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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBSOLESCÊNCIA


PROGRAMADA, A OBSOLESCÊNCIA PSICOLÓGICA E A
CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL

BERTHA STECKERT REZENDE

Itajaí-SC, julho/2019
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
VICE-REITORIA DE PESQUISA, PÓS-GRADUAÇÃO E INOVAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM CIÊNCIA JURÍDICA – PPCJ
CURSO DE MESTRADO EM CIÊNCIA JURÍDICA – CMCJ
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FUNDAMENTOS DO DIREITO POSITIVO

CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBSOLESCÊNCIA


PROGRAMADA, A OBSOLESCÊNCIA PSICOLÓGICA E A
CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE SUSTENTÁVEL

BERTHA STECKERT REZENDE

Dissertação submetida ao Curso de Mestrado em


Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí –
UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do título
de Mestre em Ciência Jurídica.

Orientadora: Professora Doutora Carla Piffer


Co-orientador: Professor Doutor Gabriel Real Ferrer

Itajaí-SC, julho/2019
AGRADECIMENTOS

À Orientadora, Professora Doutora Carla Piffer, por ter contribuído


energicamente para a conclusão desta pesquisa e por ter permanecido em
constante disposição, ajudando e auxiliando em tudo que se mostrou necessário.

Ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que viabilizou e incentivou a


realização do Mestrado em Ciência Jurídica.

Aos familiares e amigos, por quem busco ser uma pessoa melhor.
DEDICATÓRIA

Com amor, ao meu filho Nicholas Steckert Rezende Imhof.


ROL DE CATEGORIAS
Consumismo: “Refere-se à atitude de tentar satisfazer carências emocionais e
sociais através de compras e demonstrar valor pessoal por meio do que se possui”.1

Consumo: “Significa adquirir e utilizar bens e serviços para atender às


necessidades”.2

Corporação: “Derivado do latim corporatio, de corpus, assim se entende toda


associação, ou entidade, constituída por várias pessoas, possuindo objetivo e
interesses comuns, à qual, satisfazendo certas exigências legais, se atribui a
qualidade de pessoa jurídica”.3

Desenvolvimento sustentável: Trata-se de um “meio para que seja possível obter


equilíbrio entre progresso, a industrialização, o consumo e o meio ambiente”.4

Meio ambiente: “O conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem


física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas
formas”.5

Obsolescência programada: Ocorre quando produtor, ao desenvolver o produto,


se encarrega de definir o fim de sua vida útil, ou seja, preestabelecer quando o

1 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos / Annie Leonard com Ariane Conrad; revisão técnica André Piani Besserman Vianna;
tradução Heloisa Mourão. – Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 159.
2 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 159.
3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico / atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Priscila Pereira

Vasques Gomes – 31. Ed. – Rio de Janeiro: Forenze, 2014, p. 393.


4 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de; SOUZA, Greyce Kelly Antunes. Sustentabilidade e

sociedade de consumo: avanços e retrocessos. In: SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de;
ARMADA, Charles Alexandre de (orgs.). Teoria Jurídica e Transnacionalidade, volume I, Itajaí,
2014, p. 183.
5 BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio

Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. Acesso em: 08 jul. 2018.
consumidor precisará trocá-lo, ou seja, descartar o que já tem e consumir outra vez.

Obsolescência psicológica: Ocorre quando produto se torna obsoleto pelo simples


fato de ter sido lançado ou relançado um novo produto, de modo que fisicamente o
produto está apto para o uso, mas a moda e a publicidade decretam sua
obsolescência

Obsolescência técnica: Ocorre devido ao avanço no desenvolvimento de novas


tecnologias, que tornam as anteriores ultrapassadas.

Sociedade de consumo: “Representa o tipo de sociedade que promove, encoraja


ou reforça a escolha de um estilo de vida e uma estratégia existencial consumistas,
e rejeita todas as opções culturais alternativas”.6

Sociedade pós-moderna: “A sociedade pós-moderna envolve seus membros


primariamente em sua condição de consumidores, e não de produtores”. 7

Sociedade sustentável: “Uma sociedade é sustentável quando se organiza e se


comporta de tal forma que ela, através das gerações consegue garantir a vida dos
cidadãos e dos ecossistemas nos quais está inserida, junto com a comunidade de
vida.”8

Sustentabilidade: “Um processo mediante o qual se tenta construir uma sociedade


global capaz de perpetuar indefinidamente no tempo em condições que garantam a
dignidade humana”.9

6 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria/ Zygmunt
Bauman; tradução Carlos Alberto Medeiros. – Rio de Janeiro: Zahar, 2008, p. 71.
7 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida / Zygmunt Bauman; tradução de Plínio Dentzien, Zahar,

2001, p. 57.
8 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é / Leonardo Boff. 2. Ed. – Petrópolis, RJ:

Vozes, 2013, p. 128.


9 CRUZ, Paulo Márcio; REAL FERRER, Gabriel. Direito, Sustentabilidade e a Premissa

Tecnológica como Ampliação de seus Fundamentos. Sequência: Estudos Jurídicos e Políticos,


Florianópolis, v. 36, n. 71, p. 239, dez. 2015, p. 240 ISSN 2177-7055. Disponível em:
<https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/2177-7055.2015v36n71p239>. Acesso
em: 08 jul. 2019. doi:https://doi.org/10.5007/2177-7055.2015v36n71p239.
SUMÁRIO
RESUMO p. 11
RESUMEN p. 12

INTRODUÇÃO p. 13

1 SOCIEDADE DE CONSUMO p. 16
1.1 REFLEXÕES INICIAIS SOBRE A SOCIEDADE DE CONSUMO p. 16
1.1.1 O que a Sociedade Pós-moderna consome? p. 17
1.1.2 Consumo x Consumismo p. 18
1.1.3 Sociedade de Consumo x Cultura de Consumo p. 20
1.2 ANOTAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE DE CONSUMO
p. 20
1.3 NOTAS SOBRE O CONSUMOCENTRISMO E SOBRE A PERSPECTIVA PÓS-
MODERNA DE CONSUMO p. 25
1.4 O PAPEL DAS CORPORAÇÕES NA CONSERVAÇÃO DA SOCIEDADE DE
CONSUMO p. 32

2 SUSTENTABILIDADE p. 35
2.1 O HOMEM E O PLANETA TERRA p. 35
2.2 PRIMEIRAS CRISES AMBIENTAIS p. 37
2.3 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL p. 39
2.4 AS CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS SOBRE O MEIO AMBIENTE E A
CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL p. 44
2.5 SUSTENTABILIDADE VERSUS DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL p. 49
2.6 SUSTENTABILIDADE: CONCEITO E DIMENSÕES CLÁSSICAS p. 54
2.7 TEORIA DO DECRESCIMENTO: PARA SER SUSTENTÁVEL A SOCIEDADE
PRECISA CRESCER OU DECRESCER? p. 59
3 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA p. 70
3.1 A OBSOLESCÊNCIA E SUAS FORMAS p. 70
3.2 A OBSOLESCÊNCIA COMO ESTRATÉGIA DE MERCADO p. 76
3.3 OS REFLEXOS DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E DA
OBSOLESCÊNCIA PSICOLÓGICA NO MEIO AMBIENTE p. 80

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS


RESUMO
A presente Dissertação está inserida na Linha de Pesquisa de Direito,
Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente da área de concentração Fundamentos
do Direito Positivo. O estudo tem por objetivo, além de obter o título de Mestre em
Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI e Curso Máster em
Territorio Urbanismo Y Sostenibilidad Ambiental do Instituto Universitário del Agua y
de las Ciências Ambientales da Univerdad de Alicante, apresentar um estudo crítico
sobre a Sociedade de Consumo e suas práticas, com destaque para a
Obsolescência Programada, estratégia de mercado que fomenta o Consumismo e
aparentemente impõe barreiras à construção de uma Sociedade Sustentável. O
presente estudo, dividido em três capítulos, se propõe a demonstrar quais são as
principais consequências sociais e ambientais da Obsolescência Programada. O
primeiro capítulo trata da Sociedade de Consumo, seu processo de formação e suas
principais características. O segundo capítulo dispõe sobre a Sustentabilidade e
indica de que forma a busca pelo crescimento econômico dificulta a construção de
uma Sociedade Sustentável. O terceiro e último capítulo versa sobre a
obsolescência das coisas, com ênfase na Obsolescência Programada, revelando os
principais impactos sociais e ambientais deste macete de mercado, criado e
praticado para fomentar o crescimento econômico. Quanto à Metodologia, foi
empregado o método indutivo. Nas diversas fases da Pesquisa, as técnicas de
investigação utilizadas foram as Técnicas do Referente, da Categoria, do
Fichamento, do Conceito Operacional e da Pesquisa Bibliográfica. Ao final, as duas
hipóteses formuladas foram confirmadas, com ressalvas, pois no desenvolvimento
da pesquisa notou-se que tanto a Obsolescência Programada, quanto a
Obsolescência Psicológica, fomentam o Consumismo e, assim, tornam o processo
de extração, produção, distribuição, Consumo e descarte desnecessariamente mais
constante, impondo limites à construção de uma Sociedade Sustentável.

Palavras-chave: Sociedade de Consumo. Consumismo. Obsolescência


Programada. Obsolescência Psicológica. Sustentabilidade.
RESUMEN
La presente tesis se inserta en la Línea de Investigación de Derecho, Desarrollo
Urbano y Medio Ambiente del área de concentración Fundamentos del Derecho
Positivo. El objetivo de este estudio es obtener una Maestría en Ciencias Jurídicas
de la Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI y una Maestría en Territorio de
Urbanismo y Sostenibilidad Ambiental del Instituto Universitario de Ciencias del Agua
y del Medio Ambiente de la Universidad de Alicante. Un estudio crítico sobre la
Sociedad del Consumidor y sus prácticas, con énfasis en la Obsolescencia
Programada, una estrategia de mercado que promueve el Consumismo y
aparentemente impone barreras a la construcción de una Sociedad Sostenible. El
presente estudio, dividido en tres capítulos, propone demostrar las principales
consecuencias sociales y ambientales de la obsolescencia programada. El primer
capítulo trata sobre la Sociedad del Consumidor, su proceso de formación y sus
principales características. El segundo capítulo trata sobre la Sostenibilidad e indica
cómo la búsqueda del crecimiento económico dificulta la construcción de una
Sociedad Sostenible. El tercer y último capítulo trata sobre la obsolescencia de las
cosas, con énfasis en la obsolescencia programada, que revela los principales
impactos de este mazo de mercado, creado y practicado para fomentar el
crecimiento económico, en la vida humana. En cuanto a la Metodología, se utilizó el
método inductivo. En las diversas fases de la investigación, las técnicas de
investigación utilizadas fueron las técnicas de referencia, la categoría, la declaración,
el concepto operacional y la investigación bibliográfica. Al final, las dos hipótesis
formuladas se confirmaron con advertencias, ya que en el desarrollo de la
investigación se observó que tanto la obsolescencia programada como la
obsolescencia psicológica, fomentaban el consumismo y, por lo tanto, realizaban el
proceso de extracción, producción, distribución, consumo y consumo. Descartar de
forma más constante, imponiendo límites a la construcción de una Sociedad
Sostenible.

Palabras clave: Sociedad de Consumo. Consumismo Obsolescencia programada.


Obsolescencia psicológica. Sostenibilidad.
INTRODUÇÃO

O objetivo institucional da presente Dissertação é a obtenção do Título de


Mestre em Ciência Jurídica pelo Curso de Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica
– CMCJ vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência
Jurídica – CPCJ - da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, área de
concentração Fundamentos do Direito Positivo, em dupla titulação com o Curso
Máster em Territorio Urbanismo Y Sostenibilidad Ambiental do Instituto Universitário
del Agua y de las Ciências Ambientales da Univerdad de Alicante, tendo como linha
de pesquisa Direito, Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente.

Sabe-se que o homem do século XXI trabalha para adquirir bens


materiais e acumular capital, organizando-se em sociedade de forma hierarquizada,
conforme a maior ou menor capacidade de consumo.

As corporações, diferentemente do que ocorria no passado, já não estão


mais interessadas em oferecer à sociedade produtos seguros e duráveis, porque
isso não mantém a economia aquecida e impede o crescimento econômico.

O individualismo e a concorrência, ideais do capitalismo, que é o sistema


econômico preponderante na maior parte do mundo, acobertam a prática da
Obsolescência Programada e da Obsolescência Psicológica, estratégias de mercado
que visam criar necessidades de consumo, reais ou artificiais, fomentando um
crescimento que se sustenta na produção e no consumo em larga escala.

Na Sociedade de Consumo, onde valores estão invertidos e “ter” é mais


importante do que “ser”, bens são constantemente adquiridos, trocados e
descartados no Meio Ambiente, ainda que isso cause danos irreparáveis ao bem-
estar coletivo, ou seja, não há solidariedade entre pessoas, nações ou gerações,
apenas uma busca incessante pelo crescimento e pelo êxtase momentâneo
proporcionado pela compra de bens materiais, que, na maior parte das vezes, são
desnecessários do ponto de vista biológico.

Diante desta problemática, o objetivo científico desta Dissertação é expor


uma visão crítica sobre a Sociedade de Consumo e suas práticas, com destaque pa
14

ra as Obsolescências Programada e Psicológica, estratégias de mercado que


fomentam o Consumismo e aparentemente estão impondo barreiras à construção de
uma Sociedade Sustentável.

Para a pesquisa foram levantadas a(s) seguinte(s) hipótese(s):

a) A construção de uma Sociedade Sustentável depende de uma


transformação de valores, pois a Obsolescência Programada, praticada com a
finalidade única de aferir lucros, desperta no consumidor uma ambição
desnecessária pela aquisição de novos produtos e degrada sobremaneira o Meio
Ambiente, já que a extração de matéria prima, os processos de produção e de
transporte, bem como a produção de resíduos tornam-se muito mais frequentes.

b) A Obsolescência Programada, a Obsolescência Psicológica e o


Consumismo são práticas que limitam a Sustentabilidade, na medida em que
desconsideram a esgotabilidade dos recursos naturais e a necessidade de
assegurar às futuras gerações recursos naturais suficientes para a manutenção da
vida no Planeta Terra.

Os resultados do trabalho de exame das hipóteses estão expostos na


presente Dissertação, de forma sintetizada, como segue.

Principia-se no Capítulo 1 abordando as alterações sociais ocorridas


durante e após a Revolução Industrial, sob a ótica da produção e do consumo em
larga escala, a fim de demonstrar de que modo o ato de consumir se tornou um
passaporte de inserção e de classificação social, bem como o centro de todas as
relações humanas, transformando a sociedade de produtores na Sociedade de
Consumo.

O Capítulo 2 contextualiza a ideia de Sustentabilidade, especialmente


ambiental, diferenciando-a do conceito de Desenvolvimento Sustentável, e, ao final,
demonstra de que forma o crescimento econômico ilimitado de algumas
corporações, Estados-Nações e classes sociais, limita a construção de uma
Sociedade Sustentável.
15

O Capítulo 3 dedica-se ao estudo crítico da obsolescência dos produtos


em suas formas técnica, programada e psicológica, o qual revelará que esta
estratégia de mercado, praticada para potencializar o crescimento e manter
aquecida a economia, é um obstáculo para a construção de uma Sociedade
Sustentável, pois o processo produtivo, composto pelas fases de extração-produção-
distribuição-Consumo-descarte torna-se muito mais frequente.

O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações


Finais, nas quais são apresentados aspectos destacados da Dissertação, seguidos
de estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a Obsolescência
Programada e Psicológica enquanto prática limitadora do alcance de uma Sociedade
Sustentável.

Quanto à Metodologia, foi empregado o método indutivo. Nas diversas


fases da Pesquisa, as técnicas de investigação utilizadas foram as Técnicas do
Referente, da Categoria, do Fichamento, do Conceito Operacional e da Pesquisa
Bibliográfica, levados em consideração os parâmetros adotados pelo Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – PPCJ/UNIVALI.

A tradução da bibliografia estrangeira ocorreu de forma livre em nota de


rodapé.

Nesta Dissertação as Categorias principais estão grafadas com a letra


inicial em maiúscula e os seus Conceitos Operacionais são apresentados rol de
categorias.
CAPÍTULO 1

SOCIEDADE DE CONSUMO

O Capítulo 1 abordará as alterações sociais ocorridas durante e após a


Revolução Industrial, sob a ótica da produção e do consumo em larga escala, a fim
de demonstrar de que modo o ato de consumir tornou-se um passaporte de inserção
e de classificação social, bem como o centro de todas as relações humanas,
transformando a sociedade de produtores na Sociedade de Consumo.

1.1 REFLEXÕES INICIAIS SOBRE A SOCIEDADE DE CONSUMO

A sociedade vive em constante mutação e suas características podem ser


identificadas a partir de um recorte temporal, de um recorte dimensional ou de um
recorte temporal-dimensional. Enquanto no primeiro a abordagem fica limitada a um
período da história, surgindo designações bastante conhecidas como sociedade
moderna, Sociedade Pós-moderna e sociedade pós-industrial, no segundo a
abordagem tem ênfase em uma específica dimensão da sociedade, que é destacada
do todo e estudada de maneira isolada.10

Nesse contexto, observa-se que a Sociedade Pós-moderna é


multidimensional e pode ser analisada e rotulada a partir de várias dimensões: do
Consumo, do risco, do conhecimento, do desperdício, da informação, da decepção
dentre outras.11

Diferentemente das designações que sinalizam para o fim de um período,


a Sociedade de Consumo “remete o leitor para uma determinada dimensão,
percebida como específica e, portanto, definidora, para alguns, das sociedades
contemporâneas”.12

Com efeito, a Sociedade Pós-moderna é intitulada por muitos estudiosos


10 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo / Lívia Barbosa. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.
2004. p. 7.
11 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo, p. 7.
12 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo, p. 7.
17

como a Sociedade de Consumo, onde as pessoas são levadas a acreditar que só


serão felizes se consumirem muitas coisas, e, iludidas, passam a viver para o
Consumo, adquirindo-as e descartando-as de forma cíclica.

Nesse sentido, conforme Bauman, a Sociedade de Consumo é um


conjunto peculiar de condições existenciais em que é elevada a probabilidade de
que a maioria das pessoas venha a abraçar a cultura consumista em vez de
qualquer outra, e de que na maior parte do tempo obedeçam aos preceitos dela com
a máxima dedicação.13

Esta sociedade, em particular, traz consigo ao menos três embaraços


conceituais, que serão esclarecidos para possibilitar a melhor compreensão do tema
posto.

1.1.1 O que é Consumo na Sociedade Pós-moderna?

O primeiro embaraço relaciona-se com o Consumo enquanto elemento


diferenciador da Sociedade Pós-moderna, afinal, o ato de consumir é inerente à vida
humana e esteve presente em todas as sociedades conhecidas e já estudadas, não
se justificando, ao menos em princípio, que esse comportamento sirva de rótulo para
a Sociedade Pós-moderna.14

Milaré entende que a satisfação das necessidades humanas é um


imperativo cultural e lembra mandamento insculpido no Gênesis “Crescei, multiplicai-
vos e dominai a Terra”.15 Assim, partindo da premissa de que a sociedade sempre
consumiu, por que rotular a Sociedade Pós-moderna como uma Sociedade de
Consumo?

Conforme indaga e argumenta Barbosa16:

Se todas as sociedades humanas consomem para poderem se reproduzir


física e socialmente, se todas manipulam artefatos e objetos da cultura
material para fins simbólicos de diferenciação, atribuição de status,

13 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 70.
14 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo, p. 7-8.
15 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente / Édis Milaré. – 8. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo : Editora

Revista dos Tribunais, 2013, p. 79.


16 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo, p. 7-8.
18

pertencimento e gratificação individual, o que significa consumo no rótulo de


sociedade de consumo? Ele sinaliza para algum tipo de consumo particular
ou para um tipo de sociedade específica com arranjos institucionais,
princípios classificatórios e valores particulares?

Na sequência, a autora responde afirmativamente aos dois últimos


questionamentos, deixando claro que na Sociedade de Consumo existe um tipo
específico de Consumo, que é o chamado consumo de signos, analisado por
Baudrillard em sua obra “A sociedade de consumo”.17

E além da existência do consumo de signos, que é o centro das relações


sociais, alguns autores, como Bauman18 e Pimenta19, defendem a existência de
outras características próprias da Sociedade de Consumo, como a produção e o
Consumo abundantes, a prática das Obsolescências Psicológica e Programada, o
sentimento permanente de insaciabilidade e a alta taxa de descarte de mercadorias,
o que leva Pimenta a chamá-la, também, de “Sociedade de Desperdício”.20

Portanto, a Sociedade Pós-moderna não é apenas uma sociedade que


consome para sobreviver, é uma sociedade que confere um valor diferenciado às
coisas e que, embora viva em torno do Consumo, está sempre insatisfeita,
descartando e comprando novas coisas para suprir carências emocionais e sociais.

1.1.2 Consumo x Consumismo

O segundo ponto a ser esclarecido diz respeito à distinção das categorias


Consumo e Consumismo.

Bauman dedica um capítulo de sua obra “Vida para Consumo: a


transformação das pessoas em mercadoria” ao tema, afirmando, em linhas gerais,
que o Consumo é uma característica e uma ocupação dos seres humanos como
indivíduos, tendo por fim a satisfação das necessidades.21

17 BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Editora Arte e Comunicação. Lisboa. 1995.


18 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.
19 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da
contemporaneidade./ Solange Maria Pimenta, Maria Laetitia Corrêa, Maria Cristina Dadalto, Henrique
Maia Veloso (coords.)./ Curitiba: Juruá, 2010.
20 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da
contemporaneidade, p. 179.
21 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 41.
19

O Consumismo, por outro lado, é um atributo da sociedade


contemporânea, que associa a felicidade a um volume e uma intensidade de desejos
sempre crescentes.22 “É consequência das atitudes de indivíduos consumidores
baseados unicamente na satisfação de seus desejos, ignorando o pensar coletivo,
trata-se de ação involuntária que ignora os fins, ou seja, o bem comum.”23

Para Leonard24:

Enquanto consumo significa adquirir e utilizar bens e serviços para atender


às necessidades, consumismo refere-se à atitude de tentar satisfazer
carências emocionais e sociais através de compras e demonstrar valor
pessoal por meio do que se possui.

Milaré confere ao consumista as características de pessoa iludida e


mistificada, acrescentando que “consumista não é apenas aquele que efetivamente
consome, mas, ainda, o que sonha com esse tipo desviado de consumo e sacrifica
bens e valores essenciais simplesmente para atingi-lo.”25

Em conclusão, pode-se dizer que a linha tênue que distingue o Consumo


do Consumismo é o significado que se atribui às coisas e a existência ou não de
uma necessidade real que justifique sua aquisição.

A partir desta análise, percebe-se que todo indivíduo consumista é


também um consumidor, mas a recíproca não é verdadeira. Consumismo é um
padrão de comportamento humano, que faz do Consumo o centro das relações
sociais e o verdadeiro objetivo de vida da maioria das pessoas.

Destarte, estabelecida a distinção entre as expressões Consumo e


Consumismo, faz-se necessário, agora, distinguir a Sociedade de Consumo da
cultura de consumo, haja vista que estas esferas da vida social nem sempre se
encontram.

22 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 41.
23 MAYA, Ornella Cristine. A sociedade de consumo na era digital: os desafios e paradigmas de
um desenvolvimento econômico sustentável. 2018. 108. Mestrado em Ciência Jurídica. Linha de
pesquisa Direito Ambiental, Transnacionalidade e Sustentabilidade – Universidade do Vale do Itajaí,
Itajaí, p. 28.
24 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 159.
25 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 78.
20

1.1.3 Sociedade de Consumo x Cultura de Consumo

Cultura e sociedade são esferas da vida social que nem sempre estão
atreladas:

Isto significa que algumas sociedades podem ser sociedades de mercado,


terem instituições que privilegiam o consumidor e os seus direitos mas que,
do ponto de vista cultural, o consumo não é utilizado como a principal forma
de reprodução nem de diferenciação social, e variáveis como sexo, idade,
grupo étnico e status ainda desempenham um papel importante naquilo que
é usado e consumido. Ou seja, a escolha da identidade e do estilo de vida
não é um ato individual e arbitrário, como alguns autores o interpretam no
contexto das sociedades ocidentais contemporâneas. 26

Assim, mesmo nas Sociedades de Consumo, é possível que a cultura de


consumo não seja a principal forma de reprodução e de diferenciação social.
Barbosa usa a Índia como exemplo, mencionando que na sociedade indiana a
religião dita os alimentos que devem ser consumidos e transfere aos pais o direito
de escolher os cônjuges dos filhos, numa verdadeira limitação ao direito de escolha
individual, que é supervalorizado na cultura de consumo. 27

Embora existam exceções, a cultura de consumo prepondera nas


Sociedades de Consumo, impondo aos indivíduos a obrigação moral de praticar o
Consumismo, sob pena de exclusão social. O indivíduo que não adere à cultura de
consumo e escapa deste padrão comportamental, consumindo apenas o trivial, é
considerado um “consumidor falho”28.

A partir destas reflexões iniciais, passa-se a analisar as principais


características da Sociedade de Consumo, em especial, o Consumismo, com intuito
de averiguar como este padrão comportamental impõe limites à construção de uma
Sociedade Sustentável.

1.2 ANOTAÇÕES SOBRE A FORMAÇÃO DA SOCIEDADE DE CONSUMO

Discorrer sobre a formação da Sociedade de Consumo implica, antes de


tudo, reconhecer que a Sociedade Pós-moderna atravessa um período enigmático,

26 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo, p. 9.


27 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo, p. 9.
28 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 75.
21

em que prepondera o individualismo, o lucro, a defesa do ego, a manutenção da


aparência e do status em detrimento do bem-estar coletivo.

A verdade, no entanto, é que a sociedade nem sempre agiu desta forma e


talvez por este motivo alguns estudiosos, especialmente filósofos e sociólogos,
como Latouche, Bauman e Boff, acreditam que chegou a hora de decrescer,
desacelerar e entender que é possível ser feliz sem viver numa constante
competição de quem é mais importante e de quem tem mais coisas, já que tal
comportamento só conduz a um caminho, que é o caminho do colapso ambiental,
econômico e social, o que se procurará demonstrar no decorrer deste trabalho.

Para começar, registra-se que o homem sempre adquiriu móveis,


utensílios domésticos, alimentos, livros, vestimentas e outros objetos, a fim de
satisfazer suas necessidades básicas, razão pela qual não há um consenso sobre o
momento em que a sociedade tornou-se uma Sociedade de Consumo, sendo
possível, no entanto, associá-la ao capitalismo, ao início da Revolução Industrial e
ao aumento da oferta de produtos no mercado de consumo, circunstâncias que
deram novos contornos ao ato de consumir.

Na chamada sociedade de produtores, que antecede a Sociedade de


Consumo, tudo que o homem consumia era produzido de forma manual, artesanal e
personalizada, em quantidades pequenas, mas que eram capazes de suprir, com
segurança, as necessidades reais de todos.

Além disso, era o trabalho que conferia existência civil, política e social ao
indivíduo, “era ainda pelo trabalho que o indivíduo ganhava sua personalidade moral
pelo seu compromisso e seu dever para com a Nação”.29

Bauman, discorrendo sobre a sociedade de produtores e a busca pela


segurança dos produtos a longo prazo, escreve que se “apostou no desejo humano
de um ambiente confiável, ordenado, regular, transparente e, como prova disso,
duradouro, resistente ao tempo e seguro”.30

29 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da


contemporaneidade, p. 43.
30 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 42.
22

O valor das coisas estava em sua segurança e durabilidade, o que exigia


dos produtores tempo, dedicação e cautela, além da adoção de técnicas adequadas,
circunstâncias que tornavam o processo produtivo moroso, mas, em contrapartida,
viabilizavam a produção de coisas capazes de servir para os fins a que se
destinavam.

Na era sólido-moderna da sociedade de produtores, a satisfação parecia de


fato residir, acima de tudo, na promessa de segurança a longo prazo, não
no desfrute imediato dos prazeres. Essa outra satisfação, se alguém se
entregasse a ela, deixaria o sabor amargo da imprevidência, se não do
pecado.31

Todas as coisas produzidas serviam para suprir alguma necessidade real


e era buscando o suprimento destas necessidades reais que as pessoas se
apropriavam das coisas. Pode-se dizer que numa hierarquia de valores a
necessidade, a utilidade e a durabilidade estavam acima de outros aspectos, como o
prestígio social materializado na posse de uma coisa.

Em consequência, não eram produzidas mais coisas do que o necessário,


não existiam estoques abarrotados de coisas à espera de um comprador, tampouco
existiam macetes para induzir a sociedade ao Consumo destas.

A partir do século XVI diversas novas coisas passaram a ser produzidas


e, conforme observação feita pelos mais atentos da época, essas novas coisas não
eram de fato necessárias, pois a sociedade poderia viver muito bem sem alfinetes,
botões, brinquedos, rendas, fitas, veludos, louça para casa, fivelas de cinto,
cadarços, jogos, plantas ornamentais, novos itens de alimentação e bebida e
produtos de beleza entre outros.32

Além do desenvolvimento de novas mercadorias, entre os séculos XVIII e


XX, ocorreu a Revolução Industrial, que tornou o processo produtivo mais célere,
trazendo para a indústria a lucrativa e eficaz ideia da standartização, isto é, da
produção padronizada, em massa ou em larga escala.

31 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 43.
32 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo, p. 19.
23

Quando os homens foram substituídos pelas máquinas, estes passaram a


se aglomerar nos grandes centros industriais, onde trabalhavam em troca de
salários33. É possível imaginar o efeito deste fenômeno à época, com muitas famílias
deixando as áreas rurais e interioranas para migrar rumo ao centros urbanos, onde
se iniciava um novo episódio da história da humanidade, marcado pelo ciclo da
produção massificada (mass production) e da cultura de aquisição e descarte de
coisas.

Diz-se que a produção em larga escala foi uma das molas propulsoras
para o início do Consumismo, pois, diante de tantas coisas disponíveis, abandonou-
se por completo a noção do que era e do que não era essencial para a satisfação
das necessidades reais, atribuindo-se novo significado aos atos de “consumir” e de
“ter”.34

Silva35, nesse sentido, esclarece que:

A sociedade passou a dar preferência ao homem consumidor. As pessoas


logo começaram a ser valorizadas pelo que têm, e o ter e o consumir
passou a ser mais importante do que o ser e o existir. O padrão de consumo
transformou-se em forma de afirmação social, em integração com
determinados grupos da sociedade.

Por isso, para Pimenta36:

O consumo é filho da revolução industrial, quando também trabalho e ação


política ganham novas dimensões, inclusive na perspectiva imaginária. Os
pares dicotômicos da satisfação e da necessidade explicam a tensão que
marca o fenômeno do consumo, ao lado de outros dois definidos pela
utilidade do objeto e sua permanência no mundo objetivo, concreto,
construído pelos homens. De fato à expansão industrial soma-se ao prazer
utilitarista da compra, formando o hábito do consumo.

33 CANÊDO, Letícia Bicalho. A revolução industrial. Universidade Estadual de Campinas, 1985, p.


7.
34 SILVA, Edevaldo da. Consumismo, Obsolescência programada e a qualidade de vida da
sociedade moderna. Disponível em: http://www.revistaea.org/pf.php?idartigo=2108. Acesso em: 07
Jul. 2019.
35 SILVA, Edevaldo da. Consumismo, Obsolescência programada e a qualidade de vida da

sociedade moderna. Disponível em: http://www.revistaea.org/pf.php?idartigo=2108. Acesso em: 07


Jul. 2019.
36 ARENDT, Hanna apud PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas

dimensões da contemporaneidade, p. 50.


24

Concomitantemente, houve o fracasso do socialismo real e o surgimento


dos ideais do capitalismo, como a concorrência e o individualismo, que vieram para
o mudar o pensamento e o modo de agir da sociedade. A lógica dos produtores
passou a ser mais coisas, mais consumo, mais lucro.37

Nesse sentido:

A derrota do campo socialista em escala mundial foi seguida de um projeto


ideológico que substituiu o Estado pela empresa e pelo mercado, o cidadão
pelo consumo, a regulação econômica pelo livre-comércio, os espaços
públicos pelos shoppings centers, o trabalhador pelo indivíduo, a ideologia
pelo marketing, a palavra pela imagem, a escrita pela mídia visual e o livro
pelo vídeo, as concentrações de rua pelas campanhas políticas televisivas,
os direitos pela competição, a novela escrita pela telenovela, os jornais
pelos noticiários de televisão.38

Na medida em que a produção dos novos itens aumentava, as


corporações, visando a percepção de lucros, passaram a transmitir aos
consumidores a ideia de que todos eles eram essenciais e, mais do que isso, que
era muito importante ter mais de uma unidade de cada um, a fim de variar nos
modelos, cores, estilos e tamanhos.39

Nessa conjuntura, os consumidores passaram a ser incentivados a


comprar coisas de que nem precisavam em prol da circulação de riquezas e do
crescimento econômico, atuando no mercado de consumo como ferramenta
elementar, porquanto capaz de sentenciar o sucesso ou o fracasso da economia, o
que leva muitos estudos a associar Sociedade de Consumo e sistema capitalista.

Móveis, vestimentas, calçados, perfumes, brinquedos, utensílios


domésticos, adornos e objetos variados não passavam mais pela lenta criação
artesanal, em que uma pessoa dedicava horas de seu dia para produzir, de maneira
personalizada, aquilo que lhe era encomendado. As máquinas executavam esse
trabalho com agilidade surpreendente e também eram capazes de variar nos

37 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 159.
38 SADER, Emir apud PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas

dimensões da contemporaneidade, p. 47.


39 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 174.
25

quesitos cores, modelos e tamanhos, o que, por ser inovador, despertava muito
interesse na sociedade, embora fosse acessível apenas a uma pequena classe.

Como poucos contavam com recursos financeiros para adquirir a


infinidade de coisas que vinha sendo produzida, comprar e acumular coisas tornou-
se especial, uma espécie de fetiche social, surgindo então a Sociedade de
Consumo, onde as pessoas trabalham e vivem para consumir, deixam de se
apropriar das coisas em razão de sua utilidade e necessidade e passam a adquiri-
las porque “ter” mais coisas significa ter status, reconhecimento e boa classificação
social.40

Bauman dá a essas transformações sociais o nome de Revolução


Consumista, explicando que foi o ponto de ruptura do modelo societário existente,
caracterizado pela passagem da sociedade de produtores para a Sociedade de
Consumo e do Consumo para o Consumismo.41

1.3 NOTAS SOBRE O CONSUMOCENTRISMO E SOBRE A PERSPECTIVA PÓS-


MODERNA DE CONSUMO

A partir da passagem da sociedade de produtores para a Sociedade de


Consumo, a forma com que o Homem se relaciona com as coisas e o significado
que dá a elas retrata a inversão da hierarquia de valores mencionada anteriormente,
podendo-se dizer que o prestígio social materializado na posse de uma coisa,
atualmente, prepondera sobre sua necessidade, utilidade e durabilidade, aspectos
que o indivíduo relega ao segundo plano quando decide apropriar-se de algo.42

É de crucial relevância esclarecer que a sociedade não mudou o seu


comportamento da noite para o dia, tampouco o fez de forma livre, muito pelo
contrário, foi lentamente adestrada pelas corporações, mediante a utilização de
macetes infalíveis, como a Obsolescência Psicológica e a Obsolescência

40BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 41-42.
41BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 38.
42 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da
contemporaneidade, p. 119.
26

Programada, para viver ao redor do Consumo, isto é, viver para o Consumo, dando
ensejo ao que Pereira43 chama de consumocentrismo:

Na sociedade moderna contemporânea que já está sendo denominada de


pós-moderna, conforme se pretende demonstrar aqui, se insere o
consumocentrismo, como elemento dominante para onde se dirigem o
pensamento e as atividades do cidadão moderno, fazendo com que o
mesmo seja levado a consumir, pois, através desse ato, ele se realiza como
ser individual e social, pois que ele somente é se consumir.

Também observando que o consumo se tornou o centro das atenções


sociais, Souza e Soares44 afirmam que:

No mundo moderno o consumo se tornou o foco central da vida social.


Práticas sociais, valores culturais, ideias, aspirações e identidades são
definidas e orientadas em relação ao consumo ao invés de e para outras
dimensões sociais como trabalho, cidadania e religião entre outros.

Destarte, repara-se que na perspectiva moderna o Consumo é o


verdadeiro propósito da existência humana, assumindo um papel que na sociedade
de produtores pertencia precipuamente ao trabalho.

O consumidor em uma sociedade de consumo é uma criatura


acentuadamente diferente dos consumidores de quaisquer outras
sociedades até aqui. Se os nossos ancestrais filósofos, poetas e pregadores
morais refletiram se o homem trabalha para viver ou vive para trabalhar, o
dilema sobre o qual mais se cogita hoje em dia é se é necessário consumir
para viver ou se o homem vive para poder consumir. Isto é, se ainda somos
capazes e sentimos a necessidade de distinguir aquele que vive daquele
que consome.45

Bauman46 também ressalta que:

Dificilmente poderia ser de outro jeito, já que o consumismo, em aguda


oposição às formas de vidas precedentes, associa a felicidade não tanto à
satisfação de necessidades (como suas “versões oficiais” tendem a deixar
explícito), mas sim a um volume e uma intensidade de desejos sempre
crescentes, o que por sua vez implica o uso imediato e a rápida substituição
dos objetos destinados a satisfazê-la.

43 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.
Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea. Revista
Direito Ambiental e sociedade, v. 6, n. 2, 2016, p. 267.
44 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes; SOARES, Josemar Sidinei. Sociedade de consumo e

consumismo: implicações existenciais na dimensão da sustentabilidade. In: SOUZA, Maria Cláudia


da Silva Antunes de; VIEIRA, Ricardo Stanziola; FERRER, Gabriel Real (orgs.); GARCIA, Denise
Schmitt Siqueira; CRUZ, Paulo Márcio (cords.). Consumo sustentável, agroindústria e recursos
hídricos. Itajaí, 2018, p. 30.
45 BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Tradução de Marcos Penchel. Rio

de Janeiro, Zahar, 1999, p. 78.


46 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 45.
27

Com o Consumo no centro das relações sociais, as pessoas são


constantemente seduzidas pela promessa de que quanto maior for o Consumo,
maior será a felicidade, e, ao mesmo tempo, ficam amedrontadas com a
possibilidade de serem renegadas se não consumirem de modo satisfatório.

Na visão de Pereira, quando as pessoas são induzidas, pelo Estado,


pelas corporações ou por seus pares a consumir, está-se diante de um
adestramento, uma dimensão do consumocentrismo, responsável por desvincular as
pessoas do que realmente é necessário e vinculá-las ao que é supérfluo.47

Nesse contexto, Pereira explica que:

Os indivíduos que antes eram cidadãos e agora são consumidores


adestrados, ou seja, preparados para ver nos objetos o escopo de sua
existência já não mais questionam sobre esse novo comportamento. Eles
seguem, cegamento, as veredas que a publicidade e o marketing das
grandes corporações lhe indicam. 48

Portanto, a Sociedade de Consumo é uma sociedade que vive em torno


do Consumo e que, consequentemente, impõe aos seus integrantes um padrão de
comportamento – o Consumismo, exigindo-lhes a constante compra de mercadorias,
ainda que se tratem de coisas desnecessárias, inúteis e programadas para se
tornarem obsoletas.

Nessa esteira, conclui-se que os membros da Sociedade de Consumo


não consomem produtos necessários para suas vidas, mas sim signos, que
proporcionam maior inclusão e reconhecimento social.

O espírito do consumismo moderno “é tudo, menos materialista”. Se os


consumidores desejassem realmente a posse material dos bens, se o
prazer estivesse nela contido, a tendência seria a acumulação dos objetos,
e não o descarte rápido das mercadorias e a busca por algo novo que
possa despertar os mesmos mecanismos associativos”.49

47 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.
Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 268.
48 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.

Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 268.


49 BARBOSA, Lívia. Sociedade de Consumo, p. 53.
28

Jean Baudrillard50, um dos precursores no estudo do tema, explica a


noção de consumo de signos, dizendo que o indivíduo não se apropria das coisas
pelo seu valor de uso, mas sim pelo que elas simbolizam.

Mike Featherstone, no mesmo sentido, afirma que “o consumo, portanto,


não deve ser compreendido apenas como consumo de valores de uso, de utilidades
materiais, mas primordialmente como consumo de signos.”51

Nessa direção, tudo que consumimos tem um valor de uso e um valor de


troca.

O valor de uso se refere ao aspecto concreto, singular, com que uma


determinada mercadoria é capaz de satisfazer necessidades humanas, ao
passo que o valor de troca refere-se a uma dimensão abstrata, meramente
pensada, em que se admite que os objetos podem ser trocados uns pelos
outros, configurando o seu preço.52

O valor de troca tem múltiplos significados no mercado de consumo, pois é


qualificado pela subjetividade, variando a partir do ponto de vista de cada indivíduo.

Se alguém compra uma calça jeans, provavelmente de uma marca famosa,


preocupando-se fundamentalmente no status que é alcançado por fazer
parte do universo de pessoas capazes de comprar esse objeto, então
dizemos que o valor de uso, ligado ao modo como essa mercadoria serve
ao propósito de vestimenta, é apenas o substrato material para a
apropriação de significados, de valores sociais que sedimentam no objeto,
fazendo com que ele seja suficientemente valioso para ser adquirido. 53

A reflexão acima é muito importante e retrata como o indivíduo se


apropria das coisas buscando uma posição, um reconhecimento social, o que vai
muito além do suprimento de necessidades básicas. O preço daquele jeans não se
refere ao produto enquanto coisa, mas sim ao produto enquanto signo. A calça jeans
de marca famosa não é comprada pelo indivíduo com o propósito de vestir-se, mas
sim de inserir-se no seleto grupo de pessoas que têm condições de comprá-la. A
coisa, neste caso, funciona como um passaporte de inserção e reconhecimento
social.

50BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo, p. 55.


51 FEATHERSTONE, Mike. Cultura de consumo e Pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel,
1995, p. 121-122.
52 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da
contemporaneidade, p. 81
53 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da
contemporaneidade, p. 81-82.
29

Para Baudrillard54:

Nunca se consome o objecto em si (no seu valor de uso) – os objectos (no


sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o indivíduo,
quer filiando-o no próprio grupo tomado como referência ideal, quer
demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto
superior.

Pimenta55 complementa:

Se nos distanciarmos de uma visão economicamente ingênua de que o


consumo diz respeito à dimensão de uso prometida pelos objetos, então
podemos encarar com propriedade um aspecto enigmático do consumo,
que é o seu caráter radicalmente ilimitado, obsessivo, eternamente cíclico e
mutável, mas, ao mesmo tempo, frustrante. Segundo Baudrillard, se o que
conferisse sentido à atividade do consumo fosse a ligação entre nossas
necessidades e aquilo que os objetos concretamente oferecem como
possibilidade de satisfazê-las, logo chegaríamos a um patamar de
estagnação, de saturação no ímpeto aquisitivo [...].

A busca incessante pelos signos justifica-se pela pressão que a própria


sociedade de consumidores faz aos indivíduos, afinal, conforme lembra Bauman,
“tão logo aprendem a ler, ou talvez bem antes, a ‘dependência das compras’ se
estabelece nas crianças”56, renovando-se ao longo da vida.

Os membros da Sociedade de Consumo não toleram o consumidor falho,


ou seja, aquele que por carência de recursos financeiros ou por escolha consome
apenas as coisas primordiais:

Os membros da sociedade hiperconsumista não aceitam outras culturas


alternativas ao consumo, pelo contrário, entendem que o consumo é a única
forma de buscar o poder e o status tão perseguido pelos novos tempos
sociais e por causa desse hiperconsumo se deixam adestrar de maneira tal
que suas vidas se moldam a partir dele. Deste modo, seguir de maneira
açodada a cultura do consumo exacerbado – hiperconsumo – é a finalidade
última das pessoas imbuídas por esse propósito e, pior, visam fomentar os
demais cidadãos a seguir de maneira estrita essa prática secular. 57

54 BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo, p. 60.


55 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da
contemporaneidade, p. 83.
56 BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo, p. 73.
57 PIAZZETTA, Clauderson; PEZZINI, Marina Ferri; CALGARO, Cleide. Danos ambientais e

hiperconsumo: patologias ocasionadas à população por conta da degradação socioambiental. In:


CALGARO, Cleide; SOBRINHO, Liton Lanes Pilau; PEREIRA, Agostinho Oli Koope (orgs.). Novas
tecnologias, direito socioambiental e consumo na sociedade moderna. Itajaí, 2017, p. 94.
30

Consumir é uma obrigação imposta a todos os indivíduos e devidamente


recompensada pelo prestígio de seus pares. Na face oposta da recompensa está a
penalização daqueles que não consomem a contento, os quais são rejeitados e
excluídos por fracassarem em tal empreitada. “O consumo surge como conduta
activa e coletiva, como coacção e moral como instituição. Compõe todo um sistema
de valores, com tudo o que este termo implica enquanto função de integração do
grupo e de controle social.”58

À vista disso, o Consumo é uma via de mão dupla, em que trafegam


felicidade e infelicidade, satisfação e insatisfação, sucesso e fracasso. Enquanto
alguns indivíduos sentem-se extasiados e inseridos no topo da pirâmide social por
terem acesso ilimitado às coisas, outros sentem-se fracassados e excluídos da
sociedade por não terem esse mesmo acesso.

Com efeito, alguns autores, incluindo Baudrillard, compreendem que a


Sociedade de Consumo fomenta a desigualdade, pois impõe aos indivíduos a
obrigação moral de consumir muitas coisas, inclusive desnecessárias, sem levar em
conta a divisão da sociedade em classes econômicas:

Sobre o assunto, discorre referido autor:

O pobre é forçado a uma situação na qual tem de gastar o pouco dinheiro


ou os parcos recursos de que dispõe com objetos de consumo sem sentido,
e não com suas necessidades básicas, para evitar a total humilhação social
e evitar a perspectiva de ser provocado e ridicularizado”.59

Pereira60, também, neste sentido, expõe sua posição:

O consumo estratifica a sociedade em classes, dividindo-a em segmentos


conforme a possibilidade de consumo de cada uma. Assim, aquele que
pode consumir um produto da marca “X” ostenta um status maior do que
aquele que não pode. Através dessa estratificação ascendem as classes
superiores somente os que têm maior poder aquisitivo.61 [...]
Dentro dessa visão social, verifica-se que, ao mesmo que é criada na
sociedade uma classe de abastados, cria-se uma legião de endividados que
procuram ascensão social através do consumo – observa-se que as

58 BAUDRILLARD, Jean. A Sociedade de Consumo. Editora , p. 81.


59 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 74.
60 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.

Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 271.


61 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.

Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 270.


31

pessoas gastam seu salário com bens que não necessitam. Assim, cresce a
massa de endividados no País – e, também, a legião de excluídos que, não
conseguindo consumir, são deixados à margem da sociedade.62

Isso reforça a ideia de que os objetos excedem sua função enquanto


produtos e passam a simular uma existência social, numa autêntica exteriorização
de crenças emocionais. “Neste sentido, o consumo é tanto um processo de
significação e de comunicação, como também um processo de classificação e de
diferenciação social”.63

Bauman64, nesta linha de raciocínio, pondera:

Os lugares obtidos ou alocados no eixo da excelência/inépcia do


desempenho consumista se transformam no principal fator de estratificação
e no maior critério de inclusão e exclusão, assim como orientam a
distribuição e do apreço e do estigma sociais, e também de fatias da
atenção do público.

Desta maneira, observa-se que:

O padrão consumista da sociedade contemporânea tem conduzido a um


consumo desnecessário, ostentatório, excessivo e perdulário. As
identidades dos cidadãos se configuram no consumo e o status muitas
vezes pode ser medido pelo que se consome. Os objetos não são
adquiridos exclusivamente por sua utilidade, mas aliam o prestígio
simbolizado por sua posse. O ato de consumir pode contribuir tanto para a
satisfação de necessidades, melhorando a qualidade de vida e favorecendo
o desenvolvimento local, quanto para a exploração dos recursos naturais e
o aumento da desigualdade social.65

Concordando com a autora supracitada, Bauman, com a excelência que


lhe é comum, conclui que a Sociedade de Consumo é uma sociedade de excessos,
de extravagâncias e de desperdícios. É uma sociedade que vive para ver o dinheiro
trocando de mãos e para produzir lixo.

Consumidores plenos não ficam melindrados por destinarem algo para o


lixo. [...] Como regra, aceitam a vida curta das coisas e sua morte
predeterminada com equanimidade, muitas vezes com um prazer
disfarçado, mas às vezes com alegria incontida da comemoração de uma
vitória.66

62 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.
Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 272.
63 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da
contemporaneidade, p. 52.
64 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 71.
65 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da
contemporaneidade, p. 119.
66 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 112.
32

É, ainda, uma sociedade insaciável, porque seus membros precisam estar


sempre em movimento, comprando e descartando, o que é designado por Spephen
Bertman67 como “nowist culture”.

Apontadas as principais características da Sociedade de Consumo, parte-


se, no próximo item, para a análise do papel das corporações na conservação desta
e de seu principal hábito – o consumismo, pesquisa que se fará com intuito de
demonstrar que a Sociedade de Consumo só se mantém numa “onda diabólica”68
porque é compelida pelas corporações, sedentas pelo lucro, a consumir muito mais
do que o necessário.

1.4 O PAPEL DAS CORPORAÇÕES NA CONSERVAÇÃO DA SOCIEDADE DE


CONSUMO

O objetivo da presente pesquisa não é aprofundar o estudo do


capitalismo, tampouco criticá-lo, porém, é de grande importância demonstrar de que
modo as corporações estão impondo uma barreira (quase) intransponível na
construção de uma Sociedade Sustentável.

O ponto de partida aqui é bastante simples. O capitalismo é o sistema


econômico que prepondera na maior parte do mundo, e as corporações, assim como
as pessoas de modo geral, querem lucrar e acumular bens, dependendo da
circulação de mercadorias e de serviços para atingir tal intento.

O pensamento, rememora-se, é “mais coisas, mais consumo, mais lucro”,


de modo que, para as corporações, a Sociedade de Consumo precisa prosseguir
insatisfeita, desejando e comprando cada vez mais coisas. Em resumo, pode-se
afirmar que uma sociedade social e ambientalmente sustentável, capaz de respeitar
os limites do planeta terra e compreender quais são as coisas necessárias e quais
são as coisas desnecessárias para a sobrevivência humana, não é uma boa
sociedade para as corporações, ao contrário, é péssima, porquanto capaz de romper
a dinâmica “mais coisas, mais consumo, mais lucro”.
67 BERTMAN, Spephen apud BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das
pessoas em mercadoria, p. 45. “Cultura apressada”. Livre tradução da autora.
68 LATOUCHE, Serge. Hecho para tirar: La irracionalidade de la obsolescencia programada. Serge

Latouche. Traducción del francês de Rosa Bertran Alcázar, Editora Octaedro, 2012, P. 33-34.
33

Pereira69 reflete:

O sistema capitalista contribui para que a sociedade de consumo se


fortaleça, fazendo com que as grandes corporações ditem as regras do
mercado. Nesse diapasão, cabe ao indivíduo, agora consumidor, única e
exclusivamente consumir e através desse consumo, alimentar os grandes
lucros corporativos.

Nessa linha de raciocínio, constata-se que as corporações exercem um


papel fundamental na manutenção do ritmo da Sociedade de Consumo, pois são as
responsáveis por impulsionar o ciclo de Consumo-insatisfação-descarte-desejo, o
que fazem principalmente pela publicidade, pela concessão do crédito e pela
Obsolescência Programada.

Latouche, a propósito, ensina que três ingredientes são necessários para


que a Sociedade de Consumo possa prosseguir na sua onda diabólica: a
publicidade, que cria o desejo de consumir; o crédito, que fornece os meios; e a
obsolescência programada dos produtos, que renova a necessidade deles70.

São as corporações que incutem na sociedade a ideia de que não serão


completamente felizes enquanto não “vestirem”, “dirigirem”, “usarem”, “calçarem”,
“tomarem”, enfim, enquanto não consumirem determinadas coisas.

A felicidade plena, contudo, nunca é conquistada:

Há um ledo engano ao pensar que a felicidade e o bem estar serão frutos


de um hiperconsumismo em massa, já que a felicidade buscada por meio
das compras nunca é encontrada. Por meio do hiperconsumo, busca-se
desenfreadamente a alegria da vida, entretanto, essa alegria nunca será
encontrada, pois existe um esvaziamento dos sentidos, onde os sujeitos
nunca alcançam o que almejam visto que sempre estão em constante busca
de algo que não chega e não satisfaz.71

Para que o lucro seja contínuo, as corporações criam novas necessidades


e renovam as já existentes, eternizando no consumidor o sentimento de insatisfação

69 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.
Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 270.
70 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. São Paulo: Martins Fontes,

2009, p. 17.
71 PIAZZETTA, Clauderson; PEZZINI, Marina Ferri; CALGARO, Cleide. Danos ambientais e

hiperconsumo: patologias ocasionadas à população por conta da degradação socioambiental. In:


CALGARO, Cleide; SOBRINHO, Liton Lanes Pilau; PEREIRA, Agostinho Oli Koope (orgs.). Novas
tecnologias, direito socioambiental e consumo na sociedade moderna. Itajaí, 2017, p. 94.
34

e incompletude. Isso faz com que as pessoas sintam o desejo de ter novas coisas,
ainda que para tê-las seja preciso descartar aquelas cuja aquisição, outrora,
proporcionou tanta alegria.

Trata-se de um ciclo infinito onde, para além dos sentimentos individuais


de infelicidade, insucesso, exclusão e fracasso, indicadores da insustentabilidade
social do Consumo, há uma piora na qualidade de vida coletiva, que revela a
insustentabilidade do Consumo também do ponto de vista ambiental.

Referindo-se aos negativos impactos ambientais causados pela


Sociedade de Consumo, destaca Pereira72:

A fabricação dos bens de consumo, a destruição dos recursos naturais; a


utilização dos bens, a poluição provocada por essa atividade; no pós-
consumo: a produção de resíduos sólidos e líquidos, que são descartados
na natureza. Todos esses elementos leva a configurações severas
amplamente conhecidas: aquecimento global com o consequente degelo
das calotas polares, causado pelo efeito estufa; buraco na camada de
ozônio, provocado, principalmente, pelos gazes lançados pelo homem na
atmosfera; mudanças climáticas advindas da poluição e destruição de
florestas; utilização de agrotóxicos que destroem a flora e a fauna; enfim
muitos outros exemplos poderiam ser citados.

A Sociedade de Consumo “se alimenta do movimento das mercadorias e


é considerada em alta quando o dinheiro mais muda de mãos; e sempre que isso
acontece alguns produtos estão viajando para o depósito de lixo”.73

Nesse seguimento, reconhece-se que as corporações são as maiores


incentivadoras do Consumismo, pois precisam deste para lucrar, exsurgindo daí a
responsabilidade destas pela maior parte dos impactos sociais e ambientais
provenientes do Consumo desmedido, o que será melhor explorado no capítulo
seguinte.

72 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.
Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 271.
73 BAUMAN, Zygmunt. Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, p. 45.
35

CAPÍTULO 2

SUSTENTABILIDADE

No presente capítulo, busca-se contextualizar a ideia de Sustentabilidade,


especialmente ambiental, diferenciando-a do conceito de Desenvolvimento
Sustentável, para, ao final, demonstrar de que forma o crescimento econômico
ilimitado de algumas corporações, Estados-Nações e classes sociais, limita a
construção de uma Sociedade Sustentável.

2.1 O HOMEM E O PLANETA TERRA

O Meio Ambiente vem se modificando ao longo dos anos, naturalmente


ou pela intervenção humana. Milaré divide a evolução do Planeta Terra em três
tempos. O primeiro, chamado tempo geológico, corresponde à formação natural do
planeta. O segundo, denominado tempo biológico, diz respeito à evolução da vida
anteriormente à chegada do homem no planeta. Por fim, o terceiro tempo,
denominado histórico, está atrelado à evolução da espécie humana e sua
interferência transformadora na natureza.74

Os tempos geológicos foram muito longos e apesar de existirem


incontáveis estudos científicos voltados à compreensão deste período, não é
possível atingir uma conclusão definitiva sobre as origens e as etapas de formação
do Planeta Terra. O que se tem certeza é que os ecossistemas se formaram
lentamente e que, antes da presença do homem, muitas espécies vivas apareceram
e desapareceram, adaptaram-se e evoluíram. 75

Nos tempos biológicos “a evolução seguia seu caminho e o habitat


planetário vinha sendo preparado para outros saltos significativos” 76, especialmente
para tornar-se o lar da espécie humana. Os tempos históricos testemunham a

74 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 50.


75 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 50.
76 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 50.
36

dominação do planeta pelo homem, que, instintivamente, busca sua sobrevivência e


seu desenvolvimento.

Boff registra que a partir do surgimento do homem, há aproximadamente


2 milhões de anos, começou um diálogo complexo entre este e a natureza, o qual
atravessou três fases: interação, intervenção e agressão.

Inicialmente era uma relação de interação pela qual reinava a sinergia e


cooperação entre eles; a segunda foi de intervenção, quando o ser humano
começou a usar instrumentos (pedras afiadas, paus pontiagudos, e mais
tarde, a partir do Neolítico, os instrumentos agrícolas) para vencer os
obstáculos da natureza e modificá-la; a terceira fase, a atual, é de agressão,
quando o ser humano faz uso de todo um aparato tecnológico para
submeter a seus propósitos a natureza, cortando montanhas, represando
rios, abrindo minas subterrâneas, poços de petróleos e estradas, criando
cidades, fábricas e dominando os mares.77

Concordando com o instinto dominador do homem, Granziera explica que


“conquistar a natureza sempre foi o grande desafio do homem, espécie que possui
uma incrível adaptabilidade aos diversos locais do planeta e uma grande capacidade
de utilizar os recursos naturais em seu benefício”.78

Depois de descobrir o fogo, o homem passou a destruir florestas para


construir moradias e cultivar alimentos, enxergando nesta dominação a única saída
para superar às intempéries, à cadeia alimentar e os limites de sua força física,
protegendo a si, aos seus descendentes e aos seus semelhantes.79

Acreditava-se que os recursos naturais, como as árvores, as rochas e as


águas, eram intermináveis e que era possível extrair da natureza tudo que fosse
preciso para viver, sem que isso comprometesse o futuro do planeta. O homem
também não se preocupava com outras condutas agressivas ao Meio Ambiente,
como a poluição. As águas, por exemplo, sempre foram utilizadas como local de
descarte de dejetos orgânicos e resíduos de toda espécie, prática que ainda não foi
abandonada.

77 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 23.


78 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental – 3. ed. revista e atualizada / Maria Luiza
Machado Granziera. – São Paulo : Atlas, 2014, p. 22.
79 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 22.
37

A percepção de que os recursos naturais eram infinitos durou muito tempo


e isso fez com que o homem agredisse o Meio Ambiente de maneira duradoura,
grave e constante, sem qualquer cuidado, consciência ou preocupação
intergeracional.

“Atualmente alcançamos um nível tal de agressão que equivale a uma


espécie de guerra total.”80 Neste sentido, ensina Leite81:

É inegável que atualmente estamos vivendo uma intensa crise ambiental,


proveniente de uma sociedade de risco, deflagrada, principalmente, a partir
da constatação de que as condições tecnológicas, industriais e formas de
organização e gestões econômicas da sociedade estão em conflito com a
qualidade de vida. Parece que esta falta de controle da qualidade de vida
tem muito a ver com a racionalidade do desenvolvimento econômico do
Estado que marginalizou a proteção do meio ambiente.

O Planeta Terra vem sendo brutalmente agredido pelo homem, em todas


as suas partes, e isso parece não causar qualquer desconforto à maioria, havendo
uma cegueira deliberada a respeito das condições em que se encontra o Meio
Ambiente.

2.2 PRIMEIRAS CRISES AMBIENTAIS

No século XIII a conta das agressões praticadas ao longo da história


começou a chegar e alguns problemas passaram a chamar a atenção da sociedade,
principalmente da Europa Ocidental, evidenciando o agravamento do conflito entre o
homem e o Planeta Terra.82

Percebeu-se que a natureza não seria capaz de sustentar as crescentes


necessidades humanas, não de acordo com os métodos de exploração utilizados
naquele século.

O homem devastava muitas florestas para extrair a madeira, que era a


principal matéria-prima, utilizada para a construção de casas, de móveis e de
utensílios variados, além de ser uma fonte de calor para o aquecimento das casas e

80 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 23.


81 LEITE, José Rubens Morato. (Org.). Inovações em direito ambiental. Florianópolis: Fundação
José Arthur Boiteux, 2000, p. 13.
82 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 23.
38

para o preparo de alimentos.

Também “foi amplamente utilizada para fundir metais e na construção de


barcos, que na época das ‘descobertas/conquistas’ do século XVI singravam todos
os oceanos”.83

A extração cumulativa e sem qualquer replantio das árvores, ocasionou


uma crise ambiental, conforme explica Bosselmann84:

A madeira, matéria-base para múltiplos produtos e utilizada para a


satisfação de diversas necessidades (no aquecimento, na cozinha, na
construção de casas, na fabricação de ferramentas) quase desapareceu. A
base nutricional de alguns animais também desapareceu e, naturalmente,
os fertilizantes de origem animal, necessários para o cultivo se tornaram
escassos, senão inexistentes. Efeitos no solo e nas águas, como erosão,
inundações e redução dos níveis freáticos também foram detectados. Todos
esses fenômenos, causados pela crise ambiental vivenciada naquela região,
propulsionada pelo desmatamento, resultou no desaparecimento de
povoados, pela fome e pela peste.

Assim, em meio à crise ambiental experimentada pela Europa Ocidental,


entre os anos de 1.300 e 1.350, foi semeada pela primeira vez a ideia central da
sustentabilidade.85

Já naquela época, constatou-se que era preciso tomar medidas


preventivas e reparatórias, para viabilizar a extração de madeira, sem comprometer
o Meio Ambiente. “Na Alemanha, em 1560, na Província de Saxônia, que irrompeu,
pela primeira vez, a preocupação pelo uso racional das florestas, de forma que elas
pudessem se regenerar e se manter permanentemente.”86

Surge, assim, a palavra Nachhaltigkeit, que traduzida do alemão significa


Sustentabilidade. “Principados e cidades locais tomaram medidas de reflorestamento
em larga escala e promulgaram leis fundadas na sustentabilidade”.87

83 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 32.


84 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança /
Klaus Bosselmann ; tradução Philip Gil França ; prefácio Ingo Wolfgang Sarlet. - São Paulo : Editora
Revista dos Tribunais, 2015, p. 31.
85 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança, p.

31.
86 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 32-33.
87 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança, p.

31.
39

Conforme Granziera88:

É certo que alguns cuidados com as águas e as florestas foram tomados ao


longo da história. Mas as finalidades eram outras. Buscava-se a proteção
dos direitos de vizinhança e dos valores econômicos da propriedade,
sempre de maneira isolada e tópica. Um exemplo a citar consiste nas regras
estabelecidas na Penísula Ibérica no século XVI, relativas ao
reflorestamento, para fins de construção de embarcações, ou seja, para fins
utilitários e imediatistas.

Algum tempo depois, foram criados os fornos de mineração, cujo


funcionamento dependia de quantidades elevadas de carvão vegetal, extraído da
madeira. Em 1713, na Saxônia, após grandes florestas serem destruídas para
viabilizar o funcionamento destes fornos, o Capital Hans Carl von Carlowitz
reconheceu a Silvicultura Econômica, propondo o uso sustentável da madeira,
observando que as florestas não conseguiriam se regenerar em velocidade
compatível com as atividades do homem.

Conforme Boff89, o lema de Carlowitz era:

“Devemos tratar a madeira com cuidado (man muss mit dem Holz pfleglich
umgeben), caso contrário, acabar-se-á o negócio e cessará o lucro’. Mais
diretamente: ‘corte somente aquele tanto de lenha que a floresta pode
suportar e que permite a continuidade de seu crescimento”.

Chama-se atenção para o fato de que a primeira aparição do ideal de


Sustentabilidade não envolvia a relação homem-Meio Ambiente mas homem-lucro.

Carlowitz, ao propor a Silvicultura Econômica, foi enfático no sentido de


que a extração da madeira deveria ser realizada com cuidado, pois, do contrário,
acabaria o negócio e cessaria o lucro. As florestas eram consideradas meros
instrumentos para a consecução de um fim puramente econômico e egoístico, o que
revela a distorção entre aquela Sustentabilidade e a Sustentabilidade que se quer
praticar atualmente.

2.3 REVOLUÇÃO INDUSTRIAL

A Revolução Industrial mudou o estilo de vida da sociedade,


especialmente no que tange à produção e ao Consumo, afetando diretamente a

88 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 23.


89 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 33.
40

relação entre o homem e o Planeta Terra. A fase da industrialização tem uma face
negativa e uma positiva na história da Sustentabilidade, pois ao mesmo tempo em
que agravou a crise ambiental existente, serviu de mola propulsora para o início de
uma conscientização ambiental em nível mundial.

Embora não seja possível dizer em que ano exatamente teve início a
Revolução Industrial, fala-se, genericamente, que começou em 1769 quando um
escocês chamado James Watt aperfeiçoou a máquina a vapor, um ano depois de um
outro senhor de nome Arkwright haver aperfeiçoado o tear hidráulico para a indústria
têxtil.90

Leonard, discorrendo sobre a extração de recursos naturais e a produção


de coisas, estabelece um traço distintivo entre a situação anterior e posterior à
Revolução Industrial:

Antes da Revolução Industrial, quase toda produção era movida a tração –


os seres humanos e alguns animais forneciam a energia necessária para
fazer as Coisas. Isso significava que havia um limite para a quantidade de
recursos que podíamos extrair da natureza e de Coisas que podíamos
produzir.91

Além disso, “o objetivo da produção era o próprio produto enquanto objeto


de uso, e não a venda do produto como acontece na sociedade capitalista”92.

Durante a Revolução Industrial, a economia agrária e artesanal foi


praticamente dominada pela indústria e pelo maquinismo. O homem criou máquinas
capazes de realizar as mesmas atividades antes realizadas por este. Ao mesmo
tempo, descobriu que a força muscular podia ser trocada por uma nova fonte de
energia, igualmente capaz de acionar e dar força a essas máquinas, que é o vapor.
Também evoluiu na obtenção de novas matérias-primas, como os minerais,
impulsionando a metalurgia e a indústrica química. Ainda, para que tudo pudesse
circular pelo mundo e gerar riquezas, aperfeiçoou os meios de transportes,
notadamente os terrestres e marítimos.93

90 CANÊDO, Letícia Bicalho. A revolução industrial, p. 7.


91 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 119.
92 CANÊDO, Letícia Bicalho. A revolução industrial, p. 17.
93 CANÊDO, Letícia Bicalho. A revolução industrial, p. 7.
41

Para que todas as indústrias pudessem continuar funcionando “a todo


vapor”, a mão de obra humana revelou-se imprescindível e foi buscada entre os
produtores rurais e os artesãos que, percebendo a expansão e a dominação das
grandes indústrias, abandonaram suas atividades e foram para os centros industriais
operar máquinas em troca de salários.

A poluição pela fumaça, emitida pelas fornalhas movidas a carvão, tornou


Londres uma cidade insalubre. As condições de trabalho nas fábricas
afrontavam severamente a dignidade humana, ensejando a criação de
teorias econômicas voltadas ao questionamento do sistema então vigente, e
forçando, pela primeira vez, a criação de normas trabalhistas, que evoluíram
para os conceitos do meio ambiente do trabalho. 94

Neste novo modelo, os produtos passaram a ser comercializados para


gerar lucro à indústria, diferentemente da produção rural e artesanal, que tinha como
finalidade precípua atender as necessidades reais do homem. A formação dos
grandes centros industriais e urbanos e a migração das populações interioranas para
os seus arredores ocasionou um crescimento populacional sem precedentes nestas
regiões95.

Apesar de usarmos mais recursos naturais e produzirmos cada vez mais


rapidamente, precisávamos de menos trabalho humano. Isso gerou um
dilema: se as fábricas conservassem todos os trabalhadores e
introduzissem as novas máquinas para aumentar a produção, logo
produziriam mais Coisas do que as pessoas necessitavam. Havia duas
opções: aumentar o consumo (mais Coisas) ou redur a produção (menos
trabalho). Os líderes políticos e empresariais não tiveram dúvida:
escolheram mais Coisas.96

Assim, aquelas pequenas propriedades rurais e o trabalho artesanal


cederam espaço aos grandes empresários e produtores, que visando satisfazer as
crescentes necessidades da sociedade, passaram a produzir em série, priorizando o
aspecto quantitativo para atender o maior número possível de consumidores e, como
consequência, lucrar mais.

A experiência vivida naquele período, apesar de negativa, parece ter sido


esquecida durante a Revolução Industrial, pois a exploração desenfreada dos
recursos naturais e, de modo geral, as intervenções nocivas ao Meio Ambiente

94 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 23.


95 CANÊDO, Letícia Bicalho. A revolução industrial, p. 58.
96 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 119.
42

continuaram a ocorrer, ficando nítido que o centro das atenções humanas era o lucro
proporcionado pela expansão da produção e do Consumo.

O Meio Ambiente voltou aos holofotes na segunda metade do século XX,


especialmente entre os anos 60 e 70, época de denúncias contra a Guerra do
Vietnã, dos movimentos estudantis na França e do movimento hippie, que
impulsionaram o chamado movimento ambientalista, um opositor do sistema
econômico então vigente.97

O Clube de Roma solicitou a um instituto de pesquisas norte-americano, o


Massachusetts Institute of Technology, a análise dos problemas ambientais
constatáveis à época, sendo então apresentado o “Relatório Meadows”, onde
referida instituição consignou que o desenvolvimento humano era muito mais rápido
do que a capacidade do Planeta Terra para produzir seus recursos e regenerar-se.
“O assunto tomou proporções tais que a Organização das Nações Unidas (ONU)
decidiu, em 1968, organizar uma conferência internacional para tratar do tema do
meio ambiente, a realizar-se em 1972.”98

Como um despertador, estes estudos fizeram com que a sociedade,


amplamente considerada (Estados-Nações, Civis e Corporações), se antenassem
para a gravidade da crise ambiental, que atingira o patamar de uma verdadeira
guerra entre o homem e o Planeta Terra, e que, cedo ou tarde, respingaria danos
sobre todos os habitantes da “Nossa Casa Comum”99.

O homem passou a enfrentar diversos problemas, de cunho social,


econômico e ambiental, como “a redução da capa de ozônio, o câmbio climático, a
escassez de água potável, a concentração da população nas cidades, a pobreza, a
falta de educação, a mortalidade infantil, a dependência tecnológica e os refugiados
ambientais, entre tantos outros [....]”.100

97 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 24.


98 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 24.
99 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 45.
100 GARCIA, Denise Schmitt Siqueira. Dimensão econômica da sustentabilidade: uma análise com

base na economia verde e a teoria do decrescimento. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v.13, n. 25,
p.133-153, Janeiro/Abril de 2016, p. 136.
43

A questão ambiental tornou-se uma preocupação mundial, ante a


constatação de que os recursos naturais não eram inesgotáveis e que a preservação
da vida humana dependia de ações imediatas sobre o Meio Ambiente, preventivas e
reparatórias. Iniciou-se uma conscientização de que “o homem precisava cuidar do
meio ambiente para garantia de sua própria vida e, consequentemente, da vida das
gerações futuras”.101 Para Mateo “la conciencia ambiental es una respuesta,
sensiblemente tardía, a la insensata y pertinaz acción destructiva del hombre sobre
la naturaleza que alcanza una importancia notable a partir de la revolución
industrial”.102

A conscientização sobre a crise pós-Revolução Industrial impulsionou o


debate e a tomada de decisões sobre a situação do Meio Ambiente, o que
aconteceu no âmbito científico, político e social.

As primeiras obras científicas foram produzidas no início da década de 60


e tiveram como precursor Bertrand Russel em “Has man a Future?” “Donde se
señala que la Humanidad está amenazada de destrucción por la propia obra de sus
componentes”103. Outras obras surgiram depois, e como ressalta o Mateo, os
próprios títulos demonstravam a preocupação dos estudiosos quanto à
sobrevivênvia do homem no planeta. McKenzie Utgard escreveu “Man’s Finite
Earth”; Goldsmith e outros “Blueprint for Survival”; Dansereau “Challenge for
Survival”; Curry-Lindhai “Conservation for Survival”, dentre outras.104

O alarme ecológico também repercutiu na esfera política internacional,


onde foram realizadas diversas conferências para debater a questão da crise
ambiental e buscar meios de resolvê-la, harmonizando novamente relação entre o
homem e o Planeta Terra.

101 GARCIA, Denise Schmitt Siqueira. Dimensão econômica da sustentabilidade: uma análise com
base na economia verde e a teoria do decrescimento, p. 136.
102 MATEO, Ramón Martin. Tratado de derecho ambiental, Vol. I, Editorial Trivium, 1991, p. 29. “A

consciência ambiental é uma resposta, visivelmente tardia, à insensível e obstinada ação destrutiva
do homem sobre a natureza, que atinge uma importância notável a partir da revolução industrial”.
Livre tradução da autora.
103 MATEO, Ramón Martin. Tratado de derecho ambiental, Vol. I, p. 30-31.
104 MATEO, Ramón Martin. Tratado de derecho ambiental, Vol. I, p. 30-31.
44

2.4 AS CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS SOBRE O MEIO AMBIENTE E A


CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE “DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL”

A Conferência de Estocolmo é um marco no pensamento do século XX


por considerar a variável ambiental em todas as atividades humanas 105, além de
retratar o primeiro passo do homem na tentativa de fazer pazes com o Planeta Terra.

Fue en la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente


Humano, reunida en Estocolmo del 5 al 16 de junio de 1972, donde se puso
de manifiesto por primera vez y de forma oficial la necesidad de preservar
para las generaciones futuras el medio ambiente.106

Boff entende que os resultados do encontro internacional não foram


significativos, apontando a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) como seu melhor fruto.107

Bosselmann, por sua vez, pensa que a Declaração de Estocolmo, como


ficou conhecida, representa um grande avanço na história da Sustentabilidade (e
naturalmente, da humanidade) já que instou os Estados a adotarem uma abordagem
integrada e coordenada para o seu desenvolvimento, como o planejamento para
garantir que seu desenvolvimento seja compatível com a necessidade de proteger e
melhorar o ambiente humano.108

“Era tiempo de poner en cuestión el desarrollismo de los años setenta y


ochenta, que, como decía antes, ponía en peligro el equilibrio ecológico de la Tierra,
así como el proprio equilibrio social de la humanidad”.109

O conceito de Desenvolvimento Sustentável ainda não tinha sido


formado, mas já se reconhecia a necessidade de um desaceleramento, tanto é

105 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 36.


106 MAÑAS, José Luis Piñar. Desarrollo sostenible y protección del medio ambiente. Civitas,
2002, p. 25. “Foi na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em
Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972, que a necessidade de preservar o meio ambiente pela
primeira vez e oficialmente se tornou aparente”. Livre tradução da autora.
107 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 34.
108 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança, p.

74.
109 MAÑAS, José Luis Piñar. Desarrollo sostenible y protección del medio ambiente, p. 26. “Era

hora de questionar o desenvolvimentismo dos anos setenta e oitenta, que, como eu disse antes,
colocou em risco o equilíbrio ecológico da Terra, assim como o equilíbrio social da humanidade”.
Livre tradução da autora.
45

verdade que “os princípios 3 e 5 assinalaram o não esgotamento dos recursos


naturais renováveis e a manutenção e melhoria da capacidade da terra para produzir
recursos vitais renováveis”110.

Além disso, conforme lembra Granziera, o Princípio 5 determinou que “os


recursos não renováveis da terra devem ser utilizados de forma a evitar o perigo do
seu esgotamento futuro e a assegurar que toda humanidade participe dos benefícios
de tal uso”111, sendo justamente essa a essência do Desenvolvimento Sustentável,
conceito que logo se consolidaria.

Após a Conferência de Estocolmo, ocorreram acidentes de grande


magnitude e impacto ambiental, inclusive no Brasil, todos causados por atividades
humanas e que serviram para revelar quão autodestrutivas estas podem ser.

Em julho de 1976 em Seveso, na Itália, tanques de armazenagem


operados por uma empresa Suíça se romperam, liberando substâncias tóxicas na
atmosfera e atingindo a população local.112

Depois disso, em 1978, um satélite de telecomunicações soviético caiu


sobre o Canadá, liberando material radioativo. No mesmo ano, o superpetroleiro
Amoco Cádiz, que transportava 227 mil toneladas de óleo cru, partiu-se ao meio na
Costa Francesa, criando uma maré negra que destruiu praias e a vida marinha.113

No Brasil, moradores da Vila Socó, em Cubatão, São Paulo, sofreram em


1984 os efeitos de uma grande explosão decorrente do vazamento de combustível
em um oleoduto operado pela Petrobrás. Ainda em 1984, desta vez na Índia, a
negligência de uma fábrica de pesticidas fez com que o vazamento de gás tóxico
tirasse a vida de 2.000 pessoas e deixasse mais de 200.000 com sequelas.114

Pouco tempo depois, o acidente nuclear de Chernobyl, ocorrido na


Ucrânia, no ano de 1986, chamou a atenção do mundo, após liberar uma nuvem de

110 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança, p.


47.
111 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 37.
112 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 37.
113 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 37.
114 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 37.
46

material radioativo, que foi levada pelo vento aos países vizinhos. Também em 1986
uma empresa química Suíça sofreu um incêndio e, como consequência, o Rio Reno
foi contaminado por produtos químicos agrícolas, solventes e mercúrio, matando a
fauna aquática e ameaçando o abastecimento de água potável em países
vizinhos.115

A grande quantidade de acidentes naturais causados pela ação humana


mostra que apesar dos progressos políticos a crise ecológica estava mais viva do
que nunca, matando milhares de pessoas e comprometendo o futuro do planeta.

A Assembleia das Nações Unidas decidiu convocar uma nova conferência


para dar continuidade aos debates sobre o Meio Ambiente, instituindo uma comissão
presidida pela então Primeira-Ministra da Noruega Gro Harlen Brundtland, que
elaborou um relatório chamado “Nosso Futuro Comum”, conhecido como “Relatório
de Brundtland”, o qual foi apresentado à Organização das Nações Unidas em
1987.116

“En 1987, en el Informe Brudtland, que ya conocemos, se propone lo que


se va a mostrar como una propuesta revolucionaria: el desarrollo sostenible”. 117 Pela
primeira vez o Desenvolvimento Sustentável foi conceituado como “aquele que
atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as
gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades”.118 Esta definição se
tornou clássica e se impôs em quase toda literatura a respeito do tema119.

A preocupação da comissão estava centrada em torno da degradação


ambiental e nas discrepâncias do desenvolvimento econômico e social entre as
regiões norte e sul.120 Bem por isso, defende-se que o Relatório Brundtland, como

115 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 42-43.


116 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 43.
117 MAÑAS, José Luis Piñar. Desarrollo sostenible y protección del médio ambiente, p. 26. “Em

1987, no Relatório Brudtland, que já conhecemos, propomos o que será mostrado como uma
proposta revolucionária: desenvolvimento sustentável”. Livre tradução da autora.
118 Nosso futuro comum / Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. – 2. ed. –

Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1991.


119 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 34.
120 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança, p.

50.
47

ficou conhecido, é um apelo por justiça distributiva global, entre ricos e pobres,
natureza das presentes e futuras gerações e seres humanos.121

Neste sentido:

Satisfazer as necessidades e as aspirações humanas é o principal objetivo


do desenvolvimento. Nos países em desenvolvimento, as necessidades
básicas de grande número de pessoas – alimento, roupas, habitação,
emprego – não estão sendo atendidas. Além dessas necessidades básicas,
as pessoas também aspiram legitimamente a uma melhor qualidade de
vida. Num mundo onde a pobreza e a justiça são endêmicas, sempre
poderão ocorrer crises ecológicas e de outros tipos. Para que haja um
desenvolvimento sustentável, é preciso que todos tenham atendidas as
suas necessidades básicas e lhes sejam proporcionadas oportunidades de
concretizar suas aspirações a uma vida melhor. [...] 122

Depois de Estocolmo, foi realizada em 1992 uma nova conferência no Rio


de Janeiro, considerada a “Conferência da Esperança” e também conhecida como “A
Cúpula da Terra”, na qual produziram diversos documentos, como a “Agenda 21:
Programa de Ação Global” e a “Carta do Rio de Janeiro”.

Na Carta do Rio de Janeiro novamente debateu-se sobre o


Desenvolvimento Sustentável.

En apenas cinco folios, en 27 principios, se sientan las bases de las


políticas actuales de erradicación de la pobreza, responsabilidad
medioambiental, evaluación del impacto ambiental, aplicación del principio
de precaución con el fin de proteger el medio ambiente, participación en los
asuntos medioambientales de los ciudadanos interesados, promoción de
modelos económicos respetuosos con el medio ambiente, derecho a la
información sobre actividades que puedan tener efectos ambientales,
defensa y reconocimiento de las poblaciones indígenas.123

O Princípio 3 determina que “o direito ao desenvolvimento deve exercer-


se de forma tal que responda equitativamente às necessidades de desenvolvimento
e de proteção à integridade do sistema ambiental das gerações presentes e futuras”.

121 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança, p.


50.
122 Nosso futuro comum / Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. – 2. ed. –

Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1991.


123 MAÑAS, José Luis Piñar. Desarrollo sostenible y protección del medio ambiente, p. 26-27.

“Em apenas cinco folhas, em 27 princípios, são lançadas as bases para as atuais políticas de
erradicação da pobreza, responsabilidade ambiental, avaliação do impacto ambiental, aplicação do
princípio da precaução para proteger o meio ambiente, participação em questões ambientais de
cidadãos interessados, promoção de modelos econômicos que respeitem o meio ambiente, direito à
informação sobre atividades que possam ter efeitos ambientais, defesa e reconhecimento das
populações indígenas”. Livre tradução da autora.
48

Em complemento, o Princípio 4 dispõe que “com o objetivo de alcançar o


desenvolvimento sustentável a proteção do meio ambiente deverá constituir parte
integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada
isoladamente”124.

A referida categoria “adquiriu então plena cidadania, constituiu o eixo de


todas as discussões e aparece quase sempre nos principais documentos”125,
convertendo-se “en um verdadero principio general del derecho, aplicable e
invocable”126.

O documento impôs aos Estados e às pessoas o dever ético de cooperar


para a erradicação da pobreza e redução das disparidades nos padrões de vida,
necessidade já reconhecida pelo Relatório de Brundtland, para o fim de promover
um Desenvolvimento Sustentável em nível global. Neste ponto, é válido ressaltar
também o Princípio 6 da Carta do Rio de Janeiro, que reconhece a necessidade de
se “atribuir especial prioridade à situação e às necessidades específicas dos países
em desenvolvimento, em particular dos países menos adiantados, e dos mais
vulneráveis do ponto de vista ambiental. [...]”127

Nota-se que a questão do Consumo desmedido também foi debatida e


timidamente repreendida, já que o Princípio 8 reconheceu a necessidade de eliminar
os padrões insustentáveis de produção e de Consumo.128

Para os analistas ficava cada vez mais clara a contradição existente entre a
lógica do desenvolvimento de tipo capitalista, que sempre procura
maximizar os lucros às expensas da natureza, criando grandes
desigualdades sociais (injustiças), e entre a dinâmica do meio ambiente,
que se rege pelo equilíbrio, pela interdependência de todos com todos e
pela reciclagem de todos os resíduos (a natureza não conhece lixo). 129

124 Carta do Rio de Janeiro. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20do%20Rio%201992.pdf. Acesso em 15
de set. de 2019.
125 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 35.
126 MAÑAS, José Luis Piñar. Desarrollo sostenible y protección del medio ambiente, p. 29. “Num

verdadeiro princípio geral de direito, aplicável e invocável”. Livre tradução da autora.


127 Carta do Rio de Janeiro. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20do%20Rio%201992.pdf. Acesso em 15
de set. de 2019.
128 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 48.
129 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 35.
49

No ano de 2002 foi realizada a Conferência de Johanesburgo, ocasião em


que a globalização e o Consumo supérfluo foram reconhecidos como fatores de
peso na (in)sustentabilidade do Planeta Terra. Eram evidentes os problemas
agravados naquela última década: persistência do aumento demográfico, incremento
da concentração de renda, exacerbação da desigualdade social, excessivo
Consumo supérfluo das classes abonadas, aumento do fosso entre países
desenvolvidos e os demais países.130

Por fim, outra conferência foi realizada no Rio de Janeiro, em 2012,


denominada “Conferência do Medo”, no contexto da preocupação com a
possibilidade da regressão ambiental.131

A construção do conceito de desenvolvimento sustentável, como se vê,


está relacionada com medo e com futuro. Reconhece-se a necessidade de um
desenvolvimento humano e, ao mesmo tempo, percebe-se que os padrões atuais
são incompatíveis com a manutenção da vida no planeta.

Assim, conforme explica Granziera132:

As atividades humanas desenvolvidas em certo momento devem


considerar, à luz da disponibilidade dos recursos naturais utilizado, a
possibilidade de manter-se ao longo d tempo, para as gerações futuras. Se
uma determinada atividade pressupõe o esgotamento dos recursos naturais
envolvidos, devem ser redobrados os cuidados na autorização de sua
implantação chegando-se ao limite de restringi-la.

A definição de desenvolvimento sustentável, portanto, não é outra senão


um “meio para que seja possível obter equilíbrio entre progresso, a industrialização,
o consumo e o meio ambiente.”133

2.5 SUSTENTABILIDADE VERSUS DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Antes da realização da Conferência de Johanesburgo, no ano de 2002, o

130 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 88.


131 GARCIA, Denise Schmitt Siqueira. Dimensão econômica da sustentabilidade: uma análise com
base na economia verde e a teoria do decrescimento, p. 137.
132 GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental, p. 58.
133 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de; SOUZA, Greyce Kelly Antunes. Sustentabilidade e

sociedade de consumo: avanços e retrocessos. In: SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de;
ARMADA, Charles Alexandre de (orgs.). Teoria Jurídica e Transnacionalidade, volume I, Itajaí,
2014, p. 183.
50

Meio Ambiente era tratado, precipuamente, como um instrumento para a fruição de


direitos humanos, e tudo que se tinha era um conceito de Desenvolvimento
Sustentável, construído para equilibrar a necessidade de alavancar o crescimento
econômico sem ultrapassar os limites do Meio Ambiente.134

Conforme Bodnar, o conceito de Sustentabilidade surge com a


Conferência de Johanesburgo, “quando se consagrou, além da dimensão global, as
perspectivas ecológica, social e econômica, como qualificadoras de qualquer projeto
de desenvolvimento”135 e se reconheceu a importância da justiça social para
alcançar um Meio Ambiente sadio.

Assim, embora tratados como sinônimos, os conceitos de


Desenvolvimento Sustentável e de Sustentabilidade não se confundem, até porque
foram construídos e consolidados a partir de perspectivas diversas. Com a
“consolidação teórica da sustentabilidade, passou a ser possível conceber o meio
ambiente enquanto um direito humano independente e substantivo, inseparável e
indivisível dos demais direitos humanos”.136

Portanto, quando se fala em Sustentabilidade é em referência à


capacidade do Planeta Terra sustentar-se, manter-se, conservar-se vivo. Neste
conceito, “não entra necessariamente a consideração do desenvolvimento, em seus
aspectos econômicos e sociais”.137

Afinal, pensa Souza e Armada138:

134 BODNAR, Zenildo; FREITAS, Vladimir Passos de; SILVA, Kaira Cristina. A epistemologia
interdisciplinar da sustentabilidade: por uma ecologia integral para a sustentação da casa
comum. Revista Brasileira de Direito, 12(2): 59-70, jul.-dez. 2016, p. 63.
135 BODNAR, Zenildo; FREITAS, Vladimir Passos de; SILVA, Kaira Cristina. A epistemologia

interdisciplinar da sustentabilidade: por uma ecologia integral para a sustentação da casa


comum, p. 63.
136 BODNAR, Zenildo; FREITAS, Vladimir Passos de; SILVA, Kaira Cristina. A epistemologia

interdisciplinar da sustentabilidade: por uma ecologia integral para a sustentação da casa


comum, p. 64.
137 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, Paulo Affonso Leme Machado. –

26. ed, rev., ampl., e atual. – São Paulo : Malheiros, 2018, p. 67.
138 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes; ARMADA, Charles Alexandre Souza. Desenvolvimento

sustentável e sustentabilidade: evolução epistemológica na necessária diferenciação entre os


conceitos. In: SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes; ARMADA, Charles Alexandre Souza (orgs.)
Sustentabilidade: um olhar multidimensional e contemporâneo. Itajaí, 2018, p. 31.
51

Qual é o desenvolvimento que efetivamente precisa ser sustentável? Não


se trata unicamente do desenvolvimento econômico, expressão muitas
vezes utilizada como sinônimo de crescimento econômico. O
Desenvolvimento Sustentável precisa incluir diversas outras esferas da vida
humana, além da econômica. Contudo, a falta de detalhamento conceitual
abriu espaço para diversas interpretações.

Bosselmann reconhece que as categorias são distintas, mas enaltece a


importância de ambas, defendendo que “as necessidades humanas só podem ser
alcançadas se os objetivos ambientais e de desenvolvimento são exercidos em
conjunto”.139 Para o autor, a ideia de Sustentabilidade assemelha-se a ideia de
justiça, no sentido de que todos concordam que a sociedade precisa caminhar rumo
à Sustentabilidade, mas ninguém domina o seguramente o assunto, a ponto mostrar
conceitos uniformemente aceitos.140

Apesar das divergências, todos os autores parecem concordar que


Sustentabilidade é um objetivo e Desenvolvimento Sustentável é uma das formas de
alcançá-lo.

Sustentabilidade, para Cruz e Ferrer, “não é nada mais do que um


processo mediante o qual se tenta construir uma sociedade global capaz de
perpetuar indefinidamente no tempo em condições que garantam a dignidade
humana.”141

Souza e Armada142 diferenciam:

As diferenças entre Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável


afloram com um processo em que a primeira se relaciona com o fim,
enquanto o segundo com o meio. O Desenvolvimento Sustentável como
meio para que seja possível obter equilíbrio entre o progresso, a
industrialização, o consumo e a estabilidade ambiental, como objetivo a
Sustentabilidade e o bem-estar da sociedade.

139 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança, p.


25-26.
140 BOSSELMANN, Klaus. O princípio da sustentabilidade : transformando direito e governança, p.

25-26.
141 CRUZ, Paulo Márcio; FERRER, Gabriel Real. Direito, Sustentabilidade e a Premissa

Tecnológica como Ampliação de seus Fundamentos, p. 240.


142 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de; SOUZA, Greyce Kelly Antunes. Sustentabilidade e

sociedade de consumo: avanços e retrocessos. In: SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes de;
ARMADA, Charles Alexandre de (orgs.). Teoria Jurídica e Transnacionalidade, volume I, Itajaí,
2014, p. 182.
52

Ferrer143, por sua vez, recomenda que os referidos conceitos não sejam
utilizados de forma indiscriminada, trivial e espúria, para evitar que se esvaziem,
demonstrando preocupação com esta distinção conceitual:

Las palabras sirven para definir conceptos, pero a veces se usan para
ocultarlos, para distraernos sobre su autentico significado. Igualmente, su
uso indiscriminado, espurio y banalizante, hace que se corra el riesgo de
que unas y otras, palabras y conceptos, se diluyan en la nada, máxime
cuando, como es el caso, se toman como una moda, como complemento a
cualquier discurso políticamente correcto. Desarrollo sostenible y
sostenibilidad son términos que se usan profusamente y suelen identificarse
y, de hecho, las denominaciones de las cumbres juegan a ello, pero no son
lo mismo.

O autor também apresenta os limites conceituais do instituto da


sustentabilidade, distanciando-o do desenvolvimento sustentável:

Recapitulando en esta dicotomía, en la noción de Desarrollo Sostenible, la


sostenibilidad opera negativamente, se entiende como un límite: hay que
desarrollarse (lo que implica conceptualmente crecer) pero de una
determinada manera. Sin embargo, la Sostenibilidad es una noción positiva
y altamente proactiva que supone la introducción de los cambios necesarios
para que la sociedad planetaria, constituida por la Humanidad, sea capaz de
perpetuarse indefinidamente en el tiempo. De hecho, podríamos decir que la
sostenibilidad no es más que la materialización del instinto de supervivencia
social, sin prejuzgar, por supuesto, si debe o no haber desarrollo
(crecimiento), ni donde sí o donde no. 144

143 FERRER, Gabriel Real. Sostenibilidad, transnacionalidad y trasformaciones del Derecho.


Publicado en Revista de Derecho Ambiental, AbeledoPerrot, Buenos Aires, nº 32, octubre-diciembre
2012, págs. 65-82; y en Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza e Denise Schmitt Siqueira Garcia
(Orgs.), Direito Ambiental, Transnacionalidade e Sustentabilidade, E-Book, Univali editora, Itajaí,
2013, p. 3. “As palavras servem para definir conceitos, mas às vezes são usadas para escondê-las,
para nos distrair do seu significado autêntico. Da mesma forma, seu uso indiscriminado, espúrio e
banalizador faz com que haja o risco de que palavras e conceitos sejam diluídos no nada,
especialmente quando, como é o caso, são tomados como moda, como complemento de qualquer
discurso politicamente correto. Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade são termos que são
usados profusamente e geralmente são identificados e, de fato, as denominações de cúpulas
brincam com isso, mas eles não são os mesmos”. Livre tradução da autora.
144 FERRER, Gabriel Real. Sostenibilidad, transnacionalidad y trasformaciones del Derecho.

Publicado en Revista de Derecho Ambiental, AbeledoPerrot, Buenos Aires, nº 32, octubre-diciembre


2012, págs. 65-82; y en Maria Cláudia da Silva Antunes de Souza e Denise Schmitt Siqueira Garcia
(Orgs.), Direito Ambiental, Transnacionalidade e Sustentabilidade, E-Book, Univali editora, Itajaí,
2013, p. 6. “Recapitulando nessa dicotomia, na noção de Desenvolvimento Sustentável, a
sustentabilidade opera negativamente, é entendida como um limite: deve ser desenvolvida (o que
conceitualmente implica crescer), mas de certa forma. No entanto, a Sustentabilidade é uma noção
positiva e altamente proativa que implica a introdução das mudanças necessárias para que a
sociedade planetária, constituída pela Humanidade, seja capaz de se perpetuar indefinidamente no
tempo. De fato, poderíamos dizer que a sustentabilidade nada mais é do que a materialização do
instinto de sobrevivência social, sem prejulgar, evidentemente, se deve ou não haver
desenvolvimento (crescimento) ou onde ele existe ou não.” Livre tradução da autora.
53

Portanto, para Ferrer, no Desenvolvimento Sustentável a Sustentabilidade


tem uma face negativa, impondo um limite ao desenvolvimento humano.

Machado145 entende que quando o conceito de Sustentabilidade passa a


qualificar ou caracterizar o desenvolvimento humano surge um paradoxo, já que um
termo desmancha o outro, por completa desarmonia entre eles. Em sua concepção
“desenvolvimento” e “Sustentabilidade” são expressões antagônicas.

Na mesma direção, Boff esclarece que quando se fala em


desenvolvimento, é em referência ao desenvolvimento industrialista, capitalista e
consumista, que é antropocêntrico, contraditório e equivocado:

É antropocêntrico, pois está centrado somente no ser humano, como se não


existisse a comunidade de vida (flora, fauna e outros organismos vivos)
também criada pela Mãe Terra e que igualmente precisa da biosfera e
demanda sustentabilidade.146

Além disso, Boff entende que o desenvolvimento é contraditório porque


obedece uma lógica diferente e contrária da Sustentabilidade:

O desenvolvimento, como vimos, é linear, deve ser crescente, supondo a


exploração da natureza, gerando profundas desigualdades – riqueza de um
lado e pobreza de outro – e privilegia a acumulação individual. Portanto, é
um termo que vem do campo da economia política
industrialista/capitalista.147

O ponto de vista apresentado por estes autores apoia-se na distorção dos


conceitos de desenvolvimento e crescimento, tendo em vista que se utiliza da
expressão “desenvolvimento” para fazer referência “crescimento econômico”,
categorias inconfundíveis, como se explorará adiante.

Destarte, embora a expressão desenvolvimento sustentável seja utilizada


com frequência para expressar a necessidade de crescer economicamente de forma
sustentável, sabe-se que tal processo não é factível e a histórica recente revela que
o crescimento, por si só, é injusto e insustentável.

145 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, Paulo Affonso Leme Machado. –
26. ed, rev., ampl., e atual. – São Paulo : Malheiros, 2018, p. 68.
146 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 45.
147 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 45.
54

Por isso, anota Boff, a utilização política da expressão Desenvolvimento


Sustentável é uma armadilha que “assume os termos da ecologia (sustentabilidade)
para esvaziá-los e assume o ideal da economia (crescimento-desenvolvimento),
mascarando, porém, a pobreza que ele mesmo produz” 148.

Feitas essas anotações iniciais, registra-se que o presente trabalho acata


a distinção conceitual apresentada pelos autores supracitados, utilizando a
expressão Sustentabilidade para referir-se a um objetivo e a expressão
Desenvolvimento Sustentável para referir-se ao percurso que ainda precisa ser
trilhado pela sociedade para que esta se torne sustentável, ressalvando-se, porém,
as necessidades a serem atendidas, pela geração atual e pelas futuras, devem ser
necessidades reais, não “artificiais, fabricadas ou hiperinflacionadas pelo
consumismo em cascata”149, como as corporações costumam pregar na Sociedade
de Consumo.

2.6 SUSTENTABILIDADE: CONCEITO E DIMENSÕES CLÁSSICAS

A Sustentabilidade é uma condição para a vida humana, que possui


caráter pluridimensional, estruturando-se em três dimensões clássicas, a ambiental,
a social e a econômica.

A dimensão social da sustentabilidade pode ser associada a direitos como


moradia, educação e saúde, sugerindo a eliminação das discrepâncias do
desenvolvimento social e econômico das classes pertencentes a uma mesma
sociedade e a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana.

A dimensão econômica está intimamente relacionada com o


desenvolvimento humano e com o crescimento econômico e surge da “necessidade
de equilíbrio entre a produção, o consumo e a proteção ambiental”150.

148 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 45.


149 SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes; ARMADA, Charles Alexandre Souza. Desenvolvimento
sustentável e sustentabilidade: evolução epistemológica na necessária diferenciação entre os
conceitos. In: SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes; ARMADA, Charles Alexandre Souza (orgs.)
Sustentabilidade: um olhar multidimensional e contemporâneo. Itajaí, 2018, p. 31.
150 GARCIA, Denise Schimitt Siqueira. A obsolescência programada e psicológica e o desequilíbrio

causado na dimensão econômica da sustentabilidade. In: SOUZA, Maria Cláudia da Silva Antunes
de; VIEIRA, Ricardo Stanziola; FERRER, Gabriel Real (orgs.); GARCIA, Denise Schmitt Siqueira,
55

Portanto, reconhece-se que o desenvolvimento, nele incluído o Consumo


dos bens e serviços necessários, além do crescimento econômico, é importante para
a qualidade de vida da sociedade, desde que não implique na degradação ambiental
e na utilização desenfreada de recursos não renováveis e, até mesmo, renováveis.

A dimensão ambiental da Sustentabilidade está diretamente relacionada


com a indispensabilidade dos recursos naturais para a manutenção da vida no
Planeta Terra. Nesta dimensão, ressalta-se a importância da proteção e da
administração dos recursos renováveis e não renováveis, da eliminação ou
minimização dos impactos ambientais e da compensação dos danos ambientais.

Para Freitas151 a Sustentabilidade é:

Um princípio constitucional que determina, com eficácia direta e imediata, a


responsabilidade do Estado e da sociedade pela concretização solidária do
desenvolvimento material e imaterial, socialmente inclusivo, durável e
equânime, ambientalmente limpo, inovador, ético e eficiente, no intuito de
assegurar, preferencialmente de modo preventivo e precavido, no presente
e no futuro, o direito ao bem-estar.

Aquino152, discorrendo sobre o princípio da Sustentabilidade, ensina que:

A Sustentabilidade – compreendida na sua matriz ecológica e ecosófica – é


princípio jurídico, o qual já aparece em documentos internacionais e orienta
outros princípios e regras, como é o caso do Desenvolvimento Sustentável.
No entanto, a sua execução depende de ações transversais que
demandem, mais e mais, essa compreensão das relações humanas e não
humanas. Precisa-se, sim, de uma governança para a Sustentabilidade, a
qual já define outros contornos de atuação do Direito Ambiental
Internacional.

Canotilho153, por sua vez, entende que:

Tal como outros princípios estruturantes do Estado Constitucional –


democracia, liberdade, juridicidade, igualdade – o Princípio da
Sustentabilidade é um princípio aberto carecido de concretização

CURZ, Paulo Márcio (cords.). Consumo sustentável, agroindústria e recursos hídricos. Itajaí,
2018, p. 53.
151 FREITAS, Juarez. Sustentabilidade - Direito ao Futuro, Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 133-

134.
152 AQUINO, Sérgio Ricardo Fernandes de. O princípio (jurídico) esquecido da Sustentabilidade.

Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/o-principio-juridico-esquecido-da-


Sustentabilidade. Acesso em 10 dez. 2018.
153 CANOTILHO, J.J. Gomes. O Princípio da Sustentabilidade como Princípio estruturante do

Direito Constitucional. Tékhne - Revista de Estudos Politécnicos. versão impressa ISSN 1645-9911.
Disponível em http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-
99112010000100002#a01. Acesso em 10 dez. 2018.
56

conformadora e que não transporta soluções prontas, vivendo de


ponderações e de decisões problemáticas. É possível, porém, recortar,
desde logo, o imperativo categórico que está na génese do Princípio da
Sustentabilidade e, se se preferir, da evolução sustentável: os humanos
devem organizar os seus comportamentos e acções de forma a não
viverem: (i) à custa da natureza; (ii) à custa de outros seres humanos; (iii) à
custa de outras nações; (iiii) à custa de outras gerações. Em termos mais
jurídico-políticos, dir-se-á que o Princípio da Sustentabilidade transporta três
dimensões básicas: (1) a Sustentabilidade interestatal, impondo a equidade
entre países pobres e países ricos; (2) a Sustentabilidade geracional que
aponta para a equidade entre diferentes grupos etários da mesma geração
(exemplo: jovem e velho); (3) a Sustentabilidade intergeracional impositiva
da equidade entre pessoas vivas no presente e pessoas que nascerão no
futuro.

Pode-se dizer, portanto, que politicamente a Sustentabilidade significa a


capacidade de organização da sociedade. Existem duas precondições para o
desenvolvimento da Sustentabilidade: a capacidade natural de suporte (recursos
naturais existentes) e a capacidade de sustentação (atividades sociais, políticas e
econômicas geradas pela própria sociedade em seu próprio benefício).154

A ideia de Sustentabilidade, portanto, apoia-se em dois critérios


essenciais. Primeiro, as ações humanas passam a ser analisadas quanto à
incidência de seus efeitos diante do tempo cronológico, pois esses efeitos são
estudados no presente e no futuro; segundo, ao se procurar fazer um prognóstico do
futuro, haverá de ser pesquisado que efeitos continuarão e quais as consequências
de sua duração.155

Se o conteúdo da Sustentabilidade for ambiental, o critério de equidade


intergeracional também deverá ser ponderado e então “teremos três elementos a
serem considerados, o tempo, a duração dos efeitos e a consideração do estado do
meio ambiente em relação ao presente e ao futuro”.156

Machado compreende que equidade intergeracional é uma nova espécie


de responsabilidade jurídica, impondo-se a todos o dever de pensar na qualidade de
vida das gerações seguintes e de se abster de agir em prejuízo destas.

A Constituição estabelece as presentes e futuras gerações como


destinatárias da defesa e da preservação do meio ambiente. O

154 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 68-69.


155 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, p. 70.
156 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, p. 65.
57

relacionamento das gerações com o meio ambiente não poderá ser levado
a efeito de forma separada, como se presença humana no planeta não
fosse uma cadeia de elos sucessivos (...) A continuidade da vida no planeta
pede que esta solidariedade não fique represada na mesma geração, mas
ultrapasse a própria geração, levando em conta as gerações que virão após.
Há um novo tipo de responsabilidade jurídica: a equidade intergeracional.

Para Boff157 Sustentabilidade é:

Toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais,


físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a Terra viva, a
comunidade de vida, a sociedade e a vida humana, visando sua
continuidade e ainda atender as necessidades da geração presente e das
futuras, de tal forma que os bens e serviços naturais sejam mantidos e
enriquecidos em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução.

Leonard inclui em sua definição de Sustentabilidade outros conceitos-


chave, como igualdade e justiça, citando o astrofísico e escritor Robert Gilman
quando diz que a “sustentabilidade é igualdade ao longo do tempo”. 158

No mesmo sentido, Mañas159 acredita que a Sustentabilidade pode


substituir o clássico conceito de justiça:

Justicia significa a) plena harmonización de todas las políticas públicas en


orden a la eliminación de las desigualdades nacionales y sociales (justicia
social), b) convergencia y alineación de todas las políticas hacia la
recuperación de la naturelaza (destruida) y la construcción del medio
ambiente para el futuro (justicia hacia la naturelaza y las generaciones
futuras), y c) regulación y reconducción de las relaciones entre particulares
hacia los objetivos a) y b) (justicia entre particulares).

Registra-se que a construção de uma Sociedade Sustentável depende de


um desenvolvimento humano sustentável, capaz de atender às necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem às
próprias necessidades.

157 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 107.


158 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 28.
159 The law of sustainable development. General principles. Informe elaborado para la Comisión

Europea por Michael Decleris, Oficina de Publicaciones Oficiales de las Comunidades Europeas apud
MAÑAS, José Luis Piñar. Desarrollo sostenible y protección del medio ambiente, p. 31. “Justiça
significa a) total harmonização de todas as políticas públicas, a fim de eliminar as desigualdades
nacionais e sociais (justiça social), b) convergência e alinhamento de todas as políticas para a
recuperação da natureza (destruída) e a construção do meio ambiente para o futuro (justiça para
natureza e gerações futuras), c) regulação e redirecionamento das relações entre indivíduos para os
objetivos a) e b) (justiça entre indivíduos).” Livre tradução da autora.
58

O Desenvolvimento Sustentável, portanto, é um meio para alcançar a


Sustentabilidade. É um caminho que necessariamente precisa ser percorrido pelo
homem, a fim de promover a justiça, a igualdade social e o bem-estar coletivo, já
que ao longo das últimas décadas a sociedade explorou recursos naturais e poluiu o
ambiente de maneira desenfreada, sem preocupar-se com o futuro, tampouco com a
qualidade de vida das próximas gerações.

A Associação de Direito Internacional, em sua 70ª Conferência, realizada


em Nova Delhi, expressou que o Desenvolvimento Sustentável, entre outros fins,
visa a realizar o direito de todos os seres humanos a um nível de vida
suficientemente correspondente à sua participação ativa, livre e útil no
desenvolvimento e na repartição das vantagens daí decorrentes, levando em conta
devidamente as necessidades e os interesses das gerações futuras. 160

Mateo161 adverte que o Desenvolvimento Sustentável e, reflexamente a


Sustentabilidade, não podem ser encarados como uma utopia, ao contrário, trata-se
de uma estratégia para que nossos congêneres e descentes possam viver melhor,
tendo amplo acesso à qualidade de vida disponível hoje:

No se trata de instaurar una especie de utopía sino, sobre bases


pragmáticas, de hacer compatible el desarrollo económico necesario para
que nuestros congéneres y sus descendientes puedan vivir dignamente en
un entorno biofísico adecuado, una suerte de equilibrio al que en Estocolmo,
en la cumbre de 1972, se intentó propugnar, lo que pareció entonces difícil,
al contraponerse a extramuros de la Conferencia un tanto asintóticamente el
progreso tecnológico e industrial con la conservación de la naturaleza,
amenazada además por la explosión de la bomba demográfica.

Além disso, Mateo associa a aplicação do princípio do Desenvolvimento


Sustentável à justiça distributiva e à solidariedade entre gerações, afirmando que “el
concepto de Desarrollo Sostenible va más allá de la mera armonización de la
economía y la ecología, incluye valores morales relacionados con la solidaridad”.162

Entende-se, assim, que a Sustentabilidade é um processo pelo qual se


busca construir uma sociedade global capaz de se organizar e se manter sem prazo
160MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro, p. 69.
161MATEO, Ramón Martin. Tratado de derecho ambiental, Vol. I, p. 37.
162 MATEO, Ramón Martin. Tratado de derecho ambiental, Vol. I, p. 42. “O conceito de

Desenvolvimento Sustentável vai além da mera harmonização da economia e ecologia, inclui valores
morais relacionados à solidariedade.” Livre tradução da autora.
59

determinado em condições que garantam a todos dignidade humana, sendo


imprescindível, para o alcance de tal intento, que a sociedade busque desenvolver-
se de maneira socialmente inclusiva e ambientalmente limpa.

2.7 TEORIA DO DECRESCIMENTO: PARA SER SUSTENTÁVEL A SOCIEDADE


PRECISA CRESCER OU DECRESCER?

Uma sociedade é sustentável quando se organiza e se comporta de tal


forma que ela, através das gerações consegue garantir a vida dos cidadãos e dos
ecossistemas nos quais está inserida, junto com a comunidade de vida.163

Assim, caminhar rumo à construção de uma Sociedade Sustentável, que


seja capaz de desenvolver-se sem comprometer a continuidade do Planeta Terra e a
qualidade de vida das gerações que virão, depende de uma profunda alteração de
valores, envolvendo a compreensão de que o crescimento puramente econômico
precisa ser substituído pela expansão qualitativa, caracterizada pela melhoria real da
qualidade de vida do ser humano, progresso que não pode ser medido em números
ou através do PIB, porque relaciona-se com a felicidade, com a satisfação pessoal e
com a saúde dos indivíduos.

Conforme ressalta Boff, o desenvolvimento que vigora em quase todos os


países, não pode ser considerado sustentável. “Não obstante, precisamos viver. Por
isso, necessitamos produzir com certo nível de crescimento e desenvolvimento”.164

Nesse cenário, uma das perguntas mais tormentosas que se pode fazer
hoje é: Como compatibilizar o desenvolvimento humano com a sustentação do
Planeta Terra?

Percebe-se que a grande dificuldade encontrada pelo homem, no


decorrer das últimas décadas, consiste em desconstruir a ideia de que o
crescimento econômico, nele compreendido a produção e o consumo abundantes, é
indispensável para que a sociedade possa estar satisfeita e feliz no aspecto da
coletividade.

163 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 128.


164 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 131.
60

Inúmeros cientistas tentam responder ao questionamento, criando


teorias, elaborando relatórios estatísticos e apontando soluções para curto, médio e
longo prazo, mas nada parece estar funcionando, ao revés, é frequente a notícia de
piora da situação ambiental, econômica e social em todos os continentes do globo
terrestre.

Todos os regimes políticos modernos propuseram o crescimento


econômico como eixo central de seu sistema. Repúblicas, ditaduras, sistemas
totalitários, de direita ou de esquerda, liberais, socialistas, populistas, radicais ou
comunistas: todos estão centralizados no crescimento econômico.165

Na política convencional, o crescimento econômico é tratado como


prioridade máxima e costuma ser a primeira promessa do candidato que deseja
liderar um Estado. Transmite-se ao povo a ideia de que haverá crescimento
econômico e com ele a melhora na qualidade de vida das pessoas, o que não passa
de uma moeda de barganha para receber votos e prestígio político, já que
crescimento econômico e qualidade de vida não são sinônimos.

Arrisca-se dizer o contrário: o crescimento econômico imoderado é causa


potencial de piora na qualidade de vida das pessoas.

O Produto Interno Bruto (PIB) é um indicativo importante para a


economia, mas tal importância é aferível apenas no campo do crescimento
econômico. O PIB não diz respeito ao desenvolvimento em sentido amplo, à
felicidade, à saúde e ao estado de espírito dos cidadãos.

As noções de desenvolvimento e crescimento econômico, embora


umbilicalmente relacionadas, não se confundem. Em termos práticos, pode-se dizer
que desenvolvimento é um todo do qual crescimento econômico é uma parte. O
crescimento econômico é um critério quantitativo, atrelado à economia e aos
números, diferentemente do desenvolvimento, que é um critério qualitativo, atrelado
não apenas à economia e aos números, mas também à qualidade de vida de um
grupo de pessoas: saúde, educação, felicidade, paz, segurança etc. Crescer, não

165 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 40.


61

significa, necessariamente, desenvolver. “O desenvolvimento remete a um processo


muito mais teórico, complexo e multidimensional, em que a economia é apenas um
dos componentes”.166

Nesta linha de raciocínio, discorre Leonard167:

Uma grande parte do problema é que o sistema econômico dominante


valoriza o crescimento como um objetivo em si mesmo. [...] O PIB
contabiliza o valor dos bens e serviços produzidos a cada ano. Mas deixa de
fora facetas importantes, ao não considerar a distribuição desigual e injusta
da riqueza, nem examinar quão saudáveis e satisfeitas estão as pessoas.

Dados recentes apontam que o Brasil é a sexta economia do mundo,


ultrapassando a Inglaterra. Isso significa dizer que o Brasil é mais “desenvolvido” do
que a Inglaterra? Não. Significa apenas que somos o maior PIB medido em dólares
à taxa cambial corrente.168

Portanto, quando se busca uma resposta para o questionamento “Como


compatibilizar o desenvolvimento humano com a preservação do Planeta Terra?”
deve-se sempre ter em mente que desenvolvimento humano não significa
crescimento econômico, estando muito mais atrelado à qualidade de vida das
pessoas do que à medição de capital.

Observa-se, nesta esteira, que alguns países, com alto nível de


crescimento econômico, apresentam um grande aumento no número de casos
diagnosticados de depressão e dos índices de infelicidade, insatisfação e até mesmo
de suicídio, sendo esta uma evidência concreta de que a alta do PIB, bem como a
circulação constante de riquezas, por si sós, são incapazes de melhorar a vida do
homem, especialmente no aspecto psíquico.

Os americanos apresentaram os mais altos níveis de satisfação e felicidade


em 1957 – nesse anos, cerca de 35% das pessoas ouvidas se
consideraram “muito felizes”, patamar jamais atingido desde então. Hoje,
embora ganhemos mais dinheiro e compremos mais Coisas do que há
cinquenta anos, não estamos mais felizes. Quando uma pessoa sente fome,

166 OLIVEIRA DA SILVA, Maria Beatriz Beatriz. Obsolescência programada e teoria do


decrescimento versus direito ao desenvolvimento e ao consumo (sustentáveis), p. 185.
167 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 17.
168 OLIVEIRA DA SILVA, Maria Beatriz Beatriz. Obsolescência programada e teoria do

decrescimento versus direito ao desenvolvimento e ao consumo (sustentáveis), p. 184.


62

precisa de abrigo ou apresenta qualquer tipo de carência material básica,


então é evidente que ter mais Coisas a tornará mais feliz. Contudo, a partir
do momento em que tais necessidades são atendidas [...] o aumento
marginal da felicidade obtido com mais Coisas se reduz. 169

Ainda discorrendo sobre o caso dos Estados Unidos, que há décadas é


uma referência mundial de “desenvolvimento”, Leonard assevera:

Quase todos os indicadores para medir o progresso social nos Estados


Unidos mostram que não houve evolução, apesar do crescimento
econômico contínuo do país nas últimas décadas. A obesidade atinge níveis
impressionantes: 35% dos adultos acima nos vinte anos e 20% das crianças
entre seis e onze anos estão acima do peso. Um relatório de 2007 revelou
um aumento de 15% no índice de suicídios entre adolescentes em 2003 e
2004, percentagem recorde nos últimos quinze anos. O uso de
antidepressivos triplicou entre 1994 e 2004. Chega a 40 milhões o número
de americanos alérgicos às próprias casas, sobrecarregadas de substâncias
químicas contidas em tintas, produtos de limpeza, madeira tratada, papel de
parede e plásticos.170

Nesse contexto, diante de índices reveladores de uma qualidade de vida


insatisfatória em um país que encadeia e concretiza constantes planos de
crescimento econômico, fica muito claro que o aumento de recursos financeiros e,
por conseguinte, da capacidade para consumir e do Consumo, por si sós, não
proporcionam uma significativa melhora na qualidade de vida coletiva.

Se de um lado a sociedade tem sido moldada para trabalhar muito e


acumular coisas, a fim de viabilizar o crescimento econômico das grandes
corporações e dos países em que estas estão inseridas, de outro a sociedade tem
sofrido com os males desse crescimendo imoderado, que, apesar de trazer consigo
a falsa promessa de felicidade, não pondera a existência de outras necessidades
humanas, muito mais simples e acessíveis do ponto de vista financeiro.

Um seleto grupo de pessoas, espalhado ao redor do mundo, já percebeu


como é desgastante o estilo de vida da Sociedade Pós-moderna, que se resume no
círculo vicioso trabalhar-assistir-gastar, e, na tentativa de esquivar-se dos males
causados por esse padrão de comportamento, observa-se algumas pessoas em

169 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 163.
170 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 164.
63

movimento de decrescimento e desaceleração, buscando de uma qualidade de vida


alheia à acumulação de coisas.

A atitude desse grupo – conhecida como “desaceleração” (downshifting),


“suficientismo”, ou “simplicidade voluntária” – envolve mudanças de hábitos
quanto ao trabalho e ao consumo. Os downshifters escolhem priorizar o
lazer, o fortalecimento da comunidade, o desenvolvimento pessoal e a
saúde, em detrimento do acúmulo de Coisas. Alguns fazem pequenas
adaptações em seu dia a dia, como comprar roupas usadas, cultivar parte
dos alimentos e ir para o trabalho de bicileta. Outros dão passos maiores,
como ajustar os gastos para viver bem com menos dinheiro, de modo a
trabalhar apenas meio expediente. Alguns dividem o aluguel da casa, o uso
do carro e de outros itens dispendiosos com outras pessoas. O foco não
está em viver sem, mas em realçar aspectos não materiais de suas vidas.171

O que o padrão de vida dos downshifters revela é que não é necessário


viver para o Consumo, alimentando um sistema econômico que preza muito mais
pelo crescimento do que pelo desenvolvimento, sendo plenamente possível ser feliz
consumindo apenas o necessário para a satisfação das necessidades biológicas,
desde que se priorize outros valores da existência humana.

Latouche defende o decrescimento em sua obra “Pequeno Tratato do


Decrescimento Sereno”, que é iniciada com uma valiosa reflexão sobre o
comportamento dos indivíduos diante de uma crise mundial, reveladora da
discrepância das prioridades humanas:

Há perguntas demais neste mundo aqui de baixo, nos diz Woody Allen: de
onde viemos? para onde vamos? e o que vamos comer hoje a noite? Se,
para dois terços da humanidade, a terceira questão é a mais importante,
para nós, do Norte, os empanzinados do hiperconsumo, ela não é uma
preocupação. Consumimos carne demais, gordura demais, açúcar demais,
sal demais. Corremos o risco de sofrer de diabetes, cirrose do fígado,
colesterol e obesidade. Estaríamos melhor se fizéssemos dieta.
Esquecemos as duas outras perguntas que, menos urgentes, são contudo
mais importantes.172

Outrossim, enquanto uma parcela da sociedade se esforça para ter


acesso ao mínimo existencial, pois precisa disso para sobreviver, uma outra parcela
trabalha e vive pelo prazer de consumir, não apenas o essencial, mas também o
supérfluo, porque foi programada para crescer sempre mais: adquirir bens, trocá-los
e por fim descartá-los em qualquer lugar, sem pensar nos danos que causará ao

171 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, 2011, p. 171-172.
172 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. XI.
64

Meio Ambiente e, portanto, para si, para a espécie humana e para pessoas que
sequer nasceram, mas que habitarão este espaço um dia.

Contudo, este estilo de vida está destruindo o planeta e colocando em


risco a qualidade de vida da presente e das futuras gerações. A capacidade de
regeneração da Terra já não consegue acompanhar a demanda, pois o homem
transforma os recursos em resíduos muito mais rápido do que a natureza consegue
transformar esses resíduos em novos recursos.173

É injusto. Estima-se que o espaço produtivo do planeta terra seja de 12


bilhões de hectares, o que, dividido pela população mundial, significa 1,8 hectare por
pessoa. Pesquisadores do Instituto Californiano Redifining Progress e da Word Wide
Fun For Nature (WWF), indicam que o espaço bioprodutivo consumido por uma
pessoa é de aproximadamente 2,2 hectares, ou seja, 0,4 hectares a mais do que
possui, sendo inafastável a conclusão de que a população está vivendo a crédito.
Não bastasse, os números revelam que em alguns países as pessoas consomem
até quatro vezes mais do que poderiam, o que é preocupante já que crescem em
detrimento dos demais. A título exemplificativo, anota-se que um cidadão dos
Estados Unidos consome 9,6 hectares, um canadense 7,2, um europeu 4,5, um
francês 5,26 e um italiano 3,8, números que excedem, e muito, o que o planeta pode
suportar.174

No âmbito internacional, a pauta do Meio Ambiente está em alta desde a


década de 60, sendo evidente a preocupação de todos os países e organizações
com a situação do Planeta Terra. Muito se fala em Sustentabilidade e
Desenvolvimento Sustentável, mas a verdade é que qualquer providência destinada
a salvar o Meio Ambiente da destruição humana exige uma mudança
comportamental, uma mudança de valores que deve afetar os cidadãos, os Estados-
Nações e principlamente as corporações.

Conforme Latouche, o Desenvolvimento Sustentável não é o melhor


caminho para este objetivo. Para solucionar esta crise mundial o autor propõe um

173 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 27.


174 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 27-28.
65

decrescimento sereno, definindo-o como um projeto político, um projeto de


construção, no Norte e no Sul, de sociedades conviviais autônomas e
econômicas.175

Para concretizar o ciclo virtuoso do decrescimento sereno, Latouche


defende oito mudanças interpendentes, que se reforçam mutuamente,
denominando-as de oito erres: Reavaliar, Reconceituar, Reestruturar, Redistribuir,
Relocalizar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar.

Reavaliar significa olhar para o mundo de maneira diversa, abandonar


velhas práticas e promover certos valores perdidos com o passar dos anos.
Latouche defende que o altruísmo deve prevalecer sobre o egoísmo, a cooperação
sobre a competição, o prazer do lazer sobre a obcessão do trabalho, a importância
da vida social sobre o Consumo ilimitado, o relacional sobre o material. A sociedade
precisa reavaliar os valores modernos para iniciar o ciclo do decrescimento
sereno.176

A partir desta nova visão de mundo e da recuperação de valores,


Reconceituar definições de riqueza-pobreza e abundância-escassez mostra-se
essencial para enfrentar um sistema que cria necessidades irreais em detrimento do
Meio Ambiente e da qualidade de vida coletiva177.

Reestruturar significa adaptar a sociedade à mudança de valores, o que


pode ser mais ou menos cruel, a depender de quanto estavam corrompidos esses
valores num determinado grupo.178

Redistribuir nada mais é do que “distribuir as riquezas e o acesso ao


patrimônio natural, tanto entre o Norte e o Sul, como dentro de cada sociedade,
entre as classes, as gerações e os indivíduos”.179

175 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 41.


176 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 43.
177 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 45-46.
178 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 46-47.
179 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 47.
66

Neste sentido redistribuir é um “erre” de extrema relevância para


construção de uma sociedade de decrescimento e para desconstituição de uma
Sociedade de Consumo, pois reduz os meios e o poder da classe consumista
mundial e diminui a incitação do Consumo ostentatório, nocivo ao Meio Ambiente e à
saúde psíquica dos indivíduos. Relembra-se que o consumista moderno enxerga no
consumo um facilitador de felicidade e quando seus recursos para consumir são
precários, sente-se insatisfeito, desanimado e infeliz. Assim, havendo distribuição de
riquezas e diminuição do Consumo ostentatório, este perde a razão de ser,
possibilitando que os indivíduos deixem de consumir para se reafirmar, ter um status
na sociedade e imitar padrões impostos pelos empreendedores do crescimento
ilimitado e constante.

Relocalizar é impor uma certa barreira à globalização. Significa


resumidamente “produzir localmente, no que for essencial, os produtos destinados à
satisfação das necessidades da população, em empresas locais financiadas pela
poupança coletada localmente”180. Essa relocalização não deve se restringir ao
âmbito econômico, ao revés “a política, a cultura, o sentido da vida é que devem
recuperar sua ancoragem territorial”181.

Reduzir tem um significado amplo e abrange diversas mudanças


comportamentais. Significa, em suma, diminuir a produção e o Consumo e reduzir as
horas de trabalho, distribuindo-o entre todos aqueles que desejam um emprego.

Não construiremos uma sociedade serena de decrescimento sem recuperar


as dimensões recalcadas da vida: o prazer de cumprir seu dever de
cidadão, o prazer das atividades de fabricação livre, artística ou artesanal, a
sensação de tempo recuperado para a brincadeira, a contemplação, a
meditação, a conversação, ou até, simplesmente, para a alegria de estar
vivo.182.

Reutilizar e Reciclar consiste, basicamente, em reduzir o desperdício,


combater a Obsolescência Programada e reciclar resíduos não reutilizáveis
novamente, destacando-se que a concretização desse “erre” somente será viável se
outros “erres” também o forem, pois reduzir desperdícios e combater a

180 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 49.


181 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 49.
182 LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 53-54.
67

obsolescência programada exige, antes de tudo, uma mudança de valores e uma


conscientização dos indivíduos, no sentido de que o Consumo desnecessário não
trará felicidade, pelo contrário, trará prejuízos de escala universal, que afetarão a
esfera física e psíquica de todos aqueles que habitam e que um dia habitarão o
Planeta Terra.

O decrescimento sereno, pautado nestes oito erres, significa fazer mais


com menos. A principal meta de Serge Latouche, quando desenvolve esta teoria, é
abandonar o objetivo do crescimento ilimitado, pois este favorece exclusivamente os
detentores do capital e coloca o Planeta Terra e a humanidade em situação
calamitosa.

Nesta linha de pensamento, o decrescimento em países desenvolvidos é


plenamente defensível, pois nestas localidades é incontroversa a existência de um
Consumo sem limites, de uma degradação ambiental exacerbada e de um
adoecimento social causado por ambos. Questiona-se, entretanto, se nos países
emergentes ou que se desenvolvem a passos lentos o decrescimento é uma
alternativa viável para melhorar a qualidade de vida das pessoas. Idêntico
questionamento é feito na abordagem das classes sociais, já que numa sociedade
algumas pessoas estão a frente de outras, especialmente no quesito econômico.

“No atual sistema econômico-financeiro os 20% mais ricos consomem


82,4% das riquezas da Terra, enquanto os 20% mais pobres têm que se contentar
com apenas 1,6%”183. Além disso, conforme exposto anteriormente, embora cada
indivíduo tenha 1,6 hectare de espaço bioprodutivo, estadunidenses, canadenses e
franceses consomem até quatro vezes mais espaço bioprodutivo do que poderiam,
sendo certo que retiram este direito de outras pessoas.

Portanto, não há dúvida de que, para manter o estilo de vida pautado do


Consumo abundante, os cidadãos dos países desenvolvidos esgotaram sua quota
de espaço bioprodutivo e, agora, esgotam a quota dos cidadãos dos países

183 BOFF, Leonardo. Sustentabilidade : o que é : o que não é, p. 18.


68

emergentes, em desenvolvimento, fazendo com que todos estejam em débito com o


Planeta Terra.

O mesmo raciocínio aplica-se no que tange às classes sociais, oriundas


da sociedade capitalista, pois aqueles que detém melhores condições econômicas e
estão habituados a consumir em excesso acabam por degradar o Meio Ambiente em
substituição àqueles que pouco ou nada contribuem para o caos ambiental deste
século.

Com efeito, defender o decrescimento sereno de forma abrangente é o


mesmo que negar a alguns o direito ao mínimo existencial. “Reavaliar, Reconceituar,
Reestruturar, Redistribuir, Relocalizar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar” são medidas
essenciais para conter o crescimento ambicioso e ilimitado, mas sua aplicação será
inócua em lugares do mundo onde as pessoas sequer tiveram a opotunidade de
crescer e estão há decadas lutando contra a fome, a desnutrição, o desemprego, a
falta de água potável e os altos índices de violência e mortalidade infantil.

Entende-se que a aplicação da teoria do decrescimento sereno, de forma


universal, não proporcionará o bem-estar coletivo, tampouco evitará a degradação
ambiental, devendo-se sempre avaliar o grau de desenvolvimento do país, região ou
grupo de pessoas antes de iniciar um estágio de decrescimento econômico.

Por isso, para uma parcela da sociedade, o crescimento econômico ainda


é imprescindível e precisa ser fomentado, não como um objetivo em si mesmo, mas
como um meio para reduzir as desigualdades e permitir que todos tenham, no
mínimo, o acesso aos bens e serviços triviais para dar efetividade ao princípio da
dignidade humana. É, por assim dizer, necessário fomentar o Desenvolvimento
Sustentável.

Relativamente aos demais, enquanto as pessoas não pararem de tentar


crescer a todo custo, comprando aquilo que não precisam, acumulando e
descartando bens, numa busca incessante pela falsa felicidade proporcionada pelo
“ter”, o Meio Ambiente não se recuperará e não haverá melhora na qualidade de vida
coletiva, ficando fora de cogitação a construção de uma Sociedade Sustentável.
69

Para a construção de uma Sociedade Sustentável, seus membros


precisam, urgentemente, mudar seu comportamento e olhar mais atentamente para
o planeta, conscientizando-se de que o ciclo do Consumismo é incompatível com a
finitude dos recursos naturais e que o crescimento ilimitado-desnecessário de
algumas pessoas inviabiliza outras de ter acesso ao mínimo-necessário.

Conforme Pimenta184:

Modificar padrões de consumo danosos ao planeta está nas mãos de cada


um de nós. Cada vez que compramos algo desnecessário, cada vez que
não separamos o nosso lixo, cada vez que deixabmos uma luz acesa mais
tempo que o necessário, estamos indo na contra-corrente do consumo
consciente. Principalmente: cada vez que não nos preocupamos com a
origem e a forma como foram produzidos bens e serviços que adquirimos,
estamos acelerando o ritmo da insustentabilidade e do consumismo.

Portanto, compreende-se que para ser sustentável, a sociedade global


precisa aceitar que o crescimento ilimitado não trará felicidade, ao contrário,
conduzirá a todos a um colapso ambiental e social, bem como, respeitados os
diferentes graus de desenvolvimento, aceitar o decrescimento como alternativa para
uma vida mais feliz, o que depende de uma profunda transformação de valores, já
que a Sociedade Pós-moderna foi adestrada para viver em torno do Consumismo,
dando pouca importância para os impactos deste comportamento no Meio Ambiente.

184 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da


contemporaneidade, p. 376.
CAPÍTULO 3

OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

A palavra obsoleto vem do latim obsoletus, servindo para adjetivar aquilo


que caiu em desuso e que não tem mais aplicação185. Abrange tudo que está
ultrapassado, antiquado, imprestável, velho, fora de moda, enfim, inutilizável.

O objetivo do Capítulo 3 é analisar a obsolescência dos produtos em suas


formas técnica, programada e psicológica, para ao final verificar se esta estratégia
de mercado é um obstáculo para a construção de uma Sociedade Sustentável.

3.1 A OBSOLESCÊNCIA E SUAS FORMAS

A obsolescência pode estar atrelada à qualidade, à segurança, à


funcionalidade e aos demais aspectos físicos do produto, atributos que são
perceptíveis a olho nu e que revelam quando este se torna verdadeiramente inútil.

Também pode relacionar-se com o estado de espírito de seu dono, o que


forma um conceito abstrato, ligado ao modo com que cada pessoa interage com as
coisas que estão ao seu redor, na sua posse ou disponíveis nas prateleiras do
mercado de consumo.

Na Sociedade de Consumo nem todas as coisas que se julga obsoleta, de


fato se qualificam como tal, ao contrário, muitas vezes as coisas descartadas são
fisicamente capazes de satisfazer outras pessoas, menos exigentes ou, talvez, mais
necessitadas.

A definição do obsoleto é, nesse caso, algo bastante particular, que pode


variar a partir do ponto de vista de cada indivíduo, dependendo da sua necessidade,
da sua condição financeira, dos seus hábitos e, sobretudo, da sua resistência às
influências da publicidade.

185 Dicionário Jurídico : Academia Brasileira de Letras Jurídicas / Organização J. M. Othon Sidou
...[et.al]. - 11. ed., rev. e atual. - Rio de Janeiro : Forense, 2016, p. 430.
71

Um iPhone pode, da noite para o dia, tornar-se obsoleto para uma pessoa
que está integrada na Sociedade de Consumo e que pratica o Consumismo, ante o
simples lançamento de um novo modelo. Já para uma pessoa que não pratica o
Consumismo – o chamado “consumidor falho” – aquele mesmo iPhone, dito
obsoleto, pode ser fantástico, inovador, perfeitamente útil e talvez financeiramente
inacessível.

Por isso, a obsolescência pode estar diretamente relacionada à


“vacuidade de sentido na vida”186, ou, como diria Bauman, à liquidez da vida
moderna, alimentando-se da importância que os consumidores conferem aos
produtos, do status que eles proporcionam às pessoas e da capacidade que eles
detém de rotulá-las.

Em outras palavras:

Tal como o consumo não se dá no plano da concretude do uso, a


obsolescência calculada dos objetos também não, e é instrutivo atentar para
um fenômeno interessante em termos psicológicos, do qual dificilmente
cada um de nós terá escapado ao longo da vida, que é aquela ocasião em
que percebemos com prazer que um objeto, um tanto gasto, mas ainda útil,
estragou, de modo que imediatamente já pensamos naquele mais novo que
pretendíamos comprar, mas só não o fazíamos em virtude do fato de que
era por demais penoso emocionalmente descartar o outro mais antigo.187

Latouche reconhece três formas de obsolescência, a técnica, a


psicológica e a programada.

La primera designa la desclasificación de las máquinas y de los aparatos


debido al progreso técnico, que introduce mejoras de todo tipo. Así, la
locomotora de vapor vuelve obsoleta la diligencia, pero la máquina de coser
de pedal hace lo mismo con la máquina de manivela, y la máquina eléctrica
com la máquina de pedal.188

A obsolescência técnica ocorre devido ao avanço no desenvolvimento de


novas tecnologias, que tornam as anteriores ultrapassadas. É o caso do telefone que

186 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da


contemporaneidade, p. 90.
187 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da

contemporaneidade, p. 90.
188 LATOUCHE, Serge. Hecho para tirar: La irracionalidade de la obsolescencia programada, p. 33-

34. “O primeiro designa a desclassificação de máquinas e equipamentos devido ao progresso


técnico, que introduz melhorias de todos os tipos. Assim, a locomotiva a vapor torna a diligência
obsoleta, mas a máquina de costura a pedal faz o mesmo com a máquina de manivelas e a máquina
elétrica com a máquina de pedal.” Livre tradução da autora.
72

substituiu o telégrafo, do computador que substituiu a máquina de escrever e do CD


que substituiu o disco de vinil.

A Obsolescência Psicológica, por sua vez, é aquela em que o produto se


torna obsoleto pelo simples fato de ter sido lançado ou relançado um novo produto,
de modo que fisicamente o produto está apto para o uso, mas a moda e a
publicidade decretam sua obsolescência, ditando que ele deve ser descartado para
dar lugar a outro produto, havendo exclusão social do indivíduo que não consome
para adequar-se ao “novo”.

Chamada por alguns autores de percebida ou perceptiva, essa


modalidade de obsolescência não se refere à qualidade, à segurança, à tecnologia
ou à utilidade do produto, mas sim à comparação visual que é feita entre o “velho” e
o “novo”. 189

Nesse sentido, é muito comum que os fabricantes lancem produtos


anualmente ou a cada estação, fazendo pequenas mudanças funcionais e grandes
mudanças de aparência. O design mais agradável, a aparência inédita e a utilização
de materiais e cores intitulados “do ano”, “da estação” ou “da temporada”, fazem
com que os produtos anteriores sejam percebidos pelos consumidores como
ultrapassados, e, portanto, suscetíveis de troca, isto é, de descarte seguido de novo
Consumo.

Leonard190 assevera:

O cumprimento sempre em mutação na barra das saias e dos vestidos; os


saltos largos que estão em voga e logo são substituídos por escarpins
finíssimos na temporada seguinte; a largura das gravatas masculinas; a cor
da moda para celulares, iPods, torradeiras, batedeiras, sofás e até armários
de cozinha.

Como se vê, não significa dizer que o produto descartado estará, de fato,
inapto ao uso, já que muitas vezes será capaz de servir, satisfatoriamente, uma
segunda pessoa (talvez uma terceira, quarta ou quinta), que na maior parte dos

189 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 176.
190 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p.176.
73

casos é detentora de uma necessidade real.

Nas palavras de Latouche191:

La obsolescencia psicológica no designa el desuso provocado por el


desgaste técnico o la introducción de uma innovación real, sino el
provocado por la << persuasión clandestina>>, es decir, por la publicidade y
la moda. La diferencia entre el produto nuevo y el producto antiguo se limita
a la presentación, al look, al diseño, al embalaje, incluso.

Registra-se que a aquisição do produto recém lançado não é necessária,


pois, do ponto de vista físico e funcional, o anterior ainda é útil para o fim que foi
desenvolvido.

Entretanto, a troca do “velho” pelo “novo” é encarada pelo consumidor


como uma necessidade, já que, agindo de forma contrária, sofrerá a pressão de uma
sociedade que reconhece, organiza e julga seus membros a partir daquilo que eles
possuem.

A Obsolescência Programada, a seu turno, é aquela em que a


corporação, ao desenvolver o produto, se encarrega de definir o fim de sua vida útil,
ou seja, preestabelecer quando o consumidor precisará trocá-lo, ou seja, descartar o
que já tem e consumir outra vez.

Dessa maneira, a título de exemplo, lâmpadas são programadas para


permanecerem acesas por um exato número de horas e impressoras são
programadas para imprimir um exato número de folhas, e isso não tem a ver com as
técnicas de produção das lâmpadas e das impressoras.

Muito pelo contrário, sabe-se que a tecnologia permitiria desenvolver


produtos muito mais seguros e duráveis, existindo, em verdade, desinteresse por
parte da indústria, que prioriza o crescimento econômico em detrimento das reais
necessidades humanas.

191LATOUCHE, Serge. Hecho para tirar: La irracionalidade de la obsolescencia programada, p. 34.


“A obsolescência psicológica não designa o desuso causado pelo desgaste técnico ou a introdução
de uma verdadeira inovação, mas a provocada pela "persuasão clandestina", isto é, pela publicidade
e pela moda. A diferença entre o novo produto e o produto antigo é limitada a apresentação,
aparência, design e até mesmo embalagem.” Livre tradução da autora.
74

Nesse seguimento, diz-se que o crescimento capitalista se alimenta da


Obsolescência Programada:

El crecimiento capitalista se fundamenta en una permanente creación de


necesidades, muchas de ellas artificiales, para sostener la demanda de
nuevos bienes que es la que lo nutre. La sociedad capitalista de nuestros
días, enraíza su existencia en la producción industrial de bienes de
consumo masivos, bienes que precisan una desvalorización permanente y
ser desechados para continuar fabricando nuevos productos que los
substituyan, en un proceso que bien podría llamarse obsolescencia
programada.192

Para Latouche, o que qualifica a obsolescência programada é o “desgaste


o la defectuosidad artificial”193.

Nessa direção, afirma o mencionado autor:

Desde el principio, el fabricante concibe el producto para que tenga una


duración de vida limitada, y esto gracias a la introducción sistemática de un
dispositivo ad hoc. Puede tratarse, por ejemplo, de un chip electrónico
insertado en una impresora con el fin de que se bloquee después de 18.000
copias, o de una pieza frágil que se prevé que provocará la avería del
aparato cuando expire la duración de la garantía. 194

Um clássico exemplo de dupla obsolescência – percebida e programada –


é o dos celulares, que são relançados a todo momento, por todas as produtoras,
trazendo a promessa de uma grande evolução tecnológica, quando, na verdade, já
não se tem tanta implementação a fazer no produto, sendo plenamente possível
afirmar que as novas gerações, sempre reestilizadas e com design renovado, trazem
poucas e sutis inovações tecnológicas, quando não nenhuma, e, na medida em que
isso acontece, os aparelhos antigos, mesmo que fisicamente conservados e aptos
ao uso, tornam-se obsoletos, por serem incapazes de receber as atualizações de

192 SEGRELLES, José Antonio. La ecologia y el Dessarrolo sostenible frente al capitalismo: Una
contradicción insuperable. Revista Nera, ano 11, n. 13, julho/dezembro de 2008, p. 131. “O
crescimento capitalista é baseado em uma permanente criação de necessidades, muitas delas
artificiais, para sustentar a demanda de novas pessoas que o nutrem. A sociedade capitalista de
nossos dias, enraizou sua existência na produção industrial de bens de consumo de massa, bens
que exigem permanente desvalorização e são descartados para continuar fabricando novos produtos
que os substituam, num processo que poderia ser chamado de obsolescência programada.” Livre
tradução da autora.
193 LATOUCHE, Serge. Hecho para tirar: La irracionalidade de la obsolescencia programada, p. 34.

“Desgaste ou defeito artificial” Livre tradução da autora.


194 LATOUCHE, Serge. Hecho para tirar: La irracionalidade de la obsolescencia programada, p. 34.

“Desde o início, o fabricante concebe o produto de forma que ele tenha uma vida útil limitada, e isso
graças à introdução sistemática de um dispositivo ad hoc. Pode ser, por exemplo, um chip eletrônico
inserido em uma impressora para bloquear após 18.000 cópias, ou uma peça frágil que deve causar
a falha do dispositivo quando a duração da garantia expirar.” Livre tradução da autora.
75

sistema, os novos programas e aplicativos, bem como incapazes de promover a


satisfação e o status que o “novo” pode promover.

Segundo Leonard é importante diferenciar a obsolescência técnica da


Obsolescência Programada, e, para isso, deve-se sempre ter em mente que a
primeira é muito rara nos dias atuais e a segunda está mais viva do que nunca.

Os celulares de hoje, que têm uma vida útil média de apenas um ano,
quase nunca estão tecnicamente obsoletos quando os descartamos os
substituímos por novos. Trata-se simplesmente da ideia de “obsolescência
planejada” em ação.195

Assim, para diferenciar as categorias exploradas nesse capítulo, pode-se


dizer, em linhas gerais, que quando um produto é deliberadamente programado pela
indústria para, num prazo determinado, tornar-se obsoleto, isto é, imprestável para
os usos a que foi desenvolvido, está-se diante da Obsolescência Programada.

Por outro lado, se um produto, apesar de fisicamente conservado e útil


para os usos a que foi desenvolvido, tornar-se menos atrativo para o consumidor
após o lançamento de um novo produto, em razão da moda, da publicidade ou de
sutis avanços tecnológicos, há de se reconhecer a prática da Obsolescência
Psicológica.

É crucial enfatizar que as duas espécies de obsolescência são estratégias


de mercado e trazem consigo a ideia de manipulação do Consumo, através das
quais as corporações incentivam o Consumo irresponsável, irracional e ostentatório
de determinadas coisas, para, depois, decretar sua obsolescência, incentivar seu
descarte e a repetição do Consumo, num ciclo ambientalmente insustentável, já que
todos os produtos passam por um longo processo produtivo e ao final são
descartados em qualquer lixeira, devendo-se “partir da premissa básica que não
existe jogar fora, pois estaremos sempre dentro do planeta terra”.196

195 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 175.
196 PEREIRA, Marília do Nascimento. Consumo sustentável: a problemática da obsolescência

programada e o descarte de produtos. Revista Redes: R. Eletr. Dire. Doc., Canos, v.5, n. 2. P. 209-
220, nov. 2017, p. 217.
76

3.2 A OBSOLESCÊNCIA COMO ESTRATÉGIA DE MERCADO

A Obsolescência Programada, também conhecida como obsolescência


planejada, calculada, acelerada ou projetada, é, em linhas gerais, uma estratégia do
mercado que reduz o ciclo de vida útil dos produtos, e, consequentemente, obriga as
pessoas a consumirem mais, o que dá sustentação ao ciclo de produção-Consumo,
potencializando o crescimento econômico e fazendo a economia prosperar.

Diz-se que o surgimento da obsolescência, tanto programada, quanto


psicológica, remonta a uma crise econômica, experimentada pela indústria na
primeira metade do século XX, quando a sociedade atravessava a Revolução
Industrial e a Revolução Consumista.

Leonard escreve que “quando a capacidade de produzir bens de consumo


acelerou, a maior parte da população não tinha renda suficiente para adquiri-los.
Então foi preciso desvencilhar um nó: como vender mais Coisas?”197

Acreditava-se que a solução para a crise era induzir as pessoas ao


Consumo, o que acarretaria o aumento da produção, da oferta de empregos, da
capacidade para consumir, do crescimento econômico e da felicidade coletiva.

Inicialmente, as corporações passaram a incutir nos consumidores a ideia


de que era mais vantajoso ter uma unidade de cada produto.

Embora nada disso fosse, de fato, necessário, as pessoas passaram a


acreditar que era essencial ter vestimentas e enxovais domésticos em diversas
cores e estilos, mais de um carro na garagem, mais de um bem imóvel, devidamente
mobiliado e equipado com um conjunto de novas coisas, variedade de acessórios
pessoais, múltiplos produtos de higiene, perfumaria e limpeza, fartura de brinquedos
para as crianças, etc.198

197 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 172.
198 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 174.
77

O ponto fraco desse raciocínio, conforme Leonard199, é que:

Em algum momento, todos teriam sapatos, torradeiras e carros em


quantidade mais do que suficiente e esses bens encalhariam nas fábricas.
Quer dizer, há um limite para o quanto as pessoas podem consumir. Por
isso foi criada uma nova estratégia para manter os clientes comprando: a da
obsolescência planejada, segundo a qual alguns bens devem ser
“programados para o lixo”.

Oliveira da Silva, inspirada no documentário “Prêt à Jerer”, explora muito


bem o tema, lembrando a lâmpada de Livermore, que está acesa na referida cidade
da Califórnia desde o ano de 1901 e recebe até festas de aniversário. Segundo a
autora, em 1920, o primeiro cartel mundial, conhecido como Cartel Phoebus,
sediado em Genebra, decidiu que as lâmpadas teriam uma validade máxima de
1.000 horas, embora a tecnologia da época permitisse a produção de lâmpadas mais
duráveis, como é o caso da própria “Lâmpada de Livermore”, que é centenária.200

Também lembrando o caso das lâmpadas, Pereira comenta sobre as


origens históricas da Obsolescência Programada:

As origens da obsolescência programada estão bens delineadas no


documentário “Comprar, Tirar, Comprar” (2001) retratando a história de
criação da lâmpada em 1881, seus avanços quanto à durabilidade e já no
ano de 1924 a criação de um cartel de empresas que buscou limitar a vida
útil do equipamento. Nessa simples passagem fica clara a ingerência
econômica das empresas na vida dos consumidores e a total
despreocupação ambiental com o descarte desses produtos de forma
massificada. Esse foi apenas o começo de um pensamento que começou a
dominar as linhas de produção das fábricas das mais variadas empresas,
principalmente daquelas que se utilizam de produtos tecnológicos que
ganharam maior visibilidade na modernidade.201

O mesmo aconteceu no tocante à produção da conhecida meia de nylon,


que poderia ter alta resistência e durabilidade, satisfazendo, assim, as necessidades
reais dos consumidores, mas que foram reprogramadas para durar pouco, não
sendo temerário dizer que, atualmente, a vida deste produto esgota-se com cinco a
dez usos, quando não menos, hipótese em que se torna descartável.

199 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 174.
200 OLIVEIRA DA SILVA, Maria Beatriz Beatriz. Obsolescência programada e teoria do

decrescimento versus direito ao desenvolvimento e ao consumo (sustentáveis), p. 182.


201 PEREIRA, Marília do Nascimento. Consumo sustentável: a oriblemática da obsolescência

programada e o descarte de produtos. Revista Redes: R. Eletr. Dire. Doc., Canos, v.5, n. 2. P. 209-
220, nov. 2017, p. 213.
78

O Fordismo também faz parte da história da Obsolescência Programada.


Henry Ford, fundador da fabricante de automóveis Ford Motor Company, visando
acelerar o processo produtivo e tornar mais acessíveis os seus produtos à
população, desenvolveu, no ano de 1914, um novo modelo de produção, através do
qual cada funcionário desempenhava uma função específica na fabricação dos
automóveis.

Visionário, o empresário “sabia que o sucesso de seu empreendimento, a


fábrica de carros Ford, não dependia apenas de continuar a fabricar produtos
confiáveis de modo mais rápido e barato possível”.202

Assim, depois de aprimorar seu processo produtivo e vender muitos


carros em curto espaço de tempo, Henry Ford buscou meios para manter aquele
ritmo de produção e Consumo. Sucede, então, a estratégica ideia de relançar os
automóveis uma vez por ano, estimulando no consumidor o desejo da recompra
prematura de automóveis novos, o que mais tarde foi reconhecido como
Obsolescência Programada.

Oliveira da Silva observa que o economista Bernard London foi o primeiro


a teorizar sobre a prática da Obsolescência Programada, com a publicação da obra
The New Prosperity, onde defendeu que se as pessoas continuassem comprando, a
indústria continuaria crescendo e todos teriam emprego.

Em 1932, o corretor de imóveis Bernard London chegou a distribuir o infame


livreto Acabando com a Depressão através da obsolescência planejada, em
que defendia a criação de uma agência governamental encarregada de
definir as datas de morte de alguns produtos, momento em que os
consumidores seriam convocados a entregar essas Coisas e substitui-las,
ainda que funcionassem.203

Conforme Latouche204:

202 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 172-173.
203 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 175.
204 LATOUCHE, Serge. Hecho para tirar: La irracionalidade de la obsolescencia programada, p. 20.

“Já em 1950, Victor Lebow, analista do mercado americano, havia entendido a lógica consumista:
Nossa economia, imensamente produtiva, exige que façamos do consumo o nosso modo de vida [...].
Precisamos que nossos objetos sejam consumidos, queimados, substituídos e lançados de acordo
com um índice em contínuo aumento.” Livre tradução da autora.
79

Ya em 1950, Victor Lebow, um analista del mercado americano, había


compreendido la lógica consumista: Nuestra economia, inmensamente
productiva, exige que hagamos del consumo nuestro estilo de vida [...].
Necesitamos que nuestros objetos se consuman, se quemen y sean
remplazados y tirados según um índice em aumento continuo.

Para atingir essa meta, de impulsionar o consumo e fazer a economia


prosperar, diversas estratégias foram adotadas pelas empresas, dentre elas,
construir shoppings centers, permitir a compra a prazo, fundir intencionalmente a
noção de identidade, status e consumo (ou seja: “você é o que você compra”),
desenvolver a publicidade e dar vida à obsolescência programada.205

Latouche206, fazendo referência à publicidade, ao crédito e a


obsolescência programada, menciona:

Estos tres ingredientes, em efecto, son necesarios para que la sociedad de


consumo pueda prosseguir su ronda diabólica: la publicidad crea el deseo
de consumir, el crédito proporciona los medios y la obsolescência
programada renueva la necesidad. Eses ressortes de la sociedad de
crecimiento constituyen unos autênticos inductores del crimen respecto a
los ecosistemas y aceleran su destrucción.

Em complemento, reflete Leonard207:

Contadores fazem cálculos complexos para determinar como o valor dos


objetos diminui, devido ao uso, desgaste, deterioração, obsolescência
tecnológica ou inadequação à moda. Mas há um fator que não entra nessa
contabilidade e que, na verdade, produz um impacto tremendo na forma
como valorizamos ou não as nossas Coisas: quando a mídia diz que elas já
não são tão boas para nós e que precisamos de outras, é como se uma
varinha de condão passasse por elas e as transformasse imediatamente em
lixo.

Por esse motivo, alguns autores defendem que um desdobramento da


Sociedade de Consumo é a chamada Sociedade de Desperdício.

Essa obsolescência é programada e a propaganda é o veículo que a


promove, estimulando o descarte do antigo (nem sempre tão antigo) e o

205 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 173-174.
206 LATOUCHE, Serge. Hecho para tirar: La irracionalidade de la obsolescencia programada, p. 21.

“Esses três ingredientes, na verdade, são necessários para que a sociedade de consumo busque sua
rodada diabólica: a publicidade cria o desejo de consumir, o crédito provê os meios e a obsolescência
programada renova a necessidade. Esses recursos da sociedade do crescimento são autênticos
indutores do crime em relação aos ecossistemas e aceleram sua destruição.” Livre tradução da
autora.
207 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 191.
80

consumo da novidade. Os celulares não apenas são úteis para telefonar,


mas possibilitam acesso à Internet, ouvir música, fotografar, filmar, calcular,
e diversas outras funcionalidades que passam a ser consideradas
essenciais para quem possui um (ou diversos) aparelhos. [...] Na sociedade
do desperdício, há um consumo exponencial de produtos descartáveis.
Copos, embalagens, papéis, fraldas, quase tudo é descartável. Embora isso
leve a um mal-estar entre os ambientalistas, o conforto proporcionado a
quem utiliza esses produtos impede que haja um movimento de
desaceleração do consumo. 208

O grande problema de obsoletar os produtos é que o processo de


produção e descarte de coisas no Meio Ambiente se torna muito mais repetitivo, o
que gera danos ambientais de grande magnitude e nos faz repensar os hábitos da
Sociedade de Consumo.

Se de um lado as pessoas são responsáveis pela retirada dos produtos


das prateleiras físicas e virtuais do mercado de consumo, de outro lado as
corporações são responsáveis por instigar esse comportamento através das
Obsolescências Programada e Psicológica.

Compreende-se, nesse sentido, que as raízes do Consumismo estão


nessas duas formas de obsolescência, podendo-se dizer que se as corporações não
tivessem buscado, e encontrado, estratégias para manter o mercado
permanentemente aquecido e gerando lucros crescentes, às custas da sociedade e
do Meio Ambiente, o ciclo de produção-Consumo se repetiria com menos frequência,
ou seja, somente quando fosse necessário.

3.3 OS REFLEXOS DA OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA E DA


OBSOLESCÊNCIA PSICOLÓGICA NO MEIO AMBIENTE

Diante do conteúdo até aqui exposto, percebe-se que o homem, desde


sua chegada no planeta terra, se apropria dos recursos naturais, numa relação de
dominação, inicialmente, para sobreviver e superar as dificuldades próprias de sua
natureza, mas, depois, para lucrar e fomentar um crescimento econômico, injusto do
ponto de vista social e ambiental, pois enquanto uma parte da população explora os

208 PIMENTA, Solange Maria (coord.). Sociedade e Consumo: múltiplas dimensões da


contemporaneidade, p. 179.
81

recursos naturais e consome coisas e serviços de forma ilimitada, outra parte da


população sofre com uma crise ambiental e social a que não deu causa.

Não se pode negar que com esse comportamento, individualista,


ambicioso e consumista, que é totalmente diverso do comportamento de uma
Sociedade Sustentável, a própria humanidade pode inviabilizar sua permanência no
Planeta Terra.

Na Sociedade de Consumo prepondera o individualismo, o lucro, a defesa


do ego, a manutenção da aparência e do status em detrimento do bem-estar
coletivo, ou seja, em linhas gerais, “para o consumidor o importante é consumir; para
as grandes corporações o importante é lucrar”.209

A crise vivida pela Sociedade Pós-moderna é multisetorial e conforme


defende Maya, a manutenção do produtivismo e do Consumismo, levará a
humanidade ao colapso civilizatório, havendo necessidade de uma mudança de
comportamento a fim de “superar as visões simplistas que transformaram o
economicismo em eixo da sociedade”.210

Observa-se, de um lado, a exploração desmedida e insustentável dos


recursos naturais e, de outro lado, desigualdades sociais e pobreza sendo toleradas
pela sociedade.211

Dito isso, nessa parte da pesquisa, pretende-se demonstrar de que forma


a Obsolescência Programada e a Obsolescência Psicológica atuam contra a
construção de uma Sociedade Sustentável, limitando práticas que poderiam
assegurar a convivência harmônica entre o homem e o Meio Ambiente e, mais do
que isso, assegurar a permanência do primeiro no Planeta Terra, com qualidade de
vida e por tempo indeterminado.

209 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.
Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 267.
210 MAYA, Ornella Cristine. A sociedade de consumo na era digital: os desafios e paradigmas de

um desenvolvimento econômico sustentável. 2018. 108. Mestrado em Ciência Jurídica. Linha de


pesquisa Direito Ambiental, Transnacionalidade e Sustentabilidade – Universidade do Vale do Itajaí,
Itajaí, p. 63.
211 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe; CALGARO, Cleide; PEREIRA, Henrique Mioranza Koppe Pereira.

Consumocentrismo e seus reflexos socioambientais na sociedade contemporânea, p. 267.


82

Annie Leonard, cientista ambiental, viajou por duas décadas com intento
de entender para onde vão as coisas que consumimos diariamente, resumindo os
resultados de sua pesquisa no vídeo “The Story of Stuff”, um fenômeno da internet e
que já foi acessado por mais de 12 milhões de pessoas em 200 países, sendo
posteriormente transformado no livro “A História das Coisas”.

Antes de discorrer sobre a trajetória das coisas – da natureza ao lixo – a


autora faz um esclarecimento, no sentido de que não é contra as coisas, ao
contrário, gosta tanto delas que gostaria fossem mais valorizadas por todos, pois:

Alguém extraiu da terra os metais do seu telefone celular; alguém


descarregou os fardos do descaroçador de algodão para fazer sua camisa.
Alguém montou seus óculos escuros numa fábrica, e talvez tenha sido
exposto a carcinógenos ou forçado a trabalhar além do horário. Por terra ou
ar, alguém transportou um buquê de flores pelo país ou pelo mundo para
leva-lo até você. Precisamos compreender o valor de nossas Coisas muito
além de seu preço e do status da etiqueta.212

Com efeito, o que se percebe na Sociedade de Consumo é que os seus


membros são induzidos ao Consumo a todo momento e buscam satisfazer-se com o
prazer momentâneo da compra e com a inserção social que o “ter” proporciona, mas
sequer conhecem o caminho que as coisas percorrem antes de chegarem nas
prateleiras físicas ou virtuais do mercado de consumo, tampouco sabem a
destinação que é dada às coisas quando decidem que chegou a hora de substitui-
las por novas, porque as antigas estão ultrapassadas ou porque se tornaram
fisicamente inúteis.

Nessa esteira, para pensar na Obsolescência Programada e na


Obsolescência Psicológica como um dos obstáculos na construção de uma
Sociedade Sustentável, é importante analisar o trajeto que as coisas percorrem para
satisfazer a demanda de uma sociedade tipicamente insaciável, que é a Sociedade
de Consumo.

212LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 22.
83

A história das coisas, apresentada por Leonard, é dividida em cinco


etapas essenciais: a extração, a produção, a distribuição, o Consumo e o
descarte.213

Há uma relação de dependência entre estas cinco etapas, de modo que


as últimas dependem das primeiras para existir. Só há descarte se houver Consumo;
só há Consumo se houver distribuição; só há distribuição se houver produção; só há
produção se houver extração.

Relembra-se que a Sociedade de Consumo se sustenta num ciclo de


Consumo-insatisfação-descarte-desejo, ou seja, para sustentá-la esse processo de
cinco etapas (extração-produção-distribuição-consumo-descarte) precisa ser
repetido a cada novo desejo que surge.

A partir desta constatação, já é possível perceber quão prejudicial é o


hábito consumista para o Meio Ambiente e para a vida humana, pois nada do que é
consumido escapa de passar pelas fases de extração, produção, distribuição e da
posterior fase de descarte.

A primeira etapa, chamada extração, consiste basicamente na retirada de


matérias-primas do ambiente, como árvores, rochas, água e petróleo, devendo-se
ponderar que esta retirada não ocorre uma única vez, ao revés, para que o processo
de cinco etapas seja exitoso do começo ao final, muitas retiradas são necessárias:

Todo componente fundamental necessita de uma série de outros para ser


extraído, processado e preparado para o uso. No caso da fabricação do
papel, precisamos de metais para fazer serras elétricas e empilhadeiras;
caminhões, trens e até navios para transportar os troncos às indústrias de
processamento; e petróleo para alimentar máquinas e usinas. Precisamos
muita água para fazer a pasta de celulose. Uma substância química, como o
cloro ou o peróxido de hidrogênio, acrescenta a desejada brancura. 214

Para que se demonstre a gravidade da situação, de forma exemplificativa,


ressalta-se que desde a derrubada da primeira árvore até a finalização do processo
produtivo de uma tonelada de papel, 98 toneladas de outros materiais são utilizados.

213 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 29-237.
214 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 29.
84

A extração de água também revela disparidades assombrosas,


especialmente por ser um elemento essencial na produção de todas as coisas e
indispensável para a vida do Planeta Terra.

Segundo Leonard, cultivar algodão para uma camiseta requer 970 litros
de água. Produzir, envasar e transportar os grãos de café faz com que uma xícara
do produto demande o uso de 136 litros de água. Por fim, a produção de um carro
exige o uso de aproximadamente 150 mil litros de água.215

Registra-se que na Sociedade de Consumo, diferentemente do que


acontecia na sociedade de produtores, camisetas e carros não são produzidos para
ter uma vida útil longa, ao contrário, servem para que o consumidor desfrute de um
prazer imediato, simbolizado pela posse de uma camiseta de grife ou de um carro
zero quilômetro, ou, o que é ainda pior, servem para atender às necessidades reais
por um curto período de tempo, que é pré-determinado pela indústria, a fim de
assegurar a repetição do Consumo e o movimento da economia.

Dessa maneira, após a fruição do prazer, proporcionado pelo Consumo, a


publicidade e a Obsolescência Programada incutem no consumidor um novo desejo
e este, na expectativa de sentir-se feliz outra vez, reinicia o ciclo, descartando o que
já tem e comprando algo novo.

Quando o ciclo recomeça, uma imensa quantidade de materiais é


utilizada outra vez e o planeta, já adoecido, precisa suportar os efeitos da futilidade
humana.

Grande parte da água usada na produção desses bens acaba contaminada


por substâncias químicas, como água sanitária (papel ou camisetas
brancas), chumbo, arsênio e cianeto (extração de metais). E sempre há o
perigo de que essas toxinas penetrem nos lençóis freáticos ou vazem de
porões de navios para rios e mares.216

Destaca-se que os números acima referem-se apenas à produção de


camisetas de algodão e de automóveis, mas é preciso somar a isso todas as outras
coisas desnecessárias que são consumidas diariamente por milhões de pessoas,

215 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 41.
216 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, 2011, p. 41.


85

cuja produção, a exemplo das camisetas de algodão e dos carros, exige milhares de
litros de água e toneladas de outros materiais.

Por isso, tem razão Milaré217 quando diz que a Sociedade de Consumo é
uma ameaça global:

Somados, os milhões e milhões de consumistas existentes na população


mundial representam uma ameaça global para o meio ambiente, tanto mais
que essa mesma população cresce em taxas ainda assustadoras,
sobretudo nos países pobres ou em vias de desenvolvimento.

É interessante notar que o fenômeno aqui relatado ocorre num contexto


de injustiça ambiental, pois enquanto algumas pessoas praticam o Consumo
excessivo e ostentatório, dando azo à crise ambiental planetária, outras, que estão
se esforçando para consumir o básico, sofrem indistintamente com os efeitos desta
crise, afinal de contas, a degradação ambiental não tem fronteiras.

Relembra-se, neste ponto, que embora a Sociedade de Consumo coaja


os seus membros a praticar o Consumismo, nem todos podem atender ao que é
imposto, afinal, se o acesso ao básico ainda não é uma realidade mundial, imagine-
se o acesso ao supérfluo. Consumidor falho, neste pensar, não é apenas aquele que
se opõe à cultura consumista, mas também aquele que, apesar de querer, não pode
abraçá-la por insuficiência de recursos econômicos.

E, curiosamente, quem mais sofre com as consequências ambientais do


Consumismo são os consumidores falhos, o que é bem explorado por Leonard em
diversos trechos de sua obra, merecendo destaque o seguinte:

Há algum tempo, químicos ocidentais se interessaram por uma planta das


florestas tropicais de Madagascar, a vinca-de-madagascar, depois de saber
que os curandeiros da ilha a usavam para tratar diabetes. Descobriu-se que
a planta de flor rosada tem propriedades anticancerígenas e, agora, é
utilizada na produção de remédios à base de vincristina e vimblastina. A
vincristina trata o linfoma de Hodgkin, e a vimblastina provou ser milagrosa
na cura da leucemia infantil – a probabilidade de sobrevivência entre os
acometidos por essa doença passou de 10% para 95% após a descoberta
da planta pelo Ocidente. Entretanto, embora a comercialização das duas
drogas gere centenas de milhões de dólares ao ano, somente uma pequena
parcela desse montante chega às mãos da população de Madagascar, um
dos países mais pobres do mundo.218

217 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente, p. 78.


218 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
86

O que se constata, então, é que os “pulmões-de-Madagascar” estão


sendo derrubados em prol da saúde mundial, a ser consumida sob a forma de
medicamentos, inexistindo qualquer contrapartida justa para aquela população. Este
é apenas um dos vários casos mencionados pela autora citada, que conclui:

Na verdade, diversas regiões com recursos não renováveis, como florestas,


metais e minerais, acabam empobrecidas diante da economia global, com
seus cidadãos frequentemente abandonados à fome e à doença. Esse
paradoxo é conhecido como a maldição dos recursos naturais. 219

As injustiças se repetem na segunda etapa do processo, que é a da


produção. Leonard registra que as indústrias extrativas causam impactos
impressionantes, mas o estágio seguinte, necessário para produzirmos nossas
coisas, não é menos devastador.220

A autora dedica uma parte de sua obra ao processo produtivo, onde


discorre novamente sobre as famosas camisetas de algodão, dando ênfase ao que
chama de ciclo vicioso dos pesticidas.

Em linhas gerais, o ciclo se inicia com a utilização dos pesticidas, na


maior parte das vezes cancerígenos, para cultivar o algodão sem a interferência de
pragas. Os produtos químicos, no entanto, não escolhem o que vão destruir e
acabam por exterminar, além das pragas, insetos benéficos e outros micro-
organismos do solo, que seriam predadores naturais de algumas pragas. A
necessidade do uso dos pesticidas se renova e com isso as empresas químicas
lucram, o Meio Ambiente é degradado e os agricultores sofrem.221

Destarte, “mesmo quando as instruções de uso são respeitadas, os


pesticidas se espalham para as comunidades vizinhas, contaminando os lençóis
freáticos e a água de superfície, além de animais e seres humanos” 222. Para que se
tenha ideia da gravidade do uso de pesticidas no cultivo do algodão, Leonard

consumimos, p. 30-31.
219 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 65.
220 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 72.
221 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 75.
222 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 75.
87

registra que na Califórnia esta atividade é a terceira maior causadora de


contaminação, sendo numerosos os agricultores que sofrem com desordens visuais
e neurológicas.223

E o processo produtivo da camiseta de algodão prossegue de encontro


com a saúde do planeta. Depois do cultivo, o algodão cru precisa ser transformado
em tecido, o que é feito por diversas máquinas e requer um Consumo descomunal
de energia elétrica. Após, o tecido será descolorido ou descolorido e tingido,
mediante o uso produtos químicos fortíssimos.224

Quando finalizada a produção do tecido, este precisa ser comercializado,


transportado e transformado nas camisetas que a Sociedade de Consumo tanto
almeja adquirir. Muitas marcas, inclusive de renome, fabricam suas camisetas em
países como a China, onde os operários têm seus direitos violados enquanto
costuram. Nas chamadas zonas de processamento de exportações, os operários
ficam espremidos em locais mal iluminados, sem ventilação e barulhentos,
realizando um trabalho repetitivo em longas jornadas, cuja hora costuma ser
remunerada por menos de quinze centavos de dólar.225

Não muito diferente, e talvez muito mais nocivo, é o processo produtivo


dos computadores. Novamente a título de exemplo, pode-se citar o Vale do Sicílio,
na Califórnia, famoso por concentrar desde 1950 um conjunto de indústrias voltadas
para o desenvolvimento da tecnologia, que até hoje sofre com o legado tóxico
deixado pelas empresas que migraram para outras regiões do planeta.226

O desenvolvimento de novas tecnologias e a produção de computadores,


smartphones, televisores e outros eletrônicos são imensamente prejudiciais para o
Meio Ambiente, devido aos componentes e produtos tóxicos que são utilizados, tais
como o bário, o chumbo, o cádmio, o mercúrio e os plásticos. Não bastasse o perigo

223 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 75.
224 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 75.
225 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 76.
226 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 83.
88

que esses materiais sujeitam os operários durante o processo produtivo, há de se


considerar as circunstâncias pelas quais são extraídos do Meio Ambiente e como
são descartados após tornarem-se obsoletos.

Por isso, Leonard pondera que o e-lixo é um verdadeiro pesadelo global,


já que entre 5 e 7 milhões de toneladas de eletrônicos tornam-se obsoletos por ano
e seus componentes tóxicos contaminam a terra, o ar, a água e todos os habitantes
do planeta.227

Na Sociedade de Consumo ter aparelhos eletrônicos e muitas camisetas


de algodão é algo banal, assim como trocá-los de tempos em tempos. Parece haver
uma cegueira deliberada a respeito dos males que este tipo de Consumo causa à
vida.

Os danos que a Sociedade de Consumo causa ao Meio Ambiente


somente nestas duas etapas iniciais são impressionantes, mas há de se atentar que
eletrônicos e camisetas são apenas duas das coisas consumidas ao redor do mundo
diariamente, sendo imperioso somar a estas aquelas que provém da indústria
alimentícia, da indústria farmacêutica, da indústria da beleza, da indústria
automotiva, da indústria da moda, entre tantas outras.

Além disso, é importante destacar que após a extração e a produção,


ainda existe a etapa da distribuição e somente depois é que vem o tão desejado
Consumo.

Na terceira etapa, consistente na distribuição, as mercadorias produzidas


viajam pelo mundo até chegarem aos seus destinatários finais. Atualmente, a
distribuição “inclui varejistas multinacionais gigantescos e sofre influência da
globalização econômica, de políticas do comércio internacional e de instituições
financeiras de grande porte”.228

227 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 86.
228 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 123.
89

Leonard fala sobre a verdade das cadeias de fornecimento e traz um


dado muito importante, diretamente atrelado ao consumo de signos, abordado
anteriormente. Isso porque, grandes corporações, na intenção de aprimorar o
processo produtivo e aumentar a margem de lucro, deixaram de produzir coisas e
passaram a produzir marcas, delegando a produção de fato para outro segmento:

Muitas empresas famosas já não produzem nada por conta própria. Elas
apenas compram e etiquetam Coisas que outras fazem. A Nike não produz
sapatos. A Apple não produz computadores. A Gap não produz roupas. Elas
compram sapatos, computadores e roupas (e os componentes para fabricá-
los) de diversas fábricas ao redor do mundo. Na prática, o que acontece é
que uma mesma fábrica acaba fazendo produtos para diversas marcas
concorrentes, que se distinguem apenas quando a etiqueta é aplicada sobre
eles.”229

E acrescenta “o que empresas como Nike, Apple e Gap realmente


produzem são marcas, e essas marcas são o que os clientes compram”.230

Assim, observa-se que as grandes corporações estão atentas para o fato


de que a Sociedade de Consumo preza muito mais pela simbologia das coisas do
que pela segurança, qualidade e durabilidade que estas trazem consigo, o que vêm
utilizando para fins de majoração de lucros.

Nessa organização, as empresas que realmente produzem as coisas se


instalam nos países que oferecem maiores vantagens econômicas, estratégia que
recompensa, já que no mundo globalizado é demasiadamente fácil distribuir os
produtos para qualquer canto do planeta, transportando-os por meio aéreo, terrestre
ou marítimo.

A distribuição, seja ela decorrente da compra em lojas físicas ou da


compra em lojas virtuais, é extremamente danosa para o Meio Ambiente e para a
vida, pois envolve o investimento constante em estradas, pontes, túneis, ferrovias e
portos, além da emissão agigantada de enxofre e de CO2 em razão da queima de
combustíveis fósseis.231

229 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 125.
230 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 125.
231 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 125.
90

O Meio Ambiente é violentado e agredido de forma reiterada antes das


coisas serem disponibilizadas nas prateleiras do mercado de consumo e, na maior
parte das vezes, quando estas são adquiridas, prestam-se para proporcionar um
curto momento de satisfação e felicidade, seguido de uma sensação de vazio e
incompletude, porque a felicidade prometida pelas corporações é inatingível.

A vontade de consumir é insaciável graças à Obsolescência Programada


que põe fim à vida útil das coisas antes mesmo de serem consumidas, e à
Obsolescência Psicológica, que faz a sociedade acreditar que ainda não é
plenamente feliz, porque falta-lhe o smarphone de última geração, o último
lançamento de uma grife de bolsas, o cosmético revolucionário, entre outras coisas.

Enganadas pelo lucrativo ato de obsoletar as coisas, as pessoas se


mantém neste ciclo de Consumo-insatisfação-descarte-desejo, o que, além do
adoecimento social, faz com que o processo produtivo se repita muito mais do que o
necessário, sobrecarregando um planeta quase sem forças para se recuperar.

Finalmente, após a quarta etapa, que é o Consumo das coisas pela


sociedade, vem o descarte delas.

Conforme Leonard, um fato curioso é constatado com a maior parte das


coisas que compramos, qual seja, “primeiro, o objeto é exibido como se fosse um
troféu; depois, vai para uma estante, gaveta ou prateleira; e, por fim, fica jogado em
algum canto, até ser transformado em lixo”. 232

Há de se considerar que o descarte de resíduos não se restringe ao ato


de desfazimento das coisas pela Sociedade de Consumo, ao revés, abrange o
descarte pelas corporações, que produzem um número assustador de resíduos para
que a sociedade possa produzir os próprios resíduos.

Os resíduos industriais são as sobras dos processos envolvidos nos vários


estágios de extração e da produção de Coisas: sintetização, modelagem,
compressão, soldagem, forja, fundição, destilação, purificação, refino etc.

232LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 191.
91

Tais processos implicam no uso de substâncias perigosas, como


removedores, solventes, tintas, pesticidas, aditivos químicos.233

E eles podem chegar a 7,6 bilhões de toneladas por ano 234, dentre as
quais se inserem muitos materiais perigosos para a vida humana, bem como para a
fauna e a flora.

Além dos resíduos industriais, tem-se o descarte do resíduo sólido


urbano, do resíduo de construção e demolição, do resíduo hospitalar e do
assustador e-lixo, que em sua maioria são incinerados ou aterrados, atestando a
baixíssima prática da reciclagem.

Leonard ensina que as duas técnicas usuais de eliminação de resíduos –


incineração e aterro – são desvantajosas para o Meio Ambiente, pois os aterros
vazam, são sempre tóxicos e poluem o ar, contribuindo para o caos climático, além
de consumir novos recursos. Já a incineração polui, não elimina a necessidade dos
aterros, viola princípios de justiça ambiental, gera poucos empregos e é a opção
mais dispendiosa em administração de lixo.235

Sob qualquer ângulo que se analise a questão, chega-se ao entendimento


de que o Consumo é o elemento chave da produção de resíduos industriais,
eletrônicos, sólidos urbano etc.

De igual forma, é o Consumo desmedido que justifica todo o processo de


cinco etapas analisado na obra “A História das Coisas”.

Acredita-se, e defende-se isso neste trabalho, que se houver redução de


Consumo, as fases de extração, produção e distribuição, bem como descarte serão
automaticamente reduzidas, melhorando drasticamente a qualidade de vida coletiva
e a saúde do Planeta Terra.
Analisando-se a trajetória que as coisas percorrem antes e depois de
serem disponibilizadas pelas corporações nas prateleiras físicas e virtuais do

233 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que
consumimos, p. 193.
234 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 194.
235 LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que

consumimos, p. 210-221.
92

mercado de consumo, é possível compreender que a repetição do Consumo


desnecessário, ou seja, a prática do Consumismo, é um dos grandes responsáveis
pela crise ambiental que a sociedade atravessa na pós-modernidade e, talvez, o
maior obstáculo para a construção de uma Sociedade Sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho propôs um estudo crítico sobre a Sociedade de


Consumo e suas práticas, com ênfase para a Obsolescência Programada e
Psicológica, ante a verificação de que estas podem estar impondo barreiras à
construção de uma Sociedade Sustentável.

Buscou-se responder, com essa pesquisa, o seguinte questionamento: A


Obsolescência Programada e Psicológica é nociva para o Meio Ambiente e impõe
obstáculos para a construção de uma Sociedade Sustentável?

No Capítulo 1 foram analisadas as alterações sociais ocorridas durante e


após a Revolução Industrial, sob a ótica da produção e do consumo em larga escala,
a fim de demonstrar de que modo o ato de consumir se tornou um passaporte de
inserção e de classificação social, bem como o centro de todas as relações
humanas, transformando a sociedade de produtores na Sociedade de Consumo.

O Capítulo 2, por sua vez, contextualizou a ideia de Sustentabilidade,


especialmente ambiental, diferenciando-a do conceito de Desenvolvimento
Sustentável, e, ao final, demonstrou de que forma o crescimento econômico ilimitado
de algumas corporações, Estados-Nações e classes sociais, limita a construção de
uma Sociedade Sustentável.

O Capítulo 3 dedicou-se ao estudo crítico da obsolescência dos produtos


em suas formas técnica, programada e psicológica, revelando que esta estratégia de
mercado, praticada para potencializar o crescimento e manter aquecida a economia,
é um obstáculo para a construção de uma Sociedade Sustentável, pois o processo
produtivo, composto pelas fases de extração-produção-distribuição-Consumo-
descarte torna-se muito mais frequente.

No decorrer da pesquisa, constatou-se que a sociedade passou por


profundas transformações, em especial nos últimos dois séculos, mudando sua
forma de pensar e o seu principal propósito de vida.

Na sociedade de produtores, que antecede o modelo de sociedade atual,


o trabalho era considerado o centro das atenções sociais e era pelo trabalho que as
94

pessoas eram reconhecidas, organizadas e classificadas em sociedade. Além disso,


na sociedade de produtores, todas as coisas eram produzidas para suprir uma
necessidade real do homem, havendo um equilíbrio entre as necessidades, as
coisas produzidas e as coisas consumidas. E não haveria razões para ser diferente,
já que não se cogitava consumir por motivo diverso do suprimento das necessidades
humanas.

Como consequência lógica desse sistema de produção e Consumo, não


existiam estoques abarrotados de coisas a espera de um consumidor, muito menos
estratégias para induzir a sociedade ao Consumo. A ordem dos fatos era: primeiro a
necessidade real, depois o necessário Consumo.

Observa-se que mesmo na sociedade de produtores, onde o Consumo


era realizado para atender necessidades humanas reais, já havia uma relação
conflituosa entre o homem e o Meio Ambiente, pois aquele sentia-se dono deste e,
por acreditar que os recursos naturais eram infinitos, explorava-o desenfreadamente,
a fim de satisfazer todas as suas aspirações de vida.

A sociedade deu um passo rumo a um colapso civilizatório no auge da


Revolução Industrial. Conhecida como a revolução que substituiu o homem pela
máquina, revelou-se durante a pesquisa que ela fez muito mais do que isso,
transformando o modo de agir e de pensar da sociedade, especialmente no tocante
aos bens.

Nessa esteira, a partir do momento em que as corporações passaram a


produzir um número maior de coisas, estas passaram a transmitir aos consumidores
a falsa ideia de que era necessário ter mais de uma unidade de cada coisa, a fim de
variar nos quesitos modelos, tamanhos, cores e estilos.

Contudo, esta estratégia, sozinha, seria ineficiente para manter o giro da


economia, já que em algum momento ocorreria a estagnação da produção e do
Consumo, bem como a satisfação da sociedade em termos materiais. As
corporações passaram, então, a pensar novos meios de manter o ciclo de produção-
Consumo, a fim de evitar a redução de seus lucros e uma crise econômica.
95

Após muito pensar, os líderes das corporações compreenderam que a


sociedade jamais poderia sentir-se satisfeita com suas coisas, pois isso a afastaria
do mercado de consumo e, nesse viés, percebendo que a insatisfação é uma grande
aliada do Consumo, decidiram trabalhar com essa fraqueza humana para lucrar.

Conforme amplamente demonstrado na pesquisa, as duas principais


estratégias encontradas para manter o mercado de consumo agitado e aquecido
foram a Obsolescência Programada e a Obsolescência Psicológica.

Através da primeira, as corporações passaram a decretar o fim da vida útil


das coisas no momento de sua fabricação, impondo limites a sua qualidade e
durabilidade, em aguda oposição ao que era feito na sociedade de produtores, que
tanto prezava pela qualidade e pela segurança a longo prazo. Assim, lâmpadas, por
exemplo, foram programadas para se tornarem obsoletas após um exato número de
horas acesas e impressoras foram programadas para se tornarem obsoletas após
um exato número de impressões.

Por meio da segunda, as corporações passaram a se utilizar da moda e


da publicidade para incutir nos consumidores a ideia de que suas coisas estão
velhas, ultrapassadas e feias, e que precisam ser trocadas pelo novo, moderno,
reestilizado.

Mediante o uso dessas estratégias, criadas exclusivamente para


alavancar o crescimento econômico de uma parte da sociedade, as corporações
impulsionaram um novo estilo de vida, que incita as pessoas ao Consumismo e as
mantém reféns do ato de consumir, fazendo com que o objetivo da maior parte das
pessoas seja viver para o Consumo e, de forma reflexa, viver para degradar o Meio
Ambiente, violando direitos fundamentais da presente e das futuras gerações.

A primeira hipótese formulada restou confirmada, no sentido de que a


construção de uma Sociedade Sustentável depende de uma transformação de
valores, pois tanto a Obsolescência Programada quanto a Obsolescência
Psicológica, praticadas com a finalidade única de aferir lucros, despertam no
consumidor uma ambição desnecessária pela aquisição de novos produtos e
96

degradam sobremaneira o Meio Ambiente, já que a extração de matéria prima, os


processos de produção e de distribuição, bem como a produção de resíduos e o
descarte de coisas na natureza tornam-se muito mais frequentes.

A segunda hipótese também fora confirmada, porquanto tanto a


Obsolescência Programada, quanto a Obsolescência Psicológica, praticadas pelas
corporações com fins exclusivamente lucrativos, conduzem a sociedade ao
Consumismo, limitando, assim, a Sustentabilidade, na medida em que fomentam a
desigualdade, pioram a qualidade de vida coletiva e desconsideram a esgotabilidade
dos recursos naturais e a necessidade de assegurar às futuras gerações recursos
naturais suficientes para a manutenção da vida digna no Planeta Terra.

Apesar de confirmadas as hipóteses levantadas nesse trabalho, é válido


ressaltar a importância de novas pesquisas sobre o tema, especialmente para
analisar com maior profundidade quais são os meios de mudar o comportamento da
Sociedade de Consumo, em especial, das corporações, que se importam apenas
com o crescimento econômico, desconsiderando o fato de que, hora ou outra, a
escassez de recursos naturais acabará por dificultar ou até mesmo inviabilizar os
processos produtivos, previsão que conduz ao conclusivo entendimento de que ser
Sustentável, hoje, é a única forma de salvaguardar os interesses de todos.

Portanto, embora a presente Dissertação tenha constatado que as


corporações, por meio da conduta de obsoletar produtos estejam desviando a
Sociedade de Consumo do caminho necessário para a construção de uma
Sociedade Sustentável, o assunto aqui proposto não resta esgotado, ao revés, pode
e deve ser amplamente discutido no ambiente acadêmico e não acadêmico, a fim de
aperfeiçoar o conteúdo aqui explorado e contribuir para os estudos desta pauta de
interesse comum a todos, que é o Meio Ambiente.
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