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O que as pessoas acreditam

e o que a Bíblia realmente diz

Samuele Bacchiocchi

Tradução
José Barbosa da Silva

21081 - Crenças Populares

Filipe
Prog. Visual

Redator

Casa Publicadora Brasileira


Tatuí, SP Cliente

C. Qualidade

Dep. Arte
Título original em in­glês:
Popular Beliefs

Copyright © da edição em inglês: Biblical Perspectives, Berrien Springs, EUA.


Direitos internacionais reservados.

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língua portuguesa re­ser­va­dos à
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1a edição
2a impressão:3 mil exemplares
Tiragem acumulada: 6 milheiros
2012

Coordenação Editorial: Marcos De Benedicto


Editoração: Paulo R. Pinheiro e Marcos De Benedicto
Projeto Gráfico: Filipe C. Lima
Capa: Vandir Dorta

IMPRESSO NO BRASIL / Printed in Brazil


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Bacchiocchi, Samuele
21081 - Crenças Populares

Crenças populares : o que as pessoas acreditam e


o que a Bíblia realmente diz / Samuele Bacchiocchi ;
tradução José Barbosa da Silva. – Tatuí, SP : Casa
Publicadora Brasileira, 2012.

Título original: Popular Beliefs.

1. Bíblia 2. Crenças 3. Teologia sistemática


I. Título.

12-00869 CDD-230.046

Filipe
Índices para catálogo sistemático:
Prog. Visual 1. Crenças populares : Teologia sistemática :
Cristianismo 230.046

Redator
Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial,
por qualquer meio, sem prévia autorização escrita do autor e da Editora.
Cliente
Tipologia: Bembo Std, 11,2/14 – 11487/26986 – ISBN 978-85-345-1340-1

C. Qualidade

Dep. Arte
05 | Introdução
Sumário 05 | Razões para Escrever este Livro
08 | O Método
09 | O Estilo
09 | Agradecimentos
10 | A Esperança do Autor

11 | 1. A Natureza da Bíblia
13 | Ataques Históricos Contra a Bíblia
19 | Errância Bíblica
27 | Inerrância Bíblica
38 | Compreensão Adventista Sobre a Natureza da Bíblia

48 | 2. A Imortalidade da Alma
50 | Relance Histórico da Crença na Imortalidade da Alma
60 | A Concepção do Antigo Testamento Sobre a Natureza Humana
69 | A Concepção do Novo Testamento Sobre a Natureza Humana
77 | Concepção Dualista Versus Concepção Holística

21081 - Crenças Populares


90 | 3. Vida Após a Morte
92 | Crenças Sobre a Vida Futura
96 | A Concepção Bíblica de Morte
111 | Sheol no Antigo Testamento
117 | Hades no Novo Testamento

140 | 4. Inferno Como Tormento Sem Fim


Filipe
142 | A Concepção Tradicional e Popular de Inferno Prog. Visual

149 | Textos Bíblicos Usados Para Defender o Inferno de Fogo


Redator
163 | A Concepção Aniquilacionista de Inferno
172 | As Implicações Morais do Tormento Eterno Cliente

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187 | 5. A Santidade do Domingo
191 | A Relação Teológica Entre o Sábado e o Domingo
198 | Jesus e a Origem do Domingo
203 | A Ressurreição e a Origem do Domingo
209 | Reuniões no Primeiro Dia da Semana e a Origem do Domingo
216 | Jerusalém e a Origem do Domingo
220 | Roma e a Origem do Domingo
225 | A Adoração do Sol e a Origem do Domingo

236 | 6. Mariologia
243 | A Perpétua Virgindade de Maria
254 | A Imaculada Conceição de Maria
266 | A Assunção Corporal de Maria
275 | O Papel de Maria Como Mediadora e Redentora
281 | A Veneração de Maria

293 | 7. Uma Vez Salvo, Salvo Para Sempre


295 | Duas Concepções Sobre a Segurança Eterna da Salvação
297 | A Predestinação e a Perseverança dos Santos
21081 - Crenças Populares

305 | Argumento a Favor da Salvação Incondicional


310 | Argumento a Favor da Salvação Condicional
316 | Salvação Assegurada, Mas Não Garantida

321 | 8. Batismo Infantil


326 | O Batismo Infantil nas Escrituras
334 | Avaliação dos Argumentos Favoráveis ao Batismo Infantil
Filipe
Prog. Visual
344 | O Batismo Infantil na História
361 | Problemas com o Batismo Infantil
Redator

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Introdução
VERDADES BÍBLICAS E
CRENÇAS POPULARES

Esta obra é resultado das frequentes abordagens feitas por


cristãos das mais diversas denominações a respeito das crenças
que adotaram. Eram participantes de meus seminários de fim de
semana e assinantes de minha newsletter Endtime Issues que muitas
vezes me perguntavam: “Por que algumas de minhas crenças não
estão em harmonia com a Bíblia? Como elas podem ser antibí-
blicas, se a grande maioria dos cristãos as defende?”
Para responder a perguntas como essas, dediquei trinta anos de
minha vida pesquisando e escrevendo 18 livros que analisam algu-
mas crenças populares da atualidade a partir da perspectiva bíblica.
Grande parte dos 200 boletins que enviei por e-mail, durante dez
anos, para mais de 35 mil assinantes, também examina crenças po-

21081 - Crenças Populares


pulares a partir do ponto de vista histórico e bíblico. Este livro re-
presenta uma ampliação dos estudos postados em meus boletins, fa-
cilmente acessíveis no site www.biblicalperspectives/endtimesissues.

Razões para escrever este livro


Dois fatores principais me motivaram a passar um ano de mi-
nha vida fazendo pesquisas adicionais para escrever o presente li-
vro. O primeiro fator é a minha paixão pela exatidão bíblica e
histórica. Exemplo disso são os cinco anos que passei na Pontifícia Filipe
Prog. Visual
Universidade Gregoriana de Roma, na Itália, pesquisando para
minha tese de doutorado sobre a crença popular de que a mudan-
Redator
ça da adoração do sábado para o domingo veio pela autoridade de
Cristo e dos apóstolos na comemoração da ressurreição do Senhor.
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CRENÇAS POPULARES

As descobertas de minha tese From Sabbath to Sunday [Do Sábado


Para o Domingo] acham-se resumidas no capítulo 5 deste livro, in-
titulado “A Santidade do Domingo”. O estudo mostra que a crença
popular da santidade do domingo carece de suporte tanto bíblico
quanto histórico. A observância do domingo teve sua origem por
volta do primeiro século após a morte de Cristo, durante o reinado do
imperador Adriano (117-138), como resultado da interação de fatores
políticos, sociais, pagãos e religiosos.
As conclusões de minha pesquisa foram bem aceitas pela banca
examinadora, constituída de cinco eminentes doutores jesuítas. Tan-
to é que fui agraciado com a medalha de ouro do papa Paulo VI
por conquistar o maior grau de distinção acadêmica summa cum laude
(com a maior das honras) em meu trabalho acadêmico e tese From
Sabbath to Sunday. Essa experiência me serviu de grande estímulo para
reexaminar a validade bíblica e a exatidão histórica de outras crenças
6
populares, como as incluídas neste livro.
O segundo fator que me motivou a escrever este livro foi a cres-
cente necessidade de estudos capazes de ajudar cristãos sinceros e de
mente aberta a testar a validade de suas crenças, tomando como cri-
tério a autoridade normativa das Escrituras. Cada vez mais cristãos
da atualidade questionam a autenticidade bíblica de algumas de suas
crenças denominacionais. Isso acontece em parte devido ao novo cli-
21081 - Crenças Populares

ma de liberdade intelectual, que estimula as pessoas a lançar um novo


olhar sobre questões sociais, políticas e religiosas. Nos países ociden-
tais, muitas pessoas já não se sentem obrigadas a aceitar cegamente as
crenças da igreja que frequentam. Elas anseiam descobrir se aquilo em
que foram doutrinadas se baseia mesmo nos ensinos da Bíblia ou se
não passa de meras tradições religiosas.
Tome como exemplo a crença popular na imortalidade da alma,
analisada no capítulo 2 deste livro. Durante séculos, a maioria dos cris-
Filipe
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tãos aceitou e ainda aceita como verdade bíblica incontestável a con-
cepção dualista da natureza humana, segundo a qual o ser humano é
Redator
composto de um corpo material e mortal e de uma alma espiritual e
imortal. Porém, em anos recentes, muitos eruditos bíblicos, filósofos
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e cientistas, reexaminando essa crença, descobriram que ela é incoe-

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INTRODUÇÃO

rente com as Escrituras, a razão e a ciência. Em meu livro Immortality


or Resurrection? A Biblical Study on Human Nature and Destiny [Imor-
talidade ou Ressurreição? Um Estudo Bíblico Sobre a Natureza e o
Destino do Homem] menciono mais de mil estudos feitos por pes-
quisadores católicos e protestantes.
O pesado ataque acadêmico efetuado contra o conceito dualista
tradicional sobre a natureza humana acabará alcançando os membros
mais comuns das denominações cristãs. Quando isso acontecer, sobre-
virá grande crise intelectual e pessoal em cristãos acostumados a crer
que na hora da morte sua alma desencarna do corpo para continuar
existindo na beatitude do paraíso ou nos tormentos do inferno. Mui-
tos cristãos ficarão amargamente decepcionados ao descobrir que sua
crença no pós-vida não possui fundamento bíblico. A Bíblia ensina
claramente que os mortos em Cristo repousam na sepultura até a
manhã da ressurreição.
O que é verdade em relação à crença popular na imortalidade da
alma também é com relação às outras crenças analisadas neste livro: pur- 7
gatório, tormento sem fim no inferno, intercessão dos santos, mediação
de Maria, santidade do domingo, salvação incondicional e batismo de
crianças. A maioria dessas crenças populares remonta sua origem não
às Escrituras, mas à filosofia platônica de uma natureza humana dupla,
composta de corpo mortal e de alma imortal. A adoção dessa crendice

21081 - Crenças Populares


pagã, no 2º século, trouxe impacto devastador sobre as crenças e práticas
cristãs.
As crenças populares aqui analisadas foram objeto de pesquisa de
estudiosos pertencentes a diferentes credos. Em muitos casos, eles
adotavam posições frontalmente contrárias aos ensinos bíblicos. Men-
cionamos neste livro, que dedica um capítulo para cada crença popu-
lar, algumas das descobertas feitas por esses pesquisadores.
Não resta dúvida de que os conhecimentos disponíveis em ma-
téria de Bíblia devem causar muita angústia existencial em milhões Filipe
Prog. Visual
de cristãos, ao descobrirem surpresos que algumas de suas crenças
populares e tradicionais não possuem fundamento bíblico. O propó- Redator
sito deste estudo não é aumentar essa angústia, mas estimular todos os
cristãos comprometidos com a autoridade normativa das Escrituras a Cliente

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CRENÇAS POPULARES

reexaminar suas crenças, rejeitando as que forem comprovadamente


antibíblicas. A esperança cristã de uma redenção pessoal e cósmica
deve se fundamentar nos ensinos da Palavra de Deus e não em tradi-
ções humanas.

O método
Este livro analisa oito crenças populares a partir da perspectiva
bíblica. Aceito a Bíblia como autoridade normativa para definir as
crenças e práticas cristãs. Pelo fato de as palavras das Escrituras conte-
rem uma mensagem divina escrita por autores humanos que viveram
em situações históricas específicas, deve-se empregar todo empenho
no sentido de entender seu significado dentro do contexto histórico.
Estou convicto de que, para estabelecer o sentido original dos textos
bíblicos e sua atual relevância, precisamos conhecer tanto o contexto
histórico como o literário desses textos. Essa convicção se reflete no
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método que adotei na análise dos textos bíblicos comumente empre-
gados para apoiar crenças populares.
Embora eu mesmo seja membro da Igreja Adventista do Sétimo
Dia, na qual trabalhei por mais de 35 anos como professor de Teologia
e História da Igreja na Andrews University (estado do Michigan, Es-
tados Unidos) e missionário na Etiópia, o objetivo deste livro é apre-
sentar não uma defesa apologética do que os adventistas acreditam,
21081 - Crenças Populares

mas uma exposição objetiva e honesta do que a Bíblia ensina.


De fato, os ensinos deste livro concordam com as crenças da Igreja
Adventista; porém, seu objetivo é analisar crenças populares pela pers-
pectiva bíblica, e não denominacional. Um indício disso é a ausência
quase total de referências às fontes adventistas. De um ponto de vista
prático, todos os estudos acadêmicos citados neste livro foram feitos
por pesquisadores não adventistas.
Paradoxalmente, em numerosos casos, a lealdade denominacional
Filipe
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desses eruditos não os impede de desafiar as crenças das próprias igre-
jas de que fazem parte. O capítulo 8, por exemplo, que trata do batis-
Redator
mo infantil, menciona dois importantes estudos publicados em 2005.
O primeiro pertence a David Wright, especialista em patrística e au-
Cliente
tor do livro intitulado What Has Infant Baptism Done to Baptism? [O

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INTRODUÇÃO

Que o Batismo Infantil Fez ao Batismo?]. Sua investigação meticulosa


desabona a crença popular de que o batismo infantil era comumente
praticado na igreja primitiva. Ele também ressalta as consequências ne-
gativas do batismo infantil para a história da igreja.
O segundo estudo é de Hendrik Stander e Johannes Louw, dois
especialistas em patrística, internacionalmente conhecidos e altamen-
te respeitados. O título do livro deles é Baptism in the Early Church
[Batismo na Igreja Primitiva]. Embora membros de igrejas reformadas
que praticam o batismo de crianças, esses dois eruditos apresentam
um exame desapaixonado da história primitiva do batismo baseados
num cuidadoso tratamento das fontes primárias. As conclusões a que
chegam desaprovam o ensino do batismo infantil adotado por suas
igrejas. Menciono estudos como esses para mostrar que as conclusões
deste livro são compartilhadas por competentes pesquisadores perten-
centes a diversas denominações.

O estilo
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Quanto ao estilo do livro, tentei redigi-lo em linguagem simples e
não técnica. Nos poucos casos em que é forçoso empregar um termo
técnico, a definição vem entre parênteses. Para facilitar a leitura, cada
capítulo é dividido em seções e subseções com tópicos apropriados.
Acompanha um breve resumo no fim de cada capítulo. Salvo espe-

21081 - Crenças Populares


cificação em contrário, todos os textos bíblicos citados são da Versão
Almeida Revista e Atualizada, 2ª edição. Em alguns casos, enfatizei
uma palavra-chave ou outra de um texto bíblico pondo-a em itálico
para evitar abrir uma nota de rodapé, já que o leitor está ciente de que
a Bíblia em português não italiza as palavras.

Agradecimentos
É extremamente difícil para mim citar todas as pessoas às quais
sou grato por terem contribuído para a realização deste livro. Indi- Filipe
Prog. Visual
retamente, tenho um débito para com os eruditos que escreveram
artigos, brochuras e livros sobre as crenças populares aqui analisadas. Redator
Os escritos dessas pessoas estimularam meu pensamento e ampliaram
minha compreensão e abordagem do assunto. Cliente

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CRENÇAS POPULARES

Diretamente, quero expressar minha cordial gratidão a uma dúzia


de profissionais que encontraram uma brecha em sua agenda atarefada
para revisar o texto original, tecendo preciosos comentários sobre o
estilo e o conteúdo. Não tenho palavras para expressar meu reconhe-
cimento pelo valioso serviço que me prestaram.
Agradeço especialmente a Bruce Closser, PhD, que trabalhou du-
rante os últimos 30 anos como professor de inglês na Andrews Uni-
versity. Ele deu uma contribuição significativa ao corrigir e melhorar
o estilo do texto. Debruçou-se durante muitas horas sobre os origi-
nais, reformulando as frases para que se parecessem mais com inglês e
menos com italiano.
Por último, mas não menos importante, devo expressar meu espe-
cial “muito obrigado” à minha esposa, que tem sido para mim cons-
tante fonte de encorajamento e inspiração durante 46 anos de vida
conjugal. Ela me via muito pouco enquanto eu pesquisava e escrevia
10
os 18 livros que escrevi. Sem o amor, a paciência e o estímulo dela,
teria sido mais difícil para mim completar este último livro.

A esperança do autor
Este livro foi escrito com o desejo de ajudar cristãos de todos os
credos a reavaliar suas crenças populares à luz da autoridade normativa
da Bíblia. Em um tempo em que a maioria dos cristãos ainda defende
21081 - Crenças Populares

crenças populares originadas mais nas tradições humanas do que na


revelação bíblica, é imprescindível recuperar essas verdades bíblicas,
que Deus revelou para nossa salvação eterna.
É minha esperança que este livro, fruto de muitos meses de dedi-
cada pesquisa, ajude cristãos de todos os credos a fazer distinção entre
verdades bíblicas e crenças populares, e a ampliar seu conhecimento
do glorioso plano de Deus para sua vida.

Filipe
Prog. Visual
Nota dos editores: A versão original deste livro em inglês tem dez
capítulos, mas, para torná-lo menos volumoso, dois capítulos foram
Redator
suprimidos.

Cliente

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Capítulo 1
A NATUREZA DA BÍBLIA:
ISENTA OU REPLETA DE ERROS?

O ponto de partida lógico para nosso exame bíblico de


algumas crenças populares é avaliar os conceitos vigen-
tes sobre a natureza da própria Bíblia. Isso se faz neces-
sário porque o modo como vemos a Bíblia determina, em última
instância, o modo como definimos e testamos nossas crenças.
As opiniões mais comuns sobre a natureza da Bíblia podem ser
resumidas em duas. Uma tem que ver com o conceito conhecido
como “errância bíblica”, ou seja, “a Bíblia está repleta de erros”;
a outra diz respeito ao conceito de “inerrância bíblica”, segundo
o qual “a Bíblia está isenta de erros”. Cada um desses pontos de
vista está sujeito a uma diversidade de interpretações. Em harmo-
nia com o objetivo de nosso estudo, limitaremos nossa análise aos

21081 - Crenças Populares


ensinos principais de cada uma dessas teorias.
A errância bíblica é o ponto de vista defendido por crí-
ticos liberais que acreditam ser a Bíblia um livro puramente
humano, repleto de erros e destituído de revelações sobrena-
turais e manifestações miraculosas. Diante disso, o Antigo e o
Novo Testamento seriam produções literárias puramente hu-
manas, que refletiriam as fraquezas dos seus autores humanos.
Por outro lado, evangélicos conservadores creem na absolu-
ta inerrância das Escrituras. Eles garantem que a Bíblia não Filipe
Prog. Visual
possui qualquer tipo de erro em seus manuscritos originais.
Alguns chegam mesmo a postular que a inerrância se estende
Redator
a todas as referências que a Bíblia faz à história, geografia,
cronologia, cosmologia e ciência.
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CRENÇAS POPULARES

Este capítulo procura mostrar que tanto a errância como a iner-


rância são crenças que minam a autoridade da Bíblia por torná-la
ou demasiadamente humana ou demasiadamente divina. Isso nos faz
lembrar que as heresias se infiltram de diferentes formas, às vezes rejei-
tando abertamente a autoridade e o ensino das Escrituras, outras vezes
distorcendo sutilmente sua mensagem.

Objetivos do capítulo
Este capítulo analisa as controvérsias que existem tanto na “errân-
cia” como na “inerrância” da Bíblia. Essas crenças populares antagôni-
cas são defendidas, em cada extremo, por críticos liberais e evangélicos
conservadores. Faremos primeiramente uma breve incursão histórica
resgatando a origem de cada movimento; depois avaliaremos seus en-
sinos à luz da perspectiva bíblica.
Para situar a atual controvérsia numa perspectiva histórica, investi-
12
garemos de forma sucinta como a distribuição da Bíblia sofreu oposi-
ção tanto fora como dentro da igreja. Isso nos ajudará a compreender
os implacáveis esforços do Maligno para impedir que a mensagem da
revelação divina alcançasse as pessoas sinceras.
O capítulo está dividido em quatro partes. A primeira relata algu-
mas tentativas feitas no passado para impedir a distribuição da Bíblia
por parte de imperadores romanos, da Igreja Católica, de reis e cléri-
21081 - Crenças Populares

gos ingleses, de líderes das igrejas protestantes, de países muçulmanos


e governos comunistas.
A segunda parte examina os estudos críticos da Bíblia, mais conheci-
dos como alta crítica. Esse movimento foi em grande parte responsável
por minar a autoridade da Palavra de Deus durante os três últimos séculos.
A terceira parte analisa a crença popular na inerrância bíblica con-
forme ensinada convictamente por grande número de evangélicos,
segundo a qual Deus guiou a mente dos escritores sagrados de tal
Filipe
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maneira que eles foram impedidos de cometer qualquer erro. Muitos
supõem que a Bíblia seja isenta de erros não apenas no que diz respei-
Redator
to a ensinos religiosos, mas também em áreas como geografia, astro-
nomia, história, cronologia e ciências naturais.Vamos mostrar que essa
Cliente
suposição ignora a dimensão humana das Escrituras.

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

A última parte apresenta a compreensão adventista do sétimo dia


sobre inspiração e autoridade da Bíblia.Veremos que os adventistas ado-
tam um ponto de vista equilibrado sobre a inspiração das Escrituras,
quando reconhecem que sua fonte é divina, mas os escritores são hu-
manos e os escritos dessas pessoas contêm pensamentos divinos em
linguagem humana. Corretamente compreendida, a dimensão humana
da Bíblia reforça sua origem e autoridade divina.

Parte 1
ATAQUES HISTÓRICOS CONTRA A BÍBLIA

Imperadores romanos tentaram destruir a Bíblia


Durante os três primeiros séculos, alguns imperadores romanos
tentaram eliminar o cristianismo destruindo a Bíblia. Em 22 de fe-
vereiro de 303 d.C., o imperador Diocleciano decretou que todo
exemplar da Bíblia fosse entregue à polícia romana para ser queimado.
Milhares de originais bíblicos valiosos foram destruídos em praça pú- 13
blica. Muitos cristãos perderam a vida por se recusar a entregar seus
pergaminhos sagrados.
O decreto imperial visava eliminar a presença da religião cristã,
suprimindo sua luz orientadora e autoridade normativa. Destacados
filósofos e funcionários do governo alegavam que o cristianismo era

21081 - Crenças Populares


responsável pelas crises socioeconômicas que assolavam o império na-
quela época.

A Bíblia banida dos países muçulmanos


Com o advento do islamismo no século 19, países muçulmanos fun-
damentalistas começaram a banir a Bíblia sistematicamente. Até os dias
de hoje, a distribuição de Bíblias é proibida em países muçulmanos. É
incontável o número de cristãos que perderam a vida por tentar distri-
buir a Bíblia e/ou partilhar seus ensinos com muçulmanos receptivos. Filipe
Prog. Visual
O êxito de governantes muçulmanos em suprimir a Bíblia e o cristia-
nismo fica evidente nos países por eles conquistados. Antes de os muçul- Redator
manos conquistarem o norte da África no século 17, por exemplo, países
como a Líbia, Tunísia, Marrocos e Argélia eram nações cristãs florescentes Cliente

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CRENÇAS POPULARES

que produziram líderes religiosos do nível de Agostinho e Tertuliano.


Hoje, cristãos e Bíblias praticamente não existem nesses países.
A distribuição da Bíblia também sofreu ataques dentro da própria
cristandade por parte da Igreja Católica e de diversos líderes da igreja
na Inglaterra. Mais recentemente, regimes comunistas também tenta-
ram impedir a Bíblia de circular e desacreditaram seus ensinos. Cada
um desses poderes, atuando de forma diferente, investiu violentamen-
te contra a Bíblia, impedindo que fosse distribuída entre os leigos.

Tentativas católicas de impedir a leitura da Bíblia


No passado, a Igreja Católica se opôs à tradução da Bíblia para a
língua comum do povo e sua distribuição entre os leigos. O direito de
ler e ensinar a Bíblia era reservado somente ao clero.
O Sínodo de Toulouse, realizado em 1229 d.C. e presidido por um
emissário papal, celebrou o término das cruzadas albigenses aperfeiço-
14
ando o código da Inquisição e proibindo cristãos leigos de possuírem
exemplares da Bíblia. Prescreve o dogma 14: “Negamos aos leigos per-
missão de possuir os livros do Antigo e Novo Testamento, a menos que
alguém, por motivo de devoção, deseje possuir o Saltério ou o Breviário
para os divinos ofícios ou as horas da bendita Virgem; mas proibimos
ainda mais estritamente possuir qualquer tradução desses livros.”1
O Concílio de Tarragona, realizado em 1234 d.C., promulgou um
21081 - Crenças Populares

decreto semelhante. O Segundo Cânon determina que “ninguém


possua os livros do Antigo e Novo Testamento na língua românica,
e, se alguém os possuir, deve devolvê-los ao bispo local no prazo de
oito dias após a promulgação deste decreto, a fim de que sejam quei-
mados”.2
Em sua quarta assembleia, o Concílio de Trento (8 de abril de 1546)
reiterou a inequívoca oposição católica à distribuição das Escrituras pe-
las sociedades bíblicas porque “manifesto está, por experiência, que, se
Filipe
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a Santa Bíblia, vertida para a língua vulgar (idioma comum), for indis-
criminadamente permitida a todos, a audácia dos homens, proveniente
Redator
disso, vai causar mais mal do que bem”.3
Em suas duas encíclicas, Qui Pluribus e Nostis et Nobiscum, promulgadas
Cliente
respectivamente em 9 de novembro de 1846 e 8 de dezembro de 1848, o

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

papa Pio IX advertiu os arcebispos e bispos italianos contra as sociedades


bíblicas nestes termos:“Sob a proteção das sociedades bíblicas, de há mui-
to condenadas por esta Santa Sé, eles distribuem aos fiéis, sob o pretexto
de religião, a Bíblia em traduções vernáculas.Visto que infringem as regras
da igreja, essas versões foram corrompidas e audaciosamente distorcidas
para produzir um vil significado. Compreendeis bem, pois, que esforços
vigilantes e cuidadosos deveis envidar para inspirar em vosso povo fiel
completo horror a esses livros pestilentos. Lembrai-lhes explicitamente, no
que diz respeito à escritura divina, que nenhum homem, estribando-se
em sua própria sabedoria, pode reivindicar o privilégio de temeraria-
mente distorcer as escrituras dando-lhe um significado próprio, oposto
ao significado que a santa mãe igreja adota e adotou.”4
Ao chamar as Bíblias distribuídas pelas sociedades bíblicas de “li-
vros pestilentos”, que deviam ser tratados pelos católicos fiéis com
“absoluto horror”, Pio IX expressa claramente a posição histórica do
catolicismo em condenar a leitura da Bíblia pelo povo leigo. O moti-
vo é que a leitura da Bíblia tem levado inúmeros católicos a descobrir 15
que as crenças fundamentais do catolicismo se baseiam em tradições
eclesiásticas, e não na autoridade bíblica.

Os valdenses perseguidos por distribuir a Bíblia


Durante séculos, os valdenses enfrentaram perseguições física, civil

21081 - Crenças Populares


e econômica promovidas pela casa católica de Saboia, sob a acusação
de traduzir e distribuir porções da Bíblia. O massacre mais cruel de
valdenses inocentes ocorreu nos vales do Piemonte italiano em 1655,
comandado pelo exército de Charles Emmanuel II, o católico Duque
de Saboia. Todo o mundo protestante ficou chocado com esse bru-
tal massacre de milhares de valdenses. Oliver Cromwell (1599-1658),
Lorde Protetor da Inglaterra, protestou energicamente contra isso; e
John Milton, seu ministro das relações exteriores e poeta, dedicou esta
famosa estrofe do Paraíso Perdido aos milhares de valdenses assassinados: Filipe
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Vinga, ó Senhor, Teus santos assassinados, cujos ossos
Jazem dispersos nos frios montes alpinos, Redator
Aqueles que guardaram Tua verdade tão pura do passado,
Quando todos os nossos pais adoravam troncos e pedras. Cliente

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CRENÇAS POPULARES
A Bíblia na experiência de nossa família na Itália
A propósito, foi um carpinteiro valdense que emprestou uma Bí-
blia a meu pai quando ele ainda era um jovem católico devoto. Ler
aquela Bíblia acabou por tornar-se não só o ponto crítico na expe-
riência religiosa de meu pai, mas também uma influência determi-
nante no futuro de nossa família. Quando meu pai pediu a ajuda
de um padre para esclarecer os textos bíblicos que contradiziam os
ensinamentos católicos, o padre arrebatou a Bíblia das mãos de meu
pai, dizendo: “Este livro só vai trazer confusão e desassossego para
sua alma. Deixe-o comigo.” Meu pai perdeu a Bíblia e teve grande
dificuldade em comprar outro exemplar, porque o principal forne-
cedor era a Sociedade Bíblica Estrangeira e Britânica, que atuava
clandestinamente a partir de um retiro anônimo.
Sofri na pele a mesma oposição católica à distribuição da Bíblia
durante os quatro verões que passei na Itália (1952-1956) vendendo
16
Bíblias a mim fornecidas pela Sociedade Bíblica Estrangeira e Britânica.
Com a venda de Bíblias e outros livros religiosos, obtive bolsa de estudos
para frequentar a academia adventista do sétimo dia em Florença. Não
foram poucas as ocasiões em que devotos católicos me procuraram para
devolver as Bíblias que haviam comprado, porque o padre deles lhes dis-
sera que eram Bíblias protestantes e que iam contaminar seu lar.
Somente a partir do Concílio Vaticano II (1962-1965) é que a
21081 - Crenças Populares

Igreja Católica incentivou seus membros a ler as Bíblias católicas


anotadas. Essa decisão recente não promoveu nenhum aumento sig-
nificativo da leitura da Bíblia por parte de católicos porque, em países
católicos, a Bíblia ainda é vista como um livro que somente padres es-
tão autorizados a ler e a interpretar para o povo. Diante disso, a grande
maioria dos católicos ainda é biblicamente analfabeta. Só confiam em
qualquer ensinamento bíblico se for ensinado pelo padre.

Filipe Clérigos ingleses tentaram impedir a distribuição da Bíblia


Prog. Visual
A Bíblia de Wycliffe. Incrível como pareça, até mesmo líderes
Redator
eclesiásticos ingleses tentaram impedir a tradução e difusão da Bí-
blia. A primeira Bíblia inglesa manuscrita, conhecida como Bíblia
Cliente
de Wycliffe, sofreu forte oposição de clérigos ingleses e do próprio

C. Qualidade

Dep. Arte
A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

papa. John Wycliffe, teólogo e professor da Universidade de Oxford,


realizou a tradução em 1380 com a ajuda de seus companheiros. Pos-
teriormente, em 1388, a tradução foi revista por John Purvey, um
contemporâneo mais moço de Wycliffe.
A tradução tomou como base a Vulgata Latina, visto que Wycliffe
e seus companheiros não sabiam hebraico nem grego. Como a Bíblia
de Wycliffe antecede à invenção da imprensa, as Bíblias manuscritas
circulavam amplamente e eram lidas com grande avidez. Essas Bíblias
manuscritas puseram Wycliffe em conflito com os dignitários da igre-
ja em Oxford, onde viveu e ensinou a maior parte de sua vida.
Wycliffe acreditava que a Bíblia precisava ser acessada por todos
os cristãos, devendo ser disponibilizada para uso comum na língua do
povo. Apesar da enorme oposição que sofreu, perseguiu esse objetivo
com vigor e determinação.
Diversas vezes, Wycliffe foi levado a julgamento nos tribunais da
igreja, mas seus amigos influentes o protegiam. Morreu por causas na-
turais em 1384, com a idade de 55 anos, e foi sepultado em sua igreja, 17
em Lutterworth, em cuja parede há uma placa em que se lê que a Bíblia
de Wycliffe “atraiu sobre ele o ódio amargo de todos quantos mercan-
tilizavam a credulidade e a ignorância popular”.
Vinte e quatro anos depois da morte de Wycliffe, no ano 1408, um
sínodo se reuniu em Oxford para proibir formalmente a leitura da Bí-

21081 - Crenças Populares


blia que ele traduzira para o inglês. Pessoas foram ameaçadas de exco-
munhão por lerem a Bíblia. A Inglaterra possuía uma Bíblia na língua
materna antes da maioria das outras nações, mas sua leitura era proibida.
Apesar das punições severas, muita gente continuou a ler a Bíblia
de Wycliffe às escondidas. O papa ficou tão furioso com a oposição
feita por Wycliffe à igreja organizada e com sua tradução da Bíblia
para o inglês que, 44 anos após a morte do reformador, no Concílio
de Constança, ordenou que os ossos de Wycliffe fossem exumados,
queimados, reduzidos a pó e lançados ao rio! Filipe
Prog. Visual
O Novo Testamento de Tyndale. Outro notável exemplo de
tentativa para impedir a distribuição da Bíblia por parte de líderes Redator
eclesiásticos ingleses ocorreu por ocasião da tradução inglesa do Novo
Testamento feita por Tyndale a partir de textos gregos. Brilhante Cliente

C. Qualidade

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CRENÇAS POPULARES

teólogo formado em Oxford e Cambridge, Tyndale se sentia muito


angustiado com a ignorância do clero e do povo comum sobre a Bí-
blia. Por isso, tomou a decisão de colocar o povo inglês em contato
com a Palavra de Deus, traduzindo-a para a própria língua deles. No
entanto, teve que enfrentar forte oposição dos poderes seculares e dos
potentados religiosos da Inglaterra. Por conta disso, foi forçado a partir
para a Alemanha a fim de continuar traduzindo o Novo Testamento para
o inglês.
Em 1526, os primeiros três mil exemplares da edição em formato
in-oitavo do Novo Testamento em inglês de Tyndale foram publi-
cados em Worms, Alemanha. Quando os exemplares chegaram à In-
glaterra, o bispo de Londres, Cuthbert Tunstall, ordenou que fossem
recolhidos e queimados na St. Paul’s Cross, em Londres. Com o
passar do tempo, o Novo Testamento de Tyndale se tornou a base
para a tradução King James.
18
Pelo atrevimento de traduzir e publicar a Bíblia em inglês,Tyndale
sofreu ataques implacáveis tanto do bispo Tunstall, de Londres, como
de William Warham, o arcebispo da Cantuária, e de Thomas Moore,
o chanceler do parlamento inglês. Esses homens enviavam agentes
secretos para emboscá-lo, enquanto ele mudava continuadamente de
domicílio a partir de sua base na Antuérpia.
Por último, Tyndale foi detido e aprisionado no castelo de Vilvor-
21081 - Crenças Populares

de, a poucos quilômetros de Bruxelas. No início de outubro de 1536,


foi estrangulado no pátio do castelo. Foi tão eficaz a oposição contra
a tradução inglesa do Novo Testamento feita por Tyndale que, dos 18
mil exemplares contrabandeados para a Inglaterra, restam apenas dois
exemplares conhecidos.

Ataques comunistas contra a Bíblia


Nos últimos tempos, os governos comunistas tentaram desacredi-
Filipe
Prog. Visual
tar a Bíblia e impedir a distribuição dela em seus países. Serviram-se
de medidas tanto ideológicas quanto legais. Do ponto de vista ideo-
Redator
lógico, ensinaram às pessoas que a Bíblia era um livro cheio de fábu-
las e superstições, que devia ser rejeitado pela mente esclarecida dos
Cliente
comunistas. Do ponto de vista legal, detiveram e aprisionaram todos

C. Qualidade

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

os que tentaram contrabandear Bíblias para os países dominados por


esse regime.
Sistemas políticos e religiosos autocráticos se sentem ameaçados
pela Bíblia porque a mensagem dela convida as pessoas a oferecer
a Deus primazia em sua vida. Quando as pessoas aceitam o Deus
da revelação bíblica e fazem dEle o primeiro e único em sua vida,
não mais se dobram às reivindicações de governantes políticos ou
religiosos tirânicos que exigem absoluta lealdade para sua doutrina
ou partido.
Conclusão. As tentativas passadas de suprimir a Bíblia, queiman-
do-a ou banindo-a, se demonstraram inúteis. Cristãos preferiram so-
frer tortura e morte a negar as verdades bíblicas que os tornaram
livres. A Bíblia permanece imbatível, ano após ano, como o livro mais
vendido do mundo. Também continua a ser a maior força de renova-
ção moral da sociedade humana.
Voltaire, o renomado irreligioso francês que morreu em 1778, pre-
disse que dentro de no máximo cem anos o cristianismo estaria ex- 19
tinto. Em vez disso, por ironia da história, vinte anos após sua morte, a
Sociedade Bíblica de Genebra passou a usar a casa dele como gráfica
para impressão e publicação da Bíblia! Nenhum outro livro na história
foi tão odiado, queimado e proibido. No entanto, ainda sobrevive, al-
cançando quase todas as pessoas do mundo com as suas quase duas mil

21081 - Crenças Populares


traduções. Seus princípios continuam a servir como fundamento moral
de muitas sociedades.

Parte 2
ERRÂNCIA BÍBLICA
O insucesso das tentativas que se fizeram no passado para impedir
a distribuição da Bíblia não enfraqueceu a determinação do diabo em
destruir a autoridade e influência deste Livro. Durante os últimos três
séculos, ele adotou uma nova estratégia, que quase destruiu o elevado Filipe
Prog. Visual
conceito que a Bíblia possui no mundo cristão. O resultado foi uma
crise teológica de proporções sem precedentes. Essa crise foi precipi- Redator
tada pela adoção de um novo método de investigar a Bíblia conhecido
como “crítica da Bíblia” ou “alta crítica”. Cliente

C. Qualidade

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CRENÇAS POPULARES

Definição de crítica da Bíblia


A expressão “crítica da Bíblia” descreve a aplicação do moderno mé-
todo literário e histórico-crítico no estudo da Bíblia. Em teoria, a inten-
ção da crítica da Bíblia seria aprimorar a compreensão da Bíblia por meio
de um entendimento mais completo de sua mensagem e história literária.
Na prática, o que a crítica da Bíblia faz é destruir qualquer confiança na
origem divina da mensagem bíblica, porque pressupõe que seus escritos
sejam apenas uma produção literária meramente humana, cheia de erros
e inteiramente condicionada pela cultura da época.

Baixa crítica
Vale lembrar que a outra categoria de crítica, conhecida como “bai-
xa crítica”, atua de forma diferente da alta crítica. A baixa crítica se pre-
ocupa em reconstituir de forma tão precisa quanto possível o texto dos
20
manuscritos originais a partir dos exemplares subsistentes. Devido à sua
função, a baixa crítica é comumente conhecida como “crítica textual”.
Ela é mais objetiva do que a alta crítica, porque seu objetivo se limita à
análise dos manuscritos textuais disponíveis.

Alta crítica
Com a alta crítica é diferente. Embora a alta crítica esteja interes-
21081 - Crenças Populares

sada na exatidão do texto, sua preocupação primordial é estudar os


escritos como literatura puramente humana, rejeitando a priori qualquer
possibilidade de inspiração divina dos escritores e de intervenção divina
nos negócios humanos. A alta crítica investiga os dados referentes à
composição, autoria, possível utilização de fontes e cultura que in-
fluenciou o texto. É por isso que frequentemente se distingue em crí-
tica histórica, de fonte, de forma e de redação, dependendo do aspecto
da alta crítica que está sendo examinado.
Filipe
Prog. Visual
O problema fundamental com a alta crítica é ela depender mais das
especulações subjetivas do crítico do que da investigação científica verifi-
Redator
cável. James Orr apresenta essa ideia em seu relevante artigo sobre “crítica
da Bíblia” na International Standard Bible Encyclopedia [Enciclopédia Bíblica
Cliente
Padrão Internacional], da qual foi redator-chefe. “Embora de inestimá-

C. Qualidade

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

vel auxílio no âmbito da introdução bíblica (data, autoria, autenticidade,


conteúdos, destino, etc.)”, reconhece ele, “[a crítica da Bíblia] tende a
difundir-se ilimitadamente para regiões em que a ciência exata não pode
acompanhá-la, regiões onde muitas vezes a imaginação do crítico é a
única lei.”5
Esse método de pesquisa histórica e linguística não é exclu-
sivo de nosso tempo. Métodos semelhantes foram utilizados no
passado por Teodoro de Mopsuéstia (c. 350-428), que empregava
marcadores gramaticais e históricos para fazer a exegese de textos
bíblicos. O próprio Lutero empregou esse método em suas aná-
lises exegéticas de textos bíblicos. O que é nova é a abordagem
radical de estudo de textos bíblicos, a qual consiste em rejeitar
a priori qualquer manifestação divina sobrenatural ou miraculosa
na história humana, o que obriga todos os elementos de prova a
sujeitar-se a esses pressupostos.

O impacto negativo da crítica da Bíblia


21
É possível perceber o impacto negativo da crítica da Bíblia sobre
o crescente número de eruditos bíblicos, pregadores e cristãos leigos,
que perderam a confiança na fidedignidade da Bíblia. Embora as Es-
crituras tenham sido historicamente consideradas a Palavra revelada
de Deus, hoje os críticos liberais se recusam a considerar a mensagem

21081 - Crenças Populares


da Bíblia e a Palavra de Deus como sendo a mesma coisa.
Um número crescente de líderes cristãos está engrossando o coro
da incredulidade ao lançar dúvidas sobre a confiabilidade da Bíblia.
Esse abandono de um elevado conceito da Bíblia terá impacto mais
devastador sobre o futuro das igrejas cristãs do que as tentativas do
passado de destruir a Bíblia.
Os pressupostos antissobrenaturais da crítica bíblica influenciam
os métodos empregados atualmente nos estudos bíblicos e na pre-
gação de muitos pastores. Falando de sua denominação religiosa (a Filipe
Prog. Visual
Igreja Batista), Clark H. Pinnock, respeitado erudito evangélico que
atuou como presidente da Evangelical Theological Society, observa Redator
com uma nota de pesar que “grande número de líderes e pensadores
batistas importantes tem rejeitado de forma pública e inequívoca e, Cliente

C. Qualidade

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CRENÇAS POPULARES

algumas vezes, renegado a crença na completa fidedignidade da Bíblia.


[...] E somos forçados a admitir que essa mudança de opinião tem
causado contínua e grave divisão entre grande contingente do povo
batista que adota o ponto de vista tradicional da Bíblia e a maioria
dos professores de faculdades e seminários que abertamente não o
adota”.6
Uma crise sem precedentes
Com uma antevisão quase profética, o renomado teólogo sistemá-
tico A. H. Strong advertia já em 1918 contra os aspectos negativos da
crítica da Bíblia: “Qual o efeito deste método sobre os nossos seminá-
rios teológicos? É privar a mensagem do evangelho de toda a confia-
bilidade e fazer dos professores e estudantes disseminadores de dúvida.
[...] A descrença no ensino de nosso seminário é como uma névoa
enceguecedora que envolve lentamente nossas igrejas e abole gradu-
almente não só todos os pontos de vista confiáveis da doutrina cristã,
22
mas também toda convicção do dever de ‘lutar zelosamente pela fé de
nossos pais’. Estamos deixando de ser evangelísticos e evangélicos; e,
com o tempo, se essa derrocada continuar, deixaremos até de existir.”7
Essas terríveis advertências ressaltam a crise sem precedentes pro-
vocada pela crítica da Bíblia. Acham-se em jogo aqui duas versões
de cristianismo: uma baseada na revelação divina e outra originada
na razão humana. Incrível como possa parecer, à medida que a au-
21081 - Crenças Populares

toridade da Bíblia declina no mundo protestante, ascende a autoridade


do papa. A razão é simples. As pessoas se ofendem com a tirania, mas
dão boas-vindas à voz da autoridade. E o papa fala com autoridade
a milhões de protestantes que já não sabem no que crer. Para eles, o
pontífice se tornou, como expressa o historiador eclesiástico Martin
E. Marty, “uma fortaleza de fé ambulante” no meio de uma sociedade
sem Deus (TV Guide, 5 de setembro de 1987, p. 34).

Filipe As raízes ideológicas dos estudos críticos da Bíblia


Prog. Visual
A crítica da Bíblia se desenvolveu nos séculos 18 e 19 como reação
Redator
parcial aos rígidos ensinos protestantes, fundamentados no conceito
de inspiração verbal. Para neutralizar os ensinos católicos durante o pe-
Cliente
ríodo pós-reforma, teólogos protestantes haviam exaltado a autoridade

C. Qualidade

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

da Bíblia, ensinando o conceito extremado de inspiração verbal. Os


liberais reagiram a essa concepção radical indo para o outro extremo:
rejeitando qualquer forma de revelação divina.
Duas principais ideologias filosóficas influenciaram o desenvolvi-
mento da crítica da Bíblia, a saber, o racionalismo e o evolucionismo. O
racionalismo, resultado do movimento iluminista do século 18, tentou
reduzir o cristianismo a uma religião criada mais pelo raciocínio hu-
mano do que pela revelação divina.
O evolucionismo aplicou ao texto bíblico a teoria da evolução das
espécies, do simples para o complexo, postulada por Darwin. O re-
sultado foi uma concepção de religião bíblica como produto de uma
evolução religiosa. Como explica o historiador da igreja Earl Cairns,
“os críticos enfatizaram que a ideia de Deus se desenvolvera a partir
de um primitivo deus da tempestade do Monte Sinai para o deus éti-
co e monoteísta dos profetas”.8
O resultado final foi que, dentro de um período de tempo relati-
vamente curto, a Bíblia passou a ser vista como um documento niti- 23
damente humano, destituído de qualquer autoridade transcendente.
Logo, a Bíblia devia ser estudada e interpretada do mesmo modo que
as outras literaturas, de acordo com os métodos da pesquisa literária.
Infelizmente, o ato de forçar a Bíblia a se encaixar nas categorias da
literatura secular, além de lhe distorcer a mensagem, também lhe en-

21081 - Crenças Populares


fraquece a capacidade de transformar vidas humanas.
Enquanto a Reforma enfraqueceu a autoridade eclesiástica, a crítica
da Bíblia enfraqueceu a autoridade bíblica. O resultado é que, para mui-
tos pregadores e professores de seminários, a Bíblia já não constitui a
normativa e autorizada Palavra de Deus, reveladora de Sua vontade e
propósito para a humanidade, mas um livro falível que contém gemas
de verdade misturadas com erros.

A crítica da Bíblia do Antigo Testamento Filipe


Prog. Visual
De modo geral, acredita-se que a crítica da Bíblia teve sua ori-
gem nos séculos 17 e 18. Homens como Hugo Grotius (1583-1645), Redator
Thomas Hobbes (1588-1679) e Baruch Spinoza (1632-1677), após
analisar a Bíblia como literatura comum, começaram a duvidar da Cliente

C. Qualidade

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CRENÇAS POPULARES

autoria mosaica do Pentateuco, encarando-a como resultado de um


longa compilação de diversos redatores.
Pesquisadores posteriores desenvolveram a “teoria documentá-
ria” do Antigo Testamento. O ponto culminante foi alcançado com
Julius Wellhausen em sua Prolegomena (1878), onde apresenta a bem
conhecida hipótese documentária em quatro estágios (JEPD) de
Graf-Welhausen. Segundo essa hipótese, o Antigo Testamento foi
produzido entre o 9º e o 4º século antes de Cristo, por diversos es-
critores ou redatores, que reformularam o material de acordo com
suas próprias tradições religiosas.
A aplicação dos princípios da crítica da Bíblia não apenas alterou
radicalmente as datas e a autoria dos livros do Antigo Testamento, mas
também introduziu um estudo de suas fontes inteiramente secular e
evolucionista.

A crítica do Novo Testamento


24
Quase na mesma época, aplicaram-se os pressupostos antissobre-
naturais da crítica da Bíblia ao Novo Testamento. Em 1778, Herman
Samuel Reimarus publicou seus Fragments [Fragmentos], onde nega a
possibilidade de milagres, alegando que os escritores do Novo Testa-
mento eram mentirosos piedosos.
A crítica liberal do Novo Testamento culminou na obra de
21081 - Crenças Populares

Rudolf Bultmann, que estava determinado a demitologizar os escri-


tores do Novo Testamento. Segundo Bultmann, todas as referências a
céu, inferno, milagres, nascimento virginal, encarnação, ressurreição,
morte expiatória de Cristo, ascensão e segundo advento são mitos
e superstições absurdas, inacreditáveis demais para pessoas modernas.
Para o teólogo alemão, o Novo Testamento é resultado de uma tra-
dição oral, na qual a igreja adicionou criativamente elementos sobre-
naturais à vida e ensinos de Jesus. Dessa perspectiva, deve-se estudar
Filipe
Prog. Visual
a Bíblia a partir de uma abordagem existencial. As pessoas devem en-
contrar autenticidade, segurança e significado para a existência delas
Redator
além das palavras da Escritura. Bultmann exerceu grande influência
sobre o pensamento de especialistas em Novo Testamento e líderes
Cliente
eclesiásticos das principais denominações religiosas.

C. Qualidade

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

Uma avaliação da crítica da Bíblia


O problema fundamental do movimento crítico é sua recusa em
aceitar determinadas limitações na pesquisa da Bíblia. Uma dessas li-
mitações é imposta pelo caráter singular da Bíblia. Nenhum outro
livro religioso exerceu semelhante impacto moral sobre as pessoas.
Segundo o relato bíblico, foi após a leitura da lei que o rei Josias
se dispôs a arrependimento e reforma (2Rs 22:10-13; 23:1-25). A tra-
dução e a leitura feitas por Esdras de porções do Antigo Testamento
promoveram reformas radicais na vida do povo (Ne 8:1-6; 9:1-3). A
tradução e a distribuição da Bíblia no século 16 inspiraram movimen-
tos de reforma em diversas partes da Europa. Nenhum outro livro, seja
escrito por Platão, Maomé ou Buda, promove mudanças morais ou
apresenta tão elevado conceito de Deus como a Bíblia.
Isso significa que qualquer investigação crítica do santo livro deve le-
var em conta que a Bíblia não é apenas mais um dos muitos documentos
religiosos da antiguidade que subsistiram, mas um livro singular, cuja 25
dinâmica difere de qualquer outro livro. Somente com uma atitude de
reverência é possível realizar uma pesquisa bíblica autêntica.
Os críticos também devem aceitar que os indícios disponíveis para
testar a exatidão da Bíblia são limitados. Concluir que algumas decla-
rações do livro sagrado são inexatas só porque não concordam com a

21081 - Crenças Populares


informação disponível significa ignorar que, em certos casos, a Bíblia é
a única testemunha dos acontecimentos relatados. Novas descobertas rea-
lizadas no século 20 confirmaram, em muitos casos, a confiabilidade do
relato bíblico.
Uma avaliação desse movimento seria incompleta se não men-
cionássemos o espírito que anima a investigação crítica da Bíblia. Os
críticos estão motivados por seus pressupostos ou por sua fé religiosa?
O que é supremo em sua forma de pensar: suas teorias ou sua fé? Os
princípios fundamentais de uma fé bíblica são atos divinos de criação, Filipe
Prog. Visual
revelação, encarnação, ressurreição, segundo advento e regeneração
pelo Espírito Santo. Redator
Mas os críticos liberais não aceitam essas crenças. No fim das con-
tas, a questão é: fundamentados em qual autoridade pesquisaremos a Cliente

C. Qualidade

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CRENÇAS POPULARES

Bíblia? Nosso raciocínio será guiado pelos pressupostos críticos ou


pelo testemunho interno das Escrituras? Se dermos primazia às supo-
sições dos críticos, então seremos obrigados a rejeitar na Bíblia tudo
quanto não se ajuste a elas. Lamentável como seja, é isso o que tem
acontecido. Os críticos liberais decidiram investigar a Bíblia com base
em suas suposições humanistas e evolucionistas, sendo, consequente-
mente, compelidos a rejeitar os princípios fundamentais da fé cristã.
Quando as pessoas fazem de sua filosofia pessoal a autoridade su-
prema, não é preciso um passo muito grande para, em seguida, fazer
de sua razão seu próprio deus. Para dizer a verdade, esta é a atitude
adotada por alguns críticos liberais. Ao aceitar o pressuposto evolucio-
nista de que todas as coisas existem num estado de mudança e trans-
formação, eles presumem que Deus está mudando, que a Bíblia será
superada e que o cristianismo logo se tornará uma religião obsoleta.
Isso nos deixa sem verdades absolutas, sem padrões morais, sem senti-
26
do para a vida presente e sem esperança para o nosso destino futuro.

Conclusão
É possível resumir as duas principais características da crítica da
Bíblia em duas palavras: humanista e naturalista. É humanista porque
pressupõe que a Bíblia é a palavra da humanidade sobre Deus, em vez
de ser a Palavra de Deus à humanidade.
21081 - Crenças Populares

É naturalista porque admite que a Bíblia seja resultado de um pro-


cesso evolutivo, um livro que reflete a percepção do povo sobre Deus,
editado e emendado durante séculos. Essa concepção evolucionista
priva Deus, em última análise, de Seu poder criador e redentor. Tam-
bém destitui a vida humana de sentido e de esperança num futuro
glorioso.
O resultado final desse movimento crítico é que a Escritura perde
sua autoridade distintiva, tornando-se apenas uma peça de literatura
Filipe
Prog. Visual
religiosa, importante pelos temas tratados, mas sem nenhuma autori-
dade normativa para definir crenças e práticas. Se a Reforma enfra-
Redator
queceu a autoridade eclesiástica quando exaltou a Sola Scriptura, a crítica
da Bíblia enfraqueceu a autoridade bíblica quando exaltou o raciocínio
Cliente
humano.

C. Qualidade

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

O impacto negativo da crítica liberal requer um reexame respon-


sável da inspiração e autoridade da Bíblia. Na seção a seguir, veremos
como cristãos conservadores reagiram aos ataques dos críticos liberais,
desenvolvendo a “Doutrina da Inerrância Bíblica”.

Parte 3
INERRÂNCIA BÍBLICA
A questão da inspiração e autoridade da Bíblia raramente preocupou
os cristãos até um século atrás. Eles olhavam para as Escrituras como
a fonte de sua crença. Aceitavam a autoridade da Bíblia sem defini-la
em termos de estar isenta de erro. Nenhum dos principais credos
católicos ou protestantes discute a noção de possíveis erros na Bí-
blia. Somente a partir do século 19 essa questão dominou o cenário
religioso.
Um fator importante que contribuiu para isso foi o impacto ne-
gativo da crítica liberal, que, conforme mencionado anteriormente,
reduziu a Bíblia a uma coleção de documentos religiosos cheios de 27
erros e dificuldades textuais. Esse movimento crítico fez com que
muitos cristãos abandonassem seu compromisso para com a infalibili-
dade da Bíblia. A fim de defender a posição cristã tradicional sobre a
inspiração e autoridade da Bíblia contra os ataques dos críticos libe-
rais, cristãos conservadores desenvolveram o que se tornou conhecido

21081 - Crenças Populares


como “Doutrina da Inerrância Bíblica”.
Definir a doutrina da inerrância bíblica não é fácil porque ela
ocorre de diversas formas. David Dockery, erudito conservador dos
batistas do sul, identificou nove tipos, que variam desde o ditado
mecânico até à inerrância funcional.9 Em consonância com a finali-
dade de nosso estudo, limitaremos nossos comentários aos dois pon-
tos de vista mais comuns de inerrância, conhecidos como inerrância
“absoluta” e “limitada”.
Filipe

Inerrância absoluta Prog. Visual

Dockery fornece uma requintada definição de “inerrância abso- Redator


luta” a partir da perspectiva de um defensor: “Descobriremos que a
Bíblia em seus autógrafos originais, devidamente interpretada, é fiel Cliente

C. Qualidade

Dep. Arte
CRENÇAS POPULARES

em tudo quanto afirma no que diz respeito a todas as áreas da vida,


da fé e da prática.”10
O Concílio Internacional de Inerrância Bíblica, criado para de-
fender a inerrância das Escrituras contra os ataques de críticos libe-
rais, formulou um conceito parecido. Em 1978, cerca de 300 líderes
de igrejas e pesquisadores evangélicos se reuniram em Chicago para
participar de uma conferência patrocinada por essa entidade. Após três
dias de deliberações, publicaram o que ficou conhecido como The
Chicago Statement on Biblical Inerrancy [A Declaração de Chicago
Sobre a Inerrância da Bíblia].
A declaração propõe-se a defender a posição de inerrância
bíblica contra as concepções liberais da crítica da Bíblia. Os abaixo-
assinados procediam de uma diversidade de denominações evangéli-
cas e incluíam eruditos de renome como James Montgomery Boice,
Carl F. H. Henry, Roger Nicole, J. I. Packer, Francis Schaeffer e R. C.
28
Sproul. A declaração explica em detalhes os artigos formados por
proposições paralelas do tipo “Afirmamos tal coisa” e “Negamos tal
coisa”. Para o propósito deste estudo, citamos apenas as declarações
mais importantes:
“Afirmamos que, em sua totalidade, a Bíblia é inerrante, estando
isenta de toda falsidade, fraude ou engano. Negamos que a infalibili-
dade e a inerrância da Bíblia estejam limitadas a assuntos espirituais,
21081 - Crenças Populares

religiosos ou redentores, excluindo informação de natureza histórica


e científica. [...] Tendo sido inteira e verbalmente dada por Deus, a Bí-
blia não possui erro ou falha em tudo quanto ensina, quer naquilo que
declara a respeito dos atos de Deus na criação e dos acontecimentos
da história mundial, quer na sua própria origem literária sob a direção de
Deus, quer no testemunho que dá sobre a graça salvadora de Deus
na vida das pessoas. [...] Negamos que Deus, ao fazer esses escritores
usarem as próprias palavras que Ele escolheu, tenha anulado suas per-
Filipe
Prog. Visual
sonalidades [...].
“Afirmamos que, estritamente falando, a inspiração diz respeito
Redator
apenas ao texto autográfico das Escrituras, o qual, pela providência de
Deus, pode-se determinar com grande exatidão a partir de manuscri-
Cliente
tos disponíveis.”11

C. Qualidade

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

Essa definição se assemelha à teoria do ditado verbal, negado pelo


estilo literário singular de cada escritor e pela existência de discrepân-
cias nos textos bíblicos. No entanto, muitos evangélicos consideram
a aceitação dessa posição um marco decisivo de ortodoxia. Equipa-
ram a autoridade da Bíblia com sua inerrância, porque presumem que,
se a Bíblia não se mostrar infalível em questões seculares, então não pode
ser confiável em áreas religiosas mais importantes. Eles chegam ao ex-
tremo de afirmar que os cristãos não podem ser evangélicos legítimos
a menos que creiam na absoluta inerrância da Bíblia. Acreditam que a
negação dessa crença leva à rejeição de outras doutrinas evangélicas e ao
colapso de qualquer denominação ou organização cristã. Mostraremos
em breve que essas alegações não têm fundamento bíblico nem histórico.

Inerrância limitada
Simpatizantes da inerrância limitada opõem-se à ideia de condi-
cionar a autoridade da Bíblia à sua isenção de erros. Eles restringem
a exatidão da Bíblia apenas a questões de salvação e ética. Acreditam 29
que a inspiração divina não impediu os escritores bíblicos de come-
terem “erros” de natureza histórica ou científica, visto que esses não
afetam a nossa salvação. Para eles, a Bíblia não é isenta de erros em
tudo quanto diz, mas é infalível em tudo quanto ensina a respeito de
fé e prática.

21081 - Crenças Populares


Um bom exemplo desse posicionamento é a obra de Stephen T.
Davis. Em seu influente livro The Debate About the Bible: Inerrancy Versus
Infalibility [O Debate Sobre a Bíblia: Inerrância Versus Infalibilidade],
Davis escreve:“A Bíblia é inerrante se, e somente se, não faz declarações
falsas ou desencaminhadoras sobre qualquer tema. A Bíblia é infalível
se, e somente se, não faz declarações falsas ou desencaminhadoras sobre
qualquer questão de fé e prática. Nesses sentidos, eu, pessoalmente, acho
que a Bíblia é infalível, mas não inerrante.”12
As muitas restrições impostas à inerrância com o fim de resgatar Filipe
Prog. Visual
a credibilidade da teoria fazem tanto sentido para o leigo mediano
quanto expressões do tipo “a quadratura do círculo”. Em última aná- Redator
lise, o que se discute não é se a Bíblia está isenta de erros, mas se ela é
confiável para nossa salvação. Argumentar que a inspiração divina im- Cliente

C. Qualidade

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CRENÇAS POPULARES

pediu os escritores bíblicos de cometer erros em questões de fé e prá-


tica, mas lhes permitiu cometer erros ao lidar com questões históricas
e científicas, significa criar uma dicotomia absurda.
Seria o mesmo que dizer que a supervisão do Espírito Santo (ins-
piração) foi parcial e descontinuada, dependendo do assunto aborda-
do. Tal ponto de vista é negado pela clara afirmação de que “Toda a
Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3:16; itálico acrescentado). O
que se discute aqui não é se a Bíblia foi inspirada no todo ou em parte,
mas em que sentido o Espírito Santo influenciou os escritores bíbli-
cos a fim de garantir a fidedignidade de suas mensagens. Abordaremos
essa questão na última parte deste capítulo.

Uma breve história do debate sobre a inerrância


Antes de analisar alguns dos problemas referentes à tese da iner-
rância absoluta, é útil fazer um breve relato de sua história. Em seu
30
artigo sobre “Inerrância Bíblica”, Stephen L. Andrews apresenta um
levantamento conciso do debate sobre o tema.13 Ele chama a atenção
para o fato de que a maioria dos historiadores faz remontar a origem
do debate sobre a inerrância entre os evangélicos ao fim do século 19,
quando críticos liberais e fundamentalistas se digladiaram. Os chama-
dos teólogos de Princeton, A. A. Hodge e B. B.Warfield, foram os mais
influentes na defesa da doutrina da inerrância bíblica.14
21081 - Crenças Populares

A tese da inerrância, desenvolvida pelos teólogos de Princeton, pres-


supõe que a Bíblia, para ser a “Palavra de Deus” no verdadeiro sentido,
deve ser inerrante. Em termos bem simples, o raciocínio deles é o de
que, se Deus é perfeito, a Bíblia deve ser perfeita (inerrante), porque é a
Palavra de Deus. Essa visão absoluta de inspiração, apesar dos protestos
em contrário, resulta numa concepção de inspiração “verbal”, o que
minimiza o fator humano. Esse ponto de vista foi combatido por James
Orr e G. C. Berkouwer, ambos defensores da tese da inerrância limitada.
Filipe
Prog. Visual
A Batalha de Harold Lindsell em Favor da Bíblia
Redator
O debate começou a esquentar novamente na década de 1960, atin-
gindo seu ponto de ebulição em 1976 com a publicação de The Battle
Cliente
for the Bible [A Batalha em Favor da Bíblia], de Harold Lindsell. Em seu

C. Qualidade

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

livro, Lindsell faz todo o possível para demonstrar o impacto negativo


que a tese da inerrância limitada supostamente causaria sobre as igrejas
e seminários evangélicos. Ele chega mesmo a nomear os principais es-
tudiosos evangélicos que se afastaram da doutrina evangélica cardeal da
inerrância absoluta, passando a ensinar a inerrância limitada.
As reações de ambos os lados foram intensas. O Seminário Teo-
lógico Fuller defendeu sua posição em favor da inerrância limitada
publicando uma coleção de ensaios organizados por Jack Rogers, um
professor da instituição.15 Numa reação contrária, fundou-se o Concílio
Internacional Sobre Inerrância com o propósito declarado de defender
a inerrância absoluta da Bíblia, conforme expressa na Declaração de
Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia, citada anteriormente.
No ano seguinte, Lindsell escreveu a segunda parte de sua obra,
The Bible in the Balance [A Bíblia na Balança], na qual responde às
críticas produzidas por seu livro anterior. Desde 1980, um exército de
evangélicos eminentes tem aderido ao debate. Esse abrandou um pou-
co, mas continua a dividir profundamente os evangélicos: inerrantistas 31
absolutos versus inerrantistas limitados. Ao que parece, o que alimenta
o debate e faz o povo cristão lutar entre si a esse respeito é o interesse
em defender interpretações denominacionais de doutrinas-chaves. A
preocupação básica parece ser a interpretação das Escrituras, em vez
de sua inerrância.

21081 - Crenças Populares


Avaliação da inerrância absoluta
A teoria da inerrância bíblica absoluta baseia-se, em grande parte,
mais no raciocínio dedutivo do que numa análise indutiva dos textos
bíblicos. O argumento básico pode ser resumido em três proposições:
(1) a Bíblia é a Palavra de Deus; (2) Deus nunca é o autor de erros; (3)
portanto, a Bíblia está isenta de erros.
Lindsell expressa essa opinião claramente quando diz: “Uma vez
estabelecido que as Escrituras são ‘inspiradas por Deus’, segue-se Filipe
Prog. Visual
axiomaticamente que os livros da Bíblia estão isentos de erros, sendo
confiáveis em toda e qualquer matéria.”16 Em outras palavras, para os Redator
inerrantistas, como diz Everett Harrison, “a inerrância é o resultado
natural da inspiração total”.17 Cliente

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CRENÇAS POPULARES

Esse é um bom argumento? Será que inspiração implica inerrân-


cia absoluta, ou seja, um texto livre de imprecisões ou de qualquer
tipo de erros? A Bíblia testifica de sua própria inspiração, mas não de
inerrância para todas as informações que transmite. Ela nunca define
inspiração em termos de isenção de erros. Em vão se procurará uma
passagem bíblica que ensine não haver a possibilidade de declarações
imprecisas ou erradas. A razão é que seus escritores não eram apolo-
gistas nem doutores em teologia sistemática, obrigados a lidar com as
concepções críticas da atualidade acerca da Bíblia.
As duas declarações clássicas sobre inspiração nos dizem que “toda
a Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3:16), e “nunca jamais qual-
quer profecia foi dada por vontade humana; entretanto, homens santos
falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1:21). A
questão é: em que sentido é a Bíblia “inspirada-soprada por Deus” e
escrita pelo “impulso” do Espírito Santo?
32
Foi a Bíblia “inteira e verbalmente dada por Deus”, como afirma a
Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da Bíblia? Deus fez os es-
critores bíblicos “usarem as próprias palavras que Ele escolheu”? Parece
improvável. Sabemos que os escritores bíblicos não registraram passi-
vamente o que Deus lhes sussurrou aos ouvidos, pois cada um deles
usou seu próprio estilo de escrever e as fontes de que dispunha. É fato
conhecido que diversos livros da Bíblia foram compilados a partir de
21081 - Crenças Populares

documentos mais antigos, tais como histórias de reis, genealogias e


tradições orais. A falibilidade dessas fontes se reflete claramente nas
discrepâncias que encontramos na Bíblia. Alguns exemplos serão sufi-
cientes para ilustrar esse ponto.

Exemplos de discrepâncias na Bíblia


Num artigo intitulado “The Question of Inerrancy in Inspi-
red Writings” [A Questão da Inerrância em Escritos Inspirados],
Filipe
Prog. Visual
Robert Olson, ex-diretor do Ellen White Estate e meu antigo
professor da área de Bíblia, apresenta um impressionante catálogo
Redator
de inexatidões bíblicas com que se defrontam os estudiosos. Por
amor à brevidade, transcrevemos apenas as duas primeiras listas
Cliente
do catálogo:

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

“1. Incertezas históricas. Davi matou 40 mil homens a cavalo


(2Sm 10:18) ou 40 mil homens a pé (1Cr 19:18)? Jesus curou o cego
Bartimeu ao Se aproximar da cidade de Jericó (Lc 18:35) ou quando
saía dela (Mc 10:46)? Era Hobabe cunhado de Moisés (Nm 10:29)
ou sogro (Jz 4:11)? O galo cantou uma vez quando Pedro negou ao
Senhor (Mt 26:34, 69-75) ou duas vezes (Mc 14:66-72)? Cainã (Lc
3:36) se situa genealogicamente entre Salá e Arfaxade, ou não (Gn
11:12)?
“2. Problemas numéricos e cronológicos. Os que mor-
reram da praga foram 24 mil, conforme Números 25:9, ou foram
23 mil, conforme 1 Coríntios 10:8? Possuía Salomão 40 mil es-
trebarias de cavalos (1Rs 4:26) ou eram 4 mil (2Cr 9:25)? Tinha
Joaquim dezoito (2Rs 24:8) ou oito (2Cr 36:9) anos quando co-
meçou a reinar? Acazias chegou ao trono com a idade de 22 (2Rs
8:26) ou 42 (2Cr 22:2) anos? Davi era o oitavo filho de Jessé (1Sm
16:10, 11) ou o sétimo filho (1Cr 2:15)? O período dos juízes
durou 450 anos (At 13:20) ou cerca de 350 anos, como seria ne- 33
cessário para que 1 Reis 6:1 esteja correto?”18
Os resultados do recenseamento ordenado por Davi e levado a
cabo por Joabe, chefe de seu exército, apresentam discrepâncias seme-
lhantes. De acordo com 2 Samuel 24:9, Joabe relatou ao rei que “havia
em Israel oitocentos mil homens de guerra, que puxavam da espada;

21081 - Crenças Populares


e em Judá eram quinhentos mil”. Mas em 1 Crônicas 21:5, Joabe
informou a Davi que “havia em Israel um milhão e cem mil homens
que puxavam da espada; e em Judá eram quatrocentos e setenta mil
homens que puxavam da espada”. Não resta dúvida de que os dois
conjuntos de números são bastante diferentes. Um deles é inexato.
Outro exemplo é o preço pago por Davi a Araúna, o jebuseu,
pela propriedade na qual o rei edificou um altar e ofereceu nele
sacrifícios para fazer cessar a praga que dizimava o povo. De acordo
com 2 Samuel 24:24, Davi pagou 50 ciclos de prata pela eira, mas, Filipe
Prog. Visual
de acordo com 1 Crônicas 21:25, a soma paga foi de 600 ciclos de
ouro. A diferença entre 50 ciclos de prata e 600 ciclos de ouro é Redator
gigantesca, podendo dificilmente ser explicada como um erro co-
metido por escriba. Cliente

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O Espírito Santo permitiu as discrepâncias


O que parece é que os dois escritores usaram duas fontes diferentes.
O Espírito Santo poderia ter contornado o problema das fontes confli-
tantes sussurrando os números corretos ao ouvido dos dois escritores.Tal
método teria eliminado as discrepâncias e evitado os debates acadêmicos.
Mas o fato é que o Espírito Santo preferiu não sustar nem reprimir as
faculdades humanas dos escritores com o objetivo de garantir precisão
absoluta. Em vez disso, optou por permitir erros que não afetam nossa
fé e prática. É insensato dizer a Deus que tipo de Bíblia Ele deveria ter
produzido para que os livros sagrados fossem inspirados e inerrantes.19
Não temos o direito de definir “inspiração” de acordo com nossos
critérios subjetivos de inerrância, a fim de enfrentar o desafio dos estudos
críticos da Bíblia. Ao contrário, precisamos simplesmente olhar e ver o
tipo de Bíblia que foi produzido sob a supervisão (inspiração) do Espírito
34
Santo. Quem olha para a Bíblia com a mente aberta concorda realmente
com a alegação de que ela é inspirada e autorizada para determinar nossas
crenças e práticas, mas não para validar a pretensão de que ela é isenta de
erros.20

Eram os manuscritos originais isentos de erros?


Defensores da inerrância absoluta alegam que somente os manus-
21081 - Crenças Populares

critos originais eram inerrantes, mas não a Bíblia atual. Isso significa
que as discrepâncias e erros existentes seriam supostamente resultado da
transmissão do texto bíblico. Os exemplares originais dos diversos livros
da Bíblia estariam isentos de erros porque Deus inspirou os escritores
bíblicos a escreverem com exatidão.
O apelo aos manuscritos originais para justificar os erros existentes
na Bíblia deixa uma porta de escape permanentemente aberta para
os inerrantistas. Não importa quão patente seja um erro, eles podem
Filipe
Prog. Visual
sempre se desviar da questão alegando que se trata de um erro de
transmissão, não presente na versão original. Esse argumento, como
Redator
ressalta Stephen Davis, “parece intelectualmente desonesto, principal-
mente quando não existem indícios textuais de que o erro suposto se
Cliente
deve de fato a um problema de transmissão”.21

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

O estudo científico das leituras variantes dos manuscritos bíblicos


avançou tanto que os pesquisadores de hoje podem estabelecer com
surpreendente exatidão a leitura dos manuscritos originais. Além do
mais, esses problemas são poucos em comparação ao conteúdo de
toda a Bíblia, e não afetam os seus ensinos.

Um único erro torna suspeita toda a Bíblia?


Alguns inerrantistas afirmam que, a menos que a Bíblia esteja isen-
ta de erros em cada uma de suas declarações, a fidedignidade de todos
os ensinos se torna suspeita. Nas palavras de Dan Fuller: “Se somente
uma de suas declarações [da Bíblia] estiver errada, a verdade de qual-
quer outra declaração se torna questionável.”22
O problema com esse argumento é que ele condiciona a fidedigni-
dade dos ensinos bíblicos à exatidão absoluta em detalhes históricos,
geográficos e científicos. No entanto, em parte alguma os escritores
bíblicos alegam que todas as suas declarações são infalíveis. A razão
disso é que, para eles, os acontecimentos ou as mensagens principais 35
eram mais importantes do que seus detalhes circunstanciais.
Um exemplo será suficiente para ilustrar esse ponto. Marcos nos diz
que, ao enviar os discípulos em uma missão evangelística, Jesus lhes per-
mitiu levar um bordão: “Ordenou-lhes que nada levassem para o cami-
nho, exceto um bordão; nem pão, nem alforje, nem dinheiro” (Mc 6:8).

21081 - Crenças Populares


No entanto, Mateus e Lucas relatam Jesus proibindo especificamente
o uso de bordão: “Não vos provereis de ouro, nem de prata, nem de
cobre nos vossos cintos, nem de alforje para o caminho, nem de duas
túnicas, nem de sandálias, nem de bordão” (Mt 10:9, 10; itálico acrescen-
tado). “Nada leveis para o caminho: nem bordão, nem alforje, nem pão,
nem dinheiro” (Lc 9:3; itálico acrescentado).
Fica evidente que os dois relatos são contraditórios e que pelo
menos um dos Evangelhos está equivocado. Mas essa incoerência não
destrói a confiança no evento relatado, a saber, Cristo comissionou os Filipe
Prog. Visual
discípulos. Ao que parece, para os autores dos Evangelhos, os eventos
eram mais importantes do que os detalhes. Redator
A credibilidade das grandes doutrinas da Bíblia não depende da
precisão de detalhes circunstanciais. É infundado o temor de que, se Cliente

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a inerrância cair por terra, as grandes doutrinas da Bíblia também


cairão. Para ser franco, muitos cristãos que não avalizam a teoria da
inerrância absoluta creem nessas doutrinas.

A compreensão católica sobre a natureza da Bíblia


Documentos oficiais católicos não discutem a questão da exatidão
do texto bíblico. Para a Igreja Católica, a exatidão da Bíblia é um fato
indiscutível, fundamentado em sua crença, claramente formulada no
novo Catecismo da Igreja Católica, de que “a Sagrada Escritura é o dis-
curso de Deus enquanto redigido sob a moção do Espírito Santo”.23
Isto soa como uma “Teoria do Ditado”, já que o próprio catecis-
mo define a Bíblia como o discurso de Deus registrado “sob a moção
do Espírito Santo”. O problema com o ensino católico é duplo. Por
um lado, tenta fazer da Bíblia um livro estritamente divino que deve
ser reverenciado como o corpo de Cristo. Por outro lado, enaltece a
36
Tradição, isto é, os ensinos tradicionais da Igreja Católica, ao mesmo
nível da natureza divina da Bíblia.
O Catecismo explica que a Sagrada Escritura é a Palavra de Deus
escrita, enquanto a Tradição é a transmissão viva da Palavra de Deus con-
fiada à igreja. Em outras palavras, Deus Se revela através de duas agên-
cias: a Bíblia e os ensinamentos tradicionais da Igreja Católica.
Citando o documento Dei Verbum (“Palavra de Deus”), do
21081 - Crenças Populares

Concílio Vaticano II, assim reza o Catecismo: “Portanto, a Sagrada


Tradição e a Sagrada Escritura estão intimamente unidas e com-
penetradas entre si.”24 Diz mais: “A Sagrada Tradição, por sua vez,
transmite integralmente aos sucessores dos Apóstolos a palavra de
Deus confiada por Cristo Senhor e pelo Espírito Santo aos Após-
tolos, [...] donde resulta, assim, que a igreja não tira só da Sagrada
Escritura a sua certeza a respeito de todas as coisas reveladas. Por
isso, ambas devem ser recebidas e veneradas com igual espírito de
Filipe
Prog. Visual
piedade e reverência.”25
Essa declaração oficial expressa com surpreendente clareza o ensi-
Redator
no católico de que Scriptura et Tradition (ou seja, Escritura e Tradição)
são os dois canais da revelação divina e constituem a autoridade nor-
Cliente
mativa para a definição de crenças e práticas católicas.

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

Avaliação da visão católica


Ao fazer de seus ensinos tradicionais a “transmissão viva” da Pa-
lavra de Deus, “realizada pelo Espírito Santo”,26 a Igreja Católica re-
duziu em grande parte e substituiu por fim a autoridade da Bíblia.
O cardeal James Gibbons reconhece esse fato quando declara: “As
Escrituras sozinhas não contêm todas as verdades nas quais um cristão
deve crer, tampouco prescreve de maneira expressa todos os deveres
que ele está obrigado a praticar.”27
Num tom semelhante, John L. McKenzie, professor da Universida-
de Notre Dame, afirma: “A Bíblia é a Palavra de Deus, mas foi a igreja
que proferiu a palavra. É a igreja que dá a Bíblia ao crente.”28 Ao exal-
tar sua autoridade de ensinar, conhecida como Magistério, acima da
autoridade da Bíblia, a Igreja Católica conseguiu promulgar, ao longo
dos séculos, inúmeros dogmas que violam flagrantemente os inequí-
vocos ensinos da Bíblia. Analisaremos nos próximos capítulos alguns
ensinamentos católicos que são populares e antibíblicos: imortalidade 37
da alma, santidade do domingo, primazia papal, batismo infantil, ve-
neração e intercessão de Maria e dos santos, penitência, indulgências,
purgatório e tormento sem fim no inferno.

Precisa a Escritura ser suplementada pela tradição?

21081 - Crenças Populares


Constitui rematada arrogância uma igreja alegar que seus ensinos
são a “transmissão viva” da Palavra de Deus, a qual conduz os fiéis à
“verdade plena”, apenas parcialmente contida nas Escrituras. Mas é
isso o que a Igreja Católica afirma: “A comunicação que o Pai fez
de Si mesmo por seu Verbo no Espírito Santo permanece presen-
te e atuante na igreja.”29 Através do Espírito Santo, “a voz viva do
Evangelho ressoa na igreja e, através dela no mundo, leva os crentes
à verdade plena”.30
A noção de que a Bíblia contém apenas parcialmente as verdades Filipe
Prog. Visual
reveladas, as quais devem ser suplementadas pelo ensino da Igreja Ca-
tólica, nega a toda-suficiência das Escrituras. Paulo declara que “toda a Redator
Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão,
para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem Cliente

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de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”


(2Tm 3:16, 17). Note que a Bíblia contém todos os ensinamentos
necessários para um crente ser “perfeito e perfeitamente habilitado
para toda boa obra”. Não há necessidade da tradição para completar
a Escritura.
Jesus censurou energicamente a forma enganosa pela qual a tradi-
ção pode minar a autoridade das Escrituras. “Jeitosamente rejeitais o
preceito de Deus para guardardes a vossa própria tradição, [...] inva-
lidando a palavra de Deus pela vossa própria tradição” (Mc 7:9, 13).
A fim de legitimar a validade daquilo que ensinavam, os escritores
do Novo Testamento apelavam constantemente para as Escrituras, e
não para a tradição (Mt 21:42; Jo 2:22; 1Co 15:3, 4; 1Pe 1:10-12; 2Pe
1:17-19). Paulo louvou os bereanos por comparar seus ensinos com
a Escritura, e não com a tradição. “[Os bereanos] receberam a palavra
com toda a avidez, examinando as Escrituras todos os dias para ver se
38
as coisas eram, de fato, assim” (At 17:11).
Não resta dúvida de que a revelação divina contida nas Escrituras
foi e continua sendo a autoridade final para definir as crenças e práti-
cas cristãs. Qualquer tentativa de substituir a autoridade da Bíblia pela
autoridade do magistério de qualquer igreja representa, como disse
Jesus, uma maneira “jeitosa” de rejeitar o mandamento de Deus para
guardar a sua própria tradição, invalidando assim a Palavra de Deus
21081 - Crenças Populares

(Mc 7:9, 13).

Parte 4
COMPREENSÃO ADVENTISTA SOBRE A
NATUREZA DA BÍBLIA
Os adventistas do sétimo dia defendem a Bíblia como a única re-
velação da vontade e plano de Deus para a humanidade. Aceitam-na
como a infalível e normativa autoridade para definir crenças e práti-
Filipe
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cas. Creem que nesse livro Deus oferece à humanidade os conheci-
mentos necessários à salvação.
Redator
A primeira Crença Fundamental da Igreja Adventista do Sétimo Dia
apresenta uma declaração concisa da crença da igreja sobre a Bíblia: “As
Cliente
Escrituras Sagradas, o Antigo e o Novo Testamento, são a Palavra de Deus

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escrita e dada por inspiração divina por intermédio de santos homens de


Deus que falaram e escreveram ao serem movidos pelo Espírito Santo.
Nessa Palavra, Deus transmitiu ao homem o conhecimento necessário
para a salvação. As Escrituras Sagradas são a infalível revelação de Sua
vontade. Constituem o padrão de caráter, a prova da experiência, o au-
torizado revelador de doutrinas e o registro fidedigno dos atos de Deus
na história.”
Essa Crença Fundamental mostra que os adventistas concordam
com os outros cristãos conservadores no particular de que a Bíblia é
divinamente inspirada e contém a infalível revelação da vontade de
Deus para nossa vida. Eles aceitam plenamente a autoridade divina e a
completa fidedignidade das Escrituras, embora jamais tenham defen-
dido a doutrina da inerrância bíblica.

Objeções adventistas à inerrância absoluta


Os adventistas não endossam a doutrina da inerrância da Bíblia por
cinco razões importantes. Primeiramente, os adventistas creem que os 39
escritores da Bíblia foram os autores de Deus, e não a pena do Espírito
Santo. Eles estiveram totalmente envolvidos na produção de seus escritos.
Alguns deles, como Lucas, reuniram as informações entrevistando teste-
munhas oculares do ministério de Cristo (Lc 1:1-3). Outros, como os
autores de Reis e Crônicas, fizeram uso dos registros históricos de que

21081 - Crenças Populares


dispunham. O fato de tanto os escritores como as suas fontes serem hu-
manos, torna irrealista insistir na tese de que não existem declarações
inexatas na Bíblia.
Em segundo lugar, as tentativas dos inerrantistas de conciliar as
discrepâncias entre as descrições bíblicas do mesmo acontecimento
resultam, muitas vezes, em interpretações distorcidas e forçadas da Bí-
blia. Harold Lindsell tenta, por exemplo, conciliar os relatos divergen-
tes da negação de Jesus por parte de Pedro ao cantar do galo propon-
do que Pedro negou Jesus num total de seis vezes!31 É possível evitar Filipe
Prog. Visual
essas especulações gratuitas simplesmente aceitando a existência de
discrepâncias irrelevantes nos relatos dos Evangelhos. Redator
Em terceiro lugar, ao basear a fidedignidade e a infalibilidade da
Bíblia na exatidão de seus pormenores, a doutrina da inerrância ignora Cliente

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que a função principal das Escrituras é a de revelar o plano de Deus


para a nossa salvação. A Bíblia não tem a pretensão de nos fornecer in-
formações geográficas, históricas ou culturais exatas, mas tão somente
de nos revelar como Deus nos criou perfeitamente, nos redimiu com-
pletamente e há de finalmente nos restaurar.
Em quarto lugar, os adventistas entendem que a doutrina da iner-
rância da Bíblia não possui fundamento bíblico. Os escritores bíblicos
jamais reivindicaram ser inerrantes em suas declarações. Esse concei-
to tenta tomar como ponto de partida a inspiração divina. Parte do
pressuposto de que, se a Bíblia é divinamente inspirada, então deve ser
igualmente inerrante. Mas a Escritura jamais equipara inspiração com
inerrância. A natureza da Bíblia deve ser definida dedutivamente, isto
é, considerando todos os dados fornecidos pela própria Bíblia, e não
indutivamente, ou seja, extraindo conclusões de premissas subjetivas.
Uma análise dedutiva das discrepâncias existentes na Bíblia não favo-
40
rece a tese da inerrância absoluta.

O papel humano na produção da Bíblia


Uma última razão por que os adventistas rejeitam a doutrina da iner-
rância da Bíblia é o reconhecimento do papel humano na produção da
Bíblia. “A Bíblia aponta a Deus como seu autor; no entanto, foi escrita
por mãos humanas, e no variado estilo de seus diferentes livros apresenta
21081 - Crenças Populares

as características dos diversos escritores. As verdades reveladas são todas


dadas por inspiração de Deus (2Tm 3:16); acham-se, contudo, expressas
em palavras de homens. O ser infinito, por meio de Seu Santo Espírito,
derramou luz na mente e no coração de Seus servos.”32
De modo contrário à Declaração de Chicago Sobre a Inerrância da
Bíblia, segundo a qual a Bíblia foi “verbalmente dada por Deus”, os ad-
ventistas creem que o Espírito Santo impressionou os escritores da Bíblia
com pensamentos, e não com palavras.“Não são as palavras da Bíblia que
Filipe
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são inspiradas, mas os homens é que o foram. A inspiração não atua nas
palavras do homem ou em suas expressões, mas no próprio homem, que,
Redator
sob a influência do Espírito Santo, é possuído de pensamentos.”33
Deus inspirou os homens, e não suas palavras. Isso significa que
Cliente
a Bíblia “não é a maneira de pensar e se exprimir de Deus. Essa é

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da humanidade. Deus, como escritor, não Se acha representado. Os


homens dirão muitas vezes que tal expressão não é própria de Deus.
Ele, porém, não Se pôs à prova na Bíblia em palavras, em lógica, em
retórica. Os escritores da Bíblia foram os instrumentos de Deus, não
Sua pena”.34
Os adventistas do sétimo dia reconhecem que existem discrepân-
cias ou imprecisões na produção da Bíblia e na transmissão de seu
texto. “Alguns nos olham seriamente e dizem: ‘Não acha que deve ter
havido algum erro nos copistas ou da parte dos tradutores?’ Tudo isso
é provável […], [mas] todos os erros não causarão dificuldade a uma
alma, nem farão tropeçar os pés de alguém que não fabrique dificul-
dades da mais simples verdade revelada.”35
A existência de erros na produção ou transmissão do texto bíblico
só é problema para aqueles que desejam “fabricar dificuldades da mais
simples verdade revelada”. O certo é que o fato de existirem detalhes
imprecisos não enfraquece a validade das verdades fundamentais re-
veladas na Escritura. 41

O caráter divino e humano da Bíblia


Os adventistas baseiam sua doutrina sobre a natureza da Bíblia em
dois importantes versículos: “Toda a Escritura é inspirada por Deus”
(2Tm 3:16) e “nunca jamais qualquer profecia foi dada por vontade

21081 - Crenças Populares


humana; entretanto, homens santos falaram da parte de Deus, movidos
pelo Espírito Santo” (2Pe 1:21). Esses versos enfatizam a natureza divino-
humana da Bíblia. Embora tenham sua origem em Deus, as mensagens
dos escritores bíblicos foram expressas em linguagem humana, refletin-
do a formação cultural e educacional dos escritores.
Reconhecer a natureza divino-humana da Bíblia exclui as duas
concepções equivocadas sobre a Bíblia que discutimos neste capítulo.
A primeira é a dos inerrantistas, que superestima a dimensão divina da
Escritura e subestima a participação humana, a fim de legitimar a ideia Filipe
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de que o texto é completamente isento de erros.
A segunda concepção, liberal, é a dos críticos, segundo os quais os Redator
escritos bíblicos refletem apenas ideias e aspirações humanas. Para eles,
esses escritos são produto de indivíduos de extraordinária capacidade Cliente

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intelectual e religiosa, que foram influenciados, não pela inspiração do


Espírito Santo, mas pela cultura de seu tempo.
Os adventistas rejeitam ambas as concepções, ou seja, tanto a dos
inerrantistas como a dos críticos liberais. Em vez disso, defendem uma
concepção equilibrada, alicerçada no próprio testemunho da Bíblia
(2Tm 3:16; 1Pe 1:21) acerca de seu caráter divino-humano.
O livro Nisto Cremos afirma: “Existe um paralelismo entre Jesus
feito carne e a Bíblia: Jesus combinou em Si Deus e o homem; o
divino e o humano se tornaram Um. De modo similar, a Bíblia tam-
bém reúne o divino e o humano em um só. O mesmo que foi dito
de Cristo, pode ser afirmado da Bíblia: ‘o Verbo Se fez carne e habi-
tou entre nós’ (Jo 1:14). Essa combinação divino-humana faz com
que a Bíblia assuma um lugar absolutamente singular na literatura.”36

A dimensão humana da Bíblia


42
Pode-se ver a dimensão humana da Bíblia, por exemplo, no em-
prego do grego koiné, que era a língua do mercado, em vez do uso do
grego da literatura clássica. Revela-a também o estilo literário árido de
livros como o Apocalipse, que apresenta vocabulário limitado e alguns
erros gramaticais. Está presente no aproveitamento de tradições orais
por homens como Lucas, ou de registros escritos pelos autores de Reis
e Crônicas. Reflete-se na expressão das emoções humanas, em textos
21081 - Crenças Populares

como o Salmo 137, que, descrevendo o sentimento dos cativos hebreus


em Babilônia, exclama: “Filha da Babilônia, que hás de ser destruída,
feliz aquele que te der o pago do mal que nos fizeste. Feliz aquele que
pegar teus filhos e esmagá-los contra a pedra” (Sl 137:8, 9).
Essa forma violenta de linguagem expressa emoções humanas ma-
goadas, mas não o modo de falar divino. O Deus da revelação bíblica
não se compraz em esmagar bebês contra as rochas. É importante
lembrar que o Senhor “não Se pôs à prova na Bíblia em palavras, em
Filipe
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lógica, em retórica”.37

A dimensão divina da Bíblia


Redator
A unidade fundamental dos ensinos da Bíblia aponta para sua na-
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tureza divina. Cerca de 40 autores escreveram 66 livros no decorrer

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

de um período de 1.600 anos; apesar disso, todos partilham o mesmo


ponto de vista sobre criação, redenção e restauração final. Unicamen-
te a inspiração divina poderia garantir a unidade temática subjacente
da Bíblia ao longo de séculos de composição.
Outra indicação da natureza divina da Bíblia é o seu impacto sobre
as vidas e sociedades humanas. A Bíblia venceu o ceticismo, o precon-
ceito e a perseguição do mundo romano. Transformou os valores e as
práticas sociais das sociedades que lhe abraçaram os ensinos; conferiu
um novo valor à vida, imprimiu senso de dignidade à pessoa humana
e novo status às mulheres e aos escravos; rompeu com a discriminação
social e racial; deu a inumeráveis milhões de pessoas uma razão para
viver, amar e servir.
O caráter divino da Bíblia também se revela em sua maravilhosa
concepção de Deus, da criação, da redenção e da natureza e destino
do homem. Não encontramos essas concepções elevadas nos livros sa-
grados das religiões pagãs. Nos mitos da criação do Oriente Próximo,
por exemplo, os deuses geralmente encontram descanso ou eliminan- 43
do deuses importunos ou criando seres humanos para trabalhar a fim
de que os deuses descansem.38
No sábado da criação, porém, Deus encontra descanso não por ha-
ver subordinado ou destruído concorrentes nem por haver explorado o
trabalho de seres humanos, mas sim porque realizou uma criação perfeita.

21081 - Crenças Populares


Deus descansou no sétimo dia porque terminou “a Sua obra” (Gn 2:2, 3).
Ele parou de trabalhar como uma expressão de Seu desejo de estar com
Sua criação, para dar às Suas criaturas não apenas coisas, mas a Si mesmo.
Esse conceito maravilhoso de um Deus que, durante a criação, penetra
no tempo humano e, pela encarnação, penetra na carne humana a fim de
Se tornar Emanuel, “Deus conosco”, acha-se ausente nas religiões pagãs,
onde os deuses normalmente compartilham das fraquezas humanas.
A notável natureza da Bíblia também se revela em sua miraculosa
preservação ao longo da história, apesar dos incansáveis esforços para des- Filipe
Prog. Visual
truí-la. Já mencionamos as tentativas feitas no passado por imperadores
romanos, líderes de igrejas cristãs e regimes comunistas para suprimir a Redator
Bíblia. A despeito de todas essas tentativas premeditadas para destruir o
Santo Livro, seu texto chegou até nós essencialmente inalterado. Alguns Cliente

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dos mais antigos manuscritos nos aproximam da composição dos origi-


nais, revelando a surpreendente exatidão do texto que chegou até nós.
Podemos confiar que nossas Bíblias são versões seguras das mensagens
originais.
Por fim, considerações conceituais e existenciais asseguram a va-
lidade da Bíblia. Conceitualmente, a Bíblia oferece uma explicação
razoável para a condição humana e a solução divina para os nossos
problemas. Existencialmente, os ensinos da Bíblia dão sentido à nossa
existência e nos oferecem razões para viver, amar e servir. Por meio
deles, podemos experimentar as ricas bênçãos da salvação.

CONCLUSÃO
Fizemos um rápido esboço histórico da controvérsia entre a errância
e a inerrância da Bíblia.Assinalamos que a Bíblia está sendo atacada hoje
por amigos e inimigos. O pêndulo oscila para ambos os extremos. Por
44
um lado, críticos liberais reduzem a Bíblia a um livro estritamente hu-
mano, cheio de erros e desprovido de revelações sobrenaturais e mani-
festações miraculosas. Por outro lado, alguns evangélicos conservadores
sacralizam a Bíblia a tal nível que passam por alto a dimensão humana
das Escrituras. Eles declaram, solenemente, que a Bíblia não possui erros
de espécie alguma, inclusive em todas as suas referências a história, geo-
grafia, cronologia, cosmologia, ciência e assim por diante.
21081 - Crenças Populares

No fundo, tanto a inerrância como a errância são posições ex-


tremistas e antibíblicas, visto que minam a autoridade da Bíblia, tor-
nando-a ou demasiado humana ou demasiado divina. A solução para
esses extremos se encontra na palavra-chave equilíbrio – equilíbrio que
reconheça o caráter tanto divino quanto humano da Bíblia.
A seu modo, o catolicismo minou a autoridade da Bíblia ao de-
clarar que seus ensinos tradicionais representavam a “viva transmissão”
da Palavra de Deus. Isso possibilitou que a Igreja Católica, ao longo
Filipe
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dos séculos, promulgasse grande número de ensinamentos antibíbli-
cos, responsáveis em grande parte por conduzir inúmeros cristãos à
Redator
apostasia.
A Igreja Adventista do Sétimo Dia tem historicamente defendido
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uma concepção equilibrada sobre a Bíblia, reconhecendo o seu cará-

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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

ter tanto divino quanto humano. Os adventistas creem que a Bíblia é


produto de uma misteriosa mistura de participação divina e humana.
A fonte é divina, os escritores são humanos, mas os escritos contêm
pensamentos divinos em linguagem humana. Essa combinação singu-
lar nos oferece uma revelação confiável e infalível da vontade de Deus,
e um plano para a nossa vida presente e destino futuro. Conforme está
declarado nas crenças fundamentais adventistas do sétimo dia: “As Es-
crituras Sagradas são a infalível revelação de Sua vontade. Constituem
o padrão de caráter, a prova da experiência, o autorizado revelador de
doutrinas e o registro fidedigno dos atos de Deus na história.”39

____________
1
S. R. Maitland, Facts and Documents (1832), p. 192-194.
2
D. Lortsch, Historie de la Bible en France (1910), p. 14.
3
Loraine Boettner, Roman Catholicism (1962), p. 97.
4
Nostis et Nobiscum #14, Papal Encyclicals Online, www.papalencyclicals.
net/Pius09/p9nostis.htm. Itálico acrescentado. 45
5
James Orr, “Biblical Criticism”, International Standard Bible Encyclopedia,
v. 1, p. 120.
6
Clark H. Pinnock, “Baptists and Biblical Authority”, em Ronald Young-
blood, ed., Evangelicals and Inerrancy (1984), p. 155.
7
A. H. Strong, A Tour of the Missions: Observations and Conclusions (1918),

21081 - Crenças Populares


p. 170-174.
8
Earle E. Cairns, Christianity Through the Centuries: A History of the Christian
Church (1981), 1, p. 412.
9
David Dockery, “Variations on Inerrancy”, SBC Today (maio de 1986),
p. 10, 11.
10
David Dockery, “Can Baptists Affirm the Reliability and Authority of
the Bible”, SBC Today (março de 1985), p. 16.
11
“The Chicago Statement on Biblical Inerrancy”, appendix to Inerrancy,
ed. Norman L. Geiser (1980), p. 496. Filipe
Prog. Visual
12
Stephen T. Davis, The Debate About the Bible: Inerrancy Versus Infallibility
(1977), p. 23.
Redator
13
Stephen L. Andrew, “Biblical Inerrancy”, Chafer Theological Seminary
Journal 8 (2002): 2-21.
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14
Consultar Claude Welch, Protestant Thought in the Nineteenth Century, v.
1 (1972).
15
Jack Rogers, ed., Biblical Authority (1977), p. 175.
16
Harold Lindsell, “The Infallible Word”, Christianity Today, 25 de agosto
de 1972, p. 11. Consultar também R. C. Sproul, “The Case for Iner-
rancy: A Methodological Analysis”, em John W. Montgomery, ed., God’s
Inerrant Word (1974), p. 257.
17
Everett Harrison, “The Phenomena of Scripture”, em Carl F. H. Henry,
ed., Revelation and the Bible (1958), p. 250.
18
Appendix A, em Graeme Bradford, More Than a Prophet (2007), p. 237, 238.
19
R. Rendtorff, “Pentateuchal Studies on the Move”, Journal for the Study
of the Old Testament (1976), 3, p. 45.
20
Merrill C. Tenney, “The Legitimate Limits of Biblical Criticism”, em
Evangelicals and Inerrancy, ed. Ronald Youngblood (1984), p. 33.
21
Stephen T. Davis (nota 12), p. 25.
22
Citado por Harold Lindsell, The Bible in the Balance (1979), p. 220.
46
23
Catechism of the Catholic Church (1994), p. 26.
24
Ibid.
25
Ibid.
26
Ibid., p. 25.
27
James Cardinal Gibbons, The Faith of Our Fathers: Being a Plain Exposition
and Vindication of the Church Founded by Our Lord Jesus Christ, 110ª edição
21081 - Crenças Populares

revisada (1917), p. 89.


28
John L. McKenzie, The Roman Catholic Church (1971), p. 264.
29
Catechism, p. 25.
30
Ibid., itálico acrescentado.
31
Harold Lindsell, The Battle for the Bible (1976), p. 174-176.
32
Ellen G. White, Mensagens Escolhidas (1985), v. 1, p. 25.
33
Ibid., p. 21.
34
Ibid.
Filipe
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35
Ibid., p. 16.
36
Nisto Cremos (2003), p. 21.
37
Ellen G. White, Mensagens Escolhidas (1985), v. 1, p. 21.
Redator
38
Para consideração do tema, consultar R. Pettazzoni, “Myths of Begin-
ning and Creation-Myths”, em Essays on the History of Religion, trad.
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A NATUREZA DA BÍBLIA: Isenta ou Repleta de Erros?

H. T. Rose (1954), p. 24-36. Uma abordagem breve, mas instrutiva, se


encontra em Niels-Erik A. Andreasen, The Old Testament Sabbath, SBL
Dissertation Series 7 (1972), p. 174-182. No poema épico da criação
babilônica Enuma Elish, o deus Marduque diz: “Criarei um selvagem,
homem será o seu nome. Será encarregado do serviço dos deuses, para
que estes descansem!” (James B. Pritchard, ed., Ancient Near Eastern Texts
[1950] [UT krt A 206-211], p. 68.)
39
Nisto Cremos (2003), p. 14.

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