Você está na página 1de 45

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TERAPIA


COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

UMA ANÁLISE COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DO TRANSTORNO


DA PERSONALIDADE ESQUIZÓIDE: IMPLICAÇÕES PARA
AVALIAÇÃO E TRATAMENTO

PEDRO JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO DE GOUVÊA

RIO DE JANEIRO

2012
PEDRO JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO DE GOUVÊA

UMA ANÁLISE COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DO TRANSTORNO DA


PERSONALIDADE ESQUIZÓIDE: IMPLICAÇÕES PARA AVALIAÇÃO E
TRATAMENTO

Monografia apresentada ao curso de Pós-Graduação


em Terapia Cognitivo - Comportamental da
Universidade Cândido Mendes como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental.

Orientador: Prof. Dr. Maurício Canton Bastos

Rio de Janeiro

2012
PEDRO JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO DE GOUVÊA

UMA ANÁLISE COGNITIVO-COMPORTAMENTAL DO TRANSTORNO DA


PERSONALIDADE ESQUIZÓIDE: IMPLICAÇÕES PARA AVALIAÇÃO E
TRATAMENTO

Orientador: Prof. Dr. Maurício Canton Bastos

Avaliação

Nota: ___________

Aprovada em ____de_________________2012.

Assinatura:_____________________________
AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais por criarem as condições para que eu
pudesse realizar este trabalho, e a minha namorada pelo seu apoio e compreensão durante o
processo de construção do mesmo.

Agradeço ao meu orientador pela dedicação e pelos seus valiosos ensinamentos, que não
se restringiram apenas à este trabalho, mas se estenderam também a minha prática pessoal e
profissional do dia a dia.

Agradeço aos amigos e colegas que contribuíram direta e indiretamente para este
trabalho, sendo importantes fontes de motivação e estímulo.

Agradeço aos professores do Centro de Psicologia Aplicada e Formação (CPAF-RJ)


pelos importantes conhecimentos teóricos e técnicos.

Agradeço a Deus, por me acompanhar continuamente em todos os momentos, e me


direcionar para o caminho certo.
´´Qualquer um que não consegue
lidar com a vida comum ou é
totalmente autosuficiente que não
necessita e não toma parte da
sociedade, é um bicho ou um Deus´´

(Aristóteles, 384-322 a.C.)


RESUMO

O presente estudo tem como proposta abordar o Transtorno da Personalidade Esquizóide


(TPEZ) e as possibilidades de avaliação e tratamento do mesmo com base no modelo cognitivo e
comportamental. Seu objetivo principal é descrever e analisar as características essenciais do
TPEZ, suas possíveis causas, prevalência e fatores de manutenção, assim como tentar estabelecer
uma relação entre a personalidade esquizóide e outros estilos de personalidade, definindo com
precisão os termos ´´personalidade´´, ´´esquizóide´´ e ´´transtorno´´. Muito se questiona sobre a
eficácia das terapias psicológicas para os transtornos do eixo II, de modo que pretende-se
investigar como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) pode contribuir com os seus
procedimentos de avaliação e intervenção específicos, focalizando dois aspectos: a relação
terapêutica como instrumento privilegiado de mudança e o procedimento de modelagem.
Indivíduos esquizóides, por apresentarem um distanciamento social e emocional significativo,
parecem se beneficiar de um processo terapêutico focado na relação clínica entre terapeuta e
paciente. Através de uma revisão teórica sobre o tema, tão pouco conhecido e explorado ainda,
espera-se contribuir para a sua compreensão, assim como estimular novas pesquisas, estudos e
reflexões sobre o TPEZ.

Palavras-chave: Transtorno da personalidade esquizóide; Personalidade; Terapia cognitivo-


comportamental
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................................... 08

1. APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DE TRANSTORNO DA PERSONALIDADE E


TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ESQUIZÓIDE..................................................... 10
1.1. Personalidade e Transtorno da Personalidade........................................................................ 10
1.2. Transtorno da Personalidade Esquizóide: Aspectos históricos, definição e características
clínicas.......................................................................................................................................... 13
2. PREVALÊNCIA, ETIOLOGIA E FATORES DE MANUTENÇÃO.............................. 21
2.1. Prevalência............................................................................................................................. 21
2.2. Etiologia................................................................................................................................. 22
2.3. Fatores de Manutenção.......................................................................................................... 23
3. AVALIAÇÃO E TRATAMENTO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL.................... 30
3.1. Avaliação............................................................................................................................... 30
3.2. Tratamento............................................................................................................................. 32
3.3. Modelagem............................................................................................................................ 34
3.4. Relação terapêutica................................................................................................................ 36
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................... 41

REFERÊNCIAS.......................................................................................................................... 43
8

INTRODUÇÃO

A crença de que o homem é um ser essencialmente social parece ser aceita com grande
facilidade desde os tempos mais remotos da era antes de Cristo. Ao longo do desenvolvimento
histórico, tal crença foi ganhando força e sendo difundida como uma ´´verdade´´ sobre a
´´natureza´´ humana. Isso trouxe como consequência a noção de que a nossa espécie se
diferencia das demais por ser capaz de se relacionar socialmente através da aprendizagem verbal,
simbólica e cultural, nos definindo como ´´animais sociais´´ ou, se quisermos usar um termo
mais preciso, ´´animais culturais´´.

Entretanto, há indivíduos que parecem ´´fugir´´ à essa regra, ou seja, indivíduos que
não apresentam ou, pelo menos, não demonstram interesse ou satisfação nas relações
interpessoais, mantendo-se alheios à elas. À estes indivíduos é atribuído o que chamamos de
personalidade esquizóide ou ´´associal´´ O termo ´´associal´´, inclusive, se mostra bastante
adequado para descrever estes sujeitos por significar exatamente a ausência de sociabilidade ou
de tudo aquilo que é relativo ao social, de modo que tais indivíduos parecem se bastar sozinhos.

Um fato curioso é que a característica central da personalidade esquizóide parece diferir


de outros estilos de personalidade com manifestações comportamentais semelhantes, como é o
caso da personalidade esquiva. Esta tem como traços essenciais o medo da crítica, da
desaprovação e da rejeição de terceiros, mas há, ao mesmo tempo, o desejo de se relacionar,
enquanto que no estilo esquizóide não há esses temores e tão pouco o desejo pelos
relacionamentos. Isso marca uma diferença importante, pois apesar do isolamento social se
constituir como uma característica comum destes dois tipos de personalidade, as razões que
levam o sujeito a tal isolamento é distinta.

Quando os traços esquizóides da personalidade se manifestam de maneira rígida,


inflexível, crônica e estável, atribuímos o diagnóstico de Transtorno da Personalidade Esquizóide
(TPEZ), tema abordado no presente estudo. Em função da grande escassez de pesquisas, dados e
abordagens clínicas sobre este transtorno, partiu-se do pressuposto de que uma investigação mais
profunda e abrangente do mesmo seria de grande valia, mesmo sabendo que a procura destes
sujeitos por tratamento é rara nos serviços de saúde mental.
9

Assim, o foco deste estudo se volta para a investigação, compreensão e análise do


Transtorno da Personalidade Esquizóide (TPEZ) através de uma revisão teórica sobre o tema,
com o objetivo de oferecer subsídios teóricos e práticos para os profissionais de saúde mental
que atuam em um contexto clínico. Toda a análise será apresentada sob uma perspectiva
cognitiva e comportamental, desde a definição do transtorno até as propostas de intervenção.
Sabe-se que as terapias de base cognitivo-comportamental e analítico-comportamental são as
mais indicadas para o tratamento de transtornos do eixo I (síndromes clínicas) e bastante
promissoras para transtornos do eixo II (transtornos da personalidade), devido às suas fortes
raízes experimentais e científicas, com eficácia comprovada através de pesquisas.

Deste modo, pretendeu-se introduzir o tema principal abordando primeiramente o


conceito geral de personalidade e transtorno da personalidade. Logo em seguida, será
apresentada a definição e a caracterização do Transtorno da Personalidade Esquizóide, incluindo
seus aspectos históricos. Na seqüência, serão abordadas de maneira breve a prevalência e a
etiologia do quadro, e serão discutidos mais detidamente os fatores de manutenção. Por fim,
serão expostos os métodos e propostas de avaliação e tratamento cognitivo-comportamentais
para o TPEZ, com ênfase no procedimento de modelagem como uma importante ferramenta de
intervenção, dando destaque especial à relação terapêutica com esses pacientes.
1. APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DE TRANSTORNO DA PERSONALIDADE E
TRANSTORNO DA PERSONALIDADE ESQUIZÓIDE

1.1. Personalidade e Transtorno da Personalidade

Ao abordarmos o tema dos transtornos da personalidade (TP), é importante definir


claramente o que é o construto personalidade, tão explorado e, ao mesmo tempo, tão controverso
no campo da Psicologia. Caballo (2008) define personalidade como uma mistura de fatores
temperamentais e caracterológicos. O temperamento refere-se ao componente inato,
geneticamente determinado e que constituiria a dimensão biológica da personalidade.

Dentro do componente temperamental, segundo este autor, poderíamos apontar cinco


grandes fatores que estariam presentes em diferentes graus na personalidade de cada indivíduo.
Seriam eles:

 Neurose: Tendência ao mal-estar psicológico e ao comportamento impulsivo.


 Extroversão: Tendência a envolver-se em situações sociais e a sentir alegria e otimismo.
 Abertura à experiência: Curiosidade, receptividade ao novo e expressividade emocional.
 Amabilidade: Grau em que se mostra compaixão e hostilidade para com os outros.
 Responsabilidade: Grau de organização e compromisso com os objetivos pessoais.

O aspecto caracterológico da personalidade ou simplesmente caráter, diz respeito aos


fatores psicossociais aprendidos através da experiência subjetiva e sócio-cultural de cada
indivíduo. Podemos dizer que grande parte do caráter se constitui ao longo do processo de
desenvolvimento e socialização (CABALLO, 2008). Sperry (1999), apud Caballo (2008), afirma
que os esquemas – estrutura cognitiva de crenças e valores básicos que organiza a visão de
mundo e de si – são parte integrante do caráter, na medida em que são aprendidos desde a
infância. Deste modo, o caráter seria a dimensão psicológica da personalidade e o alvo principal
das terapias psicológicas que visam o tratamento dos transtornos da personalidade.

Uma das questões que preocupa e chama a atenção de diversos estudiosos do tema, é que
a negligência, ou até mesmo a desconsideração do temperamento pode ser uma das principais
razões da pouca eficácia das terapias voltadas à tratar tais transtornos. Uma das soluções trazidas
11

por Sperry (1999) seria investir na mudança do caráter e, ao mesmo tempo modular o
temperamento para que a terapia seja mais eficaz e o prognóstico mais animador.

Ainda sobre o temperamento, Caballo (2008), baseando-se no DSM-IV, traz uma


descrição dos diferentes tipos de transtorno da personalidade do ponto de vista dos ´´cinco
grandes fatores´´. Como o foco deste estudo é o transtorno da personalidade esquizóide, o autor
aponta que estes indivíduos apresentam baixo coeficiente de cordialidade, gregarismo e emoções
positivas – fator extroversão – e baixo coeficiente de sentimentos – fator abertura à experiência.

Percorrendo um pouco mais sobre as definições do que vem a ser personalidade,


percebemos que esse conceito encontra grande concordância quando é descrito como ´´um
padrão de pensamentos, sentimentos e comportamentos característicos que distingue as pessoas
entre si e que persiste ao longo do tempo e mediante as situações´´ (PHARES, 1988;
CABALLO, 2008, p.31). O DSM-IV-TR (APA, 2002, p.686) traz uma descrição semelhante,
definindo personalidade como sendo ´´padrões persistentes de perceber, relacionar-se com e
pensar sobre o ambiente e sobre si mesmo, que se manifestam em uma ampla gama de contextos
sociais e pessoais´´.

Quando falamos em transtorno, estamos nos referindo essencialmente a padrões de


resposta que o organismo emite de modo rígido e inflexível, gerando consequências aversivas
para si e para o ambiente. Essa característica rígida e inflexível na emissão de respostas, apesar
de estar presente em uma variedade de transtornos psicológicos do eixo I (síndromes clínicas),
parece predominar e ser um aspecto de base dos transtornos do eixo II (transtornos da
personalidade).

Seguindo essa linha de pensamento, podemos dizer que os transtornos da personalidade


se caracterizam essencialmente por um padrão crônico de comportamento e de experiência
interna que se desvia notavelmente das expectativas culturais na qual o indivíduo está inserido, e
que se manifesta em pelo menos duas da seguintes áreas: cognição, afetividade, funcionamento
interpessoal e controle de impulsos (CABALLO, 2008).

Deste modo, concluímos que tais transtornos apresentam cinco características essenciais,
quais sejam: 1. Está profundamente enraizado e é de natureza inflexível; 2. É desadaptativo,
especialmente em contextos interpessoais; 3. É relativamente estável ao longo do tempo; 4.
12

Prejudica de forma significativa a capacidade da pessoa funcionar e; 5. Produz mal-estar no


ambiente da pessoa.

Em geral, esse tipo de transtorno é descrito como sendo de difícil diagnóstico em função
das características citadas anteriormente e raramente constitui objetivo central do tratamento,
sendo frequentemente negligenciado, não identificado, e por vezes ignorado. Essas dificuldades,
dentre outras, ressaltam a necessidade de uma avaliação baseada em dados empíricos dos
transtornos da personalidade.

Pesquisas revelam que esses transtornos causam muitos problemas aos outros e são
custosos para a sociedade em geral. Isto devido à sua natureza complexa e desafiadora.
Problemas decorrentes de um transtorno da personalidade comumente envolvem graves conflitos
familiares, escolares e profissionais, assim como em outros âmbitos. Por exemplo, indivíduos
com esse tipo de transtorno têm maior probabilidade de apresentar problemas de saúde, seja por
efeitos do próprio transtorno, ou como consequência de um comportamento típico deste
(CABALLO, 2008).

Segundo Caballo (2008), existe um certo consenso de que as características básicas de


um transtorno da personalidade se desenvolvem desde a infância e, posteriormente, se
consolidam e se estabilizam. Isso faz com que tais transtornos sejam crônicos, difíceis de
identificar e afetem várias áreas da vida do indivíduo. Além disso, eles têm como característica
serem egossintônicos, ou seja, o indivíduo não acredita ter um problema decorrente do seu estilo
de personalidade, diferentemente dos transtornos do eixo I, que são egodistônicos.

Ainda no que se refere à definição de transtorno da personalidade, o modelo cognitivo


supõe que os padrões de personalidade são estratégias filogeneticamente determinadas para
propiciar a sobrevivência e a reprodução, indo de encontro à teoria darwiniana da seleção
natural. Entretanto, ao longo da história de desenvolvimento do indivíduo, este pode desenvolver
padrões que se tornam mal-adaptativos por entrar em conflito com as exigências, regras e
expectativas culturais (CABALLO, 2008).

Esse modelo propõe ainda que os comportamentos são motivados por uma série de
processos internos que envolvem autovigilância, autoavaliação, autoconselhos e autoinstruções.
Esses processos estão diretamente relacionados aos conceitos e esquemas sobre si mesmo e sobre
13

o ambiente. No momento em que esses esquemas e conceitos sobre si e sobre o ambiente se


tornam, por alguma razão, exagerados e inflexíveis, o indivíduo fica vulnerável à desenvolver
estratégias mal-adaptativas para lidar com as demandas do ambiente, e consequentemente podem
levá-lo a desenvolver um estilo de personalidade problemático ou um transtorno da
personalidade (CABALLO, 2008).

1.2. Transtorno da Personalidade Esquizóide: Aspectos históricos, definição e


características clínicas

Até aqui tratamos de algumas formulações gerais do que se entende por personalidade e
transtorno da personalidade. Ao especificarmos o nosso estudo para um transtorno em particular
e, diga-se de passagem, transtorno este pouco investigado e de pouco conhecimento tanto para
pesquisadores quanto para clínicos, chegamos finalmente a voltar nossa atenção na busca de um
entendimento e de uma compreensão do que é atualmente o que chamamos de Transtorno da
Personalidade Esquizóide (TPEZ).

Historicamente, o uso do termo ´´esquizóide´´ remonta a Manfred Bleuer, da Swiss


Burgolzi Clinic (SIEVER, 1981 apud BECK et al., 2005). O prefixo ´´esquizo´´, que significa
´´divisão´´, e o sufixo ´´óide´´, que significa ´´representativo ou semelhante a´´, define a sua
composição. (BECK et al., 2005). Bleuer utilizou o termo inicialmente para identificar
indivíduos com uma série de características autistas, como por exemplo, serem fechados em si
mesmo, desconfiados, incapazes de participar de uma discussão, acomodados em sua monotonia
e tédio, e incapazes de expressar emoções.

Por outro lado, Kretschmer (1925), apud Caballo (2008), apresentou uma teoria do
temperamento relacionada à psicose. Chamou de ´´esquizotimia´´ a forma habitual encontrada na
personalidade de tipo esquizofrênico, e definiu o esquizóide como a forma de personalidade
patológica observada frequentemente na família de indivíduos com esquizofrenia. Esse autor
também apontou alguns traços característicos do fenômeno esquizóide, como por exemplo,
comportamento insociável, tranqüilo, reservado, sério e excêntrico. Enfatizou as escassas
relações sociais e as experiências pouco realistas destes indivíduos, que se sentiam como se
14

houvesse um muro de cristal entre eles e o resto da humanidade, podendo até construir um
mundo autista que se torne o núcleo de sua existência (CABALLO, 2008).

Kretschmer (1936) ainda apresentou três possíveis subtipos do TPEZ. O primeiro seria
rígido, formal e correto em situações sociais, e demonstra uma aguda percepção dos
requerimentos sociais. O segundo é o indivíduo isolado e excêntrico, alguém que não se
preocupa com convenções sociais ou não as percebe. E o terceiro seria um tipo frágil, delicado e
hipersensível. Outros autores como Millon e Davis (1996), apud Beck et al. (2005), propõe
quatro subtipos: 1. Sem afeto: o indivíduo é desapaixonado, irresponsivo, não-afetivo, frio,
indiferente, insensível, sem animação, desinteressante, apático, imperturbável e seco,
apresentando todas as emoções diminuídas. 2. Remoto: O indivíduo é distante e remoto,
inacessível, solitário, isolado, sem lar, desconectado, afastado, perambula sem rumo e tem uma
ocupação periférica. 3. Lânguido: O indivíduo apresenta acentuada inércia e um nível de
ativação deficiente, é intrinsecamente fleumático, letárgico, cansado, moroso, lânguido, exausto
e debilitado. 4. Despersonalizado: O indivíduo é desligado dos outros e de si mesmo, se vê como
descorporificado ou como um objeto distante, além de perceber corpo e mente como separados,
cindidos, dissociados, desligados e eliminados (BECK et al., 2005). Como estes subtipos são
hipotéticos e não são comprovados através de dados empíricos suficientes, não serão utilizados
neste estudo.

Após esse breve recorte histórico iremos agora esboçar as linhas de composição do
fenômeno esquizóide. O TPEZ é caracterizado essencialmente pelo isolamento e indiferença
quanto aos relacionamentos sociais e interpessoais. É curioso levarmos em conta essa
característica central do quadro, na medida em que o ser humano, a priori, é fundamentalmente
capaz de estabelecer e manter relações com seus semelhantes. Essa interação vai nos moldando
como seres humanos e nos ajuda a ser quem somos (CABALLO, 2008).

Os indivíduos com personalidade esquizóide, contudo, não demonstram interesse nessas


relações com os demais e, de acordo com Beck et al. (2005), se mostram retraídos e solitários,
buscando muito pouco contato com os outros e sentindo pouca ou nenhuma satisfação com os
contatos que têm. Eles passam a maior parte do tempo sozinhos e sistematicamente optam por
realizar atividades que não tenham envolvimento com outras pessoas. Além disso, costumam
15

valorizar mais objetos materiais ou fantasias, se mostram independentes e não expressam


emoções nem parecem se afetar pelos elogios ou críticas de terceiros (CABALLO, 2008).

No que se refere à expressão emocional, Beck et al. (2005) revela que estes indivíduos
podem parecer lentos e letárgicos. Falam sistematicamente de maneira monótona e
desinteressada, expressando pouca ou nenhuma variação de humor, mesmo ocorrendo mudanças
no ambiente externo. Apesar do humor predominante ser moderadamente negativo, tais
indivíduos não relatam experimentar emoções fortes como raiva, alegria ou mesmo tristeza. Não
desenvolvem relacionamentos íntimos, nem mesmo demonstram interesse em ter relações
sexuais. Essas características levam frequentemente os outros a se afastarem ou ignorarem o
indivíduo, o que agrava a falta de habilidades sociais já deficientes (BECK et al., 2005).

Segundo Caballo (2008), ´´se quisermos formar uma imagem deles e imaginarmos uma
estátua, talvez não estejamos muito longe da realidade da personalidade esquizóide´´ (p.76). O
autor afirma que estes indivíduos podem funcionar bem na área profissional se esta não envolver
atividades de interação, tendo até um bom desempenho em habilidades específicas, além de
causarem poucos problemas se não forem incomodados ou terem seu espaço ´´invadido´´.

Indivíduos com esse transtorno raramente buscam ajuda terapêutica por acreditarem que
não precisam mudar ou que não têm problemas relevantes, a não ser quando padecem de um
transtorno do eixo I ou quando seus padrões de comportamento geram consequências aversivas
importantes, como a não obtenção de progresso profissional. Como são extremamente
autocentrados e, ao mesmo tempo, despreocupados com os outros, estes indivíduos têm grande
probabilidade de passar pela vida sem incomodar nem serem incomodados por ninguém.

O DSM-IV-TR (APA, 2002) insere o TPEZ no grupo A das classificações envolvendo


os transtornos da personalidade, grupo este dos chamados transtornos ´´estranhos´´ ou
´´excêntricos´´. Esse sistema de classificação traz a seguinte descrição do fenômeno:

A. Um padrão invasivo de distanciamento das relações sociais e uma faixa restrita de expressão
emocional em contextos interpessoais, que começa no início da idade adulta e está presente em
uma variedade de contextos, como indicado por pelo menos quatro dos seguintes critérios:
1. não deseja nem gosta de relacionamentos íntimos, incluindo fazer parte de uma família;
2. quase sempre opta por atividades solitárias;
3. manifesta pouco, se algum, interesse em ter experiências sexuais com outra pessoa;
4. tem prazer em poucas atividades, se alguma;
5. não tem amigos íntimos ou confidentes, outros que não parentes em primeiro grau;
16

6. mostra-se indiferente a elogios ou críticas de outros;


7. demonstra frieza emocional, distanciamento ou afetividade embotada;
B. Não ocorre exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia, Transtorno do Humor com
Aspectos Psicóticos, outro Transtorno Psicótico ou um Transtorno Invasivo do Desenvolvimento,
nem é decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica geral (APA, 2002,
p. 67).

Percebe-se que essa descrição ressalta novamente o aspecto da indiferença e/ou


desinteresse quanto aos relacionamentos sociais. É evidente que esse critério isolado não é
suficiente para se diagnosticar um quadro de TPEZ, mas a sua presença é indispensável quando
se pensa na possibilidade de existir tal transtorno.

Um aspecto importante a se observar em relação ao fenômeno, é o estilo da


personalidade destes sujeitos. Caballo (2008) considera que os indivíduos com personalidade
esquizóide tem um estilo essencialmente associal, ou seja, não necessitam de ninguém além de
si mesmos. Sua característica básica vai de encontro à noção Aristotélica de que o homem é um
´´animal social´´. É importante enfatizar que estes indivíduos não se isolam para evitar os
relacionamentos sociais por estes lhe causarem ansiedade ou por sentirem receio de uma
avaliação negativa, como é o caso do transtorno da personalidade esquiva, mas sim como
produto de sua própria escolha.

Essa vida aparentemente monótona e solitária não parece ser um problema para os
esquizóides ou associais. O que esses sujeitos perdem em sentimentos e intimidade, ganham em
lucidez, em clareza para observar o que ocorre ao seu redor, e desfrutam do seu próprio mundo
interior. Contudo, em função de sua indiferença e desinteresse em constituir vínculos
emocionais, é improvável que tenham um parceiro ou uma relação estreita de amizade, e até
mesmo uma vida sexual ativa (CABALLO, 2008).

Oldham e Morris (1995, apud Caballo, 2008), sintetizam diversas características típicas
encontradas nesses indivíduos: 1. Encontram-se mais confortáveis estando em solidão. 2. Não
requerem companhia dos demais para desfrutar de experiências nem para se desenvolver nas
diferentes áreas de sua vida. 3. Têm temperamento desapaixonado e pouco sentimental. 4.
Podem desfrutar do sexo, especialmente como relaxante de tensões, mas são capazes de
prescindir de uma relação sexual contínua. 5. Não se deixam levar nem por elogios nem por
críticas. 6. Não sentem hostilidade em relação aos demais. 7. Têm dificuldade para interpretar e
17

compreender os sinais emocionais e os sentimentos dos outros. 8. Não satisfazem as


necessidades emocionais das pessoas mais próximas. 9. Encontram muitas gratificações na vida
que desfrutam em solidão e raramente se aborrecem. 10. São bons trabalhadores, embora não
sirvam para o trabalho em equipe nem para se relacionar com o público.

Essas características apontam claramente a estrutura básica de funcionamento de um


esquizóide. Indivíduos que não precisam que alguém os elogie nem os tire do tédio, pois
raramente se cansam de ficar sozinhos, não sendo capazes de compreender o valor e os
benefícios que os relacionamentos trazem em termos de bem-estar, de modo que sua única fonte
de bem-estar é a solidão. Em função disso, tendem a ver as pessoas e os relacionamentos como
difíceis, problemáticos e indesejáveis, prescindindo de maiores aproximações. Segundo Caballo
(2008, p.78), ´´seu mundo ideal seria aquele no qual houvesse poucas pessoas e onde cada um
cuidasse de si sem incomodar os outros´´.

No que se refere à raiva, não costumam desenvolver sentimentos hostis em relação aos
outros, o que descarta a possibilidade de tais sentimentos constituírem um estímulo para a
evitação social. Por não se deixarem levar por emoções e sentimentos, são capazes de formar
juízos muito mais objetivos em determinadas situações do que outras pessoas. É importante
destacar que a sua aparente frieza emocional e falta de expressividade, não se devem a um déficit
na habilidade de expressar emoções, mas sim à ausência delas, de modo que quanto mais se
insiste para que estes indivíduos externalizem o que sentem, mais eles se fecham devido à grande
tensão que experimentam (CABALLO, 2008).

Indivíduos com TPEZ apresentam algumas características típicas que podem ser
identificadas em um contexto clínico. Como exemplo de tais características, destaca-se a falta de
habilidades sociais e de relacionamento com os outros, pouca cordialidade, o que não é um
comportamento intencional, mas como indivíduos esquizóides estão fechados em seu próprio
mundo, mantêm-se desvinculados dos demais, e também apresentam uma crença de que os
outros não se preocupam com eles. Além disso, são vistos pelos outros como despreocupados e
indiferentes, dando a impressão de terem uma vida triste, aborrecida e sem graça. Entretanto, os
associais não se preocupam com isso, pois preferem passar despercebidos, sem que ninguém
interrompa seu silêncio e sua tranquilidade (CABALLO, 2008).
18

Caballo (2008, p.81) complementa ainda dizendo que ´´os indivíduos com TPEZ dão a
impressão de ser pessoas letárgicas, que carecem de vitalidade e cujos movimentos costumam
ser torpes e rígidos´´. O autor continua destacando que sua expressão facial é neutra, sendo
difícil interpretar como se sentem quando se interage com eles, frequentemente se expressando
de forma lenta e raramente variando o tom de voz, mesmo que estejam contando algo íntimo ou
trágico.

Para efeito de síntese e, apenas para fins didáticos, visto que essas variáveis atuam
sempre de forma simultânea e em interação, Caballo (2008) divide os aspectos do transtorno
esquizóide em diferentes níveis de resposta como apresentado a seguir:

Aspectos comportamentais típicos do TPEZ:

 Movimentos corporais inquietos, apresentando torpor e rigidez gestual.


 Ausência de expressão facial; Pouco contato visual.
 Discurso intencional, mas sem elaboração detalhada.
 Tom de voz lento e monótono, mesmo falando de eventos importantes ou traumáticos.
 Parecem hipoativos e chama a atenção sua falta de vitalidade e de energia.
 Carentes de iniciativa.
 Falta de respostas aos reforços que levariam os demais à ação.
 Preferem atividades solitárias.
 Falta de cordialidade em relação aos demais.

Aspectos cognitivos típicos do TPEZ:

 Crença de que os outros não se preocupam com eles.


 Não superestimam o potencial real de suas capacidades.
 Não apresentam alucinações nem idéias delirantes.
 Não acreditam que sua falta de interesse seja patológica.
 Apresentam falta de atenção e incapacidade para captar a necessidade dos demais.
 Carecem de vida interior.
 Possuem mínimos interesses ´´humanos´´.
18

 Podem desenvolver interesse em movimentos intelectuais ou modas, mas sem se


envolver socialmente.
19

 Têm uma aparente deficiência cognitiva.


 Suas fantasias e atividades imaginativas não parecem ir muito além de sua vida real.
 São indiferentes ao elogio ou à crítica.
 Carecem de ambição.
 Mostram pouco interesse nas experiências sexuais e sensoriais.

Aspectos emocionais típicos do TPEZ:

 Baixa ativação emocional.


 Incapacidade de expressar tristeza, culpa, alegria, ira ou enfado.
 Respostas emocionais inapropriadas, reprimidas, embotadas.
 Podem estabelecer vínculos emocionais com animais.
 Desejo sexual hipoativo.
 Não desfrutam muito das relações íntimas.

Possíveis aspectos fisiológicos e médicos do TPEZ:

 Podem correr maior risco de desenvolver câncer.


 São mais propensos à baixa pressão sanguínea.
 Podem padecer de debilidade generalizada.

Possível impacto sobre o ambiente:

 Problemas para ascender no trabalho, se isso implicar trato com as pessoas.


 Podem triunfar em atividades solitárias.
 Raramente se casam.
 Carecem de amigos íntimos.

Para finalizar, é essencial que o clínico possa fazer um diagnóstico diferencial, na medida
em que o TPEZ pode ser confundido ou estar sobreposto a outros quadros semelhantes. O quadro
esquizóide se diferencia da esquizofrenia, do transtorno esquizofreniforme, do transtorno
delirante e do transtorno do humor com sintomas psicóticos em função do TPEZ não apresentar
alucinações e delírios, de modo que este diagnóstico só pode ser adicionado se o mesmo já
existir antes dos sintomas psicóticos e persistir após esses sintomas terem sofrido remissão
(CABALLO, 2008).
20

É difícil também a distinção entre o TPEZ e Transtornos do tipo Autista e Asperger, pois
alguns sintomas-chave são semelhantes, como a interação social severamente prejudicada e
comportamentos e interesses estereotipados (BECK et al., 2005). Entretanto, a APA (2002)
esclarece que no transtorno autista e asperger há um maior prejuízo social, e que no TPEZ não há
presença de estereotipias.

O TPEZ também pode ser confundido com outros transtornos da personalidade, como o
esquizotípico, o paranóide e principalmente o esquivo, pelo fato de compartilharem
características típicas como o isolamento social e a expressão emocional restrita. Contudo, no
TPEZ não há a presença de distorções perceptivas, como no transtorno da personalidade
esquizotípica, não há a desconfiança do transtorno paranóide, e a priori, não há o medo de crítica
e rejeição pelos outros como no transtorno esquivo da personalidade. Estes evitam os contatos
sociais por temerem uma avaliação negativa, mas desejam tais contatos, enquanto que os
esquizóides não têm nenhum interesse em estabelecer vínculos, de modo que sua solidão parece
ser menos problemática do que a do esquivo, por ser fruto de sua própria escolha (BECK et al.,
2005).

Por fim, foi encontrada uma taxa elevada de comorbidades do TPEZ com transtornos do
eixo I, como o transtorno depressivo maior e também como antecedente pré-mórbido do
transtorno delirante ou da esquizofrenia em alguns casos. Assim como é possível observar a
presença do TPEZ associado à outros transtornos do eixo II, como o esquizotípico, o paranóide e
o esquivo (CABALLO, 2008).
2. PREVALÊNCIA, ETIOLOGIA E FATORES DE MANUTENÇÃO

Neste capítulo abordaremos brevemente a prevalência do TPEZ na população, os fatores


etiológicos, e analisaremos com mais cuidado e atenção os fatores de manutenção, visto que
estes é que serão fundamentalmente os alvos de intervenção e tratamento.

2.1. Prevalência

O TPEZ é um dos transtornos menos frequêntes que aparecem no contexto clínico


(MILLER et al., 2001, apud O'DONOHUE et al., 2010). Entretanto, de acordo com Langner e
Michael (1963, apud Caballo, 2008), foi encontrada uma prevalência em torno de 15,2% na
população, o que sugere que a sua ocorrência não é tão baixa quanto se imagina. Por outro lado,
Baron et al. (1985, apud Caballo, 2008), encontraram uma prevalência de apenas 1,6% do TPEZ
em uma amostra de sujeitos com esquizofrenia crônica comparada com um grupo-controle. Uma
taxa de prevalência na população geral baseada em levantamentos na comunidade, controles
psiquiátricos e parentes de pacientes psiquiátricos variou de 0,5 à 7% (O'DONOHUE et al.,
2010). Adicionalmente, a APA (2002) afirma que o TPEZ é mais comum em homens do que em
mulheres, o que poderia ser explicado em parte pela tendência que os homens apresentam de
reprimir mais as emoções do que as mulheres na nossa cultura.

Essa ampla variedade de estimativas epidemiológicas torna muito difícil saber a real
prevalência do TPEZ na população, visto que tais estudos variam consideravelmente dependendo
da versão do DSM utilizada – por exemplo, estudos que utilizaram o DSM-III-R geralmente
relataram taxas de prevalência mais altas do que aqueles que utilizaram os critérios do DSM-III –
e da cultura na qual o indivíduo está inserido (O'DONOHUE et al., 2010).

Variáveis culturais são importantes e precisam ser levadas em consideração ao se fazer


um diagnóstico de TPEZ. Por exemplo, comportamentos de isolamento, frieza emocional e
distanciamento que passam a ser emitidos por um indivíduo que acaba de migrar de um ambiente
rural para um urbano poderiam ser equivocadamente qualificados como um TPEZ. Em relação
22

ao início do transtorno, este pode se tornar evidente pela primeira vez na infância ou
adolescência, manifestando-se por comportamentos solitários, pouco relacionamento com os
colegas e baixo rendimento escolar (APA, 2002).

2.2. Etiologia

Com relação à etiologia, o TPEZ parece ter origem em variáveis genéticas e ambientais
específicas que estão relacionadas com os déficits emocionais e sociais observados no fenômeno.
No que se refere à genética, Caballo (2008) aponta que existem poucas evidências de que o
TPEZ possa ser hereditário e que tenha alguma relação com a esquizofrenia. Torgersen (1985,
apud Caballo, 2008), em um estudo com gêmeos, concluiu que as porcentagens de
hereditariedade desse transtorno eram insignificantes e que a maior parte das características
esquizóides encontradas na amostra podiam ser atribuídas a fatores ambientais. Isso sugere a
ideia de que determinadas características biológicas poderiam apenas predispor ou serem fatores
de risco para o desenvolvimento do TPEZ, tornando o indivíduo mais vulnerável.

O papel principal no desenvolvimento do transtorno ficaria então a cargo de fatores


ambientais. Millon e Everly (1994, apud Caballo, 2008), apresentaram duas vias de influência
ambiental que poderiam favorecer o aparecimento do quadro esquizóide, enfatizando o ambiente
familiar. A primeira via seria a presença de uma atmosfera familiar formal ou rígida,
caracterizada por comportamentos de reserva, formalidade, distância interpessoal e pouco ou
nenhum afeto entre seus membros. Isso favoreceria a aprendizagem de comportamentos de
inibição dos sentimentos e falta de habilidades em expressá-los socialmente. Por outro lado, tais
famílias também não apresentam expressões de raiva ou hostilidade, o que traria como
consequência uma marcante indiferença emocional no indivíduo.

A segunda via seria uma comunicação familiar fragmentada. Essa comunicação se traduz
por um padrão desarticulado, vago e incompleto nas formas de pensar, agir e se expressar. Esse
padrão contribuiria para que as habilidades de comunicação interpessoal não se desenvolvessem
de forma adequada, trazendo como consequência uma acentuada falta de relacionamentos
interpessoais gratificantes, frieza emocional, insensibilidade aos outros e finalmente, o
23

isolamento social. Por sua vez, o ambiente tenderá a responder de forma punitiva à esses
comportamentos comunicativos disfuncionais por gerar frequentes mal-entendidos, fazendo com
que o indivíduo busque na solidão o reforço que não encontra nas interações sociais
(CABALLO, 2008).

Além dessas variáveis, os indivíduos com TPEZ frequentemente apresentam uma


história marcante de rejeição e intimidação por parte dos seus pares. Isso faz com que estes
indivíduos muitas vezes sintam-se diferentes da unidade familiar mais próxima ou, de alguma
maneira, diminuídos em comparação com os outros. Consequentemente, passam a se ver como
diferentes em um sentido negativo, a ver os outros como não-bondosos e não-disponíveis, e as
interações sociais como difíceis e prejudiciais. Como resultado, eles desenvolvem uma série de
regras ou suposições que tem como função lhes dar ´´segurança´´, e adotam um estilo de vida de
solidão e ausência de envolvimentos com os demais (BECK et al., 2005).

2.3. Fatores de Manutenção

Agora serão abordados mais detidamente os fatores de manutenção do TPEZ. Entende-se


por fatores de manutenção variáveis presentes no contexto atual do indivíduo que, de alguma
forma, contribuem para que determinados comportamentos se mantenham. Essas variáveis, por
sua vez, podem fazer parte tanto do ambiente externo como do mundo interno ou privado do
sujeito.

No que diz respeito ao TPEZ, a falta de pesquisas e estudos sobre os fatores de


manutenção do quadro é marcadamente acentuada. Diante dessa dificuldade, optamos por fazer
uma revisão teórica das variáveis que mais frequentemente se observa na manutenção de quadros
semelhantes, com base em uma perspectiva analítico-comportamental e cognitvo-
comportamental. A partir desse referencial, levantaremos e investigaremos os possíveis fatores
de manutenção envolvidos diretamente no TPEZ.

Do ponto de vista cognitivo, entende-se que a maneira como os indivíduos processam os


dados acerca de si mesmos, do ambiente e dos outros, é influenciada por suas crenças e outros
componentes de sua organização cognitiva. Quando há a presença de uma psicopatologia,
24

observa-se que esse processamento de dados passa a ser sistematicamente distorcido, tendo como
consequência inadequações marcantes na forma como o indivíduo relaciona-se consigo mesmo,
com o ambiente e com suas expectativas em relação ao futuro (KNAPP, 2004).

Essas crenças ou esquemas cognitivos mal-adaptativos, segundo Knapp (2004), se


originam a partir da interação entre situações externas significativas, e a hipersensibilidade
pessoal à rejeição e ao abandono do sujeito. Deste modo, o autor complementa dizendo que ´´o
indivíduo busca estratégias específicas compensatórias que o auxiliem a lidar e proteger-se da
ativação dolorosa dessas crenças´´ (p. 312). Como já abordado anteriormente, o indivíduo com
um transtorno da personalidade desenvolve um repertório pobre, rígido e inflexível de estratégias
para lidar com os seus esquemas disfuncionais.

O paciente com TPEZ, por exemplo, possui uma visão de si mesmo como solitário,
autosuficiente e independente. Vê os outros como intrusos, estranhos e diferentes, utilizando o
afastamento ou isolamento e a preferência por atividades solitárias, como estratégias básicas para
lidar com tais esquemas (CABALLO, 2008). Deste modo, como os indivíduos esquizóides
utilizam estas estratégias disfuncionais sistematicamente, sua visão de si e do mundo é reforçada,
aumentando ainda mais a frequência e intensidade na emissão dessas respostas, criando um
círculo vicioso que mantém o problema.

Uma outra contribuição importante da visão cognitiva a respeito dos fatores de


manutenção dos transtornos da personalidade, refere-se à terapia focada em esquemas de Jeffrey
Young (1994). De acordo com essa abordagem, um esquema ´´é um padrão do indivíduo pensar,
sentir e conduzir-se extremamente estável e persistente que se desenvolve na infância, e segue
em elaboração durante a vida do indivíduo.´´ (YOUNG, 1994; KNAPP, 2004, p.314).

Esse modelo foi desenvolvido com o objetivo de tratar aspectos caracterológicos


crônicos dos transtornos, e se constituiu como uma ampliação da terapia cognitivo-
comportamental tradicional de Beck. A terapia do esquema incorpora e integra elementos de
diferentes abordagens teóricas e enfatiza as origens infantis e adolescentes dos problemas
psicológicos, as técnicas emotivas, a relação terapêutica e os estilos desadaptativos de
enfrentamento (YOUNG; KLOSKO; WEISHAAR, 2008).
25

Segundo Young (2008), a terapia do esquema pode ser breve, de médio ou longo prazo,
dependendo do paciente, e pode ser utilizada em conjunto com outros tratamentos, como a TCC
clássica e medicações. Esta forma de terapia, foca os ´´temas´´ psicológicos fundamentais típicos
de pacientes com transtorno da personalidade, ou, como são habitualmente denominados,
esquemas iniciais desadaptativos (EID). Os EID possuem algumas características próprias de
acordo com o autor, como: são formados por memórias, emoções e sensações corporais; são
desenvolvidos durante a infância ou adolescência; são disfuncionais em nível significativo;
dentre outras (YOUNG; KLOSKO; WEISHAAR, 2008).

Young (2008) afirma ainda que os comportamentos desadaptativos são respostas a um


esquema, portanto, os primeiros seriam uma consequência do segundo, não se constituindo como
partes dele. Diante de uma ameaça, o indivíduo tende a responder basicamente de três formas:
luta, fuga ou congelamento (freezing), às quais correspondem respectivamente aos três estilos de
enfrentamento para a terapia do esquema: hipercompensação, evitação e resignação. A tarefa
básica do terapeuta, dentro desse modelo, é aliar-se ao paciente para ´´lutar´´ contra os esquemas
disfuncionais deste, usando estratégias cognitivas, afetivas, comportamentais e interpessoais
(YOUNG; KLOSKO; WEISHAAR, 2008).

Beck et al. (2005) descreve alguns esquemas ou crenças básicas habitualmente


encontradas em pacientes com TPEZ e suas estratégias associadas, como por exemplo:
Esquemas ou crenças básicas: ´´Eu preciso de muito espaço´´; ´´Eu sou, basicamente, uma
pessoa sozinha´´; ´´Relacionamentos íntimos com as pessoas são frustrantes e complicados´´;
´´Eu consigo fazer melhor as coisas se não for perturbado pelos outros´´; ´´Relacionamentos
íntimos são indesejáveis porque interferem na minha liberdade de ação´´. Estratégia básica
associada: Isolamento.

As crenças condicionais típicas destes indivíduos são: ´´Se eu me aproximar muito das
pessoas, elas vão querer tomar conta´´; ´´Não poderei ser feliz se não tiver mobilidade completa
´´. Suas crenças instrumentais são: ´´Não chegue muito perto´´; ´´Mantenha distância´´; ´´Não se
envolva´´. Todas essas crenças têm como estratégia básica o comportamento de manter distância
dos outros, podendo esta distância ser rompida apenas por razões específicas, como atividades
profissionais ou sexo. Indivíduos esquizóides sentem-se bastante ameaçados e ansiosos quando
são forçados a ter encontros íntimos, ou por qualquer ação que represente
26

intromissão em seu espaço. Em contrapartida, seu afeto tende a se manter estável, com baixos
níveis de desconforto quando estão sozinhos (BECK et al., 2005).

Todos os processamentos esquemáticos e estratégias de enfrentamento citadas podem


ser vistos como ´´armadilhas´´ que mantêm os padrões rígidos de funcionamento inalterados,
dificultando inclusive a abordagem terapêutica. No tratamento do TPEZ, essas variáveis
cognitivas podem ser de grande auxílio para o terapeuta no processo de planejamento, seleção e
aplicação dos procedimentos clínicos, incluíndo-se aí o manejo da relação terapêutica.
Indivíduos esquizóides tem uma forte resistência em estabelecer um vínculo interpessoal, o que
pode dificultar bastante a tarefa do terapeuta em quebrar esse ´´muro´´ que estes pacientes criam.
No entanto, isso pode se tornar um fator motivacional e desafiador para o terapeuta.

A fim de contribuir para um refinamento da compreensão dos fatores de manutenção no


TPEZ, veremos agora como o modelo analítico-comportamental explica esse processo. Este
modelo é baseado na proposição de Skinner (1981/2007), que afirma que o comportamento é
selecionado e mantido por suas consequências. Essa proposição traz um novo conceito a respeito
do comportamento humano: o comportamento operante. Por comportamento operante entende-se
um conjunto de interações organismo-ambiente que envolvem especialmente ações e suas
consequências. A existência de tal comportamento é explicada pela presença de certas variações
nas respostas emitidas por um indivíduo e pela seleção de tais variações por conseqüências
comportamentalmente relevantes, ou seja, que aumentam a frequência dessas respostas
(SKINNER, 1981/2007, apud BORGES; CASSAS, 2012).

Um segundo aspecto desse modelo diz respeito à multideterminação do


comportamento, ou seja, da inter-relação entre diferentes causas para o aparecimento do mesmo.
Skinner (1981/2007, apud Borges e Cassas, 2012), sintetizou essa idéia afirmando que o
comportamento humano é resultado de contingências de sobrevivência responsáveis pela seleção
natural das espécies (nível filogenético), contingências de reforçamento responsáveis pelos
repertórios adquiridos por seus membros (nível ontogenético) e contingências especiais mantidas
por um ambiente social evoluído (nível cultural).

Essa visão trouxe uma importante contribuição para a explicação dos diferentes
repertórios comportamentais, na medida em que estes passam a ser compreendidos não apenas a
27

partir da história da espécie (filogênese), mas também a partir de histórias individuais


(ontogênese) e especialmente a partir da cultura. A cultura, segundo Skinner (1957/1978, apud
Borges e Cassas, 2012), é produto da seleção de operantes individuais propagados entre
diferentes indivíduos gerando práticas culturais, que por sua vez passam a ser selecionadas por
suas consequências para o grupo como um todo. O principal fenômeno responsável por
possibilitar o surgimento da cultura seria o comportamento verbal, um tipo especial de operante
que permitiria aos indivíduos se beneficiarem de interações que nem sequer viveram (ANDREY,
2001; TOURINHO, 2009, apud BORGES; CASSAS, 2012).

A análise do comportamento apresenta também um tipo diferente e poderoso de controle


e manutenção do comportamento: o controle por regras. Skinner (1963/1969, apud Borges e
Cassas, 2012), define regra como ´´estímulos verbais antecedentes que descrevem uma
contingência´´ (p. 171). Por exemplo, após um paciente com TPEZ relatar que não interagiu com
seus primos no fim de semana, o terapeuta diz: ´´Você notou que sempre quando vai a casa dos
seus primos no final de semana (antecedente) você evita conversar com eles (resposta)? Você
disse também que quando age assim eles parecem cochichar e rir de você, além de não
chamarem você para jogar futebol (consequências).´´ Nesse exemplo, o terapeuta apresentou
uma regra ao paciente ao descrever as condições sob as quais o seu comportamento ocorre,
incluindo as consequências. Essas relações entre o responder e os eventos ambientais
antecedentes e consequentes recebem o nome de contingências.

Esse tipo de controle comportamental por meio de regras é bastante comum na nossa
sociedade, onde crescemos ouvindo instruções a respeito do que devemos ou não fazer, do que
podemos ou não fazer, e de como nos comportar em diferentes circunstâncias. O comportamento
governado por regras possui propriedades diferentes das do comportamento modelado por
consequências apresentado anteriormente. Ou seja, as regras proporcionam o aprendizado de
uma resposta sem que seja necessário vivenciar diretamente uma contingência (CATANIA,
1999, apud BORGES; CASSAS, 2012).

Além disso, é importante destacar que o seguimento de regras não é feito apenas por sua
simples presença. Existem diferentes fontes de controle envolvidas no seu seguimento como, por
exemplo, a correspondência entre a descrição da regra e os eventos do ambiente a que ela se
refere, a existência de variáveis sociais e culturais, como quando se diz que alguém foi aprovado
28

pelos membros da sua comunidade por ser obediente ou reprovado por ser desobediente, os
ganhos e perdas envolvidos em sua emissão e não emissão, dentre outras (CATANIA, 1999;
MATOS, 2001, apud BORGES; CASSAS, 2012).

No contexto clínico, é importante o terapeuta identificar as regras que estão mantendo o


comportamento disfuncional do paciente, suas variáveis de controle e aplicar estratégias para
modificá-las. Com base no que foi apresentado até aqui a respeito dos fatores de manutenção na
perspectiva da análise do comportamento, podemos inferir que no caso de indivíduos com TPEZ,
seus padrões de comportamento habituais como a indiferença, a falta de interesse nos
relacionamentos sociais e o distanciamento, seriam mantidos pelas consequências que eles
produzem que, de algum modo, seriam reforçadoras para esses sujeitos, e possivelmente por um
sistema de regras aprendidos ao longo da sua história.

Um indivíduo esquizóide, por exemplo, pode se isolar, manter pouco contato visual e ser
pouco cordial em um evento social porque isso traz como consequências a não aproximação das
pessoas e um sentimento de alívio e tranquilidade, aumentando a probabilidade dessa resposta vir
a ocorrer em situações semelhantes no futuro. Essas consequências tem um valor reforçador
negativo, pois além de aumentar a frequência das respostas citadas, tem a função de impedir que
um estímulo aversivo (a interação com alguém) ocorra. Deste modo, a maioria das respostas
esquizóides seriam mantidas por contingências de reforçamento negativo. Isso porque esses
indivíduos tendem a evitar sistematicamente qualquer tipo de interação social que, para eles, tem
função aversiva, produzindo alívio, bem-estar e consequentemente aumentando e mantendo os
padrões de evitação e isolamento. Por outro lado, seu comportamento solitário e sem iniciativa
seria mantido por contingências reforçadoras positivas, pois ao se manterem distantes e
indiferentes estes indivíduos experimentam como consequência tranquilidade e bem-estar,
aumentando a frequência dessas respostas.

Para concluir, é provável que regras aprendidas desde a infância tenham um papel
importante no controle e manutenção dos comportamentos esquizóides. Exemplos dessas regras
podem ser ´´os outros são inconvenientes e não me acrescentam em nada´´ ou, ´´sou
independente dos outros, se eu me deixar envolver, perderei minha liberdade´´. Essas e outras
regras de natureza semelhante favoreceriam a manutenção dos padrões esquizóides de
comportamento, fazendo com que o indivíduo se feche em um mundo aparentemente
29

impenetrável. Isso se daria, segundo o modelo comportamental, na medida em que ao emitir tais
regras para si mesmo (auto-regras), estas tenderiam a funcionar como estímulos discriminativos
para o comportamento dito esquizóide, ou seja, estão relacionadas com uma maior probabilidade
de que a resposta especificada pela regra produza reforço quando emitida (SKINNER,
1963/1966/1969, apud BORGES; CASSAS, 2012).

Como já abordado anteriormente, os comportamentos mais comuns em pacientes


diagnosticados com TPEZ que teriam sua ocorrência mais provável em função de produzir
reforçadores, são o isolamento, a indiferença social e o fechamento em si mesmo. No próximo
capítulo nos voltaremos para as estratégias cognitivo-comportamentais de avaliação e tratamento
do TPEZ.
3. AVALIAÇÃO E TRATAMENTO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL

3.1. Avaliação

O processo de avaliação clínica em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), é


fundamental e extremamente valorizado pelos terapeutas que atuam dentro dessa abordagem.
Isso porque entende-se que é partir de uma avaliação refinada e abrangente que o clínico terá
condições de realizar uma adequada formulação dos problemas apresentados, e elaborar e aplicar
um plano de intervenção apropriado.

Writh e Basco (2008) defendem uma avaliação detalhada que contemple os sintomas
atuais do paciente, suas relações interpessoais, sua base sociocultural, e seus pontos fortes
pessoais, além de levar em consideração a história genética e de desenvolvimento do indivíduo.
Dessa forma, o terapeuta poderá ter uma visão ampla a respeito da influência destes múltiplos
aspectos no comportamento atual do paciente e trabalhará baseado na ideia de multideterminação
do comportamento.

Apesar da TCC ser comprovadamente eficaz para diversos transtornos do eixo I por meio
de estudos controlados e randomizados, ela não tem evidências suficientes da sua eficácia para
transtornos do eixo II, especialmente o TPEZ (BUTLER; BECK, 2000 apud WRITH; BASCO,
2008). Isso poderia gerar dúvidas a respeito da adequação de uma terapia dessa natureza para um
paciente com TPEZ.

A ideia de que talvez indivíduos com TPEZ não sejam bons candidatos à TCC e mesmo à
outras abordagens terapêuticas, parece ter algum fundamento, levando-se em consideração a
forma de se relacionar destes indivíduos. Caballo (2008) diz que obter informações sobre
indivíduos com um TPEZ é uma tarefa muito difícil, e que estes são incapazes de proporcionar
feedback, dificultando muito ao terapeuta perceber como se sentem, se estão incomodados com o
avaliador e com a terapia. Isso nos leva a pensar se é possível estabelecer uma relação
terapêutica de confiança e colaborativa com esses pacientes, essencial em TCC. Writh e Basco
(2008) afirmam que sujeitos com transtornos mentais graves, como demência avançada, estados
confusionais transitórios como delirium ou intoxicação por drogas, e aqueles nos quais há um
31

comprometimento significativo no desenvolvimento de uma aliança terapêutica como o


transtorno da personalidade anti-social, são contra-indicados para a TCC. Seguindo essa linha de
raciocínio, poderíamos também incluir o TPEZ.

Writh e Basco (2008) apresentam um grupo de sete dimensões essenciais a serem


consideradas na indicação e prognóstico para a TCC. Como o objetivo deste estudo não é
aprofundar esse tema, apenas citaremos tais dimensões, quais sejam: cronicidade e complexidade
do problema; otimismo em relação às chances de sucesso na terapia; aceitação e
responsabilidade pela mudança; compatibilidade com a linha de raciocínio cognitivo-
comportamental; capacidade de acessar pensamentos automáticos e as emoções que os
acompanham; capacidade de envolver-se em uma aliança terapêutica e; capacidade de manter e
trabalhar dentro de um foco orientado para o problema.

De acordo com estas dimensões, podemos levantar uma forte suspeita de que o paciente
com um TPEZ não seria um paciente adequado à TCC e que, estando em terapia, seu prognóstico
seria desanimador. Essa suspeita se relaciona principalmente à grande dificuldade destes
indivíduos de se envolverem em uma aliança terapêutica, o que torna o processo clínico
marcadamente comprometido.

Essa dificuldade em estabelecer um vínculo terapêutico minimamente sólido com um


paciente esquizóide, se evidencia através da sua postura na entrevista. Caballo (2008) diz que
este expressará seus problemas de forma tão fria que será difícil perceber se são fundamentais
para ele ou não, dado o precário envolvimento emocional que demonstra em seu relato, e que se
manterá impassível diante da empatia do clínico. O autor segue destacando que ´´não é
conveniente lhe fazer perguntas para indagar se se sente confortável na consulta, porque é
provável que não saiba ou, se souber, que não se importe absolutamente´´ (p. 87). É provável
que o terapeuta tenha a sensação de que nunca chegou a estabelecer um bom vínculo terapêutico,
pois tal vínculo caracteriza-se pela vontade e disposição do paciente em relatar e discutir seus
sintomas e problemas mais íntimos, sentimentos dos quais o esquizóide carece (CABALLO,
2008).

Segundo Othmer e Othmer (1996, apud Caballo, 2008), o indivíduo esquizóide costuma
responder somente ´´sim´´ ou ´´não´´ ou com frases muito curtas desde o início da entrevista,
32

independente da estratégia que o terapeuta adote. Os autores relatam ainda que, em função disso,
a tentativa de ´´entrar´´ no ´´mundo´´ do esquizóide está fadada ao fracasso. Essa marcada
limitação da expressão verbal e emocional, segundo Caballo (2008), não se deve a um
mecanismo de defesa do indivíduo, mas sim a um vazio mental e emocional.

Uma boa alternativa para complementar a avaliação clínica, são instrumentos de auto-
relato como o MCM-III (MILLON et al., 1994 apud CABALLO, 2008), ou entrevistas
estruturadas como a SCID-II (FIRST et al., 1997 apud O'DONOHUE et al., 2010). Estes
instrumentos podem facilitar, e até mesmo serem a única via de acesso às informações sobre o
paciente com TPEZ, em função da dificuldade de extraí-las por meio da interação verbal.

De posse das informações coletadas na entrevista e/ou nos instrumentos


complementares, cabe ao terapeuta organizá-las e sistematizá-las por meio da construção de uma
formulação clínica com base nos pressupostos cognitivos e comportamentais. Essa formulação
nada mais é do que um mapa de orientação para o trabalho com o paciente (WRIGHT; BASCO,
2008). A partir dela, o terapeuta estará apto a elaborar um plano de tratamento adequado para um
determinado paciente, e suas chances de sucesso terapêutico serão maiores. Cabe lembrar que
essa formulação representa apenas uma hipótese sobre os problemas e o funcionamento do
paciente, podendo ser revisada e/ou alterada no curso do processo clínico. Esboçada a
formulação clínica inicial, e traçado o plano de tratamento, inicia-se o processo de intervenção
que será abordado a seguir.

3.2. Tratamento

Após uma avaliação clínica refinada e a formulação de um plano de tratamento com base
nesta, o terapeuta pode iniciar a fase de intervenção propriamente dita. Neste estudo, a fase de
intervenção ou tratamento para o TPEZ será apresentada dentro do referencial teórico cognitivo e
comportamental, enfatizando e dando atenção especial ao que chamamos de ´´relação terapêutica
´´, por entender que esta é essencial para o êxito do processo clínico, especialmente quando
lidamos com um paciente esquizóide.
33

Pacientes com TPEZ tem pouca probabilidade de procurar ajuda terapêutica em função
de suas tendências de comportamento solitário, e por não acreditarem que seu desinteresse e falta
de relacionamentos sociais sejam um problema que mereça atenção clínica, como já mencionado
anteriormente. Geralmente, tais sujeitos chegam ao tratamento em função de outros problemas de
vida como depressão, estresse agudo, pressão familiar, vícios, etc. (O'DONOHUE et al., 2010;
CABALLO, 2008).

Embora não existam muitas informações ou pesquisas empíricas sobre o tratamento para
o TPEZ, principalmente em função da pouca motivação para mudar e uma severa limitação na
expressão afetiva destes sujeitos, podemos destacar algumas intervenções clínicas com boas
chances de produzir bons resultados.

Beck et al. (1990;2005) sugeriram, por exemplo, formular e discutir com o paciente
esquizóide, uma lista de vantagens e desvantagens de fazer terapia, com o objetivo de motivar e
engajar o indivíduo no processo. Outros possíveis objetivos sugeridos são: aumentar o contato
social, ensinar habilidades para identificar emoções em si mesmo e nos outros, e treinar
simulações de comportamentos sociais adequados em um grupo terapêutico. Millon (1981, apud
O'donohue et al., 2010), considera que modificações maiores da estrutura do caráter destes
sujeitos são improváveis e que a terapia deve visar a princípio reduções modestas no isolamento
social e promover ajustes mais efetivos a novas circunstâncias.

Supondo que o paciente esteja motivado a mudar, estratégias como o treinamento em


habilidades sociais (especialmente em grupo), e a exposição gradual a tarefas sociais
estruturadas, podem ser úteis para melhorar e aumentar as relações interpessoais deste
(CABALLO, 2008). Na área cognitiva, a modificação dos esquemas e pensamentos
disfuncionais básicos desse transtorno é difícil, considerando a importância da colaboração entre
paciente e terapeuta que esse tipo de intervenção exige. Embora as estratégias terapêuticas
focadas na mudança cognitiva sejam vagas e imprecisas, Beck et al. (1990, apud Caballo, 2008)
propuseram a utilização de um registro diário de pensamentos disfuncionais e um aumento na
vivência de emoções positivas, principalmente por meio de tarefas comportamentais.

A partir de agora, serão abordadas duas estratégias clínicas que entendemos ser muito
importantes no manejo de pacientes com TPEZ. A primeira refere-se a uma técnica
34

essencialmente comportamental: a modelagem. E a segunda, que será explorada com mais


atenção, se refere a uma variável presente em qualquer processo clínico: a relação terapêutica.
Ambas serão apresentadas com base em uma perspectiva fundamentalmente comportamental,
destacando os aspectos funcionais observados.

3.3. Modelagem

A modelagem pode ser definida como ´´um processo gradativo de aprendizagem em que
o responder é modificado gradualmente por meio de reforçamento diferencial de aproximações
sucessivas de uma resposta-alvo final´´ (BORGES; CASSAS, 2012, p. 166). Esse processo pode
ocorrer através da exposição natural às contingências ambientais do indivíduo, ou como um
procedimento planejado pelo terapeuta.

A modelagem exige a presença de dois critérios que a caracterizam, quais sejam: o


reforçamento diferencial, que consiste no reforço de algumas respostas e não de outras, e as
aproximações sucessivas, que são mudanças graduais de critério para reforço. Esses critérios são
baseados normalmente em características das respostas, tais como a intensidade, duração,
topografia, latência, etc., e vão mudando conforme o responder vai se aproximando da resposta-
alvo final (BORGES; CASSAS, 2012).

De acordo com o princípio de Skinner da seleção por consequências, espera-se que o


reforço que se segue a uma determinada resposta gradualmente a selecione e a mantenha, até que
a resposta-final ocorra e seja reforçada. É evidente que a modelagem exige também um outro
princípio básico da teoria de Skinner: a variabilidade. Ou seja, apenas quando o responder varia
ao longo de dimensões apropriadas, é que podemos reforçar tais variações que se aproximam da
resposta final que queremos instalar (BORGES; CASSAS, 2012).

Em resumo, a modelagem se mostra uma estratégia clínica útil por proporcionar dois
tipos de mudança comportamental: a aquisição de novas respostas, e o aprimoramento de um
repertório preexistente. Borges e Cassas (2012) destacam que é a contingência de reforçamento
diferencial a responsável por tais mudanças e pela instalação de novas respostas.
35

Para ilustrar, será apresentado agora um exemplo clínico de como a modelagem pode ser
aplicada a um paciente com TPEZ, lembrando que não é objetivo deste estudo aprofundar o
tema. Inicialmente, terapeuta e paciente devem definir em conjunto uma resposta-alvo final a ser
alcançada, descrevendo-a em termos de topografia, duração, magnitude, etc. Por exemplo, após
algumas discussões, a díade terapêutica chega a resposta-final ´´manter uma interação verbal
gratificante por trinta minutos com o colega de trabalho X´´. Essa resposta-final, assim definida,
permitirá ao terapeuta estruturar cada passo de sua intervenção e, ao final, determinar se e
quando o comportamento está devidamente instalado.

O segundo passo é selecionar o estímulo reforçador a ser utilizado. No exemplo


apresentado, o terapeuta escolheu utilizar o engajamento do paciente em jogar o seu game
favorito após o trabalho por algumas horas e solitariamente, atividade na qual o paciente relatou
ser sua única fonte ´´prazer´´.

Em seguida, deve-se formular uma lista hierárquica de respostas, começando por


identificar a primeira resposta a ser reforçada, a resposta-alvo e o continuum de respostas
possíveis entre esses dois extremos. Para que a primeira resposta a ser reforçada seja escolhida, é
necessário que ela seja emitida com uma frequência mínima e tenha alguma semelhança com a
resposta-alvo final. No nosso exemplo, terapeuta e paciente definiram como primeira resposta
´´olhar o colega de trabalho por alguns minutos demonstrando interesse em se aproximar´´.

O próximo passo, é definir o número de vezes que cada resposta da lista será reforçada.
É preciso ter cuidado neste passo, pois reforçar muitas vezes uma mesma resposta pode
fortalecê-la em demasia, consequentemente impedindo a ocorrência de novas variações mais
próximas à resposta-final. Por outro lado, reforçar pouquíssimas vezes tal resposta pode
desestruturar todo o processo (BORGES; CASSAS, 2012). Inicialmente, terapeuta e paciente
decidiram reforçar oito vezes cada resposta e avaliar o grau de instalação e manutenção de cada
uma delas.

Após cumprido todos esses passos, inicia-se o procedimento de reforçamento diferencial


propriamente dito, e muda-se o critério a cada vez que a resposta em questão tiver sido reforçada
o número de vezes estabelecido. Aqui, essa mudança de critério se traduz pela extinção do
reforço nas respostas anteriores (aquelas mais distantes da resposta-alvo final), e o aumento
36

gradual do reforço nas respostas mais próximas a resposta final até que esta ocorra, devendo ser
reforçada continuamente para que seja efetivamente instalada e mantida no repertório do
paciente. Borges e Cassas (2012) advertem que a imediaticidade do reforço é um fator crítico de
todas as etapas da modelagem, ou seja, sugerem que todo reforço deve ser entregue assim que a
resposta terminar de ser emitida, de modo que se este for entregue com atraso, corre-se o risco de
outra resposta ocorrer no intervalo, e o reforço ficar contíguo à esta, aumentando sua frequência
em detrimento da outra.

Desta forma, consideramos que o processo de modelagem é muito útil enquanto uma
estratégia de intervenção para problemas-alvo do TPEZ, como por exemplo, a ausência
generalizada de interações sociais. O fato deste método se basear completamente em reforço
positivo (evitando os efeitos colaterais de intervenções de cunho aversivo), e não exigir que uma
determinada resposta final ocorra para só assim ser reforçada (o que poderia demorar muito ou
até mesmo nunca ocorrer), constitui uma vantagem significativa para sua aplicação,
especialmente no caso de pacientes com TPEZ. Portanto, acreditamos ser possível diminuir
gradativamente os déficits comportamentais e emocionais característicos do TPEZ, ao mesmo
tempo em que investimos na criação e fortalecimento de uma relação verdadeiramente
terapêutica, calorosa e intensa, mesmo diante das limitações presentes nos indivíduos com TPEZ.

3.4. Relação Terapêutica

O fenômeno ´´relação terapêutica´´ tem sido bastante explorado no campo da psicologia


clínica nos últimos tempos (independentemente da escola teórica), devido à constatação de sua
grande importância como poderosa ferramenta de mudança. Apesar de, historicamente, a clínica
comportamental ter relegado a relação terapêutica a um segundo plano, atualmente essa
abordagem vem destacando bastante a sua importância para que o processo clínico seja eficaz
(DE-FARIAS, 2010). Neste tópico, serão apresentados aspectos relevantes sobre esta variável
clínica no manejo de pacientes com TPEZ, sob um olhar predominantemente funcional e
comportamental.
37

Baum (1994/1999, apud De-Farias, 2010), define a relação terapêutica como um


conjunto de interações regulares entre terapeuta e paciente, que envolve reforço mútuo e um
caráter de ajuda, onde o terapeuta, através de seus conhecimentos teóricos e técnicos, visa criar
condições para que o paciente consiga superar os obstáculos que vem enfrentando. Para que esse
objetivo seja alcançado, é essencial que o terapeuta se esforce no sentido de criar uma relação
pautada em uma escuta não punitiva, ou seja, uma escuta livre de censura e julgamentos, para
que o paciente possa se expressar de forma livre, sem medo ou ansiedade.

O objetivo inicial de todo processo terapêutico segundo Skinner (1953/1978, apud


Borges e Cassas, 2012), é conseguir tempo com o paciente, criando meios para que o contato
seja reforçador, e assim reduzir minimamente o sofrimento deste. Ao mesmo tempo que o
terapeuta se engaja nesse objetivo, deve também se dedicar à coleta de informações, realizar uma
formulação inicial do caso, compartilhá-la com o paciente e, junto com este, definir metas que
façam sentido a ambos.

De acordo com o raciocínio de Ferster (1972, apud De-Farias, 2010), de que é provável
que os padrões comportamentais do paciente também ocorram no contexto clínico (na própria
relação com o terapeuta) através de mecanismos de generalização operante e respondente,
podemos supor que um indivíduo com TPEZ que procurou terapia, exibirá padrões manifestos de
indiferença e distanciamento emocional. Deste modo, o autor sugere que o terapeuta poderia usar
suas próprias reações para modelar os comportamentos do paciente, como por exemplo,
demonstrar interesse, compreensão, empatia e respeito, através de verbalizações de validação e
´´normalização´´ dos comportamentos e sentimentos deste.

Essa estratégia vai ao encontro do que Borges e Cassas (2012) afirmam, ou seja, a
reatividade ´´diferencial´´ do terapeuta, como um ouvinte e falante especialmente treinado, teria
a capacidade potencial de produzir mudança comportamental em diferentes níveis no paciente.
Essa mudança no padrão do paciente, segundo Moreira e Medeiros (2007, apud De-Farias,
2010), seria em função da reposta diferencial do terapeuta ao comportamento do paciente ser
naturalmente reforçadora, ou seja, estabelecida diretamente da relação entre o que este faz e as
consequências deste fazer, e não algo imposto arbitrariamente pelo terapeuta (reforço arbitrário).
38

Durante os encontros iniciais e ao longo de todo o processo clínico, é papel do terapeuta


cognitvo-comportamental analisar funcionalmente a sua relação com o paciente esquizóide, e os
efeitos que esta produz tanto nele terapeuta como no paciente. Borges e Cassas (2012) citam
variáveis do terapeuta que possivelmente teriam influência na construção e manutenção do
vínculo terapêutico, como por exemplo, a idade do terapeuta como um facilitador ou não a
aceitação de suas falas, e a expressão de empatia por parte do terapeuta como fonte de influência
para comportamentos do paciente dentro e fora da sessão.

Um outro aspecto relevante no que diz respeito a relação clínica estabelecida entre
terapeuta e um paciente com TPEZ, refere-se a necessidade de autoconhecimento e autoanálise
por parte do terapeuta. Esse autoconhecimento e autoanálise estão centrados na identificação e
manejo de crenças e valores pessoais do terapeuta. Isso porque, segundo Beck et al. (2005), lidar
com pacientes cujas crenças e valores básicos contrastam acentuadamente com os do terapeuta,
pode tornar a relação difícil e por vezes paralisante. Podemos supor, desta forma, que as crenças
e valores básicos de um paciente esquizóide tendem a diferir de forma significativa das crenças e
valores básicos do terapeuta, pelo fato deste ter escolhido uma profissão voltada para interações
e relacionamentos interpessoais. Isso pode eliciar fortes reações afetivas no terapeuta que
precisam ser trabalhadas e compreendidas para que a terapia possa fluir de maneira eficaz
(BECK et al., 2005).

Outro processo que pode ser utilizado na relação terapêutica é a modelação, ou seja, o
terapeuta pode servir de modelo para que o paciente tente modificar o seu próprio
comportamento por meio da observação direta de como se comportar (DE-FARIAS, 2010). Um
exemplo poderia ser o terapeuta exibir comportamentos verbais e não verbais que sinalizem
interesse, dinamismo e calor afetivo para o paciente esquizóide, com o objetivo de tentar
´´quebrar´´ a sua postura fria e indiferente. Se ocorrer um processo de aprendizagem, por menor
que seja, estes novos comportamentos devem ser reforçados pelo terapeuta e, desta forma, serem
generalizados para o ambiente natural do paciente. Ocorrendo tais mudanças comportamentais
em outros contextos, espera-se que outras variáveis venham a reforçar positivamente novos
repertórios como, por exemplo, a atenção de familiares e colegas, e reforçá-los negativamente
por evitar a crítica e outros comportamentos aversivos dos mesmos.
39

A medida que o paciente comece a emitir respostas sociais mais adequadas e eficazes, o
terapeuta pode exigir padrões cada vez mais aprimorados (modelagem), ou mesmo, tornar o
reforço menos frequente. De-Farias (2010) afirma a esse respeito que, em termos de esquemas de
reforçamento, o reforço intermitente (não reforçar sempre todas as respostas), se mostra mais
eficaz para a manutenção de um comportamento do que o reforço contínuo (reforçar sempre
qualquer resposta). Isso porque, fora da terapia, nem todos os comportamentos desejados serão
continuamente reforçados, mas precisam continuar ocorrendo. Desta forma, o esquema de
reforçamento intermitente se torna mais efetivo para que o comportamento se torne resistente à
extinção, mesmo na ausência de reforçadores. Em síntese, podemos dizer que o objetivo maior
desta estratégia é que o esquizóide entre em processo de habituação no que se refere a
comportamentos interpessoais, e passe a se reconhecer cada vez mais como um ´´ser social´´,
reduzindo gradativamente seu distanciamento afetivo, desejo inflexível de solidão e isolamento.

Dentro de uma visão funcional, a interação terapeuta e paciente pode assumir diversas
funções para a díade. A primeira delas refere-se ao fato de que comportamentos do primeiro
funcionam como reforçadores do segundo. Um exemplo seria a compreensão acolhedora do
terapeuta aumentar as chances do paciente se ´´abrir´´ mais, relatando eventos significativos de
vida. Outra possível função seria o comportamento do terapeuta funcionar como estímulo
condicionado para a evocação de sensações de bem-estar como, por exemplo, o tom de voz do
terapeuta despertar tranquilidade no paciente. Uma terceira função seria o comportamento deste
assumir a função de estímulo discriminativo para a emissão de respostas (do paciente) mais
próximas das que se deseja obter, dentro ou fora da terapia (BORGES; CASSAS, 2012).

Diante dessas inúmeras possibilidades de interpretação funcional da relação terapeuta-


paciente, Ferster (1966/1979, apud Borges e Cassas, 2012), destaca que o terapeuta deve ser
treinado para analisar aspectos do relacionamento terapêutico, reconhecendo seus mecanismos
de funcionamento e seus múltiplos efeitos sobre a díade, com o objetivo de aumentar a chance de
bons resultados terapêuticos. O autor complementa ainda dizendo que o controle do
comportamento do sujeito seria demonstrado pela maestria de quem o condiciona, e que é difícil
afirmar o quanto da terapia é governado pela teoria que lhe da sustentação, ou pela
interação/relação que vai se desenrolando com o paciente ao longo do processo.
40

Ferster propõe ainda a idéia de que o terapeuta atuaria de modo similar ao pesquisador
no laboratório, facilitando a ocorrência de um comportamento do paciente que precisará ser
mantido no contexto natural deste por consequências não mediadas pelo terapeuta. Esse objetivo
seria atingido gradualmente através das reações seletivas do terapeuta ao paciente, permitindo
assim a transformação de queixas generalizadas em desempenhos novos. O discurso do paciente
seria, primariamente, um desempenho reforçado por fazer o terapeuta entender. Assim, Fester
defende que o objetivo principal do processo clínico seria facilitar ao paciente o relato de
sentimentos, atentando para aspectos antes desconhecidos, e que este passe a identificar seus
prováveis antecedentes funcionais. Essa habilidade seria aprendida através das análises
funcionais feitas pelo terapeuta da própria interação ocorrida na sessão, e sobre outros relatos do
paciente, fazendo com que este identifique alternativas de comportamento fora da terapia mais
reforçadoras e menos aversivas.

Para finalizar, acreditamos que, em se tratando de pacientes com TPEZ, o investimento


do terapeuta em estabelecer e manter uma relação terapêutica diferencial, ou seja, uma relação
baseada em escuta não punitiva, autenticidade, acolhimento e aceitação incondicional, é
essencial para a ocorrência de mudanças efetivas no repertório comportamental do paciente.
Este, por sua vez, tendo a oportunidade de vivenciar uma relação interpessoal diferenciada,
provida de elementos afetivos genuínos, pode começar a descobrir o valor reforçador da
interação com seus semelhantes e, pouco a pouco, ir aprendendo a obter satisfação e bem-estar
por meio dessas interações. Entendemos que, através do nosso próprio modo de se relacionar
com pacientes esquizóides enquanto terapeutas, podemos lhes mostrar que os relacionamentos
interpessoais são poderosas fontes de reforço, e contribuem significativamente para o aumento
da qualidade de vida.
41

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da escassez de dados empíricos, da presença significativa de controvérsias e


inconsistências teórico-conceituais, assim como outras dificuldades associadas ao tema deste
estudo, tornou-se desafiador e estimulante abordar o Transtorno Esquizóide da Personalidade
(TPEZ). Além, é claro, da peculiar sintomatologia do fenômeno, que acabou por se tornar uma
instigante fonte de análise e reflexão.

Através de uma tentativa de explorar e aprofundar o tema aqui proposto, iniciou-se a


caminhada com a descrição precisa do que chamamos de personalidade e transtorno da
personalidade, o que muitas vezes gera confusão e mal-entendidos, em função da extensa
variedade de definições destes termos. Com isso, foi possível configurar os passos iniciais e
subsequentes para uma abordagem adequada do TPEZ.

O referencial teórico-conceitual adotado, proporcionou uma importante base para a


descrição e análise tanto do transtorno, quanto das possibilidades de avaliação e intervenção do
mesmo. Isso porque foi verificado que as terapias cognitivas e comportamentais são as que mais
produzem resultados eficazes em diferentes transtornos do eixo I e II com base em pesquisas
experimentais, e fornecem um modelo explicativo compatível com a prática e a observação
clínica do dia-a-dia.

A partir disso, constatou-se que esses sujeitos apresentam uma severa dificuldade na sua
relação com o ´´mundo exterior´´. Tal característica, entretanto, não foi definida de maneira
operacional, dificultando o entendimento e a diferenciação do TPEZ com outros transtornos que
apresentam características semelhantes, como o Transtorno da Personalidade Esquiva e
Esquizotípica. Isso constitui uma preocupação relevante, no sentido de evidenciar a necessidade
de mais pesquisas sobre o TPEZ, relacionando-o com quadros semelhantes, inclusive com a
Esquizofrenia.

No que se refere ao processo terapêutico, chegamos à conclusão de que a avaliação e o


tratamento devem ser fortemente baseados em uma análise individual do caso, independente do
diagnóstico. Isso porque, de acordo com a teoria comportamental, os comportamentos
42

esquizóides são entendidos como únicos, adaptativos e servem a uma função no ambiente atual e
passado do sujeito. Portanto, o instrumento clínico essencial no manejo destes pacientes é a
análise funcional, que tem como objetivo avaliar funcionalmente (isto é, identificar e avaliar
relações contingentes entre variáveis ambientais e do sujeito) os comportamentos esquizóides.

Frente ao acentuado déficit de respostas emocionais e sociais dos indivíduos com TPEZ,
vimos que a modelagem pode ser um procedimento bastante eficaz para instalar um repertório
comportamental mais amplo, que auxilie o sujeito a encontrar e se beneficiar de reforçadores
sociais, aumentando a sua probabilidade de interação social. Enfatizamos também que a relação
terapêutica se mostra fundamental no TPEZ, por proporcionar ao paciente uma situação
interpessoal estruturada, possibilitando a observação, treinamento, desenvolvimento e
modificação direta dos comportamentos-alvo.

Por fim, acreditamos que, além da urgente necessidade de mais estudos e pesquisas sobre
o transtorno, devemos fazer uma ampla reflexão sobre questões acerca do TPEZ que estão
bastante obscuras, como por exemplo: O TPEZ é uma entidade diagnóstica realmente
independente? Indivíduos com TPEZ não experimentam ansiedade social elevada ou medo de
avaliação negativa? Como podemos mensurar e avaliar precisamente a falta de desejo de se
relacionar socialmente desses indivíduos, se é que ela realmente existe? São estes indivíduos
realmente portadores de um transtorno mental, ou a noção Aristotélica de que o homem é um
animal social estaria equivocada? Essas são algumas das questões em aberto que merecem
reflexão para estudos posteriores.
43

REFERÊNCIAS

APA. DSM-IV-TR: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Porto Alegre:


Artmed, 2002.

BECK, A. T.; FREEMAN, A.; DAVIS, D. D. e col. Terapia cognitiva dos transtornos da
personalidade. Porto Alegre: Artmed, 2005.

BORGES, B. B.; CASSAS, F. A. e col. Clínica analítico-comportamental: Aspectos teóricos e


práticos. Porto Alegre: Artmed, 2012.

CABALLO, V. E. Manual de transtornos da personalidade: Descrição, avaliação e


tratamento. São Paulo: Santos, 2008.

DE-FARIAS, A. K. C. R. e col. Análise comportamental clínica: Aspectos teóricos e estudos


de caso. Porto Alegre: Artmed, 2010.

KNAPP, P. e col. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre:


Artmed, 2004.

KRETSCHMER, E. Physique and character. Londres: Kegan Paul, 1925.

O'DONOHUE, W.; FOWLER, K. A.; LILIENFELD, S. O. (orgs) Transtornos de


personalidade: Em direção ao DSM-V. São Paulo: Roca, 2010.

PHARES, E. J. Introduction to personality (2.ª edición). Glenview, II: Scott, Foresman and Co.,
1988.

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Brasília: UnB, 1970 (original publicado


em 1953).

SKINNER, B. F. O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix, 1978. (original publicado em


1957).

SKINNER, B. F. Seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e


Cognitiva 9 (1), 129-37, 2007. (original publicado em 1981 em Science).
44

SPERRY, L. Cognitive Behavior therapy of DSM-IV personality disorders. Philadelphia, PA:


Bruno e Mazel, 1999.

WRIGHT, J. H.; BASCO, M. R.; THASE, M. E. Aprendendo a terapia cognitivo-


comportamental: Um guia ilustrado. Porto Alegre: Artmed, 2008.

YOUNG, J. E.; KLOSKO, J. S.; WEISHAAR, M. E. Terapia do Esquema: Guia de técnicas


cognitivo-comportamentais inovadoras. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Você também pode gostar