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NOTAS
Suely Rolnik
PARA UMA VIDA NÃO CAFETINADA Suely Rolnik
O Suely Rolnik, 2018
ESFERAS DA
> n-1 edições, 2018
ISBN 978-85-66943-59-7
como quem assiste à germinação de um ser vivo. O pensa- — : neoliberais e conservadoras tem a ver com o fato de ambas
mento de Suely, como sua própria prática analítica, tem a =| compartilharem uma mesma moral e um mesmo modelo de*-
qualidade de estar sempre em movimento. O que os leitores À identificação subjetiva: o inconsciente colonial-capitalístico.
têm agora em suas mãos é uma foto da tarefa crítica de Suely Daí que os alvos da nova “perseguição neoliberal às bruxas”
tirada em um momento preciso. Trata-se de um trabalho j sejam os coletivos feministas, homossexuais, transexuais,
aberto, de um arquivo em beta, em constante modificação. indígenas ou negros, que encarnam no imaginário conserva-
O livro, extremamente rico e cuja leitura levará a múltiplas dor a possibilidade de uma autêntica transformação micro-
intervenções críticas e clínicas, poderia ser lido tanto como | política. Se desenha aqui a paisagem que Guatrari e Deleuze
umdiagnóstico micropolítico da atual mutação neoconser- haviam conjecturado como uma terrível e insólita encarnação
) ta financeiro neoliberal quanto
do regime
vadorae nacionalis : dol“fascismo democrático”. Essa é a condição na qual nos
como uma hipótese acerca da derrota da esquerda, no con- — encontramos e na qual temos que imaginar coletivamente
texto não só latino-americano, mas também global. Mas esse novas formas de resistir.
réquiem por uma esquerda macropolítica é acompanhado em ] Suely Rolnik descreve os processos de opressão colonial e
Suely pelo desenho de uma nova esquerda radical: Esferas da | capitalística como(processos de captura da força vital/uma
Insurreição é uma cartografia das práticas micropolíticas de como
captura que reduz a subjetividade a sua experiência
um
: desestabilização das formas dominantes de subjetivação) Í sujeito, neutralizando a complexidade dos efeitos das forças |
| diagrama da esquerda por vir. | do mundo no corpo em benefício da criação de um indivíduo ><
A análise da condição neoliberal que Suely Rolnik leva a | com uma identidade. Esse processo de subjetivação funciona
cabo em dois dos três textos reunidos nesta antologia aparece por repetição e pelo cerceamento das possibilidades de cria-.
como o complemento micropolítico necessárioàs análises São, impedindo a emergência de “mundos virtuais”. O sujeito
macropolíticas que vêm sendo feitas, a partir de distintas colonial moderno é um zumbi que utiliza a maior parte de
perspectivas, por Giorgio Agamben, Naomi Klein, Antonio Sua energia pulsional para produzir sua identidade norma"
Negri, Michel Feher ou Franco Bifo Berardi. Partindo da tiva: angústia, violência, dissociação, opacidade, repetição...
14 ESFERAS DA INSURREIÇÃO
SS
”,
a de “saber-do-corpo
Rolnik, pertence ao dispositivo colonial-capitalístico: nasceu Ivimento do que cham te das
ão rentemen
vivente. DifeDo
ão o dedare condiç
eo d e , saà con dicçiçã
historicamente como uma narrativa e uma técnica que legi- o sab er de nos g Dê eo
eit as de fel ici dad es instantâneas e do fee
timava e naturalizava os modos dominantes de subjetivação. Tec ropolítica é “sustents
:
A psicologia do eu é nada mais e nada menos que a ciência ibilidade de resistência mic rod u |
jetivação a int
do inconsciente colonial-capitalístico, e suas práticas, apa- cs » que gera nos processos de sub
uma mudança. E SS
rentemente terapêuticas, não são senão sofisticados dispo- Oo, diferença, uma ruptura, !
' ais rupturas supõem: resist
sitivos micropolíticos reativos. No Brasil, fica evidente que — ita lís tic a
Subjetividade colonial-cap
é a própria tradição psicológica, surgida no centro dos impé- e e sda nte
interpreta O mal-esta! a
rios coloniais e patriarcais europeus, que, estando atraves- cida ao sujeito, |
ega ção e o tra nsf orm a em angústia, em To
sada desde suas origens por estruturas de opressão colonial E. desagr e eeenrado
de acordo com um .
e sexual, necessita de um duplo processo de descolonizaçãoe deve ser diagnosticado ruso
medicamento e, fina DO
de despatriarcalização. Para Rolnik, essa dimensão normativa mentais, tratado com Saio
ma. Para Suely, es
nor
da psicologia afeta inclusive a própria psicanálise, que, apesar em favor da reprodução da dos racao
mal -es tar em ang úst ia e = A
de ter surgido como uma contraciência que, diferentemente do se —
o da comp!exie
da psicologia, reconecta a subjetividade com os efeitos das reitera e naturaliza a reduçã i
celando ainda mais
forças do mundo no corpo e a leva à reapropriação da lin- ietivação ao “sujeito”, can
eransfiguraõoM “" =
guagem desde esses afetos, opera, com raras e belas exce- — Dossibilidades de “criação
o — —
ções, como uma prática micropolítica reativa. Uma prática lução esquizoanalítica que |
tiv a do mal -es tar par a permitir
que, como nos mostram Deleuze e Guattari, contribui com a ria s.
buscam amenos am &« N
expropriação da produtividade do inconsciente para subme- Taundos. Estes textos não : sã
erminação, a c
tê-lo ao teatro dos fantasmas edípicos. Por isso, para Rolnik, tar a exclusão, o exílio, a ext e, mas,
numa esquerda ready mad
descolonizar a psicanálise passa pela ativação da força micro- :al, ou nos devolver a fé d
ender a natureza e
política que a habitava em sua fundação, pela mobilização de .. eemendera nos fazer ent e:
nos ajudar a entrar n E as ent
sua potência clandestina. do mal-estar que nos habita:
poder imaginar estratég,
e permanecer ali juntos, para
A prática de Suely Rolnik se destaca diante das psicologias ão. Luilleva de sua pas-
do sujeito e da identidade. Trata-se aqui da construção de tivas de fuga e de transfiguraç
Suely Rolni PANA
um relato autocrítico, reflexivo, capaz de tornar visíveis as A segunda aprendizagem que oulho
retorno para o o
sagem por La Borde e de seu
relações de poder colonial e sexual que permitiram o estabe- como um lugar de rabaão
lecimento da psicanálise como “ciência do inconsciente” e ção da cena da criação artística
ta aqui, em se
micropolítico e clínico. Não se tra
prática clínica. Frente a elas, Suely aposta numa prática ana- , do que poderíamos aonom
lítica que funcione como uma política de subjetivação dissi- “arte terapia”, mas, ao contrário tica Clin)
er que a prá
nar de “terapia arte”, de entend
dente, permitindo a reapropriação da potência vital de criação
ESFERAS DA INSURREIÇÃO
(«“ HÁ
termos mlI :
| icro-
t tar com os
entara á apon
is Foucault
ser feita como uma prática artística, ou seja, de forma sem- de Pp sen t ido, a
que . ' Nesse
mais
ai r rde,
ta “piopoder”
” e,
pre experimental, apelando à transformação da sensibilidade | ica do " odder c
fís
ítica re resenta uma
s ver-
& Pp
e da representação, inventando em cada caso os protocolos micropo
porta que seja| em
sua
o
noção de
ic io na l (p ou co :
im
necessários que permitem renomear, sentir e perceber o squerda trad o cons! i
ã sta
sta , leninista, trotskista ou socialista)
mundo. Sua colaboração com artistas (especialmente com a A e inarsd como O momen
líticas de produção
artista brasileira Lygia Clark e com os artistas colombianos -modificação das po : ; ; íticas de
social, deixando as políticas É
do Mapa Teatro) e com aqueles que produzem pensamento Eprio ritário da transformação no. Daí í o ro mp imen a
oto
em segundo pla
e ação micropolíticos no interior do sistema de arte ou no produção da vida homossexuais, anticoto
mo vi me nt os feministas, eestões:
Para a esquerda, as qu
âmbito da luta dos indígenas na América Latina (como o bra- o.
“entre OS
qu er da tra ion
ici
dic al.
sileiro Ailton Krenak e o paraguaio Ticio Escobar) constitui ais e a es ansexualidade, do euso
, da ho mo ss exualidade,: da tran:
não só instâncias de reinvenção da psicanálise, mas também feminist
É as alizadas de poder, .
das relações raci
do que entendemos por arte, teatro e política. Dissolve-se de drogas, e também à questoÕes se cundá-
díígegena, são
to s pe la so be ra niaa in
ind
: confliit
dos classe s. Suel Yy
aqui a oposição clássica entre teoria e prática, poéticae polí-
fre nte à ve rd ad ei ra , honrosa e viririil luta de
tica, representação e ação. Esse movimento não deve ser lido rias que não há possibilid
ade
ação e afirma
Rolnik inverte essa rel sem o a modi- ? |.
como um gesto de expansão dos territórios clínicos, mas
tr an sf or ma çã o das estruturas de gover no p—
inconsciente acontece. ào de mi cr op
a ain i da maisi à noçã
política que não con- jetividade. Ela radicaliz stê êmico
epiist
Todo processo de transformação
et en do -a pri mei ro a um aprofundamento
temple a descolonização do inconsciente está, adverte-nos subm tato com estaàs nãofor-
es âmbi tos ' em cono
que surge ao colocar ess e corp:
tt
Suely, condenadoà repetição (inclusive quando há desloca- que família, sexual1da! e
ças do inconsciente. Daí anato ômiceas,
mento) das formas de opressão. Suely continua aqui a tarefa
si mp le sm en te ins tituições ou rea lidades A
de Guattari de cartografar uma multidão de revoluções mole- sej am
s fei tas de afe tos e pe rceptos
idinai
mas autênticas tramas lib rica
culares que se produzem no nível da economia do desejo. Um
pa m ao âmb ito da con sciência individual.
que esca cropo
dos pontos fortes destes ensaios é que não devemos esperar a crítica descolonial ma
Do mesmo modo que raiis, Rolniki alerta -nos
a chegada messiânica “da revolução”, mas implicar-nos cons- recursos nat atu
ura
fala do extrativismo de e J&
, tantemente numa multiplicidade heterogênea de processos eral dos rece ursosspedo
para o extrativiivi smo co lonial e neo lib iso
— micropolíticos revolucionários. “Micropolítica” E O nome que e - a pulsão vital, a ee o -
inconsciente e da subjetividad
—Guattari deu, nos anos 60, àqueles âmbitos que, por serem afeto... Inspirada pelas pol!
o desejo, a imaginação, O m ” esse dispo- ,
considerados relativos à “vida privada” no modo de subjeti- , Sue ly de no mina
ina geem
“ cafetiinnaag
trabal ho sex ual
cap!”italismo :
vação dominante, ficaram excluídos da ação reflexiva e mili-
sitivo de extração da pulsão ão vitvi al que16 opera no
tante nas políticas da esquerda tradicional: a sexualidade, a seguindo Freud, ch ama de |
família, os afetos, o cuidado, o corpo, o íntimo. Tudo isso
colonial capturando o que ela,
E.
trabalho e da acumulação de capital, ela segue ignorando os obscuras
camadas mais : É :
processos de captura da “potentia gaudendi”. No entanto, o ue mais no :
guiai r nos lugares q coletiva. Suely Yy
capitalismo mundial integrado, havendo já devastado quase uir um horizonte de vida
co m o que constr
vagem, uma freudiana ransiê
por completo as forças materiais do planeta, dirige-se agora Rolnik é uma espinosista sel
ginário, uma indigenista quee
à expropriação total de nossas forças inconscientes. É por minista, uma arqueóloga do ima
no passado) a origem de Ss
isso que os processos históricos de emancipação da esquerda que busca no futuro (e não
éria é a pulsão: Uma em va
só podem sobreviver agora se, também e junto com sua luta história, uma artista cuja mat se
erda bajo la piel”. o
macropolítica, aceitarem o desafio do trabalho micropolítico. dora dos bichos-da-seda da “izqui cartogra ara
Em segundo lugar, Suely submete a noção de micropolí- pode pedir mais de uma escritora: devir-larva,
uma
com que outro cartografaria
tica a um processo de descolonização que sacode e altera lama com a mesma precisão
, adentrem com essa o no
. as posições tradicionais de natureza e cultura, de sujeito e mina de ouro. Por isso, leitores o
mens da vida que, ain
objeto, de masculinidade e feminilidade, de homem e animal, magma da besta e busquem os gér
, com uma torção do olhar,
de dentro e de fora. Poderíamos dizer que ela aponta assim a desconheçam, os rodeiam, e que
propria vida.
existência de outra esquerda e, cruzando as coordenadas, nos poderiam ser seus - poderia ser sua
orienta em direção a uma política do subsolo, subterrânea,
Arles, maio de 2018
uma política sob a pele, sob a terra, uma esquerda clorofílica
ou telepática, ali onde a planta e o pensamento se conectam
Josy Panão
através da imagem ou da poção. * Traduzido para o português por
A prática de Suely Rolnik consiste em lançar o divã na praça
pública, em levá-lo ao ateliê do artista, em colocá-lo no meio
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ESFERAS DA INSURREIÇÃO LA IZQUIERDA BAJO LA PIEL