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A REVOLTA DE PRINCESA
poder privado X poder instituído
1981
CopyrfgÀf (!) Inês Caminha L. Rodrigues
Capa :
127(antigo 23)
Artistas Gráficos
Caricata ras :
Emílio Damiani
Revisão :
José E. Andrade
Ao Cláudio
e aos nossos filhos,
Clâudia e Carlos Eduardo
cesso nesse combate, estabelece cinco itens básicos ''João Cancela'', por causa dos postos de cobrança
que lograram êxitos parciais: reativação de um con- espalhados pelas estudas de rodagem e carroçâveis.
vénio entre os Estados nordestinos; moralização da Porém, a iniciativa mais marcante de sua adminis-
Força Pública; eliminaçãonosjuris da influência dos tração, nesteâmbito, se configurou no imposto de
coronéis; desarmamento geral; proibição taxativa da importaçãocriado, origemdo que o Jorna/ do (;om-
venda de armas. Atingia, assim, alguns esteios do merc/o de Recite chamou Gzzerra Zrfbutáría .
prestígio e da liderança dos detentores do mando- A economiae as finanças paraibanas há muito
nismo local, como a faculdade de impedir a apreen- vinham sofrendo grandes prejuízos em face do inter-
são, pela polícia, de armas de seus protegidos e de câmbio comercial de suas cidades interioranas com
promover a sua restituição, bem como a poderosa os Estados vizinhos, principalmente Pemambuco. A
influência sobre jurados e testemunhas.
O Judiciário não escapou à ação moralizadora. precariedade dos meios de comunicação; a ausência
''Magistrados suspeitos de transigência com o crime de estudas razoáveis interligando as varias regiões
e acoimadosde relapsiano cumprimentode suas do Estado; o maciçocentral da Borborema, cortando
funções'' foram destituídosdos cargos. Os juízes pas-
o territórioparaibano de nordestea sudoeste,res-
ponsáveldurante muito tempo pelo isolamentode
sarama serobrigadosa residirnas respectivas
co- diversos municípios do interior em relação à Capital,
marcas e seu afastamento ficou restrito aos casos de eram fatores que induziam esse intercâmbio.
férias e de licença. O comércio da capital paraibana no último lus-
A ação do governo estadual se fez sentir ainda tro dog anos vinte estava em situação deplorável.
em outros setores, numa gama muito ampla e diver- O número de falências havia se multiplicado. O mes-
sificada que abrangia do casamento civil ao jogo do mo acontecia a Campina Grande, considerada o em-
bicho. pório do sertão.
As medidas que empreendeu visando a melhorar Para combater a crise económica foi promul-
a crítica situação financeira do Estado também se gada a Lei Tributária 673 de 17 de novembrode
destacariam no conjunto de seus atou administrativos. 1928, regulando a exportação e importação de mer-
Com aquele desiderato, instituiu uma série de medi- cadorias. Por esse dispositivo, foi criado o Imposto
das de contençãode despesase um novo sistema de de Incorporação (de ''barreira'') que incidia sobre a
arrecadação tributária. O sistema fiscal que implan- segunda.
tou estabelecia inovações como a taxa de pedâgio,
Em virtude da nova legislação, passou a ser
o que, além de demandasjudiciárias contra o Es- dado tratamento diferente, em termos tributários, às
tado, Ihe valeu os apelidosde ''João Porteira'' e mercadorias que entravam ou saíam do Estado. Vi-
12 /nês CamínAa lares RodrÜtles l '4 Neva/fa de /'rllzcesa 13
sando a fomentar o comércio da capital, foi esta- julgavam prejudicados, dentre estes os comerciantes
belecida uma acentuada diferenciação nos impostos das cidades do interior paraibano.
relativos à importação e exportação realizadas pela Outros periódicos de Pernambuco se solidari-
capital e pelas fronteiras (divisas com os Estados li- zaram com a campanha, acirrando a polêmica, que
mítrofes). Essa variação era pequena no referente à transcendeu o âmbito regional.
exportação, oscilando, por exemplo, quanto a dois Preocupado com a repercussão negativa de sua
pi'odutosprincipais da economia paraibana -- o al- medida, João Pessoa procurou se justificar junto a
godão e o couro -- entro 2%oe 4%o. Quanto à impor- Washington Luiz e à imprensa através de telegrama
tação, entretanto, a lei ao mesmo tempo que dimi- onde assegurava que ''a campanha de descrédito do
nuiu os percentuais referentes à mercadoria que en- Estado movida pela propaganda do Jorna/ do Cbm-
trasse pelo pôrto da Capital, hipertrofioua incidên- mercfo do Recite advém do despeito de seus proprie-
cia sobre produtos advindos pelas fronteiras, ultra- tários por ter meu governo suspendido a subvenção
passando a majoração, em alguns casos, a 1000%o. que recebiam do Tesouro
Essa estratégiapretendia,por um lado, desesti- A afirmação do presidente paraibano indignou
mular -- para não dizer ''proibir'' -- o comércio do os proprietários dojornal que, rebatendo-a, exigiram
interior paraibano com outros Estados e, por outro, a apresentação das respectivas provas no prazo de
coagir as firmas das unidades vizinhas a abrirem fi- oito dias. Se não as apresentasse,afirmavam, João
liais na capital paraibana. Pessoa estaria na contingência de ''oferecer aos seus
Os Estados prejudicados protestaram contra o governados o espetáculo de um governante transfor-
novo sistema tributário. Pernambuco, com maior mado em mentirosovulgar''. As provas não foram
vigor. Sua Associação Comercial, além de represen- apresentadase, a partir de então, o jornal pernam-
tar junto ao presidenteda República, Washington bucano abandona a linha de sobriedadee restrita
Luiz, alegando a inconstitucionalidade da lei e pe- contestação à Lei Tributária,. passando a ataques
dindo a intervenção federal, solicitou o empenho de pessoais em linguagem panfletária. Adota, assim, a
Estácio Coimbrã, presidente do Estado, quanto à re- pratica que vinha sendo empregada pelo órgão oficial
vogação da lei. Solicitou, também, o apoio de insti- do Estado da Paraíba, .A Z./niõo,.em relaçãoaos
tuiçõescongéneresde vários outros Estados nesse Pessoa de Queiroz, primos e inimigos de João Pessoa
sentido. e proprietários do Jorna/ do Cbmmerczo. O gover-
O Jorna/ do Cbmmercíode Recite, órgão de nador paraibano passa a ser chamado de ''vulgar e
grande poder de veiculação, promoveu vigorosa cam- desprezível caluniador'' e os redatores de ..4 [/dão de
panha contra a lei e facultou suas colunas aos que se ''ruminantes'', ''irresponsáveis alugados'', ''sevan-
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14 Imãs Ckzmín&a .topes Rodrfgues l .4 Neva/fa de Princesa
dicas''. O jornal paraibano, com a anuência do pre- ao mesmo tempo o presidente do nosso Estado
sidentedo Estado, desfecha então ataque direto, no- (.. .) Hâ deveres morais a que os interesses mate
minal, ao deputado Francisco Pessoa de Queiroz, dais devem ceder o passo.
chamando-o de mentiroso e afirmando que não tar-
daria, por sua ''obsessãode mentira'', a ser empur- Noutra correspondência lamentava a ''polêmica
rado ''para dentro das grades de um manicõmto escandalosa'', ressaltando:
A Guerra Trlbufárla se desvirtuara, fugira do
''Como devem ter-se regozijado os nossos ini-
seu móvel, se transformara em válvula de escape dç
rixas familiares e se constituiria numa das sementes migosl Faltam-me os elementos necessáriospara
do futuro movimento armado de Princesa. ser juiz na questão, nem valeria mais a pena,
pois que a discussão produziu todos os males;
Ao ter ciência da refrega entre seus sobrinhos,
sela como for, o que sei é que ela foi profunda-
Epitâcio Pessoa escreve-lhes de Haja, onde se encon- mente lamentável.
tmva em missão diplomática, censurando-lhes o ges-
to insensato e o nível da discussão:
A publicação, a 8 de julho de 1929,de uma sen-
''Eu nunca imaginara que vocês, com sacrifício tença referente a um mandato proibitório contra o
da compostura pessoal, do decoro das posições, Estado da Paraíba, por iniciativa de quarenta firmas
e dos interessesmorais da família, chegassem, pernambucanas, alegando a inconstitucionalidade
sob a risota escarninha dos nossosinimigos, ao do Imposto de Incorporação, marcaria o término da
debate escandaloso de que posteriormente me Guerra Tríbzzfárla. Mas a animosidade que ensejou
deram notícia cartas e jornais. Não entro na iria se intensificare se constituirnum dos fatores
apreciação da responsabilidade de cada um. En- mediatos do assassínio de João Pessoa. Prepararia,
volvo ambos igualmente na mesma queixa. Não também, o terreno para a eclosão da revolta de Prin-
acho desculpa para .A Z./nfâo,órgão oficial, a cesa, onde o governante paraibano despendeu consi-
cobrir-te de apodos indecorosos, como não en- derável parcela das rendas adquiridas por força das
contro para adorna/ do Cbmmerclo, a provocar tão discutidas e polêmicas medidas que implantou.
e sustentar esse vergonhoso bate-boca, e, se é As atitudes inovadoras do presidente paraibano
verdade o que me dizem daí, a oferecer-se ainda, iriam, fatalmente, desgostar muitos correligionários
sem êxito, a mesquinhos despeitados para a pu- que, seguindoos usos políticos, se dirigiam a Epitá-
fio Pessoa formulando queixas e lamentações. Este
blicação de artigos e livros de ataques calunio: fez várias sugestões ao sobrinho no sentido de .que
sos à honra pessoal de um nosso parente que é
16 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Revoltade Princesa 17
levasse em conta os costumes políticos vigentes e ate coligaçãoentreParaíba, Minas Gerais e Rio Grande
nuasse o rigor dos atou. As advertências eram vaza- do Sul apresentou, afrontando o governo federal,
das em termos clarose diretos: uma chapa, à sucessão da Presidência da República,
encabeçadapor Getúlio Vargas, sendo o governador
''Jâ te disse mais de uma vez: ninguém pode paraibano o candidato a vice. Seguindo instruções do
estripar num instante vícios arraigados desde tio Epitácio, João Pessoa em agosto de 1929 negara
anos; deve-seir com jeito, pouco a pouco, para apoio à chapa oficial do Catete, encabeçada por Júlio
não chocar violentamente a mentalidade do Prestes, governador de São Paulo. Por este gesto de
meio. E preciso não esquecerque essesvícios se rebeldia (que ficou conhecido como o /lego, termo
tornaram, pelo hábito, fatos normais, o que ate- que, posteriormente, integraria a bandeira do Es-
nua sobremodoa responsabilidade de quem os tado) e pela dificuldade em se encontrar um candi-
pratica. Por outro lado, substituir o correligio- dato a vice-presidente do país para compor a chapa
nário por um adversáriopara corrigir o mal é oposicionista, o nome de João Pessoa foi lembrado e
um engano: o adversário vive no mesmo meio,
aceito como companheiro de Getúlio Vargas.
com as mesmaspaixões, os mesmos preconcei- O fato de haver sido Epitácio Pessoa o respon-
tos, os mesmos,pontosde vista acanhados, ten- sável pela inclusão do nome do sobrinho na chapa
do, mais do que o correligionário, a sede da re- getulista levou os chefes políticos governistas parai-
presália: ao cabo de algum tempo a situação é banos -- mesmo os que haviam sofrido atou consi-
pior. Não me parece acertado surpreender os derados hostis, injustos e desprestigiosos -- a apoia-
chefes políticos com decisões radicais, lançando rem os candidatos da Aliança Liberal.
entre eles a perturbação e o descontentamento A candidatura de João Pessoa à Vice-Presidên-
(...). Eu sei, por informações de varias fontes, cia da República ensejou duas conseqüências imedia-
que hâ por aí desgostoslatentes, e destes, em tas. A primeira delas foi a reação do governo federal
momentooportuno, se podem aproveitar os ad- manifestada em atos de represália através de demis-
versários . são e remoção de funcionários federais simpatizantes
da causa liberal e suspensão de obras e serviços pú-
Esses conselhos, entretanto, mercê das obstina- blicos de iniciativa da União no Estado.
ções e contradições do sobrinho, não foram seguidos. Essas medidas foram capitalizadas politica-
Os rumos tomados pelos acontecimentospolí- mente para o candidato João Pessoa, que passou a
ticos no Estado iriam ser influenciados decisivamente assumiro papel de vítima da opressãodo governo
pela adesão de Jogo Pessoa à Aliança Liberal. Esta federal, criando-se um grande fervor em torno do seu
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18 Imãs CamínÀa topes Rodrfgtzes il .4 levo/ía de Prllzcesa
agora decaía. João Pessoa, num dos seus rasgos de cada a José Peneira. Segunda suas próprias palavras,
franqueza, exaltando-se, chamara-o de cangaceiro. em entrevista concedida ao Jor/za/ do Cbmmerclo de
Não punha dúvida nas suas qualidades, mas impli- Recite (edição de 26 de abril de 1930):
cava com o que Ihe parecia caudilhismo"
Como vimos várias foram as medidas de João ''(...) embora estivesse em minha casa, deixou
Pessoa consideradas hostis aos chefes locais, dentre (o governador) o seu aludido dudante-de-ordens
as quais destacam-se quanto ao coronel (Coronel PM Elísio Sobreira) encarregado de
princesense: tentativa de desarmamento (a que rosé mostrar-me um papel no qual se liam os nomes
Pereira não se sujeitou); transferência de seu irmão dos candidatos do Partido à bancada da Câ-
Manual Carlos da chefia da Coletoria de Princesa para mara e ao terço do Senado. Era a chapa.
a de Patos, sem consulta ao coronel; tentativa de
nomeaçãodo prefeito do município à sua revelia; Estranhara, ainda, que o presidente paraibano,
nomeaçãode um seu inimigo, tenenteManuel Ar- em sua companhia por mais de vinte e quatro horas,
ruda, para delegadode polícia do município; a indi- não Ihe fizesse nenhuma alusão ao pleito de lo de
ferença com que passara a ser tratado pelo governa- março. Sentira-se desprestigiado na qualidade de
dor quando se dirigia ao palácio. membro da Comissão Executiva (José Pereira era
Por outro lado, certoseventosteriam criado deputado estadual hâ várias legislaturas), por não ter
independentemente das vontadesde João Pessoae sido procurado ou mesmo consultado quanto à es-
rosé Pereira um clima de animosidade entre os dois colha dos candidatos. Entretanto,. a gota que fez
que antecedeu a ascensão do primeiro à chefia do transbordar e que serviu de pretexto para o rompi-
Executivo paraibano. João Pessoa teria chegado à mento foi a exclusão da nova chapa da quase tota-
Presidência jâ alimentando a pretensão de afastar o lidade da bancada, principalmente a não recondução
chefesertanejo da tida política do Estado. Este, por de João Suassuna:
sua vez, estaria ciente dessa disposição, chegando a
afirmar que um dos desideratos preestabelecidos ''Estranhei que da lista organizada fossemex-
pelo governador era promover ''meu alojamentopolí- cluídos sumariamente o senador Massa, que
tico em Princesa e consequente exclusão do Diretório havia sido um dos batalhadorespela ascensão
do Partido' do sr. Epitâéio (Pessoa) à suprema direção polí-
O rancor seria exacerbado com a constituição da tica na Paraíba. Objetei ao sr. Sobreira que ele,
chapa, passando de latente a manifesto. O fato foi Massa, fiel ao Partido, não mereciaa inespe-
agravado pelas circunstâncias como ela foi comuni- rada e odiosa exclusão nos últimos momentos.
22 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Revolta de Princesa 23
Estes fatos, entretanto, não seriam suficientes As armas para os princesenses, por exemplo, era o
para garantir a José Pereira o sucessoda revolta. Um governadorpaulista quem arranjava, no Rio de Ja-
dos esteios principais para a sustentação da luta neiro, o mesmo acontecendo em relação a grande
estava, como jâ informamos, nos Pessoa de Queiroz, parcela da munição (apurou-se, posteriormente, que
principalmente os irmãos João e Francisco, que sub- Júlio Prestes remeteuaos revoltosos. 170000cartu.
vencionaram o levante em parcela considerável. Co- lhos, clandestinamente, como material tipográfico) .
mo asseverou um dos assessores dos Pessoa de Quei- As primeiras armas e munições que chegaram a
roz, José Pereira iniciou a luta ''quase forçado'' por Princesa, entretanto, vieram de Recite, saídas da
eles, pois não dispunha de condições materiais para polícia pernambucana e conseguidas por Jogo Pessoa
tal iniciativa, ''não tinha dinheiro nem armas' de Queiroz.
Além deste valioso apoio, o chefe sublevado se O material bélico vindo daquela capital chegava
beneficiava do momento político nacional. Sua ade- a Princesa (contígua ao território pernambucano)
são à candidatura Júlio Prestes iria representar certas sem nenhuma dificuldade mercê da conivência da
facilidadespara os revoltosos,quer atravésde difi- polícia de Pernambuco. Como testemunhouCícero
culdades criadas Pêlo governo federal ao governo Marroéós, almoxarife de José Pereira, ''as armas
paraibano, quer mediante conivências que muito os vinham de Recife, passando por Lagoa da Cruz. Ha:
favoreciam. Afora isso, estando a Paraíba alhada via soldados mas deixavam passar''
entre Estados fiéis ao Catete, seu governo sofria Concomitantemente a essas regalias encontra-
grandes limitações no combate aos sublevados. das pelos revoltosos, a polícia enfrentava uma série
Beneficiado por esse contexto, José Peneira pede de problemas, a começar pela inferioridade numé-
dispor de facilidades que eram negadas ao governo rica, como jâ se aludiu. Outra grande dificuldade
paraibano. Contou desde o início com a oportuna com que se debatia o governoestadualse referia à
omissão dos governos estaduais vizinhos, além de re- precariedade do material bélico disponível, obsoleto
ceberarmas novase muniçãodo ano, saídas da fá- e em grande parte imprestável.A polícia militar do
brica de Realengo, no Rio de Janeiro, do Exército Estado contava, então, com
Nacional. A participação efetiva do presidente da
República é contestada, quando não negada; ad- Fuzis .A/azzser mod. 1895 418
mite-se, porém, como certo o fato de ele ''fazer vista Idem, Idem, mod. 1908 566
grossa'' às ajudas recebidas pelo chefe revoltosd, Maaulichers 377
principalmente as prestadas por Júlio Prestes, cujo Combiains 159
favorecimentoa José Pereira é:admitido por todos. Clavins, tipo .Adanzz//crer 93
32 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 33
alguma rês eventualmente desgarrada, devorada sem refugiado grande parte da população). Dentre elas se
sal), sem meios de comunicação, pouca agua (que só encontravam Alexandrina Florentino Dinis, esposa
podia ser recolhida à noite numa área muito peri- de Marcolino Diniz, sobrinho e cunhado de José Pe-
gosa, pois a única cacimba disponível ficava além dos reira e um de seus auxiliares mais importantesna
limites de segurança). Fustigados por uma peste de luta
O sargento Clementino de Quelé envia, então,
pulgas que se aliava ao frio de região serrana e à falta
de cobertores, não dispunham de condições para um bilhete ao delegado geral .:do Estado, Severino
dormir com um mínimo de conforto. Procópio,. que se encontrava em Piancó, informan-
Era intenção dos revoltosos conseguir a rendição do-lhe a respeito do plano dé marchar sobre Princesa
com as prisioneiras à frente da tropa (que a essa
da polícia através da fome. altura era composta por uns.sessentaelementos). O
Varias tentativasforam feitaspara o remunicia-
soldado que conduzia a mensagem, entretanto, foi
mento dos situados, todas elas frustradas até que o
capturado por homens do coronel e o bilhete chega às
capitão Irineu Rangel consegue furar o bloqueio após mãos de Marcolino Diniz. Este dâ ciência do fato a
18 dias de cerco
José Pereira cuja reação foi incisiva, afirmando que
O contingente comandado pelo capitão João
Costa constituía a co/una /este. Além desta, havia não se entregaria mesmo que suaprópria mãe viesse
mais duas: a /forre, sob o comando de Irineu Rangel à frente da tropa. E formado, então, um contingente
e a oeste, sob o comando do tenente Ascendino Fei- de uns 150 homens e trava-se, a 24 de março, um
tosa tiroteio que se inicou às 8 horas da manhã e terminou
Parte da coluna oeste partiu do povoado de Olho novehoras depois, com a fuga da liolícia, que sofreu
d'Agua no município de Piancó, onde se instalara o um grande número de baixas. Todas as prisioneiras
Comando Geral, em direção a Princesa, passando saíram ilesas.
pelos povoados de Alagoa Nova (posteriormente de- Essa derrota da polícia deu novo alentoaos re-
nominada Manaira), São José e Patos (posterior- voltosospois a facção da tropa foi desbaratado, per-
mente denominado Irerê), este último a 18 km de dendo metade de seus homens e grande parte do
Princesa. Chega ao povoado de Patos a 22 de mar- remanescentefugiu para Pernambuco.
ço. Aproveitandoa ausênciade homensno lugar e A coluna morre,ou do centro, parte também de
com o intuito de ''conquistar Princesa sem saque'' , a Olho d'Agua, passando por Barra :(posteriormente
polícia prende algumas mulheres da família do coro- denominadaJuru), chegando a Santana dos Garro-
nel rebelado que estavamde saída para a vizinha tes, a 67 km de Princesa, e daí não l)assa em decor-
cidade de Triunfo, em Pernambuco (onde jâ havia se rência da precariedade da munição e de êoinunica-
38 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 39
tempo, informava que havia indicado uma casa no comandante da polícia de Alagoas não tinha curso de
Rio de Janeiro para importar armas da Alemanha aperfeiçoamento, o que não impedira o desembarque
para a polícia. Fazia essa comunicação objetivando de material bélico para este Estado, além da isenção
cientificar a autoridade competente, expurgando, de todos os impostos. E arrematava:
assim, o ato de qualquer laivo de clandestinidade,
assegurando que no momento devido seriam desem- ''Diante disto, há de concordar V. Excia. que
baraçados os documentos exigidos para um desem- não é possível, sem clamorosa injustiça, negar-
barque legal. se à Paraíba licença para importar munição.''
Dias depois, João Pessoarecebeuuma comuni-
cação do ministro da Guerra, procurando saber se a A argumentação do presidente paraibano, en-
força pública do Estado satisfazia as cláusulas do tretanto, teve o.silêncio como resposta.
acordo com o governo federal referente ao papel das Para satisfazer a premente necessidade, outros
polícias militares como instituições auxiliares do meios são pontos em prática. Um deles foi o contra-
Exército, condição necessária, segundo o ministro, bando, de resultados modestos em virtude da grande
para a concessão da licença pleiteada. Após informar fiscalizaçãodas autoridades aduaneiras e dos Esta-
que sim, João Pessoa recebe nova comunicação afir- dos vizinhos.
mando que a polícia paraibana não gozava da prer- No intuito de aumentar a eficácia da repressão à
rogativa alegada, pois o seu comandante, coronel entrada clandestina de munição para a polícia parai-
Elísio Sobreira, não era portador de curso de aper- bana, o governofederal deslocoupara o porto de
feiçoamento mantido pelo ministério da Guerra. O Cabedelo o vaso de guerra Muniz Freira, vindo do
presidenteparaibano solicita então ao ministro da Rio de Janeiro.
Guerra que ponha à disposição de seu governo, para Visando a atenuar as dificuldades dessa aquisi-
servir como comandante da força pública, o tenente-. ção, foi instituída, na primeira quinzenade maio,
coronel Aristarcho Pessoa Cavalcanti de Albuquer- a ''semana da bala'', de pequenos resultados prá-
que, que preenchia o requisito. ticos. Pessoas das mais diversas regiões e condições
Aristarcho Pessoa era, entretanto, irmão do re- sociais se dirigiam ao palácio para entregar ao gover-
querente e o parentesco foi o argumento usado para nador os cartuchos que conseguiam amealhar.
indeferir o pedido. Diante da negação, Jogo Pessoa O governoparaibanoconseguiuno Cearâ, clan-
solicita a libéração para o referido posto de um outro destinamente e com grande dificuldade, pequena
irmão, coronel (do Exército) José Pessoa Cavalcanti parte do arsenal do padre Cícero Romão Batista,
de Albuquerque. Concomitantemente, informa que o utilizado em 1926 na luta pela deposição de Franco
BI 42 Inês Caminha Lopes Rodrigues
A Revoltade Princesa 43
de võo de 52 horas ininterruptas, segundoas exa- palaba, Atabaliba.) Duarte Dantas foi chamado de
geradasnotas de .A Z./nlâo. ''o vilão de Teixeira, cangaceiro pelos antecedentes,
Apesar dos reveses sofridos pela polícia, as notí- até a terceira geração'' -- aliado de Jogo Suassuna,
cias sobre a campanha divulgadas pelo jornal oficial "João Tamboeira, jungidos os dois à mesma canga
do Estado descreviam, durante todo o movimento ar- da mais repulsiva degradação moral'' -- ''alma con-
mado, um quadro de constantes êxitos militares que vulsa de trabuqueiro (Duarte Dantas), com todas as
não correspondia à verdade dos fatos.e tinha a in- qualidades de perversidade e cobardia dessa enti-
tenção de influenciar favoravelmente a opinião pú- dade anacrónica trazida à atualidade pelo desvario
blica. Como registrou uma testemunha -- o então do perrepismo (facção política opositora a João Pes-
jornalistae futuropresidenteJogo Café Filho, em soa) casado aos instintos desordenados de José Pe-
suas memórias .----a situação da polícia era ''de pâ- reira''. Os Pessoade Queiroz foram chamadosde
nico, de fadiga e de debandada. As tropas da Força ''sacripantas'', ''tenebrosa coça de aventureiros polí-
Pública da Paraíba lutavam amedrontadas e, sempre ticos, ladrões e lacaios do Catete". João Pessoa de
que podiam, escapavam à luta, largando as posições Queiroz era chamado de ''famoso incendiário e con:
de combate e se recusando a enfrentar o inimigo'' trabandista de Pernambuco (...) e éom seu irmão,
Maior poderde fogo apresentava .4 ZI/nfão. José Checo, não tem sido alheio a assassinatos e padroeiras
Pereira era chamado pelo jornal de ''truculento ca- ousadíssimas''
beça dos assassinos e ladrões, ''asqueroso traidor'', O presidente da República também não escapou
''rombuda figura de tarado'', ''audaz curiboca'', aos insultos do jornal que contra ele investiu com a
''bronco e retardado mental, capaz de tudo no seu mesma fúria: ''Piedade desse infeliz, desse desgra-
priihilivismo de trabuqueiro'', ''celerado'', ''Lam- çado Washington Luiz, que o senador paraibano
pião. de gravata'' , ''facinoroso chefe de malta". Cola- (Epitácio Pessoa) reduziu a escombros, a farrapos,
boradores seus recebiam descriçõescomo ''criatura a cacos, a pó de traque, e que depoisde roto, espa-
informa e nojenta, mole de carâter e capaz de todas tifado, o senhor Epítácio sacode no meio das ruas.
as sabujices e todas as misérias, que está prostituindo entregueà írrisão nacional,como uma carcaça de
uma das repartições federais de nossa terra (a alfân- primeiro magistrado a quem nenhum brasileiro, ne-
degas' ou comentários como ''só ainda não quiseram nhum cidadão, deve a mais pequenina sobra de es-
deixar a Paraíba essestrês patifes que constituem a tima quanto mais de respeito''
Trindade Maldita do perrepismo: Tinoco, do Telé- A violência de .4 Z./filão refletia o rancor do
grafo, Claveirãfdos Correios, e Atapalaba, da Alfân- governo paraibano despertado pela luta armada. A
dega''. (''Caveira'' era; na verdade, Taveira, e Ata- campanha de Princesa se constituíra num sério en-
50 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 51
trave aos planos da administração estadual que, em me restar um vintém nos cofres públicos e um
decorrência dos grandes gastos por ela provocados, cartucho para queimar.
se viu forçada a paralisar todas as obras públicas. Quanto à intervenção, não pedi nem pedirei,
O objetivo principal dos revoltosos e seus aliados não por orgulho ou por vaidade, mas porque
era a intervenção federal na Paraíba. Os adversários não me quero sujeitar com o meu Estado a
do governo paraibano, procuravam criar uma situa- mais uma mistificação.''
ção de c.aos generalizado no Estado que ensejasse a
medidapor parte do governofederal. As manobras A necessidade ou não, necessidade de interven-
conseguiram,em certa medida, atingir o objetivo. ção gerou mais um debate entre os dois jornais opo-
Em sua mensagem apresentada ao Congresso no dia sitores diretamente envolvidos no movimento. Por
3 de maio, Washington Luiz sugere ao Poder Legis- um lado, .4 Z./n/âoafirmava inexistir um estado de
lativo federal que formalize o pedido. A sugestão desordem que justificasse a intervenção sem ferir a
dever-se-iaàs interpretações díspares dos parágrafos Constituição Federal. Por outro, o Jor/za/ do Cbm-
do art. 6o da Constituição Federal quanto à legali- mercfo asseverava que o Estado se encontrava no mais
dade ou ilegalidade da medida se a iniciativa partisse completocaos, não dispondosuas autoridadesdos
do presidente da República. Caso o governador pa- meios necessários para fazê-lo voltar à normalidade,
raibano, considerando-se impotente para combater a caracterizando-se, assim, o estado de coisas que exi-
desordemreinante no Estado, pedisse ajuda ao go- gia e legalizava a medida.
verno federal, desapareceriaqualquer sombra de ile- A possibilidade de intervenção causou pânico na
galidade no ato do chefe da nação. Seria uma solução Paraíba, onde a reação foi imediata e se efetivou
cómoda para os adversários de João Pessoa pois, com numa série de medidas no sentido de dissuadir o
a intervenção, este seria afastado da presidência e chefeda nação do intento que se esboçava. Nesse
posto em seu lugar algum opositor. Mas João Pessoa sentido, fez-se um manifesto dirigido a Washington
estava resoluto a não pedi-la, como proclamou: Luiz assinado por 18068 pessoas que, enfatizando a
autonomia do Estado, pedia que a intenção não fosse
Querem a intervenção a todo custo: chegam a concretizada. No mesmo sentido, rezou-seuma mis-
insinuar o absurdo de eu mesmo a pedir para o sa campal e o arcebispo mais o bispo de Cajazeiras
meu Estado. Mas podemficar certos de que enviaram apelo ao Presidente da República reite-
esse passo não darei absolutamente. E a autono- rando o pedido, ''pela Paixão e Morte de Nosso
mia do meu Estado hei de defender, queira ou Divino Salvador'', solicitando ainda que o Presidente
não queira o Dr. Washington Luiz, enquanto da República se dignassea "tranqüilizar família e
52 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa
povo paraibanos profundamente alarmados expecta- resolveir para o teatro de operações onde constata,
tiva intervenção federal ainda com mais intensidade, os modestos resultados
Paralelamente, Arthur dos 'Anjos (um dos ''de- conseguidospela polícia. As três colunas deveriam
putados de José Pereira'' ou ''de Princesa'' -- eleitos partir de pontos diversos e marchar em direção a
mediante a degola dos candidatos mais votados mas Princesa, plano malogrado em decorrência dos fatos
não reconhecidos) do Rio de Janeiro mantinha con- já expostosaliados à falta de comunicação e de en-
tato com oi perrepistas de todos os municípios parai- tendimento reinante entre os seus chefes. Cuidou,
banos a fim de conseguir um manifesto semelhante então, o secretario de segurança de retomar a ofen-
ao acima citado a ser enviado ao mesmo destinatário siva ''fosse como fosse'' pois ''precisava-se de uma
solicitando a intervenção sob o argumento de se vitória a qualquer preço, para restaurar o espírito
combativo
achar o Estado em profunda desordem.
Sob esta discussão, a luta continuava, atingindo Os malogros, ou, no máximo, os pequenos su-
seu terceiro mês, com quase nenhum sucesso para a cessos da polícia podem ser percebidos acompa-
polícia, como registrou José Américo de Almeida, nhando'se as vicissitudes sofridas por suas tropas. . A
secretario de Segurança do Estado à época: coluna /este conseguiu sair de Tavares e chegar ao
lugar chamado Sítio, a 16 km de Princesa, onde
''A campanha entrara no seu terceiro mês e, até desalojou os revoltosos. Estes, entretanto, reconquis-
essa parte, as forças do governosó tinham tido, taratn a posição e forçaram a polícia a retroceder
verdadeiramente,uma vitória: a captura de Ta- para Tavares. A colunaoesteno desastrosocombate
vares, pela coluna do tenente Jogo Costa.'' de Patos foi -- como já vimos -- dpsbaratada, sendo
posteriormente recomposta após a presença do secre-
A afirmação foi ratificada pelo delegado geral, tario de Segurançano local das lutas; com a sua
Severino Procópio: restauração marchou sobre Mahgueza e Boa Ven-
tura, no município de Piqncó, até atingir Alagoa
''Jâ pelos meses de maio e junho (...) eu repu' Nova, reconquistando-a. Quando à coluna norte, os
tava quase impraticável, ou muito difícil, a to- seus elementos teriam sido redistribuídos entre as
mada da cidade de Princesa devido à pobreza duas outras.
de material bélico que nos atormentava.'' O maior insucesso das forças do governo parai-
bano se deü com a quixotesca co/una da vffórfa, co-
Numa tentativa de soergueros ânimos das tro- mandada pelo tenente Genésio que, apesar de cora-
pas do Estado, José Américo de Almeida, em maio, joso, não dispunha de experiência hem talento para a
54 Inês Caminha Lopes Rodrigue$ A Revolta de Princesa 55
iniciativa. Foi constituída no início de junho, apres- maior preocupação depois do insucesso foi evitar que
sadamente e com os mais precários elementos hu- os poucos sobreviventes tivessem contato com a tro-
manos (refugos de tropas, militares reformados, pa. Seria o pior derrotismo''
guardas-civis sem adestramento). Dos 200 homens Com o prolongamento da luta, entretanto, José
que se pensou reunir, foram arrebanhados 180. Colo- Pereira, apesar do apoio recebido, começou a sentir
cados em nove caminhões, seguiram em direção a dificuldadespois a ajuda ia escasseando.Nem sem-
Princesa, levandoà frenteum feiticeirocom um pa- pre as necessidades eram atendidas na medida satis-
tuâ de ''rezas fortes'' penduradono pescoço.Se- fatória. As dificuldades não se prendiam propria-
guiam com estardalhaço, a toque de corneta, e a mente a armas, munição ou alimento. Os maiores
cada parada o feiticeiro(''catimbozeiro'') fazia uma problemas se relacionavam ao dinheiro para o paga-
pregação afirmando que todos estavam protegidos e mento dos dois mil homens sob o seu comando. Nem
que iriam ''pegar Zé Pereira à unha''. sempreas quantias solicitadas pelo coronel aos seus
Os caminhões seguiam muito juntos, sém guar- aliados eram enviadas, coMO lembrou Yiege Kuma-
dar o espaçonecessáriopara eventuaismanobras de moto:
recuo. Na manhã de 5 de julho, a aproximadamente
l km do povoado de Agua Branca (onde a ''coluna'' ''O dinheiro faltou. Zé Pereira sacrificado. Esse
pernaitãra), deu-se a emboscada fulminante. Um pontoera um quebra-cabeça
para elç. Ele me
grupo chefiado por Gavião e outro por Antõnio Pau- mandava para comerciantes de Flores, Carnaí-
lino, num total de 80 elementos,alojadosem eleva- ba, Triunfo, atrás de dinheiro. Ele fazia a carta
ções que margeavam a estrada, envolveram o com- e eu apresentava;muitas vezes não conseguia
boio, um grupo à frente e outro atrás. nada. Na primeira vez o comerciante empres-
Nessa aventura, a polícia perdeu 35 000 cartu- tava; na segunda vez, negava.''
chos (levados pelos revoltosos para Princesa) que se
destinavam a um ataque final planejado, além de Os Pessoade Queiroz, por seu turno, viam tam-
mais de 100 homens, dentre os quais o tenente Ge- bém minguar suas reservas.
nésio e o catimbozeiro, este com um tiro no meio da A luta se prolongava e o Congresso não decidia
testa. pedir a intervençãofederal no Estado, legitimandoo
Alguns elementosdesbaratadoschegaram a Ta- ato do presidente.da República. Washington Luiz,
vares onde se juntaram ao contingente ali sediado. A então, no início de junho, começa a deslocar tropas
sua presença constituía um problema a mais; se- do Exército para a Paraíba. Seguiram para o Estado
gundo o comandante geral das operações: ''Minha contingentes do 19' BC (Batalhão de Caçadores) de
56 Inês Caminha Lopes Rodrigues 57
A Revolta de Princesa
Salvador, do 20o Bc de Maceió, do 21o BC de Recife, cuja letra era de autoria do poeta pernambucano
do 23o BC de Fortaleza, do 24o BC de São Luas, Austro Costa e a música do maestro Nelson Ferreira.
além de um segundovaso de guerra destinadoao O ''Decreto'', redigido por Joaquim Inojosa, es-
porto fluvial da capital paraibana. tabelecia que a ''administração provisória de Prin-
O movimento
chegaraa um impasse:nemas cesa instituída por aclamação popular'' baixava a
forças do governo estadual conseguiam chegar a seguinte resolução:
Princesa nem a intervenção federal era decretada ou
pedida. Ambas as. partes iam sentindo o peso do 'Artigo lo -- Fica decretada e proclamada pro-
esmorecimento. Não se registrava nenhum sucesso de visoriamente a independência do município de
vulto de quaisquer das partes. SÓ nos exageros da Princesa, deixando o mesmo de fazer parte do
imprensa havia intensos combates, derrotas e vitórias Estado da Paraíba, do qual está separado desde
sensacionais. 28 de fevereiro do corrente ano;
Objetivando põr termo ao problema, os Pessoa 'Artigo 2o -- Passa o município de Princesa a
de Queiroz e seus assessores sugerem a Washington constituir com seus limites anuaisum território
Luiz uma marcha de José Pereira à frente de 1 000 livre, que terá a denominaçãode Território de
homens sobre a capital do Estado, onde chegariam Princesa;
com o contingente ampliado ao dobro pelas infalíveis ''Artigo 3o -- O Território de Princesa assim
adesões que encontrariam no percurso. O presidente constituído permanece subordinado. politica-
da República rebate a sugestão argumentando ser mente aos poderes públicos federais conforme se
João Pessoa governante investido legalmente no pos- acham estabelecidosna Constituição da Repú-
to. E se o sugerido ocorresse, o governo federal o blica dos Estados Unidos do Brasil;
reporia no cargo, acrescentou. ''Artigo 4o -- Enquanto pelos meios populares
Frustrado esse plano, arquitetam um outro. não se fizer a sua organização legal, será o terri-
Para apressara intervençãoe/ou dar condiçõesao tório regido pela administração provisória do
governo federal para executa-la coberto pela lei, F mesmo território.
idearam proclamar Princesa ''Tenitório Livre'' atra-
vés da promulgação de um ''Decreto'' baixado por Com data de 9 de junho de 1930, estavasubs-
José Pereira e có-assinado por lugares-tenentes seus, crito por José Pereira Lama e pelos ''Ministros'' José
intitulados ''Ministros'' nesse ato. Editar-se-ia um Frazão Medeiros Lama e Manoel Rodrigues Sinhâ.
jornal, órgão oficial do ''Território Livre'' (que não O texto do ''Decreto'' foi lido na Câmara Fe-
passou de dois números) e compor-se-ia um hino, deral a 13 de junho, causou grande polêmica e levou
58 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 59
arrasado. Evitai o vossosacrifícioinútil. Ainda certos grupos, como o chefiado por João Paulino,
é tempo de salvar-vos. Não vos enganeis. Os vos- ex-integranteda polícia paraibana, cometeramsa-
sos chefes estão inteiramente perdidos.'' ques.
As primeiras incursões ocorreram no início de
A ameaça tinha como objetivo apenas causar junho. Após o lançamentodos boletinspelo avião
efeitomoral pois o petardo a ser lançado sobre a ci- elas se intensificaram e atingiram os municípios de
dade já havia sido desmontado. Provocou, entre- Piancó, Pombal, Patos, Brejo do Cruz, São José de
tanto, fol:te reação no coronel sublevado que tele- Piranhas, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Souza, Mon-
grafou a üma sériejde autoridades protestando con- teiro. Na impossibilidadede combater os grupos,em
tra a medida, dentre elas o governadorparaibano a todos os municípios por onde passavam, o secretario
quem ameaçou invadir o Estado, ''implantando o de Segurança apelou a homens influentes desses lu-
regime de terror' gares no sentido de que reagissem à passagem dos
A represália prometida por José Pereira era mais mesmos, reação que algumas vezes se efetivou. Em
uma manobra dos Pessoa de Queiroz visando a evi- outras oportunidades, formavam-se tropas volantes
denciar o estado de desordem na Paraíba e, assim, da polícia çm perseguição aos grupos que, quando se
apressar a intervenção federal. No início, o coronel fazia necessário, atravessavam as fronteiras paraiba-
fora contrário à ideia. Achava que espalhar homens nas e se homiziavamno Rio Grande do Norte e
armados pelas cidades, vilas e povoados era uma Cearâ.
atitude arriscada porque ninguém poderia garantir l.Jm fato paralelo, entretanto, viria a mudar o
que esses homens não se excedesseme ao invés de rumo dos acontecimentos.
passarem pelos aglomerados atirando para cima, O presidente paraibano se indispusera com a
como lhes fora recomendado, cometessem assassi- família Dantas desde os seus fitos administrativos
natos e razias. Os Pessoa de Queiroz convenceram- contrários ao mandonismo local. A indisposição se
no, entretanto,da imprescindibilidade
da iniciativa intensificada com o incidente que marcou o início do
em face.das dificuldadesque lhes rondavam. José levantede Princesa. Além das arbitrariedades contra
Pereira acedeu ao plano e espalhou grupos em incur- membros da família Dantas, uma série de fatos vão-
sõespelo Estado. Ã saída dessesgrupos, como teste- se acumulando e fermentando um intenso rancor no
munharam pessoas presentes a tais eventos, fazia advogadoJoão Duarte Dantas contra Jogo Pessoa.
advertências no sentido de que mulheres, velhos, Joaquim Dantas, irmão aditivo do primeiro, logo no
crianças e autoridades federais não fossem molesta- início da campanha de Princesa foi preso, incomu-
das. Apesar das admoestaçõese ameaças, porém, nicável,por mais de dois meses.A fazenda Santo
62 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 63
Agostinho, pertencente a Franklin Dantas, pai do todo dia encontrava nas nossas ruas, sem ter a
advogado,foi incendiadae a autoria do delito atri- coragem de um só gesto de descontentamento,
buída à polícia paraibana. Sobre estes dois fatos, jura-lhe, num desabafo de bandido, os filhos
João Dantas emite um telegrama de veemente pro- menores, o mais velho dos quais tem 17 anos!
testo a Jogo Pessoa afirmando que este tivesse a cer- ''Covardia igual vamos encontrar mesmo nesta
teza de que ''nenhum Dantas se amedrontará diante campanha (Princesa) em dois dignos membros
vosso capricho''. Concluía, ameaçando: ''felizmente dessa família de celerados."
tendes filhos e juntamente com eles respondereis pelo
que sofrer minha família'' A exemploda Guerra Zríburárfa, inicia-seentão
Em resposta ao telegrama, .4 [/filão publica, em um aguerrido debate entre os Dantas, através de o
sua edição de 3 de junho de 1930, violento editorial Jorna/ do Commeró/o do Recife, e .4 [/nlâo. O jorna]
de ataque não só a Jogo Dantas mas a toda sua oficial do Estado da Paraíba publica os artigos ''A
família: perversidadee a cobardia dos Dantas'', ''A fisiono-
mia moral de um caluniador'', ''Cangaceiro de gra-
''O presidente João Pessoa mal conhece esse mo- vata 1 -- Duarte Dantes'', ''Caluniador e poltrão''
lambo que acode pelo nome de Jogo [)antas. ''Cangaceiro de gravata ll -- Franklin Dantas'', ''A
(...) Até que agora, depois de deflagrados os projeção de um nome'' e ''A serviço da delação --
acontecimentos
de Princesa,o miserávelse João Duarte Dantas''. Os Dantas respondem.comos
transformou em espião a serviço dos cangacei- artigos ''As voltas com um doido 1 -- Jogo Pessoa
ros, acertandofinalmentecom um serviçobem à Cavalcanti de Albuquerque'', ''As 'voltas com um
altura de sua falta de escrúpulo e de sua falta doido ll'', ''As voltas com um doido lll'' e ''O doido
de caráter. ( . . .) da Paraíba
Agora, Jogo Duarte (Dantas), com uma bra- A dimensão a que chegaram os insultos recípro-
vura telegráficaigual à do seu primo Duarte cos nesta campanha extremada de difamação pode
Dantas, manda da vizinha capital do sul (Re- ser ilustrada pelo texto de qualquer um desses artigos
cife) esse despacho ameaçador ao chefe do go- tigos. Em ''As voltascom um doido I'', por exemplo,
verno. Despacho onde se estampa toda a in- Jogo Dantas.chama João Pessoa de palhaço, espírito
fluência ancestral de perversidade e cobardia fútil, biltre, patife, bandido, vilão. Evidenciando
dos Dantas. suas (de João Dantas) vinculações com a revolta
:Jogo Dantas, impossibilitadode se vingar do de Princesa, afirma quanto ao governadorparai-
presidente João Pessoa, desse presidente que bano:
64 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 65
em Recite), invadiu o seu apartamento,na Capital Dantas (a quem João Pessoa não conhecia pessoal-
da Paraíba, e apreendeu uma série de documentos, mente)se armou e saiu à sua procura. Encontrou.a
dentre os quais cartas íntimas, de cunho amoroso. na ConfeitariaGlória, conversandonuma roda de
Em sua edição de 22 de julho de 1930, na primeira amigos. Sacou o revólver e disse:
pagina, .4 C/n/ãoanuncia com grande destaque a Sou o l)r. Jogo Duarte Dantas, a quem tanto
divulgação do material apreendido: injuriastes e ofendestes.
E deu-lhe três tiros.
''Os documentos encontrados .4 Z./dão come- A notícia foi dada a José Pereira com alegria por
çara amanhãa publicar, porquantoos mesmos um dos revoltosos:
contêm curiosas revelações sobre os miseráveis -- João Pessoa morreu! Ganhamos a luta. co-
modos de agir dos inimigos da Paraíba, dos ronell
quais o tarado João Dantas era uma espécie de E eleretrucou:
espião e cônsul geral nesta cidade. (. . .) -- Perdemos!...
''Com a divulgação desse manancial de cartas,
E completando o vaticínio, afirmou:
telegramas, instruções reservadas e confiden-
ciais da mais repugnante politicagem, esta folha -- Perdi Q gosto da luta. Os ânimos agora vão
seacirrar e principalmentecontra mim. João Dantas
realizarauma das mais sugestivase impressio- não devia ter feito isso; eu não comungo com o assas-
nantes reportagens. sinato.
''O perfil de alguns dos mais miseráveistraido- Mandou, então, proibir os ''sambas'' (bailes)
res de nossa terra recorta com relevoatravés de
que se realizavam costumeiramente durante todo o
seus próprios documentos e correspondências. desenrolar da luta nos arredores da cidade e celebrar
Criado num ambiente onde a vingança era con- missa em intenção do morto. Ordenou, ainda, a
siderada uma espécie de dever sagrado e o conceito suspensão das hostilidades, os tiroteios com a polí-
cia
de honra não permitia transigências, Jogo Dantas A previsãode José Pereira se confirmou.A
estaria sem alternativa para uma reação. Deve-se
morte do governador chocou o Estado. A população
frisar, também, que ele era filho de ''coronel'' e como entrou em delírio. Na capital, depredaçõese incên-
tal não aceitava desfeitas, a elas respondendo à al- dios às casas de perrepistas. Muitas famílias se refu-
tura giaram nas repartições federais, nas unidades do
Assim, a 26 de julho de 1930, lendo nos jornais Exército e .da Marinha. ''Um verdadeiro quadro de
que o governadorda Paraíba estava em Recite, João loucura coletiva'', segundo expressão de José Amé-
68 Inês Caminha Lopes Rodrigues X' A RevoltadePrincesa 69
foi desagravar a Nação pelas armas. (...) O caudal lidade no município e as famílias regressam às suas
(...) era tão volumoso, de Norte a Sul, que uma coisa casas. Paralelamente, a nível da administração es-
seria fácil prever: os dias do governo e do regime tadual, providencia-se o retorno à normalidade com
estavam contados. o provimento dos cargos vacantes desde o rompi-
Dali até o fim durou pouco mais de dois meses.'' mento político-partidário, a 24 de fevereiro. Dentre
Com a morte de Jogo Pessoa, o governo federal esses cargos, estavam os referentes à manutenção da
resolvepâr termo à revolta de Princesa. O General ordem pública, exercidos por, entre outros servido-
Lavanére Wanderley, comandante da 7a Região Mi- res, elementosda polícia militar.
litar, sediada em Recite, recebe a incumbência de A volta da polícia ocorreu através de um contin-
estabelecer a tranqüilidade no território paraibano. gente muito numeroso. O secretário de segurança
Telegrafa a José Pereira informando-lheque para persuadiu o presidente do Estado quanto à neces:lí-
esse objetivoseria necessárioque as forças do Exér- dade da ocupação de Princesa por tropas da força
cito ocupassema cidade. Solicita, então, que Ihe pública paraibana. Como declarou o próprio José
facilite a missão, asseverandoao coronel que Prin- Pereira em entrevista prestada à revista O C»zzze/ro
cesa ficaria sob a proteção das forças federais até que em sua edição de 8 de outubro de 1949:
seus habitantes se sentissem garantidos ''em :suas
pessoas e bens' 'Tudo parecia decorrer calmamente, quando
José Pereira concorda acrescentandoter espe- em 29 de setembro fui surpreendido com a ocu-
ranças de que a presença do Exército detivesse os pação de Princesa por uma tropa da Polícia
excessosda polícia estadual que, num processode Estadual composta de trezentos e cinqüenta ho-
recrudescimento da violência, vinha incendiando, mens. ''
''de dez dias para câ'', propriedades de correligio-
nários seus. A chegadada tropa, chefiada pelo capitão
O General LavanéreWànderleyinforma, então, Emerson Benjamín, foi marcada pelo assassínio de
a Ãlvaro de Carvalho, novo governador da Paraíba, um dos homens do coronel, o agricultor Jogo Flor.
que cessara a revolta, havendo os rebelados Ihe en- pelo sargento Vicente Chaves, o que irritou profun-
tregue as armas e munição. damente José Pereira. O comandante do contingente
A ll deagosto
de 1930,um contingente
do federal, para Ihe dar maior garantia, manda guarne-
Exército, composto por 600 homens comandados cer a rua onde ficava a sua residência. José Peneira.
pelo capitão João Faca, chega a Princesa. por sua vez, ordena que alguns de seus homens se
Com esse evento, surge um estado de tranqui- armem e os aloja em sua casa, preparando-se para
A Revoltade Princesa 75
74 Inês Caminha Lopes Rodrigues
armado de Princesa sua reação mais veemente. ''independência''de Princesa, o jornal e o hino do
Entretanto, a revolta só tomaria as proporções ''Território Livre'', além de financiarem a luta em
às quais chegou com o concurso de outros fatores parcela considerável, servindo, ainda, de agentes
conjunturais. arrecadadores de recursos advindos do sul do país
Apesar de grande ''coronel'', José Pereira não para a sustentação do movimento.
teria condiçõespara enfrentar as tropas do governo No terreno puramente bélico, a campanha de
estadual sem a ajuda de elementos exógenos. Assim, Princesa se constituiu num confronto onde não se
o fato de o presidente da Paraíba haver rompido com registrou vencedor nem vencido. José Pereira não
o Catete e ser indicado como candidato à Vice-Presi- derrotou as forças estaduais e estas não conseguiram
dência do país tornou José Peneira um aliado do nem mesmo chegar à cidade rebelada.
governofederal, o que Ihe valeu uma série de facili- O seu término, por outro lado, resultou de um
dades promovidas por este e pelos governos dos Es- evento que poderíamos considerar fortuito em certa
tados vizinhos, fiéis a Washington Luiz. Como coro- medida.
lário, João Pessoase viu dificultadopelo Catete e
pelas administrações das unidades federadas contí-
guas à Paraíba em seu esforço para levar a luta à
frente. O coronelcontou também com a ajuda direta
do governo de São Paulo, que Ihe enviou arenas,
munição e dinheiro; Júlio Prestes, governador deste
Estado e candidato à Presidência da República, es-
tava pessoalmenteinteressado na capitulação de João
Pessoa.
Por outro lado, intrigas na família Pessoa cria-
riam predisposiçõesque se transformariamem ele-
mentos favoráveis a José Pereira. A política finan-
ceira implantada pelo presidente paraibano contra-
riou frontalmenteos interessesmercantis de seus
primos e rivais, os Pessoa de Queiroz, acirrando
ainda mais o rancor destes contra o primeiro. Os
Pessoasde Queiroz foram os mentoresda revolta:
instigaramo coronela iniciar a luta, focaram a
A Revolta de Princesa 81