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Introdução
A escolha do tema do Estado se faz importante a medida que pode auxiliar em uma
agenda de pesquisa que tem se desenvolvido, onde o Estado aparece como um dos elementos
centrais para a análise. Dessa forma, assim como coloca Botelho (2013), trabalhar uma
abordagem que uma propostas de caráter “analítica” e “contextualista” pode se revelar
frutífera do ponto de vista teórico, reconstruindo a contribuição dos clássicos em seus
contextos situados, mas desdobrando-os em outros cortes temporais
A partir dessa diferenciação entre a ação e a ação social, pode-se afirmar que uma
ação é voltada para um sentido subjetivo e que uma ação social é voltada para um sentido
objetivo. E é esse sentido objetivo que interessa a Weber, a ação social é passível de
compreensão, ou seja, é possível a apreensão do sentido dela. É essa possibilidade de
compreensão da ação social que permite a interpretação da realidade social à medida em que
se busca as conexões de sentido de uma ação social e os seus significados produzidos
exteriormente (WEBER, 2012).
Pensar o Estado, por exemplo, só faz sentido se o pensarmos não como um elemento
abstrato constituído por si só, mas sim entendê-lo como uma realidade individual que se
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É nesse sentido que Weber cria uma tipologia da ação social, são elas: a a) ação racional com relação a um
objetivo, onde a ação é referenciada a uma operação cognitiva da relação meio-fim; a b) ação racional com
relação a um valor, caracterizada pela busca de um valor externo aos resultados da sua ação, a honra, por
exemplo; a c) ação afetiva, identificada como uma reação emocional a um determinado estado de espirito ou
humor; por fim, a d) ação tradicional, onde a ação é ditada pelos hábitos, costumes e tradições que se afirmam
pela força do passado (ARON, 2000).
constitui por múltiplos cursos de ações sociais referenciadas, consistindo em um determinado
tipo de relação social que produz um determinado tipo de dominação.
Sendo assim, pensar o Estado moderno requer entendê-lo como uma associação
política que contém determinadas relações entre seus membros, baseada em estatutos e
protocolos que fundamentam a dominação racional e fornecem os meios para a ação política
que levam acesso a esses mecanismos de dominação. Interessante que o Estado para Weber
não é apenas a expressão política do poder de uma classe sobre outra em última instancia,
como diria Marx (2007), mas para Weber, o Estado aparece como a instituição principal em
que se opera os elementos da conduta racional da vida. Independentemente da classe, ou
quem se vale da dominação do aparato estatal, a dominação racional-legal se apresenta a
todos os indivíduos de uma sociedade em suas múltiplas esferas.
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Assim como nas ações sociais, Weber elabora três tipos ideais de dominação, sendo eles: “ a) a dominação
legal, baseada na crença na legitimidade das ordens estatuídas e do direito de mando daqueles que, em virtude
dessas ordens, estão nomeados para exercer a dominação; b) a dominação tradicional, baseada na crença
cotidiana na santidade das tradições vigentes desde sempre e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas
tradições, representam a autoridade; por fim, c) a dominação carismática, baseada na veneração extracotidiana
da santidade, do poder heroico ou do carater exemplar de uma pessoa e das ordens por estas reveladas ou criadas
(WEBER, p. 141, 2012)
Para além da interpretação dos sentidos e das significações da ação social, a
sociologia weberiana também analisa as relações de causalidade entre fenômenos. Logo, essa
definição do Estado requer um exercício duplo para compreender como o fenômeno social se
processa. A primeira é de caráter histórico, nos coloca na condição de examinar quais foram
as causas históricas que tornaram o Estado a associação política privilegiada detentora do
monopólio do uso da violência legitima. A segunda, de caráter sociológico, de como a
dominação do Estado moderno conduz a um tipo determinado de sociabilidade que se
reproduz ao longo de determinado período histórico, produzindo certas regularidades.
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O conceito de luta para Weber é quando “as ações se orientam pelo proposito de impor a própria vontade
contra a resistência da ou dos parceiros” (WEBER, p. 23, 2012).
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“‘Espírito’: só pode ser uma ‘individualidade histórica’, isto é, um complexo de conexões que dão na realidade
histórica e que nós encadeamos conceitualmente em um todo, do ponto de vista de sua especificidade”
(WEBER, p. 41, 2004b). Nesse caso, o espírito é uma operação intelectual e conceitual a fim de referenciar a
construção de um fenômeno em suas bases psicológicas próprias.
confissão religiosa operada por essas religiões, influenciadas por um desencantamento do
mundo5 que rejeitavam os meios mágicos de salvação. O calvinismo é o exemplo puro dessa
operação, transmutando dos rituais mágicos de caráter tradicional para a vocação profissional
como meio de salvação e afirmação como um “eleito” de Deus. Essa conduta de vida
forneceu as bases pelo qual se assentou uma disciplina para o trabalho, essencial para o
capitalista moderno. O que Weber quer mostrar aqui é que a ascese intramundana religiosa,
típica do calvinismo, apareceu anteriormente ao capitalismo moderno. Essa sentença
confronta a proposta do materialismo histórico de Marx (2004), na qual as condições
materiais estruturam em última instancia uma superestrutura ideológica – nesse caso,
religiosa.
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O desencantamento do mundo é o processo no que inicio com as profecias do judaísmo antigo e, em
conjunto com o pensamento helênico, repudiava como superstição e sacrilégio todos os meios mágicos de
busca e salvação (...). O puritano genuíno ia ao ponto de condenar até mesmo todo vestígio de cerimonias
religiosas fúnebres e enterrava os seus sem canto nem música, só para não dar trela ao aparecimento da
supersticion (...). Não havia nenhum meio magico, melhor dizendo, meio nenhum que proporcionasse a graça
divina a quem Deus houvesse decidido negá-la (WEBER, p. 96, 2004b).
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O estamento, segundo Weber, “são, em regra, comunidades, ainda que frequentemente de natureza amorfa.
Em oposição à “situação de classe”, determinada por fatores puramente econômicos, compreendemos por
“situação estamental” aquele componente típico do destino vital humano que está condicionado por uma
específica avaliação social, positiva ou negativa, da honra, vinculada a determinada qualidade comum a muitas
pessoas.” (WEBER, 2004a).
política ou da política7. Resumidamente, Weber quer colocar que essa oposição de tipos se
configura na impossibilidade de tanto o capitalista moderno quanto o operário não
conseguirem fazer a política em seu sentido profissional, pois seu tempo é limitado pelas
responsabilidades de suas próprias profissões. Sendo assim, o político profissional tanto vive
“para” e “da” política. Essa condição é expressa pelos tipos modernos de democracia, que
encontra no parlamentarismo uma das suas formas mais importantes.
Pensar a Sociologia como ciência foi o primeiro grande desafio enfrentado por
Durkheim a fim de sistematizar o conhecimento sobre a sociedade. Seu primeiro esforço foi
em identificar aquilo que era próprio, particular da ciência social. Nesse sentido, o primeiro
passo foi definir a partir de um método científico o objeto par excellence da sociologia.
Foi a partir desse objetivo que Durkheim cunho o conceito de fato social,
como toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo
uma coerção exterior; ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de
uma sociedade dada e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria,
independente de suas manifestações individuais (DURKHEIM, p. 70, 2013).
Esse processo de integração dos indivíduos ao corpo social só pode ser completo à
medida em que ele se estende por toda sociedade, se tornando um fenômeno coletivo. É aqui
que reside a dimensão da sociedade ser uma realidade fundamental para a ascensão da
individualidade. Um fenômeno não é coletivo por se geral, mas ao contrário, só é geral
porque é coletivo. Isso quer dizer que ele está contido no grupo, no todo, e se impõe as partes.
(DURKHEIM, 2013). É essa condição que faz de um fenômeno “social”, é essa exterioridade
coercitiva que torna possível a sociedade se tornar objeto de investigação cientifica.
Com relação ao método de se investigar os fatos sociais, Durkheim (2013) afirma que
um primeiro passo é encarar os fatos sociais como coisas. Entende-los dessa maneira
significa que estão (e devem) fora do espírito do seu observador. Devido aos fatos sociais se
referirem a fenômenos que agitam os espíritos em seu sentido moral ou ideal. É necessário
que o observador abra mão de todas as prenoções acerca do objeto investigado. Por mais que
elas apareçam como experiencia sensível primeira, é condição para se chegar ao conteúdo de
fato de um fenômeno social que se afaste das prenoções, logo
É nessa preocupação de definir a natureza dos fatos sociais que Durkheim vai discutir
a divisão do trabalho social. Segundo ele, a divisão do trabalho social só pode ser explicada a
partir da função8 que ela exerce nas sociedades modernas. (DURKHEIM, 1999). É nessa
definição da qual corresponde a necessidade da divisão do trabalho social que Durkheim
entra no embate com os economistas.
Durkheim a priori não discorda dessa definiçã, a divisão do trabalho social sem
dúvida pode trazer o aumento da riqueza, porem não é neste aspecto que reside a
funcionalidade da divisão do trabalho social. A principal função dela é social, e logo pode ser
identificada em um tipo de solidariedade em que ela fornece, constituindo um tipo de ordem
moral e social de novo tipo.
Essa definição consegue deixar claro que a questão da solidariedade gira entorno da
diferenciação e da semelhança. Voltando a dimensão do direito, a solidariedade mecânica
corresponde a um tipo de direito essencialmente repressivo. E o tipo de ruptura que
corresponde a esse direito é o crime. Em sociedades por semelhança, os estados da
consciência coletiva9 são mais fortes, se estendendo mais ou menos a partir de uma
intensidade média a todos os seus componentes. Sendo assim, “um ato é criminoso quando
ofende os estados fortes e definidos da consciência coletiva” (DURKHEIM, p. 51, 1999).
Para explicar esse mecanismo, Durkheim invoca o conceito de luta pela vida, que
Darwin popularizou na segunda metade do século XIX. Quanto mais numerosos os
indivíduos que procuram viver em conjunto, mais intensa a luta pela vida. A
diferenciação social é a solução pacífica da luta pela vida. Em vez de alguns serem
eliminados para que outros sobrevivam, como ocorre no reino animal, a
diferenciação social permite a um número maior de indivíduos sobreviver,
diferenciando-se. Cada um deixa de estar em competição com todos, podendo assim
ter um papel, e preencher uma função (ARON, p. 296, 1999).
Todavia, o Estado, apesar de sua distância dos indivíduos, também pode auxiliar nessa
dimensão. Segundo Durkheim, o Estado pressupõe a existência de uma sociedade política,
sendo ela “uma sociedade formada pela reunião de um número mais ou menos considerável
de grupos secundários, submetidos a uma mesma autoridade superior regularmente
constituída” (DURKHEIM, p. 63, 2013). Sendo assim, o Estado é obra viva de uma
sociedade política, que pressupõe uma certa complexidade e a existência de grupos
secundários, sendo o Estado o órgão especial que coordena a sociedade política. Logo, o
Estado
É no conjunto dessa dimensão que Durkheim elabora de fato o que é o ato de governar
a sociedade. Segundo ele, “governar é, sem dúvida, exercer uma ação positiva sobre o
andamento dos negócios públicos” (DURKHEIM, p. 109, 2013). E se o Estado é o órgão por
excelência da reflexão, do “pensamento social” (DURKHEIM, p. 111, 2013), é importante
salientar que essa reflexão ou é proveniente das ideias difusas da sociedade ou é próprio do
Estado enquanto órgão especial de reflexão. Ambos tipos sociais estão intimamente
relacionados.
É nesse constante fluxo entre o órgão especial que governa e os próprios governados
que se assume o tipo de governo que se convencionou chamar de democracia. Conforme o
Estado e os governados se colocam os mesmos problemas, a sociedade toma consciência de
si de forma mais clara, mais consciente.
Após essa apresentação de como Durhkeim conceitua o Estado, volta-se aqui agora
mais uma vez a questão da forma anomica da divisão social do trabalho. Elas podem ser
originar das crises industriais ou do antagonismo entre o trabalho e o capital. Todavia, o que
Durkheim quer mostrar é que enquanto se desenvolveu a divisão social do trabalho com
extrema velocidade, não se correspondeu, ao mesmo tempo, as regulamentações necessárias
para se organizar o estado de solidariedade presente, produzindo assim elementos que atuam
para a sua própria desintegração.
Sendo assim, a diversidade das funções é útil e necessária; mas, como a unidade,
que não é menos indispensável, não resulta espontaneamente dela, o cuidado com
realiza-lo e mantê-lo deverá constituir, no organismo social, uma função especial,
representada por um órgão independente. Esse órgão é o Estado, ou o governo.
(DURKHEIM, p. 373, 2013)
Essa dimensão positiva do Estado, como um instrumento que recoloca o que foi
perturbado em seu devido lugar, lembra o conceito de ritmo de ajustamento de Polanyi
(2000), onde o mesmo argumenta que um dos papéis do Estado é atuar no direcionamento do
progresso, a fim de promover uma equidade desse progresso sobre a sociedade como um todo
e evitar que a intensidade dele produza algum tipo de desintegração social.
Conclusão
A partir dos pontos levantados na teoria do Estado tanto para Durkheim tanto para
Weber e possível estabelecer alguns pontos de acordo e outros de dissenso.
Ambos estão analisando os principais efeitos e causas da modernidade e da ascensão
de uma sociedade industrial. A preocupação de Weber está em estabelecer os critérios e os
fenômenos históricos que em combinação produzem a preponderância da racionalidade na
conduta de vida dos homens. Já Durkheim busca estabelecer as relações de causação
funcional entre fenômenos sociais das quais se podem extrair leis sociais que deem conta de
uma sociedade cada vez mais diferenciada e complexa.
Em suma, Weber tem uma visão um tanto mais pessimista da modernidade do que
Durkheim. Ele está observando o quanto a marcha da racionalização conduz os homens a
uma vida cada vez mais burocratizada, onde a individualidade e a liberdade podem ser
sufocadas no que ele celebremente cunhou como “jaula de ferro”. Durkheim também observa
uma tendência as crises e a ausência de normas que podem criar casos de anomia social que
geram processos de desintegração social, porem sua visa é mais otimista tendo em vista os
ordenamentos possíveis que a vida social pode adotar a fim de remediar os casos patológicos.
É no Estado que ambos estão pensando as soluções para as contradições da vida social
moderna. Weber vê no desenvolvimento do Estado o espaço essencial para o
desenvolvimento da racionalização ininterrupta da vida. Todavia, é a política e nos meios de
acesso ao Estado que ele observa uma possível saída para frear essa configuração cultural de
uma vida racionalizada até o extremo. Caso se consiga estabelecer meios políticos para o
acesso ao Estado, principalmente pela via parlamentar, onde a luta pelos cargos políticos se
deem de forma democrática, isso coloca o “domínio dos funcionários” no espaço próprio da
burocracia, evitando que ela tome conta daquilo que é próprio da ordem política. Durkheim
enxerga no Estado uma relação funcional positiva perante ao corpo social, ao passo em que
ele se apresenta como o órgão especial da reflexão, ele consegue elaborar melhor as crenças e
ideais de uma coletividade e logo em que se estreita a relação entre governantes e
governados, a sociedade toma consciência de si. Essa função especial também é
complementada pela possibilidade do Estado em atuar como um instrumento de
reorganização daquilo que foi perturbado.
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__________ Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva.
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