Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CBI of Miami
Introdução ao Transtorno do Espectro Autista
Deborah Kerches
CBI of Miami
unilateral, foco intenso e movimentos descoordenados. As crianças eram chamadas
de “pequenos professores” devido à grande habilidade de discorrer sobre um tema
detalhadamente. Como seu trabalho foi publicado em alemão na época da guerra, o
relato recebeu pouca atenção e, somente em 1981, quando foi traduzido por Lorna
Wing, foi reconhecido como um pioneiro no segmento.
CBI of Miami
Como pesquisadora, clínica e mãe de uma criança com autismo, ela lutou por
uma melhor compreensão a respeito, bem como por serviços para indivíduos autistas
e suas famílias. Seu trabalho revolucionou a forma como o autismo era encarado –
até então com conceitos mais rígidos – e sua contribuição foi sentida em todo o
mundo.
CBI of Miami
erradicadas, como o sarampo, não só no Brasil como no mundo todo.
Em 2007, A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu o dia 2 de abril
como o Dia Mundial da Conscientização do Autismo para chamar atenção da
sociedade para a conscientização e a necessidade de informação sobre o autismo.
Em 2018, o dia 2 de abril passa a fazer parte do calendário brasileiro oficial como Dia
Nacional de Conscientização sobre o Autismo.
Em 2012, é sancionada no Brasil a Lei Berenice Piana (12.764/12), que
instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do
Espectro Autista. Este foi um grande marco legal no sentido de garantia de direitos
para as pessoas com autismo. A legislação determina o acesso a um diagnóstico
precoce, tratamento, terapias e medicamento pelo Sistema Único de Saúde; à
educação e à proteção social; ao trabalho e aos serviços que propiciem a igualdade
de oportunidades.
O nosso Brasil é muito heterogêneo e, infelizmente, muitas pessoas que estão
no espectro do autismo não têm seus diretos garantidos. Muitas regiões no Brasil
carecem até de profissionais tanto para acesso ao diagnóstico quanto para
tratamento. Hoje, porém, percebemos um movimento maior de toda a sociedade para
garantir estes direitos.
Em 2013, a 5ª revisão do DSM (DSM5) unificou todos os transtornos que
estavam dentro do espectro do autismo em um só diagnóstico – Transtorno do
Espectro Autista sob o código 299.00. Os indivíduos são agora diagnosticados em um
espectro com diferentes níveis de gravidade. A Síndrome de Asperger não é mais
considerada uma condição separada e o diagnóstico para autismo passa a ser
definido por dois critérios: déficits persistentes na comunicação e interação social; e a
presença de comportamentos, interesses e atividades repetitivos, rígidos e
estereotipados.
Em 2015, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (13.145/15)
cria o Estatuto da Pessoa com Deficiência e define pessoa com deficiência “aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial”. O Estatuto é um símbolo importante na defesa da igualdade de direitos dos
deficientes, do combate à discriminação e da regulamentação da acessibilidade e do
atendimento prioritário.
CBI of Miami
Em 2018, houve a revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID11)
que unificou os subgrupos com quadros relacionados ao autismo na nomenclatura
TEA (Transtorno do Espectro Autista) sob o código 6A02. As subdivisões passam a
ser relacionadas apenas a prejuízos na linguagem funcional e presença de deficiência
intelectual. A intenção foi facilitar o diagnóstico e simplificar a codificação para acesso
a serviços de saúde. A CID11 entra em vigor dia 1 janeiro de 2022. A CID10 trazia
vários diagnósticos dentro dos Transtornos Globais do desenvolvimento (código F84).
Em 2019 foi sancionada a lei para inclusão de dados do autismo no Censo
2020, o que possibilitará conhecer melhor o cenário do autismo no Brasil e, com isso,
possibilitar políticas públicas que garantam o acesso a todos os direitos.
CBI of Miami
Teoria da Mente – se refere à capacidade em considerar os próprios estados
mentais e o das outras pessoas, com a finalidade de compreender e predizer
comportamentos do outro. Essa capacidade possibilita considerar o que as pessoas
estariam pensando e fazendo em determinado contexto, ter compreensão do ponto de
vista do outro, predizer o comportamento e pensamento do outro. Esta habilidade é
extremamente necessária nas mais diversas situações sociais. É pré- requisito para
padrões de interação social, desenvolvimento de jogo simbólico, entre outros.
Linguagem receptiva - está relacionada com o quanto se é capaz de
compreender o que ouve e lê, para, então, conseguir se comunicar em resposta, quer
seja de maneira verbal ou não.
Linguagem expressiva - habilidade de se expressar, verbalmente ounão, após
adquirir a capacidade de compreender não só o que ouve, mas também sobre
conceitos sociais e como adquirir experiências significativas.
No autismo, a compreensão e a linguagem pragmática (uso concreto da
linguagem nos mais diferentes contextos sociais) estão sempre comprometidas, em
maior ou menor grau.
CBI of Miami
Os déficits nos comportamentos não verbais envolvem:
Para pessoas com autismo, o contato visual pode ser desconfortável pois
fornece muitas informações e hiperestimula um cérebro já hiperexcitado.
CBI of Miami
Movimentos motores, uso de objeto e/ou da fala de maneira repetitiva ou
estereotipada. Estereotipias são ações repetitivas, frequentemente ritmadas e podem
ser vocais ou motoras. As estereotipias não são exclusivas do TEA. No autismo
costumam se apresentar em situações de ociosidade, de excesso de estímulos
sensoriais, em situações de extrema excitação assim como em situações de
frustração, mudanças de rotina, como uma forma de autorregulação ou
autoestimulação.
Insistência na mesmice, adesão inflexível a rotinas, padrões rígidos de
comportamentos e pensamentos. Por exemplo, necessidade de fazer sempre o
mesmo caminho, ingerir os mesmos alimentos, dificuldade em alternar brincadeiras,
em aceitar demandas que não são do interesse, em aceitar o “não”, em lidar com o
novo.
Interesses fixos e restritos que são anormais em intensidade ou foco. Por
exemplo, apego ou preocupação excessivos, hiperfoco. O hiperfoco é uma forma
intensa de concentração em algo que seja um interesse restrito e não é exclusiva do
autismo. No autismo, o hiperfoco pode ser um refúgio durante estresse, situações
desconfortáveis ou momentos de ociosidade, ou simplesmente se comporta como um
interesse restrito tão prazeroso que dificulta o aumento de repertório de novos
aprendizados. Há aspectos positivos em um hiperfoco, desde que seja explorado
adequadamente, podendo ser a profissão da pessoa, um meio de aumentar a
autoestima, e pode ser usado como ponto de partida para aumentar o repertório de
habilidades e aprendizados. O hiperfoco, se não trabalhado, pode trazer prejuízos,
pois distancia de contextos e interações sociais.
Alterações no processamento sensorial que envolvem hiper ou hiporreatividade
a estímulos sensoriais ou interesses incomuns por aspectos sensoriais do ambiente.
Pessoas com autismo apresentam de maneira mais ou menos intensa alterações na
forma como respondem aos estímulos do ambiente em uma ou mais portas sensoriais
(audição, olfato, tato, paladar, propriocepção e sistema vestibular). As alterações
sensoriais foram incluídas nos critérios diagnósticos após a última revisão do DSM,
em sua quinta edição. Exemplos: indiferença à dor; aversão ao toque enquanto outros
procuram por toques mais intensos; seletividade alimentar que pode ser consequente
à aversão a determinadas texturas dos alimentos, odores, paladar, percepção visual
CBI of Miami
(como comer alimentos de uma única cor); alteração de equilíbrio, marcha na ponta
dos pés.
Há um universo de possibilidades sintomatológicas dentro do espectro que irão
impactar na gravidade, nos planos individuais de tratamento e ao longo da vida deste
indivíduo.
Níveis de gravidade
Os níveis de gravidade estão relacionados com a capacidade de comunicação
social e o comportamento rígido e repetitivo, o que vai impactar diretamente em
quanto esta pessoa será funcional e o apoio necessário para isto.
Nível 1 – bom funcionamento com apoio. Na ausência de apoio, déficits na
comunicação e interação social, assim como padrões comportamentais que causam
prejuízos notáveis. As pessoas que se encontram no espectro do autismo nível 1 não
apresentam atrasos cognitivos/intelectuais e de aquisição de fala significativos. O
Quociente Intelectual (QI) deve estar acima de 70.
Nível 2 – exige apoio substancial, porém há prejuízos sociais aparentes mesmo na
presença de apoio (funcionamento mediano).
Nível 3 – exige apoio muito substancial, pois há graves prejuízos em seu
funcionamento. Apresenta déficits graves nas habilidades de comunicação social
verbal e não verbal. As pessoas que se encontram no espectro do autismo nível 3 ou
severo estão associadas geralmente à deficiência intelectual e incapacidades nas
habilidades/atividades de vida diária.
O quadro se modifica ao longo da vida de acordo com diagnóstico e
intervenção precoces, processos maturativos decorrentes de experiências e
intervenções vividas, resposta individual às intervenções, deficiência intelectual
associada (30-40%), aquisição de linguagem verbal que está diretamente associada
com melhores respostas sociais, aquisição de comunicação não verbal que possibilite
interações sociais e a presença de comorbidades que são outras condições
associadas que podem somar prejuízos e interferir negativamente em planos de
intervenção.
O espectro traz uma gama infinita de possibilidades sintomatológicas, e cada
indivíduo dentro do espectro terá suas particularidades relacionadas às necessidades
CBI of Miami
e potencialidades, o que deve ser norteador para os planos individuais de tratamento.
CBI of Miami
da sociedade a respeito dos sintomas do autismo, fazendo com que mais famílias
estejam atentas aos sintomas em seus filhos e procurem por especialistas e
profissionais mais capacitados; reconhecimento do TEA em crianças previamente
diagnosticadas com deficiência intelectual ou outra condição do
neurodesenvolvimento; possíveis diferenças na metodologia dos estudos, não ficando
ainda claro um aumento real do autismo, porém, sendo possível um verdadeiro
aumento na prevalência de TEA associado a outros fatores de risco.
Apesar dos avanços no entendimento da neurobiologia e genética do TEA, o
diagnóstico é clínico e isto impacta em estudos de prevalência, uma vez que está
relacionado à consistência de um diagnóstico baseado na identificação, avaliação
clínica e relato de sintomas clínicos definidos pelo comportamento.
No Brasil, não temos ainda um estudo consistente sobre a prevalência do
autismo. O que temos é um estudo piloto de 2011 realizado em um bairro com 20 mil
habitantes em Atibaia, interior do estado de São Paulo. Os dados foram de 1 para 367
habitantes, o que claramente não reflete a realidade do autismo no país.
Com a inclusão de dados do autismo no Censo de 2020, espera-se
compreender melhor o cenário do autismo no Brasil, possibilitando políticas públicas
mais efetivas que garantam acesso ao diagnóstico e intervenção precoces, às
medicações fornecidas pelo SUS, à adaptação curricular, aos mediadores escolares
especializados, à educação especial quando necessário, ao mercado de trabalho, à
acessibilidade, entre outros.
CBI of Miami
20% do segundo filho estar no espectro, sendo este risco maior quando o primeiro
filho é uma menina. Quando se tem 2 filhos no espectro, o risco para o terceiro filho
aumenta para 33%. Irmãos podem apresentar alguns sintomas do TEA sem atingir
critérios para diagnóstico e sem apresentar prejuízos que os limitem, sendo descritos
como fenótipo ampliado do autismo.
Os avanços tecnológicos têm sido importantes para o conhecimento e
identificação de genes relacionados ao autismo. Temos o papel das variantes
comuns, variantes raras e epigenética (modificações na expressão gênica que podem
ser influenciadas por fatores ambientais).
As variantes raras patogênicas podem surgir de novo (onde não consegue se
identificar pessoas na família com autismo) ou serem herdadas como mutações
autossômicas dominantes, autossômicas recessivas ou ligadas ao X.
Embora uma única alteração genética seja suficiente para causar o TEA, na
maioria dos casos o que ocorre são alterações envolvendo distúrbios moleculares
complexos em múltiplos genes importantes para os processos biológicos, e também
em genes que controlam e interferem na expressão gênica durante o
neurodesenvolvimento. Várias variantes genéticas associadas ao TEA estão ainda
relacionadas a outras condições do neurodesenvolvimento, como Deficiência
Intelectual (DI), Transtorno de Déficit da Atenção e Hiperatividade (TDAH), e outras
condições psiquiátricas como esquizofrenia ou depressão. Ainda é um grande desafio
definir genes e suas respectivas variantes genéticas que sejam de relevância clínica
para associação com o autismo.
Com relação aos fatores ambientais, os 2 fatores de risco mais importantes e já
bem estudados na literatura são a idade paterna acima de 40 anos (que estaria
relacionada a maiores riscos de mutações germinativas) e o uso de ácido valproico na
gestação, um fármaco antiepiléptico que também é utilizado para tratamento de
transtornos de humor, entre outros. Outros fatores ambientais pré e perinatais como
idade materna avançada, infecções neonatais (em particular, rubéola,
citomegalovírus, toxoplasmose), anóxia neonatal, prematuridade, baixo peso ao
nascimento, retardo de crescimento intrauterino (RCIU), obesidade materna, diabetes
gestacional, gestações múltiplas, são fatores relacionados a risco aumentado de TEA,
mas ainda carecem de estudos com conclusões mais firmes. Estes fatores podem
CBI of Miami
apresentar risco para o desenvolvimento cerebral pré-natal ou afetar a função e
expressão gênica em indivíduos com predisposição genética ao autismo.
Tem sido estudada também a relação entre exposição de gestantes a
organofosforados, outros pesticidas e compostos neurotóxicos e de risco para
autismo.
É claro para a ciência que para que um ambiente possa afetar uma criança,
deve haver uma predisposição genética.
Vale reforçar que, em relação a vacinas, a literatura científica não apoia sua
associação como fator ambiental que aumentaria o risco de TEA. Crianças com
autismo ou não devem ser vacinadas de acordo com o esquema recomendado.
O Transtorno do Espectro Autista demonstra claramente a complexidade genética do
neurodesenvolvimento, pois apresenta um espectro amplo, com fatores genéticos
variados e complexos, podendo ser herdados ou não.
O “modelo de copo”, modelo genético que explica o autismo, é um modelo de
herança e limiar multifatorial que apresenta os impactos das variantes genéticas e
ambientais com maior ou menor risco associado ao TEA. O limite para se ter o
autismo ou não é a “borda do copo”. Existem variantes comuns, variantes raras e
fatores ambientais que somados podem levar ao autismo.
CBI of Miami
Neste modelo temos o círculo roxo correspondendo à variante comum, o
círculo azul correspondendo à variante rara e o círculo rosa correspondendo a
fatores ambientais.
Neste modelo temos pais sem autismo. O pai possui uma variante comum
associada a fatores de risco ambientais, e a mãe uma outra variante comum
associada a uma variante rara e 1 fator de risco ambiental.
A criança 1 com TEA herdou a variante comum do pai e da mãe, uma outra variante
(que está descrita com a letra “D”) que seria uma variante nova (de novo) associada
a fatores de risco ambientais, tendo herdado também a variante rara da mãe,
atingindo assim, o limiar do copo.
A criança 2 sem TEA herdou a variante comum da mãe, foi exposta a algum
fator de risco ambiental e não atingiu o limiar. A criança 3 sem TEA herdou a
variante rara da mãe, uma variante comum e foi exposta a fatores ambientais, mas
mesmo assim não atingiu o limiar para o diagnóstico de autismo.
A criança 4 com TEA apresenta uma variante rara representada por um
círculo maior com a letra “E” (altamente patogênica), uma variante comum e 2
fatores ambientais, atingindo e ultrapassando o limiar do copo.
Nesta outra figura abaixo ainda no “modelo do copo”, as pessoas do sexo
masculino são representadas por copos menores em relação ao sexo feminino,
mostrando a diferença para atingir o limiar de diagnóstico.
CBI of Miami
tais mutações, o que seria uma explicação para o aumento da prevalência no sexo
masculino. Também relaciona o risco aumentado de se ter um segundo filho com
autismo quando o primeiro é menina.
Embora a comunidade científica esteja cada vez mais produzindo estudos e
artigos de relevância, ainda há muito o que conhecer a respeito dos mecanismos
biológicos do autismo.
Tem-se investido particularmente em estudos chamados de “modelagem”, em
que se reprogramam células especializadas e diferenciadas para voltarem a ser
células pluripotentes (células capazes de se diferenciar em qualquer célula do
corpo) e então as diferenciam em células do sistema nervoso como neurônios,
astrócitos e mini cérebros que têm sido utilizados para estudar os mecanismos
biológicos do autismo, ao mesmo tempo em que se cria uma plataforma para testar
medicamentos in vitro objetivando encontrar fármacos que possam ser uma
ferramenta para melhorar os sintomas clínicos presentes no autismo.
CBI of Miami
Referências Bibliográficas
GAUGLER, T., KLEI, L., SANDERS, S. et al. Most genetic risk for autism
resides with common variation. Nat Genet 46, 881–885 (2014).
https://doi.org/10.1038/ng.3039
CBI of Miami
JACQUEMONT, S.; COE, B.P.; HERSCH, M. et al. A higher mutational
burden in females supports a “female protective model” in
neurodevelopmental disorders. American Journal of Human Genetics
94(3):415-25, 2014.
XU, G.; STRATHEARN, L.; LIU, B.; BAO, W. Prevalence of autism spectrum
disorder among US children and adolescents, 2014-2016 [published correction
appears in JAMA. 2018; 319(5):505]. JAMA. 2018; 319(1):
CBI of Miami