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TEORIAS DA APRENDIZAGEM
Esta edição é um levantamento e a interpretação de algumas das mais
importantes teorias e descobertas da psicologia da aprendizagem. Inclui
um exame detalhado das principais teorias behavioristas e cognitivas, a
avaliação de cada teoria, com uma discussão de suas principais aplicações
práticas mais importantes. Apresenta, ainda, uma significativa atualização
das atuais pesquisas relacionadas ao cérebro e também de modelos OUTRAS OBRAS
simbólicos e conexionistas (modelos de redes neurais).
Este livro aborda as temáticas relacionadas à aprendizagem humana: GUIA DE APRENDIZAGEM
ciência e teoria; primórdios do behaviorismo: Pavlov, Watson e Guthrie; os E DESENVOLVIMENTO
efeitos do comportamento: Thorndike e Hull; condicionamento operante: o
SOCIAL DA CRIANÇA
behaviorismo radical de Skinner; psicologia evolucionista: aprendizagem,
Tradução da 7ª edição
biologia e cérebro; a transição para o cognitivismo moderno: Hebb,
norte-americana
Tolman e os gestaltistas; três teorias cognitivas: Bruner, Piaget e Vygotsky;
Marjorie J. Kostelnik,
modelos simbólicos de mente e de redes neurais; aprendizagem e memória;
motivação; aprendizagem social: a teoria cognitiva social de Bandura;
Kara Murphy Gregory,
resumo, síntese e integração. Anne K. Soderman e
Alice Phipps Whiren
aplicações: esta obra é indicada para a disciplina Psicologia da
Aprendizagem, geralmente ministrada nas Faculdades de Psicologia e ORIENTAÇÃO INFANTIL
Educação (Pedagogia). Todavia, em função do seu conteúdo amplo, genérico Tradução da 6ª edição
e atualizado, pode interessar também a profissionais e alunos que queiram norte-americana
conhecer melhor o processo por meio do qual os seres humanos adquirem Darla Ferris Miller
novos comportamentos e/ou informações, assim como as aplicações
educacionais (práticas) das diferentes teorias da aprendizagem. O ATENDIMENTO
INFANTIL NA ÓTICA
FENOMENOLÓGICO-
EXISTENCIAL
ISBN 13 978-85-221-2504-3
ISBN 10 85-221-2504-X 2ª edição revista e ampliada
Valdemar Augusto
GUY R. LEFRANÇOIS Angerami - Camon (Org.)
Para suas soluções de curso e aprendizado,
visite www.cengage.com.br
9 788522 125043
Lefrançois, Guy R.
Teorias da aprendizagem : o que o professor disse /
Guy R. Lefrançois ; tradução Solange A. Visconte ; revisão
técnica José Fernando B. Lomônaco. — São Paulo : Cengage
Learning, 2016.
16-00627 CDD-370.1523
Guy R. Lefrançois
The University of Alberta
Austrália • Brasil • Japão • Coreia • México • Cingapura • Espanha • Reino Unido • Estados Unidos
Impresso no Brasil.
Printed in Brazil.
1234567 21 20 19 18 17
1
Expressão latina que também pode ser traduzida livremente como “As aparências enganam”, “Não creias
no que parece” ou “Quem vê cara, não vê coração” (NRT).
Nota da Editora: Este livro possui material complementar para professores disponível na página do livro no
site da Cengage: www.cengage.com.br.
1
Naturalmente, Professor não era seu nome real, e eu não tenho ideia de qual era.
Agradecimentos
O professor queria que eu transmitisse os agradecimentos dele para cerca de 500 pessoas
diferentes que mereciam vencimentos, créditos, aplausos e muitos beijos. Eu disse que não
havia espaço, que isto não é uma enciclopédia. Ele disse que tudo bem, mas que era preciso
dizer obrigado à Editora Cengage Learning, ao editor executivo (Jon-David Hague), ao
editor assistente (Philip Hovanessian), à assistente editorial (Sheli DeNola), ao amigo e
consultor editorial (Ken King), ao gerente de projeto de produção (Dewanshu Ranjan), à
designer de capa (Denise Davidson), sua avó (Emerilda Franceur), o sujeito que lhe em-
prestou o barco, à empresa que limpava o escritório – e então eu disse: “ôôôpa, chega, você
está tentando incluir todos os 500?”. Ele disse que não, mas que, por favor, agradecesse
aos revisores, que foram tão competentes e hábeis (Jerome Wagner, Loyola University,
Lakeshore; Joseph Luzzi, William Paterson University; Karl Bailey, Andrew University;
Robert Wilson, Marshall University).
O professor também me pediu para ressaltar que ele não é responsável por nenhum
erro ou mal-entendido que apareçam no texto. “Se alguns erros se insinuaram”, disse ele,
“é culpa dos revisores, editores e das outras pessoas envolvidas”. Isso, claro, é pura mentira.
O professor é totalmente responsável por quaisquer fraquezas e falhas do livro.2
Guy R. Lefrançois
P.S.: Muito obrigado a Claire, que conseguiu fotografar Kro, e a Claire e Liam, que chegaram mais perto do
que qualquer outra pessoa para conseguir fotos reconhecíveis do Velho Senhor e da Velha Senhora. Eu mes-
mo tirei a fotografia do Professor, com minha câmera oculta, de infravermelho e ativada por movimentos,
utilizada para fotografar a vida selvagem. Foi a única maneira de conseguir (veja nas páginas finais do livro).
A prendizagem Humana:
Ciência e Teoria
Os dois motivos básicos da pesquisa na área das ciências comportamentais são desenvolver teorias
científicas e solucionar problemas que ocorrem no cotidiano.
R. Hastie (2001)
Não são as coisas que não sabemos que nos causam problemas. Mas aquilo que você sabe que
não é.
Artemus Ward
Quando fui dar de comer aos pássaros naquela ma- um bilhete nas minhas botas há tanto tempo que eu
nhã fria de março, vi fumaça saindo da chaminé. quase me esqueci.
Logo pensei: “Pronto, alguém entrou na cabana!”. “O quê… de onde você… quem…?”, balbuciei,
Abri a porta cuidadosamente, perguntando: “Quem alvoroçado, a cabeça cheia de perguntas inacabadas.
está aí?”. Mas ele ignorou todos os meus questionamentos
Sentado em frente ao fogão aquecido, com um gato e novamente mandou que eu pegasse o gravador,
caolho enrodilhado no colo, estava um homem que porque estava pronto para começar.
eu nunca havia visto antes. “Pegue seu gravador “Podemos bater um papo mais tarde”, disse. “Nós
e seu notebook e preste atenção”, disse ele, como poderemos conversar quando eu não tiver mais nada
se nos conhecêssemos há muito tempo. “Mudanças de importante para dizer.” Achei que ele estava
importantes aconteceram desde a última edição.” zombando de mim.
E me abanou um maço de páginas amarfanhadas, Fui buscar o gravador e o liguei. Então, o homem
e percebi que ali estava o cara que tinha deixado começou a falar. Eis o que ele disse:
P sicologia e Aprendizagem
Vou começar pelo início, disse o professor. Psicologia1 é a ciência que estuda o comporta-
mento e o pensamento humanos. Busca saber como a experiência afeta o pensamento e a
ação; explora os papéis da biologia e da hereditariedade; examina a consciência e os sonhos;
acompanha como se dá a transformação de crianças em adultos; investiga as influências
sociais. Basicamente, tenta explicar como as pessoas pensam, agem e sentem.
Claro que este livro não engloba toda a psicologia. Limita-se às teorias psicológicas
que lidam com a aprendizagem e com o comportamento humano – e com a aprendizagem
animal também, porque os estudos com animais, nessa área, estão intrinsecamente ligados
ao desenvolvimento das teorias de aprendizagem humana. É fundamental, portanto, saber,
desde o início, o que é aprendizagem.
Conhecimento e Consciência
O que aprendemos? O que sabemos? O que é conhecimento?
Essas questões definem o ramo da filosofia conhecido como epistemologia. A episte-
mologia questiona o modo como conhecemos o mundo. Também indaga como sabemos
que aquilo que achamos que é real efetivamente é.
Alguns dos antigos filósofos gregos, como Aristóteles (384-322 a.C.), responderam a
essas perguntas com uma teoria que propunha que tudo o que existe fora de nós, no mun-
do, tem uma cópia na mente. O que acontece, explicou Aristóteles, é que o ato de perceber
alguma coisa resulta numa cópia de algo que, de algum modo, passamos a conhecer. Assim,
não conhecemos a realidade diretamente; tudo o que conhecemos é, de forma indireta,
resultado da percepção das cópias da realidade. Conhecemos não tanto por causa de nos-
sos sentidos, argumentava Aristóteles, porém mais como resultado de nossa razão. Dessa
forma, as pessoas instruídas, cujas mentes presumivelmente são mais capazes de raciocinar,
conhecem a realidade de forma mais precisa do que as pessoas menos cultas. “As raízes da
educação são amargas”, disse Aristóteles, “mas o fruto é doce”.
1
As palavras em negrito estão definidas no glossário ao final do livro. Ao contrário da maior parte do texto,
os itens do glossário e as notas de rodapé não são palavras do professor, mas minhas (GRL).
Platão (428-347 a. C.), outro filósofo grego bastante conhecido e que foi, na verdade, mes-
tre de Aristóteles, também acreditava que conhecemos apenas ideias (embora ele e Aristóteles
discordassem sobre a natureza delas). Daí a importância de educar as pessoas, de transformá-
-las em pensadores e filósofos. “E por que não dizer”, perguntava Platão, “que as mentes mais
bem dotadas, quando mal-educadas, tornam-se as piores?” (Platão, 1993, p. 491).2
Entretanto, perguntavam-se outros filósofos como saber o que é a realidade externa, se
tudo o que temos são cópias dela em nossa mente. Talvez, sugeriram alguns, a realidade só
exista em nossas mentes – uma crença denominada idealismo em oposição ao materialismo.
Para o materialismo, tudo o que existe é físico (ou material), enquanto para o idealismo
as ideias são a única realidade conhecida.
Essas questões são o cerne de um grande tema em psicologia: o problema mente-cor-
po. Basicamente, ele gira em torno da relação entre mente e corpo. Como alguma coisa
puramente física, tal como um gato, produz algo puramente mental, por exemplo, a ideia
de um gato? E como a ideia de um gato pode se traduzir num ato, como aquele de procurar
pelo gato?
O filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650) apresentou a primeira e
mais influente solução para esse problema ao criar a famosa frase: Penso, logo existo. Des-
cartes chegou a esse insight fingindo que tudo o que ele pensava não era real – era simples-
mente um sonho. Ele escreve,
Imediatamente depois, percebi que, enquanto tentava achar que “tudo era falso, era necessário que eu,
que estava pensando, fosse alguma coisa. E vendo que essa verdade “Penso; logo existo” era tão sólida
que as suposições mais extravagantes dos céticos não conseguiriam derrubá-la, julguei não ser necessário
ter escrúpulo para aceitá-la como primeiro princípio. (Anscombe e Geach, 1954, p. 31-2)
Penso, logo existo. Essa sentença em latim, idioma pelo qual estudaram os filósofos e os
cientistas da época de Descartes, é Cogito, ergo sum. É por isso que esse princípio também é
comumente lembrado como o Cogito de Descartes. Uma conclusão muito importante que
advém desse princípio, segundo Descartes, é que todas as ideias vêm de Deus porque os
humanos, claro, não são suficientemente perfeitos para criá-las por si próprios (Vrooman,
1970). Por consequência, a mente e o corpo devem estar separados, insistiu Descartes.
Ademais, a existência das ideias prova que aquilo que pensamos estar errado na verdade
está errado mesmo, porque Deus, com certeza, não nos daria ideias falsas. Assim, as ideias
são puras e inatas porque vêm de Deus. Em contraposição, o corpo é físico ou material;
seu funcionamento é como o de uma máquina.
Segundo Descartes, existem duas espécies de substâncias básicas no mundo: a material
e a imaterial. A material inclui coisas como corpos, morcegos e bebidas, tudo aquilo que
existe no espaço e tudo o que pode ser comparado às máquinas em seu funcionamento. A
imaterial inclui a mente, ou, para usar o que Descartes considerava um termo equivalente,
a alma. A alma está mais próxima de Deus do que a máquina. Assim, mente e corpo são
coisas fundamentalmente diferentes e separadas. Essa postura cartesiana (referente a Des-
cartes) é rotulada de dualismo. Descartes é classificado como dualista interativo porque
acreditava que, apesar de mente e corpo estarem separados (serem duais, em outras pala-
2
Nesta obra, as referências são citadas de acordo com as normas da American Psychological Association
(APA), ou seja, nome(s) do(s) autor(es) seguido pelo ano da publicação pertinente. A lista de referências
bibliográficas no fim do livro oferece informação completa sobre a fonte.
vras) estão, de certa forma, ligados no cérebro. O cérebro permite ao corpo influenciar a
mente e vice-versa, daí a designação dualismo interativo.
Descartes achava que a comunicação entre corpo e mente era regulada por um peque-
no órgão do cérebro conhecido como glândula pineal. Por que a glândula pineal? Porque
até onde Descartes sabia, essa glândula era a única estrutura do cérebro que não tinha
duplicata. A maioria das estruturas cerebrais é duplicada em cada metade do cérebro (cha-
mada hemisfério; ver o Capítulo 5, que discorre sobre a anatomia e as funções cerebrais).
Hoje sabemos que Descartes estava enganado sobre as funções da glândula pineal.
As especulações do filósofo sobre mente e corpo permeavam um problema muito im-
portante para os psicólogos: O que é a consciência? Colocado de outro modo, como as
sensações físicas são traduzidas no mundo subjetivo de forma que nos tornam conscientes
da realidade?
Um meio de contornar essa questão é ignorar mente ou consciência, que não podem
ser observadas diretamente, e considerar as leis que governam o comportamento humano
observável. Na verdade, essa solução embasou boa parte das pesquisas e teorias recentes
sobre aprendizagem.
O que É Aprendizagem?
Pergunte a qualquer pessoa o que é aprendizagem e a resposta mais frequente terá algo
a ver com aquisição de informação. Se eu lhe disser que aquele pássaro ali é um pica-pau
de peito vermelho e, na próxima vez que você vir esse pássaro, identificá-lo corretamente
como um pica-pau de peito vermelho, seria possível concluir que você aprendeu algo.
Nesse caso, a natureza da informação adquirida é óbvia. Observe também que seu com-
portamento mudou como resultado da experiência. Dessa forma, a experiência específica
de eu ter lhe dito que o pássaro é um pica-pau de peito vermelho afeta sua resposta quando
você vê de novo um pássaro dessa espécie.
Disposição
Em muitos casos, o que é adquirido durante a aprendizagem não é tão óbvio. Por exemplo,
se o professor Toch rir sarcasticamente das tentativas de Helen de pronunciar a palavra
“procrastinar”, alguns de seus outros alunos, consequentemente, podem ficar mais hesi-
tantes em tentar pronunciar palavras difíceis. Eles aprenderam a ser cautelosos. Explicando
de outro modo, tem havido uma mudança na disposição deles – ou seja, em sua inclinação
de fazer ou não fazer algo –, em vez de uma mudança observável em seu comportamento
real. Mudanças na disposição têm a ver com motivação, um assunto que será discutido em
detalhes no Capítulo 10.
Capacidade
A aprendizagem envolve não somente mudanças na disposição, mas também na capacida-
de – isto é, mudanças nas habilidades ou no conhecimento necessário para fazer alguma
coisa. Assim como as mudanças na disposição, as mudanças na capacidade nem sempre são
observadas diretamente. Por exemplo, vários alunos do professor Toch podem ter apren-
dido bem como pronunciar a palavra “procrastinar” quando ele corrigiu Helen. Mas essas
mudanças podem não ser aparentes, a menos que esses alunos tenham a oportunidade
de manifestá-las. A inferência de que as disposições ou capacidades se modificaram – em
outras palavras, de que a aprendizagem ocorreu – sempre terá como base o desempenho.
Desempenho
Os psicólogos buscam evidência da aprendizagem nas alterações que ocorrem no compor-
tamento das pessoas, como resultado da experiência. Entretanto, nem todas as mudanças
comportamentais são exemplos de aprendizagem. Se alguém bate forte na sua cabeça ou
o faz ingerir drogas, seu comportamento pode mudar de maneira radical. É possível que
isso tenha acontecido com um estudante que aparentemente pensou ter encontrado um
casal de dragõezinhos no armário e por essa razão saiu pela rua gritando por socorro.
Eis uma mudança drástica no comportamento, mas dizer que se trata de um exemplo de
aprendizagem é ampliar o termo além dos limites razoáveis.
As mudanças de comportamento que são resultado temporário de cansaço ou ingestão
de drogas, por exemplo, não ilustram a aprendizagem. Da mesma maneira, as mudanças
biologicamente determinadas, como o crescimento ou a maturação sexual, ou as que resul-
tam de lesão ou doença (especialmente no cérebro ou em outras partes do sistema nervoso)
não são exemplos de aprendizagem.
Definição
Em suma, aprendizagem é definida como toda mudança relativamente permanente no po-
tencial de comportamento, que resulta da experiência, mas não é causada por cansaço, ma-
turação, drogas, lesões ou doença. No sentido estrito, claro, a aprendizagem não é definida
pelas mudanças reais ou potenciais no comportamento. Em vez disso, a aprendizagem é o
que acontece ao organismo (humano ou não humano) como resultado da experiência. As
mudanças comportamentais são simplesmente evidências de que a aprendizagem ocorreu
(veja a Figura 1.1).
Note que a definição especifica mudanças no potencial para o comportamento, e não
simplesmente mudanças no comportamento. Por quê? Porque, como vimos, os efeitos
permanentes da experiência nem sempre são aparentes. E isso é verdadeiro mesmo para os
animais. Em um experimento clássico, Buxton (1940) manteve, por várias noites, ratos em
grandes labirintos. Havia caixas na entrada e na saída, mas não havia comida nem qualquer
outra recompensa nas caixas de saída. Após algumas noites no labirinto, não havia evi-
dência de que os ratos tinham aprendido algo. Mais tarde, Buxton colocou uma pequena
porção de comida nas caixas de saída e posicionou os ratos nas caixas de entrada. Mais da
metade deles correu direto para as caixas de saída sem cometer nenhum erro! Isso indicou
que os ratos tinham aprendido bastante durante as primeiras noites no labirinto. No en-
tanto, era uma aprendizagem mais latente do que efetiva, ou seja, ela não ficou evidente
no desempenho até que houve uma mudança nas disposições – no caso, na motivação para
atravessar o labirinto.
Portanto, a aprendizagem implica mudanças na capacidade – ou seja, na potencialidade
para fazer algo – e também na disposição – na inclinação para o desempenho. A evidência
de que a aprendizagem aconteceu pode depender também da oportunidade para agir; daí a
necessidade de definir a aprendizagem como uma mudança no potencial para o comporta-
mento, em vez de simplesmente uma mudança no comportamento. À medida que você lê
este livro, por exemplo, algumas mudanças surpreendentes podem ocorrer nas suas capa-
cidades. O fato de a maioria dessas mudanças permanecer latente, evidenciando-se apenas
quando há a oportunidade de ação – em um exame, por exemplo –, não as faz menos reais.
T eoria 3
3
A esta altura, o professor me perguntou se eu precisava de um descanso, se deveríamos continuar depois.
Eu disse que não, que estava tudo bem e realmente achava que o leitor ainda não precisava de uma pausa.
“Bem, eles não vão pedir”, ele disse, “porque os estudantes são assim”. “Além disso”, continuou, “os mais
brilhantes devem estar, agora mesmo, se fazendo alguns questionamentos filosóficos, de modo que deve-
riam dar uma paradinha”.
Quando lhe perguntei quais seriam esses questionamentos filosóficos, ele respondeu “livre-arbítrio e
determinismo”. Disse que estes eram grandes temas em filosofia e psicologia. “Determinismo”, explicou
ele, “é a crença de que todos os comportamentos resultam de causas identificáveis – mesmo que não as
conheçamos – e não do exercício do livre arbítrio”. “Muitos filósofos acham as duas coisas incompatíveis”,
disse, referindo-se ao determinismo e livre-arbítrio. Segundo ele, os teóricos da aprendizagem sabem muito
bem que o comportamento é determinado. “Essa é uma daquelas afirmações fundamentais da ciência”,
disse, balançando a cabeça, e eu não soube dizer se era porque estava triste ou confuso. “Então quer dizer
que não há livre-arbítrio?”, perguntei, e ele respondeu, “Bem, essa é uma questão filosófica”. E então voltou
para suas anotações.
que existe uma ordem considerável no mundo. Essa certeza guiou nossa pesquisa e coloriu
nossas teorias, alardeiam Ballou, Matsumoto e Wagner (2002). Descobrir essa regulari-
dade e tentar explicá-la é construir uma teoria. “Teorias são afirmações sistemáticas de
princípios que explicam os fenômenos naturais”, afirmam Sommer e Sommer (2002, p. 3).
Os homens gostam de construir teorias, de acordo com Stagner (1988). Anos atrás, eles
urdiram teorias sobre as luzes no céu, sobre por que os bebês se parecem com os pais, sobre
o formato da Terra. Geralmente essas teorias eram expressas em metáforas: o Sol é uma
carruagem que atravessa os céus; sonhos são as aventuras da alma que anda em mundos
paralelos enquanto o corpo dorme. As modernas teorias científicas, frequentemente, tam-
bém podem ser explicadas com metáforas e entendidas como tal: o coração é uma bomba;
o cérebro, um computador; o olho, uma câmera. No Capítulo 6 falaremos mais detalhada-
mente sobre as metáforas em psicologia.
Isso não se aplica às leis. Leis são afirmações cuja exatidão está além da dúvida razoável.
São conclusões baseadas no que parecem ser observações inegáveis e de lógica inquestioná-
vel. Ao contrário dos princípios, as leis, por definição, não admitem exceções e dúvidas. A
afirmação E = mc2, por exemplo, é uma lei. Todavia, leis não devem ser confundidas com
verdade; porque qualquer lei pode ser refutada desde que se apresentem contra ela evidências
contrárias suficientes. Por definição, a verdade nunca pode ser considerada não verdadeira.
Crenças são afirmações de caráter mais privado e pessoal do que os princípios e as
leis. Por exemplo, a ideia de que os ruivos são mais propensos à raiva do que as pessoas
morenas é uma crença, não um princípio ou lei. Perceba que, como os princípios e as leis,
as crenças tentam descrever fatos gerais. Infelizmente, costumam ser consideradas tão uni-
versais quanto os princípios (ou até mesmo as leis). As crenças formam-se bem cedo na
vida, destaca Pajares (1992), e nem sempre estão apoiadas em observações objetivas ou em
uma lógica confiável. Além disso, tendem a se manter, mesmo diante de forte contradição.
Atuam como uma espécie de filtro, por meio do qual as pessoas veem e compreendem o
mundo; as crenças guiam o pensamento e a ação.
4
Em nosso meio, tal denominação não faz nenhum sentido e pode ser vantajosamente substituída por
“psicologia do senso comum” (NRT).
tendemos a acreditar que existe um modo comum, normal, de pensar e aprender – que to-
dos pensamos e aprendemos de modo idêntico e que a tarefa da pesquisa em aprendizagem
é descobrir estes modos de aprender. Na realidade, as coisas não são tão simples. Por exem-
plo, existem diferenças importantes nos estilos de aprendizagem (veja o Capítulo 10) de
diferentes pessoas. O aspecto importante é que a aprendizagem não é um processo fixo,
invariável em todos os alunos. Não apenas o organismo humano é caracterizado por uma
notável plasticidade (ou seja, uma capacidade marcante de mudar), mas também por muitas
maneiras de pensar e aprender.
Relacionado a isto, somos propensos a acreditar no indivíduo médio. Sendo assim,
pensamos que crianças com seis anos de idade são de um modo, que crianças de nove anos
são dessa ou daquela outra maneira, e que as pessoas de 50 anos são ainda de outra maneira.
Mas, se pensarmos a esse respeito, saberemos que existem profundas diferenças individuais
entre crianças de seis anos, de nove anos e adultos de 50 anos; que cada pessoa é única. O
aluno médio (e a criança média) é uma invenção matemática que torna nosso estudo e nos-
sa aprendizagem mais fáceis. Como veremos neste livro, a maioria das teorias de aprendi-
zagem descreve o aluno médio – um indivíduo mítico, prototípico. Mas como verificamos,
a maioria das teorias também exige uma explicação para as a diferenças individuais.
Além disso, muitas pessoas têm sérios conceitos equivocados a respeito do papel e do
funcionamento do cérebro. Por exemplo, existe uma crença comum de que utilizamos
somente cerca de 10% de nosso cérebro. Porém, na verdade, não existem evidências que
apoiem esta crença (The ten-percent myth, 2010). Muitos também creem que os hemisférios
direito e esquerdo do cérebro têm funções distintas e claramente separadas. Como vere-
mos no Capítulo 5, esta crença está incorreta. Embora algumas funções tendam a ser mais
localizadas em um hemisfério do que em outro, a maior parte das habilidades está dividida
nos dois hemisférios. Além do mais, se um hemisfério for danificado, especialmente se o
dano ocorrer no início da vida da pessoa, o hemisfério intacto geralmente assumirá as ati-
vidades que anteriormente estavam localizadas no hemisfério danificado.
Outro conceito errado comum é o de que o cérebro não se modifica e de que não se
forma nenhum neurônio (célula nervosa) novo após o nascimento do indivíduo. Na verda-
de, o cérebro modifica-se ao longo da vida. Os neurônios formam novas conexões, há for-
talecimento ou enfraquecimento das conexões existentes, ou perda de conexões. E, embora
alguns neurônios morram, atualmente existem evidências de que alguns deles se dividem.
Existem também evidências de que novos neurônios podem ser formados em algumas
partes do cérebro (um processo denominado neurogênese), embora não seja prontamente
aparente que eles se formem na parte do cérebro diretamente envolvida com processos
cognitivos superiores (Kornack e Rickey, 2001; Rakic, 2002).
1. Elas devem resumir e organizar fatos importantes (observações). As teorias são basea-
das nas observações e devem refleti-las precisamente.
2. Uma boa teoria deve ser clara e compreensível.
3. As teorias devem simplificar, elas têm de impor ordem onde, de outro modo, se instala-
riam a complexidade e o caos. Em outras palavras, as teorias devem ser parcimoniosas.
Uma afirmação parcimoniosa é aquela que explica um fato da maneira mais simples
e concisa possível. O princípio da parcimônia, também chamado de navalha de Occam,
afirma que, quando houver duas teorias competindo para explicar ou resumir um con-
junto de observações, a melhor é a menos complexa. De acordo com isso, uma teoria
parcimoniosa é a que descreve todas as relações importantes nos termos mais simples e
mais precisos possíveis. Diz-se que às teorias desnecessariamente detalhistas e comple-
xas falta parcimônia.6
4. Uma teoria deve ser útil tanto para prever quanto para explicar. Na verdade, uma das
características mais importantes de uma boa teoria é que ela deve levar a previsões po-
tencialmente falsas, ou seja, que sejam passíveis de ser falsas. E isso porque uma teoria
que não leva a previsões passíveis de ser falsas não pode ser comprovada como incorre-
ta, nem como correta.
5. Como vimos anteriormente, as previsões e as explicações baseadas em uma teoria de-
vem ter alguma utilidade em termos da aplicação no mundo real – por exemplo, na
educação ou na terapia – ou no desenvolvimento posterior dessa teoria.
6. As teorias devem ser internamente coerentes, e não contraditórias. Teorias mal formu-
ladas, algumas vezes, resultam em explicações e previsões contraditórias. Tais teorias
não podem ser facilmente testadas e são de utilidade limitada.
5
Quando argumentei com o professor que, nesta época politicamente correta, não seria adequado apontar
alguns grupos como exemplo de algo que pode parecer negativo, ele retrucou que não estava nem um pou-
co interessado nisso. “Se o livro não é politicamente correto”, disse, usando aquilo que eu logo aprendi a
reconhecer como uma variação de uma de suas expressões favoritas, “azar o deles”.
6
“Você poderia explicar isso melhor, esse negócio de parcimônia”, perguntei ao professor, que deu aquele
seu sorriso irônico. Disse que a preferência humana por parcimônia e simplicidade parece ser altamente
reveladora. “Do quê?”, perguntei a ele, que sorriu de novo sardonicamente. “De limitações intelectuais”,
respondeu. “De limitações evidentes na grande capacidade para entender o caos e na aversão ao detalhe e
à complexidade. E de uma obstinada relutância em separar razão e emoção.” “Não entendi”, eu disse, e ele
retrucou que a simplicidade impressiona mais as pessoas que a complexidade.
7. As teorias não devem ser baseadas em um grande número de suposições (crenças acei-
tas como fatos, mas não verificáveis). As teorias com base em muitas suposições são
de difícil avaliação. E se as afirmativas nas quais se baseiam não são válidas, as teorias
podem ser enganosas. Ainda mais que, como já foi destacado nas notas de rodapé ante-
riores, as teorias científicas são, no geral, baseadas na suposição incontestável do deter-
minismo – em outras palavras, elas são baseadas na suposição de que o comportamento
resulta de relações previsíveis entre causas e efeitos identificáveis, mais do que naquilo
que se poderia chamar de livre-arbítrio.
8. Por fim, uma boa teoria deve ser instigante e oferecer explicações satisfatórias. As teo-
rias que têm o maior impacto em sua área são, quase sempre, aquelas que dão espaço
tanto à contestação quanto à aprovação. Teorias assim resultam, geralmente, em pes-
quisas destinadas a corroborar, refutar ou elaborar. Diz-se que elas têm grande valor
heurístico, pois remetem a novas pesquisas e a novas descobertas.
Essas avaliações estão resumidas na Tabela 1.1 e exemplificadas com a respeitável teo-
ria dos resíduos formulada pela vovó Francoeur.7
Tabela 1.1 Critérios de uma boa teoria aplicados à teoria dos residuos da vovó Francoeur. Esta teoria defende,
em parte, que o esterco de cavalo estimula as batatas e as cenouras, que os dejetos das galinhas fortalecem os
repolhos e que o excremento seco de vaca estimula as flores.
É útil para prever e para explicar? Muito. A teoria, por exemplo, permite ao agricultor
prever na primavera o que acontecerá no outono,
dependendo do fertilizante usado. E as predições são
falsificáveis. Dessa forma, a teoria pode ser testada
diretamente.
É baseada em muitas suposições não Não. A afirmação na qual ela se baseia pode ser verificada
verificáveis? – ou falseada.
7
A vovó em questão é a minha própria. Quando eu era jovem, meus primos e eu tínhamos uma palavra
menos educada para definir o que o professor chamava de teoria dos resíduos da vovó. Nós a chamávamos
de teoria da […] da vovó. (Censurado pelo conselho editorial.)
O que É Ciência?
Em certo sentido, ciência é o conjunto de informações relacionadas a um campo de estu-
do. A ciência da física é o conjunto de informações relativas à natureza e às propriedades
da matéria e a ciência da psicologia é o conjunto de informações relativas à natureza e às
propriedades do pensamento e do comportamento humanos.
Em um outro sentido, ciência é um meio de lidar com a informação. A abordagem cientí-
fica da informação fica evidente (a) na atitude de buscar conhecimento que enfatize a réplica,
a objetividade e a consistência; e (b) no conjunto de métodos para obter e analisar as obser-
vações, concebido para garantir que as conclusões sejam objetivas, precisas e generalizáveis.
A ciência é a mais poderosa ferramenta da psicologia para separar o fato da ficção.
1. Faça a Pergunta
As pessoas mais recompensadas são sempre as que trabalham mais? A punição é eficiente
para eliminar comportamentos indesejáveis? São os adolescentes que mais utilizam as re-
des sociais e as comunicações eletrônicas mais bem ajustados do que aqueles que utilizam
menos? Eles são mais solitários? Mais felizes? Mais inteligentes? Menos inteligentes? Não
há escassez de perguntas no estudo da aprendizagem e do comportamento. Como método,
a ciência não julga a trivialidade ou a importância das questões, simplesmente exige que as
indagações sejam claras.
Recusa-se de modo absoluto a pular para as conclusões. Certos procedimentos têm de
ser seguidos e certas etapas lógicas têm de ser consideradas.
Na prática, o primeiro passo dos pesquisadores após identificarem o problema é le-
vantar o que já se sabe sobre ele. Geralmente isso se faz com pesquisa em bibliotecas, por
meio de computadores ou de consultas a outras fontes, como especialistas ou profissionais
da área.
4. Teste a Hipótese
A finalidade de coletar observações é determinar a validade da hipótese. O ponto principal
do trabalho é responder às questões que inspiraram a pesquisa desde o início.
Se as conclusões devem ser válidas, as observações precisam ser precisas e significativas.
A ciência está muito preocupada com a possibilidade de que as observações sejam apenas
uma ocorrência casual – em outras palavras, que elas não signifiquem muito. Por esse motivo,
os pesquisadores usam um ou mais procedimentos matemáticos especiais para separar os
eventos casuais daqueles que são significantes. Resumindo, esses procedimentos estatísticos
nos ajudam a determinar a probabilidade de que aquilo que é observado não seja simples-
mente uma ocorrência casual. Muitas conclusões científicas são baseadas na suposição de
que as observações que raramente ocorrem ao acaso devem ter alguma causa identificável.