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SINOPSE
Parte Um
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Parte Dois
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Parte Três
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Epílogo
Glossário
SINOPSE
Mil anos atrás, um desejo foi feito e uma espada de raiva e
relâmpago foi forjada. Kamigoroshi. A Assassina de Deuses. Uma
arma poderosa o suficiente para selar o formidável demônio
Hakaimono.
Capítulo 7
O túmulo amaldiçoado
Hakaimono
Eu pisquei para Reika. — O que você quer dizer com você não
consegue encontrá-los?
A donzela do santuário olhou para mim e baixou a voz ainda
mais, indicando que eu deveria fazer o mesmo. — Quero dizer, eles se
foram. — Ela disse novamente. — Depois que nos mostraram nossos
aposentos, tive a sensação estranha de que estava sendo observada,
especialmente quando Chu continuava rosnando para as paredes e o
teto. Então decidi que deveria encontrar os outros e discutir esta
pequena situação em que nos encontramos. Quando o chá foi
entregue, perguntei à empregada onde os outros estavam hospedados
e, quando ela saiu, saí para encontrá-los.
— Ninguém te parou, Reika-san? — Eu perguntei em um
sussurro.
— Ninguém. Embora não se engane, tenho certeza de que estava
sendo observada. De qualquer forma, quando cheguei aos quartos,
ambos estavam vazios. Taiyo-san e o baka ronin haviam desaparecido
e não tenho ideia de onde eles estão. — A donzela do santuário fez um
gesto frustrado e exasperado. — É o meio da noite, quem sabe em que
problemas o ronin está se metendo. Não deveríamos estar separados
agora, não quando temos algo tão importante a realizar. E, claro,
nenhum dos servos ajudou em nada. Ninguém os tinha visto sair, ou
sabia para onde eles tinham ido. — Reika fez uma careta. — E eles
esperavam que eu acreditasse nisso, neste castelo onde as paredes têm
olhos e o chão parece ouvir cada palavra sua. — Ela me lançou um
olhar cansado. — Então achei melhor vir te encontrar, ter certeza de
que você não tinha se levantado e desaparecido
também. Principalmente depois de falar com a daimyo. Falando nisso,
o que me diz do encontro com Dama Hanshou? Podemos ter certeza
de que ela não sabe nada sobre aquilo?
Aquilo? Oh, o pergaminho. — Sim, Reika-san. — Eu disse, e a
donzela do santuário relaxou um pouco. — Ela não sabe sobre... erm...
aquela coisa. Mas eu conheci o sensei de Tatsumi, que me avisou que
o Senhor Iesada poderia tentar nos matar.
— Matar? — As sobrancelhas de Reika se ergueram. — Por quê?
— Porque... eu... hum, prometi a Dama Hanshou que
encontraríamos Tatsumi e o salvaríamos de Hakaimono.
— Você fez o quê? — Os olhos da miko se arregalaram,
esquecendo-se momentaneamente de ficar quieta. — Misericordioso
Jinkei, por que, em nome de todos os Kami sagrados, você prometeria
algo assim? — Respirei fundo para explicar, mas ela ergueu a mão. —
Não, eu não quero ouvir sobre isso agora. — Ela disse em um
sussurro. — Isso é algo que todos nós precisamos estar presentes,
especialmente Mestre Jiro. E então você pode explicar para todos nós
por que você decidiu ir atrás do matador de demônios em vez de levá-
lo para o templo. — Ela olhou para mim exasperada, então soltou um
suspiro. — Isto é mau. Se você diz que Senhor Iesada está trabalhando
contra os desejos de Hanshou-sama... eu preciso encontrar Okame e
Taiyo-san, antes que eles desapareçam em um corredor escuro e
nunca sejam vistos novamente.
— Por onde devemos começar, Reika-san? — Eu perguntei.
Ela me lançou um olhar severo. — Você não vai a lugar
nenhum. Você vai ficar neste quarto onde não preciso me preocupar
com onde você está ou em que problemas está se metendo. Será mais
seguro do que vagar por este labirinto de castelo. E não fixe seus
ouvidos em mim. — Ela devolveu minha carranca. — Se nos
perdermos ou nos separarmos, não quero perder ainda mais tempo
tentando encontrar você, assim como Taiyo-san e o baka ronin. Você
estará mais segura aqui. Um convidado sendo atacado por shinobi em
seus próprios aposentos traria vergonha e desonra eterna ao clã que os
hospeda. Se você estiver segura em seu quarto, não levantará
suspeitas.
— E quanto ao Senhor Iesada? — Eu perguntei. — Ele poderia
ter seus próprios shinobi. Pode haver assassinos escondidos sob o
chão ou nas pinturas das paredes, esperando para emboscar você.
— Mais uma razão para eu ir sozinha. Sou apenas uma humilde
donzela de santuário. Não estou carregando nada
importante. Ninguém vai se importar se eu desaparecer.
— Eu me importaria, Reika-san.
Ela me lançou um olhar penetrante, como se fosse o fim de
tudo. — Você não vai comigo, Yumeko. Fim da história.
Ela não mudaria de ideia, então eu balancei a cabeça e
suspirei. — Tudo bem, Reika-san. — Eu disse a ela. — Mas como você
vai encontrar os outros? Este castelo é como um labirinto. Oh, você
precisa de barbante? Eu provavelmente poderia fazer para você uma
bola de barbante.
— Não. Vou fazer com que Chu siga seu rastro. Ele deve ser
capaz de rastreá-los pelo cheiro, tão cheiroso quanto o ronin é. — A
donzela do santuário torceu o nariz. — Ele será capaz de encontrar o
caminho de volta, também. O que não quero fazer é vagar pelo castelo
Hakumei sem saber onde você está. — Ela apontou um dedo para o
chão. — Então você vai ficar bem aqui, neste quarto, e não sair,
entendeu? Se algo estranho acontecer, lembre-se de que Mestre Jiro e
Ko estão do outro lado do corredor, e nenhum deles é indefeso. —
Seus lábios se estreitaram. — Ainda assim, eu preciso me
apressar. Não gosto da ideia de deixá-la sozinho neste
lugar. Homens baka. — Ela foi até a porta, balançando a cabeça,
enquanto Chu a seguia. — O que poderia ter acontecido com aqueles
dois, para que eles simplesmente se levantassem e fossem embora sem
dizer uma palavra a ninguém?
— Okame-san não tem sido ele mesmo desde o Caminho das
Sombras. — Eu disse enquanto Reika abria a shoji e olhava para o
corredor. Um chão escuro e polido, arandelas tremeluzentes e paredes
de painel fusuma a saudaram quando ela se inclinou para fora do
quarto. — Espero que ele esteja bem.
Reika fungou. — Ele provavelmente se embriagou e arrastou
Taiyo-san com ele. — Ela murmurou, olhando para cima e para baixo
no corredor. — Parece limpo. — disse ela, e olhou para trás para o
quarto. — Vou indo. Lembre-se do que eu disse, Yumeko. Fique
aqui. Não se meta em problemas. Prometa-me.
Eu concordei. — Tenha cuidado, Reika-san.
— Chu. — Disse a miko, olhando para o cachorro. —
Vamos. Encontre o ronin e Taiyo-san.
O pequeno cachorro laranja imediatamente colocou o focinho no
chão e trotou para o corredor, suas garras estalando sobre a
madeira. Com um último olhar severo para mim, a donzela do
santuário fechou a porta entre nós, e eu ouvi seus passos afastando-se
pelo corredor.
Assim que o som sumiu no silêncio, me levantei e caminhei até a
porta. Eu confiava em Reika e sabia que ela estava apenas tentando
proteger o pergaminho, mas se Daisuke e Okame estivessem em
apuros, eu certamente não iria sentar-me sozinha e não fazer nada. A
miko ficaria zangada, mas eu nunca concordei em ficar no meu
quarto. Como uma vez eu disse a Jin quando ele me fez prometer que
não comeria os bolos de arroz que ele havia deixado no balcão, eu
nunca disse as palavras em voz alta, portanto, não poderiam me
segurar.
No entanto, quando abri minha porta, fiquei cara a cara com
minha serva. Mesmo com uma bandeja cheia de chá nas mãos, eu não
a tinha ouvido se aproximar; era como se ela tivesse se materializado
do nada ou tivesse aprendido a pairar sobre o solo como um fantasma
yurei enquanto caminhava.
— Oh. — Ela exclamou, dando um passo rápido para trás como
se estivesse assustada. — Me desculpe, eu não sabia que você estava
saindo. Por favor, com licença, senhorita. — Ela balançou a cabeça e
passou por mim para entrar no quarto, desviando os olhos enquanto o
fazia, e colocou o chá na mesa baixa. Eu a observei com desconfiança,
procurando por qualquer sinal de que ela pudesse estar nos
espionando, mas ela agia perfeitamente normal.
— Precisa de mais alguma coisa? — ela perguntou, ainda
mantendo seu olhar recatadamente no chão enquanto se
endireitava. — Se eu puder buscar qualquer coisa, você só precisa
pedir.
— Ano... — eu disse após um momento de hesitação. A
empregada, que estava pronta para sair, olhou para mim com
curiosidade. — Sinto muito, mas nunca estive dentro de um castelo
antes. — continuei, desviando o olhar como se estivesse
envergonhada. — Não tenho certeza... quero dizer, você poderia me
mostrar... onde ficam os banheiros?
— Oh. — A empregada sorriu e relaxou. — Claro. Por favor siga-
me.
— Obrigada.
Saímos do quarto e eu a segui pelos corredores estreitos,
passando por alguns samurai e servos vestidos de preto. Mesmo
sendo muito tarde, ainda havia muito mais pessoas trabalhando do
que eu imaginava. Talvez eles não gostassem da luz do sol. Talvez o
Clã das Sombras preferisse fazer a maior parte de seus negócios no
escuro, como corujas ou morcegos. De qualquer forma, nenhum deles
prestou atenção em nós, embora eu ainda pudesse sentir olhos em
mim no corredor e descendo as escadas até o andar inferior. A
empregada conduziu-me a uma câmara com chão de pedra e várias
baias de madeira. No centro de cada uma, um fosso retangular estreito
caia na escuridão total.
— Devo ficar, senhorita? — a empregada perguntou, parecendo
relutante, mas tentando não demonstrar. — Você precisa que lhe
mostrem o caminho de volta?
— Eu não acho que isso será necessário. — Eu disse a ela, e
observei o alívio passar por seu rosto. — Eu devo estar bem a partir
daqui. Obrigada.
A empregada saiu rapidamente e eu sorri, abrindo caminho para
uma das baias. Aqui, pelo menos, eu tinha quase certeza de que
ninguém estaria me espionando.
Encolhida contra a parede com o fosso a meus pés, pesquei em
meu furoshiki e retirei mais duas das pequenas folhas ligeiramente
amassadas que peguei antes de chegarmos ao castelo.
Às vezes você fica muito mal-humorada, Reika-san, pensei, colocando
uma folha na minha cabeça. Mas acho que tenho que agradecer por isso.
Uma nuvem de fumaça branca encheu o cubículo do
banheiro. Enquanto limpava, eu afastei os tentáculos e dei uma rápida
olhada em mim mesma, vendo um manto simples e um par de mãos
delgadas segurando uma bandeja de chá. Acenando uma vez com
satisfação, saí da cabine e caminhei para o corredor.
Tudo bem, pensei, olhando ao redor. Um samurai passou
correndo por mim com um grunhido curto, entrando em uma das
cabines. Eu rapidamente me afastei do banheiro antes de começar a
ouvir coisas que preferia não ouvir. E também antes que ele pudesse
se perguntar por que eu estava segurando uma bandeja de chá
enquanto ia ao banheiro. Onde Daisuke e baka Okame poderiam ter
ido? Talvez eu verifique seus quartos primeiro, caso eles tenham deixado algo
para trás.
Segurando a bandeja, voltei para nossos aposentos, tomando
cuidado para não me perder no labirinto de corredores e
passagens. Mais servos e alguns samurais passaram por mim nas
passagens, nenhum dos quais me deram uma segunda olhada.
Abri a porta do que tinha certeza de que era um dos nossos
quartos, embora ainda não tivesse certeza de quem, e olhei em
volta. Estava vazio e me virei para sair.
No entanto, ao sair pela porta, senti um aperto firme em meu
braço. Com um grito, girei e fiquei cara a cara com a serva mais velha,
que me encarou com olhos negros duros.
— O que você está fazendo? — ela exigiu, sem nenhuma polidez
fria que ela tinha me mostrado antes. — Você não deveria estar aqui
agora. Mandei você para a cozinha para o chá de Hanari-san. Por que
você não está na sua estação?
— Eu... hum... a garota me pediu para mostrar a ela o caminho
para os banheiros. — eu gaguejei, ganhando um bufo irritado da outra
mulher. Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, acrescentei: —
Ela também queria saber onde estavam seus dois companheiros
desaparecidos e quando voltariam. O que devo dizer a ela se ela
perguntar de novo?
A mulher suspirou. — A última coisa que eu ouvi foi que o
Taiyo e o yojimbo haviam deixado o castelo e estavam indo em
direção ao salão de jogos Sapo da Sorte no lado leste da
cidade. Nossos shinobi os estão rastreando enquanto falamos, mas
eles não são importantes.
— Oh. — Eu mantive a carranca confusa do meu rosto. Mas,
Reika disse que ninguém tinha visto Daisuke ou Okame deixar o castelo. Eles
estão deliberadamente tentando nos enganar?
— Não deixe a garota sair. — A mulher me deu uma carranca de
advertência. — Os outros podem ir e vir como quiserem, mas Masao-
sama foi muito específico que a camponesa não tinha permissão para
deixar o castelo até que o Senhor Iesada voltasse para suas próprias
terras. Pode ser perigoso se ela for para a cidade ou em qualquer lugar
que nossos shinobi não possam vigiá-la. Se ela perguntar onde os
homens estão de novo, diga que eles foram visitar a casa das gueixas
Sorriso Pintado durante a noite. Isso deve impedi-la de se aventurar
atrás deles. Agora vá. — Ela gesticulou firmemente para o corredor. —
Volte aos seus deveres. Você está perdendo tempo vagando.
Fiz uma reverência rápida e corri na direção que ela apontou,
minha mente girando com esta nova informação.
Bem, isso confirmou o que eu suspeitava desde que cheguei
aqui. As paredes tinham olhos e ouvidos. Provavelmente havia um
shinobi à espreita perto do banheiro agora, esperando para ver
quando eu sairia. Esse pensamento me fez rir, mas apresentou um
problema. Eu precisava sair para procurar Daisuke e Okame, mas os
Kage não queriam que eu saísse do castelo. Se eles me vissem sair,
provavelmente me impediriam.
Se eles me vissem.
Escorregando para um cômodo vazio, me certifiquei de que
estava sozinha antes de puxar a terceira e última folha do meu obi e
colocá-la na minha cabeça, deixando a magia da raposa me engolfar
novamente. Quando a fumaça se dissipou, fiz uma varredura rápida
em meu haori branco e hakama vermelho, certificando-me de que
tudo estava no lugar. Agora, se alguém me visse, veria uma donzela
de santuário muito determinada e séria e, com sorte, não entraria em
seu caminho. A única coisa que faltava era Chu, e eu esperava que os
Kage não notassem ou se importassem que a miko estivesse sem seu
cachorro.
Eu só precisava me preocupar em não encontrar a própria Reika.
Eu estremeci. Rapidamente, saí do cômodo e comecei a caminhar
pelo corredor, procurando uma saída, enquanto mantinha um ouvido
aberto para ouvir o estalo de unhas de cachorro no piso de madeira.
Depois de algumas perguntas usando minha melhor Voz Firme
de Reika, eu finalmente encontrei a entrada da frente do castelo, onde
através de um vasto corredor de madeira polida e estátuas de ônix,
um par de enormes portas duplas estava entreaberta. Dois samurais
guardavam os dois lados da grande moldura, a luz bruxuleante da
lanterna brilhando em sua armadura negra e altas lanças yari. Eles me
olharam com interesse estoico quando me aproximei, mas não se
moveram para bloquear meu caminho, embora um me desse um olhar
severo enquanto eu caminhava em direção a eles.
— Indo para a cidade? — ele perguntou.
Eu concordei.
— Você é bem-vinda para sair. — O samurai me disse. —
Contanto que você não cause problemas dentro de Ogi Owari
Toshi. Esteja avisada, você está sob a lei Kage, e todos os que quebram
as regras do Clã das Sombras serão tratados de acordo. — Ele deu um
aceno solene com a cabeça. — Tenha uma noite agradável e, por favor,
esteja segura enquanto estiver na cidade.
Eu sorri para ele e escapei para o ar frio de fora.
Minhas sandálias rangeram contra o cascalho enquanto eu
caminhava pelo pátio, em direção aos portões da alta parede de pedra
que cercava o castelo. Além dos meus passos, a noite estava tranquila
e quieta. Da posição da lua no alto, era muito cedo, talvez algumas
horas até o amanhecer. Olhei por cima do ombro uma vez para ver o
castelo Hakumei erguendo-se atrás de mim, a torre principal de pé
rígida contra o céu marinho, telhados de pagode se erguendo
graciosamente. Muito parecido com seu povo, o castelo natal do Clã
das Sombras era elegante, bonito e ameaçador ao mesmo tempo. Eu
me perguntei se isso era deliberado, para lembrar ao resto do mundo
que embora os Kage fossem orgulhosos e cultos como o resto dos clãs,
eles não eram para brincadeira.
Sacudindo minhas reflexões mórbidas, continuei caminhando, a
sombra de Hakumei-jo me engolindo enquanto eu me afastava
dele. Depois do pátio árido, mas meticulosamente cuidado, cheguei
aos grandes portões da frente, que estavam abertos e eram guardados
por mais samurais, nenhum dos quais disse nada para mim. Depois
de passar por baixo da enorme moldura de madeira, parei do lado de
fora do portão e olhei maravilhada para a estrada.
O castelo Hakumei ficava em uma colina com vista para o que eu
presumi ser a cidade de Ogi Owari. Descendo a estrada sinuosa dos
portões da frente e através de uma ponte de pedra em arco sobre um
rio largo e sonolento, a capital Kage brilhava com tochas e
lanternas. Ela se espalhava em todas as direções, fileiras de casas
recatadas ao longo das ruas e nas margens dos canais que cortam a
cidade. Grandes árvores estavam espalhadas entre os edifícios, galhos
pendurados sobre os telhados e pendurados nas ruas, como se a
cidade compartilhasse relutantemente o espaço com uma floresta, e
nenhuma delas estivesse disposta a recuar.
Com um sorriso ansioso, desci correndo a estrada, atravessei a
ponte e entrei na cidade. Apesar da hora tardia, estava longe de estar
vazia. As pessoas vagavam pelas estradas, as portas das lojas ficavam
abertas contra a noite e os mercadores se escondiam nas portas ou em
barracas de madeira, esperando pelos clientes. No início, isso me
lembrou de outra cidade menor, Chochin Machi, que também
ganhava vida e prosperava depois do sol se por. Mas, conforme
continuei pelas ruas, comecei a ver as diferenças. Chochin Machi tinha
uma sensação alegre, quase festiva, encorajando os visitantes a dançar
e sorrir e deixar seus problemas para trás. Embora iluminada e
movimentada, Ogi Owari Toshi definitivamente não era
festiva. Ninguém nas ruas sorria ou ria; muitas vezes um indivíduo ou
pequeno grupo cambaleava pela estrada, como se não tivesse controle
de seus membros. Às vezes, as pessoas cantavam ou discutiam umas
com as outras, suas vozes arrastadas e instáveis como suas
pernas. Um homem grande, segurando uma cabaça de saquê como a
de Okame, me chamou com uma voz distorcida e depois soltou uma
gargalhada, fazendo minha cauda arrepiar. Não foi uma risada muito
agradável. Muito parecida com a cidade, ela segurava a borda de algo
sinistro sob o verniz da frivolidade, uma ilusão sorridente sobre um
predador pacientemente esperando.
Parando em uma encruzilhada marcada por um grande bordo
retorcido, olhei para a lua através dos galhos, notando sua posição e
que a noite estava rapidamente se esvaindo de mim. Tudo bem, estou
aqui. Agora, eu tenho que encontrar este salão de jogos; o Sapo Dançante ou
Sapo da Sorte ou algo parecido. Então, onde estou? Uma placa, pregada no
tronco sob a grande corda que marcava a árvore como sagrada, dizia
Cuidado Com a Má Fortuna, que não me dizia nada.
— O que você está fazendo perto da minha árvore, raposa?
Com um sobressalto, olhei para cima e vi um par de olhos verdes
olhando para mim de um galho. Por um segundo, eles pareciam
flutuar no ar, mas então eu vi que estavam presos ao corpo magro e
peludo de um neko, um gato comum, deitado em um galho de árvore,
seu pelo preto brilhante se misturando perfeitamente com as
sombras. Um rabo extremamente longo e furtiva chicoteou sua parte
traseira quando seu olhar encontrou o meu. Enquanto eu observava,
um segundo rabo subiu de trás do neko para se enroscar no primeiro,
fazendo meus olhos se arregalarem. Eu não sabia muito sobre gatos,
mas na tradição kitsune, quanto mais caudas uma raposa tinha, mais
velha e poderosa ela era. O kitsune mais forte que existe era chamado
de nove caudas, pois nas histórias, quando uma raposa criava sua
nona cauda, seu pelo se tornava prata ou dourado, e ele possuía
magia para rivalizar com os próprios deuses.
Claro, uma raposa de nove caudas era uma criatura lendária, tão
rara quanto um dragão ou o kirin sagrado. Conhecer um kitsune com
até duas caudas era uma grande honra, embora eu não tivesse certeza
se o mesmo costume se estendia ao mundo felino. Ainda assim,
provavelmente era sensato ser educada. Gatos nunca falaram
comigo; o velho felino preto e branco do templo Ventos Silenciosos
tinha apenas tolerado minha presença, e depois de todas as vezes que
o usei para uma brincadeira, se ele pudesse falar, ele teria me
repreendido várias vezes. Mas os neko eram criaturas estranhas e
inconstantes, e você nunca sabia o que eles estavam pensando. Se um
dia aquele velho gato começasse a falar comigo, eu não teria ficado
nem um pouco chocada.
O gato na árvore franziu os bigodes e franziu o nariz. — Ugh, eu
posso sentir seu fedor daqui. — Ela comentou e ainda, era uma
fêmea. — Deixe este lugar, kitsune. Você pertence aos campos com os
coelhos, ursos e o resto dos habitantes comuns da floresta. Volte a
atormentar fazendeiros e pescadores fora das muralhas da cidade e
deixe os lugares civilizados para nós. — Quando eu não me mexi ou
respondi, ela achatou as orelhas. — Você é tão simples quanto
repulsiva? — ela perguntou. — Vou falar devagar para que seu
cérebro bárbaro da floresta possa compreender. Você não tem lugar
aqui, raposa. Este é o meu território e você o está tornando
insuportável. Vá embora.
— Não há necessidade de ser rude. — Eu fiz uma careta para
ela. — Estou apenas visitando as terras dos Kage, irei embora em
breve. Além disso, você está enganada. Eu não cresci em um campo,
eu cresci em um templo. Sei ler e escrever, e até comer com
pauzinhos. Você sabe?
A neko fungou, mexendo o rabo. — Dar pauzinhos a um macaco
e vesti-lo com um quimono chique não o torna civilizado. — disse ela
com uma voz entediada. — Então você aprendeu alguns
truques. Parabéns. Você ainda é uma raposa. Seus ancestrais
perseguiram coelhos e defecaram no chão de suas tocas, como todas
as criaturas selvagens fazem.
— E você? — Eu exigi. — Seus ancestrais provavelmente
perseguiram ratos e acasalaram sob a lua cheia. Você não é mais
civilizada do que eu.
— É assim mesmo? — A gata semicerrou os olhos, olhando para
mim preguiçosamente, e virou a cabeça. — Você vê aquele vendedor
de peixe ali? — ela perguntou, apontando com um movimento de
uma de suas caudas. — Eu posso entrar em sua loja, mexer minhas
orelhas e ele me joga suas tripas de peixe restantes. Se você é tão
civilizada, kitsune, por que não muda de forma e faz o mesmo? Torne-
se uma raposa e vamos ver como ele reage.
Por um momento louco, eu considerei isso, então balancei minha
cabeça. — Não, isso é ridículo. Não tenho tempo para ficar embaixo
de uma árvore discutindo com um gato. Eu tenho que encontrar o
Sapo da Sorte.
— O salão de jogos? — A neko inclinou a cabeça. — Por que
você iria querer ir lá, raposa? Nada para ver, exceto homens
barulhentos e gritando que cheiram a saquê. Embora, eles certamente
achariam sua companhia mais agradável do que eu.
Eu olhei para ela novamente, espetando minhas orelhas. — Você
sabe onde ele está?
— Este é o meu território. — Ela acenou com o rabo de forma
arrogante. — Eu sei onde está tudo.
— Você me levaria lá?
A neko espirrou várias vezes. Depois de um momento, percebi
que ela estava rindo de mim. — Por que, em nome do Maroto de
Cauda Bichada, eu faria isso? — ela finalmente perguntou. — Eu
pareço um cachorro bajulador e babão que faz tudo que os humanos
dizem?
— Não, você parece um gato. — Eu disse, confusa. — Por que eu
iria confundir você com um cachorro? Você disse que sabia onde está
tudo em seu território. Achei que você poderia me mostrar o caminho.
— Eu poderia. — disse a gata, e se acomodou mais
confortavelmente no galho da árvore. — Mas eu não vou.
— Nani? Por que não? — Fiz uma careta, ficando em silêncio
enquanto um homem caminhava perto da árvore, me dando um olhar
interrogativo. — Você está fazendo outra coisa? — Sussurrei depois
que ela desapareceu. — Alguma coisa importante?
— Muito importante. — A neko deu a um rabo um aceno
lânguido. — Estou sentada nesta árvore observando tudo o que se
passa no meu território. É uma parte essencial da minha noite, algo
que uma raposa do campo comum não entenderia. — Ela bocejou,
mostrando um lampejo de longos dentes amarelos, antes de fechar os
olhos. — Agora vá embora e me deixe em paz. Eu acho tudo sobre
você ofensivo.
Eu prendi minhas orelhas na criatura arrogante. Neko
estúpida. Como Okame ou Reika-san lidariam com isso?
Eu pensei sobre isso por um momento, então recuei. — Eu
vejo. Bem, obrigada pelo seu tempo, neko-san. Está tudo bem se você
não sabe onde está. Eu posso encontrar meu caminho sozinha.
— Você não me ouviu, raposa do campo? — A neko abriu os
olhos e olhou para mim. — Eu disse que sei onde fica, só não tenho
interesse em levá-la lá. — Eu não respondi, e seu olhar se estreitou. —
Eu sei o que você está fazendo. — Ela avisou, enquanto seus rabos
começavam uma batida agitada contra o galho. — Seus pequenos
truques kitsune não vão funcionar em mim. Não tenho interesse em
bancar o guia turístico de uma raposa comum, agora vá embora.
Dei de ombros. — Como você disser, neko-san. Tenho certeza de
que posso encontrar alguém que conheça o caminho. Tenha uma boa
noite.
Afastei-me do tronco e a gata assobiou. — Pare, criatura da
floresta. — Ela ordenou, me fazendo parar e olhar para
trás. Golpeando suas caudas, a neko se levantou e saltou do galho,
aterrissando sem fazer barulho na base.
— Não fale comigo. — disse ela, passando com os dois rabos
erguidos. — Não estou ajudando você, estou apenas provando que
conheço cada centímetro de meu território e que você é uma criatura
bárbara da floresta que não pertence aqui. Siga-me se for preciso, mas
não muito perto, e tente ficar na direção do vento. Não quero sentir
seu cheiro durante todo o caminho até o salão de jogos.
Escondi um sorriso e segui minha guia carrancuda pelos becos
sombrios de Ogi Owari.
Capítulo 12
Através do hume-no-sekai
Yumeko
Parte Dois
Capítulo 13
Profecia para um hospedeiro
Suki
Eu estava perdido.
Os corredores do castelo me cercavam, escuros e
abandonados. Sombras aglomeradas ao longo das paredes e pisos
polidos, jogadas para trás por uma lanterna ocasional e fluxo de luar
através das janelas. Um silêncio pesado pairava no ar, quebrado
apenas pelos meus próprios passos quase sem som, como se eu fosse a
única alma viva aqui. Há quanto tempo estive vagando por este
lugar? Eu deveria estar caçando... alguma coisa, mas não conseguia
me lembrar o quê. Mesmo assim, eu precisava completar minha
missão. Eu não poderia retornar ao Clã das Sombras sem terminar
meu objetivo, fosse ele qual fosse.
Virando uma esquina, olhei com desânimo para a estátua do
demônio no final do corredor, sua boca com presas aberta em um
sorriso. Eu havia encontrado essa mesma estátua inúmeras vezes. Não
importa para onde eu virasse ou em que direção eu fosse, eu sempre
parecia me encontrar de volta aqui.
Uma sensação de cansaço tomou conta de mim. Eu estava
andando em círculos, sem objetivo e sem senso de direção. Quanto
tempo ficaria aqui, vagando por este castelo sem fim, vagando sem
rumo por corredores vazios como uma sombra, apenas para terminar
onde havia começado?
Com raiva, eu me sacudi, dissolvendo a desesperança e a fadiga
entorpecente que se instalou profundamente em meus ossos. Eu não
poderia desistir. Eu era o matador de demônios Kage e este era o meu
trabalho. Independentemente dos obstáculos e dificuldades em meu
caminho, mesmo que fossem impossíveis, esperava-se que eu
cumprisse minha missão. O fracasso nunca foi uma opção.
Quando recuei, pronto para virar para outro corredor mais uma
vez, um sussurro de som silenciou atrás de mim, o mais fraco silvo de
passos sobre madeira polida. Eu girei, minha lâmina fora de sua
bainha em um instante, pronta para cortar qualquer monstro que se
aproximasse de mim.
Uma garota estava parada no final do corredor, olhando para
mim com grandes olhos escuros. E por um momento, talvez pela
primeira vez na minha vida, meus músculos congelaram e minha
mente ficou em branco com o choque.
Yu... Yumeko?
A espada em minha mão tremia. Abaixei meu braço, mal
acreditando que ela estava lá. Tive o pensamento fugaz de que isso era
um truque, uma ilusão conjurada pelo castelo aparentemente
malicioso para me mostrar o que eu queria desesperadamente
ver. Mas... era Yumeko. Ela brilhava na escuridão do corredor, vestida
com um manto branco debruado em vermelho, o cabelo brilhante
caindo sobre os ombros. Apesar da impossibilidade de tudo, algo
dentro de mim saltou, como se reconhecesse o que vinha procurando
o tempo todo.
— Tatsumi. — Sua voz era um sussurro, suave com alívio. Ela
deu um passo à frente, e o corredor escuro parecia ondular conforme
ela passava, como a superfície de um lago que foi perturbado. Como
se o castelo fosse apenas uma sombra, um reflexo, e ela era a única
coisa real. Eu não conseguia me mover, só podia assistir enquanto a
garota se aproximava, vendo meu próprio reflexo em seus olhos
escuros.
— Eu encontrei você.
Uma mão se levantou e um arrepio passou por mim quando seus
dedos roçaram suavemente minha bochecha, seu olhar procurando,
como se tivesse certeza de que eu também era real. Quase contra a
minha vontade, meus olhos se fecharam e meu corpo relaxou,
submetendo-se ao seu toque.
— Yokatta. — Ela sussurrou, expressando seu alívio. — Tatsumi,
você está bem. Estou tão feliz. Eu pensei que Hakaimono poderia ter...
Hakaimono?
Um lampejo de apreensão passou por mim com o nome, uma
memória fora de alcance. Por que ela mencionaria Hakaimono? Ela
sabia sobre o demônio na espada? Eu... contei a ela sobre minha
ligação com Kamigoroshi? Tentei pensar, lembrar o que havia
acontecido entre nós, mas meus pensamentos estavam dispersos,
como mariposas voando ao redor de uma luz, e não conseguia me
fixar em nenhum deles.
— Yumeko. — Alcançando, eu peguei sua mão, enrolando meus
dedos em torno dos dela. Sua pele era macia, sua mão leve e delicada
sob a minha palma, e meu estômago apertou. Por um momento, tive
que recuperar o fôlego. — Você precisa sair. — Eu disse a ela
suavemente. — Você não pode estar aqui agora. Há um... — Fiz uma
pausa, ainda incapaz de me lembrar por que tinha vindo, o que eu
deveria estar caçando. — Há algo perigoso perambulando por este
castelo. — Eu terminei. — Eu tenho que encontrar. Eu não posso
deixar você me seguir.
Ela balançou a cabeça. — Não, Tatsumi, me escute. Isto é um
sonho. — Soltando o braço, ela pegou minhas mãos, olhando para
mim. — Você está sonhando agora. Nada disso é real.
Um sonho? Eu fiz uma careta. Não, isso não poderia estar
certo. Mestre Ichiro me enviou aqui para...
Eu vacilei. Não conseguia me lembrar por que estava aqui. Não
me lembrava de uma conversa com Mestre Ichiro, ou de quaisquer
detalhes sobre esta missão. E quanto mais eu pensava sobre isso, mais
improvável parecia. Eu era o matador de demônios Kage. Eu não
esquecia.
— Isso é um sonho. — Insistiu Yumeko. — Pense bem,
Tatsumi. Você se lembra do castelo de Dama Satomi? Nós cinco fomos
lá para encontrar o Mestre Jiro. Você se lembra do que aconteceu?
Mestre Jiro. O nome era familiar, assim como Dama
Satomi. Fechei os olhos, tentando acalmar as memórias que passaram
pela minha cabeça. — Dama Satomi... era uma maga de sangue. — Eu
disse lentamente. — Nós a conhecemos na festa do imperador e a
seguimos através de um espelho até um castelo do outro lado. —
Yumeko apertou minhas mãos, garantindo-me que eu estava certa,
encorajando-me a continuar. — Havia... um oni. — eu continuei,
franzindo a testa enquanto mais pedaços da noite voltavam para
mim. — Yaburama. Eu lutei com ele, e então...
E depois...
O fundo do meu estômago caiu. Minhas mãos tremiam e eu
cambaleei para trás quando a memória me invadiu, encharcando-me
em uma onda de gelo. No momento em que perdi o controle, o uivo
de triunfo do demônio entrou em minha mente. — Hakaimono. — Eu
sussurrei, sentindo o olhar de Yumeko em mim. — Ainda estou...
Entorpecido, encostei-me na parede, enquanto tudo voltava à
tona. Hakaimono estava livre. Eu falhei em mantê-lo contido, e agora
ele estava ameaçando não apenas o Clã das Sombras, mas todo o
império. Meu sangue gelou quando me lembrei de suas ameaças
contra os Kage, a matança que ele já havia causado e a carnificina em
massa que aconteceria se ele não pudesse ser interrompido.
Senti Yumeko se aproximar novamente, uma presença brilhante
e sólida contra a escuridão suspensa. — Tatsumi, ouça. — Ela disse,
enquanto eu olhava para cima e novamente via meu reflexo, sombrio
e angustiado, em seus olhos. — Estamos indo atrás de você. — Ela
continuou. — Não vou deixar Hakaimono vencer. Vamos encontrar
você, prender Hakaimono e forçá-lo a voltar para Kamigoroshi.
— Não. — Minha voz soou estrangulada em meus
ouvidos. Dando um passo à frente, agarrei seus antebraços, fazendo-a
piscar. — Yumeko, se você enfrentar Hakaimono sozinha, você vai
morrer. Todo aquele que o desafiar vai morrer. Você tem que matá-lo.
— Tatsumi...
— Por favor. — A intensidade da minha voz soou estranha,
como se pertencesse a outra pessoa. — Não há muito tempo. —
Continuei. — Leve esta mensagem ao Clã das Sombras, ao imperador
e a qualquer um que quiser ouvir. Hakaimono está livre e formou
uma aliança com Genno, o Mestre dos Demônios.
— Genno? — Seus olhos se arregalaram, indicando que ela
reconheceu o nome. Não duvidei que ela tivesse ouvido falar dele; o
Mestre dos Demônios foi o mago de sangue mais famoso e temido da
história de Iwagoto. Até Yumeko, com sua educação protegida, teria
sabido do homem que quase destruiu o império.
— Mas... Genno está morto. — Yumeko argumentou. — Isso
tudo aconteceu há quatrocentos anos, não é?
— Ele voltou. — Eu disse. — Sua alma foi convocada de Jigoku e
ligada ao reino mortal. Ele tem um exército de demônios e yokai
esperando nas ruínas de seu antigo castelo. A única razão pela qual
ele não atacou o império é porque ele não tem corpo, então ele não
está com toda sua força. Hakaimono pretende consertar isso... dando a
ele o pergaminho do dragão.
O sangue foi drenado de seu rosto. Ela desabou em minhas mãos
e suspeitei que ela poderia ter caído se eu não a estivesse
segurando. — Hakaimono... — ela sussurrou. — Está indo atrás do
pergaminho do dragão?
Eu concordei. — Ele sabe onde fica o templo Pena de Aço. — eu
disse, e ela ficou ainda mais pálida. — Ele está indo para lá agora. Se
você não o impedir, ele vai massacrar todos e levar os pedaços do
pergaminho de volta para o Mestre dos Demônios. Genno já tem um
fragmento da oração. Se ele adquirir os outros e convocar o Dragão, o
império será lançado no caos. Você tem que impedi-lo.
— Como... — Yumeko ainda parecia um pouco
atordoada. Cuidadosamente, eu soltei seus braços, deixando-a ficar de
pé sozinha, e esperei até que ela encontrasse meus olhos novamente.
— Me mate. — Eu disse a ela suavemente. — É a única
maneira. Antes que Hakaimono alcance o pergaminho. Acabe com
minha vida e mande Hakaimono de volta para a espada.
Ela recuou, um olhar de consternação cruzando seu rosto. —
Não. — ela sussurrou. — Eu não vou te matar. Tatsumi, por favor, não
me peça isso. — Ela deu um passo à frente, seu olhar suplicante, e
meu coração apertou dolorosamente no meu peito. — Nós podemos
salvar você. — Ela insistiu. — Apenas nos dê uma chance.
— Você não pode exorcizá-lo. — Fiz um gesto desesperado,
balançando a cabeça. — O Clã das Sombras tentou. Nossos melhores
sacerdotes e majutsushi mais poderosos tentaram exorcizar
Hakaimono no passado. Ele é muito forte. Ninguém jamais conseguiu,
da última vez que tentaram, Hakaimono se libertou e massacrou todos
os presentes. Eu não posso... assistir isso acontecer com você.
Yumeko apertou sua mandíbula, seu olhar desafiador. Eu sabia
que ela iria recusar novamente, pensando que ela poderia me salvar
de Hakaimono, e meu desespero aumentou. Hakaimono já havia
massacrado vários membros do meu clã, e eu não podia fazer nada
para impedir. Eu sabia que seu plano final era limpar os Kage da
existência, e eu teria que assistir, impotente, enquanto ele destruía
todos eles. E se Genno convocasse o Dragão e subisse ao poder, eu
seria responsável pela queda de todo o império. Minha honra se foi,
minha alma contaminada além de toda redenção. Mas a ideia de ela
morrer, de enfrentar o sádico Primeiro Oni apenas para ser morta
pelas minhas próprias mãos, era demais. Ele não iria apenas matá-
la; ele iria torturá-la, fazê-la sofrer, porque ele sabia que isso me
afetaria. E ele nunca me deixaria esquecer.
Hesitei, depois caí de joelhos diante dela e inclinei a cabeça,
ouvindo sua respiração aguda. — Por favor. — Eu disse
suavemente. — Eu vou implorar se eu precisar. Não posso ser o
instrumento que permite que Genno se levante novamente. Não posso
ser o catalisador que causará a destruição do Clã das Sombras. E eu...
— Minha voz vacilou; tive que fazer uma pausa, engolindo o aperto
na garganta antes de continuar. — Não posso vê-lo matar você,
Yumeko. — Sussurrei. — Hakaimono sabe... o quão importante você
é. Ele teria muito prazer em fazer você sofrer. De todas as atrocidades
que ele cometeu, se você morresse por minhas mãos... — Estremeci. —
Prefiro cortar meu estômago do que viver com isso.
Yumeko permaneceu em silêncio. Eu podia sentir o peso de seu
olhar sobre mim, solene e desamparado, talvez percebendo a verdade
de minhas palavras. — Minha vida não vale nada. — Continuei, ainda
olhando para o chão entre nós. — Se minha morte significa acabar
com a ameaça do Primeiro Oni e a segunda vinda do Mestre dos
Demônios, eu a ofereço de bom grado. Mas eu não posso fazer isso
sozinho. — Abaixei-me ainda mais, as pontas dos dedos de uma mão
tocando o chão. — Mate-me, Yumeko. — Eu sussurrei. — Acabe com
minha vida e leve Hakaimono de volta à espada para sempre.
Por alguns segundos, houve silêncio. Em seguida, um farfalhar
suave quando Yumeko se ajoelhou na minha frente, e um momento
depois sua palma fria pressionou contra minha bochecha.
— Eu não vou deixá-lo ter você. — Ela sussurrou com uma voz
feroz. — Sua vida é algo que vale a pena para mim. — Sua outra mão
tocou meu rosto, me fazendo estremecer. — Olhe para mim,
Tatsumi. Realmente olhe para mim e me diga o que você vê.
Arrastei meu olhar para o dela e encontrei um par de olhos
dourados cintilantes. Assustado, recuei um pouco, e o contorno de
Yumeko pareceu borrar por um momento, como se eu a estivesse
vendo através da água ou fumaça densa. A nebulosidade desapareceu
e eu estava olhando para os olhos dourados de uma raposa, orelhas de
ponta preta e cauda espessa destacando-se em minha visão periférica.
Kitsune. Yumeko era kitsune. De alguma forma, eu tinha
esquecido. Sua postura era rígida, como se ela estivesse esperando que
eu recuasse, e me lembrei da noite em que Hakaimono assumiu, ele
zombou alegremente da raposa, dizendo que eu podia ver exatamente
o que ela era agora, e que a desprezava para isso.
Eu não fazia. Eu havia ficado surpreso, é claro, chocado por estar
viajando com uma raposa, uma yokai, desde a noite em que a salvei
dos demônios. Mas mesmo isso empalideceu com o horror e a raiva
que eu sentia por mim mesmo por permitir que Hakaimono se
libertasse. A identidade da garota raposa era muito menos
preocupante do que o demônio possuindo meu corpo. E Yumeko ser
kitsune... Não era tão surpreendente, realmente. Lembrei-me das
vezes em que ela falara com os kamis, todas as ocasiões em que ela
podia ver espíritos e yurei tão facilmente quanto o mundo
mortal. Muitas coisas pequenas, aparentemente insignificantes na
época que não percebi. O fato de ela ser uma raposa, uma yokai,
deveria ter me irritado e enojado, mas Yumeko era... Yumeko. Kitsune
ou humana, ela ainda era a mesma.
Yumeko sorriu, embora fosse um sorriso um pouco triste, como
se ela soubesse que algo entre nós havia se quebrado e nunca poderia
ser recomposto. — Estou pedindo que confie em mim. — disse ela em
voz baixa. — Não como Yumeko, a camponesa, mas como uma
kitsune que jurou que não deixaria o demônio vencer. Hakaimono é
forte, mas a força não vence batalhas automaticamente, e existem
alguns truques que ele não viu. Eu não estou desistindo. Eu só preciso
que você espere por mim um pouco mais.
— O que você está planejando fazer? — Eu sussurrei.
Por um momento, ela pareceu perturbada, quase
envergonhada. Seu olhar caiu, e a ponta de sua cauda bateu em um
ritmo agitado contra o chão. — Eu preciso de sua permissão, Tatsumi.
— Ela disse, para minha confusão. — Todo mundo me disse que um
exorcismo normal não funciona no Primeiro Oni, que ele é muito forte
para qualquer coisa de fora. Então, quando chegarmos a Hakaimono,
pretendo enfrentá-lo... de dentro.
Demorou apenas um momento para perceber o que ela estava
dizendo. — Kitsune-tsuki. — Eu murmurei, e ela acenou com a
cabeça, estremecendo. — Yumeko. — Eu disse gentilmente. —
Hakaimono não será mais fácil de derrotar dentro de mim. Na
verdade, sua alma será ainda mais poderosa.
— Eu sei. — Ela sussurrou, e suas orelhas se achataram de
medo. — Mas eu vou fazer isso. Eu só... quero que você saiba que
estou indo, Tatsumi. E que lutarei por você, o mais forte que
puder. Vou libertar sua alma de Hakaimono, de uma forma ou de
outra.
Meu peito estava apertado. Ninguém em meus dezessete anos de
existência se importou tanto em tentar me salvar. Eu não era
nada; uma arma dos Kage, treinado para matar e obedecer. Se eu
morresse em uma missão, a única perda para o Clã das Sombras era
que eles teriam que encontrar um novo matador de
demônios. Ninguém se lembraria de mim. Ninguém lamentaria
minha morte. Dar minha vida a serviço do clã era uma honra, e o
preço do fracasso era a morte. Sempre foi assim.
Olhar para o rosto feroz e determinado de Yumeko, ver a
promessa queimando em seus olhos, fez meu estômago revirar com
emoções que eu não conseguia nem identificar. Que essa garota
enfrentaria um senhor demônio, o oni mais forte de Jigoku, para
salvar a alma sem valor e contaminada de um assassino... — E se você
não puder expulsá-lo? — Eu perguntei. — Se Hakaimono corre o risco
de roubar o pergaminho e matar todos que estiverem entre ele e seu
objetivo?
Seus olhos se fecharam. — Se não houver outra maneira. — ela
sussurrou, e sua voz estava um pouco embargada. — Se eu não puder
pará-lo, então eu... eu honrarei seu pedido, Tatsumi. Se eu devo... Vou
acabar com sua vida, e a de Hakaimono. O Primeiro Oni não alcançará
o pergaminho, eu prometo.
Baixei a cabeça, fechando as mãos nos joelhos. — Arigatou. —
Murmurei. — Se foi isso que você decidiu, Yumeko, então vou esperar
por você. E... sinto muito.
— Desculpe?
— Pelo que você vai ter que enfrentar para me alcançar.
— Eu não estou com medo. — Ela se aproximou, colocando as
mãos sobre as minhas. Eu olhei para cima e encontrei seu rosto a uma
distância de um fôlego, olhos dourados brilhando quando
encontraram os meus. — Se isso significa que vou ver você de novo,
vou lutar contra uma dúzia de Hakaimonos. — Ela piscou, e em cima
de sua cabeça, suas orelhas tremeram nervosamente. — Há apenas
um, certo?
Meu coração batia forte e eu respirei lentamente para acalmá-
lo. — Até onde sei.
— Oh, que bom. — Yumeko sussurrou, e caiu um pouco de
alívio. — Porque seria ainda mais assustador, agora que penso nisso.
Um tremor passou por mim. Espontaneamente, minha mão se
levantou e afastou o cabelo de sua bochecha, meus dedos percorrendo
sua pele. Yumeko não se moveu, segurando meu olhar, e a confiança
que vi naqueles olhos de raposa dourada fez minha respiração
parar. Ela sorriu para mim, apenas a menor curva de seus lábios,
respondendo à minha pergunta não dita, e o que restava da minha
determinação se desfez em pó. Quase sem pensar, inclinei-me para a
frente.
Mas assim que me movi, a garota tremeluziu como uma vela
apanhada por uma forte brisa. Franzindo a testa, recuei, vendo-a
tremer novamente, sua presença desapareceu e reapareceu em um
piscar. — Yumeko? O que está acontecendo?
Yumeko parecia em partes iguais abatida e arrependida. —
Gomen, Tatsumi. — Ela disse, fazendo uma careta enquanto piscava
mais uma vez. — Eu disse que estávamos no mundo dos sonhos,
certo? Sinto muito, mas acho que estou prestes a acordar...
E ela se foi.
Ajoelhei-me, sozinho, nos corredores de um castelo abandonado,
olhando para o local onde uma garota kitsune estivera momentos
antes. Eu podia sentir que estava desvanecendo também, a realidade
ao meu redor se desgastando quando minha consciência começou a se
agitar. O mundo já parecia mais escuro, mais frio, sem a presença da
alegre raposa. Eu me perguntei se eu realmente a veria novamente, se
ela iria me encontrar como prometeu, antes que eu ficasse com raiva
de minha própria fraqueza. Seria melhor para todos se ela ficasse
longe, longe de mim e do demônio que possui meu corpo. Yumeko
era corajosa, engenhosa e tinha muitos truques kitsune aos quais
podia recorrer, mas nunca enfrentou um inimigo tão terrível como
Hakaimono. Eu preferia que os Kage nos rastreassem e matassem nós
dois do que assistir Hakaimono rasgar a garota kitsune ao meio e rir
de mim por ter ousado ter esperança.
À minha volta, o castelo ficava menos substancial, menos real, a
cada segundo. Eu sabia que poderia abrir meus olhos a qualquer hora
que eu desejasse, mas por vários segundos, eu não me movi, querendo
que o sonho durasse o máximo que pudesse.
Para mim, o pesadelo continuaria assim que eu acordasse.
Capítulo 15
Chá com meu inimigo
Yumeko
Havia alguns dias em que Suki sentia falta de estar viva. Dias em
que uma memória se insinuaria, espontaneamente, em seu coração,
uma brisa fresca de primavera, a doçura de uma comida favorita, o
calor do sol em sua pele, e ela desejaria, apenas por um momento, que
não fosse um intangível fantasma.
Hoje não era um daqueles dias.
— Estou congelando. — Reclamou Taka, encolhendo os ombros
contra a neve que caía. Os lábios do pequeno yokai tinham ficado de
um azul sutil e seus dentes batiam enquanto ele ia miseravelmente
atrás de Senhor Seigetsu, seguindo os passos de seu mestre. O gelo
grudava em suas mangas, e o chapéu de aba larga em cima de sua
cabeça estava coberto de neve. — Estamos quase lá, mestre?
— Sim. — Seigetsu respondeu sem olhar para trás. — E o
governante desta floresta está ouvindo. Se você não deseja ter seus
lábios congelados e fechados para sempre, eu ficaria em silêncio.
Taka imediatamente estalou a mandíbula e se curvou ainda mais
em sua capa de palha, tornando-se muito pequeno. E embora Suki não
pudesse sentir o frio, ela estremeceu de qualquer maneira. Ao redor
deles, a floresta sombria estava congelada, pinheiros altos e
desgrenhados caindo sob o peso da neve e do gelo. Era um peso
opressor, Suki pensou, chegando mais perto de Taka. Fria e
dominadora, como se a neve fosse uma mestra cruel, exigindo silêncio
e respeito de tudo que tocava.
Quando eles entraram em uma clareira pequena e pacífica, a
neve que caia do céu cessou abruptamente e a floresta ao redor deles
ficou imóvel. Nem um sopro de vento agitava os galhos, embora Suki
quase pudesse ver o frio nos pingentes de gelo pendurados nas
árvores, nas nuvens ondulantes saindo dos lábios de Taka. Senhor
Seigetsu não parou; ele caminhou pelo terreno plano, Taka e Suki o
seguindo. A neve estava bem funda aqui e rangia sob os pés de Taka,
como se ele estivesse andando sobre galhos ou uma cama de seixos.
— Ite! — Taka parou de repente, pulando em um pé, como se
tivesse batido o dedo do pé. — Ow, ow ow, afiado! O que é isso? —
Senhor Seigetsu fez uma pausa, parecendo levemente irritado ao se
virar.
— Taka. — Sua voz foi um aviso.
— Sumimasen! — Taka sussurrou, estremecendo ao alcançar a
neve. — Perdoe-me, mestre. Acho que pisei em um galho quebrado...
Ele gaguejou até parar, seu olho ficando enorme, enquanto
puxava a metade quebrada de um crânio da neve. Com um grito, ele
deixou cair a mandíbula sorridente; bateu no chão com um estalo
abafado e rolou para longe, revelando outro crânio escondido sob o
manto branco.
Uma risada suave e feminina ondulou ao longo da borda da
clareira, carregada pelo vento e agitando a neve no ar. Bem-vindos ao
meu jardim, ela sussurrou, enquanto Suki olhava em volta
freneticamente e Taka disparava atrás do hakama de Seigetsu. Eu não
recebo muitos visitantes, não mais. Vocês gostariam de ficar por um
período? Talvez vocês queiram plantar algo aqui vocês mesmos?
O vento soprava, jogando neve no ar, chicoteando o cabelo de
Seigetsu e puxando suas mangas. Ele soprou para longe a parte
superior branca, revelando o tapete de ossos brilhantes
abaixo. Crânios, armaduras e armas apodrecendo, esqueletos
humanos e animais, todos deitados semienterrados no solo
congelado. Taka engasgou e Suki sentiu que perdia a forma,
transformando-se em uma bola de luz brilhante. A estranha voz riu de
suas reações. Seigetsu suspirou.
— Eu já vi seu jardim, Yukiko. — Ele gritou para o ar vazio. —
Não é a razão de eu estar aqui.
Oh, Seigetsu-sama, você não é divertido. A voz quase soou amuada
e a neve continuou a rodopiar ao redor da clareira. Enquanto Suki
observava, dedos rendados de neve soprada pelo vento roçaram a
manga de Seigetsu e se enrolaram em torno de Taka, puxando seu
chapéu. Tem certeza que não quer me deixar um presente? Ainda não tenho
uma caveira com um olho em minha coleção.
Taka se encolheu e choramingou, agarrando-se ao hakama de
seu mestre. Os olhos dourados de Seigetsu se estreitaram.
— Não, e não acho que você precisa de mais 'decorações'. —
disse ele com firmeza. Ele ergueu a mão e acenou através dos fios de
neve enrolados em torno dele. — Eu vim para receber meu favor,
nada mais.
As rajadas sopradas pelo vento voltaram. Isso foi há anos, Seigetsu-
sama, a voz quase gemeu. Séculos, e você nunca mais veio me visitar desde
então. Quase me esqueci disso.
— Mas eu não. — O tom de Seigetsu foi inflexível. — Você vai
honrar a promessa que me fez naquele dia, Yukiko, ou devo ficar
ofendido por ter sido enganado?
Um suspiro longo e dramático fez a neve girar freneticamente ao
redor da clareira. Não, Seigetsu-sama, a voz disse, parecendo
irritada. Vou honrar minha palavra. Que ninguém diga que Yukiko do Norte
não cumpre suas promessas. O que você precisa que eu faça?
Senhor Seigetsu sorriu.
— Há um oni chamado Hakaimono a caminho do templo Pena
de Aço neste momento. — respondeu ele. — Eu preciso que você o
impeça de chegar lá.
Capítulo 17
O preço da ilusão
Yumeko
Capítulo 28
Kitsune-bi e demônio de fogo
Tatsumi
Tatsumi!
Eu senti a espada entrar no corpo de Tatsumi, senti o terrível
rasgo da lâmina deslizando pela carne, senti ela se alojar entre os
músculos e tendões, e precisei de tudo que eu tinha para não fugir do
assassino de demônios mortalmente ferido para segurança do meu
próprio corpo. Cada instinto gritava para que eu corresse,
abandonasse o hospedeiro moribundo e voltasse a mim. Eu não
conseguia sentir a dor, mas podia sentir a reação do corpo a ela, a
gritaria dos nervos e a contração dos músculos, e era quase
demais. Quando o corpo de Tatsumi caiu molemente nas pedras, girei
e me vi de volta ao vazio, um oni atordoado e uma alma humana
aparecendo contra a escuridão.
Tatsumi fez uma careta e caiu de joelhos, fazendo o alarme
disparar por mim como uma flecha. Ele piscou uma vez e ficou
fantasmagórico, enquanto o brilho sutil ao seu redor crescia contra a
escuridão.
— Não!
Correndo, eu me joguei na frente dele, agarrando seus braços. —
Tatsumi, não. — Implorei, enquanto seu olhar triste e estranhamente
calmo se fixou no meu. — Você não pode morrer. Não desapareça
agora. Fique comigo.
— Eu não posso. — Ele ergueu as mãos, olhando para os dedos
transparentes, e fechou os olhos. — Eu posso sentir... algo me
puxando. — Ele sussurrou. — Meido, ou talvez Jigoku, está
chamando. Sinto muito, Yumeko. — Uma mão subiu ao meu rosto,
seus olhos suaves quando encontraram os meus. — Arigatou. — Ele
respirou. — Por um tempo, meu mundo ficou mais brilhante... porque
eu conheci você.
As lágrimas me cegaram, mas com um rosnado que abalou o
vazio ao nosso redor, Hakaimono avançou, os olhos brilhando de
fúria e, eu pisquei em choque, desespero.
— Droga, humano! — ele rosnou, pairando sobre nós. — Não
ouse desistir e morrer. Eu me recuso a passar mais um minuto em
Kamigoroshi. Eu ficarei neste corpo e neste reino, mesmo se eu tiver
que manter sua frágil e patética alma mortal aqui pela força.
— Você não pode parar isso, Hakaimono. — Tatsumi disse
calmamente. Inesperadamente, o mais fraco dos sorrisos cruzou seu
rosto. — Este corpo está quase acabado, e você não pode ficar aqui
depois que a alma partir. Pelo menos morrerei sabendo que você será
selado de volta em Kamigoroshi, esperançosamente para sempre
desta vez.
— E o que acontecerá com o império quando Genno vencer? —
Hakaimono exigiu. — O que acontece com o seu clã? E sua preciosa
garotinha raposa? — Ele balançou a cabeça e se aproximou, os dentes
à mostra, os olhos brilhantes e furiosos enquanto ele se inclinava. —
Ouça-me, matador de demônios. Não vou fingir que me importo com
nada disso, mas sei que você se importa. E agora, nossa sobrevivência
depende de nós dois. Pretendo rastrear Genno e arrancar a cabeça
traidora de seu corpo, mas não posso fazer isso preso em uma espada.
— Ele parou por um momento, como se estivesse lutando consigo
mesmo, então rosnou uma maldição e estendeu uma garra. — Minha
alma está mais forte. Funda-se comigo, e ainda podemos sobreviver a
isso.
Eu encarei Hakaimono em choque. O que ele quis dizer? Uma
alma mortal e um demônio poderiam se unir? E, Tatsumi seria salvo
se o fizessem?
— Tornar-me um com um demônio. — A voz de Tatsumi era
monótona e um sorriso sem humor torceu um canto de sua boca. —
Eu tenho muito pouca honra sobrando. — disse ele. — Mas pelo
menos minha alma estará limpa quando eu chegar em Meido, ou
mesmo em Jigoku. Ao contrário de você, Hakaimono, nunca tive
medo de morrer.
— Hakaimono. — Eu encarei o demônio, ainda de pé com sua
garra estendida, até que ele encontrou meu olhar. — Você pode salvá-
lo?
— Não. — O Primeiro Oni rosnou. — Eu
estaria nos salvando. Não posso possuir um cadáver. Assim que a
alma partir, serei forçado a voltar para a espada, e este corpo não
passará de uma casca. — Ele gesticulou com raiva para Tatsumi. —
Seu corpo está morrendo e quando isso acontecer, a alma de Tatsumi
será puxada para Meido ou Jigoku ou para onde quer que ele vá. Se
ele se fundir comigo, se nossas almas se unirem, posso ser capaz de
curar o dano feito à carne, o suficiente para salvar sua vida, de
qualquer maneira.
— Mas o que acontece com a alma de Tatsumi se vocês dois se
juntarem?
— Eu não tenho ideia. — Hakaimono retrucou. — Mas tenho
certeza do que acontecerá se não o fizermos. Nós dois perdemos,
Genno invoca o Dragão e o império é invadido por demônios e magia
de sangue. Muitas pessoas morrem. É isso que você quer, matador de
demônios? — Ele olhou para Tatsumi. — Sua garotinha raposa veio
até aqui para salvá-lo, e agora ela vai assistir Genno massacrar seus
amigos e tudo que ela gosta, antes de morrer também. Porque você
falhou em salvá-la. Você pode viver com isso pelo resto da
eternidade?
— Eu... — O olhar angustiado e torturado de Tatsumi se voltou
para mim. — Yumeko. — Ele sussurrou. — Se eu fizer o que
Hakaimono sugere, eu... eu não sei o que vai acontecer. Não sei se
ainda vou ser eu mesmo. Se eu te machucar... — Suas palavras
vacilaram, seus olhos se fecharam, como se aquele pensamento fosse
muito doloroso para continuar. — Eu não sou o assassino de
demônios Kage. — Ele murmurou. — Eu deixei Hakaimono entrar e
não sou mais digno de portar Kamigoroshi. Mesmo se eu sobreviver
aqui, o clã pedirá minha morte. Só posso esperar que eles sejam
misericordiosos e me permitam tirar minha própria vida com honra.
— Seu olhar encontrou o meu novamente, a resignação pairando
sobre seus traços. — Mas até então, até que eles venham por mim,
minha vida é sua. O que você deseja que eu faça?
O brilho inundando Tatsumi ficou mais forte, quase
cegando. Seu corpo tremeu, tornando-se transparente, e espirais de
luz começaram a subir, desaparecendo na escuridão. Hakaimono
rosnou uma maldição.
— Estamos sem tempo, matador de demônios. — O oni rosnou, e
estendeu a garra mais uma vez. — Desistir ou continuar
lutando? Decida, agora!
— Tatsumi. — Emoldurei seu rosto com as mãos e, embora não
pudesse mais senti-lo, seus olhos perfuraram a distância entre
nós. Brilhantes e comovente enquanto sussurrava a palavra final. —
Fique.
Tatsumi baixou a cabeça e, por um momento, meu coração
afundou. Mas seus olhos se abriram mais uma vez, duros com
determinação, enquanto ele girava em direção a Hakaimono e agarrou
a garra estendida.
A luz ao redor de Tatsumi chamejou, expandindo para fora, e
tanto humano quanto demônio desapareceram no brilho. Protegendo
meus olhos, eu apertei meus dedos, tentando ver o que estava
acontecendo, de repente com medo de que, quando a luz se apagasse,
Tatsumi teria ido embora e Hakaimono seria a única alma
remanescente.
O brilho diminuiu para quase nada, e eu respirei fundo, meu
coração parecendo parar no meu peito. Um corpo se ajoelhou onde
Tatsumi estivera um momento antes, ombros curvados e cabeça baixa,
respirando com dificuldade, como se estivesse com dor. Tamanho
humano. De aparência humana... quase. As tatuagens de aparência
maligna de Hakaimono subiam por seus braços e ombros, e um par de
chifres de brasa brilhantes enrolados em sua testa, mas esse era o
único sinal do demônio. Sem pele escura, sem crina, garras ou presas
brancas. Ele parecia Kage Tatsumi.
Então ele ergueu a cabeça e um choque passou por mim como
um raio. Eu estava olhando para os dois, duas entidades de alguma
forma fundidas em uma. Suas almas se sobrepunham, emaranhadas,
mas ainda eram indivíduos separados. Eu podia ver
Hakaimono e Tatsumi olhando para mim, e a surrealidade de tudo
isso fez minha cabeça doer.
A figura diante de mim caiu, inclinando a cabeça, e minha
preocupação aumentou. — Tatsumi. — Eu sussurrei, caindo ao lado
dele. — Você está bem?
Ele deu um aceno dolorido. — Quase não cheguei a tempo. —
Ele murmurou, e eu não pude dizer se era a voz de Tatsumi falando
comigo ou de Hakaimono. Ou ambos. Erguendo a cabeça, ele me
olhou nos olhos e sacudiu a cabeça. — Vá, Yumeko. — disse ele. — O
Mestre dos Demônios ainda está lá fora, com seu exército. Encontre
seus amigos, veja se algum deles ainda está vivo. Você tem que evitar
que Genno pegue o último pedaço do pergaminho.
— E você?
— Eu tenho que... me recuperar um pouco. — Levantando a
mão, ele cerrou o punho, antes de deixá-lo cair. — Este corpo ainda
está fraco, precisei de tudo que eu tinha para mantê-lo vivo. Eu não
acho que posso me mover ainda. — Ele estendeu a mão novamente e
agarrou meu ombro, me fazendo pular. — Vá. — Ele ordenou
novamente. — Pare Genno. Não se preocupe comigo. Eu não... vou
desaparecer. Não dessa vez.
Mordi meu lábio, paralisada com a escolha, sentindo-me
dividida em várias direções ao mesmo tempo. A preocupação com
meus amigos e todos no templo estava me dando nós no estômago. Eu
esperava desesperadamente que Reika, Daisuke e Okame estivessem
bem. Para encontrá-los, eu tinha que retornar ao meu próprio corpo
antes que um demônio faminto ou yokai o destruísse. Poderia já ser
tarde demais, mas estava relutante em abandonar a alma que vim
salvar, deixando-a com o demônio que eu tinha jurado expulsar. —
Você promete?
— Yumeko. — Seu olhar encontrou o meu, e por um momento,
era apenas Kage Tatsumi ajoelhado diante de mim e mais
ninguém. Inclinando-se para frente, ele encostou sua testa na minha,
fechando os olhos. — Minha vida é sua agora. — Ele sussurrou. —
Depois que você veio tão longe para me salvar, eu não vou a lugar
nenhum, eu prometo.
Minha visão se inundou de lágrimas. Agarrando a parte de trás
de sua cabeça, eu fechei meus olhos com força e o segurei por um
momento, sentindo seu brilho nos cercar, pulsando levemente contra
a escuridão.
Abruptamente, ele se afastou, se libertando do meu aperto. — Vá
em frente. — Ele ordenou asperamente, parecendo desconfortável
agora. — Eu me juntarei a você se eu puder. Pare Genno, isso é tudo
que importa. — Eu ainda hesitei, e sua voz se tornou um rosnado
gutural. — Mova-se!
Colocando minhas orelhas para trás, eu voltei à minha forma de
espírito de raposa e fugi, sentindo o olhar de Tatsumi e Hakaimono
em mim por todo o caminho. Saltando para fora do vazio, voei direto
para cima, passei pela concha externa de Tatsumi e voltei ao mundo.
Estava assustadoramente vazio. O pátio onde montamos a
emboscada estava abandonado, embora os sinais da batalha
estivessem por toda parte. Corpos jaziam espalhados, sangrando e
imóveis nas pedras, demônios, yokai e tengu. Um guerreiro tengu
alado caiu com sua lança enfiada no peito de um oni menor, embora
parecesse que o demônio havia acertado um golpe fatal ao
morrer. Horrorizada, olhei em volta para a carnificina. Os corpos de
uma donzela do santuário, um nobre e um ronin não estavam entre os
mortos, pelo que pude ver. Um grupo de amanjaku jazia no chão,
flechas familiares de penas pretas projetando-se do peito e entre os
olhos, indicando que meus companheiros haviam participado da
batalha. Onde eles estavam agora? E onde estava o Mestre dos
Demônios?
Quando olhei por cima do ombro, meu coração gelou. Tatsumi
estava deitado de costas no meio do círculo de ligação, a frente de sua
camisa e as pedras ao redor dele cobertas de sangue. Kamigoroshi
estava deitada ao lado de uma mão mole, a lâmina morta e cega, e
seus olhos estavam fechados. Ele parecia total e completamente
morto, e eu mal me impedi de mergulhar de volta em sua alma para
ver se ele ainda estava lá.
Meu corpo, percebi, também havia sumido. Ele estava deitado ao
lado de Hakaimono quando meu espírito o deixou para possuir
Tatsumi, mas agora o círculo de ligação estava vazio, exceto pelo
demônio imóvel.
Bem, isso vai ser um problema. Onde meu corpo foi parar?
Um estrondo vindo do salão principal do templo me fez
levantar, bem a tempo de ver uma nuvem de fogo explodir pela
parede, espalhando madeira e pedras por toda parte. A fumaça saiu
das portas principais, ondulando no céu, e línguas de chamas laranja
tremeluziram através dos buracos na parede e no telhado.
E de repente, eu estava lá novamente. No templo Ventos
Silenciosos, rodeada por chamas e sangue, assistindo um exército de
demônios massacrar todos que eu me importava.
Achatando minhas orelhas, eu corri pelo pátio em direção ao
corredor principal, percebendo no meio do caminho que eu estava
realmente voando sobre as pedras em forma de espírito. A emoção
dessa descoberta foi ofuscada pelo rugido do fogo e os sons da batalha
pelas portas abertas, silhuetas sombrias correndo para frente e para
trás dentro. Subi os degraus do templo e entrei no salão principal,
então parei e olhei ao redor com horror.
Mais corpos espalhados pelo chão, espalhados entre as chamas e
manchas de sangue, guerreiros tengu, yokai e demônios. O outrora
elegante e espaçoso corredor havia sido destruído, enormes pilares
quebrados como gravetos, as estátuas de heróis humanos caídas de
seus pedestais e quebradas no chão. O fogo queimava, enchendo o ar
de fumaça, e figuras nebulosas dispararam através das nuvens,
lâminas e dentes brilhando na luz infernal. Um tengu mergulhou
entre dois pilares, pousou atrás de uma cobra gigante e cravou sua
lança nas costas do yokai. A enorme cobra sibilou ao morrer, e o tengu
abriu suas asas para voar novamente, mas uma horda de demônios
amanjaku enxameou sobre o pilar e se lançou sobre o guerreiro antes
que ele pudesse escapar. Mordendo e apunhalando, eles o
derrubaram no chão, e o sangue se espalhou pelo piso de madeira
polida enquanto o guerreiro morria.
Não, pensei, vendo demônios enxameando o templo Ventos
Silenciosos mais uma vez, arrastando Satoshi para o chão. Mestre Isao,
levantando-se para enfrentar o oni assassino enquanto o templo
queimava ao seu redor. Isso não pode estar acontecendo
novamente. Voando para cima de um pilar quebrado, procurei
freneticamente por meus amigos em meio ao caos. Por favor, estejam
bem, todos. Por favor. Eu não poderia suportar se algum de vocês...
Meu coração parou. Contra a parede oposta, abaixo do mural do
grande dragão, Reika estava ao lado de Chu, ofuda na mão, seu haori
branco antes imaculado manchado de vermelho. O komainu se
agachou ao lado dela, rosnando e mostrando dentes enormes para
qualquer coisa que se aproximasse demais, mas sem vontade de
deixar sua senhora desprotegida. O chão ao redor deles estava cheio
de corpos, algumas cabeças ou membros faltando, alguns queimados
e vários crivados de flechas.
Entre a carnificina, Okame e Daisuke lutavam lado a lado com
um punhado de tengu, talvez os últimos sobreviventes do massacre
brutal. O arco de Okame estava descartado no canto, a aljava vazia e
uma lança nas mãos do ronin.
Atrás de todos eles, meio escondido e aparentemente esquecido
no caos, um corpo familiar caído contra a parede em um canto
escuro. Seu queixo estava apoiado no peito, e suas orelhas e cauda de
raposa eram visíveis na fumaça e nas luzes bruxuleantes.
Alívio e terror passaram por mim. Saltando do pilar, mergulhei
em meu corpo, mergulhando de volta em mim mesma. Houve um
momento de tontura enquanto eu afundava em minha consciência, e
então, uma sensação de plenitude me engolfou por dentro, a casca
mortal dando boas-vindas à sua alma perdida.
Com um suspiro, abri meus olhos. O rugido das chamas me
saudou, assim como o cheiro de sangue e o fedor acre de
fumaça. Lutei para ficar de pé e quase caí quando uma súbita tontura
fez minha cabeça girar. Colocando minha mão na parede, cerrei
minha mandíbula e dei um passo cambaleante para frente.
Reika se virou então, e seus olhos se arregalaram quando ela me
viu. — Yumeko. — Ela gritou, correndo para frente. — Você está
bem. Graças aos kami. Estávamos com medo de que você tivesse
partido.
— Reika, o que... — Eu cerrei meus dentes enquanto o chão
balançava sob meus pés. As chamas dançaram ao nosso redor, o calor
pulsando contra meu rosto e pele nua. A donzela do santuário
estendeu a mão e colocou a mão sob meu braço, me firmando. — O
que aconteceu?
— O exército de Genno atacou não muito depois de você possuir
Hakaimono. — A miko respondeu. — O oni deve tê-los conduzido
direto para o templo. Nós os seguramos o melhor que pudemos, mas
eram muitos. Fomos forçados a recuar pra cá. — Ela olhou para onde
Okame e Daisuke lutavam lado a lado, seus rostos sombrios e
determinados. — Não podíamos deixar seu corpo indefeso ao lado de
Hakaimono, mas... você encontrou a alma de Kage-san? Você foi
capaz de conduzir Hakaimono de volta para a espada?
Eu estremeci. — Não exatamente.
Reika fechou os olhos e se apoiou em Chu enquanto o komainu
se aproximava. — Então, temo que estejamos todos perdidos.
Comecei a responder, mas um silêncio de repente caiu sobre o
salão, os sons da batalha diminuindo conforme os demônios e yokai
recuaram alguns passos. Respirando com dificuldade, Daisuke,
Okame e o último dos tengu ficaram juntos, as armas levantadas,
enquanto algo flutuava pela fumaça para pairar sobre nós. Um
homem, um yurei, em uma túnica branca esvoaçante, seus longos
cabelos negros esvoaçando atrás dele.
Um arrepio passou por mim e senti minha cauda eriçar como um
gato apavorado. Ao contrário dos poucos yurei que encontrei, este
homem irradiava maldade; eu podia sentir a mácula emanando dele
em ondas, sufocante e doentia. Seus olhos, planos e impiedosos,
olharam para nós, e um canto de sua boca se curvou em um sorriso
pequeno e cruel. Um trio de figuras o seguiu, e cada uma causou um
novo arrepio na minha espinha. As gêmeas yokai com tranças de
cauda de escorpião e sorrisos afetados pareciam perigosas, mas foi a
terceira figura que fez os pelos do meu pescoço se arrepiarem. Um
guerreiro alto e magro vestido de preto, seu cabelo carmesim
amarrado atrás dele, teria sido assustador mesmo sem os chifres e
presas reveladores que o marcavam como um demônio. O punho de
uma espada aparecia sobre seu ombro e seus olhos vermelhos e frios
nos observavam sem um pingo de misericórdia.
A cor sumiu do rosto de Reika e, por um momento, ela parecia
que ia desmaiar. Seus olhos estavam arregalados e cheios de terror
enquanto ela olhava para o fantasma, um estremecimento passando
por ela quando ela cambaleou um passo para trás.
— Genno. — O sussurro parecia arrastado da parte mais escura
de sua alma. A donzela do santuário bateu na parede e caiu no chão,
sua expressão em branco. Chu gemeu e empurrou a cabeça quadrada
para o lado dela, mas ela não pareceu notar. Com o coração batendo
forte, olhei para trás para o fantasma Mestre dos Demônios, flutuando
sobre nós como um fantasma.
— Bem. — Genno inclinou a cabeça ao nos observar, ainda
sorrindo. — Estes parecem ser os últimos de vocês. Suponho que
nenhum de vocês vai me dizer onde está o último pedaço do
pergaminho? — Ele ergueu as duas mãos em um movimento quase
generoso. — Seu daitengu já nos presenteou com uma parte. Eu farei
suas mortes rápidas e honrosas se vocês me pouparem tempo.
Minhas entranhas se agitaram. Eu podia sentir o peso do
pergaminho sob minhas vestes, pesado e agonizante. Os demônios e
yokai que nos cercavam se aproximaram, a sede de sangue brilhando
em seus olhos, lâminas e dentes à mostra. Okame, Daisuke e os
últimos tengu não se moveram, embora eu tenha visto os guerreiros
enrijecerem. Uma batida de coração de silêncio, e então Tsume, o
jovem tengu com a crina de cabelo que parecia uma pena, deu um
passo à frente.
— Não. — Eu sussurrei, enquanto outra memória flutuava
diante da minha visão, sobrepondo a cena na minha frente. Denga,
orgulhoso e desafiador, enfrentando Yaburama, proclamando que eles
nunca se curvariam ao mal, logo antes do oni esmagá-lo e os
amanjaku invadirem o salão. O começo do fim. E não pude fazer nada
para salvá-los.
— Mestre dos Demônios. — Sem saber do meu horror, Tsume
brandiu sua espada, enquanto Genno o olhava divertido. —
Abominação profana! — ele cuspiu. — Seu nome é uma maldição,
uma praga na terra. Nós nunca iremos nos curvar a você. Nunca
desistiremos do pergaminho. Eu morrerei antes de permitir que você
possua o poder do Dragão!
Ele abriu suas asas e avançou pelo ar no Mestre dos Demônios, a
espada erguida bem alto.
Genno apenas sorriu.
Antes que Tsume pudesse alcançar seu alvo, duas correntes com
cravos dispararam do par de yokai fêmeas no chão. Rápido como um
relâmpago, elas envolveram o tengu como cobras, circulando seu
corpo e enredando suas asas. O guerreiro vacilou no ar, lutando
furiosamente contra as correntes, suas asas incapazes de sustentá-
lo. Ele começou a despencar, mas antes de atingir o chão, as gêmeas
yokai puxaram suas armas de volta, e o corpo de Tsume explodiu em
uma nuvem de penas e sangue. Ele caiu no chão em pedaços, sua
cabeça rolando para trás para olhar boquiaberto para nós, enquanto a
multidão de demônios e yokai uivava de excitação.
Minhas mãos voaram para a boca para não gritar e para impedir
que meu estômago subisse pela garganta. Estava acontecendo de
novo, exatamente como antes.
— Se for esse o seu desejo. — disse Genno, e as irmãs yokai
deram um passo à frente, sorrindo. — Então, certamente iremos
conceder-lhe uma morte dolorosa e honrosa.
As correntes mortais avançaram novamente, desta vez em
direção a Daisuke e Okame. Quando dei um grito de terror, uma delas
envolveu o ronin e prendeu seus braços ao lado do corpo enquanto
cortava sua pele. Okame soltou uma maldição assustada, sua lança
caindo de suas mãos, enquanto a garota escorpião puxava a corrente
esticada, colocando-o de joelhos. A outra, movendo-se em direção a
Daisuke, foi afastada pela espada do nobre. Instantaneamente, a
garota yokai puxou a corrente de volta e a atirou nele novamente, e
mais uma vez, a espada de Daisuke brilhou, jogando-a de lado. Mas
desta vez a arma se enrolou e veio para ele por trás, envolvendo-o em
seus elos farpados. Daisuke conseguiu agarrar a corrente com a mão
livre antes que pudesse enrolar em seu pescoço, mas o braço da
espada, amarrado ao lado do corpo, ficou indefeso. Sorrindo, os
ombros da yokai se contraíram enquanto se preparavam para puxar
para trás e estripar suas vítimas.
— Pare!
Fogo de raposa explodiu, surgindo em um incêndio branco-
azulado, envolvendo todo o meu corpo. A maior parte do exército se
encolheu com o brilho, e as gêmeas escorpiões congelaram, seus olhos
arregalados enquanto se fixavam em mim. Eu as ignorei, meu olhar
buscando o Mestre dos Demônios enquanto eu levantava a última
parte do Pergaminho das Mil Orações sobre minha cabeça com um
braço, uma tocha acesa segura no outro.
Os olhos de Genno se arregalaram e ele ergueu a mão,
impedindo seu exército yokai de avançar. Eles obedeceram, embora
eu pudesse sentir a sede de sangue irradiando da multidão e soubesse
que apenas a vontade de Genno os impedia de avançar para me
devorar. Minhas mãos tremeram; eu podia sentir o antigo rolo de
pergaminho em meus dedos, quebradiços e secos, mas forcei minha
voz a não tremer. — Isso é o que você queria, não é? — Eu perguntei,
segurando as chamas da tocha a apenas alguns centímetros da parte
inferior do pergaminho. — Chame seus demônios, ou queimarei este
pedaço da oração aqui mesmo. — Olhando para Okame e Daisuke,
meus olhos se estreitaram e eu olhei de volta para o Mestre dos
Demônios. — Deixe-os ir e... podemos negociar.
— Yumeko! — Reika ficou de pé, enquanto os tengu restantes
giravam, seus olhos arregalados em choque. — Não fale com ele! Não
negocie com o Mestre dos Demônios! Não desistiremos do
pergaminho, em nenhuma circunstância.
— Yumeko-san. — Daisuke acrescentou, sua voz suave, mas
tensa. — Ouça Reika-san. Não barganhe com Genno por nossa
conta. Vamos morrer com honra, protegendo o pergaminho.
O Mestre dos Demônios riu. Sua voz profunda e cruel ecoou nas
vigas da viga, elevando-se sobre o uivo e o estalo das chamas. — Você
não pode destruir o Pergaminho de Mil Orações, kitsune. — Ele me
disse, mas seu exército não se aproximou mais. — É um texto sagrado
dos próprios kami. Por que você acha que o pergaminho foi separado
e não destruído por seus fanáticos amantes da paz? Porque artefatos
sagrados e antigos sempre têm uma maneira de retornar às mãos dos
homens. Queime-o, enterre-o, jogue-o no mar, a oração simplesmente
aparecerá no mundo novamente.
Meu coração despencou, mas mantive minha voz firme. — Isso
pode ser verdade. — Eu disse. — Mas não aqui. E agora não. Se eu o
destruir, você terá que começar sua busca novamente, e o tempo está
se esgotando. Você pode não encontrar este pedaço do pergaminho
antes que a noite para invocar o Dragão tenha passado. — Genno não
disse nada, e eu sabia que havia tocado um nervo. Respirei fundo e
joguei minha última carta. — Esta é a minha oferta. Vou te dar a
oração, se você jurar por sua honra pegar seu exército e partir. Sem
mais morte. Sem mais derramamento de sangue. Você nos deixa em
paz e ninguém mais morre. O que são algumas vidas humanas e
tengu se você tem a última parte do pergaminho em suas mãos?
Por um momento, Genno não respondeu, e os dois lados
prenderam a respiração, os demônios prontos para se lançar para
frente e nos fazer em pedaços, os tengu e humanos preparados para
morrer. Daisuke e Okame estavam congelados, seus rostos tensos e
seus corpos rígidos contra as correntes letais, sabendo que uma
palavra do Mestre dos Demônios significaria uma morte muito
sangrenta.
Finalmente, Genno sorriu. — Muito bem. — Ele disse
calmamente. — Você tem um acordo, raposa. Dê-me o pergaminho e
pegarei meu exército e irei embora. Meus tenentes não vão matar
vocês, pelo menos, não hoje. Você tem minha palavra.
Eu olhei para as gêmeas yokai, ainda segurando seus cativos, e
fiz uma careta. — Deixe Okame e Daisuke irem primeiro. — Eu
disse. — Então eu vou te dar o pergaminho. Não antes.
As duas yokai fizeram uma careta para mim, mas Genno
simplesmente assentiu e levantou a mão. Imediatamente, as gêmeas
relaxaram a tensão nas correntes farpadas, deixando-as cair no
chão. Com outro gesto do Mestre dos Demônios, o terceiro tenente, o
terrível oni de cabelo vermelho, deu um passo à frente e estendeu
uma garra para mim, o significado muito claro.
Respirei fundo e dei um passo à frente, tentando ignorar os
olhares furiosos do último dos tengu, as penas em suas asas
tremendo, como se estivessem lutando contra a vontade de voar para
frente e me apunhalar no coração. Qualquer coisa para me impedir de
desistir do pergaminho. Eu entendia seu desânimo; eles estavam
prontos para morrer para protegê-lo, para evitar que caísse nas mãos
do mal. Assim como Mestre Isao, e todos no templo Ventos
Silenciosos. Mas eu não poderia assistir isso de novo, especialmente
agora. Daisuke, Reika, Okame... nós tínhamos chegado tão longe. Eu
não os deixaria morrer. Desta vez, eu poderia fazer algo para impedir.
— Sem truques, kitsune. — A voz de Genno ecoou baixinho no
alto, um aviso sutil. — Sem ilusões, sem magia de raposa. Eu vou
saber se o que você me dá é real. Faça de mim um tolo, e suas mortes
não serão rápidas.
O demônio apareceu diante de mim, seu olhar vermelho frio
fazendo minha pele arrepiar. Com o coração batendo forte, coloquei o
pergaminho em sua mão estendida e observei suas garras se curvarem
sobre a madeira. Recuando, uma sensação doentia de traição roeu
minhas entranhas; eu podia de repente sentir uma centena de olhares
decepcionados perfurando minha alma. Mas eu não me arrependeria
de minha decisão.
Sinto muito, Mestre Isao, todos. Eu sei que falhei com meu dever. Mas
o que importa se eu impedir a vinda do Dragão, se todos os que me interessam
se forem?
Com o pergaminho na mão, o meio-demônio se virou para
Genno e, com um sorriso fraco e autodepreciativo, ajoelhou-se e
ergueu a caixa para o Mestre dos Demônios. Genno desceu
lentamente, pairando alguns metros do chão enquanto corria dedos
fantasmagóricos ao longo da extensão da madeira. Seus olhos
brilharam e um sorriso triunfante se espalhou por seu rosto quando
ele assentiu.
— Finalmente. O poder do Desejo do Dragão é meu. — Com
uma risada suave, ele flutuou de volta, a alegria em seus olhos
realmente assustadora. — Nada vai me parar, agora. Aka, prepare o
navio. Partimos para as terras de Tsuki imediatamente.
Sem dizer uma palavra, o meio-demônio se levantou, colocou o
pergaminho em seu obi e acompanhou seu mestre para fora do
corredor. As duas garotas yokai imediatamente se viraram e
seguiram, tranças gêmeas de escorpião balançando juntas atrás
delas. O exército, entretanto, permaneceu.
Na porta do templo, Genno se virou, seu olhar encontrando o
meu através do chão coberto de escombros. Seus três tenentes
seguiram em frente, desaparecendo pela moldura, mas o Mestre dos
Demônios gesticulou casualmente, como se estivesse jogando um
caroço de ameixa no mato.
— Acabem com eles. — Ele ordenou, e se foi.
Meu coração congelou quando o exército de demônios e yokai
deu um rugido ensurdecedor de sede de sangue e avançou.
O tempo pareceu diminuir. Eu assisti a abordagem do exército
de demônios em transe, enquanto o círculo de aço, presas e garras se
fechavam ao nosso redor. Na minha visão periférica, eu estava ciente
de Daisuke, Okame e o último dos tengu levantando suas armas para
uma luta final. Eu ouvi o uivo desafiador de Chu e vi Reika alcançar
em suas mangas um ofuda, gritando algo para mim ou para os
demônios. Então uma sombra caiu sobre mim, e eu olhei para o rosto
distorcido de um oni azul, os olhos brilhando quando ele trouxe um
porrete com cravos na minha cabeça.
O tempo voltou a se movimentar e eu recuei, preparando-me
para morrer enquanto o fogo da raposa subia para as pontas dos meus
dedos. Sabendo que não seria o suficiente.
O sangue salpicou meu rosto, quente e nojento, me fazendo
estremecer. Eu fui atingida. Eu estou morrendo. Mas não houve dor,
nenhuma indicação de que havia levado um golpe fatal, e depois de
um momento de espera para ver se cairia morto, abri os olhos.
O oni azul ainda estava diante de mim... mas apenas sua metade
inferior. Enquanto eu observava, entorpecida, as pernas grossas e
cabeludas se dobraram, e o demônio eviscerado caiu no chão, batendo
ao lado de sua metade superior decepada, o rosto selvagem congelado
em choque.
Kage Tatsumi se virou para mim, os olhos brilhando em
vermelho na luz infernal. Chifres enrolados em sua testa e tatuagens
brilhantes subiam por seus braços, enrolando em torno de seu
peito. Uma mão agarrava Kamigoroshi, a lâmina chamejando e
estalando com fogo roxo. Ele me deu um sorriso assustador, então
lentamente se virou para enfrentar o exército à sua frente. Os
demônios e yokai ficaram congelados a alguns metros de distância,
olhando para o recém-chegado com os olhos arregalados de
reconhecimento e medo.
— Yumeko. — Eu pulei ao som de sua voz, nem Hakaimono
nem Tatsumi, mas o eco de ambos. — Você está machucada?
Eu balancei minha cabeça.
— Bom. Fique aí, eu já volto.
Hakaimono rugiu, o som fazendo os pilares ao nosso redor
tremerem, e se lançou no meio do exército.
O que aconteceu a seguir foi difícil de descrever. Hakaimono
moveu-se através de ondas de inimigos como uma foice, selvagem e
imparável. Kamigoroshi explodiu, cortando membros, cabeças e
corpos, separando demônios e yokai. Amanjaku se atiraram contra
ele, arranhando e mordendo, e explodiram em pequenas nuvens de
sangue antes de se transformar em névoa. Um hari onago recuou
desesperadamente, cortando freneticamente com as dezenas de farpas
nas pontas de seu cabelo, mas o matador de demônios ignorou os
ganchos que rasparam sua carne e avançou, cortando sua cabeça com
um golpe de sua lâmina. Um oni menor uivou ao balançar uma clava
de ferro contra ele; o matador de demônios ergueu o braço, recebendo
o golpe sem fazer uma careta, antes de cortar as pernas do demônio
na altura do joelho. Gritando, o oni desabou em uma poça de seu
próprio sangue, e Hakaimono nem mesmo olhou para baixo enquanto
dirigia Kamigoroshi por suas costas.
No espaço de alguns batimentos cardíacos que pareciam
estações, tudo acabou. Os últimos inimigos, um trio de ratos yokai
conhecido como nezumi, tentaram fugir da fúria oni da morte
enquanto ele cortava o demônio final. Com um grunhido, o matador
de demônios avançou atrás deles, cortando dois assim que eles
alcançaram a saída. O terceiro conseguiu escapar pela moldura, mas
uma flecha cortou o ar, errando por pouco o matador de demônios, e
atingiu o nezumi nas costas. Ele caiu para a frente com um guincho,
caiu escada abaixo e desapareceu. A alguns metros de distância,
Okame abaixou seu arco com um sorriso severo, o lado de seu rosto
coberto de vermelho, antes de cambalear e cair.
Daisuke o pegou e baixou o ronin suavemente até o chão para se
ajoelhar ao lado dele. Os dois homens respiravam com dificuldade,
suas roupas estavam rasgadas e ensanguentadas, e as belas vestes de
Daisuke nunca mais seriam as mesmas. Mas eles ignoraram seus
ferimentos, e os montes de mortos amontoados ao redor deles, seus
olhos apenas um para o outro.
— Desculpe, pavão. — Ouvi o murmúrio de ronin, enquanto
Daisuke segurava sua mão contra o peito. — Eu não... consegui
morrer uma morte gloriosa por você. — Sua outra mão se levantou,
pegando uma mecha de cabelo branco prateado entre os dedos
ensanguentados. — Parece que você não vai conseguir compor esse
poema, afinal.
— Okame-san. — A voz de Daisuke estava grossa e ele balançou
a cabeça de maneira quase pesarosa. — Esse dia chegará em breve. —
ele sussurrou, segurando o olhar do ronin. — Chegará o momento em
que teremos uma morte gloriosa e espero estar ao seu lado quando
isso acontecer. Mas agora, lutamos esta batalha e ainda vivemos. Isso
terá que ser motivo suficiente para comemorar.
Meu estômago apertou. Afastando-me, observei as
consequências horríveis da luta com o exército de Genno e cerrei a
mandíbula para não perder meu magro café da manhã. O interior do
templo era agora um campo de batalha encharcado de sangue,
sufocado com cinzas e fumaça e coberto de sangue coagulado. Tengu
e yokai estavam espalhados pelas pranchas de madeira, com espirais
de névoa demoníaca vermelho-escura flutuando ao redor deles. Para
onde quer que eu olhasse, não via nada além de morte, sangue e
fracasso. Nós falhamos. Eu tinha falhado. O pergaminho havia
sumido e Genno logo convocaria o Dragão. Eu tinha perdido essa
batalha.
Mas você não perdeu tudo.
— Yumeko.
Reika abriu caminho através da carnificina com Chu atrás dela,
suas patas enormes rangendo contra a madeira. A donzela do
santuário estava branca, de horror ou raiva, ou ambos, seus olhos
estalando furiosamente quando encontraram os meus. — Como você
pôde? — ela sussurrou, enquanto Daisuke puxava Okame de pé e
começava a mancar em nossa direção. — Você deu o pergaminho a
Genno. Agora, Iwagoto será perdido quando ele invocar o Dragão.
— Nós vamos pará-lo. — Eu disse, encontrando sua raiva de
frente. Olhei para meus amigos, ensanguentados, exaustos, mas ainda
vivos. Okame encostou-se a Daisuke, um braço envolto em seu
pescoço, o braço do nobre em volta de sua cintura. A poucos metros
de distância, o último dos tengu estava se arrastando pelo corredor,
fazendo um balanço de seus feridos e mortos, e não queria olhar para
mim.
— Vamos parar Genno. — Eu disse novamente. — Vamos
rastrear seu exército e usar tudo em nosso poder para recuperar o
pergaminho. Ainda temos um pouco de tempo. O dragão ainda não
foi convocado.
— E quanto a mim? — perguntou uma voz suave nas minhas
costas.
Meu coração deu um salto. Eu me virei para encarar Tatsumi, ou
talvez Hakaimono, parado a alguns metros de distância. Sua espada
estava embainhada, e o carmesim ardente em seus olhos havia
desaparecido, assim como as garras, presas e as tatuagens subindo por
seus braços e ombros. Ele parecia Kage Tatsumi novamente, exceto
pelos chifres pequenos, mas conspícuos, ondulando em sua
testa. Lembrando-nos que, mesmo agora, ele não era humano.
— Depende. — Surpreendentemente, foi Daisuke quem
respondeu, a mão do nobre descansando facilmente no cabo de sua
lâmina. — Quem é você? Você destruiu o exército de Genno, mas não
tenho certeza de sua motivação. É com Hakaimono que estamos
falando ou Kage-san?
Tatsumi fez uma pausa e balançou a cabeça. — Não sei
exatamente. — respondeu ele, com voz resignada. — Ambos. E
nenhum. Pedaços de cada um de nós, talvez. Eu mesmo não estou
totalmente certo.
— Isso não é exatamente reconfortante. — Okame murmurou. —
Sem ofensa se for realmente você, Kage-san, mas como sabemos que
não estamos lidando com um demônio que vai arrancar nossas
gargantas no momento em que deixarmos nossos guardas no chão?
— Você não precisa. — O olhar sombrio de Tatsumi encontrou o
meu. — Você não deveria. As palavras de um demônio não são
confiáveis. Mas, talvez isso seja o suficiente.
E antes de todos eles, ele se ajoelhou na minha frente, curvando a
cabeça. — Yumeko. — Ele murmurou. — Se você realmente acredita
que um demônio ainda te ameaça, me mate agora. Ou me mande
fazer isso sozinho. Eu vou obedecer, enquanto eu tiver o controle
deste corpo. Minha lâmina pertence a você, assim como minha vida,
até que os Kage decidam tirá-la de mim. Ou até que minha mente não
seja minha. — Eu vi o mais fraco dos tremores passar por ele, como se
ele tivesse que lutar para tirar essa última parte. — Até então, faça o
que quiser com ela.
— Tatsumi... — Eu engoli o caroço na minha garganta e balancei
minha cabeça. — Levante-se. — Eu disse a ele, e ele obedeceu
instantaneamente, levantando-se, seu olhar no chão entre nós. Eu
gostaria de poder tocá-lo, mesmo por um momento, mas ele estava
diferente agora. Eu não sabia quanto de Tatsumi, o verdadeiro
Tatsumi, restava. E, por mais que o pensamento de Hakaimono ainda
escondido na alma de Tatsumi me assustasse, nós precisávamos de
sua força se queríamos ter uma chance de parar o Mestre dos
Demônios.
— Você não pode morrer ainda. — Eu disse a ele com firmeza. —
Precisamos de sua ajuda para encontrar Genno e pegar o pergaminho
de volta. Não importa o que aconteça, não podemos deixá-lo convocar
o Dragão.
Ele balançou a cabeça gravemente, e eu peguei a faísca vermelha
de fúria em seus olhos quando ele ergueu a cabeça. — Tenho uma
conta a acertar com Genno. — disse ele em uma voz letalmente baixa,
e não havia dúvidas sobre quem estava falando agora. — Não estou
preocupado com o pergaminho ou com o Dragão, mas o Mestre dos
Demônios morrerá gritando por misericórdia, posso prometer isso.
— Se pudermos encontrá-lo. — Reika disse, os olhos duros
enquanto observava-o, como se estivesse com medo que ele de
repente saltasse sobre ela, as presas à mostra. — Ele provavelmente irá
ao local para invocar o Dragão, onde quer que seja. Há apenas um
local onde você pode chamar o Precursor, e os pergaminhos da
história não estão totalmente claros onde é ou foram perdidos
deliberadamente. Mas devemos encontrá-lo o mais rápido
possível. Temo que não haja muito tempo.
— Eu sei onde é. — Tatsumi, ou talvez Hakaimono, disse. — Das
três vezes que o Dragão foi chamado usando o pergaminho, duas
delas foram pelo Clã das Sombras. É um dos segredos que os Kage
mantêm por perto. — Ele se virou e olhou para fora da porta do
corredor, sua voz sombria, mas triunfante. — Eu sei para onde Genno
está indo. O lugar onde o Precursor apareceu pela primeira vez, nas
falésias de Ryugake, na ilha de Ushima.
— Território do Clã da Lua. — disse Daisuke.
Okame fez uma careta. — Parece que vamos precisar de um
barco.
Epílogo
O amanhecer estava surgindo no horizonte, afastando as estrelas
e tingindo as nuvens de rosa. Parado imóvel no topo do penhasco
nevado da montanha, Seigetsu ergueu o rosto para os primeiros raios
de sol e fechou os olhos.
— Foi ela. — Murmurou Taka a seus pés. Ele parecia aliviado,
mas infeliz, como se ainda estivesse desconfortável com a decepção
que Seigetsu exigia dele. — Ela os salvou.
— Sim. — Seigetsu concordou. — Exatamente como você
predisse. A raposa possuiria Hakaimono, o exército de Genno atacaria
o templo e a alma perdida os avisaria da destruição que viria. Ela só
precisava de um pequeno empurrão para encontrar sua coragem.
— O que fazemos agora?
— Genno tem todas as peças da oração do Dragão. — Seigetsu
deu um aceno de satisfação e se afastou da borda. Por hábito, ele
quase enfiou a mão na manga para pegar a bola, antes de lembrar que
ela não estava mais lá. — Ele irá para a Ilha de Ushima prontamente
para a invocação. A garota kitsune e seu demônio irão seguir, é
claro. Tudo está pronto. A última peça está prestes a começar.
Por apenas um momento, talvez a primeira vez em séculos,
Seigetsu se permitiu sentir um pequeno lampejo de excitação. Anos de
planejamento, observação, espera, estavam finalmente chegando
juntos. Já estava quase na hora.
— Venha, Taka. — Com um turbilhão de vestes e cabelos
prateados, Seigetsu caminhou em direção à carruagem empoleirada
na neve a alguns metros de distância. Taka cambaleou
obedientemente depois, pulando passo a passo para evitar os montes
de neve.
— Para onde estamos indo agora, mestre? Ilha de Ushima?
— Sim. — Seigetsu sacudiu o pó branco de suas vestes e entrou
na carruagem. — Há um último item, mais uma peça para adquirir,
antes da manobra final. — Ele observou Taka entrar na carruagem,
tirando furiosamente a neve das calças, e sorriu. Fazia sentido que o
jogo chegasse ao fim no local onde tudo começou. A garota kitsune
não tinha ideia da tempestade que ela estava enfrentando, ou o que
ela encontraria quando ela chegasse lá, mas seria interessante, para
dizer o mínimo.
— Prepare-se, Taka. Viajamos para a ilha dos kami, para o
próprio local de nascimento da profecia, para encontrar a lasca que
enlouquecerá um deus.
Glossário
amanjaku: demônios menores de Jigoku
arigatou: obrigado
ashigaru: soldados camponeses
ayame: iris
baba: um título honorífico usado para uma mulher idosa
baka/bakamono: tolo, idiota
chan: um título honorífico usado principalmente para mulheres
ou crianças
chochin: lanterna de papel pendurada
daikon: rabanete
daimyo: senhor feudal
daitengu: yokai; o mais velho e sábio dos tengu
Doroshin: Kami; o deus das estradas
furoshiki: um pano usado para amarrar os pertences de uma
pessoa para facilitar o transporte
gaki: fantasmas famintos
gashadokuro: esqueletos gigantes convocados por magia
maligna
geta: tamancos de madeira
gomen: um pedido de desculpas; desculpe
hai: uma expressão de reconhecimento; sim
hakama: calças plissadas
hannya: um tipo de demônio, geralmente mulher
haori: casaco quimono
Heichimon: Kami; o deus da força
hitodama: a alma humana
inu: cachorro
ite: ai
Jigoku: o Reino do Mal; inferno
Jinkei: Kami; o deus da misericórdia
jorogumo: um tipo de aranha yokai
jubokko: uma árvore carnívora sugadora de sangue
Kaeru: sapo de cobre; moeda de Iwagoto
kago: palanquin
kama: foice
kamaitachi: yokai; fuinha
Kami: deuses maiores; as nove divindades nomeadas de
Iwagoto
kami: deuses menores
kappa: yokai; uma criatura do rio com uma depressão em forma
de tigela no topo de sua cabeça cheia de água que, se derramada, a faz
perder sua força
karasu: corvo
katana: espada
kawauso: lontra de rio
kitsune: raposa
kitsune-bi: fogo de saposa
kitsune-tsuki: possessão de raposa
kodama: kami; um espírito da árvore
komainu: cachorro leão
konbanwa: boa noite
kunai: faca de arremesso
kuso: um palavrão comum
mabushii: uma expressão que significa “tão brilhante”, como o
brilho do sol
majutsushi: mago, usuário de magia
Meido: o Reino da Espera, onde a alma viaja antes de renascer
miko: uma donzela de santuário
minna: uma expressão que significa “todos”
mino: capa de chuva de palha trançada
nande: uma expressão que significa “por que”
nani: uma expressão que significa “o quê”
neko: gato
netsuke: uma peça de joalheria entalhada usada para prender o
cordão de uma bolsa de viagem ao obi
nezumi: rato yokai
Ningen-Kai: o reino mortal
nogitsune: uma raposa selvagem malvada
nue: yokai; uma fusão quimérica de vários animais, incluindo
um tigre, uma cobra e um macaco que é dito ser capaz de controlar
relâmpagos
nurikabe: yokai; um tipo de parede viva que bloqueia estradas e
portas, tornando impossível passar por elas ou contorná-las
obi: faixa
ofuda: talismã de papel com habilidades mágicas
ohiyou gozaimasu: bom dia
okuri inu: yokai; grande cachorro preto que segue os viajantes
nas estradas e os despedaçará se eles tropeçarem e caírem
omachi kudasai: por favor, aguarde
omukade: uma centopéia gigante
oni: demônios semelhantes a ogros de Jigoku
onikuma: um urso demônio
onmyodo: magia oculta com foco principalmente em
adivinhação e leitura da sorte
onmyoji: praticantes de onmyodo
onryo: yurei; um tipo de fantasma vingativo que causa
maldições terríveis e infortúnios para aqueles que o injustiçaram
oyasuminasai: boa noite
ryokan: uma pousada
ryu: dragão de ouro; moeda de Iwagoto
sagari: yokai; a cabeça sem corpo de um cavalo que cai dos
galhos das árvores para assustar os transeuntes
sama: um título honorífico usado ao se dirigir a uma das mais
altas posições
san: um título honorífico formal frequentemente usado entre
iguais
sansai: planta selvagem comestível
saquê: bebida alcoólica feita de arroz fermentado
seg: emblema da família ou brasão
sensei: professor
seppuku: suicídio ritual
shinobi: ninja
shogi: um jogo tático semelhante ao xadrez
shuriken: estrela ninja
sugoi: uma expressão que significa “incrível”
sumimasen: Sinto muito; Com licença
tabi: meias ou botas com bico dividido
Tamafuku: Kami; o deus da sorte
tanto: faca curta
tanuki: yokai; pequeno animal semelhante a um guaxinim,
nativo de Iwagoto
tatami: esteiras de bambu
Tengoku: o céu celestial
tengu: yokai; criaturas semelhantes a corvos que lembram
humanos com grandes asas negras
tetsubo: grande clava de duas mãos
tocado por kami: aqueles que nascem com poderes mágicos
tora: tigre de prata, moeda de Iwagoto
tsuchigumo: uma aranha gigante da montanha
ubume: yurei; um tipo de fantasma que morreu no parto
usagi: coelho
wakizashi: lâmina pareada mais curta para a katana
yamabushi: sacerdote da montanha
yari: lança
yojimbo: guarda-costas
yokai: uma criatura com poderes sobrenaturais
yokatta: uma expressão de alívio; obrigado Senhor
yuki onna: mulher da neve
Yume-no-Sekai: o reino dos sonhos
yurei: um fantasma
zashiki warashi: yurei; um tipo de fantasma que traz boa sorte
para a casa que assombra