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A.

Síntese
Categorias para expressar a dimensão ética da pessoa.

A.l. Grandeza e dignidade do homem.


A.2. O homem é valor absoluto (não relativo) e fim em si (não
meio).
A.3. Personalismo de alteridade política.
A.4. Observação complementar: o valor ético da pessoa-
afirmação conjunta da ética civil e da ética cristã.

A.1. Grandeza e dignidade do homem

Existiriam e existe atualmente, nas diversas formas de


pensamento humanista, convergência -para o reconhecim nto
da grandeza e da dignidade do homem. Cristãos, manei tas e
pensadores em geral concordam em dizer que o homem onsti
tui entro de valor e que é o homem que se deve salvar.
Os conceitos de grandeza dignidade têm sidoe são
utilizados como categoria moral para expressar a dimensão
ética da pessoa. Basta recordar o desLaque que tais conceitos
tiveram na fundamentação axiológica com que o Concílio
Vaticano II estudou os problemas do homem atual.
A constituição pastoral Gaudium et spes dedica um capí
tulo de sua primeira parte ao estudo e à proclamação da
"dignidade da pessoa humana" (nn. 12-22). Mas- sobretudoa
declaração Dignitatis hum.anae, sobre a liberdade ·eligiosa,
que dá particulaT ênfase em ressa lLat· a dignidade da pessoa.A
de laração com ça constatando que "a dignidade da pessoa
humana se torna cada vez mais clara na consciência dos
homens de nosso tempo" (n. 1). O Concílio "declara queo
direito à liberdade religiosa está realmente baseado na própria
digni dade da pessoa humana, tal como é conhecida pela
palavra revelada por Deus e pela própria razão natural" (n. 2);
"tudoo que este Concílio Vaticano declara sobre o direito do
homemà liberdade religiosa tem s u fundamento na dignidade
da pes-
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essoa ao seu valor privado, incorreremos na injustiça
soa, cujas exigências se foram tornando cada vez mais dotota ii.tarismo individualista; mas, se reduzir os pessoa º-
patentes diante da razão humana, através da experiência dos seu valor público, cairemos na injustiça do_ totart mo
séculos" (n. 9). A dignidade da pessoa é o critério de atuação coletivista. E não pode haver valor ético onde existe
com relação à pessoa: "deve buscar-se a verdade de modo mJustiça de base.
apropriado à digni dade da pessoa humana" (n. 3). Este
também é o critério para entender as relações de Deus com o ,t Entendidas deste modo a grandeza e a dignidade da
homem: "Deus chama certamente os homens para servi-lo li[ pessoa humana, podemos dizer que tais conceitos expres-
em espírito e em verdade; a isto os homens se sentem 7 sam O valor fundamental da moral da pessoa e, por
obrigados em consciência, mas não coagidos. Porque Deus conse
leva em conta a dignidade da pessoa humana que ele mesmo ;b guinte, sua categoria ética global.
criou, a qual deve reger-se por sua própria determinação e
gozar de liberdade" (n. 11).
A chamada doutrina social da Igreja encontrou no conceito A.2. O homem é valor absoluto (não relativo)
de grandeza/dignidade humana a tradução adequada do valor e fim em si (não meio)
ético da pessoa. O documento de Puebla considera a
dignidade humana como a expressão da "verdade sobre o o contorno
antropológico da moral traz como conseqüên
homem", um dos três núcleos básicos do conteúdo da ciaa colocação do homem como centro e ápice_ d odos os
evangelização cristã (ver dade sobre Cristo, verdade sobre a valores. Para expressar este caráter de centro a 10log1co
Igreja, verdade sobre o homem) (Puebla, 304-339). Por sua queo humano tem, utiliza-se grupo de categorias qu giram
vez, João Paulo II afirma que, "na realidade, esta profunda em torno dos conceitos de absoluto/relativo e de fim/me10.
admiração diante do valor e da dignidade do homem se • o homem é e deve ser tratado sempre como "fim"e
chama evangelho, isto é, boa nova. Chama-se também nunca como "meio"
cristianismo..." (RH 10). Na mesma linha está Santo A ética kantiana reside nesta consideração axiológica do
Domingo 157-168.
A correta compreensão da grandeza da dignidade do ho hornem. Para K a n, t a bondade moral está n•a ad titude
coerente coma realidade da pessoa. Ora, esta atit e
mem, para que possa estabelecer-se como categoria moral, se,expressa
tem de aceitar os seguintes conteúdos: mediante a categoria de fim/ meio. Com efeito,a for ula do
-Em primeiro lugar, é necessário admitir que a pessoa é imperativo categórico soa deste modo: "Age demaneira que
algo original na ordem da criação; supõe qualidade nova na sempre tomes a humanidade, tanto na tua pessoa_ q anto na
ordem dos seres; supõe uma espécie de "salto qualitativo" com de qualquer outro, como fim e nunca corno-puro me10 •
relação aos outros seres. Só se pode formular uma moral
partindo-se da estrutura pessoal do homem como realidade • o homem é realidade "absoluta" e não "relativa"
nova na ordem da criação. Isto originará nova perspectiva A pessoa tem dimensão moral, porque não é ser que s
axiológica. Se a formulação atual se caracteriza por sua sensi constitua como tal devido à referência a outro ser.O homeme
bilidade antropológica, esta não é apenas de tipo como que universo de caráter absoluto. Não queremos negar
epistemológico, mas também de caráter axiológico. quea pessoa tenha ai nstância de abertura aosoutrose a Deus.
Porém até neste momento de abertura ela não pode pe er sua
- Em segundo lugar, é necessário admitir que a pessoa . o- de centro não pode abandonar sua absohü1c1dade.
é valor ético em sua dupla vertente de realidade "privada" e ime ns a ' "f im/ • "
E s t e s dois gru pos de categorias 1 me 1 e
de realidade "pública", mas interpretando estas duas d "absoluto/
vertentes como tendo referência dialética permanente. Se .. relativo" têm grande validade não só para
reduzirmos a assumircriticamente
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'!""

- afirmação do valor do indivíduo (o "eu"). Diante de


a dimensão ética da pessoa, mas até para fundamentar todo o todo esforço em circunscrever a realidade a "estruturas" ou
edifício da m r l. Por outro lado, têm a marca do tradicional, "media ções" sociais, a categoria da dign-idade humana
já que foram utilizadas na mais genuína tradição do respeito lembra sempre "a idéia de que cada um de nós é único,
ao valor da pessoa. insubstituível, necessá rio; de que tem valor por si próptio, é
A consciência moral atual também recorre a elas para livre e pode escolhei- por si próprio o seu destino, tem que
protestar diante dos golpes que o valor do homem sofre com fazer sua vida, existe para Deus, que o conhece pelo nome e o
freqüência. E mais: no próprio centro da discussão contemporâ nea chamará um dia" (J. Marías). Claro que esta avaliação do
entre o at ísmo e o t ísmo, estão em luta as categorias do indivíduo como algo absoluto não supõe postura privatista e
absoluto/relativo na avaliação do homem. subjetivismo desencarnado;
.. A categoria bipolar fim/meio (absoluto/relativo) pode - afirmação axiológica da alteridade (o "outro"). O ho
ser utihz da como categoria ética contanto que assuma o mem não é o sujeito nem o valor fundamental da ética, em uma
seguinte conteudo: consideração fechada nele próprio. Só merece respeito éticoo
- o ser humano é fim para si mesmo e não pode ser homem enquanto intersubjetividade. A alteridade corrigea
reduzido a meio; possível orientação individualista e abstrata do personalismo;
- o homem reclama respeito incondicional e, neste senti - afirmação das estruturas como "mediações" éticas do
do, absoluto; indivíduo e da alteridade. A fim de recuperar o sujeito real
,- pessoa é a "protocategoria" do universo ético e, como concreto para o compromisso ético, requer-se que se
tal, e origem e meta de todo empenho moral. introduza no mundo das pessoas a realidade das estruturas.
. O caráter absoluto do homem não significa "infinito" mas Deve-se entender a dignidade humana como politicamente
"m:o dici?n l"."A pessoa humana, em seu próprio ser e e sua mediada, somente assim terá a significação ética que lhe
propna digrndade, reclama respeito incondicional, indepen cabe.
dente de toda e qualquer avaliação e finalidade· absoluto em Quanto ao ideal normativo proposto pela categoria ética,
uma pa1avra"(K: Rahner, Escritos de teología, II' , Madri, 1' convém aludir às duas faces do tema:
962, p. 256)._ O _respeito,_ como atitude fundamental diante - a face negativa: o ideal ético da pessoa tem de estar
do ho atento para corrigir os possíveis reducionismos a que pode ser
mem, sigrnfica a disposição incondicional para considerar e submetido o ideal do homem. Destacam-se, entre eles, duas
d fen- der todo ser humano como realidade da qual não se pode séries correlacionadas entre si: de um lado, o elitismoe o
dispor. priuat·ismo, e, do outro, o grega,rismo e o publicismo. O ideal do
humano não é o homem "gregário" ou achatado de acordo
com as poucas exigências da massa, _porém o homem
A.3. Personalismo de alteridade política "vocacionado" e continuamente estimulado. Por outl'o lado, o
ideal do homem se define pelos pólos ou vertentes
complementares: interioridade e relação. A pura
publicidade despersonaliza o homem, mas
Ao afirmar como categoria global o personalismo de também a redução ao âmbito meramente privado o desper-
alteridade política, optamos por uma moral da pessoa sonaliza;
baseada eencarn d no seguinte âmbito significativo e com as - a face positiva: a categoria ética da pessoa orientao
seguintes caractensticas fundamentais: dinamismo ético para a meta da humanização. Em nosso en
Qua,nto densidade de significação, a categoria ética se tender, existe adequação entre a categoria· ética da "huma
abre a tres nucleos que devem ser entendidos circularmente: nização" e a categoria ética da pessoa.
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A.4. Observação complementar: - A afirmação conjunta do valor absoluto da pessoa
o valor ético da pessoa por parte da ética civil e da ética religiosa não é para
- afirmação conjunta e lugar de encontro disputar terreno em litígio, mas para estabelecer campo
da ética civil e da ética cristã comum de atuação, de jogo e de convivência. Diante das
divergências que nascem inevitavelmente das diversas
Depois de expor o conteúdo da dimensão ética da cosmovisôes e diante das inevitáveis intransigências, fruto
pessoa, queremos dirigir a reflexão para oconsenso e a inadequado das divergên cias, é possível e necessário
integração entre a ética civil e a moral cristã. A aceitação do estabelecer critério de unificação superior. Este critério é o
valor absoluto da pessoa constitui precisamente não um apelo ao valor absoluto da pessoa,a fim de construir história
motivo de discordância entre éticas teístas e não teístas, mas digna do ser humano.
a oportunidade e a garantia de diálogo respeitoso e frutífero
entre elas.
rm As propostas verdadeiras e bem-intencionadas de
autên tico "rearmamento moral" conseguem
- De tudo o que se disse até aqui, pode-se concluir que
o valor absoluto da pessoa é afirmação conjunta da ética civil e da credibilidade qu ij do se situam na busca convergente,
de crentes e nao crentes por uma história baseada no
moral religiosa. Partindo de diferentes pontos, chegam a
valor absoluto da
idên tica conclusão axiológica. Embora em tal conclusão
axiológica estejam presentes os matizes peculiares de ambas pessoa.'
as posições, isto não impede que se consiga detectar idêntica Com esta afirmação, queremos termi1:ar também a refle
substantivi dade ética na avaliação absoluta da pessoa. xão sobre a dimensão ética da pessoa. E evidente que, na
Por outro lado, as reflexões anteriores nos previnem contra consideração sobre a dignidade ética do homem, surja adiver
a propensão, precipitada e demasiado fácil, de "secularizar" ex sidade de matizes que corresponde à variedade de
cessivamente e qe "sacralizar" indevidamente o valor cosmoviaões (teísta-ateísta idealista-materialista,liberal-
absoluto dohomem. O afã por secularizar excessivamente a materialista etc.) existentes na sociedade. Não obstante, em
dignidade éti ca da pessoa esquece que a fé em Deus, em vez de todas elas palpitaa racionalidade humana e todas elas se
diminuir e es vaziar de justificação o valor do homem, o que faz é orientam para práxis histórica mais digna do homem.
ampliá-lo e radicalizá-lo. Também esquece que, em grande escala, Pondo entre parê teses as divergências, é preferível apostar
a valori zação absoluta do homem nasceu e cresceu com o amparo nas convergências. E por isso
da reli gião. Mais ainda: pode-se pensar que na cultura ocidental o que se pode articular o discurso sobre o valor ético dape7 oa
valor absoluto do homem teve a função de sub-rogado da como alegação em favor da conjun ãoe do encontro entre a et1ca
religião. civil e a ética religiosa, concretamente a cristã.
A indevida sacralização do valor absoluto da pessoa esque ce
os erros históricos das religiões com relação à dignidade ética do
homem; não leva em conta a força da racionalidade humana
para apreciar, em seu justo valor, o homem com base em
pres supostos e opções exclusivamenteintramundanas;não aceita
com espírito magnânimo que o valor absoluto do homem deixe de
ser patrimônio religioso, por haver passado à herança única e
comum da humanidade e, assim,formar parte tantodasensibilidade
ética humana quanto do ethos objetivado na chamada ética
civil da sociedade.
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B. Para ampliar com a realidade "partindo de si mesmo". Não se pode abdicar da
própria originalidade, a pessoa é sempre origem e não termo de
Os traços decisivos da imagem ideal do ser humano. estímulos exteriores.
Em segundo lugar, a autenticidade supõe que o projeto
vital seja de algum modo apresentado anteriormente à sua
B. l. Autenticidade versus alienação.
decisão. O homem tem de conformar-se consigo mesmo.
B.2. Conscientização versus manipulação.
Toda decisão que force a própria índole do homem lança a
B.3. Relação versus incomunicação.
B.4. Solidariedade versus solipsismo. existência pessoal na inautenticldade; . .
O conceito de autenticidade pode traduzir-se pelo conceito
de vocação. É chamado que não vem de fo!a, mas do mais
autêntico eu que trazemos dentro de nó . E a "mesmidade''.
B.1. Autenticidade versus alienação
profunda de nosso ser. Diz-se que determ.mado s r buma oe
autêntico quando é, ou chega a ser, o que verdadeira e
"Alienação" é categoria básica da antropologia sócio-histó
radical- mente é, quando não está alienado. .
rica. Com ela se descreve o lado negativo da situação em que se Foram os filósofos da existência que tematizaram com
encontra historicamente a condição humana: situação de estra maior insistência e profundidade o conceito de autenticidade.
nheza e afastamento, em que a pessoa perdeu sua própria Para Heidegger existem dois modos de realizar a existência
identidade e se transformou em alguém estranho a si mesmo. humana: modo autêntico e modo inautêntico. A pessoa c rre
Até certo ponto, a história humana se identifica com a sucessão continuamente O perigo de viver na inautenticidade,. Por iss_o
das formas em que se foi concretizando a alienação do homem. ressoa também no seu interior o chamado constante a autenti-
Marx insistiu na alienação econômica como origem das
cidade. . ~ ,
outras alienações. Sem negar importância a esta forma primor O sujeito ou o "quem" da existência inautêntica na?e
dial de alienação, convém rejeitar todo reducionismo e todo existente determinado, é sujeito essencialmente neutroe im-
determinismo economicistas da alienação humana. Com fre pessoal: o "se" do "diz-se isto", "pensa_-se as 1•n;" , "fª ,-se»i•s_ot , "
qüência, o alheamento humano se verifica com maior significa "faz-se de tal modo". Neste caso, a existência e a do se di a
do em outros âmbitos da realidade diferentes do econômico. torial e impessoal. Ao ser deste "se" da existên i inaut ntica
A alienação é vencida mediante a autenticidade. pertencem algumas características existenc1a1s: a distan
"Auten ticidade" é uma das palavras tópicas que qualificam o cialidade ou necessidade de continuo confronto co o que os
espírito de nossa época. Basta recorrer ao léxico comum, outros fazem, a medianidade ou sujeição imperativa a ce1 0
para per cebermos este fenômeno. Mediante este caráter de nível médio, 0 nivelamento ou achatamento de todas s os i
tópico, devemos penetrar na profundidade do significado de bilidades de ser, a publicidade das interpretações da
autentici dade. O ser autêntico é uma das estruturas básicas existencia,
da pessoa, a autenticidade pertence ao que há de mais
o desencargo do ser.
nuclear no ser pessoal. Ao viver na existência inautêntica do "se", a pessoa se
Pode-se aceitar como definição de autenticidade divide, anonimiza-se, despersonaliza-_se e b naliza-se. oisa
existen cial a seguinte: "a fidelidade ao próprio projeto vital". que sucede com grande freqüê ci n vi_da so:ial_. M?as sera
Para verificar esta definição, requerem-se duas condições
que todo coexistir é coexistir na existencia mautentica. .
essenciais. Em primeiro lugar, é preciso que o homem viva É preciso admitir, ao lado da exi tê ci in utêntica,_ uma
seu confronto existência autêntica. A autenticidade e existencia e mesmidade
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segundo o "si mesmo". Isto só se consegue quando a pessoa etc.) é que estão ultrapassando a barreira - até agora
adota a decisão de aceitar a angústia e de aceitar a vida que é intransponível-da intimidade do homem, cuja originalidade
um viver-para-a-morte. Aceitar com sangue frio, sem pé e liberdade pareciam estar resguardadas, escapando da influ
atrás, a angústia; estar preparado para a angústia e aceitar, ência da tecnologia.
assim, a vida: isto é "estar decidido" e isto constitui o ápice O problema, porém, não reside na tecnologização, esta em
da vida autêntica. si não leva à manipulação humana. O fantasma da manipula
ção surge pelo fato de que nem todos os grupos têm a mesma
possibilidade de apropriar-se das objetivações tecnológicas.
B.2. Conscientização versus manipulação As novas classes ostentadoras do poder econômico, social,
político e cultural são as que realmente se apropriam da nova
a) O risco da manipulação objetivação dos homens e dos povos que tornaram possível a
A realidade da manipulação é o pólo negativo da atual tecnologia mediadora e, como conseqüência, a desapro
conscientização. Se a conscientização é a dimensão pessoal e priam de si mesmos.
política do humano, quando se constitui como "sujeito", a A intervenção das classes detentoras do poder é que
manipulação, pelo contrário, é a expressão da ação e do introduz o mal da manjpulação na sociedade tecnológica. Como
estado pelos quais o humano fica reduzido a "objeto". Com afirma Belda, "do ponto de vista sociológico, a manipulação
base nesta constatação, compreende-se por que o tema da supõe modelo de sociedade elitista e autoritária, baseada na
manipulação surgiu paralelamente ao tema da desigualdade radical. Este modelo pode concretizar-se em
conscientização. for mas muito diferentes entre si, que vão desde sociedade
As diversas formas de manipulação unificam-se na desca radamente fascista até sociedade industrial avançada
elabo ração do "tipo de homem" que se acomode melhor aos for malmente democrática... O dinamismo da manipulação
fins que o manipulador procura alcançar. Com isto, afirma-se requer estes três pressupostos: a) desigualdade social institu
também que a forma privilegiada de manipulação é a de cionalizada; b) relações sociais fundamentadas no domínio de
caráter social. A "unidimensionalidade" socialmente minoria sobre a maior.ia; c) manejo da consciência
manipulada vem a ser o núcleo originário de todas as forças individual, graças aos serviços das instituições educativas e
manipuladoras do homem atual. dos meios de comunicação de massa" ("Cristianismo y
Pode-se verificar a manipulação social de modo manipulación hmna na", in lglesia viva 57 [1971] 258-159).
concreto nas manifestações da vida social atual. Constata-se o ,· Diante desta manipulação estrutural só resta a alterna ti
poder da manipulação nos diversos níveis da realidade social: !\. va dareestru.turação social, em que, com base em verda
na publi cidade, nos sistemas educativos, no exercício da .. deira democratização, se consiga retirar das novas elas
autoridade, na formulação permissiva da vida social atual, na :,: ses de poder suas injustas apropriações exploradoras e
programação da economia, nas técnicas de pesquisa, nas :& manipuladoras, para devolvê-las ao homem o aos povos.
realizações dos diferen tes grupos humanos etc. Um
discernimento sobre estas formas de manipulação leva à A escola de Frankfurt situa a manipulação na eliminação
conclusão de que a manipulação consti tui fato não da capacidade do homem para desenvolver a função crítica
exclusivo, mas, sim, típico das sociedades indus triais de sua razão e a função utópica do sentido da totalidade.
avançadas. Marcuse concretizou esta afirmação geral, assinalando q_ue a
A tecnologização de nossa sociedade e de nossa cultura é manipula ção surge quando se reduz o homem à
fato. O diferenciador e oespecífico da revolução tecnológica "unidimensionalidade».
com relação a outras revoluções anteriores (a neolítica, a 145
industrial

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Tal unidirnensionalidade aparece claramente nas • Participação versus elitismo: odirigismo moral tem como
socieda des industriais avançadas, nas quais a cultura, a causa e efeito o elitismo. Privar de iniciativa as "maiorias
pol1tica e a economia se unem em sistema oniptesente que silenciosas" da sociedade, alegando a maior capacidade e eficá
devo1·a ou repele todas as alternativas. A produtividade e o cia de uma minoria seleta civil ou religiosa, é atitude
crescimento poten cial deste sistema estabilizam a sociedade e contrária ao projeto cristão. Tanto pior quando o que se busca
mantêm oprogresso técnico dentro de limite previamente é, no fun do, suster1tar situação de predomínio classista. A
estabelecido. A razão tecnológica se tornou política. particjpação de todos no que se 1·efere a todos é a forma de
?i as sociE dades industriais avançadas, poder-se-ia propí luta contra a manipulação.
"fil c1ar o remo das liberdades, contanto se desse fim à ra • Pluralismo ético versus totalitarismo ordodoxo e
; cionalidade tecnológica. Somente fazendo desaparecer a confessional. Uma das principais fontes de manipulação é a
i "unidimensionalidade" é que se poderá conseguir a liber cobertura confessional com que se reveste a consciência moral
,J} tação e, portanto, a eliminação da manipulação humana. dos indivíduos. Os sistemas de ortodoxia, tanto humana quanto
religiosa, segregam todo tipo de manipulação, inclusive a ma
b) Corretivos éticos diante da manipulação nipulação ética. As coletividades humanas (partidos, Esta
dos) que se declaram confessionais e, portanto, vi:vem em uma
Importante frente na luta contra a manipulação consiste ortodoxia, constituem o âmbito mais apropriado à mani
na formulação e na verificação de determil)ados corretivos pulação.
éticos. Reduzimo-los aos seguintes: Deve-se dizer o mesmo das religiões, quando se organizam
• Autonomia versus heteronomia: a manipulação entra como sistemas fechados. O cristianismo conhece os erros que
quase sempre pela porta da heteronomia moral. A autonomia origina a excessiva anexação da moral aos quadros do
moral, pelo contrário, é o pressuposto jndispensável para sistema religioso.
imu nizar a consciência contra os ataques manipuladores. • Moral ''aberta" uers11,s moral "f'echadct". A manipulação
• Contraste de pareceres versus dirigismo moral: a se instala nas consciências e nas objetivações das coletividades
cons ciência moral se realiza, entre outras coisas, mediante o à medida que persiste a é.tica legalista e opressora. A alterna
con traste de pareceres. O dirigismo moral, em contrapartida tiva para a manipulação é viver em uma ética da inspiração e
é a situação que propicia a manipulação. Para que existacontr da libertação.
ste de pareceres, requer-se pelo menos: A moral "fechada" gera a manipulação. A moral "aberta" a
- elevação de todo indivíduo aos níveis de "sujeito" ou de elimina. É preciso buscar e recuperar na história humana a
"consciência crítica";
corrente da moral "aberta". "Em todos os tempos surgiram
, .- favore er a constituição e o funcionamento da opinião homens excepcionais, nos quais se encarnou esta moral.
publica na sociedade em geral e em toda coletividade
Antes dos santos do cristianismo, a humanidade havia
humana e religiosa;
conhecido os sábios da Grécia, os profetas de Israel, o
- propiciar a criação e a vida de comunidades interme arahante do budismo e outros" (H. Bergson, La dos fuentes
diárias (por exemplo, as "comunidades de base" na coletividade
eclesial); de la moral y de la religión, Buenos Aires 1962, p. 69). Sem
querer monopolizar a corrente inspiradora e libertadora da
- não calar, por meio da manipulação a voz de ninguém
moral, é preciso reconhe
(por exemplo, a dos "marginalizados", na coletividade social· a cer, com frases de Bergson, que "a moral do evangelho é
dos "seculares" ou "leigos", aa coletividade eclesial). '
essencialmentea da alma aber·ta" (o.e. p. 90). Na ética cie-Jesus
146 não cabe a manipulação, já que o homem ocupa o lugar da
lei

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- tudo isto conduz à "elevação do pensamento das
absolutizada. A vontade de Deus se define pela situação concre
mas sas", e a isto poderemos chamar "politização .
ta do homem e do próximo, e todas as normas têm seu
A auto-reflexão leva as massas ao aprofundamento, segui
critério conforme estejam ou não voltadas para o homem.
do de sua tomada de consciência cujo efeito é sua inserção
A recuperação da moral "aberta", de cunho inspirador e
na história, não como espectadores, mas atores e
libertador, é a alternativa global para a manipulação.
protagonistas.
Procurando correlacionar a consciência com o tipo de so
c) A conscientização ciedade,Frefre estabeleceu osseguintes níveis: "submergência",
"emergência", "inserção" "flutuação". Naturalmente, estes
Diante da manipulação é preciso situar a realidade da níveis estão em relação direta com a realidade estrutural da
conscientização. A pessoa se realiza como sujeito quando vive sociedade em seu constante devir. Além do mais, estes níveis
sua existência de forma conscientizada. devem ser entendidos em termos de preponderância e não de
A conscientização é realidade com duas faces: possui exclusividade.
uma dimensão pessoal e outra política (entendendo-se este
termo no seu sentido mais amplo).
O homem, segundo a definição de Zubiri, é "animal de B.3. Relação versus incomunicação
realidades". Sua função é "inteligir realidades". Ele não está
coercitivamente condicionado yelos estímulos, em esquema A pessoa tem estrutura de interioridade, mas é também
fechado de estímulo-resposta. E estrutura aberta em que entra realidade aberta. Nesta dimensão de abe1tura, a pessoa é
o imprevisível. Isto supõe que o homem esteja, em certo sentido, constituída pela alteridade ou pela intersubjetividade.
acima da realidade: não como ausente ou fugitivo, mas com a A antropologia da alteridade consegue sua confirmação
função de "encarregar-se" da situação. Este caráter de "ser prática por meio da afirmação real do homem como "ser parao
alertado" supõe nele a conscientização. encontron. O encontro, além de categoria antropológico-teológi-
Paulo Freire analisou a forma de relação que o homem ca, é exigência ética.
mantém com o mundo e estabeleceu, deste modo, a cons Diante da incomunicação como forma de vida humana, é
cientização como estrutura antropológica fundamental. En preciso proclamar a exigência do encontro interpessoal e da
quanto o animal tem "contatos" com o mundo, o homem tem relação de amizade. Ora, para ocorrer relação de amizade, é
"relações". As características destas "relações" são: necessário que as pessoas descubram no outro um "tu" e se
-postura crítica (no animal: ausência de postura relacionem entre si como um "tu".
crítica); Na próxima unidade, expõe-se a ética da relação
- pluralidade (no animal: singularidade); interpessoal.
- conseqüência (no animal: inconseqüência);
- transcendência (no animal: imanência).
A conscientização traz consigo elevação do nível político B.4. Solidariedade versus solipsismo
dos homens: Não é preciso possuir temperamento pessimista para
- conscientizar é criar "sociedade sujeito"; perceber que na situação histórica presente existe falha pro
- isto traz consigo a auto-reflexão e a autodecisão (= funda entre o ideal da felicidade e a realidade concreta. Vivemos
ser atores e não espectadores) em tempo e em espaço momento histórico caracterizado por profunda crise de segu-
determi nados;
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rança e de felicidade humanas. A crise econômica é o indicador C. Para aprofundar
mais qualificado desta situação histórica insegura.
Entre as causas do atual mal-estar humano, precisa-se
colocar a quebra ou ruptura da solidariedade. Vivemos em Direitos humanos: expressão da dignidade ética da pessoa.
época marcada pelo sinal da insolidariedade. Esta inso
lidariedade humana se apóia na perda das solidariedades C.1. A necessária instância ética dos direitos humanos.
sociológicas: êxodo do campo, com o conseqüente esfacelamento C.2. Função da instância ética na realização dos direitos hu-
das solidariedades rurais (família, vizinhança, religiosidade); manos.
sistema deficiente de urbanização, incapaz de reconstituir as
solidariedades rurais perdidas; criação de grupos sociais regi
dos pela lei insolidária da competitividade diante dos bens C.1. A necessária instância
escassos (entre os quais, o bem do trabalho). ética dos direitos humanos
irn Diante desta situação, é preciso reconstruir a solídarieda-
1 de humana. Mediante a solidariedade e os outros traços A expressão "direitos humanos" é formulação histórica,
nascida dentro da etapa l)'loderoa da cultura ocidental,a qual
:[g antropológicos aqui descritos, constrói-se o "humanismo
!! de responsabilidade" que o Concílio Vaticano II postula
reúne as experiências básicas da dignidade humana. Utilizam se
]! (GS 55). A solidariedade equivale à responsabilidade e também outras expressões para designar a mesma realida de:
esta se traduz por compromisso ético diante da história. O "direitos do homem" "direitos fundamenta·is'', "direitos
humanismo de responsabilidade é humanismo ético e os naturnis", "direitos públicos subjetivos', "liberdade funda-
tfü dois se identificam com o humanismo de solidariedade. mentais".
No fundo da questão semântica está o problema do
Sobre o tema da solidariedade, voltaremos a dedicar jusnaturalismo-positivismo e da própria noção de"direito natu
aten ção nas unidades da moral social. ral/fu_ndamental". Nesta realidade entram em jogo o direitoe a
étioo:a primeira conotação se reflete ao falar-se de"direi tos", ao
passo que a segunda pode expressar-se corn a adjetivação de
"humanos' e, assim, ressalta-se o aspecto histórico e evita-sea
justificaçâ,o ontológica) ou c()m a adjetivac;.ão ele
''fundamentais" (e, então, põe-se em relevo o caráter metajurídico
e básico de toda norma positiva ulterior). Cremos que as duas
expressões
' direitos humanos e"direi tosfundamentais" são adequadas para
formular a realidade histórico-ético-jurídica a que se alude.
A realidade dos direitos humanos é tão rica de conteúdo
que pode ser estudada em diferentes perspectivas e mediante
diversos saberes. É evidente que o saber jurídico éo que mais
se ateve à consideração dos direitos humanos, fazendo com que
estes apareçam como realidade basicamente jurídica.
Não tem sentido falar de direitos humanos sem aludfr à
sua carga de positividade. Para os direitos humanos adq_u:iri-
150
151
rem a condição de "direitos subjetivos" ou de "liberdades pú
- A opção humanista, que de uma forma ou de outra
blicas" precisam do reconhecimento que procede de norma
reconhece o valor do homem acima de qualquer outra realidade,
jurídica.
está na base da ideologia dos direitos humanos. Nesta
Não obstante, a categoria de direito humano não esgota
corrente genérica humanista tem influência certa a mensagem
seu significado no campo jurídico. Sua própria noção alude a
cristã.
vertentes extrajurídicas: à realidade histórica da que procede
- O reconhecimento da pessoa humana como lugar
(vertente histórica), à concretização atual (vertente sociológica)
axiológico autônomo e original constitui o núcleo ético que os
e ao universo axiológico em que se baseia (vertente ética). Estas
direitos humanos desenvolvem.
três vertentes,juntamente com a vertente jurídica, constituem
- O valor da liberdade, originado na matriz da
o campo interdisciplinar da realidade pluridimensional dos
"modernidade" (humanismo renascentista, reforma protestan
direitos humanos.
te, ideologia liberal, corretivo socialista, secularização), é o
Os direitos humanos são categorias jurídicas, já que per
fundamento imediato dos direitos humanos. Nestes, o "ser"
tencem ao âmbito do direito positivo vigente, mas também
livre se completa no "ter" liberdades. "A liberdade será o
são categorias éticas, já que expressam valores básicos não-
conceito-chave, na filosofia dos direitos humanos, para explicar
tradu zidos e intraduzíveis plenamente no campo da norma
a necessidade de âmbito de autonomia do homem na
jurídica. "Os direitos humanos se caracterizam por sua
sociedade e de limite para os poderes externos a ele,
tendência, par tindo da ética-filosofia dos direitos humanos -
especialmente para o poder do Estado" (G. Peces-Barba, o.e.,
para o direito positivo - como direitos subjetivos
p. 61).
reconhecidos em sua nor ma. São normas que representam
idéias da justiça ou, se estão in fieri, idéia de justiça que
pretende converter-se em norma" (G. Peces-Barba,Derechos C.2. Função da instância ética
fundamentales, Madri, 1976, p. 91). Neste sentido, pode-se na realização dos direitos humanos
falar de ambigüidade ineliminável do conceito de direitos
humanos: a expressão pode referir-se tanto a certo direito a) Fator de "orientação" nas declarações
positivo (onde poderiam distinguir-se diversos planos: direito e nas normas positivas
nacional, direito internacional, direito válido, direito eficaz
A dimensão ética, inerente ao próprio conceito de
etc.), como a exigência de caráter ético, isto é, ao que deve
direitos humanos, exerce função de "orientação" nas
ser direito.
declarações e na positivação dos mesmos. As declarações de
A presença da instância ética nos direitos humanos dá a liberdades e as normas positivas tentam plasmar - em
id esta noção histórico-jurídica o caráter de exigência expressões declarati vas e em positivação normativa - as
m profé tica e globalizante. Os direitos humanos, por exigências da dignidade humana. A consciência axiológica
!% serem ex pressões de valores básicos da pessoa, fazem o desta dignidade é a que orienta o sentido das declarações e
protesto e das normas:
1 , a profecia do humano enveredarem por terrenos meta
- impedindo que se desviem para positivações
@ jurídicos e para além das concretizações históricas. contrárias à autêntica realização do homem;
A razão ética dos direitos humanos justifica-se com base - apresentando a verdadeira chave para a interpretação
em cosmovisão que dá sentido à sua tomada de consciência de suas aplicações;
histórica. De modo esquemático, assinalamos os aspectos - estimulando o progresso na tomada de consciência de
axiológicos assumidos no conceito de direitos humanos: novos aspectos da dignidade humana;
- assegurando que este progresso se realize na fidelidade
152 aos valores objetivos do humano.

153
Se a ex1gencia de positivação é importante para que
rer na ingenuidade de que a simples formulação gera ime_cliata
existam direitos humanos, não o é menos o fator ético, para que
sejam direitos cada vez mais humanos. mente a sua aceitação e a sua verificação. A ideologia dos
direitos humanos não pode ficar como mera retórica, mas
tem de alcançar a efetividade social. .
b) Fator de "proteção" das A dimensão ética postula as exigências do reconhecimento
exigências inerentes aos direitos político e da proteção jurídica. _
humanos Infelizmente em âmbito internacional, as declaraçoes de
direitos humanos inda não têm a suficiente proteção jurídica.
A cobertura axiológica exerce função de "proteção" com
relação às exigências dos d1reitos humanos. Partindo dainstãn ci.a É este um aspecto em que a ética dos direitos humanos tem
ética, pode-se e deve-se postular o conjunto de garantias que insistir de modo particular.
jnrícUcas e metajurídicas que tornem possível a realização
dos direitos humanos em cada situação histórica concreta. c) Fator de "crítica/ utopia '
Ressal tamos duas: diante das condições sociais dos direitos humanos
- Os direitos humanos se tornam efetivos na vida polí
Função importante da instância ética i_nerente aos cliJ: tos
tica e na cidadania, mas são anteriores a elas. Daí a demarcação
humanos é a que se concretiza no ''discernimento critico/
de uma 01·dem privada diante do poder público. Este é o aspecto
da ideologia liberal, que deve continuar sendo mantida. O utópico" das condições sociais em ue ? otam, ivem e _5.e
homem e suas possibilidades intermediárias de associação desenvolvem tais direitos. Esta funçao crJt1co-utop1ca adquue
são realidades autônomas diante do Estado, embora tenham na situação atual os seguintes compromissos:
- Urgir os pressupostos sociais que possibilit m passa
de ser vividas e realizadas dentro da dimensão e do ambiente
gem dos direitos humanos do âmbito formal para oambtto
políticos.
real. A realização dos direitos humanos está condicionada às
Exatamente por isso se precisa afastar a interpretação dos
estru turas sociais: econômicas, cultutais, políticas. Uma
que afirmam a identificação do homem e do cidadão: o hom,em
estrutur social injusta não somente é ineficaz à realização e
nasce comocidadão e renasce como homem no pacto social e
desenvolVl mento dos direitos humanos, porém tende a
pelo pacto social; cede todos os seus presumidos direitos à
converter a decl ração de liberdades em instrumento de
comuni dade, desaparece e aniquila-se nela, para ressurgir
opressão para os mais
como cida dão, sem ter resíduo algum de "existência privada"; o
fracos.
homem privado para eles desapareceu.
- Para que os direitos alcancem const ta ão. c?ncre a
O reconhecimento do valor ético da pessoa é o ponto de
para todos, é necessário libertá-los da ide log a mdwidual:s·
partida dos direitos humanos. Estes direitos são originais, não
ta e burguesa em que receberam sua pnme,ll'a formulaçao.
dependem de nenhuma instância política ulterior e, por conse
Neste sentido, têm razão certas correntes de pensa ento que
guinte, são inalienáveis. Eles não são "julgados" por outras
desconfiam dos direitos humanos, por vê-los excessivamente
instâncias, porém, sim, "julgam" todas as estruturas sociais.
vinculados ao sistema liberal em que nasceram.
"Julgam", antes de mais nada, a forma configurativa do poder
Convémad vertir, entretanto, que esta desconfiança crítica
político em sua expressão máxima: o Estado.
nãojus cao pessimismo diante dos direitos humanos e sua
- Para os direitos humanos alcançarem plena realização,
requerem tanto o reconhecimento político quanto a proteçào consequente supressão em regimes totalitários de uma
jurídica. As declarações dos direitos humanos não podem esqu rda p eten samente capaz de superar os desvios da
incor- mentalidade liberal
burguesa.
154 155
Sem nos referirmos por enquanto à doutrina oficial da
- Cremos que a compreensão e a realização dos direitos Igreja, podemos assinalar de modo esquemático os seguintes
hu a os no mome t_o atu l há de ter como marco a opção do dados da reflexão teológica com relação aos direitos
so ia!ismo democratico. Diante dos socialismos totalitários, humanos:
ex s m ma,c rrente de socialismo democrático que respeita - Na reflexão teológica mais primitiva, corno a paulina,
as exigencias eticas dos direitos humanos. encontram-se pistas teót·ico-práticas em que se apóiame até se
. A _cosmovisão cristã, com suas insistências no valor da •forçam" as exigências bistóricas da liberdade humana. A
s?h aneda e e do serviço, ajudou a descobrir e a formular os patrística não esquece esta urgência prática nem sua correlativa
direitos basicamente sociais, mas também a apoiar a reflexão teórica.
mudança deste tema para formulações de cunho socialista. - A teologia moral da Idade Média, além de introduziro
Esta mudan ça para a ompreensão socialista democrática dos tratado de direitos fundamentais, desenvolveu tema que con
direitos hum nos evita os desvios doindividualismoliberal, tém evidentes ligações com o tema dos direitos humanos;
impede que se caia _nas ?arras do totalitarismo e supera referimo-nos ao tema do chamado direito dos povos. Nos vários
eficazmente os sonhos irreais das posturas anarquizantes. significados destacategoria ético-jurídica, é preciso situaro
que denota a existência de uma ordem moral que supera o
estrita mente jurídico e que é a justificação dos direitos
básicos dos
diversos grupos humanos.
D. Para confrontar - Na doutrina ético-jurídica dos teólogos dos séculos XVI-
XVIIe, ncontra-se desdobramento mais explicito do "direito dos
Postura cristã perante os direitos humanos. povos" e claro apoio às exigências morais da dignidadehumana.
A escola de Salamanca, por ocasião
D.1. Reflexão teológica e direitos humanos. dodescobriment.odaAmérica, aprofunda-se na dignidade natural
D.2. Doutrina social pontifícia e direitos humanos. do homem e nos direitos que todos os homens possuem. Em
Vitória, Soto, Cano e LasCasas, pode-se encontrar lista de
direitos naturais atr.i-buídosa todo homem. Deve-se dizer o
D.1. Reflexão teológica e direitos humanos mesmo dos teólogos da Companhia de
Jesus e, particularmente, de Suárez.
, ão fal! m pessoas que minimizem o papel da reflexão - Diante do esquecimento e do receio dos teólogos dos
teologica catohca na gênese das liberdades sociais e dos direitos últimos séculos em face das doutrinas dos direitos humanos,
humanos. E verdade que este tema tem parentesco evidente nascidas dentro de contexto laicista e às vezes anticlerical,
com a corrente que nasce do nominalismo medieval, prolonga percebe-se atualmente grande interesse da teologia pelo tema
se ela I:,eforma e culmina nas doutrinas do direito natural da dignidade hwnana e de seus direitos. A produção
racwna!ist ; não é em vão que estes fatores ideológico- bibliográ
religioso culturais sao o pressuposto imediato para O fica é claro indício deste interesse.
modernismo, de onde brot a tomada de consciência dos direitos
humanos. Contudo nao é correto considerar, sem mais, como
D.2. Doutrina social pontifícia e direitos humanos
"reacionária" a postura ado ad pela segunda escolástica
(escola de Salaman ca e teólogos Jesmtas dos séculos XVI- A atitude da chamada "doutrina social da Igreja" diante
XVII). das "declarações dos direitos humanos", que vêm vigorando
do século XVII ao século XX, nem sempre tem sido a
156 mesma.Ruiz Giménez distingue os seguintes períodos e as
seguintes atitu-
157
direitos que todos os homens têm de buscar livremente a
des: 1) fase con ra-revolucionária (Gregório XVI, Pio IX); 2) verdade, respeitar as normas morais, cumprir os deveres da
ab rtura de ho:1zontes (Leão XIII); 3) novas perspectivas (de justiça, observar vida decorosa, e outros direitos intimamente
Leao XIII a 10 XII); 4) momento da grande decisão (João vinculados a estes" (PT 143-144).
II); 5) Vaticano II e perspectivas pós-conciliares (El Con O Concílio Vaticano II oferece, no conjunto de seusdocu-
cilio.)'_ l?s derechos del hombre, Madri, 1968). mentos, exposição sistemática elos direitos fundamentais do
. Justo reconhecer que a atitude da Igreja nem sempre homem. De modo expresso, proclama atitude positiva diante
foi positiva e face dos ireitos individuais, desta realidade da época atual: "A Igreja, pois, em virtude do
principalmente du evangelho que lhe foi confiado, proclama os direitos do
r nte o seculo XIX. E preciso esperar a segunda metade do homem e reconhecee estima muito dinamismo da época
s culo XX, para a doutrina oficial católica adotar postura atual, que
deci
d ida a f a vor dos direitos humanos: Pio XII Joa-o XXIII Con- está promovendo por toda parte tais direitos. Deve-se,
T V t · ' 'o
todavia,
c1 10 a ican II,Paulo VI, o Sínodo dos Bispos, João Paulo conseguir que este mov,i;mento fique imbuído do
II. espíritoevan gélicoe garantido contra qualquer aparência de
A enc!chc de João XXIII, Pacem in terris, constitui falsa autono mia. Com efeito, assedia-nos a tentação de julgar
ponto alt aace1taçao na disrosição de assumir' por parte da que nossos direitos pessoais só são resguardados em sua
Igreja catohca, o conteudo da Declaração universal dos plenitude quando
direitos do h?.mem". TantoAteó o os quanto pensadores sociais nos vemos Uv-res de toda norma divina. Por este caminho,a
constatam a to a_l concordancia entre os dois textos e a dignidade humana não se salva; pelo contrário, perece"(GS 41).
possibilidade que propiciam para estabelecer "diálogo entre Paulo VI, na carta apostólica Octogesima adueniens, ao
os homens católicos e os homens não-católicos". mesmo tempo que aprecia as declarações dos direitos humanos
. Pe a,p_rimeira vez, na encíclica Pacem in terris, o faz uma crítica do sistema jurídico correspondente: "Paxa ins
magisté rio pontiflc10 faz uma declaração de direitos do homem crever nos fatos e nas estruturas esta dupla aspiração (de
relativa mente com leta e, e certo modo, sistemática, algo igualdadee de participação), têm-se feito progresso na defini
comparável às ?eclar çoes_ de d_ireitos do homem promulgadas çãodos direitos do homem e nos estabelecimentos de acordos
por assem blé as nacionais ou mternacionais desde fins do internacionais qu dêem realidade a tais direitos. Nãoobstante,
3

século XVIII. E assim, vale a pena recordar a avaliação que a as injustas discriminações - étnicas, culturais, religiosas,
encíclica de Joã poüticas- renascem sempre. Efetivamente, os direitos do
:XIII faz da "D c aração niversal dos direitos do homem": homem ainda continuam com freqüência desconhecidosq,
Arg u ment o d ec1s1vo da missão da ONU é a Decl - uan do não bw·lados, ou sua observância é puramente formal.
z d d · • ara çao
• Em muito:;;casos, a legislação fica atusada em face
un i-
versa os ireitos do homem, que a Assembléia Geral ratificou dassituações reais. Se do necessária é todavia insuficiente
a 10/e dezembro de 1948. No preâmbulo desta declaração se para estabelecer verdadeiras relações de justiça e igualdade. O
roe ama, como obje ivo básico, que todos os povos e nações evangelho, ao ensinar-nosa caridade, inculca-nos o respeito
evem pr p r para s1 o reconhecimento e o respeito efetivo de privilegiado dos
todos os dire_itos e de todas as formas da liberdade reunidas em pobrese sua situação particular na sociedade: os mais favor-
tal declaraçao. cidos devem renunciar a cilgum de seus direitos paracolocar,
_A nós não escapa que certos capítulos desta declaração com maior liberdade, seus bens a serviço do outros. Efetiva
suscitaram algumas objeções fundadas. Julgamos entretanto
·p q.tue' dest,a ·declaração deve ser considerada um ei•ro pass'o mente, se, para além das r gras jurídicas, faltarsentido mais
nm
m º. utono para o estabelecimento de constituição jurídica e os
np hohtica de dto' do'sdods povos do mundo• Em tal d ec1araç- ao, 158
reco- ece-se a igm a e da pessoa humana e afirmam-se todos
profundo de respeito e de serviço ao próximo, atéa para discriminações
igualdade perantea lei poderá servir de pretexto
159
flagrantes, para explorações constantes, para engano real.
Sem Leituras complementares sobre os direitos humanos
renovada educação da solidariedade, a afirmação excessiva
-João XXIII, encfclicaPacem in terris, nn. 11-27 (Lista dos direitos humanos).
da igualdade pode dar lugar a individualismo, em que cada -Sínodo dos Bispos de 1974, mensagem final: Direitos humanos hoje em dia
um reivindica seus direitos sem querer tornar-se responsável mais ameaçados.
pelo bem comum" (OA 23). - João Paulo II, encíclica Redemptor hominis, n. 17.
O Sínodo dos Bispos de 1974, procurando comemorar o - Puebla, nn. 1268-1274.
décimo aniversário da encíclica Pacem in terris e o vigésimo A realização da pessoa se consegue graças ao exercício de seus
aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, das Nações direitos fundamentais, eficazmente reconhecidos, protegidos e promovidos. Por
Unidas, formulou mensagem final sobre os direitos huma nos isso a Igreja, especialista em humanidade, tem de ser voz dos que não têm
em que se assinalam "alguns direitos hoje em dia mais voz (da pessoa, da comunidade perante a sociedade, das nações fracas
ameaçados". perante as poderosas), cabendo-lhe ação de docência, denúncia e serviço
em prol da comunhão e da participação.
O papa João Paulo II, em sua primeira encíclica, Re Em face da situação de pecado, surge por parte da Igreja o dever de
demptor hominis (1979), enfocou o tema da dignidade do ho denúncia, que deve ser objetiva, denodada e evangélica; que não tenciona
mem, ao falar no respeito aos direitos humanos (n. 17), pedindo condenar, mas sim salvar o culpado e a vítima. Tal denúncia, feita após
entendimento prévio entre os pastores, requer a solidariedade interna da Igreja
que "os direitos do homem cheguem a ser em todo o mundo o e o exercício da colegialidade.
princípio fundamental do esforço pelo bem do homem". A A declaração dos direitos fundamentais da pessoa humana, hoje e no
proclamação e a defesa dos direitos humanos é uma constante futuro, é e será parte indispensável de sua missão evangelizadora. A Igreja
do magistério de João Paulo II. proclama, entre outros, a exigência da realização dos seguintes direitos:
Direitos individuais: direito à vida (a nascer, à procriação responsável),
Ainda assim, a III Conferência do Episcopado Latino à integridade física e psíquica, à proteção legal, à liberdade religiosa, à
americano (Puebla, 1979) proclamou que "o enunciado dos liberdade de opinião, à participação nos bens e serviços, a construir o próprio
direitos fundamentais da pessoa humana, hoje e no futuro, é destino, ao acesso à propriedade e a "outras formas de posse privada sobre os
e será parte indispensável de sua missão evangelizadora" bens exteriores" (GS 71).
Direitos sociais: direito à educação, à associação, ao trabalho, à moradia,
(Do cumento de Puebla, n. 1270), e, simultaneamente, à saúde, ao lazer, ao desenvolvimento, ao bom governo, à liberdade e à justiça
apresenta lis-ta dos direitos mais importantes no momento social, à participação nas decisões que concernem ao povo e às nações.
atual (nn. 1271-1273). Idem Santo Domingo 168. Direitos emergentes: direito à própria imagem, à boa reputação, à pri
Diante de tudo o que foi exposto, é fácil captar o vacidade, à informação e à expressão objetiva, à objeção de consciência,
"contanto que não se violem as justas exigências da ordem pública" (DH 4), e a
interesse que existe atualmente na teologia e na doutrina
uma visão pessoal do mundo.
oficial da Igreja pela realidade dos direitos humanos. Embora Entretanto a Igreja também ensina que o reconhecimento desses direitos
seja preciso continuar progredindo no conhecimento da supõe e exige sempre, "no homem que os possui, outros tantos deveres: uns e
dignidade humana, até dentro da própria Igreja, pode-se falar outros têm, na lei natural que os confere ou impõe, sua origem, seu
de "movimento pastoral" com relação aos direitos humanos. sustentáculo e sua força indestrutível" (PT 28).
Os receios passa dos desapareceram, o cristianismo se
proclama claro defensor dos direitos do homem. E mais:
neste tema se unificam os interesses das diferentes Igrejas. A
V Assembléia do Conselho Ecumênico das Igrejas Cristãs
(Nairóbi, 1975) é demonstração clara do interesse das Igrejas
não-católicas pelos direitos hu manos. O trabalho pelos
direitos fundamentais do homem integra hoje todos os
cristãos. 161
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