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Direito da Criança e do Adolescente

4º Apostila - Rede de Atendimento


2023.2 - 1º Bimestre

Prof. Me. Gilberto Júnior Silva Lima


Instagram: https://www.instagram.com/gilbertojr.professor/
Site do Professor Gilberto Lima: https://professorgilbertojr.com/

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Ementa 2023.2

O Direito Material sob o Enfoque Constitucional (Evolução Histórica;


MacroPrincípios e Municipalização; Direitos Fundamentais; Poderes;
Guarda, Tutela e Adoção (e Prevenção); A Rede de Atendimento (Das
Políticas; Dos Conselhos; O poder Judiciário; O Ministério Público e o
Advogado); Das Infrações Administrativas; A efetividade do ECA: Medidas
Judiciais e Extrajudiciais; Da Prática de Ato Infracional; Dos Crimes.

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Referências - amplie seu conhecimento:

I. [Base lógica] Maciel, Kátia Regina Ferreira Lobo A. Curso de


Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e
Práticos. Disponível em: Minha Biblioteca, (14th edição).
Editora Saraiva, 2022.

II. Zapater, Maíra C. Direito da criança e do adolescente.


Disponível em: Minha Biblioteca, (2nd edição). Editora
Saraiva, 2023.

III. Júnior, Antônio Jorge P. Direitos da criança e do adolescente


em face da TV, 1ª edição.. Disponível em: Minha Biblioteca,
Editora Saraiva, 2012.

IV. Rossatto, Luciano, A. et al. Estatuto da crianca e do


adolescente comentado artigo por artigo. Disponível em:
Minha Biblioteca, (12th edição). Editora Saraiva, 2020.
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Sumário

1. A Rede de Atendimento: A política de atendimento 3


1.1 Considerações iniciais 3
1.2 Visão Geral da Nova Política de Atendimento 8
1.3 Os fundos dos direitos da criança e do adolescente 14
1.4 As entidades de atendimento 15
2. A Rede de Atendimento: Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente 18
2.1 Introdução 18
2.2 Definição 19
2.3 Natureza jurídica 20
2.4 Formação 21
2.5 Atribuições 22
2.6 O controle da atuação dos conselhos 23
3. A Rede de Atendimento: O Conselho Tutelar 25
3.1 Introdução 25
3.2 Visão Geral 26
3.3 Estrutura 27
3.4 O Processo de Escolha dos membros 28
3.5 As atribuições e o limite territorial de atuação 29
3.6 A fiscalização 31
4. A Rede de Atendimento: O Poder Judiciário 34
4.1 O juiz 34
4.2 Orgãos Auxiliares 36
5. A Rede de Atendimento: Ministério Público 39
5.1 Breves apontamentos 39
5.2 Instauração de procedimentos administrativos e sindicâncias (art. 201, VI e VII) 42
5.3 Promover medidas judiciais e extrajudiciais para zelar pelo efetivo respeito aos
direitos e garantias legais das crianças e dos adolescentes (art. 201, VIII) 43
5.4 Inspeção às entidades de atendimento (art. 201, XI) 44
5.5 Fiscalização da aplicação das verbas do fundo municipal (art. 260, § 4º) 46
6. Estudo de Caso com Estudo Dirigido 49

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1. A Rede de Atendimento: A política de atendimento

1.1 Considerações iniciais

A história da política de assistência à infância e adolescência no Brasil


remonta ao período colonial. Naquela época, a Igreja Católica
desempenhou um papel fundamental na catequese e separação das
crianças indígenas e mestiças dos adultos. Em 1551, foi criada a
primeira casa de recolhimento para meninos, seguida por outras
instituições administradas pela Companhia de Jesus.

Outra iniciativa importante durante o período colonial foi o Sistema das


Rodas de Expostos, criado pela Santa Casa de Misericórdia no século
XVIII. Esse sistema consistia em um dispositivo em formato de cilindro
que permitia que as pessoas abandonassem anonimamente os
recém-nascidos em locais designados para acolher crianças abandonadas.

Durante o Império, o Sistema das Rodas continuou a ser utilizado e houve


um aumento no número de instituições religiosas destinadas ao
acolhimento e educação de crianças e adolescentes. Além disso, foram
criadas Casas de Correção para menores envolvidos em atos ilícitos e
outros internatos, como o Asilo dos Meninos Desvalidos.

No entanto, apenas no final do período imperial começaram a surgir as


bases para uma intervenção mais efetiva do poder público no atendimento
à infância e adolescência. Antes disso, essa responsabilidade era delegada
à filantropia privada ou à caridade religiosa.

As mudanças políticas e socioeconômicas ocorridas na segunda


metade do século XIX trouxeram à tona problemas como delinquência,
carência e miséria nas cidades brasileiras. Epidemias e aumento da
criminalidade foram evidências desse quadro, sem uma resposta
adequada do Estado.

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Nesse contexto, surgiu o movimento higienista, que defendia métodos
racionais e científicos no atendimento à infância e adolescência. Esse
movimento questionou o modelo de assistência baseado na filantropia
privada.

No início do século XX, a ideia de investir nas crianças como forma de


garantir o desenvolvimento da nação ganhou força entre os
intelectuais da época. Isso levou ao surgimento das primeiras
políticas públicas voltadas para a população infantojuvenil.

Por exemplo, podemos citar a criação de programas de educação infantil e


medidas para garantir a saúde e bem-estar das crianças. Essas ações
visavam preparar as crianças para uma convivência adequada na
sociedade.

Assim, ao longo dos séculos, a política de atendimento à infância e


adolescência no Brasil evoluiu desde as iniciativas religiosas até a
intervenção mais efetiva do poder público, buscando garantir os direitos e
o desenvolvimento pleno dessa parcela da população.

Dando um passo atrás, a partir do século XIX, o problema das crianças


começou a ser visto como uma questão política, relacionado ao "ideal
republicano" da época. A urgência de intervir na vida dos menores se
tornou evidente, visando educá-los e corrigi-los para que se tornassem
cidadãos produtivos e úteis à sociedade. Isso levou à criação de políticas
de assistência estatal, baseadas no pensamento higienista e na
implementação de medidas sanitárias e eugênicas para controlar as
camadas menos favorecidas da sociedade.

Nesse contexto, instituições oficiais ou conveniadas foram criadas para


acolher crianças pobres ou em conflito com a lei em regime de internação.
A atenção estatal voltada para essas crianças resultou na promulgação do
Código Mello Mattos, a primeira legislação consolidada sobre o assunto.

O Código Mello Mattos categorizava os menores entre "abandonados" e


"delinquentes", tratando-os ora como vítimas, ora como perigo à
sociedade. O atendimento a essa população inicialmente ficou sob
responsabilidade do Juízo de Menores, encarregado de organizar a rede de

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assistência, fiscalizar as instituições e aplicar medidas protetivas ou
repressivas conforme necessário.

Durante o período do Estado Novo (1937/1945), foram criados


órgãos federais específicos para lidar com a população infantojuvenil,
como o Serviço de Assistência aos Menores (SAM), o Departamento
Nacional da Criança (DNCr) e a Legião Brasileira de Assistência (LBA). O
Juízo de Menores passou a ser responsável apenas pela fiscalização das
instituições, enquanto o SAM buscava soluções para os problemas
enfrentados na rede de atendimento.

No entanto, a criação do SAM não resolveu completamente os


problemas estruturais da rede de atendimento. A falta de
investimentos levou à precariedade das instituições e casos de
maus-tratos aos internos. O próprio SAM foi alvo de críticas e denúncias
relacionadas à corrupção em sua estrutura hierárquica.

Diante dessas questões, após o governo militar na década de 1960, o


Serviço de Assistência ao Menor foi extinto e substituído pela Política
Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM), que visava superar as
deficiências do sistema anterior através da implementação de novas
políticas e debates.

A Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) foi criada


pela Lei n. 4.513/64 com autonomia administrativa e financeira. Sua
principal missão era desenvolver e implementar a Política Nacional
do Bem-Estar do Menor, avaliando problemas, planejando soluções e
orientando, coordenando e fiscalizando as entidades responsáveis por
essa política.

A política nacional de assistência tinha como diretrizes garantir a


integração do menor na comunidade, priorizando a assistência da família e
o acolhimento em lares substitutos. Também visava aumentar a criação de
instituições que se assemelhassem ao ambiente familiar e adaptar as
entidades existentes para esse propósito. Além disso, levava em
consideração as necessidades específicas de cada região do país,
incentivando iniciativas locais para fortalecer essas comunidades.

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Essa nova proposta de assistência não se limitava apenas ao menor
carente e marginalizado, mas também incluía sua família como
público-alvo. A estratégia principal consistia na implementação de
programas preventivos e terapêuticos elaborados por equipes
especializadas, aplicados de forma unificada em todo o país.

No entanto, durante o regime militar, houve uma adaptação das


diretrizes da Política do Bem-Estar do Menor à "Política de Segurança
Nacional", resultando em um distanciamento entre teoria e prática. O
Estado passou a atuar de forma centralizadora e repressiva,
considerando qualquer criança ou adolescente que não se encaixasse nos
padrões sociais como objeto de "controle social" e sendo institucionalizado
para garantir sua ressocialização.

A rede de atendimento estabelecida pela Lei n. 6.697/79 não trouxe


mudanças significativas em relação ao modelo anterior, mantendo a
gestão centralizada e vertical típica do regime militar, assim como as
práticas correicionais-repressivas.

No entanto, à medida que o regime ditatorial começou a enfraquecer,


surgiram críticas mais intensas sobre essa realidade, especialmente entre
os setores influentes da sociedade que perceberam a falência do modelo
político e econômico. Durante a década de 1980, período de
transição política rumo à democratização do país, houve um
aumento nos debates sobre direitos humanos na sociedade civil e
uma demanda por mecanismos que permitissem a participação
popular na gestão pública.

Essa mobilização resultou na promulgação da Constituição de 1988, que


incluiu normas específicas para crianças e adolescentes no Capítulo VII
(Da família, da criança, do adolescente e do Idoso) do Capítulo III (Da
Ordem Social). O artigo 227 da Constituição estabeleceu pela primeira
vez no ordenamento jurídico brasileiro uma lista de direitos fundamentais
para todas as crianças e adolescentes.

Portanto, é importante destacar que houve uma evolução histórica no


Direito da Criança e do Adolescente no Brasil, impulsionada pela
mobilização da sociedade civil e de alguns setores governamentais. Essa

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evolução culminou na inclusão de direitos infantojuvenis na Constituição
de 1988.

A partir da Constituição de 1988, a doutrina da proteção integral foi


adotada no tratamento das crianças e dos adolescentes, reconhecendo-os
como sujeitos de direitos e merecedores de proteção especial,
independentemente de sua situação socioeconômica. A descentralização
político-administrativa e a participação popular foram estabelecidas como
diretrizes para a política de atendimento, distribuindo o poder entre as
entidades federativas e envolvendo a sociedade na formulação e controle
das políticas públicas.

Essas mudanças significaram o fim do modelo centralizado, vertical,


assistencialista e correicional-repressivo do antigo Código de Menores. O
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90) foi
promulgado como parte dessa nova ordem jurídico-social, revolucionando
as políticas públicas voltadas para a infância e juventude brasileiras.

O Estatuto criou condições legais para uma verdadeira revolução nas


relações entre Estado e sociedade com as crianças e os adolescentes. Essa
"revolução copernicana" resultou no Sistema de Garantia de Direitos
(SGD), que engloba órgãos, entidades, programas e serviços capazes de
efetivar a Doutrina da Proteção Integral e garantir os direitos previstos em
lei para todas as crianças e adolescentes.

Dentro do SGD, existem vários subsistemas destinados à tutela de


direitos específicos ou ao atendimento de situações peculiares. Por
exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS), o Sistema Único de
Assistência Social (SUAS) e o Sistema Educacional. Além disso, há o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que lida
com a situação de adolescentes em conflito com a lei.

Essa breve contextualização histórica nos permite compreender a


evolução da política de atendimento à infância e juventude no país, bem
como a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente nesse
contexto. Agora, é necessário analisar as regras e princípios que regem
atualmente essa matéria.

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1.2 Visão Geral da Nova Política de Atendimento

A política de atendimento, presente no Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA), é um conjunto de instituições, princípios, regras,
objetivos e metas que visam proteger os direitos das crianças e
adolescentes. Essa política é fundamentada no artigo 227 da
Constituição Federal de 1988, que estabelece o paradigma da proteção
integral.

Diferentemente da política anterior, a atual política de atendimento


abrange todas as crianças e adolescentes, eliminando a ideia de
situação irregular. Além disso, as decisões e ações são compartilhadas
entre os entes federativos, com a União sendo responsável pelos
direcionamentos gerais. A participação da sociedade também é essencial
na gestão dessa política.

O artigo 86 do ECA define que a política de atendimento deve ser


realizada por meio de ações governamentais e não governamentais dos
diferentes níveis federativos. Isso reforça a responsabilidade conjunta dos
entes federativos e da sociedade no tratamento das questões relacionadas
à infância e adolescência.

Com a Constituição de 1988, Estados, Distrito Federal e Municípios


passaram a ter um papel protagonista na definição das ações para atender
às necessidades locais. Além do Poder Público, as organizações do
terceiro setor também desempenham um papel importante nessa política,
trabalhando em conjunto com os órgãos governamentais para evitar
sobreposição ou contradição nas ações.

Para garantir uma boa execução dessa nova política de atendimento, o


legislador federal estabeleceu não apenas a articulação entre Estado e
sociedade, mas também definiu as principais ações e instruções a serem
seguidas por todos os envolvidos. Os artigos 87 e 88 do ECA detalham
essas diretrizes.

Dessa forma, a política de atendimento busca garantir os direitos das


crianças e adolescentes por meio de uma abordagem integral e
compartilhada entre os diferentes entes federativos e a sociedade. Essa

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política visa promover o bem-estar e o desenvolvimento saudável dessa
população, assegurando que suas necessidades sejam atendidas de forma
efetiva.

Indo mais adiante, o artigo 87 do Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA) lista as ações fundamentais para alcançar esse objetivo. É
importante ressaltar que essas ações devem ser desenvolvidas de maneira
integrada com outras políticas setoriais, como saúde, assistência social,
educação e trabalho.

O artigo 87 não é apenas uma recomendação, mas sim um comando


normativo obrigatório. O descumprimento dessas ações pode levar ao
ajuizamento de "ações de responsabilidade" conforme o artigo 208 da
lei.

As linhas de ação da política de atendimento são as ações


consideradas essenciais para construir e desenvolver essa política. Elas
representam os espaços operacionais reconhecidos juridicamente como
necessários para alcançar os objetivos sociais estabelecidos pelo Estatuto.

As políticas sociais básicas mencionadas no inciso I do artigo 87 são


aquelas que garantem o mínimo necessário para uma vida digna das
crianças e adolescentes. Isso inclui saúde, educação, profissionalização,
habitação, transporte, cultura e lazer.

O inciso II do artigo 87 estabelece como ação da política de atendimento a


criação de serviços, programas, projetos e benefícios de
assistência social para garantir proteção social e prevenir violações dos
direitos das crianças e adolescentes.

É importante entender esse inciso dentro do contexto histórico recente


da Assistência Social no Brasil. A Constituição de 1988 transformou a
assistência social em uma política pública de estado, integrada ao Sistema
de Seguridade Social. Ela deixou de ser vista como caridade e
voluntarismo para se tornar um direito do cidadão e dever do
Estado.

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Os incisos III a VII do artigo 87 tratam de ações específicas que devem
ser implementadas prioritariamente pelos operadores do Sistema de
Garantia dos Direitos. Essas ações devem ser articuladas e integradas com
outros sistemas nacionais de políticas públicas, como saúde, assistência
social e atendimento socioeducativo.

É fundamental lembrar que crianças e adolescentes estão intrinsecamente


ligados ao contexto familiar e comunitário. Portanto, o atendimento
integral às suas necessidades só pode ser alcançado por meio de políticas
públicas amplas, integradas e articuladas, tendo a família como referência
central.

Os incisos VI e VII do artigo 87, inseridos pela Lei nº 12.010/2009,


destacam-se por garantir o direito à convivência familiar das crianças
e adolescentes. São consideradas ações indispensáveis para construir essa
política: a) políticas e programas para prevenir ou reduzir o afastamento
da convivência familiar; b) campanhas para incentivar a guarda ou
adoção.

Por exemplo, uma política eficaz poderia incluir programas que oferecem
apoio psicológico às famílias em situação vulnerável, visando prevenir o
afastamento das crianças. Além disso, campanhas educativas podem
incentivar as pessoas a considerarem a adoção como uma forma de
acolhimento para crianças sem família.

Dessa forma, a política de atendimento busca garantir os direitos das


crianças e adolescentes por meio de ações abrangentes, integradas e
articuladas com outras políticas setoriais. Isso inclui o fornecimento de
serviços básicos, prevenção de violações de direitos, fortalecimento da
convivência familiar e estímulo à adoção.

A política de atendimento, delineada no artigo 88 do Estatuto da Criança


e do Adolescente (ECA), estabelece diretrizes que devem ser seguidas na
elaboração e implementação dessa política. Essas diretrizes são
comandos normativos que visam concretizar o novo modelo de
atendimento proposto pelo legislador.

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Uma das diretrizes é a municipalização do atendimento, que confere
poder de decisão aos municípios na estruturação da política de
atendimento local. No entanto, isso não exime a União e os Estados de
suas responsabilidades, cabendo a eles coordenar e complementar a
política nos casos em que os municípios não possam atender plenamente.

Outra diretriz é a criação dos Conselhos dos Direitos da Criança e do


Adolescente em todos os níveis da federação. Esses conselhos são
responsáveis pela deliberação e controle das ações relacionadas à política
de atendimento, permitindo a participação popular na definição e no
controle das políticas públicas.

Além disso, é necessário criar e manter programas específicos para


atender situações peculiares enfrentadas por crianças e adolescentes.
Esses programas podem ter natureza protetiva ou socioeducativa e devem
ser planejados e executados pelo Poder Executivo ou por entidades
reguladas pela lei.

É importante respeitar o princípio da descentralização


político-administrativa ao criar esses programas, observando as
competências dos diferentes entes federativos. Isso permite uma
distribuição mais equitativa dos recursos financeiros e operacionais entre
os diversos níveis governamentais.

Por fim, outra diretriz é a integração operacional dos órgãos responsáveis


pelo atendimento aos adolescentes que cometeram ato infracional. Isso
significa que desde o primeiro contato do adolescente com o sistema de
justiça, os órgãos devem funcionar de forma integrada e ágil para garantir
o respeito aos direitos individuais e às garantias processuais.

Essas diretrizes da política de atendimento são fundamentais para


promover um sistema mais eficiente e abrangente, garantindo a
proteção e o desenvolvimento adequado de crianças e
adolescentes. Por exemplo, ao municipalizar o atendimento, as decisões
podem ser tomadas considerando as particularidades locais, possibilitando
uma resposta mais adequada às necessidades da comunidade
infantojuvenil.

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Ademais, a integração operacional entre os órgãos do Sistema de
Justiça, Conselho Tutelar e entidades de atendimento é fundamental para
o sucesso do Plano Individual de Atendimento (PIA), que prevê,
registra e gerencia as atividades a serem desenvolvidas com adolescentes.
O PIA é elaborado pela entidade de atendimento, mas deve passar pelo
crivo e controle do Poder Judiciário, Ministério Público e defensoria.

O inciso VI do artigo 88 estabelece a necessidade dessa integração


operacional para agilizar o atendimento de crianças e adolescentes em
programas de acolhimento familiar ou institucional. Isso visa garantir sua
rápida reintegração familiar ou, quando isso não for possível, sua inserção
em uma família substituta.

Essa inclusão na lei eliminou uma omissão legislativa em relação às


crianças e adolescentes afastados do convívio familiar por medidas
protetivas de abrigo. O afastamento sempre foi considerado excepcional e
provisório.

As distorções encontradas na prática justificam essa providência


legislativa, tornando claro que todos os atores envolvidos - Judiciário,
Ministério Público, Defensoria Pública, Conselhos Tutelares, Poder
Executivo e Organizações não governamentais - devem desempenhar suas
respectivas tarefas e responsabilidades para abreviar ao máximo o
período de afastamento da criança ou adolescente da família. Se o retorno
ao lar não for viável, deve-se buscar uma família substituta.

Para isso, é indispensável que a criança e o adolescente se manifestem no


momento de ingresso no Sistema, conforme estabelecido no artigo 100
do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A Resolução n. 169 do
Conanda define o atendimento e estabelece os meios para que a criança e
o adolescente possam expressar livremente suas opiniões e demandas
sobre assuntos relacionados a eles.

O artigo 88, VII, do ECA instrui os órgãos responsáveis pela política de


atendimento a criar instrumentos de mobilização da opinião pública para
envolver diversos segmentos da sociedade em sua formulação.

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A participação popular é um pilar importante na nova política de
atendimento. Para garantir uma participação completa da sociedade, é
indispensável que os segmentos mais expressivos se envolvam. A
estratégia de mobilização da opinião pública é essencial nesse processo.

Essa mobilização pode ocorrer por meio de campanhas informativas nos


meios de comunicação, distribuição de cartilhas nas escolas e centros
comunitários, ou até mesmo através de palestras e grupos de discussão
sobre temas sensíveis relacionados à população infantojuvenil.

Outra diretriz prevista no artigo 88 do ECA é a criação e manutenção


dos Fundos Nacional, Estaduais e Municipais vinculados aos
Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente. Esses fundos terão
suas linhas mestras definidas separadamente por sua relevância.

Com a Lei n. 13.257/2016, foram acrescentadas três novas diretrizes na


política de atendimento voltadas para a primeira infância. Elas visam à
especialização dos profissionais que trabalham com essa faixa etária, à
formação profissional abrangente sobre os direitos da criança e do
adolescente, e à realização de pesquisas sobre desenvolvimento infantil e
prevenção da violência.

Por exemplo, a especialização dos profissionais que trabalham com a


primeira infância pode incluir conhecimentos sobre o desenvolvimento
infantil e os direitos das crianças. Isso favorece uma abordagem
interdisciplinar no atendimento e promove o desenvolvimento integral das
crianças.

Em resumo, a nova política de atendimento busca garantir a integração


entre os órgãos do Sistema de Justiça, Conselho Tutelar e entidades de
atendimento para agilizar o processo de reintegração familiar ou inserção
em família substituta. Além disso, enfatiza a importância da participação
popular na formulação dessa política por meio da mobilização da opinião
pública. Também são estabelecidas diretrizes específicas para a primeira
infância visando ao desenvolvimento integral das crianças nessa faixa
etária.

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1.3 Os fundos dos direitos da criança e do adolescente

A criação dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente, também


conhecidos como Fundos da Infância e da Adolescência (FIA), é uma
inovação estabelecida pelo legislador para a construção de uma nova
política de atendimento. Os fundos especiais são parcelas de
recursos financeiros recebidos pelo Poder Público, destacados
para alcançar objetivos específicos, seguindo princípios e regras
próprias. Diferentemente das demais receitas públicas, os recursos dos
fundos especiais são alocados em conta própria e só podem ser utilizados
para aquisição de bens ou realização de serviços previamente definidos.
Essa exceção ao princípio geral do direito financeiro tem como objetivo
garantir a destinação certa desses recursos em áreas consideradas de
especial relevância. Além disso, facilita a captação e aplicação desses
recursos.

Os Fundos Especiais dos Direitos da Criança e do Adolescente, ou FIA, são


recursos destinados ao atendimento das políticas, programas e
ações voltados para os direitos das crianças e adolescentes. Eles
são distribuídos por meio das deliberações dos Conselhos de Direitos nos
diferentes níveis governamentais (União, Estados e Municípios). As
normas de funcionamento desses fundos estão indicadas na Constituição
Federal, na Lei nº 4.320/64, na Lei nº 8.666/93 e no Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA).

Essa criação dos Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente é


importante porque garante que os recursos financeiros sejam direcionados
especificamente para a promoção e proteção dos direitos das crianças e
adolescentes. Além disso, ao terem uma conta própria, evita-se que esses
recursos sejam utilizados de forma inadequada ou desvinculada das
necessidades específicas dessa área.

Um exemplo prático da importância dos Fundos dos Direitos da Criança e


do Adolescente é quando um município recebe uma verba destinada à
construção de creches. Com a existência do fundo específico para essa
finalidade, o dinheiro será utilizado exclusivamente para a construção
dessas unidades educacionais, garantindo assim o acesso adequado à
educação infantil para as crianças da comunidade.

14
Portanto, os Fundos dos Direitos da Criança e do Adolescente são
instrumentos fundamentais na implementação de políticas públicas
voltadas para o atendimento das necessidades e garantia dos direitos das
crianças e adolescentes. Eles asseguram que os recursos financeiros
sejam utilizados de forma efetiva e transparente, contribuindo para uma
sociedade mais justa e igualitária.

1.4 As entidades de atendimento

As entidades de atendimento são reguladas pelo Estatuto da Criança e do


Adolescente, no Capítulo II do Título I da Parte Especial, logo após as
normas gerais que regem a política de atendimento. Essas entidades
são responsáveis pela execução de programas e projetos voltados para
crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Existem diferentes linhas de ação indicadas no artigo 87 do ECA, que


compõem as políticas de amparo para crianças e adolescentes em
situações específicas. Essas políticas vão além das ações básicas e exigem
estratégias mais eficazes.

As estratégias dessas entidades se materializam por meio de programas


de atendimento. Alguns desses programas visam proteger crianças e
adolescentes em situação de risco, enquanto outros estão voltados para
adolescentes envolvidos em atos infracionais e requerem medidas
socioeducativas determinadas judicialmente.

O primeiro regime de atendimento mencionado é o regime de


orientação e apoio sociofamiliar, que envolve intervenções técnicas na
família para identificar suas fragilidades e oferecer suporte para
superá-las. Isso pode incluir palestras educativas, grupos de ajuda,
terapia familiar ou auxílio material.

O segundo regime é o apoio socioeducativo em meio aberto, que não


está necessariamente ligado a medidas socioeducativas aplicáveis a
adolescentes infratores. Pode ser direcionado a qualquer criança ou
adolescente e envolve atividades como reforço escolar, cursos
profissionalizantes e atividades esportivas ou culturais.

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Outra possibilidade é o programa destinado à colocação familiar, que
visa crianças e adolescentes temporariamente afastados de suas famílias.
Isso pode incluir acolhimento em famílias previamente cadastradas ou
programas voltados para adoção tardia, grupos de irmãos ou crianças com
necessidades especiais.

O acolhimento institucional é um regime de atendimento que envolve o


acolhimento provisório de crianças e adolescentes em entidades quando
não é possível a convivência familiar. Pode ser oferecido em diferentes
modalidades, como casas-lares ou repúblicas.

Independentemente do regime ou modalidade de acolhimento, é


fundamental que os serviços oferecidos estejam em conformidade com as
leis estatutárias e regulamentares. A observância dos princípios e
finalidades do Estatuto é essencial para receber recursos públicos.

Os últimos regimes de atendimento mencionados na lei são específicos


para adolescentes envolvidos em atos infracionais. Eles funcionam como
estrutura complementar às medidas socioeducativas aplicáveis a esses
jovens.

É importante destacar que a inobservância das exigências do Estatuto


impede as entidades de receber recursos públicos. Além disso, durante o
contexto emergencial do novo Coronavírus, é necessário seguir as
orientações sanitárias estabelecidas pelo Ministério da Cidadania para
garantir a segurança no acolhimento de crianças e adolescentes.

Ademais, as entidades de atendimento podem ser classificadas como


governamentais ou não governamentais, dependendo se possuem
natureza jurídica de pessoa jurídica de direito público ou privado.
Ao constituírem-se, devem seguir as regras do Direito Administrativo e
Civil, com destaque para as determinações dos artigos 44 a 69 do Código
Civil.

Independentemente da sua natureza, essas entidades devem


registrar seus respectivos programas junto ao Conselho Municipal dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). O registro deve

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incluir informações sobre o regime de atendimento. O CMDCA é
responsável por manter um registro das inscrições e suas alterações,
comunicando essas informações ao Conselho Tutelar e à autoridade
judiciária.

O CMDCA desempenha um papel fundamental na política de atendimento


infantojuvenil. Além de realizar a inscrição dos programas das entidades,
também é responsável pela avaliação e monitoramento das ações
executadas. A cada dois anos, os programas já registrados e em execução
devem ser reavaliados com base em critérios estabelecidos pela
legislação.

Além do controle exercido pelo CMDCA, as entidades de atendimento


estão sujeitas à fiscalização do Poder Judiciário, Ministério Público e
Conselhos Tutelares, conforme previsto no artigo 95 do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA). Essa opção legislativa permite que esses
órgãos garantam imediatamente os direitos das crianças e adolescentes,
verificando qualquer irregularidade no atendimento oferecido pelas
entidades.

Cada um desses órgãos deve encontrar a metodologia mais adequada


para realizar a fiscalização. No entanto, é recomendável que inspeções
periódicas sejam realizadas para identificar possíveis irregularidades na
infraestrutura e no atendimento oferecido às crianças e adolescentes nos
programas das entidades.

Por exemplo, o Conselho Tutelar pode realizar visitas regulares às


entidades de atendimento, verificando as condições das instalações e o
bem-estar das crianças e adolescentes. Caso seja constatada alguma
irregularidade, o Conselho pode tomar medidas corretivas ou acionar
outros órgãos competentes para garantir a proteção dos direitos
infantojuvenis.

17
2. A Rede de Atendimento: Os Conselhos dos Direitos da
Criança e do Adolescente

2.1 Introdução

A Constituição de 1988 estabeleceu a doutrina da proteção integral como


base para o tratamento normativo das questões relacionadas às crianças e
aos adolescentes. Essa mudança trouxe uma nova abordagem jurídica,
oposta ao ordenamento anterior.

Com base nessa nova realidade jurídica, é necessário construir uma


política de atendimento que seja voltada para todas as crianças e
adolescentes, independentemente de sua situação socioeconômica ou
envolvimento com atos ilícitos. Essa política tem como objetivo garantir
todos os direitos previstos no artigo 227 da Constituição.

A descentralização político-administrativa e a participação da


população são diretrizes fundamentais para essa nova política de
atendimento. O parágrafo 7º do artigo 227, combinado com o artigo
204, II, da Constituição, indicam a importância dessas diretrizes. A
participação da população na formulação das políticas e no controle das
ações é essencial em todos os níveis da federação.

Nesse contexto, foram instituídos os Conselhos dos Direitos da Criança e


do Adolescente pela Lei nº 8.069/90 (ECA). Esses conselhos são
instrumentos legítimos de democracia participativa na área
infantojuvenil. Sua criação é obrigatória em todos os entes federativos e
eles têm a missão de deliberar e controlar as ações da política de
atendimento nas esferas federal, estadual e municipal.

Uma característica fundamental dos Conselhos dos Direitos da Criança e


do Adolescente é sua composição paritária entre representantes do
governo e da sociedade civil. Isso garante a participação da sociedade
por meio de organizações representativas, refletindo a pluralidade social e
incorporando diferentes perspectivas para atender às diversas realidades
das crianças e adolescentes.

18
Os Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais se destacam como uma
forma sofisticada de exercício do poder político em uma democracia. Eles
são permanentes e têm foco específico na política de atendimento
infantojuvenil.

Resumidamente, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente


desempenham um papel relevante na estruturação da rede de
atendimento à infância e adolescência.

2.2 Definição

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente são órgãos criados


por lei em todos os níveis governamentais, compostos igualmente por
representantes do governo e da sociedade civil. Sua função é tomar
decisões e controlar as políticas públicas relacionadas à infância e
adolescência.

Além disso, os Conselhos dos Direitos têm duas outras acepções


importantes. Primeiro, eles garantem a proteção integral de crianças e
adolescentes no Brasil. Segundo, eles promovem a participação política
da sociedade ao exercer controle sobre as políticas governamentais para
esse grupo.

Esses conselhos representam uma inovação significativa e seus


membros desempenham um papel fundamental na garantia da
participação da sociedade na construção de políticas que priorizem o
bem-estar das crianças e dos adolescentes.

A importância desses conselhos é tão reconhecida que o artigo 89 do


Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que ser membro
do Conselho Nacional ou dos conselhos estaduais e municipais é
considerado de interesse público relevante. Além disso, os conselheiros
não recebem remuneração, pois suas atividades são de natureza política e
transitória, evitando assim o uso dessa função como meio de sustento
pessoal.

Em resumo, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente são


órgãos colegiados que têm a responsabilidade de decidir e controlar as

19
políticas públicas relacionadas à infância e adolescência. Eles garantem a
proteção integral desses grupos vulneráveis no Brasil, promovendo a
participação política da sociedade. Os conselheiros desempenham um
papel crucial na construção de políticas que priorizem o bem-estar das
crianças e dos adolescentes, e sua atuação é considerada de interesse
público relevante.

2.3 Natureza jurídica

Embora exerçam atividades administrativas de governo, eles se


diferenciam dos demais órgãos da Administração Pública por possuírem
independência e autonomia em relação à chefia do Poder Executivo,
mesmo não tendo personalidade jurídica própria.

Essa combinação aparentemente contraditória entre


independência e ausência de personalidade jurídica pode gerar
perplexidade na determinação da natureza jurídica desses órgãos.
No entanto, essa perplexidade é dissipada quando percebemos que os
Conselhos dos Direitos são, na verdade, uma extensão do próprio
Poder Executivo no exercício de sua função de gestão dos
interesses coletivos. Eles funcionam em conjunto com representantes
diretos da população, que devem ser considerados agentes públicos.

Dessa forma, os Conselhos dos Direitos da Criança e do


Adolescente representam um novo espaço de tomada de decisões,
onde a sociedade participa ativamente na definição das políticas
voltadas para a população infantojuvenil. Eles devem ser vistos como
órgãos inseridos no âmbito do Poder Executivo, com poder decisório sobre
questões relacionadas à infância e juventude. Suas deliberações devem
ser acatadas por todos os outros órgãos governamentais, incluindo a
chefia do ente federativo ao qual estão vinculados.

É importante ressaltar que os Conselhos dos Direitos não possuem


personalidade jurídica, mas isso não os impede de participar de
processos judiciais relacionados ao exercício de suas prerrogativas
e atribuições.

20
Por exemplo, imagine que um Conselho dos Direitos da Criança e do
Adolescente decida implementar uma política de combate ao trabalho
infantil em uma determinada cidade. Essa decisão deve ser acatada por
todos os órgãos governamentais envolvidos, incluindo a chefia do Poder
Executivo municipal. Caso haja resistência ou descumprimento por parte
desses órgãos, o Conselho pode recorrer ao judiciário para garantir
a efetivação da política e proteger os direitos das crianças e
adolescentes.

Assim, mesmo sem personalidade jurídica própria, os Conselhos dos


Direitos da Criança e do Adolescente desempenham um papel
fundamental na gestão estatal voltada para essa população, promovendo
a participação da sociedade na definição das políticas públicas.

2.4 Formação

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente são órgãos criados


por lei, de acordo com o artigo 61, § 1º, II, e da Constituição
Federal. A composição desses conselhos é determinada pela legislação
específica de cada ente federativo, levando em consideração as
necessidades e peculiaridades locais. O Estatuto da Criança e do
Adolescente estabelece que a composição deve ser paritária, ou seja, com
igual representação da sociedade civil organizada e do Poder Público.

A formação dos Conselhos dos Direitos varia de acordo com cada ente
federativo, não havendo limitações quanto ao número de membros. No
entanto, é necessário garantir a representatividade igualitária entre a
sociedade civil e o governo para que as deliberações sejam
verdadeiramente democráticas. Por exemplo, um Conselho pode ter
representantes de organizações não governamentais (ONGs), instituições
educacionais e órgãos públicos.

A escolha dos membros dos Conselhos também deve ser detalhada na lei
específica de criação. O chefe do Poder Executivo tem um prazo
determinado após sua posse para indicar os responsáveis pela
representação do governo no Conselho, bem como seus suplentes.

21
As normas internas de funcionamento dos Conselhos geralmente estão
descritas nos regimentos internos. No entanto, nada impede que essas
normas sejam previstas desde o início na lei de criação do órgão. Isso
permite uma organização mais clara e eficiente das atividades
desenvolvidas pelo Conselho.

Em resumo, os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente são


criados por lei, com composição paritária entre sociedade civil e Poder
Público. A formação dos conselhos é definida de acordo com as
necessidades locais, garantindo a representatividade democrática. A
escolha dos membros é estipulada na lei de criação, assim como as
normas internas de funcionamento podem ser previstas desde o início.

2.5 Atribuições

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente possuem diversas


atribuições importantes. Primeiramente, eles são responsáveis pela
deliberação e controle das ações relacionadas à política de atendimento, o
que é fundamental para garantir a proteção e o bem-estar desses grupos
vulneráveis. Além disso, os conselhos têm a função de gerir os Fundos dos
direitos da criança e do adolescente, como estabelecido pelo legislador
estatutário. Esses fundos são essenciais para financiar projetos e
programas voltados para a infância e adolescência.

Outra atribuição dos conselhos é o registro e inscrição dos programas e


entidades de atendimento não governamentais. Isso significa que eles
devem manter um cadastro atualizado dessas instituições, sejam elas
públicas ou privadas, que trabalham na proteção e no desenvolvimento
socioeducativo de crianças e adolescentes.

Por fim, os conselhos também têm a responsabilidade de organizar o


processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar em nível municipal.
Essa tarefa é crucial para garantir que pessoas capacitadas e
comprometidas sejam selecionadas para exercer essa importante função
de zelar pelos direitos das crianças e adolescentes em situação de
vulnerabilidade.

22
Em resumo, as atribuições dos Conselhos dos Direitos da Criança e do
Adolescente abrangem desde o controle das políticas até a gestão
financeira, passando pelo registro das entidades de atendimento não
governamentais e pela organização do processo de escolha do Conselho
Tutelar. Essas funções são fundamentais para promover uma rede
eficiente de proteção aos direitos desses grupos vulneráveis.

Por exemplo, imagine uma situação em que um Conselho dos Direitos da


Criança e do Adolescente delibera sobre a necessidade de implementar
um programa de prevenção ao bullying nas escolas municipais. Eles
podem utilizar os recursos do Fundo dos direitos da criança e do
adolescente para financiar a capacitação de professores, a produção de
materiais educativos e a realização de palestras para conscientizar os
alunos sobre o tema. Além disso, o conselho deve registrar as entidades
não governamentais que também atuam nessa área, como ONGs
especializadas em combate ao bullying, para fortalecer a rede de apoio e
ampliar o alcance das ações preventivas.

2.6 O controle da atuação dos conselhos

Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente estão sujeitos aos


mesmos mecanismos de fiscalização e revisão que a Administração Pública
em geral. O controle de legalidade da atuação desses conselhos pode ser
realizado tanto na esfera judicial, por meio do Ministério Público ou
qualquer interessado, quanto no âmbito administrativo. No segundo caso,
o colegiado é a última instância hierárquica de controle, pois sua
independência funcional impede que estejam subordinados a órgãos da
Administração Pública.

Qualquer decisão tomada pelos Conselhos dos Direitos é presumivelmente


válida até que seja questionada judicialmente. Por exemplo, se o Poder
Executivo identificar um vício de legalidade em uma deliberação do
Conselho que determine a construção de uma entidade de acolhimento
para crianças, ele terá que recorrer à esfera judicial para não se vincular a
essa determinação.

O Ministério Público tem um papel importante no controle de legalidade da


atuação dos Conselhos dos Direitos. Além de buscar invalidar deliberações

23
ilegais e responsabilizar conselheiros por eventuais ilicitudes, o Ministério
Público também deve atuar preventivamente, participando das reuniões
dos conselhos e cobrando sua efetiva gestão na política de atendimento.

No entanto, o controle de mérito da atividade dos Conselhos dos Direitos


só pode ser exercido por eles mesmos. Nem o Ministério Público, nem o
Poder Judiciário ou qualquer outro órgão do Executivo podem interferir
nas decisões legais desses conselhos. Por exemplo, se o quórum mínimo
for atingido para uma deliberação, o administrador público não terá
alternativa a não ser cumprir a decisão.

É importante ressaltar que os membros dos Conselhos dos Direitos estão


sujeitos às mesmas regras que os agentes públicos. Qualquer atuação que
fuja das normas legais pode resultar em penalidades, como perda da
função, suspensão dos direitos políticos e pagamento de multa civil.

Dessa forma, é fundamental garantir o controle da atuação dos Conselhos


dos Direitos da Criança e do Adolescente, tanto em termos de legalidade
quanto de mérito. Isso assegura a efetiva gestão das políticas públicas
voltadas para crianças e adolescentes, protegendo seus direitos e
interesses.

24
3. A Rede de Atendimento: O Conselho Tutelar

3.1 Introdução

O Conselho Tutelar é um órgão fundamental no Sistema de Garantia dos


Direitos da Criança e do Adolescente, estabelecido pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA). Anteriormente, as ações relacionadas às
crianças e adolescentes em situação irregular eram concentradas no
Estado. No entanto, a Constituição de 1988 trouxe mudanças significativas
ao reconhecer a corresponsabilidade da família, sociedade e Estado na
proteção dos direitos desses indivíduos.

Para adequar o sistema à nova dinâmica de corresponsabilização, o ECA


previu a criação do Conselho Tutelar como uma das soluções. Esse órgão é
composto por membros escolhidos pela sociedade e tem como principal
função tomar medidas concretas para garantir os direitos individuais de
crianças e adolescentes. O Conselho Tutelar é uma imposição
constitucional decorrente da democracia participativa adotada no país.

Com essa nova divisão de tarefas, demandas não jurisdicionais que antes
eram encaminhadas ao Poder Judiciário passaram a ser resolvidas
primeiramente pelo Conselho Tutelar. Isso significa que o órgão se tornou
a instância preferencial para solucionar questões político-sociais
relacionadas à infância e juventude. Dessa forma, contribui para
descentralizar politicamente as decisões municipais, permitindo que os
próprios munícipes resolvam os problemas locais.

É importante destacar que o Conselho Tutelar não deve ser confundido


com o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente. Embora ambos
sejam instrumentos de participação da sociedade nas questões
relacionadas à infância e juventude, o Conselho Tutelar tem como objetivo
principal promover ações de proteção dos direitos infantojuvenis,
enquanto o Conselho dos Direitos tem um papel mais deliberativo.

Em resumo, o Conselho Tutelar desempenha um papel fundamental na


proteção dos direitos da criança e do adolescente. Ele representa a
corresponsabilização da família, sociedade e Estado na garantia desses

25
direitos, atuando de forma concreta para solucionar questões
político-sociais.

3.2 Visão Geral

O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, responsável por


garantir o cumprimento dos direitos da criança e do adolescente,
conforme estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Sua missão é representar a sociedade na proteção desses direitos,
especialmente em questões que não envolvam decisões judiciais.

O Conselho Tutelar possui características fundamentais: permanência,


autonomia e ausência de jurisdição. A permanência significa que o órgão
não pode ser extinto, apenas renovado com a substituição de seus
membros após um mandato de quatro anos. Já a autonomia implica que o
Conselho Tutelar não está subordinado hierarquicamente a nenhum outro
órgão governamental. Ele age de acordo com as leis vigentes e tem
liberdade para tomar decisões que melhor protejam as crianças e os
adolescentes. No entanto, essa autonomia não impede que sua atuação
seja avaliada pelo Poder Judiciário ou fiscalizada por outros órgãos
competentes.

É importante ressaltar que a autonomia do Conselho Tutelar não é uma


prerrogativa individual dos conselheiros, mas sim uma prerrogativa do
próprio órgão colegiado. Os conselheiros devem agir em conformidade
com as normas estabelecidas pelo colegiado e trabalhar em equipe.

Além disso, o Conselho Tutelar não exerce jurisdição. Ele é um órgão


público de natureza administrativa e todos os seus atos são considerados
atos administrativos. Isso significa que ele deve encaminhar os casos de
sua competência à autoridade judiciária, sem interferir diretamente na
resolução de conflitos. Qualquer atuação que extrapole essa competência
pode levar à destituição do conselheiro e a possíveis penalidades cíveis ou
penais.

Por fim, é importante destacar que o Conselho Tutelar é um órgão


colegiado, ou seja, suas decisões devem ser tomadas pela maioria ou

26
unanimidade dos conselheiros, conforme estabelecido na legislação
aplicável.

Em resumo, o Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo


responsável por zelar pelos direitos da criança e do adolescente. Ele atua
de forma administrativa, não exerce jurisdição e suas decisões são
tomadas em conjunto pelos conselheiros.

3.3 Estrutura

O Conselho Tutelar é um órgão responsável pela proteção dos direitos das


crianças e adolescentes. Sua instituição e normas de funcionamento são
determinadas pelo município ou Distrito Federal, por meio de uma lei
proposta pelo Poder Executivo. É também responsabilidade do município
garantir recursos específicos para todas as atividades relacionadas ao
pleno funcionamento do Conselho Tutelar.

De acordo com o artigo 134 do Estatuto da Criança e do Adolescente


(ECA), a lei municipal deve estipular o local, os dias e os horários de
atendimento do Conselho Tutelar. É importante que esse órgão esteja
sempre em um local de fácil acesso para a comunidade.

O Conselho Tutelar é composto por 5 membros, escolhidos pela própria


comunidade local. Essa escolha permite que o Conselho seja
representativo da realidade dos munícipes que visa proteger. Os membros
são escolhidos para exercer um mandato de 4 anos consecutivos, com
possibilidade de recondução.

Para ser membro do Conselho Tutelar, é necessário atender a alguns


requisitos mínimos estabelecidos no artigo 133 do ECA. Esses requisitos
incluem ter reconhecida idoneidade moral, idade superior a 21 anos e
residir no município.

Um exemplo prático dessa estrutura pode ser observado em uma cidade


fictícia chamada "Cidadelandia". Nessa cidade, a lei municipal estabelece
que o Conselho Tutelar funcione em um prédio próximo à prefeitura,
facilitando o acesso da população aos serviços oferecidos pelo órgão. Além
disso, a comunidade local participa ativamente do processo de escolha dos

27
membros do Conselho, garantindo que eles sejam representativos e
conheçam as necessidades da população. Essa estrutura fortalece a
atuação do Conselho Tutelar na proteção dos direitos das crianças e
adolescentes em Cidadelandia.

3.4 O Processo de Escolha dos membros

O processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar segue uma linha


estabelecida pelo legislador, que definiu as normas para a estruturação
desse órgão. A lei federal estabelece um mínimo exigível, deixando para a
legislação municipal complementá-la de acordo com o interesse local.

De acordo com o artigo 139 e seus parágrafos do Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA), cabe ao Conselho Municipal de Direitos da Criança e
do Adolescente coordenar o processo de escolha dos conselheiros
tutelares. O Ministério Público é responsável por fiscalizar esse processo,
adotando todas as medidas necessárias para garantir o cumprimento das
normas legais, incluindo prazos para eleição e posse dos conselheiros,
bem como o cumprimento das regras éticas estabelecidas no § 3º do
artigo 132.

Ao longo desse processo, caso surjam questões relacionadas à matéria


infantojuvenil, caberá ao órgão do Poder Judiciário com atribuição nessa
área realizar os julgamentos necessários.

É importante ressaltar que o Conselho Municipal de Direitos da Criança e


do Adolescente tem limites claros em sua atuação na coordenação e
organização desse processo. Esses limites são definidos tanto pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente quanto pela legislação municipal.
Dessa forma, o conselho tem diretrizes específicas para seguir durante
todo o processo de seleção dos membros do Conselho Tutelar.

Por exemplo, imagine que em um município determinado existam três


vagas disponíveis para o Conselho Tutelar. O Conselho Municipal de
Direitos da Criança e do Adolescente, em conjunto com a comunidade
local, estabelece os critérios de seleção dos candidatos, como experiência
na área da infância e adolescência, conhecimento sobre os direitos das
crianças e adolescentes, entre outros. Após a análise dos currículos e

28
entrevistas com os candidatos, são realizadas eleições para que a
população escolha os três conselheiros tutelares que irão atuar no
município.

Dessa forma, o processo de escolha dos membros do Conselho Tutelar é


coordenado pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do
Adolescente, fiscalizado pelo Ministério Público e julgado pelo órgão do
Poder Judiciário responsável pela matéria infantojuvenil. Essa estrutura
garante a transparência e legitimidade na seleção dos conselheiros
tutelares, fortalecendo a rede de atendimento à criança e ao adolescente.

3.5 As atribuições e o limite territorial de atuação

O Conselho Tutelar, conforme estabelecido no Estatuto da Criança e do


Adolescente (ECA), tem como missão zelar pelo cumprimento dos direitos
da criança e do adolescente. O ECA define claramente as atribuições do
Conselho Tutelar, bem como o limite territorial de sua atuação.

Nessa perspectiva, o Conselho Tutelar possui diversas atribuições


relacionadas à proteção e promoção dos direitos das crianças e
adolescentes. De acordo com o artigo 136 do Estatuto da Criança e do
Adolescente, suas principais atribuições são:

1. Atender crianças e adolescentes em situações previstas nos artigos 98


e 105, aplicando as medidas adequadas de proteção. 2. Aconselhar pais
ou responsáveis, aplicando medidas previstas no artigo 129 para garantir
a segurança e bem-estar dos menores. 3. Promover a execução de suas
decisões, podendo requisitar serviços públicos nas áreas de saúde,
educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança. 4.
Encaminhar ao Ministério Público casos que constituam infração
administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente. 5.
Encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua competência. 6.
Providenciar as medidas estabelecidas pela autoridade judiciária para
adolescentes que cometem atos infracionais. 7. Expedir notificações
quando necessário. 8. Requisitar certidões de nascimento e óbito quando
necessário para o exercício de suas funções. 9. Assessorar o Poder
Executivo local na elaboração da proposta orçamentária para planos e
programas voltados aos direitos da criança e do adolescente.

29
Além disso, o Conselho Tutelar também tem como atribuições:
representar em nome da pessoa e da família contra a violação dos direitos
constitucionais; representar ao Ministério Público para ações relacionadas
à perda ou suspensão do poder familiar; promover ações de divulgação e
treinamento para identificação de maus-tratos; adotar ações direcionadas
à identificação e atendimento de vítimas de violência doméstica e familiar;
atender crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência,
fornecendo orientação e encaminhamentos necessários; representar à
autoridade judicial ou policial para afastamento do agressor em casos de
violência doméstica; solicitar medidas protetivas urgentes para vítimas de
violência doméstica; requerer ações cautelares relacionadas à violência
contra crianças e adolescentes; tomar providências ao receber
comunicação sobre violência doméstica em local público ou privado;
receber e encaminhar informações sobre práticas violentas contra
menores; representar à autoridade judicial ou Ministério Público para
concessão de medidas cautelares relacionadas à proteção de
denunciantes.

Por fim, o Conselho Tutelar tem um papel fundamental na garantia dos


direitos das crianças e adolescentes, atuando tanto no atendimento direto
às vítimas quanto na promoção de políticas públicas voltadas à proteção
desses grupos vulneráveis. Por exemplo, quando uma criança é vítima de
maus-tratos em casa, o Conselho Tutelar pode ser acionado para
investigar o caso, tomar as medidas necessárias para garantir a segurança
da criança e encaminhar o caso às autoridades competentes. Dessa
forma, o Conselho Tutelar desempenha um papel crucial na defesa dos
direitos infantojuvenis.

Para mais um ponto, como forma de evitar dúvidas e discussões sobre


seus limites de atuação, o legislador estabeleceu regras claras no Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA). De acordo com o artigo 138 do ECA,
os Conselhos Tutelares devem seguir a competência definida no artigo
147.

Segundo o artigo 147 do ECA, a competência do Conselho Tutelar é


determinada pelo domicílio dos pais ou responsável da criança ou
adolescente. Caso não seja possível identificar o domicílio dos pais ou

30
responsável, a competência será determinada pelo local onde a criança ou
adolescente se encontra.

Essa disposição legal estabelece que o Conselho Tutelar mais próximo do


domicílio da criança ou adolescente deve intervir inicialmente. Isso
significa que é importante que a situação da criança seja avaliada por
pessoas que estejam familiarizadas com seu contexto socioeconômico,
para melhor identificação de suas necessidades e adoção das medidas
adequadas.

Por exemplo, se uma criança está em situação de vulnerabilidade em uma


determinada região, é mais eficiente e eficaz que o Conselho Tutelar dessa
região intervenha, pois possui conhecimento prévio sobre as condições
locais e pode agir de forma mais assertiva.

Dessa forma, a legislação busca garantir que as decisões tomadas pelo


Conselho Tutelar sejam baseadas nas particularidades de cada caso e
considerem as necessidades específicas da criança ou adolescente
envolvido.

3.6 A fiscalização

O Conselho Tutelar é uma peça-chave no Sistema de Garantia de Direitos


estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Ele possui
autonomia para agir independentemente de outros órgãos do Poder
Executivo local, esferas de poder ou Ministério Público. No entanto, essa
autonomia não significa que sua atuação esteja isenta de
restrições ou controle.

Uma das formas de fiscalização da atuação do Conselho Tutelar é a


possibilidade de revisão de suas decisões pelo Poder Judiciário, a pedido
de qualquer pessoa com legítimo interesse. O objetivo dessa revisão é
analisar tanto o mérito quanto a legalidade das decisões tomadas pelo
Conselho.

É importante ressaltar que essa revisão não ocorre automaticamente, mas


sim por meio da iniciativa dos interessados, seja em um processo
específico ou em uma ação que resulte em modificação da decisão inicial

31
do Conselho Tutelar. Os legítimos interessados incluem o Ministério
Público, as entidades de atendimento e as pessoas físicas ou jurídicas
afetadas pela decisão.

Um exemplo seria quando o Conselho Tutelar decide aplicar uma medida


disciplinar a um pai ou responsável, como advertência ou
encaminhamento para tratamento psicológico. Nesse caso, o destinatário
da medida pode recorrer ao Judiciário para revisão, verificando se a
providência adotada foi realmente adequada.

Além disso, é necessário controlar a conduta individual dos membros do


Conselho Tutelar. Embora as medidas adotadas pelos conselheiros sejam
atribuídas ao colegiado como um todo, em casos de conduta contrária à
lei ou ao regimento interno, é possível responsabilizar individualmente o
conselheiro em questão.

A lei municipal deve estabelecer um regime disciplinar para os membros


do Conselho Tutelar, com definição das infrações e penalidades
correspondentes. A condução desse processo de responsabilização fica a
cargo do órgão interno designado pela lei municipal.

É válido ressaltar que a aplicação de penalidades disciplinares aos


conselheiros tutelares deve garantir mecanismos de defesa durante o
procedimento. Caso haja ilegalidade ou omissão por parte do órgão
administrativo responsável pela aplicação da sanção, a questão pode ser
analisada pelo Poder Judiciário, mediante provocação do Ministério Público
ou de qualquer interessado legítimo.

Além do controle interno previsto na legislação municipal, é possível


realizar um controle externo da atuação dos membros do Conselho Tutelar
por meio da ação civil pública. Essa ação pode resultar na destituição de
um conselheiro quando sua presença prejudicar o funcionamento
adequado do órgão e a proteção dos direitos das crianças e adolescentes.

Qualquer pessoa pode questionar a atuação individual dos membros do


Conselho Tutelar quando ela for ilegal ou abusiva, podendo acionar tanto a
autoridade judiciária quanto o Ministério Público. O Ministério Público
também pode emitir recomendações administrativas visando melhorias no

32
serviço prestado pelo Conselho Tutelar e propor uma ação civil pública
para afastamento de um ou mais conselheiros que demonstrem
incapacidade para o exercício responsável de suas atribuições.

Em casos de destituição, os fundamentos podem incluir atos contrários à


lei ou ao regimento interno, inaptidão para a função ou condutas
incompatíveis com ela, ou ainda a constatação da ausência dos requisitos
para ocupar o cargo, como idoneidade moral.

Exemplos de situações que podem levar à destituição de um membro do


Conselho Tutelar são: uso do cargo para promoção pessoal, desrespeito à
escala e horário de trabalho, adoção de metodologia própria em desacordo
com os demais membros do colegiado, recusa injustificada de
atendimento, solução inadequada de conflitos que exigem intervenção
judicial, tratamento desrespeitoso aos usuários, equívocos na condução
dos casos e descumprimento das normas referentes ao acolhimento
institucional.

É importante lembrar que os conselheiros tutelares são considerados


agentes públicos e devem respeitar os princípios e regras que regem a
administração pública. Portanto, além da destituição por meio da ação civil
pública, eles também podem responder criminalmente, civilmente e
administrativamente pelos atos praticados.

33
4. A Rede de Atendimento: O Poder Judiciário

4.1 O juiz

O Poder Judiciário é responsável por executar a jurisdição em todo o


território nacional. Ele é dividido em Tribunais de diferentes níveis e
especializações para melhorar o desempenho de suas funções.

No Brasil, o sistema judiciário é dividido em Justiça Federal e Justiças


Estaduais, com o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça acima delas. Embora exerçam a mesma jurisdição, cada um tem
competências específicas.

No passado, já existia a prática de ter juízes especializados no


atendimento de crianças e adolescentes. O Código Mello Mattos, por
exemplo, criou um Juízo privativo para menores abandonados e
delinquentes no Distrito Federal. O Código de Menores também
estabelecia que juízes especiais seriam responsáveis por questões
relacionadas a crianças e adolescentes.

A chamada Justiça da Infância e Juventude faz parte da Justiça Estadual,


conforme previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O
legislador federal padronizou a nomenclatura das Varas da Infância e
Juventude em todo o país para enfatizar a importância dessas unidades
especializadas.

A criação e instalação das Varas da Infância e Juventude são


determinadas pelas necessidades de cada estado. As leis de organização
judiciária estabelecem quais comarcas precisam ter uma Vara específica,
enquanto outras podem ter as questões relacionadas aos direitos da
criança e do adolescente tratadas por outras Varas, geralmente as Varas
de Família.

O juiz da infância e juventude tem uma variedade de funções que o


diferenciam dos demais. Além de julgar conflitos de interesses, ele
também possui atribuições que vão além do âmbito judicial. O ECA
transformou a figura do juiz nesse contexto, tornando-o mais democrático
em comparação ao antigo Código de Menores.

34
Portanto, o juiz da infância e juventude não possui mais um poder
absoluto sobre crianças e adolescentes como antes. O Estatuto da Criança
e do Adolescente devolveu ao Poder Judiciário sua função jurisdicional
plena, especialmente no que diz respeito à imparcialidade, uma das
principais características da jurisdição. As funções tutelares foram
retiradas do juiz - inclusive com a criação dos Conselhos Tutelares - assim
como as funções legislativas. Agora, ele tem apenas algumas poucas
funções diferenciadas, mas que devem ser exercidas dentro dos limites
estabelecidos pela lei.

Uma dessas funções é fiscalizar as instituições de atendimento às crianças


e adolescentes na comarca onde atua, em conjunto com o Ministério
Público e o Conselho Tutelar. Embora existam órgãos auxiliares para
realizar essa fiscalização por ordem do juiz, é essencial que ele mesmo
visite essas instituições para conhecer a realidade do trabalho realizado lá.
Isso demonstra aos profissionais envolvidos que a autoridade judiciária
está presente e atuante, permitindo um contato direto que facilita a
solução de problemas. Essas visitas periódicas são ideais para verificar se
as instituições estão realmente oferecendo um atendimento adequado às
crianças, aos adolescentes e às suas famílias.

Outra atividade incomum para um juiz é a emissão de portarias. Ao emitir


portarias para regular atividades envolvendo crianças e adolescentes,
como sua participação em eventos, o juiz está agindo como administrador,
não exercendo sua função típica no Poder Judiciário. Essa função de emitir
portarias por iniciativa própria é uma herança da legislação anterior que
não deveria ter sido mantida. No entanto, essa possibilidade se enquadra
na Doutrina da Proteção Integral, pois o juiz age dessa forma para evitar
violações dos direitos das crianças e dos adolescentes e para protegê-los
de riscos.

Para ser um Juiz de Direito da Infância e Juventude, não basta ter


conhecimento jurídico como qualquer outro magistrado. É necessário ter
sensibilidade para lidar com situações comportamentais graves e crises
familiares, além de saber se comunicar com as crianças e os adolescentes.
O juiz deve agir sempre em benefício dessas pessoas vulneráveis.

35
É fundamental que o juiz da infância e juventude saiba como se aproximar
de uma criança ou adolescente e conquistar sua confiança para que eles
possam contar suas histórias na esperança de receber ajuda. Em muitas
situações, o juiz precisa abandonar a imponência e a severidade do cargo
para se colocar no lugar das crianças e dos adolescentes, entendendo
seus desejos, necessidades e angústias. Ele deve ser capaz de conversar
com eles em pé de igualdade. O juiz da infância precisa ter um perfil
especial, que nem todos os juízes possuem.

Por exemplo, imagine uma situação em que um adolescente está


enfrentando problemas familiares e precisa de ajuda. O juiz da infância e
juventude deve ser capaz de se aproximar desse adolescente, criar um
ambiente seguro para ele se expressar e entender suas necessidades. Isso
permitirá ao juiz tomar decisões mais adequadas para proteger os direitos
do adolescente e ajudá-lo a superar suas dificuldades.

Em resumo, o Poder Judiciário é responsável por executar a jurisdição em


todo o país. No contexto da infância e juventude, existem Varas
especializadas que lidam com questões relacionadas a crianças e
adolescentes. O juiz dessas Varas possui atribuições específicas, como
fiscalizar instituições de atendimento, emitir portarias e agir em benefício
das crianças e dos adolescentes. É essencial que esse juiz tenha
sensibilidade para lidar com as situações delicadas envolvendo crianças e
adolescentes, estabelecendo uma comunicação efetiva com eles.

4.2 Orgãos Auxiliares

O Juízo da infância e da juventude é um órgão do Poder Judiciário


composto por um Juiz de Direito e órgãos auxiliares que o ajudam em
suas atividades judicantes. Além dos órgãos comuns a todos os Juízos,
como escrivão, técnicos judiciários e oficiais de justiça, o Juízo da infância
e da juventude conta com uma equipe interprofissional composta por
assistentes sociais, psicólogos, pedagogos e educadores.

Essa equipe interprofissional desempenha um papel fundamental no


auxílio ao juiz na solução dos casos relacionados à infância e juventude. A
presença desses profissionais não é algo novo no Direito Brasileiro. O
Código Mello Mattos já previa a inclusão de um médico psiquiatra e dez

36
comissários de vigilância na equipe do Juízo privativo de menores. No
entanto, houve um retrocesso no Código de Menores de 1977, que
centralizava todas as decisões nas mãos do juiz.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), houve uma evolução


significativa ao reconhecer a necessidade de uma visão multidisciplinar
para lidar com os problemas das crianças, adolescentes e seus
responsáveis. O ECA adota as Regras Mínimas das Nações Unidas para a
Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing),
que destacam a importância dos relatórios de investigação social
realizados pela equipe interprofissional.

A composição dessa equipe varia entre as unidades da federação, mas no


Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, é composta por assistentes
sociais, psicólogos e comissários. Os pareceres sociais e psicológicos
elaborados por esses profissionais são de grande importância para a
compreensão dos casos em questão.

A equipe interprofissional também desempenha um papel fundamental na


fiscalização das instituições de atendimento às crianças e adolescentes.
Sua atuação traz uma perspectiva diferente daquela dos profissionais do
direito, permitindo identificar problemas que podem passar despercebidos
pelo juiz e pelo promotor de justiça.

É importante ressaltar que o trabalho da equipe interprofissional deve ser


pautado no princípio do superior interesse da criança. Embora seja
necessário tentar a reintegração familiar, essa tentativa deve ter limites
para não prejudicar as possibilidades de colocação em família substituta.
O objetivo principal é proteger a criança ou o adolescente.

A equipe interprofissional também tem a atribuição de emitir laudos que


fornecem subsídios para auxiliar na solução dos casos. Esses laudos têm o
mesmo peso que os pareceres periciais e podem ser contestados pelas
partes, desde que fundamentem suas contestações com outros elementos
de convicção presentes nos autos.

Embora ainda haja resistência por parte de alguns profissionais do direito


em relação à atuação das equipes técnicas, é importante reconhecer a

37
importância dessas contribuições multidisciplinares na busca pela melhor
solução dos conflitos interpessoais.

Por fim, é válido mencionar que a figura do comissário voluntário pode


trazer problemas ao funcionamento dos Juízos da infância e juventude,
uma vez que não passam por concurso público. Embora a triagem dos
voluntários esteja sendo aprimorada, seria ideal proibir expressamente
essa figura e tornar obrigatória a realização de concursos públicos para o
cargo de comissário.

38
5. A Rede de Atendimento: Ministério Público

5.1 Breves apontamentos

O Ministério Público passou por uma transformação significativa com a


promulgação da Constituição Federal de 1988. Sua esfera de atuação foi
ampliada e suas atribuições aumentaram. A Constituição incluiu o
Ministério Público como uma instituição permanente e autônoma,
responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses sociais individuais indisponíveis.

Os membros do Ministério Público possuem prerrogativas de vitaliciedade,


inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios. No entanto, existem
atividades vedadas a eles, conforme enumerado no artigo 128, inciso II da
Constituição Federal. A instituição é regida pelos princípios da unidade,
independência funcional e indivisibilidade.

A Constituição Federal também lista as funções institucionais do Ministério


Público no artigo 129.

Com essa nova configuração constitucional, o Ministério Público adotou


uma abordagem mais voltada para a solução dos problemas sociais,
abandonando sua antiga postura focada apenas na persecução criminal.
Hoje em dia, podemos falar sobre o Ministério Público social, que busca
resolver diversas questões.

Em um Estado Democrático de Direito como o Brasil, é essencial ter uma


instituição dedicada principalmente à defesa dos interesses da sociedade -
especialmente diante de violações cometidas pelo poder público -, como
um ombudsman. Essa função foi atribuída ao Ministério Público pelo
legislador constituinte em 1988.

O Ministério Público Brasileiro é único no mundo devido à sua


independência em relação a todos os órgãos estatais e ao grande número
de funções que exerce. Ele não pode ser comparado a nenhuma
instituição similar e não se enquadra nas críticas feitas por Mauro
Cappelletti.

39
No que diz respeito à defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes,
o Ministério Público tem um papel fundamental. O Estatuto da Criança e
do Adolescente atribui à instituição uma ampla gama de responsabilidades
para proteger todos os direitos desses indivíduos, independentemente de
sua natureza.

É importante destacar que o Ministério Público defende não apenas os


direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, mas também os
direitos puramente individuais. Isso é evidenciado nos artigos 201, III
(sobre a legitimidade para propor ação de alimentos), VIII (sobre a
legitimidade para tomar medidas judiciais e extrajudiciais para garantir os
direitos legais das crianças e dos adolescentes) e IX (sobre a legitimidade
para impetrar mandado de segurança). Essa é uma atividade específica do
Promotor de Justiça da Infância e Juventude.

Inicialmente, houve várias decisões, inclusive do Superior Tribunal de


Justiça, afirmando que o Ministério Público não tinha legitimidade para
defender os direitos individuais das crianças e dos adolescentes. No
entanto, esse equívoco foi superado com o tempo.

As atribuições judiciais do Ministério Público incluem promover e


acompanhar as ações socioeducativas, as ações de alimentos, suspensão
e destituição do poder familiar, nomeação e remoção de tutores,
curadores e guardiães, além de promover a inscrição de hipoteca legal e
prestação de contas de tutores e curadores. O Ministério Público também
pode propor ação civil pública, tomar medidas judiciais para garantir os
direitos legais das crianças e dos adolescentes, impetrar mandado de
segurança, mandado de injunção e habeas corpus, bem como representar
administrativamente para aplicação de penalidades por infrações contra as
normas de proteção às crianças e aos adolescentes.

No âmbito extrajudicial, o Ministério Público tem atribuições como


conceder a remissão como forma de exclusão do processo, promover o
inquérito civil, instaurar procedimentos administrativos e sindicâncias,
requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de
inquérito policial. Além disso, pode tomar medidas extrajudiciais para
garantir os direitos legais das crianças e dos adolescentes, inspecionar
entidades públicas e privadas que atendem crianças e adolescentes, bem

40
como requisitar força policial ou colaboração dos serviços públicos ou
privados para desempenhar suas atribuições.

Essa lista no artigo é apenas exemplificativa. Outras atribuições podem


ser exercidas desde que sejam compatíveis com a finalidade institucional
do Ministério Público.

Para propor ações cíveis relacionadas aos direitos das crianças e dos
adolescentes listadas no artigo 201, o Ministério Público não possui
exclusividade na legitimidade. Ele atua de forma concorrente e disjuntiva
com outros legitimados, agindo como substituto processual quando o
legitimado ordinário não age. Essa regra é semelhante à existente na Lei
nº 7.347/85, que trata da ação civil pública.

A intervenção do Ministério Público é obrigatória em todos os atos


processuais e processos em andamento na Vara da Infância e Juventude.
A falta de intervenção do Ministério Público acarreta a nulidade do
processo.

As manifestações do Ministério Público devem ser fundamentadas,


seguindo o princípio constitucional de motivação das decisões. Os
promotores de justiça devem justificar suas posições ao invés de
simplesmente concordar ou discordar.

A atuação do promotor de justiça da infância e juventude é diversificada e


gratificante. Além da aplicação do direito aos casos concretos, eles
também trabalham na solução de problemas diversos, muitas vezes
ouvindo, aconselhando e orientando pais e filhos. Às vezes, apenas dar às
pessoas a oportunidade de serem ouvidas e aconselhadas pode resolver
um problema.

Para desempenhar adequadamente suas atribuições, o promotor de


justiça da infância e juventude não deve ser apenas um burocrata que se
manifesta nos processos sob sua responsabilidade. Eles devem sair dos
seus gabinetes, entrar em contato com órgãos representativos da
sociedade, conhecer as comunidades com as quais trabalham e se fazer
conhecidos. Conhecer os problemas no local para melhor solucioná-los.
Esse é o tipo de promotor de justiça desejado pelo povo.

41
5.2 Instauração de procedimentos administrativos e sindicâncias
(art. 201, VI e VII)

O Promotor de Justiça da Infância e Juventude recebe inúmeros casos que


precisam ser investigados para verificar sua veracidade e coletar provas.
Para melhor controle das comunicações recebidas, é recomendado que o
Promotor determine a autuação imediata dos fatos como procedimento
administrativo, com numeração sequencial. Em locais onde não há órgãos
de apoio ao Ministério Público, o auxílio pode ser buscado em outros
órgãos do Estado, como o Conselho Tutelar e a polícia, se os fatos
relatados configurarem um possível crime.

É importante verificar a veracidade dos fatos antes de tomar qualquer


providência. Caso os fatos sejam falsos, o procedimento deve ser
arquivado. Se forem verdadeiros, é necessário iniciar a instrução do
procedimento para ouvir as pessoas envolvidas e registrar suas
declarações.

Para convocar as pessoas a serem ouvidas, é expedida uma notificação


informando que o não comparecimento injustificado acarretará condução
coercitiva, podendo ser utilizada força policial. É possível requisitar
documentos e informações necessárias a órgãos públicos e particulares,
bem como a pessoas físicas e jurídicas. Se necessário, pode-se solicitar
uma perícia realizada pela equipe técnica do Ministério Público.

Ao enviar ofícios com requisições de documentos ou informações, é


importante fixar prazos para resposta. Isso permite identificar o
descumprimento da requisição ministerial e configurar um possível crime
previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O prazo fixado
deve permitir o envio das informações/documentos requisitados, sendo
recomendado não fixar um prazo inferior a dez dias úteis.

Em situações de urgência, em que é necessário receber as informações ou


documentos em prazo inferior a dez dias úteis para garantir a preservação
de um direito, o promotor de justiça deve justificar os motivos da
urgência.

42
Para lidar com as diversas formas de violência contra crianças e
adolescentes, é importante contar com uma equipe interprofissional
composta por Assistentes Sociais e Psicólogos nas Promotorias de Justiça
da Infância e Juventude.

A instauração de procedimentos administrativos e sindicâncias é


extremamente vantajosa para solucionar problemas rapidamente e evitar
consequências graves para as crianças e adolescentes. Muitas questões
podem ser resolvidas com encaminhamentos simples para órgãos públicos
e acompanhamento da evolução da situação.

É importante destacar que o promotor de justiça deve tomar todas as


medidas necessárias para solucionar os problemas, realizando os
encaminhamentos adequados. No entanto, a aplicação de medidas
protetivas é vedada ao promotor, pois o Estatuto da Criança e do
Adolescente determina que sejam aplicadas pela autoridade competente,
como o Conselho Tutelar ou o juiz.

A atuação extrajudicial do promotor da infância é fundamental para


resolver os problemas de forma mais rápida do que por meio de uma ação
judicial. A mediação é uma especialização importante para o promotor,
pois fornece ferramentas para buscar melhores soluções nos conflitos
apresentados.

5.3 Promover medidas judiciais e extrajudiciais para zelar pelo


efetivo respeito aos direitos e garantias legais das crianças e dos
adolescentes (art. 201, VIII)

O Ministério Público tem como atribuição promover medidas judiciais e


extrajudiciais para garantir o respeito aos direitos das crianças e dos
adolescentes, de acordo com o artigo 201, inciso VIII. Isso significa que o
promotor de justiça da infância e juventude possui diversas possibilidades
de atuação para proteger esses direitos.

Quando há notícia de desrespeito aos direitos das crianças e dos


adolescentes, é importante que o promotor de justiça inicie um
procedimento administrativo para documentar todos os atos relacionados

43
ao caso. Essa documentação é fundamental para embasar as ações que
serão tomadas posteriormente.

Na maioria das vezes, é o próprio Poder Público que desrespeita os


direitos dessas pessoas em desenvolvimento, deixando de cumprir as
regras mínimas de proteção. Nesses casos, o Ministério Público pode
agendar uma reunião com os responsáveis pela administração pública
para tentar resolver extrajudicialmente o problema. É importante que o
promotor tenha controle sobre a reunião, definindo claramente seu tema e
evitando discutir diversos assuntos ao mesmo tempo, pois isso pode
dificultar a solução do problema.

Após verificar as violações aos direitos, o Promotor de Justiça deve


elaborar uma recomendação indicando onde estão ocorrendo os
descumprimentos e estabelecendo um prazo razoável para sua correção.
Esse prazo deve ser equilibrado e considerar o tempo necessário para que
uma pessoa comum cumpra a determinação. Além disso, é possível fazer
um acordo durante a reunião com o agente público, registrando todos os
pontos acordados em uma ata assinada por todos. Essa ata pode ser
considerada um termo de ajustamento de conduta e ser executada
conforme previsto na Lei nº 7.347/85.

O mesmo procedimento deve ser adotado quando o descumprimento das


regras protetivas for realizado por um particular. Por exemplo, se um
estabelecimento comercial não cumprir as normas de segurança para
crianças e adolescentes, o Ministério Público pode tomar medidas judiciais
ou extrajudiciais para garantir a correção da situação.

Dessa forma, o Ministério Público exerce seu papel fundamental na defesa


dos direitos das crianças e dos adolescentes, buscando garantir que esses
direitos sejam respeitados tanto pelo poder público quanto pelos
particulares.

5.4 Inspeção às entidades de atendimento (art. 201, XI)

A inspeção periódica das instituições de atendimento às crianças e aos


adolescentes é uma responsabilidade importante do Promotor de Justiça.
Essa inspeção tem como objetivo garantir o cumprimento das

44
determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente. O promotor tem
livre acesso a todas as dependências dos abrigos e outros locais onde
estejam crianças e adolescentes, podendo até mesmo solicitar o auxílio da
polícia caso encontre algum impedimento.

Durante as inspeções, são verificadas várias questões, como as condições


físicas das instituições, a qualidade e quantidade dos alimentos fornecidos
aos abrigados, a documentação obrigatória dos abrigados, a composição
da equipe técnica e dos funcionários do abrigo. É recomendado que o
promotor seja acompanhado por uma equipe interprofissional para
auxiliá-lo na inspeção.

Além disso, é necessário examinar a documentação do abrigo, como


estatutos, atas de eleição da diretoria e cadastro atualizado nos conselhos
municipais relacionados à criança e ao adolescente. Também é importante
verificar se o plano de trabalho da instituição está sendo seguido
adequadamente.

No que diz respeito à alimentação dos abrigados, é fundamental que haja


um cardápio elaborado por nutricionista para atender às necessidades de
desenvolvimento das crianças e adolescentes atendidos.

Caso sejam identificados problemas estruturais no prédio do abrigo, o


promotor deve solicitar uma inspeção realizada pela equipe técnica de
engenheiros e arquitetos do Ministério Público para elaborar um laudo. É
importante ressaltar que, em alguns estados, ainda há disparidades na
estruturação dos órgãos de apoio do Ministério Público, o que deve ser
priorizado para que suas atribuições sejam exercidas plenamente e de
forma independente.

Nos casos em que não houver equipe técnica própria do Ministério Público
ou órgão conveniado, o promotor deverá requisitar laudos de profissionais
de órgãos públicos.

Após constatar problemas durante a inspeção, é necessário elaborar


recomendações direcionadas à direção da instituição, concedendo um
prazo razoável para o cumprimento de cada determinação. É importante

45
estabelecer prazos adequados para cada item, a fim de garantir a
aplicabilidade das recomendações.

Durante as inspeções, é essencial que o promotor tenha contato direto


com as crianças e adolescentes atendidos, conversando com eles de forma
acolhedora e respeitosa. Caso seja identificado algum problema
relacionado ao tratamento dispensado aos abrigados, o promotor deve
conversar reservadamente com eles e registrar suas declarações para
tomar as medidas legais cabíveis caso haja desrespeito à pessoa dos
abrigados.

Para acompanhar a situação de cada instituição de atendimento, o


Promotor de Justiça deve determinar a instauração de um procedimento
administrativo específico para cada uma delas.

5.5 Fiscalização da aplicação das verbas do fundo municipal (art.


260, § 4º)

O § 4º do art. 260 do Estatuto da Criança e do Adolescente atribui ao


Ministério Público uma nova responsabilidade extrajudicial: determinar a
forma de fiscalização das verbas do Fundo municipal dos direitos das
crianças e dos adolescentes. Essa disposição está mal localizada no
Estatuto, pois deveria estar como mais um inciso do art. 201.

A gestão do Fundo Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes é


de responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e
Adolescentes (CMDCA). O Fundo é constituído por verbas transferidas pelo
Poder Executivo da entidade federativa correspondente e por doações de
pessoas físicas e jurídicas.

Todas as verbas depositadas no Fundo são consideradas verbas públicas e


devem ser fiscalizadas quanto à sua correta aplicação. A primeira
responsabilidade de fiscalização cabe ao CMDCA, como gestor. Além disso,
outros órgãos, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, também
devem fiscalizar o uso adequado dessas verbas, sem excluir a
possibilidade de fiscalização popular.

46
O Ministério Público é um dos diversos órgãos responsáveis pela
fiscalização das verbas do Fundo, pois essa função faz parte de suas
atribuições institucionais. No entanto, a regra em estudo vai além disso:
ela confere ao Ministério Público o poder de comandar a forma como a
fiscalização será realizada. Esse poder se aplica apenas às verbas que
geram incentivos fiscais, ou seja, aquelas doadas por contribuintes que
podem deduzir essas doações da declaração anual de rendimentos.

Portanto, é necessário fazer uma distinção na fiscalização das verbas do


Fundo municipal. As verbas provenientes de transferências obrigatórias
pelo Executivo Municipal devem ser fiscalizadas pelo CMDCA, que irá
regulamentar essa fiscalização, sem impedir a participação de outros
órgãos e da sociedade civil.

No caso das verbas provenientes de doações, a forma de fiscalização não


será regulamentada pelo CMDCA, mas sim pelo Ministério Público. Essa
atribuição não é apenas uma redundância, mas uma forma de garantir a
correta aplicação dessas doações. Vale ressaltar que o Tribunal de Contas
e outros órgãos públicos também têm o papel de fiscalizar as verbas do
Fundo, assim como a população em geral.

O Promotor de Justiça da Infância e Juventude ou outro promotor com


atribuição para a matéria determinará a forma de fiscalização na Comarca
em que atua. É importante destacar que o termo "comarca" foi utilizado
considerando que em muitas localidades ela abrange mais de um
município.

As regras para a realização da fiscalização devem constar em uma Portaria


específica. Essa Portaria deve abranger aspectos como perícia contábil,
visitas aos projetos beneficiados pelas verbas das doações e entrevistas
com os destinatários desses projetos. Cada localidade pode ter suas
particularidades e necessidades específicas que devem ser consideradas
na elaboração dessa Portaria.

Após elaborada a Portaria, o CMDCA deve ser informado e se preparar


para cumprir as determinações nela contidas. Será necessário contar com
uma equipe técnica para realizar a fiscalização das verbas, sendo
recomendável que os membros dessa equipe sejam indicados tanto pelo

47
Ministério Público quanto pelo CMDCA. Nas localidades onde não houver
pessoal capacitado, será necessário contratá-lo com verba destinada ao
Conselho pela Prefeitura.

Nos casos em que houver mais de uma Promotoria de Justiça da Infância


e Juventude com atribuição para fiscalizar as verbas do Fundo, será
necessária a emissão de uma Portaria conjunta dos órgãos envolvidos.

Para garantir um melhor desempenho dessa importante atribuição, é


fundamental que as Promotorias de Justiça da Infância e Juventude de
cada unidade da federação atuem de forma uniforme. Para isso, é
necessário realizar reuniões entre todos os promotores responsáveis por
essa área, a fim de estabelecer diretrizes básicas e regras mínimas que
devem constar nas Portarias. Essas reuniões também servem para
identificar as necessidades das Promotorias e solicitar à
Procuradoria-Geral de Justiça a criação da equipe técnica necessária para
apoiar a fiscalização.

Uma última questão que deve ser respondida é o motivo pelo qual o
legislador conferiu essa nova atribuição ao Ministério Público. Acredita-se
que tenha sido uma tentativa de aumentar as doações para os Fundos
municipais, já que muitos projetos não saíram do papel por falta dessas
doações. Com a intervenção do Ministério Público no comando da
fiscalização, espera-se que a população tenha mais confiança na correta
aplicação das doações, o que pode levar a um aumento dessas
contribuições e beneficiar um maior número de crianças e adolescentes,
garantindo seus direitos.

48
6. Estudo de Caso com Estudo Dirigido

Desvendando a Rede de Atendimento à Infância e Adolescência

Imaginem uma cidade fictícia chamada "Esperançópolis". Ela enfrenta


desafios significativos relacionados à proteção de crianças e adolescentes,
desde questões sociais até judiciais. Você é um integrante ativo dessa
rede de atendimento, seja como membro do Conselho Tutelar, seja
como parte de uma ONG, ou talvez como parte do Poder Judiciário.
Preparados? Vamos embarcar em uma jornada de resolução de
problemas!

Estudo Dirigido: Jogo de Papéis

1. Fase de Introdução

● Assistam a um vídeo curto (youtube, vimeo etc) sobre a


importância dos direitos da criança e do adolescente; OU
● Pesquisem na apostila!

● Discussão: O que você acha que poderia ser melhorado em


Esperançópolis?

2. Atribuição dos Papéis

● Você representará uma das seguintes entidades:


○ Conselho Tutelar
○ Poder Judiciário
○ Ministério Público

3. Desafio 1: A Alocação de Fundos

● Você recebe informações fictícias sobre o orçamento disponível


e os problemas enfrentados.
● Tarefa: Como você alocaria os recursos?

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4. Desafio 2: O Caso de Joãozinho

● Joãozinho é um adolescente em situação de vulnerabilidade.


● Tarefa: Como cada entidade atuaria para protegê-lo?

5. Desafio 3: Fiscalização e Transparência

● Há rumores de mau uso de fundos em uma das entidades.


● Tarefa: Como cada entidade garantiria a transparência e a
justiça?

6. Conclusão: Debate Aberto

● Prepare-se! Você apresentará suas decisões e justificativas.


● “Depois” - Votação: Quem você acha que fez a maior
diferença para Esperançópolis?
● “E aí!” - Qual foi a principal lição aprendida hoje?

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