam, não tanto os contrôles que de fora atuam sôbre a con-
sociedade, porém, algumas das próprias regras e metas se modi- duta desejada, quanto fases de um processo circular, por meio das
ficam, como produto decorrente das interações em curso e da quais 3os
valôres engendram a conduta e a conduta reforça os va-
inevitável geração de “aberrações”. ôres.

Em seu artigo sôbre “Contrôle social e auto-regulação”, S. F.


Nadel propôs uma distinção entre os contrôles sociais mais ex- Mas essa espécie de auto-regulação é mais característica das
sociedades primitivas; as sociedades complexas, altamente dife-
plicitos, intencionais ou formalizados, sustentados por recompen-
renciadas e heterogêneas não adquirem com a mesma facilidade
sas e castigos, e os processos auto-reguladores mais básicos, ine-
êsse tipo de coesão. Se a rêde de relações sociais, os fluxos de
rentes aos sistemas sociais. ? Os costumes, o hábito social, as
informação e os significados estruturados da sociedade num de-
normas ou expectativas não são, êles próprios, a base da ordem:
social, mas requerem duas outras condições para operarem de terminado momento não geram, de fato, tais prêmios e penali-
maneira segura: ou o comportamento normativo é, por si mes- dades, nesse caso, sem embargo do aumento de confiança em
contrôles explícitos, o sistema passa a uma condição em que, por
mo, considerado desejável e apreçado independentemente de ser
também esperado ou costumeiro; ou o comportamento constitui assim dizer, aumentam as probabilidades de transição de outros
rotina, que proporciona o máximo sucesso com o menor risco. estados do sistema, e em que podemos encontrar fenômenos co-
Êstes, no entender de Nadel, são “os verdadeiros elementos da mo tentativas coletivas de redefinir ou reestruturar a rêde de re-
auto-regulação”. Tais condições sustentam as estruturas e pro- lações e significados, difusas manifestações de perturbação men-
tal, aberração de ambas as espécies, positiva e negativa, e conflito
intergrupal,
2F. Nadel, “Social Control and Self-Regulation”, Social Forces, 31
(1953), 265-73. 3
Ibid,p 272.

236
237
O COMPORTAMENTO ABERRANTE
adquiridos se converteram nos antecedentes, e a “má semente”,
Estamos começando a ter plena consciência de que tanto a uma vez plantada, desvelava as suas conseguências na vida subse-
conformidade quanto a aberração podem ser compreendidas em quente, quase a despeito das circunstâncias mais recentes. O
confronto das interpretações em têrmos de natureza, por um
função de princípios semelhantes do processo social, especifica-
lado, e os fatôres ambientais, por outro, e estabelecido o conceito
mente os que já foram discutidos em função “do ato”, o processo
da mútua interação das fôrças sociais e psicológicas, o sociólogo
básico de interação ou transação, e a elaboração de ambos numa
passou a examinar as macroestruturas e processos que poderiam
estrutura relativamente estável. O ponto de vista tradicional vê
estar em ação: a discrepância estrutural entre os meios e os fins
estruturas de “contrôles sociais” que, ao se desmantelarem, liber- culturais, a anomia, a associação diferencial numa matriz subcul-
tam uma torrente de aberrações que se presume ter conseguên- tural ou ecológica, ou coisas parecidas. À seguir, dos anteceden-
cias principalmente negativas para a sociedade. O ponto de vista
mais recente não requer o “desmantelamento” de estruturas, em- tes das macroestruturas, o foco se transfere para os aconteci-
mentos mais imediatos no micronível das transações sociais. Por
bora isto possa ser um fator; afirma que estruturas vigorosas e
fim, hoje em dia se patenteia gradualmente a preocupação de
tenazes, bem amparadas por muitos lados, ajudam a gerar a fechar o citcuito de realimentação da aberração transacionalmente
aberração numa corrente contínua e ramificante, e que essa aber-
gerada e suas manifestações para os antecedentes estruturais e
ração, como um “fundo de variedade”, contém elementos positi- normativos de que ela proveio, vindo esta última, por êsse meio,
vos essenciais para o grupo. ? O processo morfogênico discutido
a sofrer modificação.
no último capítulo parece ser aplicável à geração de estruturas
mentais e sociais aberrantes bem como a estruturas de conformi- Vemos essas duas últimas fases da teoria, que representam
dade. O sistema sociocultural, como tal, não reconhece nenhuma a tendência dinâmica atual, em perfeita consonância com o espi-
distinção entre a conformidade e a aberração — elas são, igual. rito da moderna concepção dos sistemas. A aberração é um
mente, representações do sistema em operação. A distinção é, produto sistemático, oriundo de uma rêde de acontecimentos ou
antes, definida por certos indivíduos e subgrupos, ou “empresá- processos em curso, que envolvem: a estrutura institucional e
rios morais”, como lhes chama Howard Becker. º cultural, histôricamente gerada, com os seus interêsses firmados
Pode-se obter uma perspectiva melhor através de um esbôço e os seus “empresários morais”; a matriz das transações inter-
pessoais dentro dessa estrutura, por meio das quais as distorções
supersimplificado do desenvolvimento das teorias e enfoques me-
do desempenho cotidiano de papéis geram ajustamentos, barga-
todológicos da aberração. As primeiras teorias causais eram do
nhas e aberrações ocasionais ou experimentais, que, num contexto
tipo da “má semente”; a origem da aberração se achava no indi-
de “reações societais”, podem conduzir à “rotulação” e conse-
víduo desde o princípio, aparentemente herdada ou proveniente
de uma combinação genética fortuita. À proporção que a teoria quente definição do eu como aberrante; a resultante construção
em tôrno dos aberrantes de carreira — quer se trate de agrega-
evoluiu, expandiram-se as fôrças causais pata incluir aspectos do
dos de doentes mentais ou de indivíduos inusitadamente criativos,
meio ou para abarcar um conjunto mais complexo de fôrças psi-
cológicas. Assim, o primitivo meio social e os traços psicológicos quer se trate de subculturas de alienados ou ativistas políticos,
quer se trate ainda de organizações formais de criminosos; e,
finalmente, a realimentação das reações dêsses grupos, direta e
4 Para um ponto de vista semelhante, expresso em têrmos diferen- indiretamente, transmitida à estrutura sociocultural, para contri-
tes, veja George C. Homans, Social Behavior (Nova Torque: Harcourt, buir para a sua elaboração ou desintegração.
Brace & World, Inc, 1961), Capítulo 18.
5 Cf Nett, “Conformity-Deviation”. Destarte, em recente artigo em que reúne os pontos mais
6 Howard Becker, Outsiders (Nova Iorque: Free Press of Glencoe, importantes da recente teoria da aberração, Albert Cohen asse-
Inc. 1963) vera, convincentemente:

238 239
Até há pouco .. a tendência dominante na sociologia
norte-ameri- 6) desenvolvimento da ação do ego, por conseguinte pode ser
formular teorias em função de variáveis que descre- conceptualizado como uma série de respostas, da parte do ego, a
cana era a de
de outro, mais do uma série de mudanças na estrutura d oportunidades
1
i
vem estados iniciais, de um lado, e resultados, aus sesdiia
a de ç

é
das ações do ego. 8
intermédio são construídos,
que em função de processos por cujo
elaborados é transformados os atos e as complexas estruturas de
ação. 7 Nessa base, desenvolve Cohen uma tipologia de respostas da
estrutura de oportunidades ao ato aberrante tentativo do ego
teoria da anomia, as teorias da
»

£le indica os elos entre a procurando averiguar se se abrem ou cerram oportunidades legí-
teoria
“transmissão cultural” e da “associação diferencial”, e a timas ou ilegítimas,
geral das subculturas e as aberrantes estruturas
de oportunidade
dessas teorias reside “Finalmente, Cohen reconhece o circuito mais extenso de
que elas ensejam. O ponto central comum conformidade também ) realimentação, que se estende das estruturas e subculturas aber-
no seu argumento de que a aberração (e a
rantes às suas possíveis consequências para a estrutura normativa
não é tipicamente gerada no interior do indivíduo solitário,
mas
social colaborativa” den- mais ampla da sociedade, alvitrando que uma das metas da teoria
constitui antes “parte de uma atividade da aberração “é determinar em que condições os circuitos de
valôres e os meios.
tro da qual se engendram os significados, os realimentação promovem a mudança e em que condições inibem
Assim, estruturas ilegítimas de oportunidade, já existentes em
meio, a a mudança das estrututas normativas”.º Mas essa questão geral
algumas subculturas, proporcionam ao indivíduo, nesse nos conduz, entre outras coisas, a problemas de poder, autoridade
de aprender e executar atos aberrantes e receber o
oportunidade e legitimidade.
sob pressão da
apoio moral da subcultura quando o indivíduo —
definir-se como aberran- À recente teoria sociológica da doença mental, de Thomas
comunidade que se conforma — passa a
convencionais. Ou, na J. Scheff, representa um pronunciamento sistemático sugestivo
te e a romper com as normas e valôres
social aberran- e mais detalhado dessa geração transacional de uma espécie dife-
ausência de uma subcultura e de uma organização
rente de aberração. 1º O diagrama anexo indica a complexa na-
tes estabelecidas, indivíduos com frustrações ou privações seme-
lhantes, que, por uma razão qualquer, se encontram em
comuni- tureza sistemática do processo, incluindo algumas realimentações
juntar-se interior da sua matriz amplificadoras de aberração, características do sistema adaptativo
cação efetiva, podem e gerar, nO
transacional congruente, uma subcultura que divirja da comuni- complexo que estamos estudando. (Veja a Figura 6-1). Em
linhas gerais, a teoria é a seguinte, Por diversas causas — bioló-
dade convencional,
gicas, psicológicas e/ou sociais — a maior parte dos indivíduos
Para Coben, isso é uma espécie de método de realimentação num determinado momento, se empenha num comportamento
é
no sentido de que a espécie de estrutura aberrante que emerge residual de violação de regras ou inusitado, que pode ser definido
da dos de realimentação
por alguns membros da sociedade como anormal ou errado.
uma função da natureza e fôrça processos
amplificadores e redutores de aberração, que operam no sistema, (Essas “diversas causas”, natura: mente, exigem que se estabeleça
A natureza da aberração decorrente é uma função da estrutura conexão com as teorias sociológicas e psicológicas da geração da
de oportunidades no meio efetivo, e isso, por seu turno, depende distorção.) A maior parte dessa violação residual de regras é
dos significados e ações de outras pessoas. Essas ações dos ou-
tros, por sua vez, em parte, são reações ao comportamento po-
tencial do aberrante e podem ser modificadas em resposta a êle.
8 Ibid, p. 10.
9
Ibid,p. 12.
18
Thomas J Scheff, “The Role of the Mentally Til and the Dynamics
Anomie o Mental Disorder: A Research Framework”, Sociometry, 26 (1963).
7 Albert K Cohen, “The Sociology of the Deviant Act:
436-53; Being Mentally Ill (Chicago: Aldine Publishing Company, 1966).
Theory and Beyond”, American Sociological Review, 30 (1965),
9.

240 241
negada, não é definida, nem provoca reação por ser reputada sem
susemuamad
masi
importância, de modo que não se amplifica; é transitória e sem
efeito. Por outro lado, conforme o status do indivíduo, a visibi-
de
de
lidade da sua violação residual de regras, o nível de tolerância da
cf
comunidade etc, o comportamento dêle e os seus efeitos sôbre
PA

a família ou os amigos podem acarretar uma “crise pública”, e,


vomportamento

ntes
autocantrôic
prejudicada compulsório
deli. Capacidade

nesse caso, o primeiro passa a ser definido e “rotulado” de “doen-


Episódios
respostas

papei

é
sit social
ça mental”, Tais respostas sociais de outros que têm importân-
cia para êle, aliadas à sua própria sugestibilidade numa ocasião
de enfase jo

de tensão e aos comportamentos estereotipados dos mentalmente
aberrante
enfer-

Y
outras
pistas nição

perturbados, que êle aprendeu durante o processo normal de so-


dão
pública

compor
mental

cialização, contribuem para que êle se defina a si mesmo como


entra
papel
come comunidade sistema
pública,
as

aberrante. (Éste processo é muito parecido com aquêle pelo


na carreira

aberrante

do de
VR

qual qualquer aspecto do papel do indivíduo e da sua autocon-


sint

à
rotulação

midade num
invorpora
aberrante
Crise
de
da d
cepção é socialmente elaborado, embora sem tensão nem crise.)
aberranie

Sugestibilidade
Auto-concer estabilizado

definições volta
aberrante Complexo
papel

Na medida em que isto pode perturbar uma pessoa já perturbada,


tamento

ração

ego aberração

o seu autocontrôle é ainda mais enfraquecido, tornando prová-


do de

veis novos episódios de comportamento “inusitado”. Dêsse modo


>» >

se estabelece, como o dá a entender a Figura 6-1, um circuito de


da
ão
realimentação amplificador de aberração, que se reflete do “ego”
e do seu comportamento em relação a outros importantes, ao
recom-

público composto, por exemplo, do psiquiatra, do juiz de Direito,


do médico da família ou do vizinho solícito, e volta à autocon-
Estercótiro ante

eesempenho

cepção do ego. O progresso do ego no desempenho manifesto


(VR) não
Disgrama: de um papel aberrante é fomentado quando o psiquiatra, por
exemplo, tenta ajustar os comportamentos que se presumem sin-
regras
papéis
tomáticos do ego às categorias clínicas tradicionais e, inadverti-
61. damente, recompensa o ego pelos “corretos” sintomas de com-
alternados

iversas:

portamento e pelas respostas verbais “corretas”, castigando-o por


te de

A
tentar negar o seu papel aberrante Isso também constitui uma
Causas
«FIGURA
fonte potencial de amplificação da aberração, contribuindo para
a estabilização final do ego no papel aberrante de carreira —
de o neurótico ou psicótico. Finalmente, a soma dêsses papéis aber-
rantes produz os seus efeitos de realimentação sôbre a comuni
«positiva)

da
da €
dade, a sua estrutura, o seu nível de tolerância e a consequente
carreira

ção
E residual

VR

natureza da “reação societal” a novas aberrações.


negada

maioria

transitória
de
&

À
VR

dade
LEGENDA
aberração

Violação Um exemplo final da atual pesquisa em tôrno da aberração,


explicitamente influenciado pela moderna teoria dos sistemas, é
rejras

a tentativa de Leslie T. Wilkins no sentido de formular uma

243
to + o
A reação societal e
teoria geral da aberração. !! NWilkins encara a aberração como
4.
a autodefinição acarretam o isolamento e o
alheamento dos indivíduos da rêde de comunicação do
relativa a definições culturais construídas numa matriz de per- grupo
5. Essas fases constituem a primeira parte de um sistema de am-
cepções e “conjuntos de informação” socialmente gerados dentro plicação da aberração (segundo a nossa terminologia, um sis-
de um contexto estrutural de “estruturas de oportunidade” legf- tema potencialmente morfogênico).
timas e ilegítimas. Característica importante do sistema é o grau
a
6 Isto significa que os grupos aberrantes tenderão a gerar sua
em que existe um circuito de realimentação de informação no E PA
organização e seus valôres sociais próprios, que podem entrar
5

sistema em relação ao seu próprio funcionamento, de modo a in- em conflito com a organização e os valôres institucionalmente
fluenciar o “conjunto de experiência” pelo qual agem os mem- dominantes.
bros e que lhes afeta as definições de aberração. Assim, algu- 7. Essa estruturação de grupos aberrantes e o aumento de atos
mas sociedades ou grupos tratam a aberração com grande intole- aberrantes acarretam pressões de redução de aberração mais vi-
rância, ao passo que outras são capazes de aceitar um grau maior gorosas, exercidas contra êles pelos grupos convencionais.
de aberração, “e, em resultado dessa tolerância, vêem-se às voltas 8. À informação seletiva recebida sôbre o comportamento dos gru-
pos aberrantes pelos grupos que se conformam pode redundar
com uma aberração menos séria”. Como que em reconhecimento
em novos atos definidos como aberrantes, ou numa ação mais
da teoria da auto-regulação, de Nadel, Wilkins prossegue dizendo, severa contra os aberrantes,
Parece ser possível a uma sociedade operar de tal maneira que Os
seus sistemas de sanções sociais se desvalorizem.
Se estiver em Dessa maneira, todo o sistema “pode continuar, por si só, in-
operação um mecanismo de reatimentação dessa natureza, o sistema terminâvelmente, num circuito amplificador”. 13
dentro do qual êle é aplicado tende para a instabilidade. Se um
pequeno estímulo inicial gera uma resposta, parte da qual se trans- Recapitulando êste brevissimo escôrço da teoria atual da
forma em nôvo estímulo, tem-se como resultado um servomecanis- aberração: o moderno modêlo de sistemas não está simplesmente
mo altamente crítico e poderoso. 12 procurando antecedentes ou “causas” anteriores, nem está recor-
rendo a consequências para o sistema como tal ou a “requisitos
Aplicando o modêlo geral de amplificação da aberração à funcionais” dêsse sistema, nem está examinando a mútua intera-
questão particular do crime, êle propõe os seguintes princípios ção
de dois ou três elementos de um sistema presumivelmente
e proposições: em equilíbrio”. Ao invés disso, procura compreender a rêde
1 Em certos tipos de sistemas sociais, certas espécies de infor- total de transações de um sistema adaptativo complexo, caracte-
mação conduzem a novos atos definidos como aberrantes. (Em rizada por um processo psico-social, que caminha através do tem-
nossa terminologia anterior, « informação exerce a sua função
seletiva reduzindo, em alguns casos, a série de alternativas
dentro do conjunto de comportamento aceitáveis do grupo.)
po

eé capaz de gerar certo número de estados possíveis diferentes,


oriundos, com freguência, de condições anteriores ou “iniciais”
muito semelhantes. Focalizando a maneira pela qual a confor-
ho Os indivíduos que executam atos assim definidos como aber- midade se desenvolve e mantém vis à vis dos setôres institucio-
rantes são alienados dos valôres da comunidade mais ampla nais dominantes da sociedade, a teoria tradicional do contrôle
pelo próprio processo de definição societal. social retardou o reconhecimento da possibilidade de que os mes-
3. “O ato definidor proporciona um conjunto de informação para mos processos de “contrôle social” sejam também instrumentos
os indivíduos interessados, e êstes principiam a perceber-se co-
de geração e manutenção da aberração.
mo aberrantes”.

11 Leslic T Wilkins, Social Deviance


Prentice-Hall, Inc. 1965).
(Englewood Cliffs, N. J: Bs id, 9 e
ra, às páginas
p 92 Wilkins cita alguma pesquisa empírica corroborado-
seguintes. Veja também Edwin M. Schur, Crimes Wi
thout Victims (Englewood Cliffs, N. J: Prentice-Hall, Inc, 1965).
12 Ibid, p 87.
244 245
O CONTROLE REALIMENTATIVO DA BUSCA SOCIAL DE METAS o caminho que conduz à meta e os meios disponíveis foram de-
terminados e a estratégia de ação foi elaborada. Reconhecendo
Um dos aspectos mais felizes da moderna pesquisa dos siste- que êsse plano, ou “esbôço de ação”, deve conservar-se flexível e
mas é o campo da Cibernética e, mais especificamente, o conceito sujeito a modificações à medida que a ação é executada, êle passa
do circuito de realimentação como mecanismo básico implícito na a fazer referência aos mísseis autodirigidos e outros armamentos
regulação e no contrôle do sistema. Desejamos discutir breve- criados durante a guerra, e leva o ptincípio implícito da reali-
mente, nesta seção, as possibilidades de tomar emprestado êsse mentação para a esfera social. Depois de assinalar a importante
último princípio para base de um modêlo de busca de metas so- presunção implicada nessa autodireção, a saber, a invenção de
cietal ou organizacional, em que as metas ou propósitos são €x- métodos para descobrir fatos que permitem uma determinação
plícitos, conscientes e intencionais. suficientemente aproximada da natureza e da posição da meta
social, bem como a direção e a soma de “locomoção” provocadas
por determinada ação, êle prossegue dizendo:
2) saidas de ação

sa teste
Para ser eficaz, êsse descobrimento de fatos precisa ser vinculado À
deÀ Parâmetros

lia
Efeitos sôbre
ge meta ms um (5) ação corretiva sistema própria organização da ação: tem de fazer parte de um sistema de
ontróle as
o
de e e meio realimentação que liga um ramo de reconhecimento da organização
Ê

realimentação(4) aos ramos que executam a ação A realimentação tem de efetuar-se


de tal maneira que a discrepância entre a direção desejada e a dire-
4 ção real conduz “automáticamente” à. correção das ações ou à mu-
realimentação Coleção de dança do planejamento.
informação sôbre
efeitos de saída
GO No modêlo cibernético geral do sistema de realimentação
regulador de erros, podemos distinguir -— ainda que mais ou
FIGURA 6-2 menos arbitrariamente — cinco estágios. (Veja a Figura 6-2):
(1) Um centro de contrôle estabelece certos parâmetros deseja-
dos de metas e os meios pelos quais êles podem ser atingidos;
O modêlo social de realimentação vem sendo aventado, oca-
sionalmente, desde o meado da década de 1940, por uns poucos (2) essas decisões de metas são transformadas por órgãos admi-
cientistas sociais, embora só tenha sido desenvolvido com alguma nistrativos em saídas de ação, que resultam em certos efeitos sô-
bre o estado do sistema e o seu meio; (3) a informação acêrca
extensão em obras recentes, como, por exemplo, as de Geoffrey
dêsses efeitos é registrada e com ela se realimenta o centro de
Vickes, Karl Deutsch e David Easton.!4 É assim que, num
contrôle; (4) êste último verifica o nôvo estado do sistema em
artigo de 1947, Kurt Lewin trata dos “Problemas de realimenta- confronto com os parâmetros desejados de metas para medir o
ção do diagnóstico e da ação sociais”,

A ação social planejada,
de idéia mais êrro ou desvio da resposta de saída inicial; (5) se o êrro levar o
diz êle, costuma emergir uma ou menos vaga, que
objetivo foi esclarecido, sistema para fora dos limites fixados pelos parâmetros de metas,
se desenvolve num “plano”, depois que o
o centro de contrôle executa uma ação corretiva de saída.
Essa espécie de modêlo exige grande dose de cautela de
14 Geoffrey Vickers, The Uudirected Society (Toronto: University quem o emprega, pois embora possa servir para esclarecer a na-
o£ Toronto Press, 1959); Karl Deutsch, The Nerves of Government (Nova tureza sistemática e as complexidades da busca de metas societal
Iorque: The Free Press, 1963); David Easton, À Systems Analysis of Po-| ou organizacional, quaisquer tentativas de aplicação concreta nos
litical Life (Nova Jorque: John Wiley and Sons, Inc., 1965).
advertem contra a esperança de uma conclusão fácil. Em outras
16 Kurt Lewin, “Frontiers in Group Dynamics”, Parte II, B, Human
Relations, 1 (1947), 147.53. palavras, êsse modêlo parece válido como quadro genérico do

246 247
do que po-
que tende a ocorrer na busca de metas de grupo, ou Será o modêlo de realimentação relevante apenas para as socie-
deria (ou talvez devesse) ocorrer, não fôssem os “fatôres com- dades ou organizações que possuem alto grau de planejamento
plicadores”; mas são precisamente êsses fatôres complicadores centralizado?
que não permitem ao analista o fácil emprêgo do modêlo. A No segundo estágio do modêlo, as decisões de metas são
breve exposição que se segue desenvolve êsse ponto: e conquanto
seja, em grande parte, negativa, não tem em mira desacorçoar
traduzidas, por um aparelho administrativo, em atividades con-
cretas e regras de ação, para serem aplicadas por ainda outro
novos estudos do modêlo da realimentação na análise social.
conjunto de grupos e indivíduos, Dessa maneira, a distância e o
Começando com o primeiro estágio do modêlo de realimen- número de ligações a partir do tencionado programa de metas —
tação tal como poderia ser aplicado à busca de metas societais, por exemplo, um Programa de Combate à Pobreza ou um Pro-
topamos imediatamente com alguns problemas formidáveis. Ha- grama Agrícola — possibilitam gtande quantidade de “resvala-
verá um centro de contrôle na sociedade que possa ser valida- mento”, reinterpretação das saídas originais de ação ou uma aten-
mente tomado como foco unificado das decisões de metas socie- ção seletiva dispensada a elas, ou mesmo a sabotagem aberta, de
tais, as únicas que exercem efeitos significativos sôbre o estado tal modo que não se sabe com exatidão se a aberração subsegiente
do sistema ou do seu meio? Se a resposta fôr negativa, não po- da meta se deveu às saídas originais ou a falhas administrativas
deremos esperar realizar o resto do ciclo de realimentação sem ulteriores O modêlo idealizado tende, assim, a pressupor não
determinar os outras centros importantes de decisão, sem lhes só um centro de contrôle consensual, unificado, mas também uma
avaliar as inter-relações sistemáticas e sem tentar executar a tare- transformação infalível e automática de decisões em ações finais.
fa difícil de lhes rastrear os efeitos conjuntos por todo o ciclo.
A consideração dos problemas do terceiro estágio — reunião
Se diversos circuitos de realimentação circularem pelo mesmo
e realimentação de informação sôbre a aberração de metas —
sistema ao mesmo tempo, e uns se opuserem a outros, a tarefa
ferirá, por certo, um ponto especialmentte sensível para o cien-
pode tornar-se inexeguível,
tista social, que precisa ter uma consciência profunda da ausência
Presumindo-se que conheçamos o centro ou centros de con- ou da impropriedade de processos científicos e da metodologia
trôle, existem problemas na interpretação das metas ou dos pará- indispensáveis a uma tarefa dessa natureza. Podemos haver-nos
metros de metas, as hierarquias de preferência que se requerem perfeitamente com medidas econômicas quantitativas e algumas
quando existem diversas metas e as possíveis consegiiências dos outras, associadas a problemas censitários, mas a avaliação ampla
meios escolhidos. Os governos, por exemplo, frequentemente e precisa, ao mesmo tempo, da maioria das características sociais,
estabelecem metas que não são muito mais do que expressões de psicológicas e culturais de uma sociedade ou de uma organização
valôres societais gerais, dificultando a especificação dos critérios complexa aínda terá de percorrer um longo caminho. Apesar
concretos utilizados para informar-nos do êrro ou do êxito; evi- de técnicas adequadas de coleção e mensuração de dados, contu-
tam estabelecer escalas de preferência para diferentes metas ou do, resta o problema de acompanhar até o fim tóda a coleção do
até indagar se algumas são incompatíveis com outras; e os meios que Paul Lazarsfeld denominou “dados de felicidade” a partir
escolhidos parecem, amiúde, ter escassa relação com os fins pro- de todos os recessos e escaninhos da vida social. Não sômente
curados Além disso, ainda resta saber se nos atrevemos a presu- nos falta a teoria sociológica ou estrutura conceptual capaz de
mir se as principais saídas para um sistema social procedem sem- dirigir-nos na determinação das importantes consegiências das
de
pre, ou pelo menos costumeiramente, de centros fundamentais decisões e suas reverberações através da sociedade, mas também
decisão Aqui colocamos o problema do papel das decisões de há o problema psicopolítico do pleno compromisso de órgãos
metas planejadas e intencionais em relação à soma de grande nú- governantes com a tarefa de investigar as consegiiências megati-
mero de decisões de meta individuais e de grupo, que podem ser vas, os resultados que se desviam da meta, das suas decisões,
mais determinativas do estado do sistema a qualquer momento. onde quer que se encontrem. E, afinal, o leitor provavelmente

248 249
já pensou no problema do espaço de tempo, fregiientemente lon- ou organizacional. Pois as metas e os valôres societais se modi-
ficam, assim como os meios empregados para alcançá-los, o que
go, que medeia entre a saída de uma ação e as manifestações con- suscita o grande problema teórico das condições em que isso
cretas de suas mais importantes consegiiências. O sistema talvez
não tenha condições de esperar até obter o cabal conhecimento ocorre e como se relaciona com o modêlo de realimentação.
dos resultados ou, se fôr capaz de esperar, talvez já seja então Não há dúvida de que apenas tocamos de leve muitas difi-
demasiado tarde para tomar medidas corretivas antes que ocorra culdades que terão de ser enfrentadas no emprêgo dêsse modêlo.
o desastre Além disso, os efeitos que se revelam algum tempo É mister que êle seja minuciosa e cabalmente investigado, porém
depois das saídas da ação podem ser irremediâvelmente confun- com cautela e expectações moderadas por enquanto. Talvez não
didos com as consegiiências de saídas subseguentes. seja especialmente aplicável à sociedade no presente, sobretudo
Ainda que se ignore o problema de transmitir completa e os controladores das sociedades contemporâneas mal lhe desco-
ràpidamente a informação de retôrno ao centro ou centros de briram a aplicabilidade. Na seção seguinte abordaremos as con-
contrôle, existem dificuldades para ser enfrentadas no quarto cepções mais tradicionais da busca social de metas.
estágio, a verificação da informação de retôrno em busca de pos-
síveis desproporções entre os resultados de saída e os parâme-
tros de meta estabelecidos. Poderão associar-se as várias peças PODER, AUTORIDADE E LEGITIMIDADE
de informação às saídas de meta relevantes? Foram as metas
originais especificadas de maneira suficientemente concreta e sem
ambigiiidades para permitir uma verificação significativa dos re- Ao passo que as teorias de contrôle social focalizaram, pro-
sultados? E, tendo-se em mente a natureza da maioria dos órgãos vavelmente, com maior intensidade os mais implícitos processos
de govêrno hoje em dia, que dizer do problema da atenção sele- sociais em curso, também se ocuparam das tentativas mais expli-
tiva dispensada à informação de retôrno e da interpretação seletiva citas e conscientes de alguns individuos e subgrupos para cana-
dela, parte da qual pode ser aceita com demasiada facilidade co- lizar os comportamentos de outros a bem das metas ou interêsses,
mo indicação de êxito e parte rejeitada à pressa, como insuficiente tais como os definem os primeiros e, às vêzes, os últimos. Mas
isto nos leva ao assunto do poder, da autoridade, da legitimidade
para estabelecer o malôgro?
e ao processo de institucionalização. Referirmo-nos simplesmente
Finalmente, o último estágio — tomar medidas corretivas
a êsses temas sob a rubrica tradicional de “contrôle social”, en-
de saida — nos traz de volta aos problemas do primeiro e lhes
acrescenta outros. A quantidade e a oportunidade da ação corre- tretanto, seria apenas fugir às questões fundamentais. Pois é
tiva, por exemplo, podem suscitar dificuldades especiais, como a preciso que perguntemos: “Contrôle para que fins, ou para os
fins de quem?” A noção de contrôle implica certa finalidade ou
evitação da correção excessiva ou da interferência desnecessária
em outras atividades de meta. Mais grave talvez seja a introdu- meta, mas só metaforicamente se poderá dizer que o sistema so-
ciocultural, como tal, possui metas. É verdade que os seus pto-
ção da “política” e da sublevação social potencial, como fatôres
de complicação quando a informação de retôrno indica a necessi- cessos normais promovem a conformidade com um ou outro gru-
dade da ocorrência, para o alcançamento da meta, de mudanças po de normas, mas também é verdade que êles promovem a aber-
ração e o dissenso. Dêsse ponto de vista, o estudo do contrôle
significativas na própria estrutura do sistema sociocultural e,
social mais apropriado é o estudo do poder, da autoridade e da
portanto, nas atitudes e hábitos de comportamento. E como
derradeira dificuldade podemos mencionar a questão das condi- legitimidade e das fôrças intencionais correlatas, que tendem a
ções em que a resposta mais viável do sistema pode ser uma mu-
manter ou a mudar a estrutura institucional dominante. Pois fo-
calizar apenas as fôrças de manutenção é conferir alguma espécie
dança dos próprios parâmetros de meta — uma resposta que
de prioridade à estrutura especificada.
tem sido encarada como uma espécie de aprendizagem de grupo
251
250
tituem pólos opostos Segunda, os dois padrões têm sido designa-
Outra maneira de colocar a questão é perguntar: até que dos como “poder” e “autoridade”, respectivamente, e do último
sociais e culturais exis-
ponto e em que sentidos são as estruturas se diz que se baseia em algum princípio de “Jegitimidade”. Mais
intencionais, de busca de metas, dos
tentes os resultados de ações frequentemente, contudo, a distinção conceptual se tem perdido
homens, e até que ponto são elas as consegiiências “cegas” da
graças à prática de definir a autoridade em função do poder. Isto
confluência de “fórças” socioculturais? Quando olhamos para insistiremos com Maclver, é inepto, e tem atrapalhado constan-
sociais,
os nossos grandes centros urbanos e suas configurações temente a análise conceptual e empírica Terceira, o simples fato
subculturais e ecológicas totais, a questão parece avultar. Quan-
armadi- de que a maioria dos indivíduos e subgrupos está-se submetendo
do, porém, refletimos melhor, damos com as inúmeras
Para francamente a um conjunto de expectações de papel normativa-
lhas de que está inçado o enunciado da própria questão. mente definidas em qualquer organização ou cenário institucio-
de busca de metas dos ho-
começar, parece óbvio que as ações não nal não deve prejudicar a questão separada de se saber se tais
mens abrangem todos os pontos, exceto que: (1) essas ações
normas e tal subestrutura têm certa base de legitimidade. Seria
são coerentes nem “congruentes”, mas interagem para provocar essencial a qualquer resposta uma grande soma de conhecimen-
as acomodações, transigências e “efeitos colaterais” que
produ-
busca de me- tos no nível da dinâmica sociopsicológica, Quarta, inúmeros
configuração “cega” total; e (2) as ações de
zem a
ramificam na tra- pesquisadores descobriram que o poder e a autoridade estão
tas de alguns indivíduos e subgrupos pouco se significativamente relacionados com a primazia, num grupo, de
ma social, ao passo que as de outros — sejam os seus papéis ofi- meta co-
costuras € padrões orientações de meta competitivas ou de orientações de
ciais ou não oficiais — são responsáveis por respectivamente. Êste princípio central tem sido
discutimos a primeira das exceções operativas,
importantes dessa trama. Já obscurecido na teoria tradicional do consenso, ao lado do obscure-
sob a rubrica de processo morfogênico; a segunda é o problema cimento da distinção entre poder e autoridade, e como função
do poder, da autoridade e da legitimidade. dêle. Mas o seu continuo reaparecimento em importantes pes-
quisas empíricas lhe indica a importância para a compteensão da
Sendo êste último problema tão importante para qualquer dinâmica organizacional.
à dis-
teoria da institucionalização, consagraremos algum espaço
desde tratamento sugestivo Essas três distinções -— entre poder e autoridade, dissenso e
cussão de várias conceptualizações, o
de Maclver até os pontos de vista quase idênticos
de Blau. Co- consenso, e as orientações de meta competitivas ou cooperativas,
mo ponto central da discussão, tentaremos sustentar
às seguintes estão estreitamente inter-relacionadas. Do moderno ponto de
dois padrões de comporta- vista dos sistemas, elas se relacionam num complexo processo
proposições: primeira, há pelo menos
bem que não raro sistêmico, de tal sorte que nenhuma delas pode ser tomada como
mento social analiticamente distinguíveis, se
fenomênicamente similares, que devem ser mantídos separados o determinante causal, pois cada qual decorre, em suas manifes-
dêsses padrões é ca- tações sociais e pessoais correntes, da ação recíproca de tôdas.
um do outro em nosso pensamento. Um
racterizado pelo contrôle, direto ou indireto, do comportamento Isto está grosseiramente esboçado nos dois diagramas da Figura
de grande número de pessoas, contra a “vontade” delas ou sem 6-3. O processo sistêmico delineado em (A) gera o que deno-
comprometimento ou a sua minamos “Jegitimidade"; é função, não apenas de uma estrutura
que elas tenham expressado o seu pela mesma dire- de posições “oficiais”, mas dessa estrutura aliada à promoção
concordância. O outro padrão é caracterizado
“consenti- individual e coletiva de metas e ao consenso grupal correlato,
ção ou contrôle de comportamentos, porém com o
mento” ou o consenso expressos € comprometidos das pessoas visto em relação às perspectivas partilhadas e ao comprometi-
dirigidas Feita essa dicotomia supersimplificada, entretanto, mento emotivo. No outro extremo típico ideal, alvitrado em
análise mais adequada bem andaria (B), o processo do sistema tende a gerar a clivagem e o dissenso
cumpre reconhecer que uma do grupo, bem como sistemas coercivos de contrôle institucional
em que êsses dois padrões cons-
A

se a tratasse como um contínuo,


253
bo tn 3
“ordem social” »» de franca Aqui encontramos os principais ingredientes do nosso tema.
4:

e ideologias que podem vir a manter a A distinção entre poder e autoridade legítima, claramente implí-
submissão durante longos períodos.
cita, foi enunciada da seguinte maneira por Robert Maclver:
Por poder social entendemos a capacidade de controlar o comporta-
mento de outros, quer diretamente por decreto, quer indiretamente
Consenso
grupo
do
“1— Estrutura da
autoridade
Submissão do
grupo
*
ig — |Estrutura do
ipoder
pela manipulação de recursos disponíveis. 17
Por autoridade entendemos o direito estabelecido, dentro de qual.
quer ordem social, de determinar planos de ação, pronunciar jul-
da gamentos sôbre questões relevantes e dirimir controvérsias ou, mais
latamente, de agir como líder ou guia de outros homens. Quando
Promoção
da meta
aludimos a na autoridade referimo-nos a uma pessoa ou grupo de
pessoas investidas nesse direito. O destaque é dado, em primeiro
slPromoção da diferencial
meta de grupo lugar, ao direito e não ao poder, Por si só, o poder não tem legiti-
midade, não tem mandato, não tem cargo. Nem o mais desapiedado
(A)
(8) dos tiranos chegará a parte alguma se não se revestir de auto-
FIGURA 6-3 ridade...
Disso se infere imediatamente a seguinte conclusão: a autori-
dade do govêrno não cria a ordem sôbre a qual preside, nem sus-
tenta essa ordem Unicamente pelos seus decretos ou pelo poder
considere-se
Para começar com uma referência provocadora, que lhe é atribuído Existe uma autoridade que transcende a autos
o comentário de Walter Lippmann
sôbre a intervenção dos Esta- ridade do govêrno. Existe um consenso maior, sem o qual a ordem
fundamental da comunidade se esboroaria. EÉsse consenso desem-
dos Unidos na guerra civil da República Dominicana: penha um papel diferente sob diferentes formas de govêrno. Mas,
seja êle principalmente aquiescente ou criativamente ativo, será sem-
A dificuldade da situação dos Estados Unidos decorre do
de que a Organização dos Estados Americanos € as Nações
ni pre a base final em que repousam a unidade e a ordem do Estado.
nica Vemos, portanto, como é inepta a identificação da autoridade
poderão levar anos para sobrepujar o vácuo político, para en E

n
promover, defender e financiar um govêrno capaz
E
de ser indep com o poder, e como é superficial e enganosa a antiquada noção de
soberania. ..
dente porque repousa no consenso popular. .,
Assim compreendido, o govêrno exerce a autoridade com duas
É tão certo quanto pode ser certa alguma coisa numa situação finalidades precípuas. Uma delas é a manutenção do código esta-
dessa natureza que um plano de ação exegiível Can
.

belecido. .. A outra finalidade do govêrno é o reajustamento dessa


princípio da legitimidade e precisa ser dirigido para a Ee
Te
area nova ordem às novas condições e às necessidades emergentes. 18
gressiva. A legitimidade é importante porque só um povéano
dominicanos já sm ec da
pi
derive da única eleição genuína que Os
am
pode esperar merecer e obter a confiança e o dos Estados
Organização
respeito das Devemos ter o cuidado de notar que esta não é uma teoria
dominicanas .. O govêrno que a
o normativa, que estatui como deveria fundar-se o govêrno, mas
canos apóia, e nós também, deve ter, como pedra fundamental,
Partido Constitucionalista... Pois a decisão de fazer dos
cionalistas a pedra fundamental será a prova certa de que
dente Johnson não interveio com o propósito de apoiar ama itadu
ari
º
Era
uma teoria sociológica da estabilidade e da mudança societais: as
sociedades baseadas no poder não persistirão, ou operarão num
baixo nível de eficiência e num alto nível de tensão, má integra-
militar a serviço dos interêsses reacionários, € de que êle Está ge ção efou conflito. As sociedades baseadas na autoridade têm
nulnamente comprometido com a progressiva reforma popular.

17 Robert M Maclver, The Web of Govermnent (Nova Iorque: The


Barbara News-Press Macmillan Company, 1947), p. 87.
16 Walter Lippmann, artigo estampado no Santa 18 Ibid, pp. 83-87.
em sua edição de 18 de maio de 1965.

255
254
nível mais cionalização. Para éle, o locus do poder se encontra em três:
maiores probabilidades de persistir, e de persistir num áreas: na organização formal, na organização informal e na comu:
elevado de satisfação pessoal, eficiência grupal e cooperação. Pois,
fôrça si só não mantém coeso um grupo; nidade não organizada. Consideremos as implicações dessa defi-
sustenta Maclver, a por
nição do poder para o desenvolvimento e a manutenção da orga-
autoridade qualquer
em todo govêrno constituído, existe uma
de outro modo, fútil. “A autoridade é nização e da ordem na sociedade. Na seguinte citação, onde quer
por trás da fôrça, que é, fôrça do govêrmo é que Bierstedt empregue o têrmo “poder”, nós o substituiremos
sensível à estrutura social subjacente”, e a
autoridade, que depende, para a sua pelo seu definiens, “fôrça latente”.
apenas o instrumento dessa
“em primeiro lugar, dos mitos prevalecentes”, das Requer-se [a fôrça latente], em primeiro lugar, para inaugurar
persistência,
ideologias, dos valôres ou dos sistemas de conhecimento
daqueles uma associação, para assegurar-lhe a continuação e para impor-lhe as
exercida. “Nascidos da natureza social do ho- normas. [À fôrça latente] sustenta a ordem fundamental da socie-
sôbre os quais é dade a organização social dentro dela, onde quer que haja ordem.
mem e valendo-se dela, êsses mitos conferem ao govêrno uma ta- e
[A fôrça latente] mantém-se por detrás de tôda associação e lhe am-
qual nenhum príncipe ou parlamento, nenhum ti-
tificação sem a
1º Maclver para a estrutura. Sem [a fôrça latente] não há organização e sem
rano ou ditador, poderão jamais governar um povo”, fa fôrça latente] não há ordem. 21
central da autoridade” e a sua
prossegue examinando êsse “mito
institucionalização em sociedades cada vez mais complexas, sua Temos aqui uma teoria da ordem social que se opõe fron-
institucionais de crescente formali- talmente à de Maclver e que é típica da ciência política clássica.
conformação por “esquemas
dade”. Tais esquemas, que tendem para a “santificação da auto- Mas será isso mesmo o que realmente quer dizer Bierstedt? O
ridade”, incluem os atavios do cargo, à investidura e as prosseguimento da exposição mostra que é. O problema do locus
insígnias,
títulos honoríficos, a riqueza, a segregação, dos do poder na organização formal é pôsto de lado, como “um sim-
a cerimônia, os
assim
seus semelhantes, da pessoa investida na autoridade, e por plíssimo problema de análise”:
diante — aspectos da institucionalização que têm sido quase to- É na organização formal das associações que o poder social se trans-
não
talmente ignorados na sociologia contemporânea, como se já forma em autoridade Quando a ação e à interação sociais se pro-
tivessem importância no mundo moderno. cessam inteiramente de acórdo com as normas da organização for-
siste- mal, o poder se dissolve, sem deixar resíduos, na autoridade O
Até há pouco tempo, quase tâdas as outras tentativas direito de usar a fórça passa, então, a fazer parte de certos status
máticas nessa área se apartaram significativamente do valioso
dentro da associação, e êsse direito é o que, de hábito, entendemos
autoridade por
princípio de Maclver, já confundindo o poder e a da £ôr-
por autoridade. 22
uma fusão das definições, invertendo a relativa primazia
da ordem social, já ignorando o Isto se nos afigura uma resposta neo-hobbesiana ao proble-
ça e do consenso na sustentação de
lado do poder do contínuo, como se o seu objeto empírico ma da ordem, mas ainda assim não está claro o papel exato que
existisse.
referência na sociedade carecesse de importância ou não as “normas” desempenham aqui, Serão elas estabelecidas e man-
sistemáticas e influentes foi a de tidas pela “fórça latente” da autoridade, ou estarão, antes, im-
Uma das exposições mais
2º Êle define o “poder” como “fôrça latente”, plícitas no “direito” da autoridade? Em artigo subsequente,
Robert Bierstedt.
“autoridade” como “poder Bierstedt continua a lutar com o problema *! Como resposta
a “fôrça” como “poder manifesto” e a
institucionalizado”. Interessa-nos aqui particularmente a sua ten-
meio da institu-
tativa de equiparar a autoridade e o poder por 21 Ibid, 735
22 Ibid, 733.
*4 Robert Bierstedt, “Ihe Problem of Authority”, em Morroe Ber-
10 Ibid, 16-17, Cap. 3
et al, Freedom and Control in Modern Society (Princeton, N. J: D.
American So- ger
Robert Bierstedt, “An Analysis of Social Power”,
,

“0 Van Nostrand Co, Inc, 1954), Capítulo 3.


ciological Review, 15 (1950), 730-38.

o
257
256
tentativa à pergunta “se a autoridade é um fenômeno exercido o ingrediente que falta envolve uma apreciação mais completa da
por coerção ou por consentimento”, Ele estabelece uma distinção dinâmica interna, psicológica, dos membros do grupo e da rêde
entre a associação voluntária e a associação involuntária, e susten- interpsíquica de relações. O autocontrôle interno, às vêzes, é
ta que, nas associações voluntárias, a autoridade é a liderança ins- tão imperativo quanto o contrôle externo, e o contrôle social
titucionalizada, e nas associações involuntárias, é o poder insti- pode ser visto, no fundo, como autocontrôle. O sistema socio-
tucionalizado, “Nas primeiras, a autoridade se baseia no consen- cultural é o único sistema adaptativo cultural em que a direção
timento; nas últimas, na coerção”, Esta solução, todavia, não o e o contrôle globais se tornam, em grande parte, função da auto-
satisfaz. Não só é difícil distinguir, em certos casos, entre êsses direção e do contrôle inerente às unidades individuais (incluin
tipos de associação, mas também, o que talvez seja mais impor- do subgrupos) que o compõem. Esta é apenas outra maneira de
tante, êle entende que: enunciar a distinção de Lester Ward entre a natureza “télica”
Há algo de imperativo, e não apenas arbitrário, na aceitação da au- ou intencional consciente do processo social e o processo “gené-
toridade... À fim de reter a conotação central do conceito que tico” ou evolucionário cego da resposta às coerções ambientais
estamos examinando, parece conveniente afirmar que a autoridade externas no nível sub-humano.
é sempre um fenômeno de poder É o poder que confere autori-
À questão é enunciada de forma assaz concisa e explícita nas
dade a uma ordem. Mas o poder sancionado, o poder instituciona-
lizado O poder reside na maioria dos membros. 24 definições de Lasswell e Kaplan. Depois de definirem o poder
como “o simples exercício de um alto grau de coercitividade”,
Neste ponto, Bierstedt enfrenta mais uma vez o teimoso pa- que envolve “severas privações ou indulgências”, êles continuam:
radoxo. De um lado, sustenta que é a autoridade consensual que a concepção de poder aqui desenvolvida não exclui nem sequer
sanciona o poder mas, de outro, assevera que é o poder (embora menospreza o elemento do consentimento nas relações de poder.
seja o poder institucionalizado) que confere autoridade. O seu Embora seja verbalmente um paradoxo, a “coerção pelo consenti-
argumento equivale à afirmação de que a maioria consente em mento” se refere a um aspecto familiar e importante do processo do
poder — especificamente, às perspectivas daqueles sôbre os quais
ser coagida. Ora, num sentido importante isto é verdadeiro: está sendo exercido o poder. A identificação, as expectações e as
conquanto a maioria possa consentir num sistema de contrôle, exigências conferem autoridade ao poder, e isso representa consen-
diferentes indivíduos em ocasiões diferentes se encontrarão entre timento para a estrutura e as práticas do poder O fato de basear-se
os remanescentes derrotados pelas decisões da maioria e precisa- o poder, por definição, na coerção não supõe necessariamente que a
própria situação de poder não possa ser, em parte, resultado de
rão, portanto, consentir em aceitar a derrota ocasional, Talvez escolha, 26
seja êste o elemento imperativo que, no seu entender, falta a uma
definição da autoridade fundada no consentimento. Sem embat-
Não acreditamos que a elevação da confusão conceptual à ca-
go, não acreditamos que isto constitua justificativa suficiente para
tegoria de paradoxo seja muito útil, se bem o recutso dêles a me-
basear uma concepção teórica geral da autoridade na coerção e
canismos psicológicos represente um passo dado na direção
não na sua característica predominante, uma espécie de consen-
timento total. Precisamos corroborar o ponto de vista de correta.
MacIver, segundo o qual a identificação do poder com a autori- Robin M. Williams Jr. se aproxima de Maclver, mas parece
dade é inpeta, ?º e rejeitar uma teoria neodurkheimiana ou hobbe- encampar os dois lados da questão:
siana da coerção social. É como no caso de Durkheim e Hobbes, Baseada num consenso de valor no grupo social relevante, a autort-
dade política nunca perdura indefinidamente sem o apoio do poder

24
Ibid,p 79. eo Harold D Lasswell e Abraham Kaplan, Power and Society (New
25 Maciver, The Web o/ Government, pp 86-87. Haven, Conn : Yale University Press, 1950), pp 98-99

258 259

coercivo; mas, por outro lado, o poder político
sem autoridade não
pode manter-se por muito tempo 27 razões dessa mudança parece ser heurística, baseada no vigoroso
e antigo apêgo de Parsons a uma analogia ente
Considerando-se a primeira metade dêsse
pelo menos três interpretações são possíveis:
minoria de aberrantes que precisam ser coagidos
(1)
pronunciamento,
há sempre uma
para o bem maior
“forma de govêrno” e em sua tentativa de segui-la,
como subsistemas que “se articulam entre o nível institu
1«adasate o nível de coletividade (organizacional específico ) da
ção social. Assim como a economia produz riqueza, Eua
EE
é espe ea

tera
:
(mas isto é relativamente trivial para o
argumento dêle e foge
ao problema); (2) o consenso se desintegra bém a forma de govêrno “produz poder, Assim como
com o tempo e a
coerção se torna necessária para manter a estrutura mia mobiliza e distribui os fatôres de produção para oa ting cono”
existente (mas men
isto significa que a autoridade
original já não existe, tendo dado to de metas (de qualquer um), assim também a, orma e Bo

a
lugar ao poder); e (3) o consenso da maioria no “mobiliza” e “distribui” os “recursos” sociais para o ating E
requer coerção de metas (coletivas). Por conseguinte:
para à sua manutenção (e êste é, precisamente, o paradoxo mento
com
que há pouco topamos)

o apo
n: são ambos catego-
i é
O poder e a riqueza têm uma
isa

Não faz muito tempo, Talcott Parsons i i


rias generalizadas de “meios”,
ios”, isto é, Co acidades” a a

de poder em têrmos muito encarava o conceito guir que se façam coisas desejadas .. O poder... Jefere se espe e Ê

semelhantes aos de quase todos os clficamente às metas da coletividade e, portanto, supõe, para
outros sociólogos. Em seu Social System de 1951,
a

Ea
definia-o sob o aspecto do “contrôle sôbre por exemplo, geração, a integração da coletividade com referência a tais metas...
as ações de outrem”.
À sua concepção de “autoridade”
e da relação entre autoridade O conceito de autoridade, por seu turno, é tratado num
e “poder” eram igualmente semelhantes: nt
vel algo inferior de análise, o nível institucional, e mais uma ve
em função de um parelelo econômico:

ea
O problema do contrôle do poder
político, acima de tudo, é o pro-
blema da integração, da edificação do
poder de indivíduos e subco- .
Raios
eira
.
letividades num sistema coerente de autoridade Dêsse ponto de vista, à autoridade seria um complexo. .
de
legitimada em que o institucionalizados, para controlar as ações de membros Em
poder se funde com a responsabilidade coletiva, 28
no tocante à relação dêles com o atingimento de metas as, de

Em
seus ensaios mais recentes, porém, a concepção do poder,
de Parsons, abandona a Nessas condições, os conceitos tanto de poder quanto de
corrente principal, torna-se uma noção
toridade abarcam o lado consensual, coletivo, dos
muito mais generalizada, elevada ao status de
“pré-requisito fun- contrôle Mas, urge perguntar, que dizer do aspecto
SEARA
cional” da sociedade, e já sem nenhuma relação direta visões
ações controladoras de indivíduos e
mais próximos. O poder é
grupos
com as
concretos e seus fins
agora definido como “capacidade ge-
coercivo e privado do contrôle? Esse aspecto
qapêSe
mente de lado por Parsons, como “aspecto secundário urna 7

neralizada de um sistema social do poder:

aoo e
para conseguir que se façam as
coisas no interêsse das metas coletivas”
2º Uma das principais e as ler
. :

sus
.
Épreciso dizer uma palavrinha acérca

dEo
aqui utilizado -me tratar-se de uma uas
1 utili
das
Parece-m 4

incipai correntes na literatu ra da teoria política,


rincipais 2
3

se a
o poderia denominar o conceito da Eca
pes fa a
]

27 Robin M. Williams Jr, American Society (Nova que


À Knopf, Inc, 1961), p. 204.
Iorque: Alfred
empregam, por exemplo, Max Weber eH D
esta concepção, o poder é a capacidade que tem uma indo
28 Talcott Parsons, The Social System (Nova
Torque: Free Press of
Glencoe, Inc, 1951), pp. 121, 127
2» Talcott Parsons, Structure und Process in Modery
Torque: Free Press of Glencoe, Inc, 1960),
Society (Nova su Ihid, pp 18182.
p i8l. at Ihid,p 185.

260 261
sistema de lograr os seus fins superando a oposição de outtas uni- coletivos (entre a “auto-orientação” e a “orientação dirigida para
dades — daí que, se o poder de duas unidades fôr igual, haverá
empate entre elas. O conceito que aqui emprego não faz da oposi- a coletividade”).
ção um critério como tal, pois como estou falando sôbre a capaci- À guisa de ilustração final do problema do consentimento
dade para atingir metas, ela incluí a vitória sôbre a oposição. Con-
sidero, portanto, o conceito da soma-nula como um caso especial como alternativa da coerção na definição do poder, citaremos a
do conceito mais geral aqui empregado 32 concepção de Robert Lynd, sobretudo porque êle definiu o poder
nos mesmos têrmos que Parsons veio a usar, apoiado, porém, em
Muito embora seu livro se ocupe da estrutura e do processo considerações muito diferentes. Em essência, ao passo que o
nas sociedades modernas, êle não considera a “oposição” suficiente- ponto de vista de Parsons sôbre o poder como “capacidade” ou
mente importante para tratá-la como se fôsse mais do que um recurso deriva de uma concepção do que é o sistema social, o pon-
to de vista de Lynd deriva de uma consideração do que poderia
aparte. Em consonância com a ênfase teórica coerente que dis-
pensa aos aspectos estáveis, equilibradores e harmoniosos da so- ser a sociedade. Reagindo “à tradicional identificação do poder
ciedade, êle evita o tratamento sistemático dos aspectos confli- com a dominação”, e a consegiiente tendência da democracia li-
beral “para resolver o problema do poder pela limitação quanti-
tantes, desequilibradores e desorganizadores da sociedade que não
são apenas “aberrantes” e, portanto, atendidos pelos seus “meca- tativa do seu uso”, Lynd argumenta:
nismos de contrôle”. 33 O que a exposição de Parsons supõe é Um problema central aqui é saber se aproveita à clara reflexão
que as modernas sociedades ocidentais, que patecem perfeita- sôbre o poder ou ao seu emprêgo eficaz reunir sob o conceito de
mente estáveis, devem ter
resolvido o problema do poder coerci- dominação não só o poder arbitririamente impôsto mas também os
usos do poder organizado por meios democráticos para a obtenção
vo e da integração. ** De fato, como vimos, a presunção de in-
de metas democráticas. A identificação do poder com dominação
tegração está encravada na nova definição de Parsons do poder,
«a

obscurece o fato de que o primeiro, numa democracia autêntica, re-


que, por seu turno, é sustentada por um quadro de referência de presenta, às vêzes, um recurso humano que se pode usar para O
análise que oferece pouco espaço à operação do que poderíamos acrescentamento da liberdade humana, 35
denominar oposição legitima. Além disso, a conexão estabeleci-
da por Parsons entre o “poder” e a “autoridade” com o “atingi- O que desejamos assinalar é que, se traduzirmos a concepção
mento de metas coletivas” dá a entender que, enquanto as metas de Lynd do “poder organizado por meios democráticos” por “au-
de uma sociedade não forem “coletivas”, senão privadas e compe- toridade consensual”, teremos mais um bom argumento contra a
titivas, tenderão talvez a ser geradas a má integração, o dissenso identificação do poder com a autoridade, 3º
e o conflito; mas, pot uma razão qualquer, essa pista altamente
sugestiva não é seguida. Seria oportuno indagar por que Parsons
só abandonou no seu repertório conceptual essa “variável de pa-
drão”, que distingue entre os interêsses privados e os interêsses

35 Robert S. Lynd, “Power in American Society as Resource and


a2 Ihid,
p 182 Problem”, em Problems of Power in American Democracy, org. por Arthur
as Tais considerações nos levam a pôr em dúvida o fundamento da Kornhauser (Detroit: Wayne State University Press, 1959), pp. 4-5.
atitude de Parsons criticando Milis tão vigorosamente pela sua “prevenção” 38 Ao examinar os pontos de vista de Parsons, de um lado, e os de
e pelo seu “tratamento altamente seletivo” ao focalizar-lhe a pesquisa sob Mills e Lynd, de outro, talvez nos vejamos fortemente tentados a avaliar
êste último aspecto, e por não definir o “poder” como o faz Parsons. Veja todos êles em têrmos ideológicos, o que normalmente signífica rejeitar su-
ibid, pp 22021 mariamente um ou outro em bases não científicas; a tentação, todavia,
34 Parsons diz prâticamente o mesmo em diversos lugares da obra deve ser enêrgicamente reprimida: as questões que aqui vêm à baila podem
que estamos citando ser vistas como problemas autênticos e fundamentais para a Ciência Social.

262 263
METAS DE GRUPO, PODER E BUROCRACIA te da História — sobretudo da História moderna — pode ser
vista como uma luta para aproximar-se do pólo da autoridade,
Uma solução que se aventa para o paradoxo do poder e da isto é, da institucionalização de um processo de autodetermina-
autoridade, portanto, é a conceptualização dos dois aspectos do ção informada, consensual, do todo, que denominamos “demo-
contrôle como tipos opostos, que definem os extremos de um cracia”.
contínuo. Como definição de trabalho sugerida, podemos defi- Os conceitos de “vontade” e “consentimento”, que ocorrem
nir o poder como contrôle ou influência sôbre as ações de outros em nossas definições, indicam a necessidade de um entendimen-
no intuito de atingir as próprias metas, sem o consentimento to sociopsicológico mais adequado, exemplificando particular-
dêsses outros, contra a “vontade” dêles ou sem o conhecimento mente bem os recentes argumentos de que à Sociologia impende
ou a compreensão dêles (por exemplo, pelo contrôle do meio fazer maior uso de variáveis psicológicas intervenientes para po-
físico, psicológico ou sociocultural no qual os outros precisam der progredir. Como já sugerimos anteriormente, o destaque
agir). (Os mecanismos envolvidos podem ir desde a fôrça bru- dado a conceitos estruturais, como a institucionalização, a legiti-
ta, “? passando pela manipulação de símbolos, a informação e ou- midade etc — com uma menção ocasional da socialização —
tras condições ambientais, até a dispensa de recompensas condi- só pode levar-nos a percorrer parte do caminho. Faz muito tem-
cionais. O que aqui se destaca é a ausência de “consentimento”
po que se deveria ter feito um esfôrço mais concertado para te-
constatável, considerada como alguma soisa social e psicolôgica- lacionar tais conceitos com as proposições de nível inferior, deri-
mente mais profunda que a mera aquiescência ou a submissão ma- vadas das observações das interações concretas de indivíduos e
nifesta. Uma característica estreitamente correlata é o destaque
grupos.
dado à orientação para a meta privada, de preferência à orienta- É axiomático que o poder e a autoridade estão intimamente
ção para a meta da coletividade. relacionados com a busca de metas num meio social em que as
Autoridade é a direção ou contrôle do comportamento de ou- metas disponíveis são limitadas. *S Focalizaremos agora a natu-
tros para a promoção de metas coletivas, com base em alguma reza dessa relação, particularmente no que se refere à busca de
forma constatável do consentimento informado dêsses outros. A metas privadas em contraste com a busca de metas públicas, ou
autoridade, portanto, supõe a submissão informada, voluntária, coletivas.
ou seja, um estado psicológico definido, e uma coordenação ou Baseados em pesquisas acêrca de pequenos grupos, Cart-
identidade das orientações de controladores e controlados dirigi- wright e Zander atacam o problema de definir a “meta de gru-
das para a meta De acôrdo com essa definição, a autoridade
po”. 3º E chegam à conclusão de que uma definição satisfatória
não é uma forma especial de poder, nem é o poder um subtipo
de autoridade. São tipos opostos, com as várias áreas institucio- 38 Consideramos o têrmo “limitado” mais exato e menos eivado de
nais de sociedades reais representadas em algum ponto ao longo prevenção do que a expressão “inerentemente escasso”, tão amiúde usada.
do contínuo adjacente Histôricamente, a maioria das sociedades Na moderna sociedade “opulenta”, por exemplo, não existe escassez de
tem-se voltado maciçamente pata o pólo do poder, e a maior par- recursos destinados à satisfação das necessidades básicas. Se existe escassez
em relação a qualquer necessidade básica ou adquirida numa
sociedade
assim, trata-se de uma escassez institucionalizada, e não inerente. Isto se
37 Em sua forma pura, o poder nu — a fôrça bruta — é um fenômeno pu-
colhe dos princípios sociológicos fundamentais que apontam para a não
casualidade dos fins num sistema social. Sustentar que os homens sempre
ramente físico, fora do terreno do social ou do psicológico. Grupo nenhum
pode basear-se mina coerção dessa natureza como princípio mais funda- “desejario” mais do que o disponível não é uma asserção muito significa-
tiva no estado presente dos nossos conhecimentos. Durkheim percebeu
mental do que a sua cultura comum. Em nosso entender, é um êrro co-
êsse ponto «o discutir a anomia.
mum do cientista político tradicional encarar o monopólio, por parte do
Estado, dos instrumentos de coerção como o fundamento da sociedade civil ae Dorwin Carrwright e Alvin Zander, orgs, Group Dynamics (Nova
— como tão bem sustentou MacIver. Torque: Harper & Row, Publishers, 1953), Capítulo 2a:

264 265
precisa reconhecer que a meta de grupo: (a) está relacionada com para nós, representa um avanço em relação ao emprêgo socioló-
um conjunto de “sistemas de tensão” de membros, mútuamente gico, habitualmente vago, de expressões como normas ou valôres
interdependentes em seu despertar e em sua liberação; e (b) “comuns” ou “partilhados”, expectações “mútuas” ou “recipro-
exerce influência sôbre os membros do grupo de maneira a lhes cas”, “interdependência funcional” das partes, e talvez “in-
ativar e dirigir o comportamento. Mais especificamente, uma de- tegração”.
finição dessa natureza implica: (1) que a meta de grupo só existe Como segundo tipo básico de interdependência de grupo,
quando a ação executada por um membro qualquer veduz a ten- em contraste com o acima examinado, Deutsch oferece a situação
são motivacional de todos os membros do grupo (êste é o ponto competitiva: quando um membro do grupo alcança a sua meta,
central do significado existente por trás da noção de interdepen- os demais, até certo ponto, estarão incapacitados de alcançar as
dência das necessidades ou metas dos membros); e (2) que a suas. Isto supõe a ausência da meta de grupo no sentido há pou-
meta de grupo só existe quando atua de certo modo sôbre todos co citado. Numa situação dessa natureza, as metas são escassas
os membros igualmente, em conttaste com as metas exclusivas por prescrição social e não podem ser atingidas por todos.
ou pessoais de cada membro. Experimentos com pequenos grupos e realizados com tais
Seguindo êsse enfoque, Morton Deutsch propõe que se defi- concepções em mente levaram Deutsch a um sem-número de
na a meta de grupo como existente quando diversas pessoas se achados, ou hipóteses derivadas, relevantes para a nossa tese.
acham tão inter-relacionadas que a atividade de uma ajuda a re- Por exemplo: (1) Numa situação de grupo em que as metas
duzir as “tensões de necessidade” das outras, o que implica a con- grupais estão presentes haverá presteza em substituir as ativida-
versão de necessidades individuais em “necessidades” de grupo des de um membro pelas de outro, visto que as atividades de
emergentes, definidas pelos membros. *º O tipo de situação de cada pessoa não se avaliam de acôrdo com quem as exerce, mas
grupo em que a interdependência dos membros se baseia na exis- de acôrdo com a sua contribuição para a meta. (2) A primazia
tência da meta de grupo, neste sentido definido, é designada co- de determinada meta de grupo supõe presteza em aceitar as ten-
mo situação cooperativa — em que as metas dos indivíduos estão tativas de influência de outros membros, visto que todos vêem
de tal forma relacionadas entre si que a meta de qualquer um que estão promovendo as finalidades uns dos outros. (3) Nu-
dêles só poderá ser alcançada se todos os indivíduos puderem ma situação em que se acham ausentes as metas de grupo, ou
também alcançar suas respectivas metas. Isto sugere a Deutsch estas são mínimas, o grupo tenderá a cindir-se em subgrupos mais
a própria definição de grupo: (1) um grupo sociológico existirá ou menos independentes, com metas que se excluem mútua-
enquanto os seus atôres estiverem buscando “metas fomentati- mente. *1
vamente interdependentes” (metas de grupo como as definimos Abordando outro estudo de uma espécie muito diferente de
acima); (2) um grupo psicológico existirá enquanto os seus grupo, chegamos à conclusão de que são pertinentes inúmeras
membros se perceberem buscando metas fomentativamente inter- conclusões sacadas por Margaret Mead de sua investigação de
dependentes; e (3) a coesão de um grupo psicológico é uma fun- sociedades pré-letradas cooperativas e competitivas, como, por
ção direta da fôrça das metas que se percebem ser fomentativa- exemplo:
mente interdependentes, e do grau de interdependência percebi- é também instrutivo examinar a presença do desejo de poder
da, Dessarte, a definição dada por Deutsch de “grupo social” é -

sôbre as pessoas Isto não ocorre entre as sociedades cooperati-


idêntica à conceptualização acima da “situação cooperativa” e,
41 Dessarte, o trabalho de Deutsch complementa e aprofunda inde-
49 Morton Deutsch, “The Effects of Cooperation and Competition pendentemente a teoria muito semelhante da cooperação e da competição
upon Group Processes”, em Group Dynamics, org. por Cartwright e Zan- ventilada por Mack A. May e Leonard W. Doob, Competition and Coope-
der, Capítulo 23. ration (Nova Iorque: Social Science Research Council, 1937).

266 267
vas... À ausência da vontade de poder sôbre as pessoas entre as três motivos estão mais ou menos entrelaçados, mas, em nossa pró-
sociedades cooperativas está correlacionada com a presença, nessas pria sociedade, o entrelaçamento se reveste de uma intimidade es-
sociedades, de finalidades partilhadas entre todos os membros do pecial. tt
grupo Visto que todos os indivíduos trabalham juntos na conse-
cução dessas finalidades, nenhum indivíduo requer indivíduos servis A essência da autoridade, tal como a definimos, está empi-
que obedeçam às suas ordens...
Em tôdas as sociedades em que a vontade de poder se encon-
ricamente ilustrada nos estudos da burocracia levados a efeito por
tra Obviamente desenvolvida, existe um baixo grau de segurança Peter Blau e Alvin Gouldner. O estudo de Blau incluía uma
para o indivíduo, e em nenhuma das sociedades em que existe um comparação do desempenho e de outras características de duas
alto grau de segurança existe a vontade de poder sôbre as pessoas. seções separadas de entrevistas de uma agência estadual de em-
É surpreendente notar que a vontade de poder não ocorre necessã-
riamente onde se registra um vigoroso desenvolvimento do ego, pois pregos, uma de natureza altamente competitiva e a outra essen-
êle não existe entre os esquimós, os maoris e os iroqueses 42 cialmente cooperativa Verificou-se que o grupo mais produtivo
e mais satisfeito era aquêle que tinha o que Deutsch denominaria
Muitos estudiosos de vulto se expressaram de maneira mui- “metas fomentativamente interdependentes”. Constatou-se que
as diferenças nas duas seções de entrevistas se baseavam em dife-
to semelhante ao analisarem a sociedade contemporânea, Em
sua monografia intitulada The Reduction of Intergronp Tensions, renças em três conjuntos de fatôres sociais que estruturavam O
sistema de ação e interação O supervisor da seção competitiva
por exemplo, Robin M. Williams Jr. assinalou que em tôda so- levava principalmente em conta os registros de eficiência na ava-
ciedade as pessoas agem orientadas, de um lado, para valôres
liação dos empregados, dando origem, assim, à ansiedade em
que podem ser partilhados por todos e “não são escassos no sen-
tido de que a cota de um indivíduo reduzirá o gôzo de outros”, tôrno da eficiência individual. Na seção cooperativa, a avaliação
era mais tolerante e não tomava tanto em consideração os regis-
e, de outro, para valôres “escassos, divisíveis e divisórios”. “As
tros de produção. Além disso, esta última seção criara uma orien-
principais classes de valôres escassos, divisíveis, são: a riqueza,
tação profissional durante o adestramento prévio dos seus mem-
o poder e o prestígio...” 4% A maneira pela qual uma ênfase
dessa natureza pode ser incorporada numa sociedade foi discuti- bros, originando um código profissional comum, que desacorçoa-
da em têrmos semelhantes por Gardner Murphy: va a colocação apressada dos clientes, prática essa que “transfor-
mava as práticas competitivas de meios ilegítimos para fins de-
- Opoder, que era outrora apenas o impeto do indivíduo contra sejáveis em meios ilegítimos para fins indignos”,** isto é, o
os obstáculos, transforma-se numa luta pelo contrôle relativo da si acúmulo de referências de empregos numa tentativa de valorizar
tuação na atmosfera competitiva do lar, da escola ou do parque in- ao máximo as próprias colocações. Ao grupo competitivo falta-
fantil, e o êxito na obtenção do poder cleva o eu
.. À criança vam êsse código e essa orientação comuns. Finalmente, os mem-
que luta por um objeto ou privilégio, que lhe foi negado, está lutan-
do, portanto, por três coisas: pelo próprio objeto, pelo prestígio que bros do grupo competitivo não se achavam permanentemente em-
isto acrescentará à sua auto-imagem, e pelo poder que poderá ser pregados e a insegurança engendrada por êsse fato os levava a
utilizado em relação às autoridades em ocasiões subseguentes... Tais não medir esforços para impressionar os superiores, Em com-
relações estão incorporadas em nossa sociedade... As sociedades pensação, os membros do grupo cooperativo tinham estabilidade
adiantadas, sem exceção, se acham ajustadas de tal maneira que os
no cargo. Em suma, a situação competitiva conduzia a um alto

4º2 Margaret Mead, org, Cooperatios aud Competition among Pri- 44 Gardner Murphy, “Social Motivation”, em Handbook of Social
mitive Peoples (Nova Jorque: McGraw-Hill Book Company, 1937), pp. Psychology, 2, org Gardner Lindzey (Reading, Mass.: Addison-Wesley Pu-
496-97. blishing Co, Inc. 1954), pp. 623-24,
t+ Robin M Williams Jr, The Reduction of Intergroup Teusious 4% Peter M. Blau, “Cooperation and Competition in a Bureaucracy”,
(Nova Torque: Social Science Research Council, 1947). American Journal of Sociology, 59 (1954), 532.

268 269
estado de ansiedade, baixa coesão de grupo e, por conseguinte, encarregado da segurança tivesse conhecimento dos fatos e os
ineficiente produção de grupo. À maior coesão social do grupe utilizasse para prevenir acidentes, e o próprio programa de se-
cooperativo lhe realçava a eficiência operativa facilitando a co- gurança procurava incutir pela persuasão a conformidade com as
operação entre os membros e reduzindo o estado de ansiedade. regras, através de reuniões, cartazes etc. Por outro lado, o pa-
E é essa espécie de situação de grupo que leva a uma concepção drão “centralizado no castigo” é representado pelo fato de se
2

da autoridade baseada no consenso, que vai além da simples con- arrogarem os capatazes o direito de impor e aplicar a regra “em
formidade ou aquiescência para chegar aos elementos não norma- virtude da sua posição formal de autoridade”:
tivos da ação implícitos no consenso e, portanto, na legitimidade
da autoridade. Em tais circunstâncias, Blau passa a definir a No padrão centralizado na punição, portanto, a regra é tratada
autoridade da seguinte maneira: como fim em si mesma. Por contraste, no entanto, o programa de
segurança, protótipo da burocracia representativa... destinava-se à
a autoridade envolve o exercicio do contrôle social que repousa consecução de outro fim, q redução dos acidentes Pedia-se e pres-
na voluntária submissão dos subordinados a certas diretivas do su- tava-se obediência às regras de segurança, sob a alegação de que elas
perior. Ele não precisa coagir nem persuadir os subordinados para efetivamente acarretariam consegiências desejáveis além de si mes-
exercer influência sóbre êles, porque os subordinados aceitaram mas.
como legítimo o princípio de que algumas das suas ações devem Pode ser que o “consentimento”, oriundo de um consenso de
ser governadas pelas decisões do superior +0 fins e valóres, também proporcione uma pista para novas investiga-
ções em tôrno da burocracia centralizada no castigo. Mais especl-
A pesquisa realizada por Gouldner numa burocracia indus- ficamente, parece possível que êsse padrão surja não só com o dis-
senso no tocante aos fins, mas também, em parte, por casa désse
trial 4º levou-o a distinguir entre o que êle denominou burocracia dissenso; isto é, a obediência tenderia a ser salientada como fim em
“representativa” e burocracia “centralizada na punição”, cada si mesma, e a autoridade tenderia a ser legitimada em função da
qual representando, respectivamente, uma das duas facêtas ptin- ocupação de um cargo, quando se ordena aos subordinados que fa-
cipais da concepção da burocracia de Max Weber: a habilidade çam coisas discrepantes dos seus próprios fins. Se a regra do não
absenteísmo houvesse promovido os fins dos trabalhadores, por exem-
especializada ou proficiência técnica do burocrata no alcançamen- plo, poderia ter sido justificada sob essa alegação. Na melhor das
to de metas, e a ênfase dada à rigorosa obediência dos subordina- hipóteses, contudo, essa regra se relaciona com a necessidade da
dos à autoridade burocrática. Em qualquer burocracia determi- administração de regularizar a produção e torná-la mais previsível -—
nada, pode-se dar primazia a um ou outro dêsses dois tipos. fins que não são insportantes para os trabalhadores. Era em parte
Gouldner descobriu que a burocracia “representativa” se caracte- por essa razão que os supervisores só tinham uma legitimação auto-
ritária para a regra do absenteísmo .. 48
rizava pela integração das metas tanto dos subordinados quanto
dos superiores, de sorte que ambos apoiavam as normas burocrá-
Em suma, Cartwright e Zander, Deutsch, Margaret Mead,
ticas, o grau de satisfação era elevado e o de tensões, mínimo.
Williams, Blau, Gouldner e muitos outros chegam à conclusão de
Entretanto, a burocracia “centralizada na punição” revelava ca-
racterísticas opostas e, dessa maneira, não correspondia ao crité- que o contrôle, ou processos diretivos de um grupo ou organiza-
rio “ideal” da máxima eficiência de Weber. Assim, no progra- ção estão intimamente relacionados com as metas e valôres mais
ma de segurança estudado por Gouldner, o padrão “representa- próximos dêsse grupo ou organização, com os processos pelos
tivo” era exemplificado pelo fato de se esperar que o engenheiro quais as metas têm sido alcançadas, com a expansão da participa-
ção em sua execução, e com a distribuição dos seus benefícios, e
precisam ser estudados em estreita conexão com êles. O cien-
46 Peter M. Blau, Bureaucracy in Moderm Society (Nova Iorque: tista social deve sobretudo acautelar-se de restringir a sua dis-
Random House, Inc, 1956), p 71
47 Alvin Gouldner, Patterns of Industrial Bureanicracy (Nova Iorque:
Free Press of Glencoe, Inc., 1954). 18 Ibid, pp. 22021, 223.24.

270
cussão ao nível dos supostos valôres “comuns” ou “partilhados” As suas ordens são legitimas no sentido de que estão de acôrdo com
sem especificar os grupos envolvidos ou sem traduzir os valôres o costume, mas também possuem a prerrogativa da decisão pessoal
livre, de sorte que a conformidade com o costume e a arbitrariedade
nas metas dos indivíduos e na inter-relação dessas metas dentro pessoal são ambas características dessa regra. 50
de um gtupo ou organização. É a natureza da relação entre tais
orientações para a meta e são os processos de contrôle de um Em geral, a distinção entre autoridade tradicional e o poder
grupo ou organização que indicam a possibilidade dos dois fenô- tradicional nos chama a atenção para a distinção entre a posição
menos relativamente distintos por nós definidos como poder e social ou status tradicionalmente legitimado dos encarregados con-
autoridade. JEmbora possam parecer semelhantes à superfície ou
troladores da tomada de decisões e o conteúdo possivelmente não
vistas de uma perspectiva estreita, as diferenças no nível dos pro-
cessos psicológicos e socioculturais podem ser profundas quando
legitimado, não costumeiro das suas decisões controladoras. A
encaradas pelo prisma mais amplo. distinção nos leva, assim, a criticar o ponto de vista, amiúde sus-
tentado, das culturas de “folk” impostas pela tradição como sen-
do tôdas da mesma espécie, persistindo em rústica tranquilidade
SUBTIPOS DE PODER E AUTORIDADE através de um sistema de contrôle inteiramente composto de nor-
mas, crenças e símbolos sagrados interiorizados e inadvertida-
Se tentarmos desenvolver uma tipologia do poder e da au- mente adotados com fins em si mesmos. Recordemos que Oscar
toridade, ela terá de refletir a distinção conceptual que fizemos Lewis censutou a classificação “folk-urbana” de Redfield num
entre os dois. Deverá também refletir a condição de que as es- ponto semelhante, sustentando que a sua classificação “tende a
truturas “institucionalizadas” não são, por isso mesmo, necessã- obscurecer um dos mais significativos achados da moderna an-
riamente “legitimadas” em qualquer sentido pleno, até para a tropologia cultural, a saber, a vasta série de modos de vida e de
maioria dos membros do grupo. Como base de discussão utiliza-
sistemas de valôres entre os chamados povos primitivos...” E
remos os três tipos de “autoridade” ou “dominação”, de Weber, continua a criticar o estudo de Redfield sôbre Tepoztlan argu-
conquanto a sua tipologia talvez não seja totalmente adequada. mentando:
O que sugerimos é que em contraste com os três tipos de astori-
dade legitimada (a Herrschaft de Weber) podem ser colocados Em todo q correr do seu estudo encontramos uma ênfase dada aos
três tipos correspondentes de poder (a Macht de Weber): o tra- fatôres cooperativos e unificadores na sociedade tepoztecana, Os
dicional, o carismático e o racional-legal. +? nossos descobrimentos, por outro lado, poriam de manifesto o indi-
vidualismo implícito das instituições e do caráter tepoztecanos, a
Dessarte, uma distinção analítica entre a “autoridade tradi- falta de cooperação, as tensões entre as aldeias... 51
cional?” e o “poder tradicional” torna conceptualmente explícito
o próprio reconhecimento de Weber de que, se bem êsse tipo de A adoção do conceito de cultura de folk, como alvitra Lewis,
autoridade legitimada envolva o exercício do contrôle sôbre ou-
pode ajudar a explicar a ênfase de Redfield:
tros em virtude do status herdado e de acôrdo com o costume,
também implica certo grau de poder arbitrário em virtude dêsse sôbre os aspectos formais e ritualísticos da vida mais do que
.

status. Os que exercem a autoridade tradicional têm uma dupla sôbre a vida cotidiana do povo e seus problemas, sôbre os indícios
de homogeneidade mais do que sôbre a heterogeneidade e a ampli-
vantagem, como assinalou Bendix:

49 Mas Weber, [he Theory of Social and Economic Organization 50 Reinhard Bendix, Max Weber: An Intelectual Portrait (Nova
(Nova Torque: Oxford University Press. 1947); Hans Gerth e €. Wright Torque: Doubleday & Company, Inc, 1962), p 295.
Mills, orgs, From Max Weber: Essays in Sociology (Nova Iorque: Oxford 51º Oscar Lewis, Life in a Mexican Village (Urbana,It:
University
University Press, 1946) of Tltinois Press, 1951), p. 429,

ata 273
tude dos costumes, sôbre o pêso da tradição mais do que sôbre a tre os jates e os camins se prestam à exploração dêstes últimos, A
aberração e a inovação, sôbre a unidade e a integração mais do que posse da terra é a base do poder em Rampur. Tôda a terra da
sôbre as tensões e o conflito. 52 aldeia, incluindo as áreas em que se localizam as casas, pertence nos
jates; as outras castas, por conseguinte, vivem mais ou menos por
tolerância dos jates Foi essa relação crucial com a terra, com O
E num estudo subsegiente acêrca de uma comunidade cam- direito concomitante à evicção, que possibilitou aos jates exigirem
ponesa na Índia, Lewis e Barnouw mostraram mais especifica- trabalhos forçados dos chamares no passado e ainda lhes permite
mente as relações de poder implícitas sob a pesada crosta da tra- dominar os outros grupos de castas...
dição. 3 Assinalam êles que a maioria dos estudos do sistema Ao passo que os proprictários de terra são, geralmente, de cas-
tas mais elevadas nas aldeias indianas, é a sua posição como proprie-
de castas indiano evitou os seus aspectos econômicos, sobretudo tários de terras, mais do que o fato per se de serem membros de
a interação dos subgrupos na produção e na troca de bens e de uma casta, que lhes confere status e poder. Em Karimpur, onde os
serviços. Mas é precisamente nessa área de comportamento so- brâmanes são os proprietários das terras, prevalece a tradicional
cial que vamos encontrar a fonte de alguns dos mais importantes hierarquia de castas. Mas em Rampur os jates possuem a terra, e
determinantes do contrôle que mantém o
antiquíssimo sistema de
posições e papéis diferenciados e estratificados, a saber, o siste-
os brâmanes lhes são subservientes. Majumdar e seus colegas apre-
sentam um quadro semelhante em sua descrição da aldeia próxima
de Lucknow: “O respeito de que gozam os brâmanes é meramen-
ma bem definido de relações de poder baseado na posse da pro- te convencional; na vida diária, entretanto, os brâmanes são tratados
priedade, que transcende até a qualidade de membro das castas em pé de igualdade com as outras castas
..”
66
mais elevadas como determinante de hierarquias locais.
Lewis e Barnouw dão a entender que W. H Wiser, em sua O próprio Wiser, em seu estudo, de resto unilateral, insinua
discussão do sistema dos jajmanis, nos apresenta um quadro um a razão por que o poder exercido talvez não seja demasiado óbvio
tanto benevolente da “paz e do contentamento” que êle enseja à primeira vista:
à comunidade. ** Semelhantemente, Opler e Singh nos contam:
Os que servem aprenderam que enquanto a sua subserviência fôr
Não só tôda a gente tem o seu lugar dentro do sistema hindu, mas inconteste, a mão que os dirige será leve. Entretanto, ao primeiro
também é significativo que todo grupo, desde a casta dos brâmanes movimento no sentido da independência ou mesmo da indiferença
até a casta dos chamares, integrou-se, de um modo ou de outro, na entre êles, o toque paternal se converte em “gravata” .. em todos
segiiência dos rotínciros acontecimentos sociais e cerimoniais da co- os pormenores da vida os líderes sujeitaram os aldeões. 57
munidade e teve alguma oportunidade de sentir-se indispensável e
orgulhoso, 55 Se tais descobrimentos forem aplicados a outtos casos, tor-
nar-se-á claro que a persistente ênfase sumneriana sôbre a “tra-
Mas Lewis e Barnouw discordam: dição” pura como mecanismo de contrôle, que regula automãti-
A nossa imagem de Rampur, entretanto, conduz a uma avalia- camente o comportamento com um aceno da “mão invisível” do
ção totalmente diversa, pois se afigura evidente que as relações en- economista clássico, proporcionou ao sociólogo uma perspectiva
sumamente inexata. Ao restaurar, porém, o papel do poder, não
estamos, com isso, excluindo a fôrça da “tradição” como fator
52 Ibid,p 432 pelo menos semi-autônomo com leis próprias, psicológica e socio-
53 Oscar Lewis e Victor Barnouw, “Caste and the Jajmani System
in a North Indian Village”, Scientific Monthly, 83 (1956), 66-81.
lôgicamente relevantes. Tudo indica que, ao analisarmos o con-
64 William H NWiser, The Hindu Jajmani System (Lucknow:
Lucknow Publishing House, 1936), p. 187.
66 Lewis e Barnouw, “Caste and the Jajmani System in a North
05 Mortis E Opler e Rudra D. Singh, “The Division of Labor in
Indian Village”, p 77-78.
an Indian Village”, em 4 Reader in General Anthropology, org. por Carleton
S. Coon (Nova Iorque: Holt, Rinchart & Winston, Inc, 1948), p. 496.
67 Citado em Lewis e Barnouw, ibid, p. 77.

274
275
trôle do comportamento nas sociedades tradicionais, bem anda- estudos sociopsicológicos, mormente a pesquisa em tôro dos
ríamos procurando não só as relações de poder, mas também
relações de autoridade. Isto requer um exame mais atento da
as pequenos grupos, já começaram a investigar mais sistemâtica-
mente essa área geral. º” Entretanto, a continuarmos tratando
estrutura das orientações para as metas, do grau em que elas são dêsse subtipo, nós nos apartaríamos demasiado do nosso tema.
auto-orientadas ou “fomentativamente interdependentes” e dos Cremos que mais importante para a análise da sociedade mo-
papéis relativos da coerção (por mais sutil ou latente que seja) e derna é a introdução explícita do conceito do “poder formalmen-
do consentimento. te institucionalizado” como tipo polar que se contrapõe ao da
Examinando râpidamente o tipo “carismático” de contrôle, “autoridade formalmente institucionalizada”. (Preferimos essa
terminologia ao “racional-legal” de Weber, capaz de indu-
quer-nos parecer que talvez fôsse igualmente instrutivo pensar zir em êrro). Em primeiro lugar, a distinção torna ex-
nos dois pólos de um contínuo. O poder carismático, num extre-
plícito que o poder continua a ser poder, quer institu-
mo, apontará pata a coerção psíquica ou fôrça hipnótica da figu- cionalizado, quer manifestado de outra maneira. Ou seja,
ra de grande prestígio sôbre gtupos de pessoas, que são, por êsse é o contrôle de outros através de uma estrutura socio-
meio, induzidas a fazer coisas contrárias, num sentido real, à sua
cultural normativa, ao menos parcialmente legalizada, baseada,
“vontade” e ao seu critério A autoridade carismática será dite- de um modo verificável qualquer, em alguma forma de coerção
ção ou liderança pela estima adquirida, baseada no reconheci- latente ou manifesta, que atua sôbre os grupos diretamente ou
mento e na aceitação mais discernentes da capacidade e do inte- através do meio, e que mantém coesa uma estrutura de orienta-
rêsse do líder em ptomover as metas de tôda a coletividade. 5%
ções particulares para metas. Se bem se trate de uma concepção
A experiência, tanto histórica quanto cotidiana, indica a opera-
que os teóricos do consenso dificilmente aceitarão, ficou bem
ção de ambos os tipos de fôrças carismáticas, geralmente talvez documentado em todo o correr da História que pequenos grupos
numa mistura complexa, em que uma ou a outra prepondera. Os têm amiúde controlado grandes comunidades ou sociedades atra-
vés do contrôle do aparelho normativo ou institucional. À so-
68 Preferimos empregar os têrmos “prestígio” e “estima” de manei- ciologia moderna já não pode aceitar a concepção sumneriana das
ra mais consentânea com a definição do dicionário. Assim é que prestígio, normas e do aparelho institucional como um produto evolucioná-
numa de suas acepções, significa “ilusão, engano ou deslumbramento ofus- rio cego e inconsciente, afastado dos propósitos e da busca de
cante”. Outra definição reza: “poder de impor admiração”. Nêle está im- metas dos homens e dos seus grupos e que, portanto, encerra uma
plícita, portanto, a promoção de uma reação psicológica, imposta às pessoas legitimidade, uma soberania ou um direito místicos, “naturais”.
por certas características de outros, principalmente características como O Para o teórico contemporâneo da estrutura isto significa que a
poder e a riqueza em plena ostentação simbólica. E a não ser que se revista
de simbolos culturais mais amplos, interiorizados nos outros, a Eeação mera existência de posições e papéis organizacionais estabeleci-
tende a ser sobretudo negativa e de natureza abjeta, expressa concreta- dos (definindo, por exemplo, as relações de dominação e subor-
mente em gestos de deferência, obsequiosidade ou adulação servil. Dessa dinação) não constitui prova adequada da sua legitimidade.
maneira, o prestígio envolve avaliação, mas, essencialmente, a avaliação do
valor extrínseco da pessoa. À estima, por outro lado, denota a estimação O poder, sustentamos nós, não se transforma em autorida-
ou avaliação do valor real ou intrínseco da pessoa. Supõe uma apreciação de sancionada, legitimada, consensual, simplesmente por se re-
mais consciente, mais concentrada, manifestada em gestos de louvor e de vestir de formas institucionais. Precisamos dissentir do ponto
doação voluntária e espontânea de presentes (por exemplo, “em penhor de vista de Bierstedt, segundo o qual “quando a ação e a inte-
da nossa estima”, mais do que “em reconhecimento do seu prestígio”).
ração sociais se processam inteiramente de acôrdo com as normas
Não se pode “impor” nem “reivindicar” a estima — ela só pode ser con-
da organização formal, o poder se dissolve, sem deixar resíduos,
ferida voluntâriamente Há, implícita, uma relação mais íntima da pessoa
estimada com o eu, em confronto com a pessoa prestigiosa. Sentimos
auto-estima, mas não sentimos “autoprestígio”. Supõe-se que a pessoa es- 5, Veja, por exemplo, Studies im Social Power, org. por Dorvin
timada esteja favorecendo nossas próprias metas e valôres. Cartwright (Ann Arbor, Mich : Institute for Social Research, 1959).

277
na autoridade. ..”, se com isto se quiser significar que a “fôrça suas frequentes lutas internas pelo contrôle; nas nações “adianta:
latente” se transforma, por essa maneira, no consenso da maio- das” a questão é empírica, de grau, e depende da área institucio-
ria. A questão, Obviamente, está na origem e na base de apoio nal em tela.
dessas normas. Assentimos com demasiada presteza nesse ponto De modo geral, é verdade que as instituições podem ser en-
quando consideramos a sociedade soviética ou algum país latino- caradas como em vias de desenvolvimento, mas isso não quer
-americano típico, por exemplo, e bem faríamos se refletissemos dizer que a direção delas não tenha sido traçada, muitas vêzes in-
sêriamente nêle em relação a outros, mais próximos de nós. tencionalmente, por alguns indivíduos ou subgrupos mais do que
Em segundo lugar, a nossa perspectiva nos obriga a consi- por outros Ássim, Sherif e Sherif afirmaram:
dexar com maior atenção alguns têrmos dificílimos, como “insti- Todos os membros do grupo tomam parte na estandardização das
tucionalização” e “Jegitimação”. Tendemos a pensar nêles como normas sociais. O processo, contudo, não pode ser compreendido
se se referissem a estruturas de papéis de atividades e intex-rela- sem que se considerem as relações de poder surgidas com a estru-
ções baseadas em normas ou padrões interiorizados nos atôres tura do grupo que se desenvolve. É axiomático afirmar-se que cet-
tos indivíduos contribuem com maior pêso para êsse processo do
constituintes que desempenham os papéis, representando assim o
que outros. .. 40
consenso geral, ainda que apenas implícito, sôbre o que é certo e
adequado Mas saltamos facilmente para a conclusão de que
Anàlogamente, a manutenção cotidiana das instituições pre-
qualquer estrutura social concreta que persista por algum espaço cisa ser encarada como um assunto assaz irregular e não como
de tempo deve ser, portanto, institucionalizada ou legitimada num
um assunto que obscuramente se presume ser simplesmente o
sistema de autoridade consensual. Entretanto, medeia um abis-
resultado automático de “fôrças societais” gerais, das “necessi-
mo muito grande entre o consentimento participante, voluntário, dades sistemáticas” ou do “funcionamento” de certas estrutu-
informado, em grande escala, das exigências do papel, de um
ras. Há algum tempo, Robert K. Merton mostrou os perigos
lado, e a franca oposição a elas, de outro. Não podemos elimi-
aqui existentes:
nar a possibilidade muito real de que, para uma grande percen-
tagem de atôres em qualquer sistema social as normas sejam A menos que a teoria das instituições sociais inclua a consideração
aceitas e obedecidas apenas como condições especificadas de ação, sistemática dos grupos específicos que sustentam determinadas “ins-
com escassa compreensão da sua origem ou da sua justificação tituições”, ela passará por alto o papel importante do poder puto
na sociedade Falar em “legitimação do poder” é empregar uma
ideológica, e com menor compreensão ainda de que elas possam expressão obscura (e, consequentemente, muitas vêzes enganosa).
ser de outra maneira; e que outra considerável percentagem se Pois o poder pode ser legitimado para algums sem que o seja para
sinta oprimida pelas normas e as siga ao arrepio da sua vontade todos os grupos de uma sociedade 81
porque nenhum outro curso de ação lhe parece realistamente
franqueado. Se aceitarmos tais possibilidades, impor-se-á a con- E novas ilações do nosso ponto de vista são trazidas à cola-
clusão de que uma estrutura social pode ser “Jegitimada” ou ção por Wolpert, que declara: “Não se deve supor que os Esta-
“institucionalizada” apenas do ponto de vista de uma pequena dos que não têm polícia política sejam, apenas por êsse fato, le-
minoria de membros do sistema. Como proposição de ordem gítimos. O conceito de legitimidade tal como é aplicado à ordem
geral, e com isso somos obrigados a concordar, na medida em
que o poder e a autoridade são conceitos relacionais, o que tal- 00 Muzafer Sherif e CG, Sherif, “Effects of Power Relations in Mol-
vez seja um sistema de autoridade para alguns atôres será um
ding Opinions and Behavior”, Soutbiwesterm Social Science Quarterly, 33
sistema de poder para outros. Mais uma vez, êsses pontos são (1953), 289.
evidentes no caso de muitas sociedades “subdesenvolvidas” e “re- 91 Robert K Merton, “Discussion”, American Sociological Revieio,
cém-surgidas” da Ásia, da África e da América Latina, com as 13 (1948), 168

278 279
social está grandemente necessitado de redefinição”. *º E con- disso, cla é relativa no que concerne às finalidades, metas ou va-
tinua sugerindo que, nas sociedades ocidentais contratuais, a idéia lôres particulares colimados pela habilidade especializada, racio-
de legitimidade se relaciona com as normas da Gesellschaft, defi- nal e eficiente. E, como asseveramos, a questão da autorida-
nidas numa terminologia em grande parte jurídica Nessas con- de e do apoio consensuais, estáveis, em oposição às lutas instá-
dições, a legitimidade é fregiientemente “engolida pela legalida- veis, divisórias, pelo poder, gira em tôrno de outra questão: de
de”, e não deve surpreender-nos que “a base da solidariedade te- quem são as finalidades, metas e valôres que estão sendo promo-
nha sido erodida”. vidos e por que processo (necessariamente não racional) foram
A dissentaneidade, endêmica na estrutura social do mundo ca- êles escolhidos para a promoção em detrimento de outras finali-
pitalista ocidental contemporâneo, é uma função do modo pelo qual dades? É essencialmente para êsse ponto de vista que aponta a
se define a legitimidade... Numa sociedade contratual, a falta de pesquisa de Gouldner:
uma base para a autoridade produz o indivíduo insulado, atomizado,
impelido a acumular poder e riqueza para contrabalançar a sua pró- notou-se que a burocracia especializada ou representativa não
pria insegurança. À ausência de qualquer autoridade genulnamente era legitimada únicanmente em função da posse de habilidades técni-
reconhecida, cujo lugar é tomado por sucedâneos, é a condição para cas. O exame do programa de segurança mostra várias outras con-
a ausência de normas. 63 dições, que precisam ser satisfeitas antes que os detentores de pro-
ficiência técnica sejam reconhecidos como antoridades legítimas.
O que dá a entender muita coisa do que vai escrito acima é Uma delas parece ser o consenso no que tange às finalidades ou
valôres Dêsse ponto de vista, não representa pormenor imperti-
que o “poder institucionalizado” pode ser “legalizado”, mas só nente notar-se que tanto a administração quanto os trabalhadores
a “autoridade institucionalizada” é “legitimada”. E está claro davam valor à redução de acidentes e buscavam-na. Se o “consen-
que o “legalizado” e o “legitimado”, de um ponto de vista socio- timento voluntário” é vital para êsse padrão de autoridade, dir-se-á
psicológico, são mundos à parte. Isto, naturalmente, constitui que êste, por seu turno, repousa na crença do subordinado de que
uma facêta central da grande discussão do último meio século, ou lhe estão ordenando que faça coisas congruentes com suas próprias
finalidades e valóres...
mais, centralizada na transição da sociedade para o tipo “secular”, A ser correto êste ponto de vista, a burocracia representativa,
“contratual”, “de massa”, e no problema de descobrir novas ba- ou à administração pelo especialista, de Weber, supõe um processo
ses de consenso e, portanto, de legitimidade. protodemocrático de legitimação A autoridade do especialista
só é validada quando exercida para fomentar as finalidades dos tra-
Finalmente, uma distinção entre a autoridade institucionali-
balhadores e quando os trabalhadores têm voz ativa na decretação
zada e o poder institucionalizado põe em relêvo uma fraqueza Teria escassamente
e administração do programa do especialista.
fundamental do conceito de autoridade “racional-legal” de Weber, valido a pena insistir nisto, não fôra o fato de que o papel do “con-
uma fraqueza que talvez explique, parcialmente, o pessimismo sentimento” e dos processos democráticos é obscurecido pela teoria
dêle em relação à estabilidade dêsse tipo de organização. Essa da autoridade de Weber...
fraqueza decorre, em parte, da incapacidade de Weber de com- Para Weber, conferia-se o consentimento à autoridade por ser
ela legítima, e não que ela fôsse legítima por evocar o consentimen-
preender plenamente o fato de que a racionalidade não é um Para Weber, portanto, o consentimento é sempre um dado
to.
absoluto e, portanto, não pode servir como fonte absoluta e inde-
pendente da autoridade e da solidariedade sociais. !
Ao invés
cujas fontes precisavam ser rastreadas. Em consegiiência disso, êle
nunca analisou sistemâticamente os processos sociais reais que gera-
vam ou tolhiam a emergência do consentimento. 85
es Jeremiah Wolpert, “Toward a Sociology of Authority”, em Stu-
dies in Leadership, org. por Alvin Gouldner (Nova Torque: Harper &
Row, Publishers, 1950), p. 694. Com isto, naturalmente, não se pretende negar que muitos
63 Ibid, pp. 781-95, passim indivíduos e grupos na sociedade moderna concedem uma espécie
64 Cf. Georges Freedmann, Industrial Society (Nova Torque: Free
Press of Glencoe, Inc, 1955), pp 375-76; Jeremiah Wolpert, Studies in
Leadership, p. 689. 65 Gouldner, Patterns of Industrial Bureaucracy, pp. 22123.

280 281
de “consentimento” a figuras de autoridade simplesmente por- ou consonantes com os seus. Pelos motivos opostos, o regime de
que elas simbolizam um govêrno existente e têm o apoio legal Castro é encarado como simples grupo de poder que mantém a
dêsse govêrno. Às razões psicológicas disso são perfeitamente sua posição pela coerção. A União Soviética, por outro lado, tem
compreendidas em princípio. O ponto principal, todavia, subsiste. uma interpretação contrária porque, entre outras coisas, as me-
Está visto que a justificação final de qualquer plano con- tas fomentativamente interdependentes estão na outra direção.
ceptual reside na sua capacidade de organizar significativamente Ministrando uma distinção conceptual entre o poder e a autori-
os dados complexos da realidade empírica e, assim, projetar um dade, que lhes destaca a natureza relacional e, portanto, relativa,
pouco mais de luz sôbre fenômenos aliás confusos. Acredita- o nosso esquema de referência enseja as duas interpretações e
mos que a concepção de poder e autoridade por nós sugerida fun- torna desnecessária qualquer discussão sôbre o significado das pa-
ciona nessa direção. Os acontecimentos que caracterizam o apa- lavras, como na pergunta: com qual dos grupos está “realmen-
recimento de novas nações, bem como um sem-número de proble- te” o regime legítimo? Por outro lado, se buscarmos uma res-
mas que fervilham dentro de sociedades industriais estabelecidas, posta para a pergunta sôbre se um regime, visto do interior da
e entre elas, podem ser proveitosamente analisados dessa pers- sociedade, se baseia predominantemente no poder ou na autori-
pectiva. dade, teremos uma série de critérios relativamente objetivos com
Por exemplo, podemos olhar para a Cuba anterior a Castro os quais poderemos avaliar as condições empíricas, muito embo-
e perguntar de quem eram as metas e valôres para as quais ope- ra a pesquisa necessária não seja, de maneira alguma, facilmente
rava o regime de Batista como ordem legitimada de autoridade empreendida.
institucionalizada, e para quem funcionava como poder tradicio- Um segundo problema relativo aos países “comunistas” não
nal, institucionalizado, ou mesmo nu. Seria, por certo, de pouco é simplesmente saber se o público exerce o pleno direito do voto,
valor analítico chamar-lhe simplesmente um sistema de autori- mas se existe, e até que ponto, predominância do poder institu-
dade legitimada e ficar nisso. cionalizado ou da autoridade institucionalizada. Pôsto que os
Com o aparecimento de Castro — a figura carismática par centros de contrôle dêsses países tenham demonstrado sua capa-
excellence, de acôrdo com Matthews do New York Times“ — cidade e seu compromisso de promover algumas das importantes
podemos perguntar para que grupos e em que base veio êle a en- metas e valôres de grupo — como a saúde, a educação, o em-
carnar o poder carismático ou a autoridade carismática, e de que prêgo e algumas artes e ciências — em graus sem precedentes, a
maneira se alterou essa distribuição de atitudes, se é que se alte- questão crucial, naturalmente, consiste em saber se isto se fêz às
tou, desde que êle assumiu a direção dos negócios cubanos? E expensas da promoção de outras metas e valôres considerados
qual é a relação que há entre as metas e valôres dos exilados importantes por grande número dos cidadãos.
cubanos e os do resto do povo cubano: serão êsses valôres sobre- De maneira idêntica, nas sociedades ocidentais modernas
tudo “fomentativamente interdependentes”, divisôriamente exclu- uma questão fundamental envolve o grau em que (a despeito do
sivos ou uma simples mistura indistinguível? Nas respostas a
voto político) algumas áreas institucionais e suas orientações para
essas perguntas reside boa parte do direito dos exilados à Jegiti- metas e valôres correlatos são dominadas por relações de autori-
midade, Muitos funcionários do govêrno dos Estados Unidos dade ou relações de poder e, portanto, produzem e mantêm metas
apóiam a legitimidade dos exilados e vêem nêles as autênticas e valôres de grupo fomentativamente interdependentes em con-
“autoridades” cubanas, aparentemente porque as metas e valô- traste com metas e valótes divisórios e competitivos de subgru-
res dêstes últimos são mais fomentativamente interdependentes po. Por exemplo, se quisermos compicender as questões cen-
trais nacionais e internacionais de hoje, não poderemos evitar
90 Herbert L. Matthews The Cuban Story (Nova lorque: George nem menosprezar o persistente problema do papel ambíguo das
Brazilter, Inc., 1961) influências de emprêsas particulares sôbre a importante tomada

282 283
fôrça do que alegam freguentemente os seus autores. Alguns dós.
de decisão das democracias políticas. Pergunta-se aqui, ôbvia- entraves e contrapesos que, afirmam êles, atalham êsse poder reque-
mente, se a emprêsa moderna é preponderantemente uma mani- rem um reexame à luz dos fatos.
festação de autoridade institucionalizada ou de poder institucio- O poder que estivemos considerando, embora limitado, é em grande
nalizado. É evidente que, substancialmente, isso ilustra muito parte absoluto. Em tôrno do seu emprêgo a lei autoriza uma capa
bem o caso do poder institúcional, embora não desejemos descre- de santidade, a “presunção” legal de que a ação da administração
ver a situação em têrmos tão rudes quanto os de Adolphe A. tem em mira os melhores interêsses da instituição empresária...
Até agora a comunidade ainda não criou nenhum ponto reconhecido
Berle, que sustenta que, nos Estados Unidos, um grupo formado de referência da responsabilidade, nenhum grupo do qual possam
por algumas das 500 maiores emprêsas detém “o poder final de as emprêsas tirar o seu mandato de poder ou obter instruções para
tomar decisões” sôbre dois terços da economia não agrícola. o trato das sérias correntes de acontecimentos que elas são capazes
Muitas dessas emprêsas têm orçamentos e fôlhas de pagamento de afetar e afetam. Não existe nenhum corpo de doutrina reconhe-
cido que lhes faculte fazer a sua escolha à medida que vão agindo
que, “com os seus fregueses, afetam um número maior de pes- diaadia [...] E no entanto parece que a soma das suas deci-
soas do que a maior parte dos noventa e tantos países soberanos sões de todos os dias afeiçoa a vida e a comunidade. As emprêsas
do mundo... Algumas dessas emprêsas são unidades que só representam uma parte notável na base física sôbre a qual a vida é
podem ser concebidas mais ou menos como, até agora, se conce- vivida Constroem, mudam ou dirigem quadros de experiência hu-
biam as nações...” Berle reconhece que, onde quer que haja mana dentro dos quais vivem grandes massas de homens. Indireta-
mente, afetam um grupo periférico ainda maior. Penetram nas ins-
uma questão de poder, há uma questão de legitimidade. No pé tituições comunitárias, entre as quais ora se incluem escolas supe-
em que estão as coisas agora, êsses instrumentos de tremendo riores, escolas e organizações filantrópicas, que são o produto mais
poder têm o mais tênue direito à legitimidade”. Embora a
7”
orgulhoso da vida norte-americana, 69
administração, teôricamente, conquistasse a sua legitimidade re-
presentando a vontade dos acionistas que, supostamente, haviam Voltemos agora à obra recente de Peter Blau, Exchange and
escolhido os seus diretores, tratava-se, na realidade, de uma “es- Power in Social Life. Em nosso entender, a despeito de alguma
pécie quase amadora de legitimidade” e os acionistas “se acha- ambigiiidade no emprêgo dos têrmos, Blau desenvolveu uma
vam completamente incapazes” de escolher: concepção sistemática do poder, da autoridade e da legitimidade,
Quando os diretores desejavam renomear-se, aumentar o seu núme- que amplia a distinção geral entre poder e autoridade acima ex-
ro, ou preencher uma vaga, faziam-no. Ele é ainda o método pelo posta Consagra capítulos separados ao poder (Capítulo 5) e à
qual são escolhidos os diretores de uma grande emprêsa. Trata-se autoridade e à legitimidade (Capítulo 8). O poder é aqui defi-
de uma oligarquia automática, que se autoperpetua 48 nido (como entendemos que o deve ser) como o contrôle basea-
do em sanções negativas, sem embargo de quão “voluntária” pos-
Em outro passo, Berle prossegue em sua linha de pensa- sa parecer exteriormente a transação. O poder é:
mento e chega ao âmago da nossa condição de poder institu-
a capacidade de pessoas ou grupos de imporem sua vontade sôbre
cionalizado:
outros, apesar da resistência, por meio da repressão, quer recusando
Tanto os estudiosos quanto os homens de negócios, aduzem pron- a concessão de recompensas regularmente ministradas, quer punindo,
tamente o argumento de que êsse poder que estivemos discutindo, na medida em que a recusa, bem como a punição, constituem, efe-
se realmente existe, sôbre não ser absoluto é severamente limitado. tivamente, uma sanção negativa 70
O pronunciamento tem fórça mas, depois de examinado, tem menos

e» Adoiphe A Berle Jr, The 20th Century Capitalist Revolution


07 Adolphe A. Berle Jr, Economic Power and the Free Society (San- (Nova Iorque: Harcourt, Brace & World, Inc, 1954), pp 35, 63, 181-83.
ta Barbara, Catif: The Fund for the Republic, 1957), pp I4-l16. TO Peter M. Blau, Exchange and Power of Social Life (Nova Torque:
68 Ihid, pp. 8.9 John Wiley and Sons, Inc., 1964), p 117

284 285
ritenarae

Estribado em sua perspectiva teórica da troca, Blau continua gente e suas características competitivas, juntamente com os pa-
drões normativos que tendem a desenvolver-se; a possibilidade
desenvolvendo uma série simples, mas fundamentalmente impor-
da sua do uso do poder coercivo conduz o observador a investigar a for-
tante, de classificações analíticas, que estendem as ilações mação de coalizões e a organização do poder, ao lado dos pro-
do poder, sistemática e profundamente, à área da es-
concepção
do cessos que governam a luta pelo poder político na sociedade; e,
trutura e da dinâmica institucionais. Vê-se o surgimento po-
der como transações de troca quando uma pessoa fornece serviços por fim, a possibilidade de se prescindir de alguma coisa origi-
necessários a outras nas quatro condições seguintes de relações nalmente “necessária” desperta a atenção para as mudanças dos
de desequilíbrio ou “dependência de poder”: (1) as outras não valôres, a formação de novas ideologias e os conflitos entre as
podem retribuir nem fornecer-lhe serviços tão necessários que ideologias. 4
possam igualar a relação de troca; (2) as outras
não podem Em suma, o reconhecimento sistemático do fenômeno do
obter os serviços de que necessitam em outro lugar; (3) elas poder, da parte de Blau, representa um grande passo no sentido
não podem, de maneira alguma, coagi-la a fornecer os serviços; de preencher a lacuna existente no modêlo do equilíbrio e do
e (4) elas não podem resignar-se a ficar sem os setviços nem consenso da estrutura e da dinâmica sociais. Éste modêlo, por
modificar os valôres que determinam a necessidade. Enuncia-
exemplo, proporciona tipicamente pouco espaço aos fatos notá-
das de maneira positiva, essas alternativas definem as condições veis da estratificação social, ou tende a tratálos apenas em têr-
de independência social do poder de outros, e delas se podem mos positivos ou eufemísticos. Em compensação, a análise da
derivar: (a) as estratégias requeridas para atingir e manter o diferenciação estrutural, de Blau, permite uma penetração mais
poder; (b) os principais tipos de questões surgidas nos conflitos profunda nessas matérias e, em particular, revela as graves defi-
de poder; e (c) as inferências do poder para a análise dos pro- ciências da definição do “poder”, de Parsons, como a “capacida-
blemas básicos da estrutura social. Por exemplo, para usar os de generalizada de um sistema social de obter que se façam as
seus recursos a fim de conquistar poder sôbre os outros, uma coisas no interêsse de metas coletivas”. E assinala Peter Blau:
das qua-
pessoa precisa impedi-los de escolherem qualquer uma
tro alternativas. Isto é, precisa permanecer indiferente aos be- Uma dose suficiente de poder permite aos indivíduos monopoli-
neficios que êsses outros possam oferecer, negando-lhes acesso zarem recursos e tornarem os outros cada vez mais dependentes déles,
Embora a perpetuação do seu poder esteja condicionada ao fato de
aos recursos requeridos; precisa impedir o acesso a fornecedores continuarem êles a proporcionar alguns benefícios a outros, ainda
alternativos, monopolizando, por exemplo, as recompensas ou que seja apenas deixando de punílos, é evidente que o próprio
serviços necessários; precisa impedir o uso da coerção, desacor- poder, que torna os outros dependentes mercê dêsses “benefícios”,
coando talvez as coalizões entre os subordinados, bloqueando o não pode ser considerado em nenhum sentido como se representasse
acesso ao poder político, ou dominando as fontes da lei e da uma recompensa merecida pelo fornecimento de serviços ou um
incentivo necessário à sua produção. Em suma, conquistado o
ordem e controlando politicamente os processos de troca; e pre-
poder superior mediante o fornecimento de serviços, êle pode ser
cisa perpetuar os valôres sociais — sejam êles valôres materialis- mantido sem o fornecimento dêsses mesmos serviços. Este ele-
tas, ideais patrióticos, convicções religiosas — que alimentem a mento autoperpetuador do poder é ainda mais evidente na estru-
necessidade do seu gênero de serviços, ao mesmo tempo que se tura de classes de sociedades inteiras do que na diferenciação de
status em peguenos grupos, e deixar de tomálo em consideração
opõe às ideologias contrárias. ê séria deficiência das concepções funcionais da estratificação
As quatro alternativas também sugerem quatro problemas una 72
social,
básicos da estrutura social: as possibilidades de retribuição de
benefícios chamam
ca e distribuição
a de
atenção para o estudo dos processos de tro-
recursos; as possibilidades de oportunidades
Tt
72
Ibid, pp
Ibid, p.
118-25.
197.
alternativas dirigem a atenção para a estrutura de troca emer-

286
Blau, entretanto, não chegou até o fim do quadro de rete-
Num capítulo subsequente, porém, quando passa a tratar
rência do seu capítulo anterior sôbre o “poder”. E dá a entender
da legitimação e da autoridade, Blau tende a esquecer que defi-
niu o poder como um contrôle coercivo baseado no emprêgo de que são exatamente êsses grupos dominantes de poder que não
só tiram o maior proveito dos arranjos institucionais em sua so-
sanções negativas, e fala da sua legitimação, que o transforma em
ciedade, mas também que mais contribuem para a sua criação e
autoridade, em determinadas condições, introduzindo assim, na
manutenção, monopolizando recursos, controlando os processos
sua análise, as mesmas confusões conceptuais que discutimos an- de troca, dominando os meios de coerção e perpetuando os va-
teriormente. Dá a entender que a autoridade legitimada se fun-
lôres e ideologias em que se apóiam.
da na submissão voluntária, que, por sua vez, se apóia nas nor-
Na última parte do seu livro, todavia, Blau compensa que
mas sociais institucionalizadas e interiorizadas, aceitas e aplica-
das pela coletividade dos subordinados. Argumenta-se que O farte essas confusões apresentando os conceitos de “componen-
poder, dêsse modo, “se transforma em” autoridade legítima. Mas tes antiinstitucionais” e “ideais de oposição”, além dos princípios
a conexão conceptual entre o poder e a autoridade o impede de
do “desequilíbrio” inerente e das “fôrças dialéticas”, subjacentes
esclarecer a importante questão de se saber se isso significa que à mudança social Normas de equidade e justiça, constantemen-
o contrôle, conquanto encerrado agora em formas institucionais te redefinidas, são aplicadas ao uso do poder ou da autoridade
e socializadas, ainda se baseia na fôrça coerciva de sanções nega- em sociedade, e podem levar à oposição. Isto implica (embora
tivas potenciais ou reais, ou se isso significa que os interêsses Blau não desenvolva o argumento exatamente nestes têrmos ) que,
além do interêsse pela maneira por que o poder vem a transfor-
inicialmente privados dos poderosos vieram a “transformar-se
em” metas coletivas, que promovem os interêsses de todos. Su- mar-se em autoridade legitimada, a atenção precisa também diri-
gir-se para a possibilidade de que o que foi outrora autoridade
põem a “legitimação” e a “institucionalização” um consenso in-
consensual venha a “deslegitimar-se” e transformar-se, portanto,
formado, voluntário, no que concerne a uma determinada estru-
em poder coercivo. Uma concepção dessa natureza se diria essen-
tura de classe? Ou não deveríamos deixar lugar, em nosso apa-
cial à compreensão de muitos acontecimentos de sociedades pas-
relho conceptual, como já aventamos, a uma distinção entre o
sadas e contemporâneas Pode ser analisada sob o aspecto dos
poder institucionalizado (no sentido essencialmente coercivo usa-
do por Blau ao definir o poder) e a autoridade legitimada (ca- processos sociopsicológicos de provocação de tensões, de solução
de problemas ou de busca de metas e bloqueio de metas, condu-
racterizada por uma orientação para a meta fomentativamente in-
terdependente e pela submissão voluntária)? É o que sugerem centes a redefinições da situação da ação — a novas expectativas,
do
alguns reparos de Blau: normas, papéis, aspirações e valôres Os modelos dinâmicos
processo de interação social, que discutimos antes, sugerem certo
Embora a autoridade legitima se escore nas normas sociais e nas número de conceitos relevantes: a dissonância e um “esfôrço na
sanções da coletividade dos subordinados, isto não significa que direção da simetria”; os processos seletivos tendentes a afeiçoar
todos os grupos da sociedade apóiem a autoridade institucionaliza-
da, nem mesmo que a maioria o faça O fator crucial é que grupos uma “matriz interpessoal mais congruente”; a “tensão de papel”
importantes e poderosos de subordinados façam cumprir as ordens
da autoridade institucionalizada, exercendo pressões externas a fim seguir, julga necessário falar em “autoridade legítima”, o que é uma ré
de impor obediência aos grupos que se recusam a obedecer volun- dundância E quando deseja claramente a conotação de coerção ou coação,
tiriamente.. A autoridade do govêrno, portanto, baseia-se na sua usa o têrmo “poder”, muito embora o empregue,
às vêzes, em outros luga-
aceitação como legítima e no seu apoio por parte dos grupos domi- res onde parece ter em mira o têrmo “autoridade”. Além disso, não se
nantes de súditos, isto é, pela maioria dos que participam da vida nos afigura exato quando faz referência a um govêrno como consensual
política e se ocupam de assuntos públicos, e não necessariamente mente legitimado apenas apoiado por uma minoria que consiste em grupos
pela maioria da população total. 73 do poder dominante (isto é, coercivos), que coagem a maioria Como
dissemos, é preciso ressaltar aqui a relatividade de “poder” e de “autori-
Como
13 pp 21213. Vale notar aqui o emprêgo terminológico.
Ibid, dade”
muitos outros, Blau definiu “autoridade” como “poder legítimo” mas, a
10
289
288
e os processos resultantes de negociação e troca; e as várias estra- ridade em poder ou vice-versa, são processos sistemáticos totais
tégias do conflito. de morfostase ou morfogênese, Requerem um estudo em têrmos
Blau desenvolve o importante princípio de que os valôres da dinâmica sociocultural, sociopsicológica e psicológica, alvitra-
culturais, que servem para legitimar as instituições, também con- da em capítulos anteriores. Claro está que a nossa exposição
têm as sementes da destruição ou da reorganização dessas insti- neste capítulo não poderia constituir um estudo dessa ordem,
tuições. Podem formar-se “ideais de oposição” à volta de valô- servindo apenas para ilustrar o fato de que não se pode esperar
res aceitos não realizados e aparentemente irrealizáveis em deter- que a análise institucional ou organizacional consiga chegar muito
minados arranjos institucionais. Esses ideais de oposição, que além do seu estado presente sem um tratamento sistêmico,
são “culturalmente legitimados” para alguns grupos, entram em
conflito com as instituições existentes e com as autoridades cu os
grupos de poder reconhecidos que as apóiam. Os ideais de opo- Conclusão
sição legitimam os líderes dos movimentos da oposição “= assim
produzem uma fôrça compensadora contra os podêres entrinchei- O tema geral dêste capítulo foi o problema do “contrôle
rados e as instituições existentes na sociedade”. 74 social”. Ao discutir as várias facêtas dessa noção sustentamos
Temos aqui, portanto, um firme reconhecimento de um dos que é necessário um modêlo da sociedade como sistema adaptati-
princípios centrais que estivemos sustentando: a institucionali- vo complexo para que se possa tornar mais claro o significado
da noção. O contrôle social, ou a ordem social, não é simplesmente
zação não deve ser confundida com a legitimação nos sentidos so-
ciológico e sociopsicológico dêsses têrmos. É uma questão em- uma função de homens que se conformam com as ordens de outros,
pírica saber-se se a estrutura institucional de determinada socieda- com preceitos divinos ou com a lei natural, ou com as normas fi-
de, ou certos aspectos dela, têm base social e psicológica sólida xas de um sistema de equilíbrio ou homeostático. Sejam quais fo-
firmada num consenso inteligente, cognitiva e afetivamente não rem, o contrôle, a ordem ou a desordem existentes, a qualquer
deturpado, acêrca de normas, meios, fins e valôres importanres momento, na sociedade são uma função das inter-relações e in-
terações dos componentes de um processo sistemático em curso.
Finalmente, Blau desenvolve as ilações dos seus pontos de
vista num derradeiro capítulo, que trata das “fôrças dialéticas” Agrupamentos de indivíduos que buscam metas materiais e so-
ciais num meio físico e sociocultural geram significados, padrões
da institucionalização e da reorganização institucional como prin-
de interação e arranjos ecológicos que são ajustamentos mais ou
cípio fundamental da mudança social JEmbora se faça referência
menos temporários, sempre franqueados à redefinição e ao rea-
a ela numa terminologia mais antiga, confere-se à natureza mor-
fogênica do processo social, mais uma vez, um lugar de destaque justamento, Êsses padrões sociais e culturais envolvem, em graus
O desequilíbrio e a elaboração estrutural, variados, um componente interno de autecontrôle voluntário, in-
na teoria sociológica
formado, e um componente externo de coerção direta ou indire-
e não o equilíbrio e a manutenção homeostática, são os traços ca-
ta. Isto é, a autoridade legítima e o poder coercivo estão ambos
racterísticos, inerentes, dos sistemas socioculturais À geração,
normalmente presentes na sociedade, mas um ou outro podem
a autoperpetuação ou o colapso de fenômenos como os que ro-
tulamos de “legitimidade”, “poder” e “autoridade” são produ- predominar, conforme a ocasião.
Um modêlo simples de realimentação cibernética da busca
tos de processos sistemáticos complexos, que não podem ser
apresentados de maneira mais completa numa análise gradual. explícita de metas de grupo não se acomoda à maioria das socie-
A natureza autoperpetuadora do poder estabelecido, a automa- dades do passado e do presente em virtude da ausência, nessas
sociedades, de uma direção centralizada, informada, e de com-
nutenção da autoridade consensual, ou a transformação da auto-
portamentos de meta difundidos e fomentativamente interdepen-
dentes de indivíduos e subgrupos. Em alguns casos na História
74 Ibid,p 20 já ocorreu um desenvolvimento ou uma mudança social plane-

290 291
“os

jada, em grande escala, ajustável a êsse modêlo, baseada numa para a ação, pela “tensão de papel” das relações sociais cotidia-
vigorosa liderança centralizada e num aparelho administrativo nas, pela dissonância cognitiva, pela incongruência das matrizes
eficiente; mas as metas atingidas não chamaram a atenção de interpessoais etc.; (3) uma rêde de comunicação completa, nos
vastos segmentos da população e, mais cedo ou mais tarde, sur- dois sentidos, que se estende por tôdas as partes do sistema a
giram problemas de coesão e consenso internos, que entravaram fim de propiciar a adequada ligação dos componentes e possibi-
o processo. Às extensas e conscientes tentativas de dirigir uma litar os vários circuitos de realimentação essenciais ao eficaz
sociedade complexa numa forma viável, adaptativa, só agora co- atingimento de metas; (4) um sistema seletivo, ou de tomada
de decisão, sensível não só a mudanças no meio externo mas tam-
meçaram na história moderna, e faz-se preciso ainda aprender
muita coisa para evitar os erros do passado. É essencial a ínti- bém às mudanças que se verificam em seu estado interno (isto é,
ma compreensão do funcionamento do nível sociocultural do sis- precisa ser autoconsciente), e capaz de “aprendizagem” ou de
tema adaptativo complexo. permitir alterações em suas metas e valôres; e (5) mecanismos
eficientes para preservar e propagar tais significados, sistemas de
A análise moderna dos sistemas dá a entender que um sis-
simbolos e conjuntos de informação que tenham, por enquanto,
tema sociocultural dotado de alto potencial adaptativo, ou de in- passado pelos testes da verdade, da bondade e da beleza; e essa
tegração, como poderiamos chamar-lhe, requer um nível ótimo variedade recém-estruturada torna-se a base do enquadramento
não só de estabilidade, mas também de flexibilidade: estabilidade sociocultural dentro da qual ocorre a seguência seguinte do pro-
relativa das bases sociopsciológicas das relações interpessoais e cesso adaptativo.
dos significados culturais e hierarquias de valor, que mantêm
Essa espécie de modêlo é complexa e menos confortadora
juntos os membros do grupo no mesmo universo de discurso e,
do que um modêlo de equilíbrio ou funcionalista. Mas as várias
simultâneamente, flexibilidade de relações estruturais, caracteri-
zada pela falta de sólidas barreiras à mudança, ao lado de certa teorias recentes da interação social e da dinâmica institucional,
propensão para reorganizar a estrutura institucional corrente, na bosquejadas em capítulos anteriores, pretendem mostrar que o
desafio já foi aceito e que uma significativa revisão da teoria
hipótese de virem desafios ambientais ou condições internas
sociológica está a caminho, seguindo uma direção, repetimos, es-
emergentes a sugerir-lhe a necessidade. Característica fundamen-
tal do sistema adaptativo complexo é a sua capacidade de persis- treitamente em harmonia com a análise moderna dos sistemas,
tir ou desenvolver-se modificando a própria estrutura, às vêzes que proporciona um quadro de referência teórico de integração
de maneiras fundamentais. capaz de contribuir para o progresso — se nos dermos ao traba-
lho de explorá-la.
Implícitos nos critérios de estabilidade e flexibilidade estão
os elementos básicos do processo adaptativo: (1) uma fonte para
a contínua introdução de “variedade” no sistema, capaz de re-
quintar ou revitalizar o fundo comum de informação vulgarmen-
te usável e a série de significados e símbolos comuns que, em
conjunto, representam “mapeamentos” adequados do meio físi-
co e social; mas variedade significa aberração e, se bem parte
dela talvez seja adaptativa, a outra parte será patogênica; (2) a
manutenção de um nível ótimo de tensão no sistema, mas tam-
bém, um nível relativamente alto de satisfação das necessidades
dos membros — tanto das necessidades básicas quanto das gera-
das pelo próprio sistema; a sociedade não é um sistema de redu-
ção de tensão — a tensão é produzida pelos impulsos normais

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