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CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

LUÍS HENRIQUE DE OLIVEIRA PEREIRA

A DIGNIDADE DO SER VIVO NA PÓS-MODERNIDADE

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO - SP


2021
CENTRO DE ESTUDOS SUPERIORES

SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

A DIGNIDADE DO SER VIVO NO PERÍODO PÓS-MODERNO

LUÍS HENRIQUE DE OLIVEIRA PEREIRA

Monografia apresentada à Disciplina de


Metodologia do Trabalho Científico como
exigência para conclusão da disciplina
Metodologia Científica do Curso de Filosofia, sob
orientação da Professora Doutora Maria Cristina
Pascutti de Oliveira.

SÃO JOSÉ DO RIO PRETO


2021
1
RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo abordar o princípio da dignidade da vida humana, sob o
enfoque dos filósofos do período pós-moderno, tendo como referencial as ideias dos principais
doutrinadores sobre o tema. A partir da compreensão da dignidade de sua vida, apresenta uma
análise da evolução histórica dos conceitos de dignidade da vida humana, qual o estudo busca
compreender como os direitos humanos passaram a ser positivados com o intuito de garantir
sua condição de vida.

Palavras-chave: Dignidade; Pós-modernidade; Condição de vida humana; Compreensão;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………….4
CAPÍTULO I - DIGNIDADE DE VIDA…………………....................................................5
1.1 Origem e Conceito.....................................................................................................5
1.2 Dignidade dos seres vivos...………………………………………………………...8
1.3 Direitos Humanos…………………………………………………………………...10
CAPÍTULO II – DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA................................................... 13
2.1 Compreensão Filosófica…………………………………………………………….13
2.2 A Segunda Guerra Mundial………………………………………………………....15
2.3 A era digital ………………………………………………………………………....17
CAPÍTULO III – A DIGNIDADE NA PÓS-MODERNIDADE........................................ 19
3.1 Ameaças à dignidade………………………………………………………………..19
3.2 A sociedade pós-moderna…...……………………………………………………....20
CONCLUSÃO ……………………………………………………………………………….23
BIBLIOGRAFIA…………………………………………………………………………….24

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INTRODUÇÃO

Este trabalho é uma reflexão sobre a situação da sociedade pós-moderna e os desafios


encontrados diante desse novo cenário social.
A dignidade de vida do ser vivente é entendida como um ideal ou uma visão que está
relacionada ao projeto de mundo pós-moderno. Ela tornou-se uma realidade e, com a evolução
deste período da pós-modernidade e da ciência, vem tomando frente de nosso modo de agir, de
pensar e de se relacionar com os outros seres em nossa sociedade.
Este estudo busca compreender melhor esse contexto e apresentar pontos que
influenciaram e auxiliaram para que a ideia de que a vida é um bem precioso e deve-se ter
juntamente com ela a dignidade que merece seja difundida na sociedade.
Muitos foram os recursos apresentados a favor dessa dignidade da vida do ser humano,
assim como do ser vivente, e que vamos elucidar no trabalho. O percurso percorrido foi feito
tentando demonstrar no início a compreensão da dignidade da vida e o que a sociedade oferece
como bem maior para sua proteção. Assim como também demonstrar que os variados
acontecimentos recentes deram apoio a falta de entendimento dessa dignidade na sociedade
atual, tornando-a indivídua em seus relacionamento e privada do sentido da vida e de sua
especial condição humana, assim como suas consequências para a sociedade.

“Cada coisa tem o seu valor; ser humano, porém, tem dignidade.”
Immanuel Kant

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CAPÍTULO 1

DIGNIDADE DE VIDA

Todo ser vivente possui dignidade. Há hoje em nossa sociedade uma depreciação dessa
que devia ser parte da essência da pessoa humana, assim como de cada ser vivente. A partir
disso, caminhamos rumo à compreensão verdadeira daquilo que faz parte da essência do ser,
que a nossa mente compreenda a sua origem, o seu conceito e, acima de tudo, que a dignidade
faz parte de nossas vidas.

1.1 - Origem e conceito

A dignidade é uma característica presente em todo o ser vivente, pelo simples fato de
possuir vida o ser vivo merece todo o respeito. Se este ser for um ser humano, tem de ter
dignidade independentemente de sua origem, raça, sexo, idade, estado civil ou condição social
e econômica, e a isso se atribui o conceito de dignidade da pessoa humana.
O surgimento da dignidade humana é tão antigo quanto o próprio homem. O tema da
dignidade da pessoa humana nos faz refletir se estamos respeitando a nós mesmos e a pessoa
que está ao nosso lado. Podemos ver que com o passar dos anos, houve inúmeras mudanças no
direito a ideia de todos os acontecimentos políticos sociais e econômicos.
Deus é a primeira e última fonte da vida humana. À luz da fé, o homem foi criado à
imagem de Deus (Gn 1,27), porém, não é Deus. Para a antropologia cristã o homem ocupa um
lugar singular, único e especial na criação.
A vida vem de Deus e é confiada ao homem (Gn 1,1). Deus como criador é o Senhor
Absoluto da vida: somente ele pode dispor dela e o homem é chamado a participar desta
senhoria. O homem não tem, porém, nenhuma disponibilidade direta sobre a vida humana, seja
a própria vida ou a de outros. Essa é somente confiada à sua administração responsável, mas
sim, essa é para ele um bem do qual deve guardar e da qual deverá prestar conta a Deus.
Portanto, o princípio de respeito pela vida é defendido, principalmente, na proibição de
não matar. Este princípio apresenta que a vida humana tem um valor importante. Ela deve ser
protegida com muito carinho. O aspecto negativo do mandamento vem promovido na
promessa de dar a vida pelo outro em função do seu valor. Mas, até que ponto o homem da
pós-modernidade, o homem das ciências biológicas está entendendo a vida humana como
5
valor?
Além disso, com todos os acontecimentos, ainda era de extrema dificuldade a
organização dos Estados em relação à Dignidade Humana ou os Direitos Sociais, ninguém e
nenhum dos países tinha uma visão de liberdade de expressão pois a real democracia ainda não
existia.
Até então era evidente que todo ser humano é igual, não tem denominação de preço ou
valor, tem livre arbítrio de expressar sua visão sobre tal assunto, desde que tenha respeito com
seu semelhante, o respeito cabe a cada um o interpretar de forma clara sem que prejudique o
próximo.
Podemos concluir a partir disso que o ser humano é dotado da dignidade humana, que
sua vida é um dom concedido pelo Divino Criador, além de ser previsto em lei é um direito
fundamental ao homem. A dignidade humana é um princípio construído no decorrer da
história e consequentemente visualizado pelo Estado e previsto em Lei. As pessoas não podem
ser usadas como um instrumento, o homem tem dignidade humana.
De acordo com o Dicionário Houaiss, pode-se entender a palavra Dignidade como o
seguinte:

s.f. 1. qualidade moral que infunde respeito,


consciência do próprio valor, honra, autoridade,
nobreza [,,,], 2. qualidade do que é grande, nobre,
elevado 3 modo de alguém proceder ou de se
apresentar que inspira respeito; solenidade,
gravidade, brio, distinção [...] 4 respeito aos
próprios sentimentos, valores, amor-próprio [...] 5
prerrogativa, honraria, título, função ou cargo de
alta graduação [...] 6 Benefício vinculado a cargo
proeminente ou a alto título de um cabido [...].
(HOUAISS, 2004)

Ou seja, a dignidade é qualidade moral que merece respeito. Além da concepção do


sentido da palavra, o princípio da dignidade da pessoa humana é um dos alicerces da nossa
atual Constituição Federativa do Brasil, visto que, todos os outros princípios se baseiam nele.
A dignidade constitui um valor universal que embora haja as diferenças físicas,
psicológicas, étnicas, todas são possuidoras de dignidade, pois, apresentam as mesmas
necessidades.
Disse o Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes sobre a
concepção da dignidade tendo como base alguns artigos da Constituição Federal,

6
A dignidade é um valor espiritual e moral
inerente à pessoa, que se manifesta singularmente
na autodeterminação consciente e responsável da
própria vida e que traz consigo a pretensão ao
respeito das demais pessoas. (MORAES, 2011, p.
60)

Também temos como auxiliar para essa compreensão da dignidade o professor Ingo
Wolfgang Sarlet, que além de magistrado é também jurista, e quem num de seus livros ajuda a
interpretar a Constituição Brasileira sobre que se trata a dignidade da pessoa humana:

Entretanto,[...] A dignidade da pessoa humana é


uma qualidade intrínseca, inseparável de todo e
qualquer ser humano, é característica que o
define como todo. Concepção de que em razão,
tão somente, de sua condição humana e
independentemente de qualquer outra
particularidade, o ser humano é titular de direitos
que devem ser respeitados pelo Estado e por seus
semelhantes. (SARLET, 2011, p. 22 )

A dignidade é composta por um conjunto de direitos existenciais compartilhados por


todos os homens em igual proporção. Partindo disso, contesta-se toda e qualquer ideia de que a
dignidade humana encontra seu fundamento na autonomia da vontade. A posse desses direitos
existenciais independe até da capacidade da pessoa de se relacionar, expressar, comunicar,
criar, sentir. Ela dispensa a autoconsciência ou a compreensão da própria existência, porque
um homem continua sendo homem mesmo quando possui alguma atenção especial. Sarlet
observa que “mesmo aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la
(sua dignidade) considerada e respeitada” e ainda diz que somos dotados da capacidade da
dignidade por sermos humanos:

[...] Um indivíduo só pelo fato de integrar o


gênero humano, já é detentor de dignidade. Esta é
a qualidade ou atributo inerente a todos os
homens decorrente da própria condição humana,
que o torna credor de igual consideração e
respeito por parte dos seus semelhantes.
(SARLET, 2006, p. 60 )

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Já para nos ajudar na ideia do conceito da filosofia, Kant foi o primeiro a reconhecer
que ao homem não se pode atribuir valor ou um preço, devendo ser considerado como um fim
em si mesmo e em função da sua autonomia enquanto ser racional, e que foi interpretada sua
visão e estudos por Barroso em seu livro:

[...] A dignidade na visão kantiana tem por


fundamento a autonomia. Em um mundo no qual
todos pautem a sua conduta pelo imperativo
categórico – no “reino dos afins”, como escreveu
-, tudo tem um preço ou dignidade. As coisas que
têm preço podem ser substituídas por outras
equivalentes. Mas quando uma coisa esta acima
de todo o preço, e não pode ser substituída por
outra equivalente, ela tem dignidade. Tal é a
situação singular da pessoa humana. Portanto, as
coisas têm preço, mas as pessoas têm dignidade.
(BARROSO, 2010, p. 41 ).

Kant conclui o princípio fundamental da Dignidade Humana através dos conceitos por
ele mesmo criados. O homem age de tal maneira para que possa usar a sua própria
humanidade, tanto na sua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre como fim e nunca
simplesmente como meio. Ou seja, ele considera que o fim disso é o reconhecimento da sua
humanidade. O homem não é uma coisa, não é um objeto que pode ser utilizado de forma
simples, mas, deve ser considerado sempre e em todas as suas ações como uma pessoa que
possui dignidade.
Mas não somente o ser humano possui e tem direito de se ter uma vida digna de
respeito e de compreensão de que, na sua singularidade, tem dignidade humana. Há também os
seres que, segundo filósofos e estudiosos, merecem nossa atenção e cuidado, que iremos ver à
frente.

1.2 - Dignidade Dos Seres Vivos

Depois da metade do século XX toda a população passou a se questionar sobre as


atividades humanas no Planeta Terra. Os avanços tecnológicos e industriais após a Segunda
Guerra Mundial e o padrão de consumo da sociedade passaram a ser vistos com um olhar mais
atencioso, como que se algo estivesse errado. O homem então tomou consciência de que as
suas ações não eram mais inofensivas mediante sua presença humana no planeta ao que se

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refere ao cuidado com a natureza e o meio ambiente, ao ponto de suas ações serem
confundidas com a dos outros animais.
Com isso, o homem percebeu que nessa trajetória vivida ele estava perdendo-se em
relação a si mesmo, pois havia esquecido a sua identidade diante de algumas das ações
selvagens e agressivas vivenciadas. O mundo vivia uma mudança climática que o ser humano
mesmo provocava.
A camada de ozônio que por muito tempo preocupa o ser humano após este momento
perdeu espaço nos interesses midiáticos e sociais. A mesma coisa acontece com o aquecimento
global que preocupa e junto com acontecimentos denominados “fenômenos da natureza” como
tornados e furacões que em certos países era então inexistentes e impensáveis de se ocorrer
como o Brasil mesmo, o desmatamento das florestas e matas, a poluição constante nos rios,
lagos e mares, o lançamento descontrolado de resíduos das empresas na natureza, a ameaça de
ataques e massacres nucleares, o esgotamento ambiental na área urbana, as alterações dadas na
genética causadas pelos agrotóxicos e manipulação de medicamentos, a extinção de algumas
espécies nativas e raras, tanto de animais como de plantas, entre tantas outras tragédias que
vem acontecendo. Tudo isso nos faz refletir e ter uma consciência mais ético-ambiental sobre
as nossas responsabilidades e deveres perante este planeta tão rico que habitamos.
Se for ainda possível, deve-se buscar a recuperação dos recursos naturais perdidos até
agora e a mais do que evidente necessidade de preservação das condições naturais ainda
presentes na Terra pelas mãos e pela conduta do ser humano. Do contrário, nossa exploração
gananciosa poderá nos conduzir ao suicídio inevitável. Trata-se de uma questão de
comportamento, adquirir e usar cultura, ter consciência da necessidade de uma “ética da
sobrevivência”, onde o antropocentrismo dá lugar à compreensão de que a natureza precede ao
próprio homem e essa merece um cuidado especial.
A compreensão da crise ambiental que parte do comportamento humano não tem a
intenção de um retorno da sociedade ao Estado Natural, mas sim a consciência de que a
preservação das condições naturais do planeta é primordial para a continuidade da vida em
todas as suas formas e, como consequência, mas sem privilégios, da vida humana. A utilização
desenfreada de recursos naturais, o descarte de materiais de difícil degradação, o
descompromisso das grandes potências mundiais com a poluição atmosférica, a
desconsideração da espécie humana para com as demais formas de vida existentes no planeta,
tanto do ponto de vista da essencialidade dessas outras vidas à nossa, como pela importância
delas por si só, são casos de se preocupar.
A Constituição Federal Brasileira de 1988 acompanha essa perspectiva ao reconhecer
na natureza uma nova espécie de direito fundamental, como consta no capítulo 6, art. 225:

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Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida,
impondo-se ao Poder Público e à coletividade o
dever de defendê-lo e preservá-lo para as
presentes e futuras gerações (BRASIL, 1988, p.
131 ).

As doenças, as catástrofes nucleares e os males já causados pela devastação por meio


das ações humanas ocorrida ao longo dos tempos no planeta colocaram o homem em alerta
como membro de uma sociedade de risco onde possui mais valor o capital, o poder
econômico, a luxúria e o bem-estar passageiros do que a manutenção da vida com o que
realmente é necessário para a sobrevivência.
O arquivo constitucional traz consigo não apenas um novo e indispensável direito
fundamental de cuidado com o meio ambiente, mas também um dever do Estado e da
sociedade em manter um ambiente saudável, sadio e equilibrado seja por intermédio de
cuidados básicos para com o meio ou através de grandes participações populares na luta pela
não-destruição do habitat natural.
Reflexões como essas devem abrir a mente da sociedade para o que acontece ao seu
redor. Ainda que por décadas tenham sido necessárias para o homem perceber o quão
ignorante e ruim já foi com a natureza, quanta injustiça já cometeu com as outras vidas que
com ele compartilham este planeta, resta a esperança de uma nova forma de sentir, ver e agir
com o todo do qual o ser humano faz parte, deixando de lado a visão antropocêntrica que
sempre o guiou até os dias de hoje.
Ao falar da maneira como o ser humano se comporta diante do planeta como
responsável pelas principais mudanças que vêm ocorrendo no meio ambiente, também
fazemos por bem analisar o tratamento digno e igualitário dispensado pelo homem às outras
vidas existentes, em especial às demais espécies animais que possuem sentidos assim como o
ser humano.
O homem foi criado e acostumado ao longo de sua existência a coisificar tudo, como
se tudo o que está ao nosso redor fosse criado para classificar, catalogar e usar de acordo com
nossos interesses. O homem subjugou a natureza e os animais não-humanos, colocando-os
abaixo de si até mesmo na concepção de dignidade de vida. Mas, além da ideia de que esses
outros seres não possuem alma, como defende as religiões, e associado a outro fator essencial
de que esses seres não possuem razão diante de suas escolhas e ações, não encontramos outras
qualidades que diferenciam e nos afastam radicalmente dos outros animais.

1.3 - Direitos Humanos


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Muito se tem usado a expressão dignidade da pessoa humana para defender direitos
humanos fundamentais, mas sem chegar aos seus conceitos. Disso parte a invocação da
expressão em contextos opostos, para justificar seu o direito a uma condição de vida que seja
digna. Diante disso, se faz necessário trazer alguns elementos de reflexão sobre realidades e
classificação na fixação de um conceito de dignidade da pessoa humana que sirva de base à
defesa dos direitos essenciais do ser humano, perante a ideia de deixá-los sem qualquer apoio e
sem garantia do respeito devido.
A ideia de dignidade da pessoa humana está na base do reconhecimento dos direitos
humanos fundamentais. Só é sujeito de direitos a pessoa humana. Os direitos humanos
fundamentais são o mínimo existencial para que possa se desenvolver e se realizar. Há uma
hierarquia natural entre os direitos humanos, de modo que uns são mais existenciais do que
outros. E sua lista vai crescendo à medida que a humanidade vai tomando consciência das
implicações do conceito de dignidade da vida humana. Por isso, ao tratar da questão do direito
natural, mas apenas por adição, mediante o reconhecimento de novos direitos fundamentais.
A dignidade da pessoa humana envolve uma diversidade de valores existentes na
sociedade. Trata-se de um conceito adequadas à realidade e à modernização da sociedade,
devendo estar em garantia com a evolução e as tendências modernas das necessidades do ser
humano, temos por dignidade da pessoa humana a qualidade de cada ser humano que o faz
merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando neste sentido um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a
pessoa tanto contra todo e qualquer ato humilhante e desumano, como venham a lhe garantir
as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua
participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos em sociedade.
Ao longo do século XX a dignidade da pessoa humana se tornou um princípio presente
em diversos documentos constitucionais e tratados internacionais, começando pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos (1948) e se espalhando pelo Pacto Internacional sobre os
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (1976), dentre diversos outros pactos,
tratados, declarações e constituições. Desde o estabelecimento das Nações Unidas, em 1945,
um de seus objetivos fundamentais tem sido promover e encorajar o respeito aos direitos
humanos para todos, conforme exposto na Carta das Nações Unidas:

Considerando que os povos das Nações Unidas


reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos
direitos humanos fundamentais, na dignidade e no
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valor do ser humano e na igualdade de direitos
entre homens e mulheres, e que decidiram
promover o progresso social e melhores condições
de vida em uma liberdade mais ampla, … a
Assembleia Geral proclama a presente
Declaração Universal dos Diretos Humanos como
o ideal comum a ser atingido por todos os povos e
todas as nações. (PREÂMBULO DA
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS
HUMANOS, 1948, p. 20 ).

Com isso, em vários países foi-se difundindo a ideia dos direitos humanos
fundamentais. O conteúdo de cada declaração é bastante semelhante. Em geral, eles dizem que
as pessoas têm a mesma dignidade, que esse é o parâmetro principal da ação estatal e/ou que o
objetivo principal do Estado é promover a dignidade humana, como se vê na Constituição
Brasileira de 1988:

Art. 1º - A República Federativa do Brasil,


formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre
iniciativa;
V - o pluralismo político. (BRASIL, 1988).

Porém, a ideia de dignidade não surgiu no século XX e nem sempre esteve associada
aos direitos humanos fundamentais do ser humano, pois em períodos anteriores, ela se referia
à qualidade de quem possuía certas ocupações e posições públicas. Foi apenas durante a
modernidade que ela passou a se referir a um valor possuído por todas as pessoas. Essa
diferenciação permite separar os sentidos pré-moderno e contemporâneo de compreensão da
dignidade.
A dignidade da pessoa humana é o fundamento de todo o sistema dos direitos
fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências e realizações da dignidade da
pessoa e que com base nesta é que deve aqueles ser interpretados. A dignidade da pessoa
humana, na condição de valor fundamental atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais,
exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as
dimensões. Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhes

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são de direito, em verdade se está negando a própria dignidade.

CAPÍTULO 2

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A compreensão da dignidade humana é um dos conceitos que caracterizam os estudos


dos filósofos no período pós-moderno nos meados do século XX. Para compreender o
conceito da pós-modernidade utilizado neste trabalho, faz-se necessário percorrer um caminho
sobre qual é o conceito de dignidade da vida humana como pressuposto para compreender a
filosofia pós-moderna, suas características marcantes, o mal-estar da sociedade perante a
qualidade de vida e as consequências dessa falta de compreensão.

2.1 - Compreensão filosófica

O estudo do princípio da dignidade da pessoa humana parte inteiramente dos estudos


filosóficos sobre como o ser humano, em sua totalidade, tem evoluído sua forma de pensar, de
agir e de se relacionar em sociedade, que é de onde parte toda a compreensão da condição de
vida e da busca e importância do ser humano em viver sua vida com dignidade.
Por vezes, o pensamento cristão auxilia muito na visão do que é o homem, sobre qual é
a sua origem e qual o fim que proporciona um novo alicerce na construção da dignidade da
vida humana. Olhando o que a filosofia cristã nos apresenta sobre a concepção do ser
humano, o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus e, nesse princípio, isso já
garante a sua dignidade, pois a essência do homem está na sua origem divina e sua dignidade
está acima do mundo material e terreno uma vez que o espírito humano existia antes de todas
as coisas.
Outro fator importante que o cristianismo ajuda no conceito de dignidade da vida
humana está na ideia de igualdade pregada pelos cristãos, pois partindo do princípio de que o
homem é criado à imagem e semelhança de Deus, todo e qualquer ser humano vivente é igual
em sua dignidade.
Jesus Cristo em suas pregações e ensinamentos sempre falava sobre a igualdade
quando tratava todas as pessoas ao seu redor com igual importância e não fazendo distinção. E
ao afirmarmos as duas naturezas de Jesus Cristo, sendo elas a divina e a humana, o
cristianismo confirma a dignidade dos seres humanos, pois possuem uma das naturezas de
Cristo e são criados a sua imagem e semelhança.
Kant, em seus estudos sobre o ser humano e suas ações, auxilia na compreensão da

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dignidade da vida. Ele reflete que o homem ao estar sujeito a desejos, paixões e impulsos por
sua própria natureza, o homem deve ordenar seu comportamento por meio de um dever que é
como ele chama de “imperativo categórico”, e ele assim o descreve: “age apenas segundo uma
máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne uma lei universal”. Ou seja, o
comportamento do ser humano tem que estar de acordo com a ideia do filósofo e, agindo
assim, esse estaria agindo de forma correta em seu convívio com a sociedade.

Admitindo, porém, que haja uma coisa cuja


existência em si mesma tenha um valor absoluto e
que, como fim em si mesmo, passa a ser a base de
leis determinadas, nessa coisa e só nela é que
estará a base de um possível imperativo
categórico, quer dizer de uma lei prática. Ora eu
digo: - O homem e, duma maneira geral, todo o
ser racional, existe como fim em si mesmo, não só
como meio para uso arbitrário desta ou daquela
vontade. Pelo contrário, em todas as suas ações,
tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas
que se dirigem a outros seres racionais, ele tem
sempre de ser considerado simultaneamente como
fim. (KANT, 2007, p. 28 )

Partindo disso, podemos olhar o que diz o filósofo Giovanni Pico Della Mirandola, em
seu livro “Discurso sobre a Dignidade do Homem”, por volta do ano 1500, período que ficou
conhecido como Humanismo e que é caracterizado pelo reconhecimento da compreensão
racional do homem e que traz grande evolução na forma de pensar e de ver o ser humano. O
filósofo Giovanni em seu livro estabelece certa harmonia entre o período em que vivia e a
ideia antropocêntrica, a compreensão de que o homem é o centro do universo.
Porém, o filósofo não descarta a existência do Deus Criador fazendo com que se
desenvolvesse um pensamento que conciliou a imagem divina com a criatura humana. Com
isso, compreendemos pela visão do filósofo que ao homem ser criado, Deus o fez suscetível de
admiração pelos seres que convivem consigo:

Finalmente, pareceu-me ter compreendido por


que razão é o homem o mais feliz de todos os
seres animados e digno, por isso, de toda a
admiração, e qual enfim a condição que lhe coube
em sorte na ordem universal, invejável não só
pelas bestas, mas também pelos astros e até pelos
espíritos supramundanos. (MIRANDOLA, 2001,
p. 55 )

Essa admiração se realiza, pois, segundo o próprio filósofo em seu livro, pois na

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origem da vida humana Deus encheu o ser humano com uma característica que não havia sido
atribuída a nenhuma outra das criaturas. O homem foi constituído com uma natureza de poder
raciocinar e de se impor sobre certas situações e sobre as outras criaturas viventes.
Para Arendt, o homem tem dignidade a partir de seu nascimento humano, e ele
continua a merecer tal reconhecimento e respeito quando participa da vida em sociedade com
suas decisões e ações e vive politicamente correto. Hannah Arendt apresenta que a dignidade
humana exige que o homem seja visto como pessoa particular e deve refletir em si a
humanidade em geral a partir de três atividades essenciais: trabalho, obra e ação. O homem
não deve ser visto como um número a mais na sociedade. Assim ela defende

Entretanto, das três atividades, a ação tem a


relação mais estreita com a condição humana da
natalidade; o novo começo inerente ao
nascimento pode fazer-se sentir no mundo
somente porque o recém-chegado possui a
capacidade de iniciar algo novo, isto é, de agir.
Nesse sentido de iniciativa, a todas as atividades
humanas é inerente um elemento de ação e,
portanto, de natalidade. Além disso, como a ação
é a atividade política por excelência, a natalidade,
e não a mortalidade, pode ser a categoria central
do pensamento político, em contraposição ao
pensamento metafísico. (ARENDT, 1991, p. 10 )

Uma vez que o ser humano é único, sem outro igual no mundo, ele pode ser livre para
tomar decisões, é livre para preservar e dominar a natureza ou a sociedade. O ser humano, para
Arendt, possui igualdade de liberdade, de direitos e de dignidade, pois a sua humanidade é
única. Mas esses fatores incorrem também em tamanha responsabilidade na decisão de seus
atos. A filósofa compreende que os seres humanos são os únicos no mundo capazes de manter
sua dignidade humana e que para isso precisam viver juntos tendo esse objetivo de preservar
sua dignidade humana através do respeito por si e pelos outros.
Diante de tudo isso, conclui-se que o homem é dotado de firme determinação e essa é
uma característica forte da sua espécie, isso faz com que o ser humano se diferencia dos
demais, e isso faz com que o homem seja uma obra prima de toda criação. Mas essa
determinação só atinge sua perfeita condição quando vem acompanhada da razão e o homem
tem o poder da escolha sobre as suas ações. E por vezes a escolha feita pelo homem é sempre
para o seu benefício próprio; e essas têm suas consequências.

2.2 - A Segunda Guerra Mundial

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Em nosso fator histórico, por vezes, o ser humano tem-se privado da concepção de
uma vida digna no âmbito da sociedade, no qual se fecha apenas no seu bem estar individual
realizando com que, através de sua busca e ganância em adquirir o poder e a submissão através
de seu status perante a sociedade, este fez com que a sociedade se encontrasse numa profunda
falta de interesse pela dignidade de sua própria existência, tratando sua vida como se não
houvesse um valor.
Na história da sociedade pós-moderna, vivemos não muito distante a Segunda Grande
Guerra, onde o ser humano buscava e tinha esse ideal ganancioso pelo poder. Este desejo
levou-o a ações inconcebíveis ética e moralmente, que prejudicaram ainda mais o ser humano
na busca de seu bem mais precioso: o bem estar social e a condição de vida digna.
Todos os horrores praticados pelos nazistas ou políticos relacionados à Segunda Guerra
Mundial causaram na sociedade muitas lições que não são facilmente esquecidas. Qualquer
filme, livro ou relatos que vemos causa em nós certa tristeza e culpa pelo acontecido, como se
até hoje o homem se culpasse por tantas vítimas causadas pelo próprio ser humano. Como uma
visão mais próxima de todo esse cenário drástico que a sociedade viveu, temos o relato da
menina Anne Frank, que junto de seus familiares, se escondeu dos nazistas para evitar
sofrimentos como a perseguição, a prisão nos campos de concentração e até mesmo a morte,
que é o que depois acabou acontecendo ao serem capturados em sua casa e foram levados aos
campos de concentração onde morreram.
Ao se encerrar esse período, o pós-guerra, muito se buscou uma forma de amparar as
necessidades do homem que estava desprovido de benefícios para se obter uma condição de
vida estável devido ao tamanho sofrimento vivido. Foi nesse princípio de cuidado com o ser
humano e de trazer sua dignidade e condição de vida digna que a forma encontrada para se
obter isso foi através dos direitos humanos, e esses estariam garantidos através desse princípio.
Então, o passo foi dado através da proposta pela Declaração Universal dos Direitos Humanos
no ano de 1948, como está escrito inicialmente no preâmbulo

Considerando que o reconhecimento da dignidade


inerente a todos os membros da família humana e
de seus direitos iguais e inalienáveis é o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no
mundo. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS, 1948, p. 20)

Mas mesmo assim, obtendo uma compreensão mais ampla do que é a dignidade
humana e de que era preciso assegurar o homem de que ele tem dignidade, ainda assim na
história da humanidade se vê muitas violações a esse valor de condição de vida do homem. O
homem por si só causa horrores sobre a humanidade. Todo o cenário vivido na Segunda

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Guerra, praticado contra os judeus e tantas outras pessoas, por suas raças ou crenças
contrárias, são inaceitáveis. Os nazistas tratavam os judeus como se fossem objetos. Foram
capazes de humilhar, perseguir e maltratar esses seres humanos retirando deles tudo o que
possuíam, até mesmo a sua dignidade e liberdade de escolha, até que não sobrando mais nada,
reiteraram também sua própria vida.
Diante disso podemos observar que que o nazismo com todas as suas decisões, seus
atos de crueldade e usando a fraqueza do povo a seu favor, com o auxílio político que tinham,
este criou suas próprias leis injustas para que seus ideais fossem valorizados e assim podiam
violar o espaço de dignidade dos judeus e de qualquer ser humano.
Porém, quando se compreende a política como um instrumento para a construção do
bem para a reconstrução da sociedade de forma correta, nada pode justificar ainda os atos de
maldade, como por exemplo, o desprezo, a corrupção e a omissão, ações feitas por debaixo da
simplicidade e alienação da sociedade. A busca pela democracia, a qual buscava favorecer a
dignidade humana, custou a ser valorizada pela falta de esperança dos que foram submetidos à
violência e viveram aquela realidade como o novo “normal” dali em diante. A influência da
era digital no convívio em sociedade no período pós-moderno, logo de princípio.

2.3 - A era digital

A era digital corresponde ao período histórico em que a vida social, as relações de


trabalho e boa parte das interações entre os seres humanos passam a ser determinadas por meio
de algoritmos e operações digitais. Diante dessa tecnologia avançada, da inteligência artificial
e da facilidade de acesso à informações e a aceleração da vida, entramos então numa nova era,
uma era de constante evolução digital.
A influência da era digital no convívio em sociedade no período pós-moderno, logo de
princípio, se apresentava ser uma proposta única e brilhante como forma de contribuir
positivamente nas relações sociais na vida das pessoas e na sua acessibilidade em questão de
informações. Mas além disso a era digital contribui consequentemente para com a
transformação da sociedade por sua inovação que, com efeito, diminui as diferenças entre as
diversas realidades sociais e com esse avanço tecnológico seria definido a nova inclusão
digital.
Tendo isso em mente, observa-se que com esse avanço tecnológico e inclusão digital
em nossa sociedade, muitos foram os fatores que estão cada vez mais presentes no cotidiano
da sociedade pós-moderna, nos influenciando a fazer uso delas e que constituem essa nova
realidade, como por exemplo: a tecnologia da informação, nos submete ao acesso quase que a

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todo instante a pesquisar e conseguir respostas facilmente; a nanobiotecnologia, que facilita a
alteração e o desenvolvimento de pesquisas de materiais e componentes; a tecnologia genética,
que possui acesso fácil à composição genética para composição de novos organismos; a
tecnociência, que é a instrumentalização do conhecimento científico na produção de celulares,
computadores, etc; a cloud computing, o acesso da memória na nuvem; a microtecnologia, o
acesso à pequenos aparelhos que facilitam sua utilização; a inteligência artificial, que é como a
inteligência humana, porém, contida em sistemas de software.
Tudo isso explicitado anteriormente nos mostra o quanto estamos diante de um
hiper-aperfeiçoamento desse conhecimento técnico, dessas tecnologias e da ciência. Esses
fatores presentes em nossa vida não são compreendidos apenas como aspectos isolados do
mundo pós-moderno, mas são compreendidos como um conjunto de fatores que constituem
uma nova situação e dinâmica de vida, uma nova etapa de adaptação e aceitação às novas
tecnologias e o novo processo de modernização, que é a chamada “era digital”.
Mas diante de tantas mudanças e facilidades relacionadas a essa nova era, muitas são
também as dificuldades e os desafios impostos e gerados em nossa sociedade. Os reflexos
negativos dessa nova era estão nos mais diferentes meios de relações humanas, pois o uso
abusivo e desregrado dessa novidade tecnológica, trouxeram grande consequências para a
sociedade. A comunicação nunca foi tão intensa, única e rápida como nos dias atuais. O
homem nunca pode estar em comunicação com o outro que está do outro lado do planeta, a
não ser por esses meios de comunicação tecnológicos. Mas isto fez com que, ao mesmo tempo
que o homem se conectava com o mundo, ele se desconectasse consigo e com o mundo a sua
volta. Os relacionamentos se tornaram líquidos, frágeis e inseguros, onde até os princípios
mais firmes da sociedade, como por exemplo a família, foram colocados de lado.
Um dos questionamentos explícitos diante dessa problemática, é o de Bauman, que
sabiamente afirmou em seu livro :

A sociedade que entra no século XXI não é menos


“moderna” que a que entrou no século XX; o
máximo que se pode dizer é que ela é moderna de
um modo diferente. O que a faz tão moderna como
era mais ou menos há um século é o que distingue
a modernidade de todas as outras formas
históricas do convívio humano; a compulsiva e
obsessiva, contínua, irrefreável e sempre
incompleta modernização; a opressiva e
inerradicável, insaciável sede de destruição
criativa. (BAUMAN, 2001, p. 36 )

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CAPÍTULO 3

A DIGNIDADE NA PÓS-MODERNIDADE

3.1 - Ameaças à dignidade

O cenário da atual sociedade nos mostra a crise da dignidade da pessoa humana e da


vida em sua forma mais avançada. Este é um tempo complexo, com diversos problemas
éticos, ambientais e existenciais, surgidos com o avanço e na linha dos dois últimos séculos.
Nossa sociedade é marcada pela inconstância. O crescimento do capitalismo fez com
que essa valorização do trabalho deixasse de ser importante, importando apenas o lucro, o
capital das empresas, pois o trabalhador é um gasto, mesmo que sua força de trabalho seja
grande. Dada também a crise da alta do petróleo em 1973, a política do bem-estar social entra
em colapso e começa-se a pensar na proposta neoliberal de governo que tem como princípios
básicos a absoluta liberdade de mercado, a pouca intervenção do governo no mercado de
trabalho, a política da privatização das empresas estatais, a abertura da economia para entrada
de empresas multinacionais quando se devia ter controle de preços nos produtos e serviços, e a
defesa dos princípios econômicos do capitalismo.
A crise econômica financeira no ano de 2008 caiu como pedra sobre as intervenções
neoliberais, pois vários países tiveram que agir em favor da economia, ao ponto de comprar
bancos privados com dinheiro público. Até o país mais bem organizado e espelho para o
mundo, EUA, precisou se reformular para conseguir sobreviver e pediu auxílio, e, mesmo que
os efeitos dessa crise tenham demorado para ser sentidos no Brasil, houve uma grande
desaceleração da economia nacional. Depois, em 2014, tornou-se a acontecer uma segunda
grande crise econômica no Brasil, que não colaborou em nada, ao contrário, piorou a situação
do país nos anos seguintes que ainda vivia reflexos dessa crise, até que, sem esperar, no ano de
2020, o Brasil e todo o mundo vivesse uma grande crise causada pela pandemia do
COVID-19, quando o país contou com 150 mil de desempregados, centenas de empresas e
negócios fechando suas portas devido a impossibilidade de trabalho e milhares de vidas
ceifadas devido ao mal cuidado e intenção da parte política e governamental.
As consequências de tudo isso sobre a sociedade são o grande número de pessoas
desempregadas que não podem saldar suas dívidas e por isso perderam casas, carros e etc. A

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dignidade da pessoa humana nesses períodos chegou a níveis alarmantes. Citamos mesmo
como exemplo a recente pandemia que até o direito de, no fim do processo de vida na terra, se
obter um digno último momento entre a passagem da vida e da morte foi retirado, fazendo
com que as pessoas se tornassem meros números do que seres humanos.
Assim como essa degradação do reconhecimento da dignidade humana, a desigualdade
social foi um fator muito presente em todos esses momentos de crise. As nações nunca tiveram
foco em matar a fome de bilhões de seres humanos, pouco se importa e por isso não há um
crescimento moral e ético no nível do crescimento econômico e científico. A ganância tomada
pelo uso indiscriminado dos recursos naturais e a destruição da natureza, fruto do desejo
insaciável pelo lucro, provocam no planeta inúmeros problemas climáticos, onde as
consequências são desastrosas para o futuro do planeta.
Aos mais necessitados são negados os direitos básicos de justiça, dignidade e
solidariedade, pois o sistema governamental proporciona desemprego, baixos salários,
aumento das diferenças sociais e dependência do capital internacional. Nesse mundo
globalizado e de barreiras abertas, os ricos viajam sem qualquer problema, porém, os pobres,
são recebidos pela imigração como ameaças ao país e logo são enviados de volta aos seus
países de origem. Essa desigualdade social provocou uma grande diferenciação entre os ricos e
os pobres, onde a única coisa que faz o rico pensar na figura do pobre é o medo de por ele ser
assaltado.
As casas dos ricos tornaram verdadeiras fortalezas para defesa de sua riqueza. O
aumento dos condomínios fechados, de segurança em lugares públicos, de bolsões de
segurança pelos bairros aumentou, enquanto em lugares de extrema necessidade a segurança
pública é baixa e falha. Essa variação de desigualdades sociais é gigantesca, afetando também
a educação, a moradia, o transporte, ou no pensamento e força de vontade daqueles que
buscam viver uma sociedade melhor. Sem falar o vitimismo apoiado pela grande massa, onde
as pessoas se deixam perder na questão de condição humana, onde já não se existe mais o
conceito de ser humano, mas sim, a valorização de um termo que o define diante de suas
qualidades. Essa cultura gerada na sociedade se mostra muito incapaz de crescer na
solidariedade, na paz e na dignidade, valores humanos que são básicos para uma condição de
vida melhor.

3.2 - A sociedade pós-moderna

A pós-modernidade é por muitas vezes associada à perda dos grandes ideais que antes
valiam para a sociedade: os valores, Deus, a razão, o sentido, a sua totalidade, a ciência, o
sujeito, família, entre outros, abalando a vida do ser humano. A pessoa não sabe mais o que é

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certo ou errado, o que pode ou não pode fazer, trazendo consigo uma falsa credibilidade no
sentido para sua existência na terra. Se associa à uma cultura que abala e deixa os indivíduos
constantemente inseguros em relação ao futuro. Deixa o ser humano um tanto mais com uma
visão negativa sobre as coisas e os momentos.
A tecnologia invade suas vidas com mil serviços, não oferecendo qualquer valor moral
e o indivíduo acaba interiorizando essa invasão de novidades oferecidas e passa a entender e
utilizar isso no seu dia-dia. Busca o prazer imediato, individual, como única e possível forma
de vida moral, e isso afirma o Papa Francisco em sua encíclica, onde ele mesmo diz

A verdade é que ‘o homem moderno não foi


educado para o reto uso do poder’, porque o
imenso crescimento tecnológico não foi
acompanhado por um desenvolvimento do ser
humano quanto à responsabilidade, aos valores, à
consciência. […] O ser humano não é plenamente
autônomo. A sua liberdade adoece quando se
entrega às forças cegas do inconsciente, das
necessidades imediatas, do egoísmo e da violência
brutal. Nesse sentido, ele está nu e exposto diante
de seu próprio poder que continua a crescer, sem
ter os instrumentos para o controlar. Talvez
disponha de mecanismos superficiais , mas
podemos afirmar que carece de uma ética sólida,
uma cultura e uma espiritualidade que lhe
ponham realmente um limite e o contenham dentro
d e um lúcido domínio de si. (FRANCISCO, 2015)

A questão da pressão psicológica no cotidiano pós-moderno também se está muito


presente nessa nova sociedade. Cada vez mais, o indivíduo torna-se dividido, vivendo sob total
estresse psicológico. Forma-se, por isso, vários inimigos uns dos outros por viverem
diariamente na competição em tudo que o envolve, tornando-se uma verdadeira agonia. Essa
competição ocorre pelo melhor cargo na empresa, pelo melhor carro, pela beleza física, por
estar na moda, dentre outras. Isso é um jogo de poder presente nas relações atuais, fazendo de
alguns opressores e de outros oprimidos que vivem em uma ação própria daqueles que usam o
poder para subjugar seres humanos.
Com isso o indivíduo se vê diante de explosões de ódio, de vingança, envolvendo-se
em luta quase constante em busca de uma definição para sua existência. Acaba fazendo um
emaranhado de idéias, distorcendo seu pensamento e envolvendo-se em crenças religiosas,
raças e principalmente ideologia com intuito de transferir aos outros o seu ódio, a sua
incompreensão. A busca dessas conquistas leva o indivíduo a um estado de perda de
sensibilidade, de capacidade de percepção da vida num todo, do homem como ser sensitivo,

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afetivo e emocional.
O escritor Santos se refere ao ser humano em seu livro como um ser psicológico pela
necessidade de terapia psicológica em várias abordagens oferecidas para o indivíduo na
questão emocional. Ele afirma em seu livro,

O sujeito, sem progredir uma identidade única,


harmoniosa, vive a vida justapondo lado a lado
suas vivências. [...] vivências pequenas,
fragmentadas, porque não se crê mais em
totalidades, valores.[...] Assim posto, enfim, o
pós-modernismo continua a flutuar no indivisível.
Não há como dividir. Fim do moderno e começo
do pós-moderno.[...]. (SANTOS, 2000, p. 111)

A concepção de sujeito pós-moderno está voltado para a realização de seus prazeres,


desejos a qualquer preço; aquele que se acha capaz de competir e vencer, não importando
como fará para conseguir seu objetivo. Vive num mundo competitivo, que acaba deformando a
realidade, e inverte os valores, ou seja, o indivíduo valoriza as pessoas pelo que possuem e não
pelo que elas são. Então tem informações, mas pouco conhecimento e liberdade de
pensamento.
Com esse modo de vida, diante de tantas informações, o sujeito acaba tendo uma vida
sem projetos, sem ideais, a não ser que em muitas situações, termine construindo a própria
imagem e buscando a satisfação no aqui e agora, apoiando-se nos objetos que possui, na
matéria é, no momento em que vive.

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CONCLUSÃO

A reflexão sobre o tema dignidade da pessoa humana se faz necessário elencar algumas
das conclusões que podem ser entendidas no estudo realizado.
O capítulo 1 nos trouxe uma ideia do que é a dignidade, primeiramente da vida, como
surgiu esse conceito de se priorizar a dignidade da vida dos seres viventes, como que na
trajetória da sociedade foi-se criando uma concepção de que os seres que possuem vida
merecem a tê-la com dignidade, e partindo dessa ideia, apresentamos como foi que os Direitos
Humanos ajudou a humanidade a conquistar isso de forma concreta.
Já no capítulo 2 tratamos de maneira mais específica como que essa dignidade do ser
humano, durante a contínua vivência em sociedade, foi-se degradando em alguns momentos, e
como que alguns dos acontecimentos recentes e nem tampouco desnecessários contribuíram
para essa degradação. Mas ainda, por uma visão antropológica, pudemos ver que, de alguma
forma, estes fatos auxiliaram na representação e no engajamento das pessoas como forma
ainda maior de superação e de adequação a seu favor daquilo que essas eras vividas ofereciam.
Assim, o capítulo 3 demonstrou que o princípio da dignidade da pessoa humana tem
sido pouco valorizado diante da sociedade pós-moderna. Essa sociedade tem-se deixando
conduzir por suas ações e pelas influências negativas que as circundam, e isso tem feito com
que, de acordo com o mau uso e o mal aproveitamento das situações que lhes cercam, a visão
de uma sociedade justa, fraterna e, acima de tudo, digna, venha a se concretizar tão cedo.
O que nos fica é a pergunta: como o homem pode mudar? Como pode o homem
conquistar uma vida digna? Ou, até mesmo, quando será que o homem perceberá que a sua
condição de ser humano está sendo brutalmente degradada e assim, diante de tantas
perspectivas, de tantos caminhos percorridos e tantas ideias passadas, irá lutar pela sua
dignidade de vida? Uma das ideias que proponho é primeiro, compreendendo o que é a
dignidade da pessoa humana, auxiliar o ser humano a olhar para si mesmo e reconhecer-se
merecedor de uma condição de vida digna e assim investir na importância dos valores que este
possui formar não apenas pessoas compreensivas do que é a vida humana, mas também
pessoas conscientes de sua responsabilidade para com o próximo e com a sociedade que
habitamos. Que valorize acima de tudo, o outro, que também merece ser compreendido como
possuidor da essência humana e merecedor de toda a dignidade que lhe compete. Sem isso,
sem essa fraternidade, sem essa igualdade, não há sociedade que promova cidadãos e gere a
eles a dignidade humana verdadeira.

23
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Universitária, 2000;

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