Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Síntese
Categorias para expressar a dimensão ética da pessoa.
144
Tal unidirnensionalidade aparece claramente nas • Participação versus elitismo: odirigismo moral tem como
socieda des industriais avançadas, nas quais a cultura, a causa e efeito o elitismo. Privar de iniciativa as "maiorias
pol1tica e a economia se unem em sistema oniptesente que silenciosas" da sociedade, alegando a maior capacidade e eficá
devo1·a ou repele todas as alternativas. A produtividade e o cia de uma minoria seleta civil ou religiosa, é atitude
crescimento poten cial deste sistema estabilizam a sociedade e contrária ao projeto cristão. Tanto pior quando o que se busca
mantêm oprogresso técnico dentro de limite previamente é, no fun do, suster1tar situação de predomínio classista. A
estabelecido. A razão tecnológica se tornou política. particjpação de todos no que se 1·efere a todos é a forma de
?i as sociE dades industriais avançadas, poder-se-ia propí luta contra a manipulação.
"fil c1ar o remo das liberdades, contanto se desse fim à ra • Pluralismo ético versus totalitarismo ordodoxo e
; cionalidade tecnológica. Somente fazendo desaparecer a confessional. Uma das principais fontes de manipulação é a
i "unidimensionalidade" é que se poderá conseguir a liber cobertura confessional com que se reveste a consciência moral
,J} tação e, portanto, a eliminação da manipulação humana. dos indivíduos. Os sistemas de ortodoxia, tanto humana quanto
religiosa, segregam todo tipo de manipulação, inclusive a ma
b) Corretivos éticos diante da manipulação nipulação ética. As coletividades humanas (partidos, Esta
dos) que se declaram confessionais e, portanto, vi:vem em uma
Importante frente na luta contra a manipulação consiste ortodoxia, constituem o âmbito mais apropriado à mani
na formulação e na verificação de determil)ados corretivos pulação.
éticos. Reduzimo-los aos seguintes: Deve-se dizer o mesmo das religiões, quando se organizam
• Autonomia versus heteronomia: a manipulação entra como sistemas fechados. O cristianismo conhece os erros que
quase sempre pela porta da heteronomia moral. A autonomia origina a excessiva anexação da moral aos quadros do
moral, pelo contrário, é o pressuposto jndispensável para sistema religioso.
imu nizar a consciência contra os ataques manipuladores. • Moral ''aberta" uers11,s moral "f'echadct". A manipulação
• Contraste de pareceres versus dirigismo moral: a se instala nas consciências e nas objetivações das coletividades
cons ciência moral se realiza, entre outras coisas, mediante o à medida que persiste a é.tica legalista e opressora. A alterna
con traste de pareceres. O dirigismo moral, em contrapartida tiva para a manipulação é viver em uma ética da inspiração e
é a situação que propicia a manipulação. Para que existacontr da libertação.
ste de pareceres, requer-se pelo menos: A moral "fechada" gera a manipulação. A moral "aberta" a
- elevação de todo indivíduo aos níveis de "sujeito" ou de elimina. É preciso buscar e recuperar na história humana a
"consciência crítica";
corrente da moral "aberta". "Em todos os tempos surgiram
, .- favore er a constituição e o funcionamento da opinião homens excepcionais, nos quais se encarnou esta moral.
publica na sociedade em geral e em toda coletividade
Antes dos santos do cristianismo, a humanidade havia
humana e religiosa;
conhecido os sábios da Grécia, os profetas de Israel, o
- propiciar a criação e a vida de comunidades interme arahante do budismo e outros" (H. Bergson, La dos fuentes
diárias (por exemplo, as "comunidades de base" na coletividade
eclesial); de la moral y de la religión, Buenos Aires 1962, p. 69). Sem
querer monopolizar a corrente inspiradora e libertadora da
- não calar, por meio da manipulação a voz de ninguém
moral, é preciso reconhe
(por exemplo, a dos "marginalizados", na coletividade social· a cer, com frases de Bergson, que "a moral do evangelho é
dos "seculares" ou "leigos", aa coletividade eclesial). '
essencialmentea da alma aber·ta" (o.e. p. 90). Na ética cie-Jesus
146 não cabe a manipulação, já que o homem ocupa o lugar da
lei
147
- tudo isto conduz à "elevação do pensamento das
absolutizada. A vontade de Deus se define pela situação concre
mas sas", e a isto poderemos chamar "politização .
ta do homem e do próximo, e todas as normas têm seu
A auto-reflexão leva as massas ao aprofundamento, segui
critério conforme estejam ou não voltadas para o homem.
do de sua tomada de consciência cujo efeito é sua inserção
A recuperação da moral "aberta", de cunho inspirador e
na história, não como espectadores, mas atores e
libertador, é a alternativa global para a manipulação.
protagonistas.
Procurando correlacionar a consciência com o tipo de so
c) A conscientização ciedade,Frefre estabeleceu osseguintes níveis: "submergência",
"emergência", "inserção" "flutuação". Naturalmente, estes
Diante da manipulação é preciso situar a realidade da níveis estão em relação direta com a realidade estrutural da
conscientização. A pessoa se realiza como sujeito quando vive sociedade em seu constante devir. Além do mais, estes níveis
sua existência de forma conscientizada. devem ser entendidos em termos de preponderância e não de
A conscientização é realidade com duas faces: possui exclusividade.
uma dimensão pessoal e outra política (entendendo-se este
termo no seu sentido mais amplo).
O homem, segundo a definição de Zubiri, é "animal de B.3. Relação versus incomunicação
realidades". Sua função é "inteligir realidades". Ele não está
coercitivamente condicionado yelos estímulos, em esquema A pessoa tem estrutura de interioridade, mas é também
fechado de estímulo-resposta. E estrutura aberta em que entra realidade aberta. Nesta dimensão de abe1tura, a pessoa é
o imprevisível. Isto supõe que o homem esteja, em certo sentido, constituída pela alteridade ou pela intersubjetividade.
acima da realidade: não como ausente ou fugitivo, mas com a A antropologia da alteridade consegue sua confirmação
função de "encarregar-se" da situação. Este caráter de "ser prática por meio da afirmação real do homem como "ser parao
alertado" supõe nele a conscientização. encontron. O encontro, além de categoria antropológico-teológi-
Paulo Freire analisou a forma de relação que o homem ca, é exigência ética.
mantém com o mundo e estabeleceu, deste modo, a cons Diante da incomunicação como forma de vida humana, é
cientização como estrutura antropológica fundamental. En preciso proclamar a exigência do encontro interpessoal e da
quanto o animal tem "contatos" com o mundo, o homem tem relação de amizade. Ora, para ocorrer relação de amizade, é
"relações". As características destas "relações" são: necessário que as pessoas descubram no outro um "tu" e se
-postura crítica (no animal: ausência de postura relacionem entre si como um "tu".
crítica); Na próxima unidade, expõe-se a ética da relação
- pluralidade (no animal: singularidade); interpessoal.
- conseqüência (no animal: inconseqüência);
- transcendência (no animal: imanência).
A conscientização traz consigo elevação do nível político B.4. Solidariedade versus solipsismo
dos homens: Não é preciso possuir temperamento pessimista para
- conscientizar é criar "sociedade sujeito"; perceber que na situação histórica presente existe falha pro
- isto traz consigo a auto-reflexão e a autodecisão (= funda entre o ideal da felicidade e a realidade concreta. Vivemos
ser atores e não espectadores) em tempo e em espaço momento histórico caracterizado por profunda crise de segu-
determi nados;
149
148
rança e de felicidade humanas. A crise econômica é o indicador C. Para aprofundar
mais qualificado desta situação histórica insegura.
Entre as causas do atual mal-estar humano, precisa-se
colocar a quebra ou ruptura da solidariedade. Vivemos em Direitos humanos: expressão da dignidade ética da pessoa.
época marcada pelo sinal da insolidariedade. Esta inso
lidariedade humana se apóia na perda das solidariedades C.1. A necessária instância ética dos direitos humanos.
sociológicas: êxodo do campo, com o conseqüente esfacelamento C.2. Função da instância ética na realização dos direitos hu-
das solidariedades rurais (família, vizinhança, religiosidade); manos.
sistema deficiente de urbanização, incapaz de reconstituir as
solidariedades rurais perdidas; criação de grupos sociais regi
dos pela lei insolidária da competitividade diante dos bens C.1. A necessária instância
escassos (entre os quais, o bem do trabalho). ética dos direitos humanos
irn Diante desta situação, é preciso reconstruir a solídarieda-
1 de humana. Mediante a solidariedade e os outros traços A expressão "direitos humanos" é formulação histórica,
nascida dentro da etapa l)'loderoa da cultura ocidental,a qual
:[g antropológicos aqui descritos, constrói-se o "humanismo
!! de responsabilidade" que o Concílio Vaticano II postula
reúne as experiências básicas da dignidade humana. Utilizam se
]! (GS 55). A solidariedade equivale à responsabilidade e também outras expressões para designar a mesma realida de:
esta se traduz por compromisso ético diante da história. O "direitos do homem" "direitos fundamenta·is'', "direitos
humanismo de responsabilidade é humanismo ético e os naturnis", "direitos públicos subjetivos', "liberdade funda-
tfü dois se identificam com o humanismo de solidariedade. mentais".
No fundo da questão semântica está o problema do
Sobre o tema da solidariedade, voltaremos a dedicar jusnaturalismo-positivismo e da própria noção de"direito natu
aten ção nas unidades da moral social. ral/fu_ndamental". Nesta realidade entram em jogo o direitoe a
étioo:a primeira conotação se reflete ao falar-se de"direi tos", ao
passo que a segunda pode expressar-se corn a adjetivação de
"humanos' e, assim, ressalta-se o aspecto histórico e evita-sea
justificaçâ,o ontológica) ou c()m a adjetivac;.ão ele
''fundamentais" (e, então, põe-se em relevo o caráter metajurídico
e básico de toda norma positiva ulterior). Cremos que as duas
expressões
' direitos humanos e"direi tosfundamentais" são adequadas para
formular a realidade histórico-ético-jurídica a que se alude.
A realidade dos direitos humanos é tão rica de conteúdo
que pode ser estudada em diferentes perspectivas e mediante
diversos saberes. É evidente que o saber jurídico éo que mais
se ateve à consideração dos direitos humanos, fazendo com que
estes apareçam como realidade basicamente jurídica.
Não tem sentido falar de direitos humanos sem aludfr à
sua carga de positividade. Para os direitos humanos adq_u:iri-
150
151
rem a condição de "direitos subjetivos" ou de "liberdades pú
- A opção humanista, que de uma forma ou de outra
blicas" precisam do reconhecimento que procede de norma
reconhece o valor do homem acima de qualquer outra realidade,
jurídica.
está na base da ideologia dos direitos humanos. Nesta
Não obstante, a categoria de direito humano não esgota
corrente genérica humanista tem influência certa a mensagem
seu significado no campo jurídico. Sua própria noção alude a
cristã.
vertentes extrajurídicas: à realidade histórica da que procede
- O reconhecimento da pessoa humana como lugar
(vertente histórica), à concretização atual (vertente sociológica)
axiológico autônomo e original constitui o núcleo ético que os
e ao universo axiológico em que se baseia (vertente ética). Estas
direitos humanos desenvolvem.
três vertentes,juntamente com a vertente jurídica, constituem
- O valor da liberdade, originado na matriz da
o campo interdisciplinar da realidade pluridimensional dos
"modernidade" (humanismo renascentista, reforma protestan
direitos humanos.
te, ideologia liberal, corretivo socialista, secularização), é o
Os direitos humanos são categorias jurídicas, já que per
fundamento imediato dos direitos humanos. Nestes, o "ser"
tencem ao âmbito do direito positivo vigente, mas também
livre se completa no "ter" liberdades. "A liberdade será o
são categorias éticas, já que expressam valores básicos não-
conceito-chave, na filosofia dos direitos humanos, para explicar
tradu zidos e intraduzíveis plenamente no campo da norma
a necessidade de âmbito de autonomia do homem na
jurídica. "Os direitos humanos se caracterizam por sua
sociedade e de limite para os poderes externos a ele,
tendência, par tindo da ética-filosofia dos direitos humanos -
especialmente para o poder do Estado" (G. Peces-Barba, o.e.,
para o direito positivo - como direitos subjetivos
p. 61).
reconhecidos em sua nor ma. São normas que representam
idéias da justiça ou, se estão in fieri, idéia de justiça que
pretende converter-se em norma" (G. Peces-Barba,Derechos C.2. Função da instância ética
fundamentales, Madri, 1976, p. 91). Neste sentido, pode-se na realização dos direitos humanos
falar de ambigüidade ineliminável do conceito de direitos
humanos: a expressão pode referir-se tanto a certo direito a) Fator de "orientação" nas declarações
positivo (onde poderiam distinguir-se diversos planos: direito e nas normas positivas
nacional, direito internacional, direito válido, direito eficaz
A dimensão ética, inerente ao próprio conceito de
etc.), como a exigência de caráter ético, isto é, ao que deve
direitos humanos, exerce função de "orientação" nas
ser direito.
declarações e na positivação dos mesmos. As declarações de
A presença da instância ética nos direitos humanos dá a liberdades e as normas positivas tentam plasmar - em
id esta noção histórico-jurídica o caráter de exigência expressões declarati vas e em positivação normativa - as
m profé tica e globalizante. Os direitos humanos, por exigências da dignidade humana. A consciência axiológica
!% serem ex pressões de valores básicos da pessoa, fazem o desta dignidade é a que orienta o sentido das declarações e
protesto e das normas:
1 , a profecia do humano enveredarem por terrenos meta
- impedindo que se desviem para positivações
@ jurídicos e para além das concretizações históricas. contrárias à autêntica realização do homem;
A razão ética dos direitos humanos justifica-se com base - apresentando a verdadeira chave para a interpretação
em cosmovisão que dá sentido à sua tomada de consciência de suas aplicações;
histórica. De modo esquemático, assinalamos os aspectos - estimulando o progresso na tomada de consciência de
axiológicos assumidos no conceito de direitos humanos: novos aspectos da dignidade humana;
- assegurando que este progresso se realize na fidelidade
152 aos valores objetivos do humano.
153
Se a ex1gencia de positivação é importante para que
rer na ingenuidade de que a simples formulação gera ime_cliata
existam direitos humanos, não o é menos o fator ético, para que
sejam direitos cada vez mais humanos. mente a sua aceitação e a sua verificação. A ideologia dos
direitos humanos não pode ficar como mera retórica, mas
tem de alcançar a efetividade social. .
b) Fator de "proteção" das A dimensão ética postula as exigências do reconhecimento
exigências inerentes aos direitos político e da proteção jurídica. _
humanos Infelizmente em âmbito internacional, as declaraçoes de
direitos humanos inda não têm a suficiente proteção jurídica.
A cobertura axiológica exerce função de "proteção" com
relação às exigências dos d1reitos humanos. Partindo dainstãn ci.a É este um aspecto em que a ética dos direitos humanos tem
ética, pode-se e deve-se postular o conjunto de garantias que insistir de modo particular.
jnrícUcas e metajurídicas que tornem possível a realização
dos direitos humanos em cada situação histórica concreta. c) Fator de "crítica/ utopia '
Ressal tamos duas: diante das condições sociais dos direitos humanos
- Os direitos humanos se tornam efetivos na vida polí
Função importante da instância ética i_nerente aos cliJ: tos
tica e na cidadania, mas são anteriores a elas. Daí a demarcação
humanos é a que se concretiza no ''discernimento critico/
de uma 01·dem privada diante do poder público. Este é o aspecto
da ideologia liberal, que deve continuar sendo mantida. O utópico" das condições sociais em ue ? otam, ivem e _5.e
homem e suas possibilidades intermediárias de associação desenvolvem tais direitos. Esta funçao crJt1co-utop1ca adquue
são realidades autônomas diante do Estado, embora tenham na situação atual os seguintes compromissos:
- Urgir os pressupostos sociais que possibilit m passa
de ser vividas e realizadas dentro da dimensão e do ambiente
gem dos direitos humanos do âmbito formal para oambtto
políticos.
real. A realização dos direitos humanos está condicionada às
Exatamente por isso se precisa afastar a interpretação dos
estru turas sociais: econômicas, cultutais, políticas. Uma
que afirmam a identificação do homem e do cidadão: o hom,em
estrutur social injusta não somente é ineficaz à realização e
nasce comocidadão e renasce como homem no pacto social e
desenvolVl mento dos direitos humanos, porém tende a
pelo pacto social; cede todos os seus presumidos direitos à
converter a decl ração de liberdades em instrumento de
comuni dade, desaparece e aniquila-se nela, para ressurgir
opressão para os mais
como cida dão, sem ter resíduo algum de "existência privada"; o
fracos.
homem privado para eles desapareceu.
- Para que os direitos alcancem const ta ão. c?ncre a
O reconhecimento do valor ético da pessoa é o ponto de
para todos, é necessário libertá-los da ide log a mdwidual:s·
partida dos direitos humanos. Estes direitos são originais, não
ta e burguesa em que receberam sua pnme,ll'a formulaçao.
dependem de nenhuma instância política ulterior e, por conse
Neste sentido, têm razão certas correntes de pensa ento que
guinte, são inalienáveis. Eles não são "julgados" por outras
desconfiam dos direitos humanos, por vê-los excessivamente
instâncias, porém, sim, "julgam" todas as estruturas sociais.
vinculados ao sistema liberal em que nasceram.
"Julgam", antes de mais nada, a forma configurativa do poder
Convémad vertir, entretanto, que esta desconfiança crítica
político em sua expressão máxima: o Estado.
nãojus cao pessimismo diante dos direitos humanos e sua
- Para os direitos humanos alcançarem plena realização,
requerem tanto o reconhecimento político quanto a proteçào consequente supressão em regimes totalitários de uma
jurídica. As declarações dos direitos humanos não podem esqu rda p eten samente capaz de superar os desvios da
incor- mentalidade liberal
burguesa.
154 155
Sem nos referirmos por enquanto à doutrina oficial da
- Cremos que a compreensão e a realização dos direitos Igreja, podemos assinalar de modo esquemático os seguintes
hu a os no mome t_o atu l há de ter como marco a opção do dados da reflexão teológica com relação aos direitos
so ia!ismo democratico. Diante dos socialismos totalitários, humanos:
ex s m ma,c rrente de socialismo democrático que respeita - Na reflexão teológica mais primitiva, corno a paulina,
as exigencias eticas dos direitos humanos. encontram-se pistas teót·ico-práticas em que se apóiame até se
. A _cosmovisão cristã, com suas insistências no valor da •forçam" as exigências bistóricas da liberdade humana. A
s?h aneda e e do serviço, ajudou a descobrir e a formular os patrística não esquece esta urgência prática nem sua correlativa
direitos basicamente sociais, mas também a apoiar a reflexão teórica.
mudança deste tema para formulações de cunho socialista. - A teologia moral da Idade Média, além de introduziro
Esta mudan ça para a ompreensão socialista democrática dos tratado de direitos fundamentais, desenvolveu tema que con
direitos hum nos evita os desvios doindividualismoliberal, tém evidentes ligações com o tema dos direitos humanos;
impede que se caia _nas ?arras do totalitarismo e supera referimo-nos ao tema do chamado direito dos povos. Nos vários
eficazmente os sonhos irreais das posturas anarquizantes. significados destacategoria ético-jurídica, é preciso situaro
que denota a existência de uma ordem moral que supera o
estrita mente jurídico e que é a justificação dos direitos
básicos dos
diversos grupos humanos.
D. Para confrontar - Na doutrina ético-jurídica dos teólogos dos séculos XVI-
XVIIe, ncontra-se desdobramento mais explicito do "direito dos
Postura cristã perante os direitos humanos. povos" e claro apoio às exigências morais da dignidadehumana.
A escola de Salamanca, por ocasião
D.1. Reflexão teológica e direitos humanos. dodescobriment.odaAmérica, aprofunda-se na dignidade natural
D.2. Doutrina social pontifícia e direitos humanos. do homem e nos direitos que todos os homens possuem. Em
Vitória, Soto, Cano e LasCasas, pode-se encontrar lista de
direitos naturais atr.i-buídosa todo homem. Deve-se dizer o
D.1. Reflexão teológica e direitos humanos mesmo dos teólogos da Companhia de
Jesus e, particularmente, de Suárez.
, ão fal! m pessoas que minimizem o papel da reflexão - Diante do esquecimento e do receio dos teólogos dos
teologica catohca na gênese das liberdades sociais e dos direitos últimos séculos em face das doutrinas dos direitos humanos,
humanos. E verdade que este tema tem parentesco evidente nascidas dentro de contexto laicista e às vezes anticlerical,
com a corrente que nasce do nominalismo medieval, prolonga percebe-se atualmente grande interesse da teologia pelo tema
se ela I:,eforma e culmina nas doutrinas do direito natural da dignidade hwnana e de seus direitos. A produção
racwna!ist ; não é em vão que estes fatores ideológico- bibliográ
religioso culturais sao o pressuposto imediato para O fica é claro indício deste interesse.
modernismo, de onde brot a tomada de consciência dos direitos
humanos. Contudo nao é correto considerar, sem mais, como
D.2. Doutrina social pontifícia e direitos humanos
"reacionária" a postura ado ad pela segunda escolástica
(escola de Salaman ca e teólogos Jesmtas dos séculos XVI- A atitude da chamada "doutrina social da Igreja" diante
XVII). das "declarações dos direitos humanos", que vêm vigorando
do século XVII ao século XX, nem sempre tem sido a
156 mesma.Ruiz Giménez distingue os seguintes períodos e as
seguintes atitu-
157
direitos que todos os homens têm de buscar livremente a
des: 1) fase con ra-revolucionária (Gregório XVI, Pio IX); 2) verdade, respeitar as normas morais, cumprir os deveres da
ab rtura de ho:1zontes (Leão XIII); 3) novas perspectivas (de justiça, observar vida decorosa, e outros direitos intimamente
Leao XIII a 10 XII); 4) momento da grande decisão (João vinculados a estes" (PT 143-144).
II); 5) Vaticano II e perspectivas pós-conciliares (El Con O Concílio Vaticano II oferece, no conjunto de seusdocu-
cilio.)'_ l?s derechos del hombre, Madri, 1968). mentos, exposição sistemática elos direitos fundamentais do
. Justo reconhecer que a atitude da Igreja nem sempre homem. De modo expresso, proclama atitude positiva diante
foi positiva e face dos ireitos individuais, desta realidade da época atual: "A Igreja, pois, em virtude do
principalmente du evangelho que lhe foi confiado, proclama os direitos do
r nte o seculo XIX. E preciso esperar a segunda metade do homem e reconhecee estima muito dinamismo da época
s culo XX, para a doutrina oficial católica adotar postura atual, que
deci
d ida a f a vor dos direitos humanos: Pio XII Joa-o XXIII Con- está promovendo por toda parte tais direitos. Deve-se,
T V t · ' 'o
todavia,
c1 10 a ican II,Paulo VI, o Sínodo dos Bispos, João Paulo conseguir que este mov,i;mento fique imbuído do
II. espíritoevan gélicoe garantido contra qualquer aparência de
A enc!chc de João XXIII, Pacem in terris, constitui falsa autono mia. Com efeito, assedia-nos a tentação de julgar
ponto alt aace1taçao na disrosição de assumir' por parte da que nossos direitos pessoais só são resguardados em sua
Igreja catohca, o conteudo da Declaração universal dos plenitude quando
direitos do h?.mem". TantoAteó o os quanto pensadores sociais nos vemos Uv-res de toda norma divina. Por este caminho,a
constatam a to a_l concordancia entre os dois textos e a dignidade humana não se salva; pelo contrário, perece"(GS 41).
possibilidade que propiciam para estabelecer "diálogo entre Paulo VI, na carta apostólica Octogesima adueniens, ao
os homens católicos e os homens não-católicos". mesmo tempo que aprecia as declarações dos direitos humanos
. Pe a,p_rimeira vez, na encíclica Pacem in terris, o faz uma crítica do sistema jurídico correspondente: "Paxa ins
magisté rio pontiflc10 faz uma declaração de direitos do homem crever nos fatos e nas estruturas esta dupla aspiração (de
relativa mente com leta e, e certo modo, sistemática, algo igualdadee de participação), têm-se feito progresso na defini
comparável às ?eclar çoes_ de d_ireitos do homem promulgadas çãodos direitos do homem e nos estabelecimentos de acordos
por assem blé as nacionais ou mternacionais desde fins do internacionais qu dêem realidade a tais direitos. Nãoobstante,
3
século XVIII. E assim, vale a pena recordar a avaliação que a as injustas discriminações - étnicas, culturais, religiosas,
encíclica de Joã poüticas- renascem sempre. Efetivamente, os direitos do
:XIII faz da "D c aração niversal dos direitos do homem": homem ainda continuam com freqüência desconhecidosq,
Arg u ment o d ec1s1vo da missão da ONU é a Decl - uan do não bw·lados, ou sua observância é puramente formal.
z d d · • ara çao
• Em muito:;;casos, a legislação fica atusada em face
un i-
versa os ireitos do homem, que a Assembléia Geral ratificou dassituações reais. Se do necessária é todavia insuficiente
a 10/e dezembro de 1948. No preâmbulo desta declaração se para estabelecer verdadeiras relações de justiça e igualdade. O
roe ama, como obje ivo básico, que todos os povos e nações evangelho, ao ensinar-nosa caridade, inculca-nos o respeito
evem pr p r para s1 o reconhecimento e o respeito efetivo de privilegiado dos
todos os dire_itos e de todas as formas da liberdade reunidas em pobrese sua situação particular na sociedade: os mais favor-
tal declaraçao. cidos devem renunciar a cilgum de seus direitos paracolocar,
_A nós não escapa que certos capítulos desta declaração com maior liberdade, seus bens a serviço do outros. Efetiva
suscitaram algumas objeções fundadas. Julgamos entretanto
·p q.tue' dest,a ·declaração deve ser considerada um ei•ro pass'o mente, se, para além das r gras jurídicas, faltarsentido mais
nm
m º. utono para o estabelecimento de constituição jurídica e os
np hohtica de dto' do'sdods povos do mundo• Em tal d ec1araç- ao, 158
reco- ece-se a igm a e da pessoa humana e afirmam-se todos
profundo de respeito e de serviço ao próximo, atéa para discriminações
igualdade perantea lei poderá servir de pretexto
159
flagrantes, para explorações constantes, para engano real.
Sem Leituras complementares sobre os direitos humanos
renovada educação da solidariedade, a afirmação excessiva
-João XXIII, encfclicaPacem in terris, nn. 11-27 (Lista dos direitos humanos).
da igualdade pode dar lugar a individualismo, em que cada -Sínodo dos Bispos de 1974, mensagem final: Direitos humanos hoje em dia
um reivindica seus direitos sem querer tornar-se responsável mais ameaçados.
pelo bem comum" (OA 23). - João Paulo II, encíclica Redemptor hominis, n. 17.
O Sínodo dos Bispos de 1974, procurando comemorar o - Puebla, nn. 1268-1274.
décimo aniversário da encíclica Pacem in terris e o vigésimo A realização da pessoa se consegue graças ao exercício de seus
aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, das Nações direitos fundamentais, eficazmente reconhecidos, protegidos e promovidos. Por
Unidas, formulou mensagem final sobre os direitos huma nos isso a Igreja, especialista em humanidade, tem de ser voz dos que não têm
em que se assinalam "alguns direitos hoje em dia mais voz (da pessoa, da comunidade perante a sociedade, das nações fracas
ameaçados". perante as poderosas), cabendo-lhe ação de docência, denúncia e serviço
em prol da comunhão e da participação.
O papa João Paulo II, em sua primeira encíclica, Re Em face da situação de pecado, surge por parte da Igreja o dever de
demptor hominis (1979), enfocou o tema da dignidade do ho denúncia, que deve ser objetiva, denodada e evangélica; que não tenciona
mem, ao falar no respeito aos direitos humanos (n. 17), pedindo condenar, mas sim salvar o culpado e a vítima. Tal denúncia, feita após
entendimento prévio entre os pastores, requer a solidariedade interna da Igreja
que "os direitos do homem cheguem a ser em todo o mundo o e o exercício da colegialidade.
princípio fundamental do esforço pelo bem do homem". A A declaração dos direitos fundamentais da pessoa humana, hoje e no
proclamação e a defesa dos direitos humanos é uma constante futuro, é e será parte indispensável de sua missão evangelizadora. A Igreja
do magistério de João Paulo II. proclama, entre outros, a exigência da realização dos seguintes direitos:
Direitos individuais: direito à vida (a nascer, à procriação responsável),
Ainda assim, a III Conferência do Episcopado Latino à integridade física e psíquica, à proteção legal, à liberdade religiosa, à
americano (Puebla, 1979) proclamou que "o enunciado dos liberdade de opinião, à participação nos bens e serviços, a construir o próprio
direitos fundamentais da pessoa humana, hoje e no futuro, é destino, ao acesso à propriedade e a "outras formas de posse privada sobre os
e será parte indispensável de sua missão evangelizadora" bens exteriores" (GS 71).
Direitos sociais: direito à educação, à associação, ao trabalho, à moradia,
(Do cumento de Puebla, n. 1270), e, simultaneamente, à saúde, ao lazer, ao desenvolvimento, ao bom governo, à liberdade e à justiça
apresenta lis-ta dos direitos mais importantes no momento social, à participação nas decisões que concernem ao povo e às nações.
atual (nn. 1271-1273). Idem Santo Domingo 168. Direitos emergentes: direito à própria imagem, à boa reputação, à pri
Diante de tudo o que foi exposto, é fácil captar o vacidade, à informação e à expressão objetiva, à objeção de consciência,
"contanto que não se violem as justas exigências da ordem pública" (DH 4), e a
interesse que existe atualmente na teologia e na doutrina
uma visão pessoal do mundo.
oficial da Igreja pela realidade dos direitos humanos. Embora Entretanto a Igreja também ensina que o reconhecimento desses direitos
seja preciso continuar progredindo no conhecimento da supõe e exige sempre, "no homem que os possui, outros tantos deveres: uns e
dignidade humana, até dentro da própria Igreja, pode-se falar outros têm, na lei natural que os confere ou impõe, sua origem, seu
de "movimento pastoral" com relação aos direitos humanos. sustentáculo e sua força indestrutível" (PT 28).
Os receios passa dos desapareceram, o cristianismo se
proclama claro defensor dos direitos do homem. E mais:
neste tema se unificam os interesses das diferentes Igrejas. A
V Assembléia do Conselho Ecumênico das Igrejas Cristãs
(Nairóbi, 1975) é demonstração clara do interesse das Igrejas
não-católicas pelos direitos hu manos. O trabalho pelos
direitos fundamentais do homem integra hoje todos os
cristãos. 161
160
1