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Inês Caminha Lopes Rodrigues

A REVOLTA DE PRINCESA
poder privado X poder instituído

1981
CopyrfgÀf (!) Inês Caminha L. Rodrigues

Capa :
127(antigo 23)
Artistas Gráficos

Caricata ras :
Emílio Damiani

Revisão :
José E. Andrade

Ao Cláudio
e aos nossos filhos,
Clâudia e Carlos Eduardo

editora brasil iense s.a.


O1042 -- rua barão de itapetininga, 93
sâo paulo -- brasil
ÍNDICE
' 'Eta pau-Pereira,
Quem em Princesa
Já roncou! Os antecedentes 7

Eta Paraíba, .4 /ufa 28


Conclusão 77
Mulher-macho, sim senhor!"
Indicações para leitura 80
Balão Paraíba --
LuasGonzaga/Humberto Teixeira
OS ANTECEDENTES

A Fava/tade .Prlnceiafoi um movimentosedi-


cioso que envolveu, de um lado, os comandados do
''coronel'' José Pereira Limo e, do outro, as tropas da
polícia militar da Paraíba. Iniciou-se a 28 de feve-
reiro de 1930, com o rompimento político-partidário
entre José Pereira e João Pessoa Cavalcanti de Albu-
querque, governador (naquele tempo ''presidente'')
do Estado, e se prolongou até 26 de julho daquele
ano
Para a eclosão do movimento concorreu uma
série de fatores, incluindo-se dentre eles a própria
investidura de João Pessoano governodo Estado, por
determinação de Epitâcio Pessoa da Silvo, seu tio e
principal líder político da Paraíba. O governador
designado residia no Rio de Janeiro, onde exercia as
funções de ministro do Supremo Tribunal Militar, e
estava desligado da política partidária de sua terra
natal. A 22 de outubro de 1928assume a presidência
8 Inês Caminha Lares Rodrigues A Revolta de Princesa 9

paraibana imbuído de extremadoidealismo, disposto


a corrigir os vícios políticos. Prometera a si mesmo
encetaruma ferrenha campanha de moralização dos
costumes, pois, segundo suas próprias palavras, es-
tava ''tudo podre'', fazendo-se necessária ''uma vas-
sourada em regra'' para ''purificar a vida pública,
rebaixada por figuras de significação e aproveita-
dores gulosos''
Dentre as preocupações administrativas de João
Pessoa duas avultaram: o sistemático desprestígio
aos coronéis (responsáveis, segundo ele, pelos abusos
políticosque denunciara)e um programa para soer-
guimentodas finanças do Estado. Em função destas
preocupações, iniciou uma série de medidas visando
a sanear o que Ihe parecia errado. Considerando o
Município (o espaço de atuação dos coronéis por ex-
:© }';ÃI'
celência) um dos fulcros das reformas que pretendia
encetar, sobre ele fez convergir grande número de
atitudes renovadoras: destituiu chefes políticos, de-
mitiu juízes e promotores, removeu delegados e che-
fes de Mesas de Rendas (coletorias estaduais), pro-
moveu cuidadosa triagem na nomeação dos novos
prefeitos, desprezando a velha praxe de compadrio.
O ferrenho combate ao cangaço que em-
preendeuse incluía, por via indireta, dentre as me-
didas de desprestígio aos chefes locais, pois declarava
o propósito de não Ihe dar tréguas, ''esteja (o can-
gaceiro) onde estiver e seja quem for o seu protetor
ou o seu homiziador''. E arrematava: ''Quem se sen-
tir humilhado com a ação da polícia que não o acolha
em suas terras e propriedades". Objetivando o su-
10 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Rwolta de Princesa 11

cesso nesse combate, estabelece cinco itens básicos ''João Cancela'', por causa dos postos de cobrança
que lograram êxitos parciais: reativação de um con- espalhados pelas estudas de rodagem e carroçâveis.
vénio entre os Estados nordestinos; moralização da Porém, a iniciativa mais marcante de sua adminis-
Força Pública; eliminaçãonosjuris da influência dos tração, nesteâmbito, se configurou no imposto de
coronéis; desarmamento geral; proibição taxativa da importaçãocriado, origemdo que o Jorna/ do (;om-
venda de armas. Atingia, assim, alguns esteios do merc/o de Recite chamou Gzzerra Zrfbutáría .
prestígio e da liderança dos detentores do mando- A economiae as finanças paraibanas há muito
nismo local, como a faculdade de impedir a apreen- vinham sofrendo grandes prejuízos em face do inter-
são, pela polícia, de armas de seus protegidos e de câmbio comercial de suas cidades interioranas com
promover a sua restituição, bem como a poderosa os Estados vizinhos, principalmente Pemambuco. A
influência sobre jurados e testemunhas.
O Judiciário não escapou à ação moralizadora. precariedade dos meios de comunicação; a ausência
''Magistrados suspeitos de transigência com o crime de estudas razoáveis interligando as varias regiões
e acoimadosde relapsiano cumprimentode suas do Estado; o maciçocentral da Borborema, cortando
funções'' foram destituídosdos cargos. Os juízes pas-
o territórioparaibano de nordestea sudoeste,res-
ponsáveldurante muito tempo pelo isolamentode
sarama serobrigadosa residirnas respectivas
co- diversos municípios do interior em relação à Capital,
marcas e seu afastamento ficou restrito aos casos de eram fatores que induziam esse intercâmbio.
férias e de licença. O comércio da capital paraibana no último lus-
A ação do governo estadual se fez sentir ainda tro dog anos vinte estava em situação deplorável.
em outros setores, numa gama muito ampla e diver- O número de falências havia se multiplicado. O mes-
sificada que abrangia do casamento civil ao jogo do mo acontecia a Campina Grande, considerada o em-
bicho. pório do sertão.
As medidas que empreendeu visando a melhorar Para combater a crise económica foi promul-
a crítica situação financeira do Estado também se gada a Lei Tributária 673 de 17 de novembrode
destacariam no conjunto de seus atou administrativos. 1928, regulando a exportação e importação de mer-
Com aquele desiderato, instituiu uma série de medi- cadorias. Por esse dispositivo, foi criado o Imposto
das de contençãode despesase um novo sistema de de Incorporação (de ''barreira'') que incidia sobre a
arrecadação tributária. O sistema fiscal que implan- segunda.
tou estabelecia inovações como a taxa de pedâgio,
Em virtude da nova legislação, passou a ser
o que, além de demandasjudiciárias contra o Es- dado tratamento diferente, em termos tributários, às
tado, Ihe valeu os apelidosde ''João Porteira'' e mercadorias que entravam ou saíam do Estado. Vi-
12 /nês CamínAa lares RodrÜtles l '4 Neva/fa de /'rllzcesa 13

sando a fomentar o comércio da capital, foi esta- julgavam prejudicados, dentre estes os comerciantes
belecida uma acentuada diferenciação nos impostos das cidades do interior paraibano.
relativos à importação e exportação realizadas pela Outros periódicos de Pernambuco se solidari-
capital e pelas fronteiras (divisas com os Estados li- zaram com a campanha, acirrando a polêmica, que
mítrofes). Essa variação era pequena no referente à transcendeu o âmbito regional.
exportação, oscilando, por exemplo, quanto a dois Preocupado com a repercussão negativa de sua
pi'odutosprincipais da economia paraibana -- o al- medida, João Pessoa procurou se justificar junto a
godão e o couro -- entro 2%oe 4%o. Quanto à impor- Washington Luiz e à imprensa através de telegrama
tação, entretanto, a lei ao mesmo tempo que dimi- onde assegurava que ''a campanha de descrédito do
nuiu os percentuais referentes à mercadoria que en- Estado movida pela propaganda do Jorna/ do Cbm-
trasse pelo pôrto da Capital, hipertrofioua incidên- mercfo do Recite advém do despeito de seus proprie-
cia sobre produtos advindos pelas fronteiras, ultra- tários por ter meu governo suspendido a subvenção
passando a majoração, em alguns casos, a 1000%o. que recebiam do Tesouro
Essa estratégiapretendia,por um lado, desesti- A afirmação do presidente paraibano indignou
mular -- para não dizer ''proibir'' -- o comércio do os proprietários dojornal que, rebatendo-a, exigiram
interior paraibano com outros Estados e, por outro, a apresentação das respectivas provas no prazo de
coagir as firmas das unidades vizinhas a abrirem fi- oito dias. Se não as apresentasse,afirmavam, João
liais na capital paraibana. Pessoa estaria na contingência de ''oferecer aos seus
Os Estados prejudicados protestaram contra o governados o espetáculo de um governante transfor-
novo sistema tributário. Pernambuco, com maior mado em mentirosovulgar''. As provas não foram
vigor. Sua Associação Comercial, além de represen- apresentadase, a partir de então, o jornal pernam-
tar junto ao presidenteda República, Washington bucano abandona a linha de sobriedadee restrita
Luiz, alegando a inconstitucionalidade da lei e pe- contestação à Lei Tributária,. passando a ataques
dindo a intervenção federal, solicitou o empenho de pessoais em linguagem panfletária. Adota, assim, a
Estácio Coimbrã, presidente do Estado, quanto à re- pratica que vinha sendo empregada pelo órgão oficial
vogação da lei. Solicitou, também, o apoio de insti- do Estado da Paraíba, .A Z./niõo,.em relaçãoaos
tuiçõescongéneresde vários outros Estados nesse Pessoa de Queiroz, primos e inimigos de João Pessoa
sentido. e proprietários do Jorna/ do Cbmmerczo. O gover-
O Jorna/ do Cbmmercíode Recite, órgão de nador paraibano passa a ser chamado de ''vulgar e
grande poder de veiculação, promoveu vigorosa cam- desprezível caluniador'' e os redatores de ..4 [/dão de
panha contra a lei e facultou suas colunas aos que se ''ruminantes'', ''irresponsáveis alugados'', ''sevan-
15
14 Imãs Ckzmín&a .topes Rodrfgues l .4 Neva/fa de Princesa

dicas''. O jornal paraibano, com a anuência do pre- ao mesmo tempo o presidente do nosso Estado
sidentedo Estado, desfecha então ataque direto, no- (.. .) Hâ deveres morais a que os interesses mate
minal, ao deputado Francisco Pessoa de Queiroz, dais devem ceder o passo.
chamando-o de mentiroso e afirmando que não tar-
daria, por sua ''obsessãode mentira'', a ser empur- Noutra correspondência lamentava a ''polêmica
rado ''para dentro das grades de um manicõmto escandalosa'', ressaltando:
A Guerra Trlbufárla se desvirtuara, fugira do
''Como devem ter-se regozijado os nossos ini-
seu móvel, se transformara em válvula de escape dç
rixas familiares e se constituiria numa das sementes migosl Faltam-me os elementos necessáriospara
do futuro movimento armado de Princesa. ser juiz na questão, nem valeria mais a pena,
pois que a discussão produziu todos os males;
Ao ter ciência da refrega entre seus sobrinhos,
sela como for, o que sei é que ela foi profunda-
Epitâcio Pessoa escreve-lhes de Haja, onde se encon- mente lamentável.
tmva em missão diplomática, censurando-lhes o ges-
to insensato e o nível da discussão:
A publicação, a 8 de julho de 1929,de uma sen-
''Eu nunca imaginara que vocês, com sacrifício tença referente a um mandato proibitório contra o
da compostura pessoal, do decoro das posições, Estado da Paraíba, por iniciativa de quarenta firmas
e dos interessesmorais da família, chegassem, pernambucanas, alegando a inconstitucionalidade
sob a risota escarninha dos nossosinimigos, ao do Imposto de Incorporação, marcaria o término da
debate escandaloso de que posteriormente me Guerra Tríbzzfárla. Mas a animosidade que ensejou
deram notícia cartas e jornais. Não entro na iria se intensificare se constituirnum dos fatores
apreciação da responsabilidade de cada um. En- mediatos do assassínio de João Pessoa. Prepararia,
volvo ambos igualmente na mesma queixa. Não também, o terreno para a eclosão da revolta de Prin-
acho desculpa para .A Z./nfâo,órgão oficial, a cesa, onde o governante paraibano despendeu consi-
cobrir-te de apodos indecorosos, como não en- derável parcela das rendas adquiridas por força das
contro para adorna/ do Cbmmerclo, a provocar tão discutidas e polêmicas medidas que implantou.
e sustentar esse vergonhoso bate-boca, e, se é As atitudes inovadoras do presidente paraibano
verdade o que me dizem daí, a oferecer-se ainda, iriam, fatalmente, desgostar muitos correligionários
sem êxito, a mesquinhos despeitados para a pu- que, seguindoos usos políticos, se dirigiam a Epitá-
fio Pessoa formulando queixas e lamentações. Este
blicação de artigos e livros de ataques calunio: fez várias sugestões ao sobrinho no sentido de .que
sos à honra pessoal de um nosso parente que é
16 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Revoltade Princesa 17

levasse em conta os costumes políticos vigentes e ate coligaçãoentreParaíba, Minas Gerais e Rio Grande
nuasse o rigor dos atou. As advertências eram vaza- do Sul apresentou, afrontando o governo federal,
das em termos clarose diretos: uma chapa, à sucessão da Presidência da República,
encabeçadapor Getúlio Vargas, sendo o governador
''Jâ te disse mais de uma vez: ninguém pode paraibano o candidato a vice. Seguindo instruções do
estripar num instante vícios arraigados desde tio Epitácio, João Pessoa em agosto de 1929 negara
anos; deve-seir com jeito, pouco a pouco, para apoio à chapa oficial do Catete, encabeçada por Júlio
não chocar violentamente a mentalidade do Prestes, governador de São Paulo. Por este gesto de
meio. E preciso não esquecerque essesvícios se rebeldia (que ficou conhecido como o /lego, termo
tornaram, pelo hábito, fatos normais, o que ate- que, posteriormente, integraria a bandeira do Es-
nua sobremodoa responsabilidade de quem os tado) e pela dificuldade em se encontrar um candi-
pratica. Por outro lado, substituir o correligio- dato a vice-presidente do país para compor a chapa
nário por um adversáriopara corrigir o mal é oposicionista, o nome de João Pessoa foi lembrado e
um engano: o adversário vive no mesmo meio,
aceito como companheiro de Getúlio Vargas.
com as mesmaspaixões, os mesmos preconcei- O fato de haver sido Epitácio Pessoa o respon-
tos, os mesmos,pontosde vista acanhados, ten- sável pela inclusão do nome do sobrinho na chapa
do, mais do que o correligionário, a sede da re- getulista levou os chefes políticos governistas parai-
presália: ao cabo de algum tempo a situação é banos -- mesmo os que haviam sofrido atou consi-
pior. Não me parece acertado surpreender os derados hostis, injustos e desprestigiosos -- a apoia-
chefes políticos com decisões radicais, lançando rem os candidatos da Aliança Liberal.
entre eles a perturbação e o descontentamento A candidatura de João Pessoa à Vice-Presidên-
(...). Eu sei, por informações de varias fontes, cia da República ensejou duas conseqüências imedia-
que hâ por aí desgostoslatentes, e destes, em tas. A primeira delas foi a reação do governo federal
momentooportuno, se podem aproveitar os ad- manifestada em atos de represália através de demis-
versários . são e remoção de funcionários federais simpatizantes
da causa liberal e suspensão de obras e serviços pú-
Esses conselhos, entretanto, mercê das obstina- blicos de iniciativa da União no Estado.
ções e contradições do sobrinho, não foram seguidos. Essas medidas foram capitalizadas politica-
Os rumos tomados pelos acontecimentospolí- mente para o candidato João Pessoa, que passou a
ticos no Estado iriam ser influenciados decisivamente assumiro papel de vítima da opressãodo governo
pela adesão de Jogo Pessoa à Aliança Liberal. Esta federal, criando-se um grande fervor em torno do seu
19
18 Imãs CamínÀa topes Rodrfgtzes il .4 levo/ía de Prllzcesa

paraibano foi recebido festivamente, com banquete e


nome. Essa imagem de oprimido ultrapassou os li- bailes. Entretanto, segundo o depoimento de um dos
mites estaduais e foi explorada na campanha da integrantesda comitiva, havia uma atmosferasom-
Aliança a nível nacional. bria a despeitodas solenidades.José Pereira, apesar
A segunda resultante do ingresso do presidente de não declarar expressamentenaquela ocasião, se
paraibano na chapa aliancista implicou no seu afas- sentia desprestigiado pela constituição da chapa,
tamento de princípios por ele fixados no início do seu
principalmente pelo fato de, sendo o presidente do
governo. O primeiro desvio se consubstanciou na Estado seu hóspede, nada Ihe comunicar a respeito.
peregrinação eleitoreira por vários municípios à cata
dos votos monopolizadospelos ''coronéis'', numa Segundo revelou posteriormente, causara-lhe tam-
concessão aos métodos políticos que tão ferrenha- bém profunda indignação o alojamentodo nome do
mente combatera. ex-governador João Suassuna como integrante da
Outra incoerência de Jogo Pessoa iria resultar aludida chapa. Assim, a 23 de fevereiro de 1930, três
dias após João Pessoa haver encerrado sua visita a
em significativos desdobramentos políticos. Conco- Princesa, recebe ''com inominável surpresa'', como
mitantemente às eleições à Presidência e Vice-Presi-
declarou, um telegrama de rompimento de José Pe-
dência da República haveria eleições para senador e reira onde este afirmava haver deliberadopassar a
deputado federal. João Pessoa, jâ em seu discurso de apoiar a candidatura Júlio Prestes. Informava ainda
posse, instituíra o princípio da renovação total dos que havia ''concedido liberdade'' aos seus amigos
candidatos, ou seja, não seriam admitidos candida- para ''usarem o direito do voto consoante lhes ditar a
tos à reeleição. Contrariando a vontade da Comissão opinião'' e advertia que secomprometia ''a defendê-
Executiva do partido (Partido Republicano Conser- los se qualquer ato de violência do governo (estadual)
vador), a 17 de fevereiro de 1930 ele oficializa uma atentar contra o direito do voto assegurado pela
chapa onde são excluídos todos os candidatos à re- Constituição
eleição, preservando, porém, o nome do deputado Na verdade, o telegramaera o clímax de uma
Carlos Pessoa, seu primo. À contradição aliava-se série de fatos que vinham-se acumulando e, mais
mais um ato de afronta a prestigiosos chefes políticos cedo ou mais tarde, desaguariam na ruptura. O rela-
pelo alijamento dos candidatos à reeleição. cionamento entre o presidente paraibano e o líder de
Dois dias após haver lançado a chapa, sozinho e Princesa sofrera um processo de desgaste e estreme-
sem considerar as vontades em contrario, chegava cimentos. Como observouJosé Américo de Almeida,
Jogo Pessoa, acompanhado de uma comitiva, em sua importante testemunha destes fatos, o coronel ''sem-
viagem eleitoreira, à cidade de Princesa, sede dos pre prestigiado,punha e dispunhano Estado. SÓ
''domínios'' do coronel José Pereira. O presidente
20 21
/nês Camfn#a topei Rodrjgtzei l .4 Revolta de Princesa

agora decaía. João Pessoa, num dos seus rasgos de cada a José Peneira. Segunda suas próprias palavras,
franqueza, exaltando-se, chamara-o de cangaceiro. em entrevista concedida ao Jor/za/ do Cbmmerclo de
Não punha dúvida nas suas qualidades, mas impli- Recite (edição de 26 de abril de 1930):
cava com o que Ihe parecia caudilhismo"
Como vimos várias foram as medidas de João ''(...) embora estivesse em minha casa, deixou
Pessoa consideradas hostis aos chefes locais, dentre (o governador) o seu aludido dudante-de-ordens
as quais destacam-se quanto ao coronel (Coronel PM Elísio Sobreira) encarregado de
princesense: tentativa de desarmamento (a que rosé mostrar-me um papel no qual se liam os nomes
Pereira não se sujeitou); transferência de seu irmão dos candidatos do Partido à bancada da Câ-
Manual Carlos da chefia da Coletoria de Princesa para mara e ao terço do Senado. Era a chapa.
a de Patos, sem consulta ao coronel; tentativa de
nomeaçãodo prefeito do município à sua revelia; Estranhara, ainda, que o presidente paraibano,
nomeaçãode um seu inimigo, tenenteManuel Ar- em sua companhia por mais de vinte e quatro horas,
ruda, para delegadode polícia do município; a indi- não Ihe fizesse nenhuma alusão ao pleito de lo de
ferença com que passara a ser tratado pelo governa- março. Sentira-se desprestigiado na qualidade de
dor quando se dirigia ao palácio. membro da Comissão Executiva (José Pereira era
Por outro lado, certoseventosteriam criado deputado estadual hâ várias legislaturas), por não ter
independentemente das vontadesde João Pessoae sido procurado ou mesmo consultado quanto à es-
rosé Pereira um clima de animosidade entre os dois colha dos candidatos. Entretanto,. a gota que fez
que antecedeu a ascensão do primeiro à chefia do transbordar e que serviu de pretexto para o rompi-
Executivo paraibano. João Pessoa teria chegado à mento foi a exclusão da nova chapa da quase tota-
Presidência jâ alimentando a pretensão de afastar o lidade da bancada, principalmente a não recondução
chefesertanejo da tida política do Estado. Este, por de João Suassuna:
sua vez, estaria ciente dessa disposição, chegando a
afirmar que um dos desideratos preestabelecidos ''Estranhei que da lista organizada fossemex-
pelo governador era promover ''meu alojamentopolí- cluídos sumariamente o senador Massa, que
tico em Princesa e consequente exclusão do Diretório havia sido um dos batalhadorespela ascensão
do Partido' do sr. Epitâéio (Pessoa) à suprema direção polí-
O rancor seria exacerbado com a constituição da tica na Paraíba. Objetei ao sr. Sobreira que ele,
chapa, passando de latente a manifesto. O fato foi Massa, fiel ao Partido, não mereciaa inespe-
agravado pelas circunstâncias como ela foi comuni- rada e odiosa exclusão nos últimos momentos.
22 Inês Caminha Inpes Rodrigues A Revolta de Princesa 23

Isto a 20 de fevereiro.Objetei mais: também nhas objeções ao presidente.''


não compreendia a exclusão do deputado Oscar
Soarem,que era dos mais devotados ao Partido; Paralelamente a esses fatos, verificava-se a ação
o sacrifício do deputado Daniel Carneiro, o dos Pessoa de Queiroz que, estabelecidos em Recite,
qual, no momentoem que o presidente(João mantinham grandes laços comerciais e de amizade
Pessoa) assim o tratava, se encontrava desas- com José Pereira e o instigavam ao rompimento.
sombradamente em Alagoas, defendendo a cau- Reinava um clima de emulação e de inimizade
sa da Aliança em campanha eleitoral ( . . .)." entre João Pessoa e seu primo Francisco Pessoa de
Queiroz, deputado federal por Pernambuco. A não
E acrescentou indicação por parte de Epitâcio Pessoa, tio de am-
bos, do nome do segundo à presidência da Paraíba
''lnterpelei, então, o ajudante-de-ordens, por acirrou a animosidade. Os sentimentos dissociativos
que se excluía e sacrificava o deputado João existentesentre os primos se revelam claramente de
Suassuna, ex-presidente do Estado, que elegera forma variada, como na carta que João Pessoa reme-
o própriosr. João Pessoa,a quem entregaraa teu ao tio, de 26 de agosto de 1929:
chefia do Partido? O ajudante-de-ordensres-
pondeu-me que o critério era o do rotativismo. ''(...) Senti sempre os seus desvelos e carinhos
Indaguei como ele explicava que sendo o cri- pelo Francisco, apesar do que ele tem feito.
tério o de rotativismo só ficasse na bancada, Nunca Ihe faltou com sua assistênciapública:
dos antigos, o sr. Cardos Pessoa, justamente o nomeava-o para lugar de confiança perto de si;
primo do presidente Pessoa? O ajudante, meio levava-o para o estrangeiro em posto de respon-
confuso, disse que o sr. Carlos Pessoa se havia sabilidade; amparava-o em sua carreira política;
portado com muita vibração na legislatura pas- ia ao seu embarque e desembarque (distinção
sada, durantea campanha da Aliança, ao que que nenhum sobrinho jâ recebeu) e às suas fes-
retruquei que o sr; Carlos Pessoa era um depu-
tado apagado, que nunca pronunciara, sequer, r tas; dava-lhe prestígio para os desmandos que
praticou em Pernambuco na campanha contra
um discurso. Rotativismo, ou é ou não é. Em Barba, desmandos que já agora não deve saber
parte eu não compreendo o rotativismo, benefi- de minha boca, etc. Nunca, absolutamente nun-
ciandoprecisamenteum membro da família. O ca, procurei de qualquer modo concorrer nessa
ajudante-de-ordensafinal retirou-se da minha preferência ou criar à mesma qualquer emba-
presença, alegando que eu poderia levar as mi- raço contando-lhe história de Francisco. ( . . .) Es-
24 três Caminha Lotes Rodrigues A Revoltade Princesa 25

te nunca se conformou com o Sr. fazer-me presi-


dente em vez dele. Na sua desvairada ambição
inescrupulosa, só a um Pessoa concede, ou jâ
concedeu, a liberdade de subir mais do que ele.
Esta pessoa é o senhor. Despeitadocom a minha i
vinda, porque assim continuariafora da polí- H

tica da Paraíba e privado de ser presidente aqui,


chefee senador, por fim, uma vez que não tinha
futuro na política de Pernambuco, onde não iria
além de deputado, como não se constrangia de
dizer em suas rodas; despeitado, nzzncadeu no
seu jornal qualquer notícia sobre meu governo
(entretanto os jornais inimigos falavam dele com
entusiasmo), e indo mais longe cortava do seu
serviço telegráfico tudo que era transmitido em
relação à minha pessoa.

A Gzzerra Tríbufária fomentou ainda mais a in-


triga entre eles, pois João Pessoa, num gesto de ha-
bilidade política, permitindo que o jornal oficial
paraibano taxasse de ''ladrões'' toda a família Pessoa
de Queiroz, provocou o rompimento de outro primo
e, até então, amigo, João Pessoa de Queiroz. Além de
terem seus interesses comerciais prejudicados pela
novapolítica tributária paraibana, viram-se difama- l
dos nas páginas de .4 Z./níõo. Em contatos constantes
com José Pereira, tinham conhecimento dos atos con-
siderados afrontosos que este suportava do governo
paraibano. O coronel afigurou-se-lhes,então, o ele-
mento mais indicado para uma vindita a João Pes-
soa. Detentores de fortuna considerável, incitaram- Jogo Pessoa
26 Inês Caminha Lopes Rodrigues 27
A Revolta de Princesa

no à sublevaçãocontra o governo estadual, sob pro- maquina burocrático-administrativa no município de


messa de custearem a luta. Princesa. No dia 24 de fevereiro, a apenas cinco dias
Havia, pois, condiçõesfavoráveispara surgir e do pleito, ordena a retirada da cidade de todas as
medrar um movimento contra Jogo Pessoa. A insa- pessoas que ali exerciam funções ligadas à adminis-
tisfação dos chefes locais feridos em suas prerroga- tração estadual.
tivas de detentores do mandonismo e possuidores de Os Pessoa de Queiroz, interessados em alijar, de
exércitosparticulares'' juntava-se o ânimo de um qualquerforma, o primo da presidênciado Estado,
grupo endinheirado para financiar a sublevação. julgando haver chegado o momento propício para
Como afirmou um dos assessoresdos Pessoa de um movimento neste sentido, asseguraram a José
Queiroz, ''a reaçãojâ estavapreparada e José Pereira Pereira: ''reaja que nós o sustentaremos''
foi o homem certo para essa reação''. Neste sentido, O presidente do Estado, sob o pretexto de ga-
o coroneljá estaria se armando desde setembro de rantir as eleições nos municípios cujos chefes discor-
1929, muito antes do telegrama de rompimento. davam de sua orientação política, enviou reforços
Com o rompimento, José Pereira -- um dos
policiais consideráveis para os mesmos. No dia 28 de
baluartes do Partido Republicano da Paraíba'', nas fevereiro de 1930, véspera das eleições, chegavam à
palavras de Epitâcio Pessoa -- ingressa incontinenti cidade de Teixeira, próxima a Princesa, tropas da
na facçãoopositoraao governodo Estado e pró- polícia paraibana comandadas pelo tenente Ascen-
candidatura Júlio Prestes. Acompanharam-no líde- dino Feitosa, inimigo da família Dantas, que exercia
res de considerável envergadura eleitoral como João liderança política no município. A nomeação deste
Suassuna,Oscar Soares, Pedra Firmino, Padre Ma- oficial para o comando das tropas seria mais um ato
noelOctaviano, Início Evaristo, Cícero Parente, Nulo de provocaçãoaos Dantas por parte do presidente
Feitosa e Duarte Dantas. paraibano.
A dissensão no partido do governo paraibano Segundo o testemunho de pessoas que presen-
muito significou para a oposição, pois reforçava a ciaram os acontecimentos, ''a polícia já subiu a serra
chapa do Cacete em Estado aliancista. Heráclito (de Teixeira) atirando''. Trava-se, então, cerrado
Cavalcanti, líder da oposição a João Pessoa na Pa- tiroteio entre membros da família Dantas e as forças
raíba, contando com o natural apoio do governo fe- policiais. José Pereira, cumprindo a promessa feita,
deral, soube tirar proveito da ruptura atraindo ime- acorre com homens em defesade seus aliados.
diatamente os dissidentes para as suas hostes. Estava deflagrada a Revolta de Princesa.
João Pessoa reage imediatamente ao rompimen-
to de rosé Pereira promovendoo esvaziamentoda
A Revolta de Princesa 29

com os de vários outros chefes políticos. Dessa for-


ma, dentro de pouco tempo arregimentou dois mil
homens, mantendo uma metade no/roPzf, bem muni-
ciada, e a outra, de reserva, aguardando armas e
munições e a oportunidade de preencher as eventuais
baixas. Enquanto esperava, se divertia em bailes que
se realizavam diariamente nos arredores da cidade.
O número de sublevados -- as ''tropas liberta-
doras'', como se autodenominavam -- se revela de
A LUTA grande significação quando se leva em conta que
todaa polícia militar do Estado, no início da revolta.
contava apenas com 870 homens (incluídos o pessoal
da administração e os não combatentes -- músicos.
Uma série de fatores iria permitir a José Pereira arreeiros e ordenanças), assim distribuídos:
manter a luta contra o governo do Estado.
Em primeiro lugar, ele era um grande ''coronel''
Cel. ou Ten.-Cel. Comandante l
Majores 2
(na estrutura então vigente, havia os pequenos, mé-
Capitães . 7
dios e grandescoronéis, de acordo com o poder e los Tenentes 9
prestígio desfrutados). Era considerado um dos maio- 2os Tenentes 10
res chefes sertanejos do Nordeste e o maior da Pa- Sargento-Ajudante l
raíba. Seu prestígiotranscendiaos limitesdo seu los Sargentos 11
município, atingindo as esferas estadual e federal. 2os Sargentos 25
A esta circunstância, juntavam-se certas caracte- 3os Sargentos 45
rísticas de sua personalidade. Era muito generosoe, Cabos 85
ao contrário do que normalmente ocorria com os ''co- Sds. músicos de la classe 8
ronéis'', era gentil, polido, avessoà violência. E, ali- Sds. músicosde2? classe 8
cerçando sua liderança, estava um grande carisma. Sds. músicos de 3a classe 14
Assim, por suas qualidades de líder e por ser um Sds. Tambor-corneteiros 22
coronel de grande envergadura, dispunha de um Soldados 622
vasto contingente que Ihe acompanharia na luta ar-
mada. Além dos seus próprios ''cabras'', contaria Total 870
T

30 Inês Caminha Lopes Rodrigues 31


A Revolta de Princesa

Estes fatos, entretanto, não seriam suficientes As armas para os princesenses, por exemplo, era o
para garantir a José Pereira o sucessoda revolta. Um governadorpaulista quem arranjava, no Rio de Ja-
dos esteios principais para a sustentação da luta neiro, o mesmo acontecendo em relação a grande
estava, como jâ informamos, nos Pessoa de Queiroz, parcela da munição (apurou-se, posteriormente, que
principalmente os irmãos João e Francisco, que sub- Júlio Prestes remeteuaos revoltosos. 170000cartu.
vencionaram o levante em parcela considerável. Co- lhos, clandestinamente, como material tipográfico) .
mo asseverou um dos assessores dos Pessoa de Quei- As primeiras armas e munições que chegaram a
roz, José Pereira iniciou a luta ''quase forçado'' por Princesa, entretanto, vieram de Recite, saídas da
eles, pois não dispunha de condições materiais para polícia pernambucana e conseguidas por Jogo Pessoa
tal iniciativa, ''não tinha dinheiro nem armas' de Queiroz.
Além deste valioso apoio, o chefe sublevado se O material bélico vindo daquela capital chegava
beneficiava do momento político nacional. Sua ade- a Princesa (contígua ao território pernambucano)
são à candidatura Júlio Prestes iria representar certas sem nenhuma dificuldade mercê da conivência da
facilidadespara os revoltosos,quer atravésde difi- polícia de Pernambuco. Como testemunhouCícero
culdades criadas Pêlo governo federal ao governo Marroéós, almoxarife de José Pereira, ''as armas
paraibano, quer mediante conivências que muito os vinham de Recife, passando por Lagoa da Cruz. Ha:
favoreciam. Afora isso, estando a Paraíba alhada via soldados mas deixavam passar''
entre Estados fiéis ao Catete, seu governo sofria Concomitantemente a essas regalias encontra-
grandes limitações no combate aos sublevados. das pelos revoltosos, a polícia enfrentava uma série
Beneficiado por esse contexto, José Peneira pede de problemas, a começar pela inferioridade numé-
dispor de facilidades que eram negadas ao governo rica, como jâ se aludiu. Outra grande dificuldade
paraibano. Contou desde o início com a oportuna com que se debatia o governoestadualse referia à
omissão dos governos estaduais vizinhos, além de re- precariedade do material bélico disponível, obsoleto
ceberarmas novase muniçãodo ano, saídas da fá- e em grande parte imprestável.A polícia militar do
brica de Realengo, no Rio de Janeiro, do Exército Estado contava, então, com
Nacional. A participação efetiva do presidente da
República é contestada, quando não negada; ad- Fuzis .A/azzser mod. 1895 418
mite-se, porém, como certo o fato de ele ''fazer vista Idem, Idem, mod. 1908 566
grossa'' às ajudas recebidas pelo chefe revoltosd, Maaulichers 377
principalmente as prestadas por Júlio Prestes, cujo Combiains 159
favorecimentoa José Pereira é:admitido por todos. Clavins, tipo .Adanzz//crer 93
32 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 33

Idem, tipo Wz'nc/zesfer 29


Revólveres .Nêganr 122
Metralhadora pesada l
Espada l
Espadins 2

Quanto a munição, dispunha de

Cartuchos p/fuzil Màuser 1908 83382


Idem, Idem 1895 180
Idem , p/ Manulicher 44229
Idem , p/ Combtain 20895
Cartuchos Wzrzc#esfer 5202
Idem , p/ reNâXxer Negant 5 608
Idem ,p/ metralhadora pesada 7(»

''Às vezes, de 10 cartuchos disparava um. Basta


dizer qué em 1930brigava-se com munição de 1912''
-- lembrou Jogo de Souza e Salva, que participou da
luta como sargento da polícia.
A escassez de munição levou à severa recomen-
dação de que os soldados só deveriam atirar quando
houvesse grande probabilidade de alvejar o inimigo.
No cerco ao povoado de Tavares, por exemplo, or-
dens terminantes nesse sentido foram expedidas pelo
comandante (''para quem um cartucho tinha extra-
ordinário valor'') e ninguém ousava desobedecer a
ordem. Assim, aos tiros dos homens do coronel prin-
cesense, muitas vezes a resposta era dada com ba- A escassez de munição levou à severa recomendação de
tuques em latas e garrafas, sopros em búzios feitos de que os soldados s6 deveriam atirar quando houvesse
chifres de boi, toques de corneta, gritos insultuosos, grande possibilidade de alvejar o inimigo.
A Revolta de Princesa
34 Inês Caminha Lopes Rodrigues

marcha era feita sob as condiçõesmais adversas.


para dar a impressão de uma resistência à altura. A única estrada de acessoa Princesa estava tomada e
Em certas ocasiões, a polícia lutava a pé contra as tropas da polícia que se aventurassem a seguir por
grupos de rebelados a cavalo. ela se exportam a emboscadas. Restava a alternativa
Apesar de todos os elementos adversos, João de seguir pelo mato enfrentando a vegetação hostil,
Pessoa considerou o levante apenas ''um simples caso
os espinhos de xeque-xeque,coroa-de-frade, facheiro,
de polícia'' e fixou os dias 18 a 20 de março de 1930 mandacaru, macambira, jurema preta, unha-de-
como o seu termo final. A 18 deste mês, em entre-
vista à imprensa, o ministro da Justiça, interrogado gato, pinho branco, getirana. Arriscando-se a pica-
das de cascavéis, corais e salamandras.
sobre o caso Princesa, afirmou que o governofederal No dia 8 de março a tropa atinge o povoado de
nada poderia fazer, pois o presidente paraibano ha- Imaculada, travando-se intenso tiroteio do qual as
via Ihe informadoque o governodo Estado tinha forças legais saíram vitoriosas. Após a escaramuça, o
condições para jugular o movimento, prescindindo capitão deixa um contingente de vinte soldados co-
de ajuda federal. Em face da legislaçãovigente, o mandados por um sargento e, no dia 24, segue em
ministro se via impedido de agir caso não fosse soli-
direçãoa Agua Branca, povoadodo municípiode
citada a ajuda por parte das autoridadesparaibanas, Princesa. Chega a esta localidadeno dia seguinte,
argumentava. desalojando igualmente os revoltosos. Deixa aí vinte
Para dar combate aos revoltosos, o governo
e cinco homens sob o comando de um outro sargento
paraibano, a 5 de março de 1930, reorganizou o e segueem direção ao povoadopróximo, Tavares,
Batalhão Provisório -- que havia sido extinto no a 23 km da sede do município. AÍ se verifica o maior
início da administração Jogo Pessoa como medida de combate de toda a campanha. A tropa chegou no fim
economia-- com sede na cidade de Patos, sob o da tardedo dia 28 e se inicia um tiroteioque se
comando do capitão Irineu Rangel e com um efetivo prolonga por 36 horas. No dia 30, os revoltosos dei-
de 800 homens que nunca chegou a se integralizar. xam Tavares e vão se alojar nos arredores. Apesar da
A 6 de março, o capitão João Costa parte à tomada do povoado, a polícia fica em posição crítica
frente de um contingente rumo a Teixeira para pres- pois, sendo Tavares circundada por elevações,se
tar reforço ao tenente Ascendino Feitosa, em res- constituía num bom alvo para os princesenses, nas
posta aos constantestelegramas de pedido de ajuda cercanias. As forças legais ficaram sitiadas nas con-
que este emitira ao presidentedo Estado. Como os dições mais adversas: pouca munição, grande escas-
homens de Duarte Dantas haviam deixado a vila sez de alimentos (contava principalmente com o mi-
para se juntarem aos de José Pereira, João Costa lho estocado nas casas, além de um pouco de feijão e
prosseguiu em direção ao município revoltoso. Essa
37
36 Inês CaminhaLopes Rodrigues

alguma rês eventualmente desgarrada, devorada sem refugiado grande parte da população). Dentre elas se
sal), sem meios de comunicação, pouca agua (que só encontravam Alexandrina Florentino Dinis, esposa
podia ser recolhida à noite numa área muito peri- de Marcolino Diniz, sobrinho e cunhado de José Pe-
gosa, pois a única cacimba disponível ficava além dos reira e um de seus auxiliares mais importantesna
limites de segurança). Fustigados por uma peste de luta
O sargento Clementino de Quelé envia, então,
pulgas que se aliava ao frio de região serrana e à falta
de cobertores, não dispunham de condições para um bilhete ao delegado geral .:do Estado, Severino
dormir com um mínimo de conforto. Procópio,. que se encontrava em Piancó, informan-
Era intenção dos revoltosos conseguir a rendição do-lhe a respeito do plano dé marchar sobre Princesa
com as prisioneiras à frente da tropa (que a essa
da polícia através da fome. altura era composta por uns.sessentaelementos). O
Varias tentativasforam feitaspara o remunicia-
soldado que conduzia a mensagem, entretanto, foi
mento dos situados, todas elas frustradas até que o
capturado por homens do coronel e o bilhete chega às
capitão Irineu Rangel consegue furar o bloqueio após mãos de Marcolino Diniz. Este dâ ciência do fato a
18 dias de cerco
José Pereira cuja reação foi incisiva, afirmando que
O contingente comandado pelo capitão João
Costa constituía a co/una /este. Além desta, havia não se entregaria mesmo que suaprópria mãe viesse
mais duas: a /forre, sob o comando de Irineu Rangel à frente da tropa. E formado, então, um contingente
e a oeste, sob o comando do tenente Ascendino Fei- de uns 150 homens e trava-se, a 24 de março, um
tosa tiroteio que se inicou às 8 horas da manhã e terminou
Parte da coluna oeste partiu do povoado de Olho novehoras depois, com a fuga da liolícia, que sofreu
d'Agua no município de Piancó, onde se instalara o um grande número de baixas. Todas as prisioneiras
Comando Geral, em direção a Princesa, passando saíram ilesas.
pelos povoados de Alagoa Nova (posteriormente de- Essa derrota da polícia deu novo alentoaos re-
nominada Manaira), São José e Patos (posterior- voltosospois a facção da tropa foi desbaratado, per-
mente denominado Irerê), este último a 18 km de dendo metade de seus homens e grande parte do
Princesa. Chega ao povoado de Patos a 22 de mar- remanescentefugiu para Pernambuco.
ço. Aproveitandoa ausênciade homensno lugar e A coluna morre,ou do centro, parte também de
com o intuito de ''conquistar Princesa sem saque'' , a Olho d'Agua, passando por Barra :(posteriormente
polícia prende algumas mulheres da família do coro- denominadaJuru), chegando a Santana dos Garro-
nel rebelado que estavamde saída para a vizinha tes, a 67 km de Princesa, e daí não l)assa em decor-
cidade de Triunfo, em Pernambuco (onde jâ havia se rência da precariedade da munição e de êoinunica-
38 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 39

ção com o resto da tropa. os jornais publicam um despacho concedendo


Paralelamente aos revezessofridos pelas forças isenção de impostos às armas importadas pelo
legais no teatro de operações, o governo estadual Estado de Alagoas. O vapor (navio) Fará, que
enfrentavauma série de problemasque dificultava foi sob a suspeita de ter trazido armamento
ainda mais o bom desempenhoda polícia. O pri- para o meu governo rigorosamente revistado em
meiro deles se constituía na dificuldade de adquirir Alagoas, e especialmenteaqui, onde o próprio
armas e munições. Neste sentido Jogo Pessoa se viu chefe da oposição foi em pessoa, acompanhado
bloqueado pelos Estados vizinhos que iniciaram uma de autoridades aduaneiras, fiscalizar os portos
rigorosa fiscalização impedindo o desembarque de de Cabedelo e desta capital, desembarcou sem
qualquer material bélico destinado ao governo da nenhum embargo grande quantidade de armas e
Paraíba. munição em Natal."
A administração federal, por seu turno, não Ihe
concedia licença para a compra desse material, reco- Em resposta a este telegrama (publicado em .4
mendando, ainda, severa fiscalização nas alfânde- [/n/ão de 12 de abri] de 1930), o ministro da Fazenda
gas. Nessa contingência, João Pessoa telegrafa ao informa que nenhum material bélico poderia ser em-
presidente Washington Luiz protestando contra a barcado ou desembarcado sem autorização do Minis-
,medida: tério da Guerra. O presidente paraibano se dirige,
então, a Sezefredo Passos, ministro da Guerra, soli-
''Venho protestar contra o fato de que estou se- citando autorização para importar da Fiança 100000
guramente informado de haver o ministro da cartuchos de fuzil .A/azzser, protestando ao mesmo
Fazenda recomendado à Inspetoria da Alfân-, tempo contra as normas que, segundo seu entender,
dega deste Estado apreender qualquer arma- ''eram contrárias à Constituição e à mais superficial
mento ou munição destinados ao meu governo. noção do regime por ela instruído''
É um fato virgem na República ficar um Estado A 10 de abril, João Pessoa emite telegrama ao
privado dos meios de policiamentopelas pró- ministro da Fazenda protestando contra o fato de
prias autoridades federais, expondo-se, assim, ele, o ministro, haver expedidoordem, em carâter
aos desmandos dos bandidos como .[ampfão e confidencial, para rigorosa fiscalização nas alfânde-
outros em ação. E tanto mais estranhável essa gasda Paraíba e Pernambuco no sentido de impedir
medida quando outras unidades da Federação, um possível desembarque de material bélico no pri-
que não se encontram na mesma emergência, meiro Estado, como se as transações do governo
são tratadas de modo diferente. Agora mesmo paraibano se tratassem de contrabando. Ao mesmo
40 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 41

tempo, informava que havia indicado uma casa no comandante da polícia de Alagoas não tinha curso de
Rio de Janeiro para importar armas da Alemanha aperfeiçoamento, o que não impedira o desembarque
para a polícia. Fazia essa comunicação objetivando de material bélico para este Estado, além da isenção
cientificar a autoridade competente, expurgando, de todos os impostos. E arrematava:
assim, o ato de qualquer laivo de clandestinidade,
assegurando que no momento devido seriam desem- ''Diante disto, há de concordar V. Excia. que
baraçados os documentos exigidos para um desem- não é possível, sem clamorosa injustiça, negar-
barque legal. se à Paraíba licença para importar munição.''
Dias depois, João Pessoarecebeuuma comuni-
cação do ministro da Guerra, procurando saber se a A argumentação do presidente paraibano, en-
força pública do Estado satisfazia as cláusulas do tretanto, teve o.silêncio como resposta.
acordo com o governo federal referente ao papel das Para satisfazer a premente necessidade, outros
polícias militares como instituições auxiliares do meios são pontos em prática. Um deles foi o contra-
Exército, condição necessária, segundo o ministro, bando, de resultados modestos em virtude da grande
para a concessão da licença pleiteada. Após informar fiscalizaçãodas autoridades aduaneiras e dos Esta-
que sim, João Pessoa recebe nova comunicação afir- dos vizinhos.
mando que a polícia paraibana não gozava da prer- No intuito de aumentar a eficácia da repressão à
rogativa alegada, pois o seu comandante, coronel entrada clandestina de munição para a polícia parai-
Elísio Sobreira, não era portador de curso de aper- bana, o governofederal deslocoupara o porto de
feiçoamento mantido pelo ministério da Guerra. O Cabedelo o vaso de guerra Muniz Freira, vindo do
presidenteparaibano solicita então ao ministro da Rio de Janeiro.
Guerra que ponha à disposição de seu governo, para Visando a atenuar as dificuldades dessa aquisi-
servir como comandante da força pública, o tenente-. ção, foi instituída, na primeira quinzenade maio,
coronel Aristarcho Pessoa Cavalcanti de Albuquer- a ''semana da bala'', de pequenos resultados prá-
que, que preenchia o requisito. ticos. Pessoas das mais diversas regiões e condições
Aristarcho Pessoa era, entretanto, irmão do re- sociais se dirigiam ao palácio para entregar ao gover-
querente e o parentesco foi o argumento usado para nador os cartuchos que conseguiam amealhar.
indeferir o pedido. Diante da negação, Jogo Pessoa O governoparaibanoconseguiuno Cearâ, clan-
solicita a libéração para o referido posto de um outro destinamente e com grande dificuldade, pequena
irmão, coronel (do Exército) José Pessoa Cavalcanti parte do arsenal do padre Cícero Romão Batista,
de Albuquerque. Concomitantemente, informa que o utilizado em 1926 na luta pela deposição de Franco
BI 42 Inês Caminha Lopes Rodrigues
A Revoltade Princesa 43

Rabelo, presidente daquele Estado. Deve-se frisar


que esse armamento estava enterrado, o que eviden- permanecia aberta a de Princesa, facilitando a comu-
cia a sua precariedade. nicação do coronel com os Pessoa de Queiroz e com
Outro artifício para atenuar a dificuldadefoi a Washington Luiz, que nunca deixou sem resposta a
instalaçãode uma pequenafabrica de munição e correspondência daquele.
explosivosno quartel da polícia militar, na Capital. Como já foi insinuado, os governosestaduais
Após os combates, as cápsulas eram, na medida do vizinhos, em apoio ao coronel, dificultavam o quanto
possível,. recolhidas e enviadas à Capital para serem podiam a ação do governo da Paraíba. Além dos
recondicionadas. Essa iniciativa não se mostrou de fatos já indiretamente referidos, o governo pernam-
muito êxito, pois as cápsulas recondicionadas nem bucano, por exemplo, frustou a formação do que
sempre apresentavam a pressão necessária para um seria a co/una szz/.Como o município rebeladoera
disparoeficaz. Em decorrênciadessemalogro, a fá- contíguo ao outro Estado, João Pessoa enviou tele-
brica começou a produzir bombas que logo foram grama ao governador Estácio Coimbrã solicitando
apelidadas, por serem vermelhas, de ''liberais''. permissão para a passagem de tropas paraibanas por
Eram do tamanho de uma granada de mão e carre- territóriopernambucano a fim de abafar mais facil-
gavam em seu bojo pregos e grampos de arame far- mente a revolta. Estâcio Coimbrã consulta o coman-
pado. O uso desses explosivos produziram alguns dante da polícia militar do seu Estado e este o alerta
efeitos satisfatórios e foi empregada uma nova ma- quanto aos inconvenientes da permissão, destacando
neira de utiliza-los, acoplando-os a foguetões. a possibilidade de a luta se alastrar por Pernambuco.
Uma bomba de alto poder explosivo, pesando As ponderações são acatadas e a permissão é negada.
cerca de sessenta quilos, que seria lançada de avião João Pessoa insiste evocando o convénio, entre os
sobrePrincesa, foi tambémfabricada. João Pessoa, Estados nordestinos, de combate ao cangaço, que
porém, ao saber da potencialidadedo petardo proi- permitia à polícia de uma unidade federativa pene-
biu o seu uso. trar no território de outra em busca de facínoras. O
Não apenas a aduana mas todas as repartições presidente pernambucano entretanto ratifica o inde-
federais dificultavam o quanto podiam a ação do ferimento, alegando não considerar criminosos os
governo paraibano. O telégrafo, por exemplo, reti- amotinados de Princesa, sendo o seu chefe ''depu-
nha os telegramas de interesse dos revoltosos, os de- tado aó Congresso da Paraíba e até pouco tempo
cifrava e informava o seu teor a José Pereira. Por membro da comissão executiva do partido situaéio-
outro lado, a agência telegráfica de Teixeira, que nista deste Estado''
estavaem poder da Polícia, foi fechada, enquanto As ponderações
do comandante
da políciade
Pernambucotinham sua razão de ser, pois grande
l 44 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa

semprocessojudicial e sem mandado de justiça'') e


45

parte da população de Princesa havia-se refugiado


nas cidades pernambucanag de Flores e Triunfo, por que poderia transformar ''um caso de ordem pública
onde necessariamente passariam as tropas paraiba- local, como tela sido afirmado ao governo federal,
nas caso fosse concedida a permissão. Nessas cir- em guerra civil''. Conclui o telegrama levantando a
cunstâncias, seria quase inevitável a ocorrência de possibilidade de intervenção federal na Paraíba caso
refregas e os aliados do coronel -- como este alegou João Pessoa efetivasseo seu intento.
em telegrama a Estâcio Coimbrã -- estariam em pe- Simultaneamente a esses percalços, as tropas
rigo de vida. paraibanas enfrentavam o problema das deserções
Em face da nova recusa do governador pernam- que, às vezes, chegavam a trezentas por semana.
bucano, João Pessoa Ihe envia um telegrama onde Muitos dos que desertavam iam integrar as hostes de
declamaque o verdadeiro motivo de sua insistência rosé Pereira, alguns como chefe de grupo (João Pau-
era ''provar à Nação que V. Excia. não me a daria (a lino, por exemplo). Essas deserções se deviam, em
permissão) e comprovar mais uma vez restrições.cria: parte, ao grande prestígio. do coronel junto aos pra-
das ao meu governo no combate a cangaceiros (que) ças e oficiais da polícia, muitos dos quais haviam in-
constituem elementos de desordem e de crime para gressado na corporação por seu intermédio. ''Quase
todo o Nordeste''. E conclui: ''Membro da comissão todo soldado era seu compadre'', declarou um ex-
executiva do meu partido ou deputado à Assembleia combatente, coronel da polícia aposentado. Esse
Legislativa do Estado, o coronel José Pereira perdeu prestígio aumentara ainda mais em virtude da majo-
o conceito e tornou-se chefe de bando, colocando-se à ração de vencimentos que José Pereira, como depu-
frente dos facínoras mais perigosos da região. O tado estadual, havia conseguido para os militares
convénio entre nossos Estados foi estabelecido justa- durante o governo João Suassuna (1924-1928).
mente para todos os cangaceiros, de gravata ou não Entretanto, melhor explicação para as deserções
O governantepernambucano, entretanto, re- estaria na desigualdade com que eram tratados os
cebe de Washington Luiz telegrama de elogio à me- combatentes nos dois lados. Enquanto a polícia pas-
dida tomada, ''digna, patriótica e constitucional'', e savaprivaçõesde toda a ordem, os revoltososre-
lembrando que a permissão enselaria a locomoção de cebiamcomida fartamente, além de indumentária
tropas paraibanas a fim de prender um grande nú- (chapéu, alpercatas, calça e embornal) e um paga-
mero de pessoas (''entre as quais se encontra um de- mento semanal de 10 mil réis (solteiros) e 20 mil réis
putado estadual, até hâ dias membro da alta direção (casados), sendo os chefes de grupo pagos com quan-
tias maiores.
partidária situacionista da Paraíba e publicamente
conceituado pelos maiores vultos políticos do país, Muitos se distavam na polícianum dia e deser-
A Revolta de Princesa 47
46 Inês Caminha Lotes Rodrigues

tapam no outro levandoo fuzil e os cem cartuchos


conseguidoscom grande sacrifício. Essas armas e
muniçõesiriam reforçar o arsenal dos revoltososou,
num comércio ilícito e irónico, seriam revendidas ao
governo do Estado.
Com o decorrer do tempo, as duas partes foram
desenvolvendopraticas que objetivavamefeitos de
ordem moral sobre o inimigo e que foram arroladas
sob a expressão genérica de ''guerra psicológica''
Assim, espalhou-sea notícia de que havia entre os
revoltosos, como estrategista militar, um ex-capitão
alemão, Von Schiliefen, que havia servido na l Gran-
de Guerra na ofensivaocidentalsob as ordens do
marechal Ludendorff. O imigrante Yiege Kumamoto,
que viera tentar a vida no Brasil, dedicando-seà
agricultura, e por intermédio da família Pessoa de
Queiroz terminara em Princesa como empregado do
armazém de José Pereira, foi transformado em oficial
nipónico, estrategista dos sublevados. Espalhou-se
também a notícia de que Princesa estava cercada por
um cinturão de poderosasbombas. (Na verdade, esse
cinturão se restringia a um pequeno segmentopró-
ximo a um dos açudes e sem condições de ser acio-
nado, pois a energia elétrica.gerada pela urina não
tinha capacidade para tal.) Divulgou-se, também, a
construçãode um campo de pouso em Princesa e
adequação do açude Macapâ a fim de que nele pu-
desse pousar um hidroavião.
Por parte do governo estadual, a grande arma
''psicológica'' era a notícia do bombardeamento de
Princesa por um avião detentor de uma capacidade A ''guerra psicológica" em Princesa.
48 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 49

de võo de 52 horas ininterruptas, segundoas exa- palaba, Atabaliba.) Duarte Dantas foi chamado de
geradasnotas de .A Z./nlâo. ''o vilão de Teixeira, cangaceiro pelos antecedentes,
Apesar dos reveses sofridos pela polícia, as notí- até a terceira geração'' -- aliado de Jogo Suassuna,
cias sobre a campanha divulgadas pelo jornal oficial "João Tamboeira, jungidos os dois à mesma canga
do Estado descreviam, durante todo o movimento ar- da mais repulsiva degradação moral'' -- ''alma con-
mado, um quadro de constantes êxitos militares que vulsa de trabuqueiro (Duarte Dantas), com todas as
não correspondia à verdade dos fatos.e tinha a in- qualidades de perversidade e cobardia dessa enti-
tenção de influenciar favoravelmente a opinião pú- dade anacrónica trazida à atualidade pelo desvario
blica. Como registrou uma testemunha -- o então do perrepismo (facção política opositora a João Pes-
jornalistae futuropresidenteJogo Café Filho, em soa) casado aos instintos desordenados de José Pe-
suas memórias .----a situação da polícia era ''de pâ- reira''. Os Pessoade Queiroz foram chamadosde
nico, de fadiga e de debandada. As tropas da Força ''sacripantas'', ''tenebrosa coça de aventureiros polí-
Pública da Paraíba lutavam amedrontadas e, sempre ticos, ladrões e lacaios do Catete". João Pessoa de
que podiam, escapavam à luta, largando as posições Queiroz era chamado de ''famoso incendiário e con:
de combate e se recusando a enfrentar o inimigo'' trabandista de Pernambuco (...) e éom seu irmão,
Maior poderde fogo apresentava .4 ZI/nfão. José Checo, não tem sido alheio a assassinatos e padroeiras
Pereira era chamado pelo jornal de ''truculento ca- ousadíssimas''
beça dos assassinos e ladrões, ''asqueroso traidor'', O presidente da República também não escapou
''rombuda figura de tarado'', ''audaz curiboca'', aos insultos do jornal que contra ele investiu com a
''bronco e retardado mental, capaz de tudo no seu mesma fúria: ''Piedade desse infeliz, desse desgra-
priihilivismo de trabuqueiro'', ''celerado'', ''Lam- çado Washington Luiz, que o senador paraibano
pião. de gravata'' , ''facinoroso chefe de malta". Cola- (Epitácio Pessoa) reduziu a escombros, a farrapos,
boradores seus recebiam descriçõescomo ''criatura a cacos, a pó de traque, e que depoisde roto, espa-
informa e nojenta, mole de carâter e capaz de todas tifado, o senhor Epítácio sacode no meio das ruas.
as sabujices e todas as misérias, que está prostituindo entregueà írrisão nacional,como uma carcaça de
uma das repartições federais de nossa terra (a alfân- primeiro magistrado a quem nenhum brasileiro, ne-
degas' ou comentários como ''só ainda não quiseram nhum cidadão, deve a mais pequenina sobra de es-
deixar a Paraíba essestrês patifes que constituem a tima quanto mais de respeito''
Trindade Maldita do perrepismo: Tinoco, do Telé- A violência de .4 Z./filão refletia o rancor do
grafo, Claveirãfdos Correios, e Atapalaba, da Alfân- governo paraibano despertado pela luta armada. A
dega''. (''Caveira'' era; na verdade, Taveira, e Ata- campanha de Princesa se constituíra num sério en-
50 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 51

trave aos planos da administração estadual que, em me restar um vintém nos cofres públicos e um
decorrência dos grandes gastos por ela provocados, cartucho para queimar.
se viu forçada a paralisar todas as obras públicas. Quanto à intervenção, não pedi nem pedirei,
O objetivo principal dos revoltosos e seus aliados não por orgulho ou por vaidade, mas porque
era a intervenção federal na Paraíba. Os adversários não me quero sujeitar com o meu Estado a
do governo paraibano, procuravam criar uma situa- mais uma mistificação.''
ção de c.aos generalizado no Estado que ensejasse a
medidapor parte do governofederal. As manobras A necessidade ou não, necessidade de interven-
conseguiram,em certa medida, atingir o objetivo. ção gerou mais um debate entre os dois jornais opo-
Em sua mensagem apresentada ao Congresso no dia sitores diretamente envolvidos no movimento. Por
3 de maio, Washington Luiz sugere ao Poder Legis- um lado, .4 Z./n/âoafirmava inexistir um estado de
lativo federal que formalize o pedido. A sugestão desordem que justificasse a intervenção sem ferir a
dever-se-iaàs interpretações díspares dos parágrafos Constituição Federal. Por outro, o Jor/za/ do Cbm-
do art. 6o da Constituição Federal quanto à legali- mercfo asseverava que o Estado se encontrava no mais
dade ou ilegalidade da medida se a iniciativa partisse completocaos, não dispondosuas autoridadesdos
do presidente da República. Caso o governador pa- meios necessários para fazê-lo voltar à normalidade,
raibano, considerando-se impotente para combater a caracterizando-se, assim, o estado de coisas que exi-
desordemreinante no Estado, pedisse ajuda ao go- gia e legalizava a medida.
verno federal, desapareceriaqualquer sombra de ile- A possibilidade de intervenção causou pânico na
galidade no ato do chefe da nação. Seria uma solução Paraíba, onde a reação foi imediata e se efetivou
cómoda para os adversários de João Pessoa pois, com numa série de medidas no sentido de dissuadir o
a intervenção, este seria afastado da presidência e chefeda nação do intento que se esboçava. Nesse
posto em seu lugar algum opositor. Mas João Pessoa sentido, fez-se um manifesto dirigido a Washington
estava resoluto a não pedi-la, como proclamou: Luiz assinado por 18068 pessoas que, enfatizando a
autonomia do Estado, pedia que a intenção não fosse
Querem a intervenção a todo custo: chegam a concretizada. No mesmo sentido, rezou-seuma mis-
insinuar o absurdo de eu mesmo a pedir para o sa campal e o arcebispo mais o bispo de Cajazeiras
meu Estado. Mas podemficar certos de que enviaram apelo ao Presidente da República reite-
esse passo não darei absolutamente. E a autono- rando o pedido, ''pela Paixão e Morte de Nosso
mia do meu Estado hei de defender, queira ou Divino Salvador'', solicitando ainda que o Presidente
não queira o Dr. Washington Luiz, enquanto da República se dignassea "tranqüilizar família e
52 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa

povo paraibanos profundamente alarmados expecta- resolveir para o teatro de operações onde constata,
tiva intervenção federal ainda com mais intensidade, os modestos resultados
Paralelamente, Arthur dos 'Anjos (um dos ''de- conseguidospela polícia. As três colunas deveriam
putados de José Pereira'' ou ''de Princesa'' -- eleitos partir de pontos diversos e marchar em direção a
mediante a degola dos candidatos mais votados mas Princesa, plano malogrado em decorrência dos fatos
não reconhecidos) do Rio de Janeiro mantinha con- já expostosaliados à falta de comunicação e de en-
tato com oi perrepistas de todos os municípios parai- tendimento reinante entre os seus chefes. Cuidou,
banos a fim de conseguir um manifesto semelhante então, o secretario de segurança de retomar a ofen-
ao acima citado a ser enviado ao mesmo destinatário siva ''fosse como fosse'' pois ''precisava-se de uma
solicitando a intervenção sob o argumento de se vitória a qualquer preço, para restaurar o espírito
combativo
achar o Estado em profunda desordem.
Sob esta discussão, a luta continuava, atingindo Os malogros, ou, no máximo, os pequenos su-
seu terceiro mês, com quase nenhum sucesso para a cessos da polícia podem ser percebidos acompa-
polícia, como registrou José Américo de Almeida, nhando'se as vicissitudes sofridas por suas tropas. . A
secretario de Segurança do Estado à época: coluna /este conseguiu sair de Tavares e chegar ao
lugar chamado Sítio, a 16 km de Princesa, onde
''A campanha entrara no seu terceiro mês e, até desalojou os revoltosos. Estes, entretanto, reconquis-
essa parte, as forças do governosó tinham tido, taratn a posição e forçaram a polícia a retroceder
verdadeiramente,uma vitória: a captura de Ta- para Tavares. A colunaoesteno desastrosocombate
vares, pela coluna do tenente Jogo Costa.'' de Patos foi -- como já vimos -- dpsbaratada, sendo
posteriormente recomposta após a presença do secre-
A afirmação foi ratificada pelo delegado geral, tario de Segurançano local das lutas; com a sua
Severino Procópio: restauração marchou sobre Mahgueza e Boa Ven-
tura, no município de Piqncó, até atingir Alagoa
''Jâ pelos meses de maio e junho (...) eu repu' Nova, reconquistando-a. Quando à coluna norte, os
tava quase impraticável, ou muito difícil, a to- seus elementos teriam sido redistribuídos entre as
mada da cidade de Princesa devido à pobreza duas outras.
de material bélico que nos atormentava.'' O maior insucesso das forças do governo parai-
bano se deü com a quixotesca co/una da vffórfa, co-
Numa tentativa de soergueros ânimos das tro- mandada pelo tenente Genésio que, apesar de cora-
pas do Estado, José Américo de Almeida, em maio, joso, não dispunha de experiência hem talento para a
54 Inês Caminha Lopes Rodrigue$ A Revolta de Princesa 55

iniciativa. Foi constituída no início de junho, apres- maior preocupação depois do insucesso foi evitar que
sadamente e com os mais precários elementos hu- os poucos sobreviventes tivessem contato com a tro-
manos (refugos de tropas, militares reformados, pa. Seria o pior derrotismo''
guardas-civis sem adestramento). Dos 200 homens Com o prolongamento da luta, entretanto, José
que se pensou reunir, foram arrebanhados 180. Colo- Pereira, apesar do apoio recebido, começou a sentir
cados em nove caminhões, seguiram em direção a dificuldadespois a ajuda ia escasseando.Nem sem-
Princesa, levandoà frenteum feiticeirocom um pa- pre as necessidades eram atendidas na medida satis-
tuâ de ''rezas fortes'' penduradono pescoço.Se- fatória. As dificuldades não se prendiam propria-
guiam com estardalhaço, a toque de corneta, e a mente a armas, munição ou alimento. Os maiores
cada parada o feiticeiro(''catimbozeiro'') fazia uma problemas se relacionavam ao dinheiro para o paga-
pregação afirmando que todos estavam protegidos e mento dos dois mil homens sob o seu comando. Nem
que iriam ''pegar Zé Pereira à unha''. sempreas quantias solicitadas pelo coronel aos seus
Os caminhões seguiam muito juntos, sém guar- aliados eram enviadas, coMO lembrou Yiege Kuma-
dar o espaçonecessáriopara eventuaismanobras de moto:
recuo. Na manhã de 5 de julho, a aproximadamente
l km do povoado de Agua Branca (onde a ''coluna'' ''O dinheiro faltou. Zé Pereira sacrificado. Esse
pernaitãra), deu-se a emboscada fulminante. Um pontoera um quebra-cabeça
para elç. Ele me
grupo chefiado por Gavião e outro por Antõnio Pau- mandava para comerciantes de Flores, Carnaí-
lino, num total de 80 elementos,alojadosem eleva- ba, Triunfo, atrás de dinheiro. Ele fazia a carta
ções que margeavam a estrada, envolveram o com- e eu apresentava;muitas vezes não conseguia
boio, um grupo à frente e outro atrás. nada. Na primeira vez o comerciante empres-
Nessa aventura, a polícia perdeu 35 000 cartu- tava; na segunda vez, negava.''
chos (levados pelos revoltosos para Princesa) que se
destinavam a um ataque final planejado, além de Os Pessoade Queiroz, por seu turno, viam tam-
mais de 100 homens, dentre os quais o tenente Ge- bém minguar suas reservas.
nésio e o catimbozeiro, este com um tiro no meio da A luta se prolongava e o Congresso não decidia
testa. pedir a intervençãofederal no Estado, legitimandoo
Alguns elementosdesbaratadoschegaram a Ta- ato do presidente.da República. Washington Luiz,
vares onde se juntaram ao contingente ali sediado. A então, no início de junho, começa a deslocar tropas
sua presença constituía um problema a mais; se- do Exército para a Paraíba. Seguiram para o Estado
gundo o comandante geral das operações: ''Minha contingentes do 19' BC (Batalhão de Caçadores) de
56 Inês Caminha Lopes Rodrigues 57
A Revolta de Princesa

Salvador, do 20o Bc de Maceió, do 21o BC de Recife, cuja letra era de autoria do poeta pernambucano
do 23o BC de Fortaleza, do 24o BC de São Luas, Austro Costa e a música do maestro Nelson Ferreira.
além de um segundovaso de guerra destinadoao O ''Decreto'', redigido por Joaquim Inojosa, es-
porto fluvial da capital paraibana. tabelecia que a ''administração provisória de Prin-
O movimento
chegaraa um impasse:nemas cesa instituída por aclamação popular'' baixava a
forças do governo estadual conseguiam chegar a seguinte resolução:
Princesa nem a intervenção federal era decretada ou
pedida. Ambas as. partes iam sentindo o peso do 'Artigo lo -- Fica decretada e proclamada pro-
esmorecimento. Não se registrava nenhum sucesso de visoriamente a independência do município de
vulto de quaisquer das partes. SÓ nos exageros da Princesa, deixando o mesmo de fazer parte do
imprensa havia intensos combates, derrotas e vitórias Estado da Paraíba, do qual está separado desde
sensacionais. 28 de fevereiro do corrente ano;
Objetivando põr termo ao problema, os Pessoa 'Artigo 2o -- Passa o município de Princesa a
de Queiroz e seus assessores sugerem a Washington constituir com seus limites anuaisum território
Luiz uma marcha de José Pereira à frente de 1 000 livre, que terá a denominaçãode Território de
homens sobre a capital do Estado, onde chegariam Princesa;
com o contingente ampliado ao dobro pelas infalíveis ''Artigo 3o -- O Território de Princesa assim
adesões que encontrariam no percurso. O presidente constituído permanece subordinado. politica-
da República rebate a sugestão argumentando ser mente aos poderes públicos federais conforme se
João Pessoa governante investido legalmente no pos- acham estabelecidosna Constituição da Repú-
to. E se o sugerido ocorresse, o governo federal o blica dos Estados Unidos do Brasil;
reporia no cargo, acrescentou. ''Artigo 4o -- Enquanto pelos meios populares
Frustrado esse plano, arquitetam um outro. não se fizer a sua organização legal, será o terri-
Para apressara intervençãoe/ou dar condiçõesao tório regido pela administração provisória do
governo federal para executa-la coberto pela lei, F mesmo território.
idearam proclamar Princesa ''Tenitório Livre'' atra-
vés da promulgação de um ''Decreto'' baixado por Com data de 9 de junho de 1930, estavasubs-
José Pereira e có-assinado por lugares-tenentes seus, crito por José Pereira Lama e pelos ''Ministros'' José
intitulados ''Ministros'' nesse ato. Editar-se-ia um Frazão Medeiros Lama e Manoel Rodrigues Sinhâ.
jornal, órgão oficial do ''Território Livre'' (que não O texto do ''Decreto'' foi lido na Câmara Fe-
passou de dois números) e compor-se-ia um hino, deral a 13 de junho, causou grande polêmica e levou
58 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 59

o ''caso da Paraíba'' pela primeira vez à discussão


formal nessa Casa.
O governo da Paraíba, a essa altura, resolve
lançar mão de sua arma ''psicológica'' de maior efi-
ciência: o bombardeamento da sede do município
revoltoso, se utilizando de um avião de propriedade
do Estado. Esse era o terceiro dos três pequenos
aviões conseguidos com grandes sacrifícios pelo go-
vêrno do Estado. O primeiro, o.1;7íf,fora uma doação
do governode Minas Gerais, em função da luta, e
não chegou a voar na Paraíba em decorrência de ÊR
avaria; o segundo, o Carolo, também se estragou, 8
ficando imprestávêl. O terceiro chegou a sobrevoar 0
B
Princesa deixando em polvorosa a população pois, e
B
além de ser a primeira vez que um tal engenho pas-
B
>.

sava sobre a cidade, o sobrevoofora precedido da S


aterrorizante notícia do bombardeamento. Apesar q
do medo geral, todos os que se encontravam na ci- E
dade atiraram inocuamentecontra o avião, que sol-
tava um boletim concitando os revoltosos a se rende- ê
rem. O boletim, redigidopor José Américo de Al- \q)

meida e cujos exemplaresforam lançados a 18 de ê


junho, afirmava:

''O governo da Paraíba intima-vos a entregar as


armas e as vossas vidas serão garantidas, dando
o governo liberdade aos que não responderem
por outros crimes. Confiai na palavra do go-
verno. Deveis apresentar-vos aos nossos oficiais.
''Dentro de quatro horas Princesa será bombar-
deada pelos aeroplanos da polícia e tudo será
lvl
60 lhas Camín#a topes Rodei'gues T A Revolta de Princesa 61

arrasado. Evitai o vossosacrifícioinútil. Ainda certos grupos, como o chefiado por João Paulino,
é tempo de salvar-vos. Não vos enganeis. Os vos- ex-integranteda polícia paraibana, cometeramsa-
sos chefes estão inteiramente perdidos.'' ques.
As primeiras incursões ocorreram no início de
A ameaça tinha como objetivo apenas causar junho. Após o lançamentodos boletinspelo avião
efeitomoral pois o petardo a ser lançado sobre a ci- elas se intensificaram e atingiram os municípios de
dade já havia sido desmontado. Provocou, entre- Piancó, Pombal, Patos, Brejo do Cruz, São José de
tanto, fol:te reação no coronel sublevado que tele- Piranhas, Cajazeiras, Catolé do Rocha, Souza, Mon-
grafou a üma sériejde autoridades protestando con- teiro. Na impossibilidadede combater os grupos,em
tra a medida, dentre elas o governadorparaibano a todos os municípios por onde passavam, o secretario
quem ameaçou invadir o Estado, ''implantando o de Segurança apelou a homens influentes desses lu-
regime de terror' gares no sentido de que reagissem à passagem dos
A represália prometida por José Pereira era mais mesmos, reação que algumas vezes se efetivou. Em
uma manobra dos Pessoa de Queiroz visando a evi- outras oportunidades, formavam-se tropas volantes
denciar o estado de desordem na Paraíba e, assim, da polícia çm perseguição aos grupos que, quando se
apressar a intervenção federal. No início, o coronel fazia necessário, atravessavam as fronteiras paraiba-
fora contrário à ideia. Achava que espalhar homens nas e se homiziavamno Rio Grande do Norte e
armados pelas cidades, vilas e povoados era uma Cearâ.
atitude arriscada porque ninguém poderia garantir l.Jm fato paralelo, entretanto, viria a mudar o
que esses homens não se excedesseme ao invés de rumo dos acontecimentos.
passarem pelos aglomerados atirando para cima, O presidente paraibano se indispusera com a
como lhes fora recomendado, cometessem assassi- família Dantas desde os seus fitos administrativos
natos e razias. Os Pessoa de Queiroz convenceram- contrários ao mandonismo local. A indisposição se
no, entretanto,da imprescindibilidade
da iniciativa intensificada com o incidente que marcou o início do
em face.das dificuldadesque lhes rondavam. José levantede Princesa. Além das arbitrariedades contra
Pereira acedeu ao plano e espalhou grupos em incur- membros da família Dantas, uma série de fatos vão-
sõespelo Estado. Ã saída dessesgrupos, como teste- se acumulando e fermentando um intenso rancor no
munharam pessoas presentes a tais eventos, fazia advogadoJoão Duarte Dantas contra Jogo Pessoa.
advertências no sentido de que mulheres, velhos, Joaquim Dantas, irmão aditivo do primeiro, logo no
crianças e autoridades federais não fossem molesta- início da campanha de Princesa foi preso, incomu-
das. Apesar das admoestaçõese ameaças, porém, nicável,por mais de dois meses.A fazenda Santo
62 Inês Caminha Lotes Rodrigues A Revolta de Princesa 63

Agostinho, pertencente a Franklin Dantas, pai do todo dia encontrava nas nossas ruas, sem ter a
advogado,foi incendiadae a autoria do delito atri- coragem de um só gesto de descontentamento,
buída à polícia paraibana. Sobre estes dois fatos, jura-lhe, num desabafo de bandido, os filhos
João Dantas emite um telegrama de veemente pro- menores, o mais velho dos quais tem 17 anos!
testo a Jogo Pessoa afirmando que este tivesse a cer- ''Covardia igual vamos encontrar mesmo nesta
teza de que ''nenhum Dantas se amedrontará diante campanha (Princesa) em dois dignos membros
vosso capricho''. Concluía, ameaçando: ''felizmente dessa família de celerados."
tendes filhos e juntamente com eles respondereis pelo
que sofrer minha família'' A exemploda Guerra Zríburárfa, inicia-seentão
Em resposta ao telegrama, .4 [/filão publica, em um aguerrido debate entre os Dantas, através de o
sua edição de 3 de junho de 1930, violento editorial Jorna/ do Commeró/o do Recife, e .4 [/nlâo. O jorna]
de ataque não só a Jogo Dantas mas a toda sua oficial do Estado da Paraíba publica os artigos ''A
família: perversidadee a cobardia dos Dantas'', ''A fisiono-
mia moral de um caluniador'', ''Cangaceiro de gra-
''O presidente João Pessoa mal conhece esse mo- vata 1 -- Duarte Dantes'', ''Caluniador e poltrão''
lambo que acode pelo nome de Jogo [)antas. ''Cangaceiro de gravata ll -- Franklin Dantas'', ''A
(...) Até que agora, depois de deflagrados os projeção de um nome'' e ''A serviço da delação --
acontecimentos
de Princesa,o miserávelse João Duarte Dantas''. Os Dantas respondem.comos
transformou em espião a serviço dos cangacei- artigos ''As voltas com um doido 1 -- Jogo Pessoa
ros, acertandofinalmentecom um serviçobem à Cavalcanti de Albuquerque'', ''As 'voltas com um
altura de sua falta de escrúpulo e de sua falta doido ll'', ''As voltas com um doido lll'' e ''O doido
de caráter. ( . . .) da Paraíba
Agora, Jogo Duarte (Dantas), com uma bra- A dimensão a que chegaram os insultos recípro-
vura telegráficaigual à do seu primo Duarte cos nesta campanha extremada de difamação pode
Dantas, manda da vizinha capital do sul (Re- ser ilustrada pelo texto de qualquer um desses artigos
cife) esse despacho ameaçador ao chefe do go- tigos. Em ''As voltascom um doido I'', por exemplo,
verno. Despacho onde se estampa toda a in- Jogo Dantas.chama João Pessoa de palhaço, espírito
fluência ancestral de perversidade e cobardia fútil, biltre, patife, bandido, vilão. Evidenciando
dos Dantas. suas (de João Dantas) vinculações com a revolta
:Jogo Dantas, impossibilitadode se vingar do de Princesa, afirma quanto ao governadorparai-
presidente João Pessoa, desse presidente que bano:
64 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 65

''Nos sustos e tremeliques que te atormentam t


desbragada advocacia administrativa; ladrão és
nas pungentes crises do teu medo, do teu terror tu, magistrado cavador e negocista, que mal
de Princesa -- dessa Princesa da tua insõ.nia, despias a toga de ministro do Supremo Tribunal
que será o eterno pesadelodas tuas noites, dessa Militar, sobraçavas a pasta dos gordos negócios
Princesa, reduto invicto da bravura sertaneja, da Paraíba; ladrão és tu, juiz-corretor, de contas
da qual não ousam aproximar-se as tuas tropas confusas e parcelas inexplicáveis de
e onde, entretanto,todo mundo passeia livre- 368:000$000;ladrão és tu, administradorsem
mente -- nessas maleitas de pânico que te afli- escrúpulos, que abarrotas as algibeiras frater-
gem, repito, tu supões que toda a gente tem os nas, com o monopólio dos contratos pingues e
nervos relaxados como os teus e queres que teus engenhosas
concorrências;tu, sim, João Gui-
inimigos sejam covardes.'' tarra, é que és um ladrão.''

E ironiza, contra as tropas do Estado: E conclui


''Onde os bravos contra os quais jâ mobilizaste ''Toma, entretanto, um conselho salutar. Raspa
toda a Força Pública, criaste um novo batalhão, logo do Tesouro esse resto de cobres que lâ exis-
aliciaste centenas de civis a 10S000 diários por te, se é que já o não fizeste, queima sem de-
cabeça, utilizaste cangaceiros vindos de toda a mora 'o último cartucho', ainda que o dispares
parte, recorrenteao corpo de bombeiro e até à para o ar, e vai seguindo para o Rio.
guarda-civil? ''Porque, se aí permaneceres, com semelhantes
''Que gente sem valia é essa que, para atacar, crises de nervos, iras, na certa, em qualquer
precisas prender senhoras, como reféns, prepa- destasluas fortesde junho, dar com o costado
rares carros blindados que não vingam rampas no Juliano Moreira (manicómio judiciário) .
e adquirires aviões que não voam e logo no pri- ''Então, adeus vidoca feliz de ministro, adeus
meiro ensaio dão cabo do piloto?'' corretagem e negócios gordos.
''E que ditador, que grande ditador perderia o
Rebatendo a acusação de ladrão assacada con Brasil! . . . ' '
tra o seu pai, contra-ataca:
O clímax dessas agressõesocorreu quando a
''Ladrão és tu, ostra de ministério, arestim de polícia paraibana, na ausência de João Dantas (que
repartições federais no exercício infrene da tua após rebentar a revolta de Princesa passara a residir
'q'r
66 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 67

em Recite), invadiu o seu apartamento,na Capital Dantas (a quem João Pessoa não conhecia pessoal-
da Paraíba, e apreendeu uma série de documentos, mente)se armou e saiu à sua procura. Encontrou.a
dentre os quais cartas íntimas, de cunho amoroso. na ConfeitariaGlória, conversandonuma roda de
Em sua edição de 22 de julho de 1930, na primeira amigos. Sacou o revólver e disse:
pagina, .4 C/n/ãoanuncia com grande destaque a Sou o l)r. Jogo Duarte Dantas, a quem tanto
divulgação do material apreendido: injuriastes e ofendestes.
E deu-lhe três tiros.
''Os documentos encontrados .4 Z./dão come- A notícia foi dada a José Pereira com alegria por
çara amanhãa publicar, porquantoos mesmos um dos revoltosos:
contêm curiosas revelações sobre os miseráveis -- João Pessoa morreu! Ganhamos a luta. co-
modos de agir dos inimigos da Paraíba, dos ronell
quais o tarado João Dantas era uma espécie de E eleretrucou:
espião e cônsul geral nesta cidade. (. . .) -- Perdemos!...
''Com a divulgação desse manancial de cartas,
E completando o vaticínio, afirmou:
telegramas, instruções reservadas e confiden-
ciais da mais repugnante politicagem, esta folha -- Perdi Q gosto da luta. Os ânimos agora vão
seacirrar e principalmentecontra mim. João Dantas
realizarauma das mais sugestivase impressio- não devia ter feito isso; eu não comungo com o assas-
nantes reportagens. sinato.
''O perfil de alguns dos mais miseráveistraido- Mandou, então, proibir os ''sambas'' (bailes)
res de nossa terra recorta com relevoatravés de
que se realizavam costumeiramente durante todo o
seus próprios documentos e correspondências. desenrolar da luta nos arredores da cidade e celebrar
Criado num ambiente onde a vingança era con- missa em intenção do morto. Ordenou, ainda, a
siderada uma espécie de dever sagrado e o conceito suspensão das hostilidades, os tiroteios com a polí-
cia
de honra não permitia transigências, Jogo Dantas A previsãode José Pereira se confirmou.A
estaria sem alternativa para uma reação. Deve-se
morte do governador chocou o Estado. A população
frisar, também, que ele era filho de ''coronel'' e como entrou em delírio. Na capital, depredaçõese incên-
tal não aceitava desfeitas, a elas respondendo à al- dios às casas de perrepistas. Muitas famílias se refu-
tura giaram nas repartições federais, nas unidades do
Assim, a 26 de julho de 1930, lendo nos jornais Exército e .da Marinha. ''Um verdadeiro quadro de
que o governadorda Paraíba estava em Recite, João loucura coletiva'', segundo expressão de José Amé-
68 Inês Caminha Lopes Rodrigues X' A RevoltadePrincesa 69

rico de Almeida. voz, com o calor; o entono, a rebeldia do tem


A morte de Jogo Pessoa iria ensejar uma grande peramento indomável, gritou para quem qui
ironia histórica. Ele era um legalistaintransigente, sesseouvir, um tanto rouco:
tendo demonstrado isso de forma incisiva. Rejeitava ''-- Prefiro mil vezesJúlio Prestes a uma revo
energicamente
a idéia de um movimentopara to- lução! ' '
mada do poder pela força, como viria a ocorrer em A atitude de João Pessoa arrefeceu o ânimo de
outubro de 1930, após a sua morte. Batista Luzardo que, com desolação, confessou a
João Pessoa havia regressado do Rio de Janeiro José Américo de Almeida:
-- aonde fora participar, ao lado de Getúlio Vargas, -- Agora o que nos resta é dar meia-volta e
da solenidadede leitura da plataformada Aliança irmos para nossas casas. Se é o nosso próprio candi-
Liberal ==:nacompanhado de grupos partidários qué dato à Vice-Presidência o primeiro a nos condenar,
deveriampercorrer o norte do país, em campanha que esperamos mais?
política. Na verdade, a peregrinação era uma ativi- José Américo de Almêida, entretanto, procura
dade de fundo conspiratório visando a aliciar adesões convencero governador paraibano a um novo con-
insurrecionais, fato por ele ignorado. A ''caravana
tato com Batista Luzardo. João Pessoa termina por
liberal'' que estevena Paraíba era chefiada pelo gaú-
cho Batista Luzardo e, partindo dali, deveria alcan- concordar, insinuando, porém, a ressalva de que
não pensassem que ia com conspiratas''
çar os Estados vizinhos, pelo interior. Ao ser infor- O segundo encontro foi realizado num hotel de
mado, na praia de Tambaú, pelos integrantesda
mesma, dos seus verdadeiros fins, o governador pro- Recite. A despeito dos cuidados em contrário, cena
similar à anterior ocorreu, causando idêntica sensa-
testa violentamente. José Américo de Almeida, im-
ção de desânimo ao líder gaúcho, registrada pelo
portante conspirador, registrou o fato em 0 4no do mesmo memorista:
Nego l
'No quarto, um defrontedo outro, dava Lu-
''Quando fui me aproximando, percebi que se zardo a impressão da fogueira em que se con-
passava alguma coisa de estranho. Formara-se vertera a região percorrida. Vinha entusiasmado
uma roda, ao ar livre, debaixo do coqueiral, por ter encontrado em toda a parte o povo des-
e ele, colocado no centro, falava com uma ento- contente.
nação que me assustou. ( . . .) ''Nesse momento vi, com espanto, reproduzir-se
''Seus olhos enchiam-se de brilho e a sua voz o episódio de Tambaú. Conversavam, de pé,
dominadora alterava-se. (...) E, avolumando a face a face, um olhar dentro do outro. E reco.
70 Imãs Caminha Inpes Rodrigues
A Revolta de Princesa 71
brando sua alma de magistrado, João Pessoa,
numa voz abafada para não ressoar lá fora, dava morte de João Pessoa, a força de seu cadáver, é que
a mais formal das sentençascontra a sua pró- derrubou o governo de Washington Luiz'' ' v 'i
pria salvação (a revolução). Usava da mesma Os adversários do governo federal .usaram ime-
linguagem candente e borbulhante contra aquilo diatamente o homicídio para fins políticos Multi-
que qualificavade um crime. Era contra e não
sabia enganar.
''Depois que ele se despediu, fiquei um instante
com o velho lutador dos pampas. Estava, nova- tamentonão na Paraíba mas no Rio de Janeiro; no
mente, derreado, atirado na cama, ainda mais percurso, far-se-iam outros agitados pronunciamen.
confuso e surpreso, como se tivesseacabado de . O corpo seguiu para a capital federal a bordo do
sofrer a mais atroz das derrotas. A voz pode- navio ''Rodrigues Alves'' no dia 31 de julho. Em cada
rosa emudeceu. ''
porto eram realizadas imponentes cerimónias Mne.
bres. A 7 de agostoo corpo chega ao Rio de Janeim
Na verdade, o ânimo revolucionário fora dimi- onde uma enorme multidão o esperava e o conduz à
nuindo progressivamente, quase desaparecendo. catedral, ficando ali exposto. No desembarque, ce-
l)entre os fatos que concorreram para esse arrefeci- nas tocantes, patéticas. Novos discursos plenos de
mento se destacava o reconhecimento da vitória de
anoubo onde se conclamava todos, velada ou expli-
Júlio Prestes por Borges de Medeiros, o principal citamente, a represálias. '" ' ' "'
líder aliancista.
O enterro se realizou no dia seguinte, o que,
A morte do governador paraibano viria reavivar para alguns analistas, teria fins eminentementeex-
de forma superlativa o antigo fervor. Nas palavras de ploratórios. No translado da catedral para o cemi-
Lourival Coutinho em livro sobre o General Góes tério, o mesmo clima de exacerbada emoção, agora
Monteiro, ''a revolução não teria passado do embrião culminado por cenas de pugilato, agressões aos guar-
se não fora o acontecimento imprevisível (. . .), isto é, das-civis que procuravam abrir caminho entre a mul-
o assassínio de Jogo Pessoa (.. .). Este foi o rastilho do tidão que tomava a entrada principal da necrópole.
incêndio, foi a voltagem que regalvanizou o estado de Ao se proceder ao sepultamento, mais discursos.
espírito revolucionário então em adinamia, e quanto O ato extremo de João Duarte Dantas seria.
ao ímpeto que, em poucos dias, o que parecia irre- pois, o início do fim da República Velha, por vias
movível esbarrondava por terra como um castelo de consideradas revolucionárias. Segundo Jogo Neves
cartas (...). Não é exagero dizer-se, portanto, que a
da Fontoura, um dos principais líderes aliancistas, a
preocupação mais viva que permaneceu ''entre nós
72 Inês Caminha Lopes Rodrigues A Revolta de Princesa 73

foi desagravar a Nação pelas armas. (...) O caudal lidade no município e as famílias regressam às suas
(...) era tão volumoso, de Norte a Sul, que uma coisa casas. Paralelamente, a nível da administração es-
seria fácil prever: os dias do governo e do regime tadual, providencia-se o retorno à normalidade com
estavam contados. o provimento dos cargos vacantes desde o rompi-
Dali até o fim durou pouco mais de dois meses.'' mento político-partidário, a 24 de fevereiro. Dentre
Com a morte de Jogo Pessoa, o governo federal esses cargos, estavam os referentes à manutenção da
resolvepâr termo à revolta de Princesa. O General ordem pública, exercidos por, entre outros servido-
Lavanére Wanderley, comandante da 7a Região Mi- res, elementosda polícia militar.
litar, sediada em Recite, recebe a incumbência de A volta da polícia ocorreu através de um contin-
estabelecer a tranqüilidade no território paraibano. gente muito numeroso. O secretário de segurança
Telegrafa a José Pereira informando-lheque para persuadiu o presidente do Estado quanto à neces:lí-
esse objetivoseria necessárioque as forças do Exér- dade da ocupação de Princesa por tropas da força
cito ocupassema cidade. Solicita, então, que Ihe pública paraibana. Como declarou o próprio José
facilite a missão, asseverandoao coronel que Prin- Pereira em entrevista prestada à revista O C»zzze/ro
cesa ficaria sob a proteção das forças federais até que em sua edição de 8 de outubro de 1949:
seus habitantes se sentissem garantidos ''em :suas
pessoas e bens' 'Tudo parecia decorrer calmamente, quando
José Pereira concorda acrescentandoter espe- em 29 de setembro fui surpreendido com a ocu-
ranças de que a presença do Exército detivesse os pação de Princesa por uma tropa da Polícia
excessosda polícia estadual que, num processode Estadual composta de trezentos e cinqüenta ho-
recrudescimento da violência, vinha incendiando, mens. ''
''de dez dias para câ'', propriedades de correligio-
nários seus. A chegadada tropa, chefiada pelo capitão
O General LavanéreWànderleyinforma, então, Emerson Benjamín, foi marcada pelo assassínio de
a Ãlvaro de Carvalho, novo governador da Paraíba, um dos homens do coronel, o agricultor Jogo Flor.
que cessara a revolta, havendo os rebelados Ihe en- pelo sargento Vicente Chaves, o que irritou profun-
tregue as armas e munição. damente José Pereira. O comandante do contingente
A ll deagosto
de 1930,um contingente
do federal, para Ihe dar maior garantia, manda guarne-
Exército, composto por 600 homens comandados cer a rua onde ficava a sua residência. José Peneira.
pelo capitão João Faca, chega a Princesa. por sua vez, ordena que alguns de seus homens se
Com esse evento, surge um estado de tranqui- armem e os aloja em sua casa, preparando-se para
A Revoltade Princesa 75
74 Inês Caminha Lopes Rodrigues

resistência ali porque quinze Estados já se en-


reagir contra qualquer ato de violência da polícia. contravam em poder dos revolucionários e a po-
No dia 4 de outubro, José Pereira é avisado por lícia pernambucana tinha também aderido à
oficiais do Exército qüe a revolução rebentara e é revolução . ' '
aconselhadopor estes a deixar a cidade. Informam-
Ihe, ainda, que, em função do movimento, as tropas Diante de tal quadro, desiste dos planos de re-
federais tinham que se retirar do município. O coro- sistência e tem início ''o mais penoso capítulo de toda
nel acatou o conselho, como lembrou na reportagem a minha vida: a fuga, marcada de episódios curiosos.
acima referida: dramáticos e até espirituosos''. Começa, então, uma
peregrinação de quatro anos pelos Estados da Pa-
''Desarmado, e com a ameaça de ficar sem a raíba, Pernambuco, Alagaas, Sergipe, Bahia, Ceará e
Piauí.
proteção do Exército, deixei Princesa e trans-
fere-mepara Triunfo (Pernambuco) no dia 5 (de Em 1934, beneficiado pela anistia, José Pereira
outubro de 1930) à noite. Dormi e na manhã põe termo à fuga, indo morar no município de Serra
seguintefui informadode que uma tropa vo- Talhada (contíguo ao de Princesa), no sertão per-
lante da polícia paraibana me perseguia, ten- nambucano,
irmão.
na fazenda Abóboras, de seu sogro e
tando capturar-me e que jâ estava nas imedia-
ções de Triunfo. Vi que as coisas ?e tornavam Ainda subsistiam fortes resquícios de ódios. As
pretas para o meu lado. Segui para Flores, outra autoridadesparaibanas procuraram enquadra-lo le-
cidade pernambucana, contando com o desta- galmente como mandante da morte de um homem
camento policial que permanecia fiel à legalida- chamado Jogo de Deus. Foi impetrado #a6eas corpzzs
de. AÍ obtive armas que estavam guardadas nos em seu favorjunto ao Tribunal de Justiça do Estado
limites de Princesa. Em Flores, soube do assassí- O pedido foi denegado nesta instância mas conce-
nio do General Lavanére Wanderley e do domí- dido pelo Supremo Tribunal Federal, através de re
nio da revoluçãona Paraíba e em Pernambuco. curso. Fundamentava o pedido, nas duas ocasiões. o
Consegui reunir uns duzentos homens, garanti- argumento de o fato não se constituir crime comum,
me contra uma investida sobre a cidade e contra inserindo-se no complexo do movimento sedicioso.
minha pessoa quando fui surpreendido com a Esses remédios processuais revelar-se-iam desneces-
chegada de toda a força federal que estava em sários pelo fato de o suposto morto ter aparecido vivo
Princesa. Os mesmosoficiais que eu jâ conhecia dois anos depois.
pediram que eu me retirasse de Flores e tenta- Em 1936visita Princesa, ora chefiada por adver-
ram me convencer de que era inglória a minha
76 Inês Caminha Lopes Rodrigues

sérios surgidos em função do novo sfafzis qtzo. E


recebido efusivamentemas continua morando em
Abóboras, Pernambuco. Em 1937,entretanto, com o
golpe de Getúlio Vargas, a fazenda é cercada pela
polícia i)ernambucana,por ordem de Agamenon
Magalhães, interventordo Estado; volta então a
Princesa e recebe garantias do interventor paraibano,
Argemiro de Figueiredo. Permanece na cidade até
1940, término do mandato dos interventores, vol-
tando a residir em Pernambuco.
CONCLUSÃO
Afastado da política, a ela retorna em 1946 para
prestar apoio a Alcides Carneiro, candidato a gover-
nador da Paraíba.
A 13 de novembro de 1949, com 63 anos de A revolta de Princesa se constituiu numa reação
a forças contrárias ao mandonismo local.
idade, vem a falecer. De uma crise de apendicite João Pessoachega à presidência da Paraíba des-
aguda.
provido de vivência político-partidária, vindo da ca-
pital do país, onde exercia o cargo de ministro do
entãoSupremoTribunal Militar. Era, pois, egresso
de uma realidade muito diferente daquela que iria
governar.
Imbuído de um espírito inovador, delineia um
programa de reformas para moralização dos costu-
mes. Objetivandoa realizaçãode suas metas, tenta
impor uma administração regida por padrões que
não levavam em conta as velhas praticas consoli-
dadas pela tradição e apoiadas no prestígio dos ''co-
ronéis". A implantação dessas metas ditadas pelo
idealismo do governador paraibano iria, necessaria-
mente, contrariar os interessese a influência dos
grupos tradicionais. Esses grupos têm no movimento
Inês Caminha Lares Rodrigues A Revolta de Princesa

armado de Princesa sua reação mais veemente. ''independência''de Princesa, o jornal e o hino do
Entretanto, a revolta só tomaria as proporções ''Território Livre'', além de financiarem a luta em
às quais chegou com o concurso de outros fatores parcela considerável, servindo, ainda, de agentes
conjunturais. arrecadadores de recursos advindos do sul do país
Apesar de grande ''coronel'', José Pereira não para a sustentação do movimento.
teria condiçõespara enfrentar as tropas do governo No terreno puramente bélico, a campanha de
estadual sem a ajuda de elementos exógenos. Assim, Princesa se constituiu num confronto onde não se
o fato de o presidente da Paraíba haver rompido com registrou vencedor nem vencido. José Pereira não
o Catete e ser indicado como candidato à Vice-Presi- derrotou as forças estaduais e estas não conseguiram
dência do país tornou José Peneira um aliado do nem mesmo chegar à cidade rebelada.
governofederal, o que Ihe valeu uma série de facili- O seu término, por outro lado, resultou de um
dades promovidas por este e pelos governos dos Es- evento que poderíamos considerar fortuito em certa
tados vizinhos, fiéis a Washington Luiz. Como coro- medida.
lário, João Pessoase viu dificultadopelo Catete e
pelas administrações das unidades federadas contí-
guas à Paraíba em seu esforço para levar a luta à
frente. O coronelcontou também com a ajuda direta
do governo de São Paulo, que Ihe enviou arenas,
munição e dinheiro; Júlio Prestes, governador deste
Estado e candidato à Presidência da República, es-
tava pessoalmenteinteressado na capitulação de João
Pessoa.
Por outro lado, intrigas na família Pessoa cria-
riam predisposiçõesque se transformariamem ele-
mentos favoráveis a José Pereira. A política finan-
ceira implantada pelo presidente paraibano contra-
riou frontalmenteos interessesmercantis de seus
primos e rivais, os Pessoa de Queiroz, acirrando
ainda mais o rancor destes contra o primeiro. Os
Pessoasde Queiroz foram os mentoresda revolta:
instigaramo coronela iniciar a luta, focaram a
A Revolta de Princesa 81

ção da Secretaria de Educação e Cultura da Paraíba,


João Pessoa, 1978). Trata-se de uma excelentefonte
para compreensãodo movimento,embora se cons-
titua num relato sob a perspectiva do governo es-
tadual. Da perspectiva do governo estadual, também
se destacaramos trabalhos de Ademar Vidas, Z)o
Grande Presídenfe, Parahyba, Imprensa Oficial, s.d.
(coletânea .de Documentos), e .2930. .Hhfóría da Ne-
va/uçâona Para/zyba, São Paulo, Cia. Ed. Nacional,
INDICAÇÕES PARA LEITURA 1933, este último acentuadamente parcial. Do ponto
de vista dos revoltosos, se destaca o trabalho de Joa-
quim Inojosa, .4 Repzíb/íca de Pr/acesa (rosé Papeira
X Jogo Pessoa -- .2930), Rio de Janeiro, Civilização
A revolta de Princesa motivou alguns trabalhos Brasileira/INL, 1980, cuja principal qualidade esta
de edições reduzidas e de divulgação muito limitada, no conjunto de documentos apresentados seguidos
preocupados principalmente em ''defender'' ou justi- de comentários do Autor, que teve participação con-
ficar as ações de uma ou outra parte envolvida e que siderável no movimento, embora à distância.
se transformaram, com o tempo, em raridades bi- A Revolta de Princesa -- l.Jma Contribuição ao
bliográficas. Nesserol, podem-se incluir os livros de Estudo do Mandonismo Local (.Paraíba-1930), ]oão
João Lelis, .4 Campanha de Prf/acesa, .1930, Jogo Pessoa, A União Ed., 1978, de nossa autoria, é uma
Pessoa,A l.Jnião, 1944;José Gastão Cardoso, .4 .Hê- análise eqüidistante dos grupos envolvidosa partir
rófca Resüíêlzcia de Princesa, Recite, Escola Indus- da estrutura política então vigente. Para a sua ela-
trial Agamenon Magalhães, 1954; Severino Gomes boração, exploramos, em profundidade, um grande
Procópio, JI/eu Z)epoíme/zfo -- Rapo/fa de .Prípzcesa acervo documental, consultamos o noticiário e as
-- Ret,o/anão de .193a, João Pessoa, Gráfica A Im- opiniõesveiculadas pela imprensa da época e regis-
prensa, 1962. tramos depoimentospessoais de participantes do
Além destes, surgiram outros trabalhos de conflito, de ambos os lados.
maior abrangência. José Américo de Almeida, obser-
vador participante dos eventos, os registrou em seu
livro de memórias O .4no do .Rêgo, Rio de Janeiro,
Gráfica Record Editora, 1968(hâ uma segundaedi-
®
COLEÇÃO TUDO É lllSTÓRIA +

l AS Independências na América Latina -- Z,ea/z Pomer


2 A Crise do Escravismo e A Grande Imigração
-- Pauta Beiguetltmn
3 A Luta Contra a Metrópole (Ásia e África)
Murta Yedda Lineares
4 O Populismo na América Latina -- À/aria Líbia Prado
5 A Revolução Chinesa -- Z)arie/ .4arão Reis Filho
6
O Cangaço -- Car/os ,4/ber/o Dórfa
7 Mercantílismo e Transição -- Fra/zcisco Fa/con
8 As Revoluções Burguesas -- ?b/odesfo /'/ore/zzano
9
Paras 1968: As Barricadas do Desejo
Sobre 8 Autora -- Otgária C. F. Matos
10 Nordeste Insurgente( 1850-1890)
Inês Caminha Lopes Rodrigues nasceu em Jogo Pessoa, onde é -- Hamitton de Mantos Morteiro
professorade Históriana Universidade
Federalda Paraíba. Além de A Revolução Industrial -- Francisco lgtésias
diversos artigos em jornais e revistas especializadas, publicou ..4 Neva/fa 12 Os Quilombose a RebeliãoNegra CIÓvis
de PHncesa-- Uma Contribuiçãoao Estudo do Mandonismo Ioga! 13 U Coronelismo -- À/arfa de Lourdes Jan,otti
(Paraíóa-/93a), originalmentesua tese de Mestrado apresentada ao 14 O Governo Juscelino Kubitschek
Departamento de História da Faculdade de Filosofia. Letras e Ciências -- Ricardo garanhão
Humanas da Universidade de São Paulo.
Atualmente, elabora tese de Doutorado, na USP, sobre a parti-
0 Movimento de 1932. -- À/arfa /7e/ena Capela/o
cipação da Paraíba no movimento de outubro de 1930. 16 A América Pré-Colombiana ' '
Ftamarion Cardoso
17 A Abolição da Escravidão -- SzzíZyR. Re;s de Queiroz
18
Proclamação da República -- /osé É/zio Casalecchi
19 A Revolta de Princesa -- /nés C. Rodrigzzes
L

Acumulação Capitalistana América Latina (Séc


-- sector Bruit
Xlx)
Balaiada -- .14arla de Z,tardes /a/corri

A Burguesia Brasileira -- /acob Gorender


A Cabanagem -- Z)zzlce.f/e/e/zaPessoa Ramos
Comuna de Paria -- /7orócjo Gon,z.dez.

' Títulos numerados, já publicados


A Construçãodo Socialismona China
r'
-- Daniel .barão Reis F.o História Política do Futebol -- /oe/ REr//nodos San/os
A Crise de 1929 -- ,4/ber/o À/arsolz Imigração e Pequena Propriedade no Sul do Brasil
A Cultura na Era de Vargas -- Car/os Gu!/derme/b/o/fa . Mana Thereza Petrone
A Economia Cafeeira -- rosé R. ,4mara/ l,apa Juízos Sobre os Crimes de Paixão -- À/arlza Correia
A Guerra Civil Americana -- Pe/er Esse/zberg Minas do Ouro -- Z,aura }'erguefro
A Guerra Fria -.-- Z)éa Fede/on Motins e Tensões na SociedadeColonial -- Àíar/a Od//al,e//e
A História do Espetáculo e Encenação -- r'erma/zdoPefxo/o O Antigo Sistema Colonial -- /osé R. ,amara/ Z,apa
A História do Movimento Estudantil -- ,4nfonio À/andes /r. O Al-5 -- /\4árc/o /Worelra ,4/ves
A História do Trabalho Fabril -- Esgar de l)ecoa O Banditismo no Brasi1 ( 1889-1940) -- ral/nír B. Correm
A Industrialização Brasileira -- Fra/zcisco /glésíai o Estado Abso[utista -- Ferlzando ]Vava/s
A [nquisição no Brasi] -- ,4 mira ]VovínsAÍ O Estado Novo -- Alar/a Este/la Brescfane
A Intentona Comunista -- À/aria .17eZe/za Capela/o O Fascismo -- ,4 rna/do Con/fer
A Questão Árabe -- À/aria yedda Z,in/lares O Golpe de 64 -- Z,ourdes So/a
A Primavera de Praga -- Son/a Go/dfeder O Governo Janto Quadros -- /b/aria }'ifória Benev/des
A Rebelião Praieira -- /sabe/ À/arson O Macarthismo -- WZa/dlr Z)uponr
A Revolta da Chibata -- À/arcos ,4. da SÍJva O Militarismo na América Latina -- C/óv/s Rossí
A Revolta da Vacina Obrigatória -- Sílvia Bassefro O Modernismo -- ,4/exa/odreEu/ó/fo
A Revolta de 1817 -- Car/os Gu///derme À/o/fa O Movimento Operáriona l.a República-- A//cada/ Ha//
A Revolução de 30 -- //aZo Tranca O Movimento Operário no Século XIX -- U//.çse.ç Guara/ba
A Revolução Mexicana -- ,4na À4aría Maré//zez Correm O Sandinismo -- luar/sa /Warega
A Revolução Russa -- 7'/zéoSanrlago O Sistema Escravista do Novo Mundo
A Segunda Guerra Mundial -- /oeZ Si/veíra -- Cito Flahmion Cardoso
A Unificação Italiana e Alemã -- /Wodesfo F/ore/zzano O Tenentísmo -- Déc/o Sais
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As Ligas Camponesas e o Movimento Camponês no Nordeste
-- Aspásia Camarão
As Lutas da Independênciano Brasil -- Ení de À/esqui/a
As Migrações no Brasi1 -- .4/cír Z,encaro
As Revoltas Indígenas no Brasil -- Z,alma A/esgravfs
Brasil 1968: O Desejo de Barricadas
-- Ellas Fajardo/Heloísa Buarque de Hotlanda
PAa n LIDA. Imprimiu
Economia e Sociedade na Antiguidade Clássica 10H B 8Be Parte.
037B +Baa aBrIa
BP
C«lltee 811

-- Beatriz Ftorenzano Td. Wle

Forma e Tensões na Sociedade Colonial -- À/aria OdiZa Z,erre


História da Sociologia Brasileira -- Gaórle/ Coam

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