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INSPIRA

O livro de
Afrodite
autoestima, relacionamentos e
prazer pela vida

um guia arquetípico
para o reencontro com
a divindade interior
Inspira - revistainspira.com 1
AMANDA MESCHIATTI
HERYCK SANGALLI

O livro de
Afrodite
Copyright © 2021 Livros da Inspira.

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usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclusive
fotocópias, gravações ou sistemas de armazenamento em banco de dados, sem
permissão por escrito, exceto no caso de trechos curtos citados em resenhas crí-
ticas ou artigos de revistas.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


______________________________________________________________
M578l Meschiatti, Amanda; Sangalli, Heryck.
O Livro de Afrodite: autoestima, relacionamentos e prazer pela vida
/ Amanda Meschiatti, Heryck Sangalli. – Vila Velha, ES: edição dos autores, 2021.
362 p.

ISBN 978-65-00-17649-0

1. Arquétipo - Psicologia 2. Mitologia grega - Aspectos psicológicos 3.


Mulheres - Mitologia 4. Mulheres - Psicologia 5. Autoconhecimento. I. Título. II.
Série: Oráculo inverso.

CDU: 159.947 CDD: 305.42


______________________________________________________________
SUMÁRIO
Primeiros passos
O caminho da deusa .................................................................... 9
Por que a escrita terapêutica ...................................................... 15
O que é arquétipo e como ele pode me ajudar ........................ 17

Quem é Afrodite?
No princípio era o amor ............................................................. 21
Por que Afrodite precisa ser integrada ..................................... 23
Teste: Como vai a sua Afrodite ................................................. 29
As faces de Afrodite ................................................................... 35
Meditação .................................................................................... 40
As crenças de Afrodite ............................................................... 41
Nasce uma Deusa ....................................................................... 45
As fases de Afrodite .................................................................... 49

Os temas de Afrodite
O enigma do amor ...................................................................... 55
O desejo ....................................................................................... 83
As duas Afrodites: Pandêmia e Urânia ..................................... 95
Sexualidade .................................................................................. 99
Prazer ......................................................................................... 115
Culpa e julgamento ................................................................... 133
Cobiça, Inveja e Ciúme ............................................................ 143
O corpo ...................................................................................... 149
Relacionamentos ....................................................................... 167
Afeto: aquilo que te afeta ......................................................... 193
A beleza ...................................................................................... 205
Reencantamento com o mundo .............................................. 215
Autoestima ................................................................................ 223
Criatividade: a ação da imaginação ......................................... 245
Riso: o caminho mais leve ........................................................ 257
Afrodite e a riqueza ................................................................... 263
Afrodite e os sonhos ................................................................ 269
A deusa alquímica ..................................................................... 275

Guia prático
Mapa alquímico de Afrodite: para transformar e conceber
qualquer coisa na vida .............................................................. 285
A Jornada de Psiquê: uma conduta evolutiva de integração das
polaridades psíquicas ................................................................ 293
“Eros e Psiquê”: o conto .......................................................... 304
Manual de ativação da Afrodite interior ................................. 341
Imaginação ativa ........................................................................ 350
Conexão direta .......................................................................... 356

Referências bibliográficas ................................................................ 358


Antes de qualquer coisa, temos imensa gratidão por confiar no nosso
trabalho.
A gente tem a certeza de que se esse livro chegou até você agora, é
porque tem um sentido e uma contribuição importantes a fazer em sua
vida, cedo ou tarde.
Primeiro, gostaríamos de explicar a abordagem teórica utilizada aqui.
Você vai encontrar durante a leitura elementos da teoria psicanalítica e
outros da psicologia analítica. Algumas pessoas tomam essas teorias como
distantes. Não ignoramos o que elas têm de diferenças, mas reconhecemos
que elas nascem da mesma origem e têm como foco o mesmo objeto de
estudo: a alma. Com isso pretendemos um olhar globalista, enxergar a
totalidade do que está disponível sobre a questão. Cada uma com suas
especificidades, as duas teorias têm a agregar para a nossa jornada!
O que a gente faz aqui é recorrer ao simbolismo psíquico contido nos
mitos e importante para o estudo da psique humana, que os fundadores
das duas perspectivas (Freud e Jung) reconheceram. A gente não toma
nenhum lado, o nosso único foco é na escrita terapêutica. E, se trazemos
as diferentes perspectivas, é para enriquecer a sua imersão no processo de
autoconhecimento proporcionado pela escrita terapêutica.
Aproveitamos, também, para fazer um pedido. Caso você goste de al-
gum dos textos do livro, e queira compartilhá-lo, não se esqueça de nos
mencionar e, se possível, nos marque em sua postagem nas redes sociais.

@movimentoinspira

@revistainspira
O Livro de Afrodite faz parte da série Oráculo Inverso:
as respostas estão em você.
A deusa mora
em mim.
Eu sou uma
parte da deusa.
Eu sou a deusa.
O caminho da deusa
O Livro de Afrodite é uma alquimia. Ele é um livro, e é também um
caderno. Ou, você pode pensar também, que ele é um livro escrito a
várias mãos. De um lado, nós trazemos a pesquisa histórica e o em-
basamento psicanalítico e filosófico. De outro, você faz a sua parte
enchendo essas páginas com as suas próprias palavras, orientada(o) por
233 perguntas, provocações e exercícios de escrita terapêutica.
Na parte do livro escrita por nós, sugerimos que você leia sem
freios. Conhecimento é pra já! E aqui fomos fundo nele. Então pode
confiar em todas as informações e referências que você encontrar aqui.
Na parte do livro em que a autora ou o autor é você, vá no seu rit-
mo! Em alguns momentos, você vai querer descansar dessa autobusca
e é natural se afastar um pouco dessa interiorização. Outras vezes, você
vai se entusiasmar tanto com os mistérios que for descobrindo sobre
si, sobre as conexões do passado que se repetem no presente e sobre
os links entre um acontecimento e outro, que vai querer fazer mais de
um exercício por dia. É natural, e é maravilhoso também!

Com que frequência devo me abrir às perguntas?


A nossa sugestão é o caminho do meio: alterne os dias. Faça exercí-
cios um dia sim, outro não. Mas mantenha o compromisso com você!
Assim como as recomendações médicas orientam que você pratique
exercícios físicos regularmente e cuide do seu corpo físico, cuidar da
vida da alma, da mente e das emoções também exige constância.
Então, reserve um tempo do seu dia em que a tranquilidade impere
e prepare um momento especial só para você e O Livro de Afrodite. Uma
boa ideia é criar um alarme no despertador para se lembrar sempre desse
compromisso firmado com você!

É preciso ser um prêmio Nobel de literatura para praticar a escrita terapêutica?


Durante o processo, não se apegue a nenhuma cobrança. Se você não
souber escrever uma palavra, não se preocupe, não precisa ir olhar no di-
cionário e nem travar a sua escrita cultivando algum sentimento de baixa
autoestima intelectual.
Desapegue-se totalmente da ideia da escrita perfeita, rebuscada e da
necessidade de engolir uma sopa de letrinhas. Nem escritores profissio-
nais escrevem tudo correto, caso contrário não haveria necessidade de um
revisor para cada autor. Então, relaxa!

Sinceridade acima de tudo


Também não se cobre do que você vai escrever aqui. Você não vai
mostrar a ninguém. Este livro é uma conversa entre você e a sua Afrodite,
e essa é a primeira coisa que ela pede de você: mais leveza.
Quando você estiver escrevendo, perca o fio da meada. É isso mesmo
que você leu! Permita que as digressões de pensamento ocorram livre-
mente. Sabe aquela ideia que veio do nada e que aparentemente não tem
nada a ver com o que você quer dizer ou aquilo que você pensa que não
precisa ser dito? Escreva! Não se renda à crítica, não mutile os excessos.
“Diga-o mesmo assim, justamente porque você sente uma rejeição
diante disso”, escreve Freud ao explicar como deve agir o analisando em
um tratamento psicanalítico. E aqui nos servimos do mesmo preceito.
Quanto mais sincero e aberto você for ao conteúdo que vive dentro de
você, mais fácil será se relacionar com ele, compreendê-lo e integrá-lo.

10 O Livro de Afrodite
Preciso ler o que escrevi?
É natural que os textos e as perguntas deste livro te coloquem em
estado pensativo. Um exercício pode te acompanhar durante toda uma
semana e trazer novos insights e reflexões. Portanto, no final de cada se-
mana, reescreva aquilo que você pensou em reescrever. De tempos em
tempos, refaça os exercícios e se pergunte: “O que mudou?”. Essa parte é
superimportante. É autoconhecimento puro. Você vai lapidando a pedra
bruta, e o que ficar realmente é seu. Mas isso só é possível quando você se
entrega o máximo possível e sem julgamento. Você está disposta(o) a isso?
Se você for terapeuta, também pode incrementar o seu método de
trabalho com os insights que tiver a partir do Livro de Afrodite.
Este livro pode ser relido em diversas fases da vida. Em cada momen-
to, vai ser uma descoberta diferente. Você vai perceber que informações,
que antes tinham passado batidas, agora parece que foram escritas espe-
cialmente para essa fase pela qual você está passando.
Se você está lendo este livro pela segunda, terceira ou quarta vez na sua
vida (e ele já está todo preenchido, grifado e rabiscado); se você adquiriu
a versão digital ou se, simplesmente, você quer mais páginas para liberar
o conteúdo inconsciente que há em você, acompanhe com um caderno
ao lado, reservado exclusivamente para anotar as suas respostas, insights
e reflexões.
Escrita terapêutica não é um ato de criar um sarcófago de palavras, a
serem enterradas. Está mais para um altar, em que frequentemente volta-
mos para olhar o que nos é mais sagrado (nós mesmos em essência, com
nossas emoções e sentimentos), recapitularmos o que ocorreu entre uma
prece e outra, e atualizarmos com novos direcionamentos.
Por isso, separe um caderno para as respostas. E em cada resposta
dada, deixe o dobro em branco e siga para a próxima questão somente
depois dessa lacuna. Por exemplo, se sua resposta deu uma página, deixe
mais duas em branco. Ao longo da semana, sempre que a questão voltar
à sua cabeça, releia a resposta e acrescente mais ideias. Depois de um
mês ou a qualquer tempo, faça o mesmo. Se pergunte “o que mudou?”,

Inspira - revistainspira.com 11
“Ainda me sinto assim frente a isso?”, “O que fiz ou deixei de fazer para
melhorar?”.
O texto não está morto. O texto é vivo tal qual você é, tal qual sua
Afrodite se transforma dentro de você.

Este livro também serve para homens?


Toda a referência ao gênero feminino utilizada neste livro não exclui
os homens da conversa e nem está somente direcionada às mulheres, mas
se endereça à parte feminina que reside dentro de cada um de nós, nosso
lado Yin – como os orientais a nomearam. Inclusive, observamos que os
homens – de modo geral – necessitam urgentemente desse encontro com
a anima – como Jung a chamou. Dar esse livro a algum homem que é espe-
cial para você é um ótimo, desafiador e transformador presente.
Isso quer dizer que é preciso finalmente olhar para os aspectos femi-
ninos do eros e desenvolver seu sentido interno de relacionamento, flexi-
bilidade, receptividade, sensibilidade, acolhimento, criatividade e nutrição.
Aspectos esses que faltam também às mulheres, que perderam a escuta de
seus corpos e a entrega a seus próprios chamados interiores, tentando se
encaixar em um mundo competitivo, utilitarista e voltado para a validação
externa.
Redescobrir o feminino é uma necessidade coletiva!

Despertando a consciência divina


A única coisa que nós realmente pedimos que você faça toda vez que
for iniciar uma das sessões de escrita terapêutica que preparamos para
você é que repita as afirmações a seguir em voz alta e observe como você
se sente diante de cada uma dessas premissas. São elas:
A Deusa mora em mim.
Eu sou uma parte da Deusa.

12 O Livro de Afrodite
Eu sou a Deusa.
É urgente para o seu Self que você se lembre de que há alguma coisa
de especial em você, porque realmente há. Não é arrogância ou prepotên-
cia. Mas esse “quê” de especial te acompanha desde que você foi criada.
Só você tem a sua história e só você pode afetar o mundo da forma que
você é capaz.
Talvez, até agora você não tenha conseguido nomear o que é esse
“algo especial”, e nem precisava. Mas recordar é da ordem do dia. Esse
relembrar da força interior, do seu poder pessoal, é o que fará toda a di-
ferença no processo de assumir essa parte Afrodite do seu inconsciente.
É o que lhe dará o fôlego e a confiança necessários para assumir o seu
aspecto divino.
Vamos fazer um teste agora!
Repita: “A Deusa mora em mim”.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Quais sensações essa frase despertou em você?

Inspira - revistainspira.com 13
Por que a escrita
terapêutica?
Sim. Você vai escrever esse livro junto com a gente! Até porque essa é
a sua Afrodite, e isso é algo pessoal e intransferível.
As características de determinado arquétipo se manifestam e se adap-
tam de formas singulares na vivência especial de cada um, e é inclusive
necessário que isso aconteça: dar a sua assinatura ao complexo que te guia.
Mas isso é assunto para as próximas páginas...
Você vai escrever este livro porque escrever é uma forma de acessar
a si mesma(o) e fazer as vozes interiores serem ouvidas. Escrever é orga-
nizar o seu próprio mito. É também uma forma de entender e criar a sua
história.
E essa é uma das propostas d’O Livro de Afrodite. Conhecimento que
não se esgota nos pontos finais de cada parágrafo, mas que ressoa na sua
consciência e que promove um aspecto terapêutico também.
Por isso que a gente optou por esse método que funciona em duas
etapas.
Na primeira: informação, simbolismo e reflexão.
Na segunda: provocação, escrita terapêutica e convite à ação.
A escrita terapêutica é uma forma de catarse, autoanálise e autoco-
nhecimento que promove benefícios cientificamente comprovados para a
saúde mental e também para a saúde física e social.
Entre alguns dos seus pontos positivos estão a superação de traumas, o
controle emocional, a gestão da reatividade, a melhora no sistema imuno-
lógico, o apaziguamento da compulsão alimentar – e, com isso, o controle
do peso –, a melhora nos relacionamentos interpessoais, a evolução da

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criatividade e mais eficiência no trabalho e na vida.
Como essa mágica acontece? À medida que preenchemos as linhas
com os nossos pensamentos e emoções, trabalhamos com as duas áreas
do nosso cérebro em conjunto: a racional e a emocional. Assim, podemos
canalizar e analisar as nossas emoções, e solucionar questões, de forma
criativa, para os nossos problemas cotidianos.
O renomado jornalista científico Daniel Goleman escreveu sobre essas
duas áreas do cérebro como uma delicada sinfonia em que, para a execu-
ção perfeita da música, um lado deve cooperar mutuamente com o outro,
eles são interdependentes. Assim, o autor afirma que: “(...) quando são
as emoções que dominam, o intelecto não pode nos conduzir a lugar ne-
nhum”, nosso racional fica inoperante. E o oposto também é verdadeiro.
Segundo ele, “o intelecto não pode dar o melhor de si sem a inteligência
emocional”.
Nesse sentido, vemos a escrita terapêutica como o maestro capaz de
equilibrar o nosso lado mais racional e também a inteligência emocional.
Ela extrai o melhor dos dois mundos.
Essa é a visão da neurociência, mas há também a da Psicanálise. Her-
deiro do pensamento de Freud, o psicanalista francês Jacques Lacan decla-
rou que “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, e é através
dela – seja falando, lendo e, também, escrevendo – que conseguiremos
chegar aos conteúdos e imagens que povoam a nossa psicologia mais pro-
funda.
A escrita terapêutica é uma técnica bastante acessível. Você só precisa
de papel, caneta, vontade de escrever e solitude para se concentrar nesse
processo de interiorização.
O poeta cubano José Martí tem uma frase famosa: “Há uma coisa que
um homem deve fazer na sua vida: plantar uma árvore, ter um filho e
escrever um livro”.
Brincadeiras à parte, no que diz respeito ao livro você já pode dar um
check na sua lista e começar a sua jornada! Você está prestes a escrever o
seu Livro de Afrodite!

16 O Livro de Afrodite
O que é arquétipo
e como ele pode
me ajudar?

Sabe aquele senhorzinho cheio de sabedoria que aparece nos filmes e


nos livros? Dumbledore, Mestre Yoda, Obi-Wan Kenobi, Senhor Miyagi,
o mago Merlin, Lodovico Settembrini e tantos outros? O planeta Saturno,

Inspira - revistainspira.com 17
na astrologia, que ensina pelo amadurecimento; o arcano nove do tarot, o
Eremita, que se isola na natureza e alcança conhecimento... Quantas vezes
você já se deparou com um velho sábio? Ele parece que está em toda a
parte!
O velho sábio ou senex (como também é chamado), filósofo bondoso
que acalma e instrui com suas histórias, detentor daquela sabedoria que só
se consegue por meio do tempo, não é uma invenção de Hollywood. São
inúmeros os contos que se referem a essa figura ancestral. O velho sábio
é um dos muitos padrões lógicos atemporais identificados ao longo da
história das culturas.
E por que essa figura se repetia em tradições distintas e foi tão forte a
ponto de sua imagem chegar até nós? Por que povos separados no tempo
e no espaço se referiam com a mesma reverência ao velho sábio? Trata-se
da observação da natureza das coisas, a natureza da qual fazemos parte. O
velho sábio incorpora características que fazem parte da natureza, assim
como nós.
O mitólogo Joseph Campbell, depois de estudar uma infinidade de
tradições antigas, afirmou que, na maior parte das mitologias, as deidades
– por exemplo – são personificações de energias da natureza, e que essas
energias estão também dentro de nós, uma vez que também somos forma-
dos por partículas da natureza.
O velho sábio, então, é a fórmula consciente de um padrão da natu-
reza. A constatação de que a experiência do tempo traz a capacidade de
adquirir sabedoria e dominar o modus operandi da vida.
Esse sereno portador do conhecimento do tempo e das coisas, o ve-
lho sábio, portanto, personifica uma energia, uma força natural que vive
no inconsciente. O psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung enxergava isso
como um modo herdado de funcionamento psíquico, um conteúdo que
seria eternamente comum ao espírito humano e que renasceria de novo
em cada novo ser humano: um arquétipo.
Os arquétipos, na Psicologia Analítica, são conteúdos do inconsciente
coletivo que assumem matizes diversas na vivência singular de cada pes-

18 O Livro de Afrodite
soa. Eles podem aparecer em fantasias, sonhos, rompantes criativos, ideias
delirantes, ilusões, complexos psicológicos...
O arquétipo do velho sábio é apenas uma das muitas potencialidades
que a natureza oferece a você. Talvez, você o desperte raramente, quando
dá um conselho legal a um amigo. Ou, quem sabe, você viva isso intensa-
mente no papel que representa dentro da sua família, por exemplo.
Determinadas fases da vida fazem com que diferentes energias dentro
de você assumam o controle dos seus modos de ser e de se expressar
no mundo. Várias dessas energias podem estar ativas ao mesmo tempo
também. Sabe quando, no trabalho, você ativa o velho sábio, dando con-
selhos aos colegas recém-contratados e explicando o entendimento dos
processos; e, em casa, em seus relacionamentos familiares, manifesta o
puer aeternus – a eterna criança que quer colo e nenhuma responsabilidade?
Pode acontecer também!
Mas muito antes da descoberta do inconsciente, de Freud analisar as
tendências à repetição e à construção de padrões e de Jung identificar e
nomear esses arquétipos, os antigos gregos (e vários outros povos) orga-
nizavam essas energias que estão em nossa psique e explicavam esses pa-
drões que assumem a direção da nossa vida. Eles os chamavam de deuses
e deusas.
Esses povos antigos trouxeram à superfície o simbolismo do incons-
ciente, daquela força que eles observavam dominar suas vidas interiores, e
as traduziram em fórmulas conscientes transmitidas pela tradição por seus
aedos contadores de histórias.
A saga de cada deus ou deusa ajuda a orientar a trajetória dos heróis,
heroínas, deuses e deusas que vivem no inconsciente de cada um.
Não estamos falando de algo religioso. Entender os arquétipos não é
negar a sua fé e passar a cultuar os deuses dos gregos. É, sim, absorver
o simbólico, pois o símbolo é a linguagem com a qual o inconsciente se
comunica e com a qual vamos nos comunicar com ele. Para nós, esses
deuses e deusas objetos de veneração serão vistos como a personificação
de uma energia que habita o indivíduo, e que deve ser sacralizada como tal.

Inspira - revistainspira.com 19
Para Joseph Campbell, esses mitos são “a sabedoria da espécie”, com
a qual “o homem conseguiu resistir e atravessar os milênios”. Como isso
funciona? O estudioso Mark Schorer escreveu uma definição bem didática
do que esses mitos são capazes de fazer na nossa vida. Ele escreveu: “Um
mito é uma imagem grande e controladora que dá significado filosófico
aos fatos da vida cotidiana, isto é, que tem valor organizador para a expe-
riência”. Sem ele, vivemos no caos de nossas próprias imagens, desejos e
conteúdos interiores. Os mitos fornecem um centro de apoio para enten-
dermos a nós mesmos a partir da sabedoria dos que vieram antes.
Os antigos deixaram em sua mitologia um catálogo detalhado de tipos
psíquicos e de padrões psicológicos que se recombinam e se repetem em
cada ser humano a seu modo. Eles nunca se esgotam e há sempre um mito
por ser descoberto e desvendado na natureza humana. Conhecer esse sis-
tema simbólico é uma forma de entender a si mesmo, se aceitar como
indivíduo e transcender, porque é só quando nos aceitamos que podemos
ser melhores ainda.
Mas, para isso, esse conhecimento deve ser resgatado das poeiras do
tempo, que o soterraram. É preciso escavar, tirar a poeira, traduzir a lin-
guagem dos símbolos e ter o êxtase de se reconhecer no mito. Só assim
essas forças da psique poderão ser reconhecidas e integradas em nossas
vidas com mais consciência e melhor proveito. Assim, encontraremos o
sagrado dentro de nós.
Você não precisa ser nenhuma intelectual para ser tocada por esse con-
teúdo. Confie!
Afrodite vai te pegar pela mão com amor e te iniciar nessa jornada!

20 O Livro de Afrodite
No princípio era o
amor...
E o amor estava com a Deusa, e o amor era a Deusa.
Muito se falou e ainda se fala sobre o amor. Fala-se tanto que, às vezes,
a impressão é que de tanto falar sobre ele, seu significado se perde no ar. O
sentido de amor foi esvaziado, e colocaram outra coisa em seu lugar. Ele
se reduziu à companhia, estar junto, trocar carícias, ter um par para exibir
por aí ou – e este último em nada tem a ver com o verdadeiro amor – te
fazer fugir ainda mais de você.
É senso comum que demonstrar amor é piegas, ridículo, sinônimo de
fraqueza ou de ingenuidade. Muito se discute sobre o amor, pouco se ama.
Talvez, o amor tenha virado uma coisa que pouca gente sabe o que é. Algo
que se perdeu na tradução.
O amor é muito mais do que ganhar flores e coraçõezinhos de choco-
late no Dia dos Namorados.
O amor criou tudo. Ele é a força suprema criadora do universo. Ele
é da dança de atração dos átomos. Ele é a Lei da Gravitação, que sujeita
todas partículas e matérias a um encontro, um em direção ao outro, e que
assim mantém cada coisa em seu lugar.
Ele é a profunda atração entre as moléculas, que se comprimiram mais
e mais, até explodirem num ato de paixão criativa – que alguns chamam
Big Bang – dando origem à toda a vida na Terra.
Ele é a união entre duas energias antagônicas que gerou você!
Ele é a cola capaz de agrupar pessoas em torno de uma ideia, família,
nação...

Inspira - revistainspira.com 21
Ele é o que fundou a civilização, essa ideia de um conjunto de pessoas
se organizarem de forma voluntária para a sustentabilidade do todo.
Não foi o fogo, nem a roda e, sim, um osso quebrado e cicatrizado.
Essa é a evidência científica que comprova que o que nos tirou da barbárie
e instaurou a civilização foi o amor. A antropóloga Margaret Mead defen-
deu isso por toda a sua carreira. Para ela, o fato de ter sido encontrado um
fêmur cicatrizado em uma cultura antiga é o primeiro sinal de civilidade.
Em sua linha de raciocínio, aquele ser humano que quebrasse a perna
em meio à natureza selvagem morreria: não poderia se salvar dos perigos,
beber água nos rios, caçar sua própria comida. Seria um peso para o grupo
e seria deixado para a morte, para se tornar presa dos predadores.
Mas há um osso cicatrizado. As evidências estão ali. Alguém dedicou
tempo e cuidado ao ferido até que ele estivesse recuperado. Essa pessoa
provavelmente abdicou de condições mais confortáveis que teria se esti-
vesse acompanhando o grupo, sem ficar para trás carregando o que pode-
ria ser entendido como um fardo. Isso é amor!
O amor é o oposto do “cada um por si”. Mas essa não deve ser uma
ideia muito legal dentro de uma sociedade cujos discursos são estrutura-
dos para a individualização, desintegração e, paradoxalmente, para o en-
fraquecimento da mente individual e coletiva.
Quando não temos certeza de que somos amados e o amor passa a ser
um conceito recalcado e pouco compreendido, transferimos uma espécie
empobrecida de amor para as coisas, para os objetos, para próteses que
farão nos sentirmos melhores – pois se não há amor, somos incapazes de
amar até a nós mesmos – e, dessa forma, as coisas (e não os seres) passam
a ter valor.
Nesse sentido, mesmo aquilo que é gente, e não coisa, passa a ser coi-
sificado para atender a esse buraco que criamos e que talvez ainda não
compreendemos muito bem que é: a falta de Afrodite.

22 O Livro de Afrodite
Por que Afrodite
precisa ser integrada?
E se eu te contar que houve uma época em que o grande regente espi-
ritual do mundo era intuído como uma mulher? E se Deus vivesse em um
corpo feminino? Que impactos essa simples mudança de princípio – do
masculino para o feminino – afetariam a maneira como vivemos? Será que
as mulheres viveriam com medo? Será que o amor seria encarado como
tolice? Os homens teriam que passar por tantas mutilações no Ser? Seria
pecado estar junto de quem se ama? Como usaríamos os recursos natu-
rais? Que status teria a arte e a beleza? Será que teríamos mais ou menos
guerras? O que significaria ser uma pessoa de sucesso nessa realidade dis-
tópica? Que valores seriam considerados virtudes?
Parece estranho, mas poderia ser assim. Tudo poderia ser diferente do
mundo como conhecemos hoje. Um dos primeiros temas artísticos de que
temos notícia na história da humanidade é uma representação da Deusa
nua – plena em seu corpo criador de vida, nutrição e reprodução – em
forma de estatueta, que foi batizada pelos arqueólogos como a Vênus
do Paleolítico. Ela data de aproximadamente 25.000 a.C. A partir disso,
o mitólogo Joseph Campbell ousou dizer que “A mulher é, portanto, o
primeiro ser adorado do mundo humano”.
Essa não é uma estátua isolada. Do oeste da França até o lago Baikal,
nas fronteiras da China, foram encontradas estatuetas no mesmo padrão.
A arqueóloga Marija Gimbutas dedicou grande parte da sua vida reu-
nindo, classificando e fazendo a descrição interpretativa de milhares de
artefatos colhidos no que sobrou das vilas neolíticas. Objetos simbólicos
que datavam de cerca de 7.000 a 3.500 a.C. Sua conclusão foi a de que
esses sinais apontavam para uma religião que venerava o universo como

Inspira - revistainspira.com 23
sendo o corpo vivo da Deusa Mãe Criadora, toda a criação era sua prole
e, portanto, descendente de sua divindade. A mulher encarnava o mesmo
mistério da natureza que fazia nascer, nutria e transformava.
De acordo com Marija, essa era uma sociedade matrilinear, pacífica,
que acolhia os homossexuais e tendia a um balanço econômico com base
na agricultura. Joseph Campbell traz a informação de que os únicos uten-
sílios de cobre encontrados nesse contexto eram ferramentas de arar o
solo, nenhuma arma. Não existem provas para que a gente pense que tudo
era um paraíso, e nem queremos te induzir a imaginar isso, mas o princípio
feminino estava bem integrado.
A partir de 3.500 a.C, os povos nômades indo-europeus e semitas te-
riam começado a chegar em massa nessas regiões da Deusa, alterando
todo o sistema e superpondo suas crenças de orientação patriarcal. Para
eles, Deus era um homem, divino pelas características guerreiras de caça,
dominação e competição; as mesmas características vitais para a sobrevi-
vência desses povos, que vivam do que encontravam no caminho.
A Deusa, una, todo-poderosa, detentora da vida e da morte, do amor e
da guerra, do prazer e do desprazer foi fragmentada em pedaços de si, em
deusas menores. É como no simbolismo do tarô: o esplendor da Impera-
triz se divide entre as rainhas dos arcanos menores.
Para cada fragmentação, um casamento com um deus dos povos do-
minadores, e um papel mais secundário. Algumas deusas, como é o caso
de Afrodite no panteão grego, eram tidas em um nível ainda mais inferior:
“selvagem”, “lasciva”, “perigosa”. As características dessa Deusa ainda
chocam em pleno século XXI: “Essa não é para casar”.
E já sabemos como isso continuou na história da mulher! Como ex-
plica Simone de Beauvoir em sua extensa pesquisa reunida sob o título O
Segundo Sexo, a mulher foi encarada como o Outro dentro da construção
do social, cuja referência, centro e base era sempre o Homem. O Outro é
a alteridade, aquilo que não é igual ao Nós. Que tipo de autoimagem uma
mulher, por mais empoderada que seja, podia construir de si dentro desse
modelo cultural? Que tipo de relação com o feminino (fora e dentro de si)

24 O Livro de Afrodite
um homem adotaria: repúdio, medo, impotência?
Com a aparição e a consolidação do cristianismo no Ocidente, entre
os séculos IV e XVIII, as coisas mudam de novo. Afrodite foi uma das
deidades antigas mais reprimidas pela nova cultura. Ela é ainda mais re-
baixada. Tudo que ela representava foi banido, repreendido, varrido por
debaixo dos panos. O prazer, a sexualidade, o que é belo, a espontaneidade
das emoções, o encantamento pelo mundo, as sensações, a imaginação e
o próprio feminino foram juntos com Afrodite. Todos foram excluídos
da hierarquia de valor e tratados como temas sujos e proibidos durante os
últimos séculos da história do Ocidente.
Há uma frase do escritor Stewart Farrar que afirma: “os deuses da an-
tiga religião sempre se tornam os diabos da nova”. Afrodite, a deusa grega
da sensualidade, beleza, inspiradora do amor e da união, não combinava
com as pretensões da moralidade cristã e foi transformada em um aspecto
demoníaco, algo a ser reprimido e até mesmo perseguido e queimado nas
fogueiras da Inquisição.
Os pecados capitais são a encarnação do sentir, o campo de Afrodite;
e Lúcifer, o diabo cristão, pega de empréstimo o codinome da deusa: “a
estrela da manhã”.
Mas como explica a Psicanálise: tudo o que é reprimido retorna, e re-
torna com muita força.
Freud escreveu certa vez que “Os instintos não se deixam reprimir; e
seria pueril imaginar que, no caso de serem reprimidos, só por isso dei-
xassem de existir. A única coisa que se pode conseguir é fazê-los retroce-
der do plano consciente para o do inconsciente, mas em tal caso eles se
acumulam perigosamente deformados, no fundo do espírito, e com sua
constante fermentação dão origem a inquietações nervosas, perturbações
e doenças”.
Essa tentativa de repressão colocou Afrodite na sombra, na camada
sufocada. E a conta não sai barata!
De onde você acha que vêm a liquidez dos afetos, a hiperexcitação

Inspira - revistainspira.com 25
por objetos, o desejo desviado do amor para o trabalho e a competição, o
enaltecimento do utilitarismo, do grotesco, o desencantamento pelo mun-
do, a falta de empatia pelo que é vivo e, claramente, o desamor? Tudo o
que é reprimido nesse sentido volta, como a pornografia no lugar do sexo,
suplantando o prazer das coisas como realmente são.
O corpo e as emoções são as únicas coisas que possibilitam consumo
infinito, declarou a socióloga Eva Illouz: “A partir dos anos 70, o capita-
lismo entendeu que o mercado de bens materiais é limitado por definição
– não se pode comprar cinco geladeiras ao mesmo tempo”. Mas enquan-
to há vida, haverá corpo e emoção para serem “melhorados”. O desejo
foi instalado e hoje Afrodite se tornou ela própria um produto. “Essa
crescente sexualização se produz em um contexto em que o indivíduo se
torna mercadoria. Hoje nos consumimos uns aos outros e mostramos o
espetáculo de nossos próprios corpos aos outros”, completa a estudiosa.
Por onde anda Afrodite?
“Aquilo que alguma vez ganhou vida sabe se manter de forma tenaz.
Às vezes, poderíamos questionar se os dragões dos tempos primevos re-
almente foram extintos”, escreveu Freud. Em outras palavras, todas as
acepções ou superstições humanas aparentemente superadas vivem para
sempre nas camadas mais profundas dos povos civilizados.
Mais que uma deusa ou um mito, Afrodite é, como afirmou Jung, um
arquétipo, algo inerente à psique humana – seja qual for a sua identidade
de gênero.
Afrodite foi relegada a uma camada profunda do inconsciente. Ela está
soterrada embaixo de escombros, ruínas, muita sujeira e peso criado pela
cultura. Ela deve ser resgatada em cada um de nós. É esse resgate que
dará a possibilidade da reparação de todas essas temáticas necessárias ao
desenvolvimento pessoal e coletivo.
Precisamos de Afrodite caso queiramos nos redescobrir humanos.

26 O Livro de Afrodite
“Me cobrir de
humanidade me
fascina e me
aproxima do céu”.
Zélia Duncan e Moska

Ela é a força motriz da vida e conversa em essência com os nossos


desejos, pulsões e instintos. Uma pessoa sem Afrodite é uma pessoa que
não se conectou à vida, não se rendeu ao eterno Mistério, não se encanta
mais com nada e está tão desconectada dos barulhos de dentro que não
sabe nem mais fazer escolhas. Ela não sabe impor limites, nem defender
seu território. Ela pensa que o corpo é uma prisão, e que a vida acontece
somente do pescoço para cima. Ela não sabe o que é prazer e reclama de
tédio. Ela está completamente alheia, perdida de si mesma.
Se você quer se desenvolver como pessoa, a Deusa do Amor te ensina
sobre amor-próprio. Se o seu problema são os relacionamentos, Afrodite
explica o que é amor, o que é sentir de verdade e também o que é ter
dignidade dentro de uma relação. Ela é um caminho de iniciação. Ela é a
capacidade de transformar tudo em vida. Ela cria novas realidades, fertili-
za possibilidades e faz nascer beleza. “Ao redor relva crescia sob esbeltos
pés”, declamou Hesíodo. Por onde ela passa, ela deixa a sua marca de vida
nova, fresca e exuberante.

Inspira - revistainspira.com 27
TESTE

Como vai a sua


Afrodite?
Como está a minha Afrodite interior?
Essa pergunta pode ser feita a qualquer momento ao longo do percur-
so do Livro de Afrodite. No teste que propomos, você pode ter um diagnós-
tico de como está a sua Afrodite interior.
O teste é composto por perguntas relacionadas ao arquétipo de Afro-
dite: amor, beleza, prazer e sexualidade. Cada tema é destrinchado em
questões instigantes e provocadoras.
Funciona assim: você lê as frases abaixo e marca logo abaixo o quanto
cada afirmação corresponde às suas próprias opiniões e modos de ser.
Você se identifica “muito”, “um pouquinho” ou “nada”? Depois conte
qual dessas opções foi a mais escolhida e veja o resultado.

Se você sentiu uma maior dificuldade em responder determinada ques-


tão, preste atenção no tema e se dedique a trabalhá-lo com as reflexões e
os exercícios do Livro de Afrodite.
De tempos em tempos, volte ao teste para examinar como está a sua
Afrodite.

Para me sentir bem, preciso me achar bonita.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Inspira - revistainspira.com 29
Se me acho bonita, me sinto bem para enfrentar o mundo.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Cuidar da minha aparência é uma das minhas prioridades diárias: atividade física,
banhos longos, cuidado com os cabelos, skin care e escolha do vestuário são presenças
fixas na minha rotina.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Gosto de ser acariciada por quem eu amo. Para mim, isso é uma forma de conexão.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Meu corpo é um território que eu gosto de desbravar por meio dos sentidos (me tocar,
me perfumar, me ver refletida no espelho, me escutar e saborear gostos que me causem
prazer).
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Adoro me ver no espelho e meu corpo não é algo de que me envergonho.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

A paixão é a chama que deve ficar sempre acesa para que o relacionamento dure.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Nas minhas relações, sexo é uma parte muito importante.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

30 O Livro de Afrodite
Me excito facilmente e frequentemente durante meu dia.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Me sinto sexualmente livre para explorar meus desejos sem culpa.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Quero uma casa confortável e bem decorada seguindo o meu gosto, com tudo aquilo que
eu acho mais bonito.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Vejo a comida como uma forma de me trazer prazer.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Minha relação com a alimentação é harmônica.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Minha vida social é bastante movimentada. Gosto de ter contato com pessoas!
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Quando criança, eu adorava me vestir de “gente grande”.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Inspira - revistainspira.com 31
Eu era uma criança bastante desinibida, que adorava ser o centro das atenções.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Durante a infância e a pré-adolescência, sempre criava fantasias apaixonadas com


famosos.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Música, arte, cinema e teatro, moda e beleza estão entre os meus principais passatempos.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Gosto de apreciar a beleza em seus detalhes (ex.: numa paisagem, num quadro, numa
pessoa...).
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Quando perco a atração por alguma coisa, não consigo continuar naquela situação.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Me considero uma pessoa “fogo de palha”. Me empolgo no início, mas isso não dura
muito.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Gosto de ver fotos bonitas e feeds harmonizados nas redes sociais.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Busco referências de estilo e beleza na internet.

32 O Livro de Afrodite
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Gosto de ser fotografada e postar minhas fotos nas redes sociais.


Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

É uma decepção quando não curtem minhas fotos nas redes sociais.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

RESULTADOS
Mais “nada a ver comigo”
Afrodite em queda
Parece que a sua Afrodite interna está respirando por aparelhos. Tal-
vez, você tenha até sintomas físicos disso como TPMs de muito mal-hu-
mor, cólicas e dores de cabeça. Os antigos gregos eram sábios em dizer
que se deve reverenciar a todos os deuses. Caso contrário, você verá a
fúria deles em sua vida. Mas este é o livro que vai te ajudar com isso! Em
um nível simbólico, a fúria do arquétipo de Afrodite é vista quando essa
força do enamoramento pela vida, do amor e da vitalidade está debilitada
ou tratada como algo sujo, sombrio, dentro de você. Talvez você tenha
dificuldade em se relacionar com as pessoas e em encontrar o seu próprio
valor e a beleza na vida. A fúria de Afrodite também pode ser notada nos
excessos e em vícios de todos os tipos, em dependência emocional e baixa
autoestima.

Mais “um pouquinho a ver comigo”


Afrodite quer sair da concha
Sua Afrodite está querendo sair da concha, mas é preciso se permitir

Inspira - revistainspira.com 33
um pouco mais. Mais encantamento com o que há de belo na vida, mais
imaginação, mais sensorialidade, mais amor (por si e nas relações). Dar
mais espaço para a sua Afrodite interior é redescobrir o seu poder e mag-
netismo pessoais, relembrar que você é mais interessante do que imagina
e que o amor pode tudo.

Mais “tudo a ver comigo”


Afrodite na sala de controle
Nessa configuração, o arquétipo de Afrodite talvez esteja tomando
conta da sala de controle da sua psique. Isso pode se manifestar de formas
maravilhosas. Você provavelmente sabe apreciar as coisas boas da vida,
viver no presente e valorizar você e os seus próprios desejos. Mas isso
não quer dizer que está tudo às mil maravilhas, o excesso também pode
esconder uma falta ou causar sofrimentos. Afrodite na sala de controle
pode agir como uma tirana te escravizando pelos prazeres e te impedindo
de colocar limites que são saudáveis para o desenvolvimento de qualquer
pessoa. Ela também pode nos tornar imediatistas, inconsequentes e blo-
quear a percepção do outro, nos tornando irresponsáveis afetivamente, o
que sabota qualquer relacionamento interpessoal.

34 O Livro de Afrodite
As faces de Afrodite
Personalidades fictícias e históricas que constelavam o arquétipo de Afrodite.

Cleópatra
A Rainha do Nilo é sempre lembrada por sua “vaidade” e “promiscuida-
de”. A história relegou à Cleópatra uma péssima reputação, mas não era
nada disso. A regente do Egito falava uma dúzia de idiomas, era extre-
mamente inteligente e curiosa com tudo. Entre seus interesses estavam a
beleza (ela foi autora de um famoso livro sobre o tema e tinha uma rotina
de beleza repleta de cosméticos e cuidados), a matemática, a filosofia, a
astronomia, as artes da guerra e a política. Ela agia de forma diplomática,
falando sempre na língua de seus interlocutores e usando a simpatia como
sua principal arma. Segundo a escritora Stacy Schiff, a rainha tinha a capa-
cidade de tornar os ambientes agradáveis com a sua conversa. Assim se-
duziu dois dos maiores chefes romanos de seu tempo: Júlio César e Marco
Antônio. Cleópatra era fruto de uma sociedade em que a mulher gozava
de liberdades e não via sua feminilidade como um tabu.

Inspira - revistainspira.com 35
Giacomo Casanova
Foi um escritor e aventureiro italiano. Prova de que Afrodite não é ma-
nifestada somente em mulheres – inclusive, por muito tempo os homens
se empossaram dos temas de Afrodite. O campo que Casanova gostava
de explorar era o terreno dos prazeres: a volúpia, a comida, a beleza e o
dinheiro eram as joias que buscava na sua jornada. Tudo era experiência!
Viveu como se o que apimentasse a sua existência fosse a variabilidade e
a troca, voltado a um Carpe Diem do prazer, o que o fez também um tra-
paceiro, falseteando a voz conforme a música que os poderosos queriam
ouvir.

Madame Bovary
Quando Gustave Flaubert lançou esse romance em 1856, recebeu uma
série de acusações da crítica puritana e foi inclusive levado aos tribunais
por atentado ao pudor. “Como poderia uma mulher decidir sua própria
vida?”, argumentavam os advogados de acusação. Emma Bovary é uma
mulher movida por fantasias sobre o amor. Para ela, o amor seria aquilo
que imaginava nos romances-folhetins que lia. Isto é, um portal para uma
vida de encantamento e felicidade perpétua. Quando se casa, a vida mor-
na que leva lhe causa uma enorme frustração. Emma vive entre o mundo
real e o de suas idealizações. A filha que tem com o marido é, inclusive,
relegada ao abandono materno. A partir de então: tédio, consumismo, es-
capismo e adultério, os sintomas de uma Afrodite em desequilíbrio.

Morgana das Fadas


A sacerdotisa de Avalon entende seus fluxos de energia internos e conse-
gue enxergar a sua sexualidade como sagrada. É amante da boa música,
fiel às suas próprias convicções e dona de uma consciência aberta e em-
pática. Por vezes, sua sexualidade pode lhe colocar em maus-lençóis na
perspectiva da sociedade. Por outro lado: se melindra com as opiniões dos
outros e pode ser bastante impulsiva em suas decisões, movida pelo calor
do momento.

36 O Livro de Afrodite
Elizabeth Taylor
A atriz que deu vida à Cleópatra na era de ouro de Hollywood subiu ao
altar oito vezes. Um de seus maridos chegava a ser 20 anos mais velho que
ela, e um de seus namorados, 30 anos mais jovem. Antes de completar
18 anos, um magnata do ramo cinematográfico ofereceu uma quantia em
dinheiro para que Elizabeth se casasse com ele, ela negou. Ao que parece,
mesmo conturbados, seus relacionamentos eram fruto de seu próprio de-
sejo. Já foi chamada de “destruidora de lares” por se relacionar com um
homem casado e chocou a sociedade americana quando revelou que tinha
um relacionamento aberto com seu quinto marido. Cada um tinha diver-
sos amantes e viviam rodeados de diamantes, pinturas e beleza.

Carmen
A cigana espanhola da ópera de Georges Bizet foi uma personagem iné-
dita em sua época. Carmen é uma mulher que tem a liberdade como guia.
Ela escolhe o seu próprio destino e não parece sentir culpa por ter um
comportamento considerado “amoral” ou volúvel quanto aos parceiros
com que se relaciona. “O amor é a cria do boêmio. Ele nunca jamais
conheceu qualquer lei”, canta a cigana na habanera, que continua com um
alerta: “Se eu te amo, tome cuidado”. Carmen seduz os homens com sua
sensualidade e, por não poder ser quem ela é, tem um triste fim. O filósofo
Friedrich Nietzsche chegou a assistir a essa ópera 20 vezes: “Finalmente,
o amor, amor traduzido novamente em natureza. Não o amor de uma
‘virgem suprema’! Mas amor como uma fatalidade, cinismo, inocência,
crueldade e precisamente como uma peça da natureza!”, descreveu ele em
uma carta.

Tristão
O protagonista do conto medieval Tristão e Isolda corajosamente escolhe o
amor em vez do casamento, a instituição social que, na época em que se
passa a história, transformava as alianças políticas e financeiras em uniões
familiares. Tristão se descobre enamorado da prometida do tio e mesmo
com o destino de morte e angústia que o aguarda como punição, ele aceita
o amor.

Inspira - revistainspira.com 37
Maria Antonieta
A rainha guilhotinada da França era dada à noite parisiense, onde nos
bailes de máscaras podia se libertar da figura de rainha e viver os prazeres
do flerte e da interação com as pessoas. “Para a jovem Maria Antonieta
nada além de seu próprio prazer é importante nesse mundo”, escreveu
Stefan Zweig. Ela gostava também do teatro, chegando a atuar em algu-
mas peças da corte. Para essas peças, só convidava as pessoas de quem ela
gostava, excluindo boa parte da nobreza e alimentando a perseguição que
muitos tinham com ela. Cercada por pressões políticas e pelas cobranças
da parte da mãe, que a cobrava um filho e mais influência na governança
da França, Maria Antonieta usava a moda como uma ferramenta política,
para se aproximar dos camponeses, como por exemplo quando trocou os
espartilhos por calças e roupas mais leves; ou mesmo para se impor dian-
te de uma nobreza que não a levava a sério. Ela inventava tendências de
comportamento e contornava a tradição e a opressão que lhe cabia com
a sua criatividade.

Helena de Troia
A rainha espartana é, na Ilíada, o elo que liga os eventos da Guerra de
Troia. Considerada a mulher mais bela do mundo, Helena se torna propina
nas mãos da Deusa da Beleza. Afrodite oferece o amor de Helena a Páris,
de Troia, para que ganhe um concurso. Helena, porém, já é casada com
Menelau, e o resultado disso é uma guerra de dez anos. Desde antes de se
casar, no entanto, seu pai vivia preocupado com a fúria que a escolha de
um cônjuge para Helena geraria nos demais pretendentes. Todos os ho-
mens queriam tê-la como troféu e se aproveitar de sua carne. Mas, dentro
de seus limites, Helena conduzia suas próprias escolhas. A personagem
fala dos desafios de encontrar prazer e fidelidade a si mesma em uma so-
ciedade que a objetifica, e da necessidade de criar seus próprios caminhos.

Claude Monet
Apesar de Afrodite ser a deusa de todos os artistas, as pinturas de Monet
traduzem o arrebatamento pelo simples, por aquilo que nossos olhos já

38 O Livro de Afrodite
estão acostumados a ver. Sua musa inspiradora era a natureza, um passeio
pelo campo, a luz do sol incidindo no lago de sua fazenda em Giverny,
lugar no qual ele criou seu éden pessoal, jardins paradisíacos e um ambien-
te digno de um mundo mágico: mas era apenas a boa e velha natureza.
Monet se demorava nas paisagens que o cercavam e conseguia encontrar
e sentir a beleza em todo lugar, integrada a sua vida. Como ele mesmo
afirmou: “Todos os dias eu descubro mais e mais coisas bonitas. É o sufi-
ciente para enlouquecer”.

Madonna
Quando ninguém parecia ter coragem de fazer, a cantora foi lá e falou
de masturbação feminina, virgindade, sexo antes do casamento, homos-
sexualidade e a própria vivência erótica das mulheres. Madonna foi alvo
de muitas críticas, teve trabalhos censurados, o Papa protestando contra
ela, a polícia tentando invadir seu show e uma greve de trabalhadores que
pediam como exigência que ela não se apresentasse em Roma. Madonna
trouxe a discussão sobre a igualdade feminina para o assunto do dia e isso
gerou consequências culturais que podemos ver em todo lugar.

Inspira - revistainspira.com 39
bRINDE exclusivo

Meditação
A Meditação de Ativação de Afrodite e a Meditação do Amor-Próprio estão
dentro do pacote que você baixou. Elas são pontes para você se conectar
com sua Afrodite interior.
O amor-próprio é um dos mais importantes ensinamentos que a Deu-
sa Afrodite nos deixa: ao aprendermos a nos amar, com todas as virtudes
que orbitam o amor-próprio, também amamos o outro, pois a aura do
amor envolve tudo o que está ao redor. Esse é o poder transformador e
transmutador para a criação de um mundo com mais amor e beleza.
Indicamos que faça as meditações antes ou logo após interagir com O
Livro de Afrodite – ou sempre que se lembrar.
As meditações contêm poderosas afirmações para despertar a sua
Afrodite interior. Essas afirmações devem ser repetidas mentalmente com
atenção, intenção e convicção.
A prática meditativa proporciona benefícios físicos e emocionais, com-
provados por pesquisas científicas: redução do estresse, controle da an-
siedade, ajuda na qualidade do sono, favorece o autoconhecimento. Esses
são alguns dos seus pontos positivos.
A meditação é, sobretudo, uma prática de autocuidado: uma das joias
de Afrodite.
As crenças de
Afrodite
Crenças são padrões de pensamento que se transformam em experi-
ências ao longo das nossas vidas. Elas podem ser aprendidas dentro de
casa, com a visão de mundo da nossa família; podem ser observadas do
comportamento alheio ou criadas a partir de experiências anteriores im-
pactantes.
Seja qual for sua origem, boa ou ruim, esse padrão de pensamento
tende a virar padrão de repetição, pois buscamos inconscientemente ma-
neiras de testar que estávamos certos sempre que possível. O ego quer se
proteger e a regulagem automática do desprazer nos induz a sofrer com
o que é familiar!
Silvia, por exemplo, é uma conhecida de longa data. Ela, certa vez, se
abriu e contou a triste sina da sua vida amorosa. Sua mãe era uma mulher
bastante insatisfeita com seu casamento. Ela visivelmente não gostava de
estar casada com o marido e sentia que essa união era uma prisão, que a
deixava sem liberdade ao lhe colocar uma pilha de responsabilidades nas
costas. A questão é que ela condensava essa amargura em uma frase que
repetia constantemente para Silvia e suas irmãs: “Homem nenhum pres-
ta”.
Tomando as dores da mãe, com quem passava mais tempo, Silvia nun-
ca desenvolveu uma relação amigável com seu pai. Sempre se questionava
sobre o caráter dele. Demorou demais para chegar em casa? “Homem
nenhum presta”. Encontrou uma conhecida na rua? “Homem nenhum
presta”. Atendeu o telefone e falou baixinho? “Homem nenhum presta”.
Mais tarde, quando Silvia começou a namorar, ficou com isso na ca-
beça de que nenhum de seus parceiros prestava, e que era só questão de
tempo até eles revelarem essa face para ela.

Inspira - revistainspira.com 41
Com isso, ela vivia sempre com um pé atrás em seus relacionamentos.
Não se permitia amar de verdade, não demonstrava carinho e não se abria
para uma troca profunda. Ela não queria ser a tonta aos olhos da sua mãe.
Enquanto a crença que Silvia aprendeu na infância estava inquestiona-
da, intacta, ela podia arranjar o namorado mais gentil, carinhoso e apaixo-
nado... O relacionamento de alguma forma azedava, e isso só confirmava
para Silvia o que ela já sabia: “Homem nenhum presta”. Nenhum deles
queria um relacionamento sério ou a amava de verdade, todos só a supor-
tavam pelo tempo que podiam, querendo algo em troca.
Ao mesmo tempo, esses términos traziam uma espécie de alívio a ela,
por não ter se envolvido tanto com esse tipo de cafajeste. No final, ela
confirmava que estava certa!
Por fim, depois de muitos namoros fracassados e se sentindo mal-ama-
da, Silvia começou a se sentir mal com ela mesma. “Minha melhor amiga
tem um relacionamento que já dura anos. Penso que talvez ele a esteja
enrolando e que é questão de tempo para que ela descubra alguma traição.
Mas vejo os dois juntos e não deixo de sentir uma pontada de inveja. Por
que só eu não consigo um cara legal?”, indagava ela.
Esse é um exemplo bem simples, que envolve Silvia e sua crença de
que ninguém nunca vai ser bom o suficiente para ela, o que de fato acon-
tecia, já que ela não mantinha nenhum relacionamento por mais de um
ano. Silvia transformava sua crença em atitudes, à medida em que reagia ao
namorado já supondo sua “imprestabilidade”. O resultado da sua indução
não poderia ser outro: crença confirmada.
As vivências e a subjetividade de cada pessoa vão desenvolver crenças
específicas. Essas crenças podem ser limitantes ou estimulantes. Elas po-
dem nos podar ou nos fazem florescer.
Para o filósofo grego Platão, por trás de nossa realidade material e
sensível há uma realidade abstrata, o Mundo das Ideias, que cria mode-
los perfeitos de todas as coisas que existem. Essas ideias perfeitas seriam
replicadas na realidade, onde estariam sujeitas ao erro. Podemos enxergar
aí um conceito similar ao que estamos comentando aqui: as ideias criam

42 O Livro de Afrodite
padrões que se manifestam na realidade.
A verdade é que a maioria das coisas que acontecem na sua vida, prin-
cipalmente aquelas que se apresentam como um padrão – repetindo-se
sem parar –, tem uma crença por trás que a sustenta.
Uma forma de observar isso acontecendo na prática é analisar a sua
realidade atual e se fazer a pergunta: No fundo de mim e sendo bem sincera, qual
é a crença que eu tenho que ressoa com essa situação que estou vivendo, seja ela positiva
ou negativa? Se você precisa de um empurrãozinho para sair do superficial
e chegar a conclusões mais profundas sobre isso, um psicanalista pode te
ajudar!
Veja só algumas das crenças que observamos na personalidade da mu-
lher que tem Afrodite como um arquétipo dominante ou oprimido. Mar-
que um X ao lado das afirmações que são verdadeiras para você.

A vida pode ser fácil! O futuro a Deus pertence.


É plenamente possível viver É dando que se recebe.
do que se ama.
Beleza importa.
Não me demoro onde não sou
A verdadeira beleza está no
querida.
coração.
Amar nunca é motivo de
Todo mundo é bonito do seu
vergonha.
jeito.
O amor é um sentimento
Meu corpo, minhas regras.
delicioso.
Meu corpo é uma fonte de
Amo estar apaixonada.
prazer, beleza e bem-estar.
Flertar é a melhor parte de um
Eu não me envergonho de
relacionamento.
sentir prazer.
As pessoas sempre me ado-
Não preciso provar nada a
ram.
ninguém.
Unidos venceremos.
Sou dona de mim.

Inspira - revistainspira.com 43
Estou satisfeita com a pessoa Eu não consigo me satisfazer!
que sou!
Quem me ama deve fazer de
Fale bem ou fale mal, fale de tudo por amor!
mim.
Se eles realmente me amassem,
Não deixe para amanhã o que eles iriam _________________
você pode fazer hoje. (complete com o que você acha).
Quem não é visto, não é lem- Sozinha não dá.
brado.
Adoro novidades e enjoo fácil
Todos devem gostar de mim. do que é rotina!
Se eu seguir meus próprios Figurinha repetida não com-
interesses, os meus relacionamen- pleta álbum.
tos irão sofrer.
Águas passadas não movem
Se eu deixar que as pessoas, moinhos.
realmente, me conheçam, elas não
Não se pode ter tudo: ou se é
vão gostar de mim.
inteligente ou bonita.
Eu preciso fazer os outros
Os homens têm medo das
felizes para não ser rejeitada.
mulheres bem resolvidas.
Eu preciso provar meu valor.
Sexo é sujo/pecado/besteira.
Amar é sofrer.
O que eu sinto é soberano.
Não existe rosa sem espinho.
As coisas prazerosas escondem
perigos e machucam.
Não existe ninguém merece-
dor do amor que eu tenho para
dar.
Eu devo me sacrificar por
amor.
Meu cupido é ruim de mira/
Só tenho dedo podre.

44 O Livro de Afrodite
Nasce uma Deusa
Adulta, bela, impenetrável e, ao mesmo tempo, fecunda. Assim a Deu-
sa da Beleza teria saído do mar logo após ser gerada. É isso que conta a
versão mais famosa do nascimento de Afrodite, pelo poeta Hesíodo.
Aqui, a Deusa da Sensualidade criou-se do encontro dos testículos co-
bertos de sêmen de Urano com as águas do mar. Ela nasce de um ato de
violência, castração e de um projeto de traição de filho (Cronos, o senhor
do tempo) e mãe (Gaia, a materialidade) contra o espírito incoercível e
criador – e ao mesmo tempo destruidor – do pai, Urano, “o céu estrela-
do”, que insatisfeito com suas criações, empurrava-as de volta ao ventre.
O caráter doloroso da criação de Afrodite é sutilmente captado pelo
pintor florentino Sandro Botticelli na bem-afamada obra O Nascimento de
Vênus. Nela, a Deusa do Amor surge de dentro de uma concha.
Como lembra o texto do autor e psicanalista Rubem Alves, cujo título
condensa perfeitamente a situação do nascimento da deusa, Ostra feliz não
faz pérola.
Assim como as ostras produzem preciosas pérolas a partir de invasores
(grãos de areia, detritos, parasitas) que ameaçam a sua integridade, o mito
conta que a beleza nasce da força de sublimar as adversidades, dar um sen-
tido às inquietações e tirar proveito dos acontecimentos, usando-os como
trampolim para a autoexpressão e a transformação rumo à totalidade.
“Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja
na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja
uma dor doída... Por vezes a dor aparece como aquela coceira que tem o
nome de curiosidade”, resume Rubem Alves. E isso é a cara de Afrodite!
A professora e pesquisadora da literatura grega Giuliana Ragusa afirma
que essa castração de Urano consequentemente desbloqueia o ventre de
Gaia, permitindo que novas gerações fossem criadas e trazendo consequ-
ências decisivas para o cosmos.

Inspira - revistainspira.com 45
É do falo caído de Urano que surge a dualidade e a complementarieda-
de dos opostos. É da assunção do Tempo (Cronos) que nasce a dualidade,
nascimento e morte. Do sangue de Urano, surgem as Eríneas, os Gigantes
e as Ninfas Freixos: forças de conflito. De seu esperma, o oposto comple-
mentar, a força da união e do amor concretizada em Afrodite.
Depois de ferido por Cronos, esse potencial criativo e rebelde contido
em Urano some, não ficando claro para onde ele vai. Segundo a autora
Liz Greene, podemos entender que ele entra para o inconsciente, para as
camadas mais profundas, e já não é mais acessível aos seres humanos, a
não ser por meio de seus filhos (Prometeu é o mais famoso deles) ou das
deidades que surgem a partir de sua ferida, como Afrodite. Uma vez que
acessando o mundo da beleza e da harmonia dessa deusa conseguimos
chegar ao espírito do inefável.
Para o estudioso de mitologia Junito Brandão, a ascensão e nascimento
a partir das águas conota a evidente relação de Afrodite com o poder fer-
tilizante das águas divinizado em Astarté, a deusa fenícia da fecundidade,
uma ancestral da Deusa e uma das antigas deusas portadoras do simbo-
lismo feminino da Grande Mãe, que foi perdendo força ao passo que o
patriarcado avançava e foi sendo cada vez mais mutilada em seus poderes
para caber em sociedades que oprimiam a mulher, como foi – a título de
exemplo – a Europa Medieval.
A verdade é que Afrodite é como um estranho no ninho no panteão
grego. Suas origens são obscuras e associadas por muitos estudiosos aos
cultos originados da Ásia. Para alguns deles, trata-se de uma divindade
oriental absorvida e adaptada ao sistema grego a quem eles tinham o má-
ximo respeito por conservar seu lado selvagem, “bárbaro” e perigoso.
Imagine como era vista a pulsão passional em uma sociedade que ficou
conhecida por sua filosofia e pelo zelo à razão? A experiência dolorosa do
amor, o coração partido e a rejeição eram muitas vezes incompreendidas.
Tendo sido colocadas pelos poetas da época até mesmo como “doença” e
“insanidade”, escreveu Carson.
Ainda assim, os gregos tinham uma sabedoria que os de nosso tempo

46 O Livro de Afrodite
não tivemos. Eles reservavam para ela um altar cativo, pois sabiam que
quando maltratada e ignorada é que seu ataque poderia ser ainda mais
nocivo, deixando a vida sem graça, insossa e incompleta.
Da perspectiva mítica grega, caso não queira ver sua fúria lançada em
sua vida, deve-se reverenciar a todos os deuses, procurando integrá-los em
cada parte da sua vida.

DENTRO DA CONCHA
Qual é a areinha na concha que tem te perturbado e in-
quietado e que te trouxe a essa jornada? Quais foram (ou
são) as grandes adversidades ou inquietações mais sim-
ples que atravessaram o seu caminho? Que parte elas têm
na construção da pessoa que você é hoje?

Alguma vez você já se sentiu inadequada em algum lu-


gar? Como foi essa experiência? O que você sentiu? Isso
te levou a se comportar de uma maneira diferente? O que
esse momento de se sentir repelida e estranha signifcou
para você num nível mais profundo?

Inspira - revistainspira.com 47
AS DORES DO PARTO

Você tem se conectado com o seu pai Urano escondido no


inconsciente? De que forma você acessa o seu lado rebel-
de, “ovelha negra da família”? De que formas toca o céu
estrelado da sua alma?

Como você lidou a vida inteira com essa Afrodite que vive
em você? Essa parte amorosa, amável, buscadora de pra-
zer, dona de si e cheia de vida? Para você ela se parece
mais com uma “doença” e uma “insanidade”? Você a dei-
xava emergir das águas ou a afogava de volta nas profun-
dezas do inconsciente?

Afrodite nasce a partir de uma ação impetuosa de Cronos,


o tempo. O que você faz com o tempo que lhe foi dado?

48 O Livro de Afrodite
As fases de Afrodite

Algumas pessoas integram Afrodite apenas entre quatro paredes. Ou-


tras encarnam Afrodite onde quer que depositem sua paixão: quando fi-
cam obcecadas por um assunto, quando investem alto em uma carreira,
quando realizam determinada tarefa com verdadeiro querer...
Mas há aquelas cujo arquétipo de Afrodite domina um pouco mais
a sala de controle. Nesse caso, as características da Deusa se transferem
para a personalidade corrente da pessoa. Afrodite assume a chefia e se
manifesta de maneira mais integral, 24 por 7, batendo ponto todo dia,
tirando pouquíssimas folgas e se transformando na maneira como expe-
rimentamos a vida.
Em algumas fases da vida podemos nos encontrar nessa situação. Será
que você se identifica ou consegue identificar alguém? Fica o desafio!

Infância
Assim como Atena, Afrodite já nasceu adulta. Saiu do mar caminhan-
do graciosamente e com a leveza que só carrega quem é dona da própria
vida. Dessa mesma forma, a criança que constela o arquétipo da Deusa é
daquele tipo que adora vestir as roupas dos pais e está sempre atraída por
referências mais adultas na construção de sua persona e comportamento.
Ela é a primeira a fazer perguntas constrangedoras para os adultos como:
da onde vem os bebês ou por que ela ainda não usa sutiã igual ao da ma-

Inspira - revistainspira.com 49
mãe?
Por isso, é preciso sempre trazer essa pequena Deusa do Amor de volta
à infância, para que ela não limite essa fase da vida se tornando uma adulta
precoce.
Essa sua curiosidade nata e a falta de inibição em ser autêntica fazem
com que sua presença não passe despercebida. Jean Shinoda Bolen es-
creveu que a pequena Afrodite é sempre a criança “engraçadinha”, que
encanta as pessoas por onde passa, de maneira espontânea ou intencional.
Muitas vezes, ela adora estar sob o olhar dos outros!
Com essa personalidade tão marcante, não é muito incomum que a pe-
quena Afrodite tenha passado a infância buscando se tornar a nova estrela
infantil, o bebê da propaganda de shampoo ou participando do concurso
de Miss da sua cidade – sobretudo motivada pelos familiares, que diziam
que ela tinha tudo para estar na televisão ou, hoje em dia, sendo uma fa-
mosa influenciadora digital.
Alguns pais enfatizam demais essa docilidade na criança, cobrando
dela ainda mais simpatia e amabilidade, como se seu amor dependesse
disso. Por esse motivo, crianças Afrodite tendem a desenvolver a Síndro-
me da Boazinha, uma verdadeira compulsão em querer agradar sempre,
que gera dificuldade em se impor na vida, bloqueio em acessar seu ímpeto
necessário à autodefesa e ao amadurecimento, grandes frustrações e so-
frimentos ao tentar sempre ser perfeita aos olhos dos outros, e não plena
em si mesma.
Nessa fase, é preciso estimular a autenticidade da criança sempre que
possível, reforçar que ela pode ser ela mesma ainda que ninguém aplauda,
ria ou a chame de “fofinha”. Caso contrário, essa Afrodite mirim pode as-
sumir um aspecto negativo, que inclusive pode silenciar a própria potência
do arquétipo de Afrodite em si. Isso pode levá-la a depender sempre da
validação externa para se sentir bem com seus atos, seu corpo, seus ques-
tionamentos e suas formas de se expressar no mundo.
Outra frase bastante comum na rotina das crianças Afrodite é, quando
menina: “Espere ela crescer que vai dar trabalho com os namoradinhos”.

50 O Livro de Afrodite
Ou ainda, quando estamos falando do arquétipo de Afrodite atuando em
um menino: “Esse vai arrasar muitos corações!”. É como se assuntos que
deveriam ser postergados para uma fase mais à frente no desenvolvimen-
to da criança, tais como namoricos e a própria sexualidade/sensualidade
implícitos aí, fossem adiantados e trazidos como pauta do dia na vivência
infantil dos que vivem sob a influência dessa Deusa.
Quando acontece de Afrodite criar morada em um menino, especial-
mente, essa criança pode ser também bastante incompreendida pelos pais
no que se refere a sua espontaneidade nas emoções e seu gosto pela lite-
ratura, cinema, desenhos ou qualquer tipo de arte. Com a cabeça cheia
de preconceitos e apoiadas em discursos machistas de que “homem não
chora” e de que “desenhar é coisa de maricas”, por exemplo, essa criança
pode acabar sufocando seus talentos e formas de expressão que além de
serem parte de sua essência, são essenciais como mecanismos de regula-
ção psíquica.

Adolescência
Na puberdade, a jovem Afrodite passa a ter impulsos sexuais fortes
e constantes, e se não encontrar um grupo de amigas que falem sobre o
assunto com normalidade, se sentirá uma estranha no ninho.
É comum que essas garotas Afrodite iniciem suas vidas sexuais mais
cedo que as demais, quando não controlam seus instintos com a força de
alguma outra deusa como Atena ou Ártemis atuando em suas psiques.
Em lares onde as informações sobre sexo ficam encobertas em uma
névoa de pecado e vulgaridade ou onde esse assunto é evitado por algum
tipo de constrangimento, essas garotas podem meter os pés pelas mãos e
acabarem em uma gravidez indesejada ou infectadas com doenças sexual-
mente transmissíveis.
Outra consequência dessa falta de diálogo sobre o assunto, é a má
reputação, o afastamento das colegas mais “santinhas” e a aproximação
de meninos que só a veem como alguém para sexo, alguém “sem valor”.

Inspira - revistainspira.com 51
Nessa fase, se ver através do olhar dos outros com imagens tão carregadas
de preconceito e crítica pode formar na adolescente Afrodite uma imagem
ruim dela mesma, como alguém que não presta, não vale a pena, que não
serve para nada além de sexo, que é suja, que nunca encontrará amor ou
de que nunca será alguém na vida.
Algumas meninas nessa fase recalcam sua latência sexual e a destina
ao mundo da imaginação onde criam fantasias românticas e sexuais com
famosos.
Além da desinformação, alguns pais podem mandar mensagens confli-
tuosas para essa Afrodite iniciada. Por vezes mostrando uma face liberal,
com discursos de empoderamento e feminismo, outras vezes a punindo
ou a julgando por seus avanços no campo afetivo-sexual. De acordo com
a psicoterapeuta e escritora Jean Shinoda Bolen, essa atitude permite a
esses pais que possam ao mesmo tempo serem “voyeurs” – e assim revi-
verem a juventude e a excitação sexual de maneira vicária, por meio das
experiências da filha – e defensores da moral e dos bons costumes.
Dessa maneira alguns pais se tornam como que carcereiros do prazer
controlando as roupas da filha, a cor do seu batom ou do esmalte nas
unhas, o comprimento do vestido, os lugares aonde ela vai e com quem,
as impedindo de marcarem encontros e expondo essas meninas a ver-
dadeiros interrogatórios a todo instante. Os discursos são impregnados
de impressões negativas sobre relacionamentos, sexo, amor e homens e
acusações que fazem a garota Afrodite se sentir culpada de sequer ter tido
desejos sexuais.
Sob essa mentalidade, a menina aprende que sua Afrodite tem que
ser mantida presa. Poucas são as que conseguem manter a deusa viva e
pulsante (ainda que com responsabilidade) durante essa fase. Na maioria
das mulheres, independente da classe social, há sempre um nível de desco-
nhecimento acerca do próprio corpo, desinformação sobre como manejar
seu próprio prazer e fertilidade e padrões negativos com relação ao amor
e aos relacionamentos.
As mulheres carregam as marcas do cárcere para a vida adulta, onde

52 O Livro de Afrodite
terão que fazer um trabalho de resgate da Deusa. E essas marcas vão da
supressão de seu Ser à sintomas psicossomáticos de muitas naturezas.

Adulta
A cultura pop criou uma imagem de Afrodite completamente moldada
a partir do olhar masculino e de suas relações feridas com o feminino. Mas
Afrodite não é a femme fatale destruidora de lares que nos fizeram engolir. E
ela também não é o sinônimo de seios volumosos, decotes profundos, ca-
belos louros ou seja qual for o padrão de beleza da época. Nem tampouco
é a mulher que usa seu corpo como moeda de troca.
A mulher Afrodite reconhece a beleza nas coisas e em si e está con-
fortável consigo mesma ainda que esteja sem maquiagem e com um jeans
velho. Isso não impede que ela se divirta escolhendo seu próprio estilo de
se vestir ou de liberar a artista plástica que tem nela ao se maquiar. Muito
menos que ela encontre satisfação nas rotinas de cuidado com a pele e faça
delas um verdadeiro ritual de culto a si mesma. Não é narcisismo, nem
vaidade, é autoestima saudável e autogenerosidade.
Dificilmente segue conselhos dos outros, ela faz a sua própria lei. Ela
vê a vida com leveza e assim se movimenta, atraindo a atenção curiosa de
todos que querem se alinhar a essa energia tão rara de prazer por viver.
É esse o motivo de seu grande magnetismo pessoal. Por onde ela passa,
as pessoas se encantam com ela, com seu jeito e com a sensação que ela
transmite. Até os animais se derretem com a sua sensibilidade e ficam
pedindo por carinho.
Não é sobre beleza, nem sobre unha, cabelo, maquiagem, roupas de
grife e depilação em dia. É sobre ter aquele “mel”, como as plantas aromá-
ticas que atraem as abelhas, uma energia atrativa, um certo carisma. Você
deve conhecer alguma colega que não tem vaidade nenhuma e que vive
cercada de pretendes, ao passo que outras se arrumam todas e vão para a
pista e não conseguem nada.
Esse é o retrato de uma mulher com a Afrodite bem equilibrada e do-

Inspira - revistainspira.com 53
minante em sua psique.
Ela dá valor aos aspectos mais sociais da vida, adora festejar, celebrar a
vida, consumir tudo que é trabalho artístico e, às vezes, quando seus talen-
tos não foram por demais sufocados, se arrisca ela mesma em ser a artista.
Sua bússola é aquilo que a fascina, que faz seu coração vibrar descom-
passado. Ela não faz nada de que não goste, e quando faz pode saber que
está a contragosto, esperando a primeira oportunidade de dar no pé dessa
situação.

Maturidade
Em seu livro sobre os arquétipos das deusas na maturidade, Jean Shi-
noda Bolen descreve sobre Afrodite: “Quando a mulher envelhece, ela
pode se tornar invisível como objeto sexual, mas o arquétipo ainda pode
estar lá, independentemente. Sexualidade e sensualidade são inerentes a
uma mulher de Afrodite, quer os homens respondam ou não”.
Nessa idade, inclusive, muitas mulheres que passaram a vida sob a re-
gência de outros arquétipos podem, ao fim de casamentos muito rígidos e
castradores, redescobrir o seu lado mais sexual e se permitir novos amores
e aventuras de reencontro consigo mesmas.
Com sorte, a mulher Afrodite terá desenvolvido mais sabedoria com
os anos passados para não dar ouvidos a crenças maldosas sobre o corpo
maduro. Ou, do contrário, gastará o dinheiro da sua aposentadoria e suas
reservas financeiras tentando recuperar o rostinho, a pele e o corpo que
teve outrora; sem se lembrar de que a sensualidade não depende de corpos
padronizados, ela é uma forma de comportamento, de sentir e de agir no
mundo.
Com o passar dos anos, a senhora Afrodite deve estimular ainda mais
seu sentido de prazer pela vida e, quem sabe, descobrir novas formas de
prazer. Boa comida, bom sexo, boas experiências onde se pode enxergar
beleza e encantar-se com o mundo são como sustentações para que ela
continue encontrando seu sentido de viver e afaste as depressões e soma-
tizações decorrentes de discursos limitados sobre a velhice.

54 O Livro de Afrodite
O enigma do amor

O que é o amor? O que é amar?


Ouvirmos, vermos, pensarmos e falarmos sobre o amor é algo tão
cotidiano que acabamos por não refletir se realmente sabemos o seu sig-
nificado. Talvez seja igual ao tempo para Santo Agostinho, que certa vez
disse: “Se ninguém me perguntar, eu sei; mas, se quiser explicar a alguém

Inspira - revistainspira.com 55
que me pergunte, não sei”.
Tentar explicar o que é o amor é tão complexo que borbulha a mente
e a tinta da caneta até para os mais letrados, como poetas, escritores, no-
velistas – é por isso que essa temática que arrebata corações continua a
ser explorada. “O amor foge de todas as explicações possíveis”, poetizou
Carlos Drummond de Andrade.
Antes de ser enunciado, o amor estava presente como ato. É como di-
zem com o exemplo de que a Humanidade começou quando um ancestral
distante cuidou do ferimento do seu próximo. Ali estava a identificação e
o zelo, a cola afetiva que nos fez desenvolver como sociedade. Foi quando
passamos a refinar os nossos sentimentos e emoções para além da imi-
nência do risco à vida de um ambiente temeroso. Esse vínculo deixou de
ser apenas de proteção até a independência, para ser replicado em seres já
autossuficientes.
Podemos ter o vislumbre de como se originou o amor, se o olhar for
lançado para um bebê. Como Freud notou, a criança passa da animalidade
quase instintiva para a nossa sociabilidade pulsional, ao repetir, de forma
abreviada, a história etnográfica durante o seu desenvolvimento anímico.
A Psicanálise estrutura que o contato inicial com o amor é na primeira
infância, durante a relação entre o bebê e a mãe – ou alguém que tenha
esse papel maternal. A identificação do filho com a mãe é a primeira expe-
riência de laço amoroso. Para o bebê, não existe a separação entre os dois
seres. Após o crescimento da criança, há uma ruptura entre filho e mãe. É
devido à essa lacuna criada nos primórdios da vida, que sentimos a neces-
sidade de nos unirmos com o exterior: uma pessoa, um grupo, um ideal.
É essa lacuna que dita as vontades imperceptíveis, mas demonstráveis,
que moldam as ligações interpessoais, pois na vida madura, a busca é por
outras pessoas para ocuparem o lugar desse vazio deixado pelo objeto de
amor primal, que é o da mãe e voltado à mãe. É por isso que repetimos
inconscientemente, ao longo da vida, a forma que aprendemos a amar na
infância, ao tentarmos encaixar e modelar o outro para que ele caiba nesse
espaço vazio pré-moldado.

56 O Livro de Afrodite
“Em última análi-
se, precisamos amar
para não adoecer”.
Sigmund Freud
Ao longo dos milênios, a explicação da união por meio do amor ga-
nhou inúmeras perspectivas. O filósofo Platão, em O Banquete, nos apre-
senta uma ampla variedade de significados do que é o amor e por que
um corpo busca se unir ao outro. Comecemos pela busca da conexão
amorosa. No diálogo platônico, é narrado pelo comediante Aristófanes o
Mito do Andrógino. A Terra era habitada por três gêneros: o masculino, o
feminino, e um terceiro, andrógino – esse último, era a união entre os dois
gêneros: tinha uma forma esférica (a forma da perfeição para os gregos),
com duas cabeças, quatro braços e quatro pernas.
Os andróginos, por serem dessa forma perfeita, quiseram tomar o tro-
no dos deuses do Olimpo. Como castigo, Zeus dividiu os andróginos ao
meio com um raio e os espalhou na Terra. A partir de então, as metades
tentam se encontrar. E também se abrem as possibilidades de união: mas-
culino e feminino; masculino e masculino; e, feminino e feminino. A von-
tade que causa a busca desse retorno à natureza originária é encarnada na
figura de Eros, que Platão define como a personificação do amor.
Em O Banquete, o conceito do que seria Eros é ampliado por outras vo-
zes. Fédro argumenta que Eros é o deus mais antigo e o mais importante.
Para ele, quem ama se diviniza por meio do sacrífico. Pausânias afirma que
há dois Eros, divididos entre o bem e o mal: o amor da alma, que perma-
nece, e o amor do corpo, que perece. Já o médico Erixímaco defende o
amor saudável e harmonioso, capaz de equilibrar os contrários. Ágaton,
poeta trágico, enaltece as qualidades de Eros, que tem características telú-
ricas, carnais, mais do que divinais, no ato de amar. Sócrates discursa que
Eros é um gênio (daimon) mediador entre as almas, nem belo nem bom,

Inspira - revistainspira.com 57
filho do Recurso e da Pobreza; é por Eros que buscamos a imortalidade:
pelo ato de procriar ou pela ascensão por meio do saber. Sócrates ainda
argumenta que o desejo de saber está em nós, por sermos metade igno-
rância e metade sabedoria. Eros é, então, o amor pela beleza – sobretudo,
pela beleza do conhecimento.
Na obra de Platão, Eros não é filho de Afrodite, e sim seu acompa-
nhante, por ela ser bela e ele um amante da beleza.
Tão plural quanto o amor atribuído a Eros é o amor de Afrodite, que
não está limitado apenas ao amor romântico ou ao amor sexual. A analista
americana Jean Shinoda Bolen amplia a visão do amor de Afrodite: “O
amor platônico, a conexão da alma, a amizade profunda, a comunicação e
a compreensão empática são todas expressões de amor. Onde quer que o
crescimento seja gerado, uma visão mantida, um potencial desenvolvido,
uma centelha de criatividade encorajada – como pode acontecer com a
consultoria, o aconselhamento, a paternidade, a direção, o ensino, a pu-
blicação e fazer psicoterapia e análise – então Afrodite lá está, afetando
ambas as pessoas envolvidas”.
Mas quem inventou o amor como o conhecemos hoje?
Para saber isso, temos que direcionar nossa perspectiva para o passado.
Mais especificamente para a Idade Média, na França. Nesse período, artis-
tas entoavam cantigas acompanhados de instrumentos musicais: eram os
trovadores. Foram eles que germinaram e espalharam uma nova palavra
na Europa, a atualizar outros dois significados mais usuais: essa palavra era
“amor”. Anterior a isso, só existia a luxúria, destinada ao amor carnal entre
os corpos, e ágape, o amor coletivo, como contou o mitólogo Joseph Cam-
pbell. Com o amor espalhado pelos trovadores, o sentimento de destinar
o bem e o carinho a uma pessoa específica foi pessoalizado, atualizado e
nomeado, podendo, assim, ser percebido e entendido.
Com essa palavra chegando em novas bocas, também se notou os de-
talhes. Por exemplo, que “amor” é o contrário de “Roma”. Além da brin-
cadeira morfológica, o que se queria dizer é que o amor – constituído pela
individualidade da escolha, já que ninguém escolhe por você a quem amar

58 O Livro de Afrodite
– é diferente de Roma, que simbolizava a institucionalização dos contratos
pela Igreja, um desses contratos era o casamento. O amor de Roma é mais
próximo à deusa Hera, pelo casamento e vínculos institucionalizados, do
que à Afrodite, que é o amor ligado à individualidade de escolha.
Mais de dois milênios após Platão, o amor passou da beleza pelo co-
nhecimento aos contratos conjugais firmados não pelo afeto, e sim pelos
interesses entre as duas famílias, durante o Medievo até a Era Vitoriana.
Hoje, aparentemente, não é assim. O amor se manifesta de uma for-
ma volátil, como a água, a escorrer entre as mãos dadas. Segue o ritmo
fugaz e impermanente, como as modas. Tal qual um objeto em oferta, as
pessoas se exibem nas vitrines digitais dos sites de relacionamento. Com
a rapidez de um clique, a tentativa de achar a metade perdida é colocada
em busca. A separação entre as partes também é feita na mesma rapidez
de um clique.
O amor pelas coisas reflete no amor pelas pessoas, e pessoas acabam se
confundindo com coisas. É o consumismo afetivo, que faz as pessoas se
colocarem como mercadoria atrás de outras mercadorias com obsolescên-
cia programada. O sociólogo Zygmunt Bauman, que cunhou a liquidez do
amor hodierno, diz que as pessoas aceitam ser “consumidas” e descarta-
das como um produto devido à carência e ao medo da solidão.
Entramos na esteira do consumo como produtos na segunda metade
do século XX. Como a socióloga dos afetos Eva Illouz notou, o mercado
de consumo de bens é limitado: não há como e nem por que comprar
cinco geladeiras ao mesmo tempo. O que sobra, então, como produto de
infinito consumo são os corpos e as emoções. “Essa crescente sexualiza-
ção se produz em um contexto em que o indivíduo se torna mercadoria.
Hoje nos consumimos uns aos outros e mostramos o espetáculo de nos-
sos próprios corpos aos outros”, comenta Illouz.
O utilitarismo do amor parece um retorno ao amor vitoriano, baseado
nos interesses instantâneos que o outro pode promover, mas agora com
contratos voláteis, com base no checklist das compatibilidades e das qua-
lidades de alguém. A compatibilidade vira a busca pelo igual, quase uma

Inspira - revistainspira.com 59
cópia. É aí que se torna difícil amar o que é diferente de nós.
O amor de Afrodite é a atração pelo o que é diferente: Hefesto, Her-
mes, Ares trazem características distintas à Deusa, para compor e somar
na união. Os dois lados crescem e se desenvolvem nessa conexão de dife-
rentes. Já o amor de Narciso, que só ama o que é espelho, busca um igual:
alguém que reafirme suas características, ao não contrapor, ou mesmo,
aquele que é capaz de se anular para refletir sua imagem.
Como amar é um ato de troca – consiste em receber, mas, sobretudo,
em dar amor –, o narcisista, que é egoísta, só tem interesse em si mesmo e
não sente prazer no ato de amar, somente no ato de ser amado. “Não pode
ele ver senão a si mesmo; julga tudo e todos pela utilidade que lhe possam
ter; é basicamente incapaz de amar”, escreve o psicanalista Erich Fromm.
Com esses tipos de relacionamentos imaturos destituídos da percep-
ção do outro como um ser completo (e igualmente complexo), o respeito
é a primeira virtude a se esvair, e com ele vão juntos outros pilares do
relacionamento, como o cuidado e a responsabilidade afetiva.
A falta de responsabilidade afetiva dentro de um relacionamento cul-
mina, muitas vezes, com uma mensagem de texto para explicar o térmi-
no. Nos últimos anos, outra forma de término de relacionamento ganha
popularidade: o ghosting. Derivado da palavra inglesa ghost (fantasma), a
pessoa some do mapa, sem dar explicações, para deixar subentendido o
fim da relação.
Outra característica que aponta a falta de responsabilidade afetiva
dentro do relacionamento é a prática de jogos afetivos, com intuito de
criar ciúmes no parceiro. Às vezes entendidos como “apimentadores” dos
relacionamentos, esses jogos são expostos no tabuleiro dos afetos com
fichas de desequilíbrio e insegurança – quando, para algumas das mãos,
essa regra não faz parte de um acordo (mesmo que velado), o outro passa
a ser adversário. Assim, fica difícil virar o jogo, ou transformar a relação
em algo bom, pois não há como saber onde apostar as fichas das virtudes.
William Shakespeare colocou em cena o jogo afetivo na peça Antônio
e Cleópatra. A rainha do Egito ordena a Alexas, um de seus servos, ir atrás

60 O Livro de Afrodite
de Antônio, e orienta: “Vê onde está, com quem e o que faz: não te man-
dei. Se o encontras triste, diz-lhe que danço; e, se alegre, diz-lhe que, num
repente, adoeci”.
Devemos entender que se o diagnóstico do amor atual feito pelas óti-
cas dos sociólogos não é tão bom, o prognóstico, o desenvolvimento futu-
ro, é por nossa conta: se vamos replicar o que está sendo feito, sem pensar
se isso nos causa prazer, ou se vamos ser a parcela que refloresta o campo
do amor com uma flora de fecundas plantas.

“Ser profundamente amado por


alguém lhe dá força. Amar
profundamente alguém, por
sua vez, lhe dá coragem”.
Lao-Tsé

Se por um lado amamos, por outro lado – também dentro das nossas
latências pulsionais – destruímos. Violência, assassinatos e guerras tam-
bém são produtos da natureza humana. Em 1932, Albert Einstein pergun-
tou para Freud “Por que a guerra?”. Como antídoto à aniquilação generali-
zada, Freud disse que a criação de vínculos amorosos é o equilíbrio a esse
potencial destruidor que também reside em nós.
E por que amar dói?
Imagine uma engrenagem feita de carne e nervos. É muito além da for-
ça maquínica de uma peça; ela é carregada de uma complexa subjetividade.
Seu ritmo e seus polos de contato são variáveis e mutáveis. O desafio:
encontrar uma outra engrenagem de carne, nervos e subjetividade, com
dentes diferentes e num outro ritmo, e se conectarem. Toda essa metáfora
é a dor do amor, que é causada pelo contato com o diferente e com uma

Inspira - revistainspira.com 61
dose de necessidade do domínio da forma e do ritmo da outra engrena-
gem. É uma vesícula viva, como Freud metaforizou sobre o Eu corporal
detentor da libido.
A engenhosa arte da união consiste na busca da harmonia e do equilí-
brio entre essas engrenagens distintas e quase-autômatos frente ao outro.
Mas dentro desse “quase” existe um universo amplo em constante des-
truição e reconstrução. Por isso, a união necessita de manutenção constan-
te: reajustar o olhar, ceder, reaprender sobre si e sobre o outro.
Mas se a dor é a única tônica do relacionamento, um alerta deve ser
ligado: pode ser que a recíproca de dar e de receber o amor não está sendo
cumprida por uma das partes. Então, deve-se olhar para os pilares básicos
de uma relação amorosa digna: cuidado, responsabilidade afetiva, respeito
e conhecimento do outro, como explicaremos a diante. Se algum desses
pilares estiver fragilizado ou faltando, se pergunte se há amor na relação.
A busca por compatibilidade é uma das questões fundamentais no iní-
cio de uma relação amorosa. Algo óbvio, muitas vezes negligenciado ou
maquiado. Assim, antes de tudo, saiba como você se constitui e quais são
os seus interesses. Se você é sólido e se mistura com alguém líquido, quem
se desfaz é você. No mínimo, então, busque um estado de equilíbrio – algo
acordado entre as partes. Caso contrário, você é liquefeito na fluidez dos
afetos. Portanto, não se desfaça para dançar a música de outra pessoa. No
final deste capítulo, trazemos a história de Lady Ragnell e Sir Gawain, que
fala sobre isso.
Em tempos como os atuais, de hiperconexão e, paradoxalmente, de
crescente solidão, fica a pergunta: como entender sobre o amor sem ter a
quem amar?
O filósofo suíço Alain de Botain se fez esse mesmo questionamento.
Para Botain, a solidão estimula enxergarmos a importância do amor em
nossas vidas. Sendo o amor uma habilidade, mais do que um sentimento,
faz com que possamos buscar no outro o que há de amável, pois é uma
prática, um ato.
Para quem está só, o amor pode se manifestar para além da forma

62 O Livro de Afrodite
do objeto: para um animal de estimação ou para um trabalho ou hobby.
O amor não precisa estar, necessariamente, direcionado a uma pessoa. E
para amar não precisa estar próximo: o amor quebra fronteiras, as que te
separam de quem está distante fisicamente. É possível direcionar toda sua
vontade de bem e de beleza para o exterior, próximo ou distante, e cons-
tituído de todas as formas. Não existe uma fórmula do que ou de quem
amar, nem tanto de como amar. Somos livres para criar e crescer junto
com essa arte em ação.
Se não existe fórmula certa para amar, cada um ama o que quer e como
quer; existem, sim, virtudes que devem estar presentes no amor. Essa uni-
versalidade depura os nossos atos de amar. Como já mencionamos, o psi-
canalista Erich Fromm elenca quatro elementos básicos do amor: cuidado,
responsabilidade, respeito e conhecimento.
O cuidado é a preocupação verdadeira pela vida e pelo crescimento
daquilo que amamos. Significa também um trabalho, uma aplicação de real
energia psíquica para que o objeto desse amor resista e cresça.
O próximo elemento básico do amor em ação é a responsabilidade.
Você já ouviu falar em responsabilidade afetiva? É sobre isso. Significa
o ato voluntário de estar atento e disposto a agir diante das necessidades
psíquicas de outro ser humano. É se tornar responsável por aquilo que
cativou, ser prudente e sincero com relação a isso.
Sem dúvida, a responsabilidade poderia virar dominação e posse, a não
ser que tenha outra virtude presente: respeito. O respeito é a capacidade
de olhar para uma pessoa e vê-la como aquilo que ela é, e não como aquilo
que pode vir a ser ao atender as suas necessidades e idealizações. Respeitar
é descobrir que ninguém é igual a ninguém, e que esse limite não deve ser
ultrapassado. Porque amar é respeitar a individualidade do outro, e não
gerar um duplo seu.
Há também o conhecimento. Amar exige conhecimento – do outro e
sobre si também. Ao mesmo tempo em que o próprio amor é uma via de
conhecimento: aprendemos a amar, amando. Sobre isso, Fromm escreve:
“preciso conhecer-me, e à outra pessoa, objetivamente, a fim de poder ver

Inspira - revistainspira.com 63
sua realidade, ou melhor, de superar as ilusões, o retrato irracionalmente
desfigurado que tenho dela”.
Devemos lembrar que a vontade de amar é a vontade de união; é a
união de todas as características. Principalmente para a união romântica
duradoura, é necessária essa percepção de força catalisadora e multiplica-
dora. As características iguais ou similares ficam acentuadas para os dois.
Já as características opostas, nos melhores casos, tendem a seguir o cami-
nho do meio, da atenuação entre as diferenças. É por isso que devemos
prestar atenção com quem vamos nos unir. Essa conta matemática de adi-
ção e de subtração é, também, feita com as nossas características latentes.

“O amor é o bem último e


supremo que pode ser
alcançado pela existência
humana”.
Viktor Frankl
Apesar das infindáveis obras que refletem sobre o amor – do cinema à
música, da pintura às novelas – necessitamos aprender a amar, justamente
por esse esvaziamento de sentido – tantas vezes falado, que nos aparenta
ser senso comum.
Essa diluição de sentido também criou uma estrutura perpetuada em
filmes, por exemplo, em que se enaltecem características cambiáveis de
amor, para o homem e para a mulher. Para os homens, é amado quem
tem sucesso, poder e riqueza. Para as mulheres, é amada quem se torna
atraente, pelo corpo e pelo vestuário. Sobre isso, Fromm escreve “o que a
maioria dos de nossa cultura considera ser amável é, essencialmente, uma
mistura de ser popular e possuir atração”.
Há três séculos, o moralista francês La Rochefoucauld afirmava que,

64 O Livro de Afrodite
se a temática do amor não estivesse presente nos romances escritos, o
amor nunca seria conhecido por nós. Já que para conhecermos o amor,
necessitamos de sua manifestação aparente: além da ação, também na fala.
Por isso, o “eu te amo” deve ser enunciado. É justamente pelo esva-
ziamento de sentido, que deve ser preenchido e retomado com o sentido
genuíno – ao ser enunciado a quem realmente é amado. Caso contrário,
essa frase amorosa só é dita em ocasiões inapropriadas, como um sinô-
nimo de “gostar muito”. Ou, às vezes, é dita tarde demais. Ou mesmo,
não enunciada, como se houvesse um sentido subentendido de amor pela
pessoa amada: “ela sabe que eu a amo; não preciso dizer”. Amar é ação,
mas é também discurso, pois criamos essa necessidade na nossa linguagem
e na nossa psique.
Nos primórdios, amar era um ato antes de ser verbo. Hoje, o amor
é prosa com resquícios de poesia. É esse potencial poético, de real en-
cantamento, que temos de resgatar. E resgatamos esse potencial somente
amando: um gerúndio que reforça uma ação em continuidade.
Ou, numa outra visão, amar é verbo intransitivo, sem a necessidade
de complementos para ter o seu sentido, como notou o poeta Mário de
Andrade.
Afinal, enunciar o amor é, sobretudo, uma autoexpressão. Essa auto-
expressão enunciativa dos sentimentos é feita por e para você (e também
para outros). Mas sem deixar que essa pérola-discursiva seja classificada
como plástico de bijuterias bregas. O amor é brega só para quem não está
amando.
Em outras palavras, dizer “eu te amo” deve ser uma demonstração
sincera da importância de algo ou de alguém na própria vida. O esforço é
para que não exista um interdito enunciativo do amor, como uma volun-
tária alexitimia – nome que os psiquiatras dão à incapacidade de verbalizar
os sentimentos. E para quem ouve, o ser amado, que não seja uma afasia
conveniente, ao entender as palavras amorosas só de quem convém.
Amar também é um processo de reciclagem. O pensador francês Ed-
gar Morin nota que tudo o que está na natureza respeita a lei da desinte-

Inspira - revistainspira.com 65
gração, até mesmo os laços afetivos. É por isso que temos a necessidade
de incluirmos a ação de reciclagem dentro dos nossos vínculos amorosos.
Um relacionamento sadio e duradouro, mesmo que não se perceba, passa
por esse processo de reciclagem, porque tudo acompanha as nossas mu-
danças. “O amor implica a regeneração permanente do amor nascente”,
escreveu Morin.
O psicanalista Erich Fromm acredita que, assim como viver, amar é
uma arte. E, como uma arte, é necessário aprender a teoria e a prática.
Se a prática achamos que a conhecemos bem, a teoria deve começar a ser
entendida a partir da teoria da natureza humana. Deve-se compreender as
contrariedades: como toda natureza, existem as belas plantas e as plantas
venenosas; os aromas e os espinhos humanos. Entender isso, facilita a
prática do amor como arte.
“Os limites da nossa linguagem são os limites do nosso mundo”, es-
creveu o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. Essa é a importância de
ampliarmos o nosso vocabulário. Nesse caso, o vocabulário dos nomes
do amor.
Será que o significado de amor muda conforme à língua? Será que
existe apenas um significado do ato de amar?
Essas perguntas foram levantadas por Tim Lomas, linguista e Profes-
sor de Psicologia Positiva na Universidade do Leste de Londres. Durante
uma pesquisa, Lomas reuniu mais de 600 palavras, em vários idiomas, que
se referem ao amor. Assim, ficou claro que cada povo tem sua forma de
conceber o que é o amor e seus “sabores” – Lomas utilizou “sabores” por
entender que cada situação pode reunir múltiplos significados, ao mesmo
tempo, do que é o amor, assim como vários sabores reunidos num prato,
ao bel prazer de cada degustador.
Para ampliar e caracterizar toda a complexidade que envolve a palavra
amor, Lomas pinçou 14 acepções fundamentais, divididas em quatro ca-
tegorias diferentes.

66 O Livro de Afrodite
A primeira categoria é do amor im- mas a partir da dependência e inti-
pessoal, pelas coisas, ações ou lugares. midade com o ser amado;
Eros – é o amor estético, a partir Epithymía – é o amor que acen-
da apreciação de objetos ou con- de com os desejos sexuais e as
ceitos; paixões românticas, cíclico e pas-
sageiro;
Meraki – significa “sabor”, é o
amor por ações, vivências e expe- Paixnidi – amor romântico por
riências; nossos afetos, a ternura que temos
por algo, como a um filhote;
Chórus – o amor territorial, que
sentimos por determinados luga- Pragma – que significa “coisa”,
res, como o nosso lar ou a nossa traz o sentido do amor que é dura-
pátria. douro e prático, por meio do com-
promisso;
Anánkē – é o amor à primeira vis-
A segunda categoria de amor é o não-
ta, que, já no contato inicial, cria
-romântico.
uma necessidade de conexão;
Storge – o amor gerado pelo ato
de cuidar e de proteger, o elo em
destaque nas famílias; A quarta e última categoria do amor são
os transcendentais, que passa do sujeito
Philia – designa o amor que for-
para o coletivo.
ma os laços afetivos com os ami-
gos, é desapaixonado; Agápe – relacionado à caridade e
à compaixão, é o amor altruísta,
Philautia – é o amor-próprio, por
que quer fazer o bem ao próximo;
nós mesmos, que edifica a nossa
autoestima e autocuidado; Koinonía – o amor gerado por
pertencer a um grupo, que resulta
numa capacidade de sacrifício pes-
A terceira categoria é para o amor ro- soal em vista do coletivo;
mântico.
Sévomai – é o amor a uma divin-
Mania – é o lado “azedo” do dade ou ao mistério do Universo.
amor, que é gerado pelos proble-

Inspira - revistainspira.com 67
VOCÊ E O AMOR
Para cada uma das palavras abaixo, escreva as primeiras
associações que lhe vierem à mente:
Amor:
Romance:
Alma-gêmea:
Amar:

Analise o que você escreveu e refita se tem algo em co-


mum com o que você pensa do amor e com as suas rela-
ções amorosas.

O que mais você ouviu falar sobre esse sentimento? (mãe,


pai, amigas/amigos, mídia, religião, leituras/escola/univer-
sidade).

68 O Livro de Afrodite
O que você realmente acha sobre o amor?

Quais dos nomes do amor são os mais presentes na sua vida


e na sua personalidade? Volte à lista da página 66 e tente
se lembrar de quando sentiu cada tipo de amor pela última
vez ou da maneira mais marcante.

Inspira - revistainspira.com 69
COMO É SENTIR?
Se você tem um relacionamento com alguém, responda
aqui. Se você não tem, apenas pense numa pessoa que
você ama muito (pode ser também alguém da família ou
amigos).

O que lhes atraiu um ao outro? Como foi esse período em


que vocês se conheceram e resolveram que deveriam fcar
juntos? Lembrar do que lhes uniu pode ser restaurador.

Liste 5 coisas que você ama amar na pessoa que está com
você. O que você vê nela com amor diz muito sobre você
mesma.

70 O Livro de Afrodite
OS QUATRO ELEMENTOS
O psicanalista Erich Fromm afrma que são quatro os
elementos básicos de qualquer forma de amor: cuidado,
responsabilidade, respeito e conhecimento. Como andam
esses assuntos no seu relacionamento atual?

Cuidado
Quando você está num relacionamento, prefere ser cuida-
do ou busca cuidar?

De um lado, escreva as formas de cuidado que você bus-


ca num relacionamento. Do outro, escreva as formas que
você utiliza para cuidar, nutrir e fazer essa relação crescer
forte. Se você ainda não faz isso, pense em algumas for-
mas de cuidar numa relação.

Inspira - revistainspira.com 71
Responsabilidade
Você é prudente com os sentimentos que despertou
voluntariamente nos outros? Esse é um lado sombra de
Afrodite: a sedução pela sedução, os jogos amorosos, o
ferte pelo puro prazer de testar seu poder em se fazer
desejada. Você já passou a impressão de estar encantada
por alguém quando, na verdade, não estava? Que par-
te de você te motivou a fazer isso? Certamente há uma
deusa ferida aí precisando se ver no encantamento do
olhar do outro. Você não precisa disso, você se basta. A
Deusa do Amor é você mesma!

“Tu te tornas eternamente


responsável por aquilo que
cativas”,
disse a raposa ao
Pequeno Príncipe.
72 O Livro de Afrodite
Respeito
Você é você mesma quando está perto da pessoa amada?
Abordamos mais sobre isso no capítulo sobre Autoestima.

Você deixa a pessoa amada ser ela mesma ou é do tipo


que exige mudanças, transformações inalcançáveis da
parte do outro? Quando você está em um relacionamento,
as individualidades conseguem ser respeitadas? Ou você
está sempre criando um quadro desagradável para im-
pedir que o seu companheiro(a) seja ele(a) mesmo(a) e
realize seus próprios desejos no mundo? Pense profunda-
mente sobre isso e escreva suas refexões abaixo.

Inspira - revistainspira.com 73
O casamento de Sir Gawain e Lady Ragnell

Um antigo conto inglês do conjunto das lendas arturianas retrata bem


o que o respeito é capaz de construir em uma relação. Essa narrativa foi
contada no livro The Heroine’s Journey, da psicoterapeuta Maureen Mur-
dock, como um retrato da cura dos princípios masculino ferido e do femi-
nino distorcido. A história se passa no século XIV em uma Bretanha rural.
Tudo começa quando, durante uma caçada, Artur é poupado da morte
pelo terrível Sir Gromer, que procurava vingança por ter perdido suas
terras. Mas esse livramento é temporário. O rei da távola redonda deveria
retornar a esse mesmo lugar dentro de um ano com a resposta correta
para a pergunta: “O que é que as mulheres mais desejam, acima de tudo?”.
Se ele acertasse, poderia seguir com sua vida, caso contrário Sir Gromer
terminaria o que começou.
Durante os doze meses que se seguiram, Artur e seus cavaleiros coleta-
ram respostas por todo o reino, mas nenhuma soava verdadeira. Faltando
poucos dias para o reencontro com o temível senhor de terras, Artur en-
controu uma mulher grotesca enquanto cavalgava. “Ela era quase tão larga
quanto alta, sua pele era mosqueada de verde e seu cabelo parecia com
ervas daninhas. Seu rosto parecia mais animal do que humano”, assim é
descrita Lady Ragnell.
Sabendo do tormento do rei no último ano, a estranha mulher fez uma
proposta: daria a Artur a resposta certa se seu cavaleiro Gawain aceitasse
se casar com ela. Artur disse que não poderia fazer isso a seu sobrinho,
ao que Lady Ragnell retrucou: “Eu não pedi para você me dar o cavaleiro
Gawain. Se o próprio Gawain concordar em se casar comigo, darei a você
a resposta. Esses são os meus termos”.
Como Artur poderia pedir que um de seus melhores cavaleiros entre-
gasse a vida em um casamento com essa mulher tão horrenda apenas para
lhe salvar? O rei estava sem esperanças. Mas quando contou a Gawain so-
bre a proposta de Lady Ragnell, o cavaleiro ficou entusiasmado e aceitou
a oferta sem titubear. Ele poderia salvar a vida de Artur e isso enchia seu

74 O Livro de Afrodite
coração de honra!
No dia seguinte, Artur viajou ao encontro de Sir Gromer, afinal, o pra-
zo tinha se esgotado. O rei ainda tentou dar outras respostas, mas nenhu-
ma era a correta. Quando Sir Gromer estava erguendo sua espada para o
golpe fatal, ele deu a resposta de Lady Ragnell: “O que uma mulher deseja
acima de tudo é o poder da soberania – o direito de exercer sua própria
vontade”. O senhor Gromer ficou revoltado e saiu maldizendo a irmã. Ela
havia dado a resposta a Artur e o livrado da morte.
No mesmo dia, Gawain e Ragnell se casaram diante de uma corte cho-
cada pela feiura da noiva. Assim que entraram no quarto de núpcias, Lady
Ragnell pediu um beijo, sendo imediatamente atendida pelo marido. No
mesmo instante, a figura monstruosa se transformou em uma linda mu-
lher, de traços serenos e sorridentes. Vendo o espanto de Sir Gawain, ela
explicou que seu meio-irmão – Sir Gromer –, descontente por Ragnell
não se permitir ser por ele subjugada, encomendou um feitiço que a apri-
sionaria a um corpo monstruoso até que o maior cavaleiro da Bretanha a
escolhesse para esposa por livre vontade.
Mas, agora, Gawain tinha que fazer uma escolha, continuou ela: “Serei
monstro de dia e bela à noite, para o seu deleite? Ou serei bela de dia, para
seu prestígio na corte, e monstruosa à noite?”.
Gawain pensou por um momento, ajoelhou-se diante da esposa tocan-
do sua mão e disse que essa era uma escolha que ele não poderia fazer,
pois era uma escolha apenas dela. O que quer que ela escolhesse, ele a
apoiaria de bom grado.
E, nesse momento, a bela senhora Ragnell explodiu de alegria, pois a
resposta de Gawain era a resposta certa para quebrar o feitiço por comple-
to, e ela poder ser sua versão real por tempo integral!
O casamento de Sir Gawain e Lady Ragnell é sagrado. Ambos fizeram
a escolha consciente e voluntária de estarem juntos e, por isso, entendem
que devem respeitar a essência de cada um. O respeito é o que convida a
beleza a permanecer entre os dois por tempo integral. Sir Gawain entende
que Lady Ragnell é um ser humano completo, dotado de suas próprias

Inspira - revistainspira.com 75
vontades e modos de existir no mundo. Lady Ragnell, por sua vez, entende
que Sir Gawain também é dono de suas próprias escolhas. E, se ambos
entendem isso, eles entenderam tudo!

“Quem nada conhece, nada


ama. Quanto mais conhecimen-
to houver inerente numa coi-
sa tanto maior o amor...”
Paracelso

Conhecimento
Como lembra o alquimista Paracelso, amar pressupõe co-
nhecer a pessoa a quem destinamos amor. Pense em al-
guém que você ama muito: namorado(a), marido, esposa,
mãe ou pai, amiga(o). Agora tente responder às seguintes
questões sobre eles. Não se culpe se você não souber res-
ponder. Aliás, fca o convite que para que você use essas
perguntas como uma forma de se conectar ainda mais a
essa pessoa. Pergunte a ela!

Qual é a cor favorita?


Qual é o seu principal medo?
Qual é o principal sonho?
Qual era a brincadeira favorita de infância?
O que pensa sobre deus?
Pelo que esta pessoa é mais agradecida na vida?
Qual é a sua música favorita?
Como seria um dia perfeito para esta pessoa?
O que a tira do sério?

76 O Livro de Afrodite
Qual é o assunto favorito dela?
Qual foi o momento mais difícil da vida dela até hoje?
O que faz esta pessoa chorar?
E o que a faz morrer de rir?
Como ela reage a um insulto?
Como ela reage a um elogio?
Quem são as pessoas que ela mais admira e por quê?
Se você pudesse escolher qualquer presente do mundo, qual
essa pessoa adoraria ganhar?

Inspira - revistainspira.com 77
SER AMADA
Você se sente amada? Você se sente amada como pensa
que deveria ser amada? De que modos você gostaria de
ser amada?

como eu amo?
A maioria de nós pensa no amor sob a perspectiva do ser
amado – esse é o grande desejo do humano – e não do
lugar de quem ama. Já parou para pensar em como você
ama? Qual é o seu jeito de amar? O que você faz à pessoa
que ama? Como trata a pessoa que está amando? Como
demonstra isso a ela? Quando você ama, o que você exige
de você?

78 O Livro de Afrodite
E de um modo mais geral, fora das relações romântico-afe-
tivas, como você expressa amor na sua vida?

Demonstrar amor é fraqueza? Amar é fraqueza? Quantas


vezes você diz para as pessoas que você as ama, que você
gosta delas, que você as aprecia, que acha que elas transmi-
tem alguma coisa que te põe em um estado positivo? Você
costuma verbalizar isso? Se não, demonstra isso de alguma
outra forma? Qual?

Imagine que está dizendo “eu te amo” para uma dessas pes-
soas. Imagine tudo: o cenário, como estão vestidos, a hora do
dia em que isso acontece e simplesmente diga “eu te amo”.
Quais sensações você sente a partir dessa imaginação?

Inspira - revistainspira.com 79
QUEM AMAMOS?
Quem é a pessoa com quem você sempre pode contar? Es-
creva o nome dela e relembre 3 motivos pelos quais ela é
tão especial. Não deixe essa pessoa se afastar.

Escreva uma carta para essa pessoa contando que você a


ama e descrevendo como ela faz você se sentir. Entregue
apenas se se sentir à vontade.

80 O Livro de Afrodite
É AMOR OU UTILIDADE?
Você é amada ou você é útil? Você se doa e depois se
esquece de você? E o contrário? Você está amando ou
utilizando as pessoas para se sentir bem? Será que você
tem o costume de coisifcar as pessoas, enxergá-las como
objetos para se chegar a determinado fm? Faça uma lista
das pessoas com quem você mais interage e escreva as
possíveis utilidades que elas têm pra você. Afrodite lem-
bra que o amor não tem nada a ver com status, muito
menos com ter um relacionamento só para ser aceito so-
cialmente ou porque isso é o “normal” a ser feito. Depois,
faça a pergunta: eu ainda amaria esta pessoa se ela não
me fosse útil de alguma forma? Como você poderia olhar
para essas pessoas com mais amorosidade?

Inspira - revistainspira.com 81
AMAR É SE CONHECER
Escreva uma lista com 15 coisas, pessoas, experiências e
sensações que você ama. E depois observe quanto de você
existe naquilo que ama.

1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.

82 O Livro de Afrodite
O desejo
Certa vez, no Olimpo, desprestigiada e desconsiderada a ponto de não
ter sido convidada para o casamento do rei Peleu com a ninfa Tétis, a deu-
sa Éris, da discórdia, resolveu colocar em ação a sua vingança. Ela entrou
de penetra na cerimônia e lançou pelo salão, entre as convidadas reunidas,
uma maçã de ouro onde estava gravado “para a mais bela”.
Essa maçã logo foi encontrada pelas deusas Hera, Atena e Afrodite,
que, vaidosas cada uma a sua maneira, reivindicaram o título para si. Zeus
foi solicitado para decidir sobre a questão, mas se esquivou da responsabi-
lidade, endereçando o veredito a Páris, um mortal que, segundo ele, sabia
apreciar a beleza feminina.
As deusas concordaram e foram ao encontro de seu juiz. Hera tentou
suborná-lo, oferecendo-lhe reinos na Ásia. Atena fez o mesmo; em troca
da maçã, lhe tornaria invencível em todas as batalhas. Afrodite, por sua
vez, lhe prometeu a mulher mais bela do mundo se a maçã dourada fosse
sua e Páris aceitou a oferta da Deusa do Amor.
Acontece que a mulher mais linda do mundo era Helena, que já estava
casada com o rei Menelau. Fazendo com que Helena se apaixonasse por
Páris, Afrodite com certeza sabia que estava mexendo em um vespeiro. O
desejo da Deusa se impôs acima de qualquer outra coisa desencadeando
a Guerra de Troia, o combate mitológico mais importante da literatura
grega antiga.
Com essa história, fica claro que o arquétipo de Afrodite, quando cons-
telado em nossa mente, não mede esforços para conseguir o que deseja, o
que é verdadeiro para ela e o que ela pensa merecer. O desejo dessa Deusa
é tão forte que, por querer ser eleita a mais bela e receber a maçã de ouro,
não se importa em fazer uma guerra acontecer.
Inclusive, guerras acontecem quando você mobiliza decisões a partir

Inspira - revistainspira.com 83
do seu próprio desejo. Isso é natural. Assim como Afrodite tem como
amante Ares, o deus da guerra, o desejo anda acompanhado da destruição
e do risco. A destruição da expectativa de outras pessoas, a desintegração
de um modelo de vida antigo para abrir espaço ao novo ou a destruição de
antigos ideais do eu aos quais fomos instruídos a ter simpatia. A questão
é que poucos sabem lidar com isso.
A união desse casal sagrado se tornou tão repulsiva para o padrão de
sociedade em que vivemos, que o analista junguiano Gustavo Barcellos
sugere que esse entrelaçamento talvez seja o mais reprimido em nossa
milenar cultura judaico-cristã. E por quê?
Porque, sem eles, nossa libido/energia psíquica pode ser domesticada,
freada e direcionada em nome de qualquer desejo que for ditado para nós
de cima para baixo. Só assim topamos submeter o nosso desejo pessoal,
e nossa capacidade de nos arriscarmos por eles, ao projeto que o coletivo
tem para nós.
Alguns de nós estamos tão acostumados a sermos bloqueados, detidos
e a ter pedidos negados, que o “querer não é poder” é um pensamento
que ecoa em nossas mentes como um mantra ligado no automático. Com
o tempo, vamos nos esquecendo de querer. Ou querendo os quereres dos
outros, quereres emprestados. Muitos nem mesmo questionam se real-
mente querem o que desejam.
Sem percebermos, acabamos transformando o outro num norte, que
nos diz e nos mostra o que devemos desejar: o que os outros fazem (con-
formismo) ou o que os outros querem que façamos (totalitarismo), como
nos lembrou o neuropsiquiatra Viktor Frankl.
Para o escritor português Alexandre Herculano, “querer é quase sem-
pre poder: o que é excessivamente raro é o querer”.
Já Freud tem outra perspectiva sobre isso. Para ele o querer, o desejo,
é o que move toda a atividade psíquica do humano. Isto é, o desejo tem a
função de nos mover pela vida. O desejo é uma força.
Em sua interpretação, o desejo está sempre presente, embora nem

84 O Livro de Afrodite
“Muitos não querem saber qual é o seu desejo,
porque poderia parecer impossível ou pertur-
bador. Mas mesmo assim o desejo é o caminho da
vida. Se você desconhece o seu desejo, então
você não segue a si mesmo mas vai em direção
a caminhos estranhos que os outros indicaram
para você.

Então você não vive a sua própria vida, mas uma


vida alienada. Mas quem deve viver sua própria
vida senão você mesmo?

É não apenas estúpido trocar a sua vida por


uma vida alienada, mas também um jogo hipócri-
ta, porque você nunca poderá viver realmente
a vida dos outros, você pode apenas pretender
fazê-lo, decepcionando os outros e você mesmo
já que só você pode viver sua própria vida”.
Carl G. Jung

Inspira - revistainspira.com 85
sempre se apresente em palavras ou seja acessível à nossa consciência. Ele
inclusive se camufla para não ser descoberto por nossa mente consciente,
porque talvez não teríamos a estrutura de sustentá-lo, até porque alguns
desses desejos não se identificam com quem somos em nossa superfície.
Por isso, a percepção de Freud é de que a realização desse desejo aparece
de forma distorcida no conteúdo dos sonhos.
Cabe lembrar que o desejo nos move a partir de duas naturezas que se
manifestam como impulsos. E aqui de novo aparece o casal real: uma des-
sas pulsões é voltada para o prazer (Afrodite), que se manifesta, por exem-
plo, na atração sexual e na autossatisfação, na criatividade, na arte e no
trabalho. A outra, relacionada à destruição (Ares), pode ser observada na
autossabotagem e na inveja, por exemplo. Freud as nomeou como Pulsão
de Vida (ou Pulsão de Eros) e Pulsão de Morte (ou Pulsão de Thanatos).
O desejo nasce na infância, onde tudo é informação sensível passível
de proporcionar prazer, físico ou que se sente no físico. Uma dessas ex-
periências marca mais do que as outras, e vivemos atrás dessa sensação de
novo. É ela que muitas vezes direciona nossas fantasias, nossos pensamen-
tos, nossas vontades e compulsões involuntários. É dela que surge aquela
vontade que nos atravessa sem deixar rastros de onde surgiu!
Tendo origem na infância, o desejo se projeta no futuro... sempre no
futuro. Uma vez que ele não tem objeto na realidade, é uma representação
que faz parte do passado da experiência de uma pessoa, esse desejo pri-
mal nunca poderá ser satisfeito. Portanto, é natural do desejo ser sempre
desejo.
O desejo sempre vai nos lembrar de que tem algo faltando, mas quando
a gente entende isso, podemos nos apropriar dessa falta e operar verdadei-
ras maravilhas buscando estar face a face com ele novamente. Lembre-se
que: o vazio é um terreno fértil de possibilidades. É encarando essa falta
de mente aberta que nos tornamos donos do desejo, e não escravos dele.
E com isso aprendemos que podemos querer e que o nosso desejo é
tudo o que temos. É o que temos de mais nosso.
De qualquer forma, o fato é que o desejo é o seu centro, o mais real de

86 O Livro de Afrodite
você mesmo. Aquilo que não conseguimos apagar e que volta de forma
codificada em atos falhos, lapsos, sonhos e repetições até que tenhamos a
coragem de olhá-lo nos olhos, assumi-lo e criar um projeto de vida que o
sustente por meio da ativação da vontade, o que é a nossa proposta com
a escrita terapêutica. A sua vontade é capaz de se adaptar sobre qualquer
determinismo da vida. É como aquela frase de Sartre que diz: “Não somos
aquilo que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós”.
Isto é, a solução é viver em nossas vidas o casamento mítico de Afro-
dite e Ares. Enquanto se luta (Ares) contra o desejo (Afrodite), a ligação
divina não acontece. Mas quando se luta pelo desejo, aí sim temos um
movimento do sagrado acontecendo dentro de você.

FONTE DOS DESEJOS


Faça uma lista com 20 desejos que você quer muito rea-
lizar na vida. É preciso desejar. E principalmente: saber o
que desejar, para não desejar todas as coisas que se colo-
cam na sua frente e se esquecer do que realmente importa
para você de verdade.

1. 11.
2. 12.
3. 13.
4. 14.
5. 15.
6. 16.
7. 17.
8. 18.
9. 19.
10. 20.

Inspira - revistainspira.com 87
Conseguiu preencher tudo? Será que você tem medo de desejar?

“Você quer o
que deseja?”.
Jacques Lacan

Filtre quais desses desejos eram realmente seus. Muitas ve-


zes, estamos apenas obedecendo ao comando da sociedade
ou tentando se encaixar, e seguimos a nossa vida desejando
os desejos dos outros. Para isso, refita: Quais dessas coisas
da lista deixariam uma enorme tristeza em você só de pen-
sar que você jamais conseguiria realizá-las? Isso é o desejo!

88 O Livro de Afrodite
A PESSOA QUE EU QUERO SER
O que a “(seu nome aqui) que eu quero ser” pensaria das
situações abaixo:
Ter um flho:

Abrir uma empresa:

Morar junto com o parceiro (a):

Viajar sem rumo e sem certezas:

Colocar um piercing/fazer uma tatuagem:

Se mostrar ao mundo como é:

Ter que começar tudo de novo:

Como é essa “(seu nome aqui) que eu quero ser”? Descre-


va seus comportamentos, como ela age, qual impacto que
ela causa nas pessoas ao redor e no mundo?

Inspira - revistainspira.com 89
SUSTENTANDO O DESEJO
O que você faz para conseguir o que você deseja? Até
onde você seria capaz de ir? Você ousa esticar as mangas
e correr atrás dos seus desejos mais profundos e íntimos?
Você assume responsabilidades pelas suas escolhas?
Cada escolha, uma responsabilidade. Você está disposta a
assumir o estrago? A dizer os “nãos” e “sims” necessários?
Você banca o que deseja? Refita sobre isso com base nos
seus desejos anteriores.

Exercício: Durante a semana, sempre que surgir uma dúvi-


da, um impasse sobre qual caminho seguir ou quais esco-
lhas fazer, tente esse desafo de se perguntar “O que a (seu
nome aqui) que eu quero ser pensaria disso?”. A Afrodite
interna sempre sabe onde quer chegar. Isso é ativar a von-
tade e tudo começa com a vontade!

90 O Livro de Afrodite
Se o relacionamento mítico de Afrodite e Ares se encaixa tanto nesse
tema, é porque sua relação foi movida desde o início por desejo.
Afrodite era casada com Hefestos, deus da forja e da criatividade. Ele
era manco, disforme e irmão de Ares. Com ele, a Deusa aceitou se casar
por gentileza, carinho. Mas com o tempo, acabou correspondendo ao de-
sejo crescente pelo vigor do jovem guerreiro Ares, e acabou traindo seu
marido.
Nem mesmo a humilhação de ser exposta como adúltera diante de
todo o Olimpo a fez desistir desse desejo. A Deusa cultivou uma relação
duradoura com o deus da guerra, com quem teve muitos filhos, e é nessa
chave mitológica que podemos captar muitos insights sobre como pode-
mos descobrir e nos relacionar melhor com o desejo.
Afrodite, a deusa do desejo, é a mãe de Fóbos (Medo) e de Deimos
(Terror). Isso quer dizer que aquilo que é um desejo profundo da nossa
alma pode vir – e quase sempre vem - acompanhado de medo. É como
aquela frase de Buda: “A causa de todo sofrimento humano está no desejo
e no apego”.

O MEDO COMO GUIA


Escreva uma lista com 7 das coisas que você mais têm
medo nessa vida e, do lado, escreva o que você poderia
conquistar se superasse esse medo. Os nossos principais
medos escondem a potência da nossa alma!

Dessa lista, selecione os medos que dependem só de você


(diferente do medo da morte, por exemplo, pelo qual não
temos muito controle) que têm atrapalhado a sua realiza-
ção na vida de alguma forma. A maternidade de Afrodite
nos faz lembrar que por trás de cada medo (seja ele fóbos
ou deimos) há desejo. E esse é um exercício que vai fundo
no autoconhecimento. O medo é um indicador do dese-

Inspira - revistainspira.com 91
jo. Se você teme alguma coisa, ela está de alguma forma
ocupando um lugar muito erotizado para você. Será que
por trás desse medo se esconde um pouco de prazer? Ex.:
tenho medo de não ser aceita > desejo fazer parte de algo
importante, desejo me sentir acolhida e protegida; tenho
medo de dirigir > desejo me conduzir pela vida da melhor
forma.

1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.

“Você é o único
representante do
seu sonho na face
da terra”.
Emicida

92 O Livro de Afrodite
“Magia é a arte de
transformar a
consciência por meio
da vontade”.
Dion Fortune
FAZER NASCER A HARMONIA
Descreva aqui as áreas da sua vida que estão em dese-
quilíbrio.

Afrodite (desejo) e Ares (coragem, ímpeto) tiveram tam-


bém uma outra flha, Harmonia. Coloque cada uma des-
sas áreas na balança e veja se o que está faltando para
harmonizar a situação: é um pouco mais de desejo ou de
amor pelas pessoas e coisas envolvidas? Ou o que falta
é um pouco mais de coragem e ação frme da sua parte?
Sempre que algo estiver em desarmonia, é preciso fazer
com que ela seja concebida no útero da sua deusa interior.

94 O Livro de Afrodite
As duas Afrodites:
Pandêmia e Urânia
Afrodite foi dividida em dois epítetos pelos gregos: Afrodite Pandê-
mia e Afrodite Urânia. De naturezas opostas, mas paradoxalmente com-
plementares, as Afrodites representam os polos que constituem a vida:
o humano está na interseção, ora sendo encantado por uma, ora sendo
inspirado por outra.
Na obra O Banquete, Platão observa que existem dois Amores, portan-
to, são duas Deusas. A mais velha, não tem mãe e é filha de Urano (deus
do Céu): é nomeada como Urânia, a Celestial. Já a mais nova, é filha de
Zeus e de Dione: é chamada de Pandêmia, a Popular.
A Pandêmia encanta as pessoas para os amores comuns, vulgares: car-
nal, dos sentidos e dos prazeres, e material, por isso perecível e limitado.
A Urânia, mais enaltecida pelos filósofos, inspira as pessoas ao amor pelo
encontro ao sopro divino da alma: espiritual, por isso perene e ilimitado, é
o sublime e também o sublimado.
O filósofo neoplatônico Plotino resgatou o conceito das duas Afro-
dites a partir de sua equivalente romana, Vênus, e as atualizou. No pen-
samento de Plotino, devemos buscar o Uno – uma entidade suprema,
transcendente e inominável, de onde nasce todo o ser e a beleza, e que é a
origem de tudo e a finalidade dos seres. A contemplação ativa do belo é o
caminho que faz os seres humanos irem em direção ao conhecimento do
Uno. É onde reside a alma humana, com sua essência divina.
É dessa contemplação ativa, que eleva a alma e o intelecto para ver

Inspira - revistainspira.com 95
por meio do Uno, a manifestação da Vênus Urânia – o amor verdadeiro
e espiritual, perene e multiplicador: o ser em contato com a abundância
do universo.
Em contrapartida, se a ação é voltada para a busca sensível do mundo
material e dos prazeres, é a Vênus Pandêmia que está manifestada – o
amor é grosseiro e comum, é perecível e limitado: o ser é restringido pela
limitação, pois a matéria tem limites e se volta apenas para o próprio ser e
não para o Todo.
Buscamos no amor o que nos falta, mas também podemos conquistar
aquilo que buscamos – é fruto da união entre a Carência e a Abundância.
Perceber, então, o que nos falta e toda a possibilidade de conquista é o que
devemos fazer em equilíbrio.
Se enxergamos apenas através do véu da Pandêmia, nos direcionamos
para as necessidades fugazes. Apesar de serem necessárias, nossa satisfa-
ção genuína não reside lá. Por exemplo, o carro dos sonhos que te eleva à
categoria de rica comprado hoje – ou qualquer objeto seriado pela data de
fabricação –, daqui a 10 anos será um carro de 10 anos atrás, deteriorado
pelo tempo e fora de moda.
Já se a visão for através da aura da Urânia, o tempo passa e nunca se
esgota o que é amado. É quando acoplamos as qualidades à existência, a
partir do mundo das ideias. Em vez de buscarmos o enfeite por objetos
que se desintegram para refletir uma ideia, como um carro que passa a
ideia de riqueza e de beleza, devemos emanar a ideia de riqueza e de beleza
a partir de nós mesmos.
Em outras palavras: em vez de você gritar e tentar mostrar ao mundo
que é rica/bela, se sinta rica/bela, que assim perceberá que não precisa gri-
tar nada a ninguém. A satisfação é providente da ideia, que é permanente,
e não da coisa, que é efêmera.

96 O Livro de Afrodite
o melhor das duas vênus
O que lhe falta hoje?

Você consegue encontrar um equilíbrio entre essas duas


Afrodites? Qual está mais destacada em você?

Volte à lista da página 86, quais eram desejos da Vênus


Pandêmia (sublinhe) e quais pertenciam ao reino da Vê-
nus Urânia (circule).

Em que partes da sua vida você encontra a Vênus Urânia?

Inspira - revistainspira.com 97
O lado luz da Vênus Pandêmia
Os desejos da Vênus Pandêmia não são necessariamen-
te fúteis. Eles podem ser uma ferramenta de autocuida-
do. Tudo depende da dose. Escreva abaixo 7 delícias da
vida civilizada que você ama! Exemplo: edredons fofnhos
e cheirosos para dormir, pedir uma comida pelo celular...

98 O Livro de Afrodite
Sexualidade

A mitologia conta que Afrodite se ofende com quem limita o prazer.


Glauco, rei de Éfira, achou que seria interessante impedir o coito de suas
éguas, temendo que elas ficassem prenhes e com isso se tornassem menos
enérgicas nas competições de corrida de carruagem.
Glauco só as enxergava como um utilitário. Para seu próprio benefício,
ele barrava a natureza sexual e reprodutiva desses animais, sua natureza
instintiva e selvagem.
Afrodite enfureceu-se com o excesso de domesticação e, numa noite,
resolveu soltar as éguas de Glauco. Deixou que bebessem a água de um
poço sagrado dedicado a ela, bem como que comessem as ervas hipô-
manes que nasciam ao redor. O próprio nome da erva tem relação com
a secreção excretada pelas éguas no cio. O resultado disso seria violento!
Como uma lição de que não se pode reprimir os instintos sem sofrer as
consequências disso.

Inspira - revistainspira.com 99
Quando Glauco atrelou suas éguas à carruagem para competir nos
jogos locais, os animais dispararam com velocidade, arrastando o rei de
Éfira emaranhado às rédeas por toda a extensão do estádio. E para finali-
zar: devoraram-no vivo.
Em síntese, o mito nos conta que a libido/energia vital que não cana-
lizamos para o prazer, pode virar outra coisa. Uma coisa que nos devora
de dentro para fora. Quem não conhece alguém que se priva de prazeres e
vive uma vida amargurada ou cheia de tensão e de raiva? Ou, ao contrário,
aquela pessoa que vive sem consciência de seus apetites e acaba sendo ar-
rastada por eles vida afora, sem organizá-los de uma maneira sustentável,
sem “tomá-los pelas rédeas”?
O psicanalista francês Jean Laplanche defendeu que todo impulso, seja
ele de prazer ou de destruição (falamos mais sobre isso no capítulo sobre O
Desejo), é concebido de um único lugar comum: o sexual. Em sua teoria,
haveria apenas uma energia, a libido, que movimentaria o aparelho psíqui-
co. Se não fosse endereçada para o prazer (Pulsão de Vida), essa energia
seria, então, desviada para a destruição, o que Freud chamou de Pulsão de
Morte.
A Psicanálise, com isso, reforça o mesmo que aprendemos com o mito:
é preciso se permitir desfrutar daquilo que nos dá prazer. Uma primeira
leitura disso é achar que a gente precisa de mais sexo. Mas não estamos
falando disso, visto que em algumas pessoas a prática sexual é intensa e,
mesmo assim, é observado esse desvio para a (auto)destruição. Às vezes,
o próprio sexo ininterrupto é um sintoma da desconexão com o prazer.
Quando o assunto é prazer, qualidade vai ser sempre superior à quan-
tidade. E a qualidade é um conceito subjetivo, definido apenas por você
no momento em que você se conhece e se respeita. Mas uma coisa é certa:
se não se desfruta do momento que envolve a experiência sexual estando
absolutamente presente, a energia do gozo ainda fica retida e se desvia
para o outro caminho, o da Pulsão de Morte.
Mais do que buscar prazer, é essencial estar presente, se conectar com
o parceiro ou a parceira, evitar idealizações irreais que só frustram, se per-

100 O Livro de Afrodite


mitir sentir prazer e, ainda, sublimar o excedente libidinal direcionando
essa energia restante para algo criativo.
É preciso assumir as rédeas da própria Pulsão de Vida, daquilo que
se enxerga como prazeroso na sua intimidade, sem procurar se encaixar
em roteiros estabelecidos por terceiros do que se deve fazer, do que é
esquisito ou vergonhoso. Não estamos falando apenas de sexo, mas em
se tratando de sexo também funciona assim. É claro que nos referimos à
sexo consensual entre pessoas com alguma maturidade.
Acontece que isso de se permitir o prazer não é assim tão fácil em uma
sociedade racionalista e utilitarista como a nossa. Para a mulher, isso tem
uma carga ainda maior. O prazer feminino foi histórico e espiritualmente
relegado à uma censura.
Na Idade Média, o desejo sexual da mulher era visto como um poten-
cial de dissimulação, por não se apresentar de maneira tão evidente como
o do homem. Esse mistério fez com que a sexualidade feminina fosse
encarada como diabólica, assim como mostra a mitologia de Eva e Lilith,
que ganhou um peso social ainda mais misógino no Ocidente a partir do
século V d. C.
O sexo para a mulher passou a ser encarado como um dever de repro-
dução ou de gratificação para o marido. Na França da Primeira Guerra
Mundial, conta-se que as mães acalmavam o terror das filhas diante da
noite de núpcias com a frase: “Minha filha, feche os olhos e pense na
pátria”. A sexualidade feminina era vista apenas como um repositório de
heróis para a nação, e nunca como algo de domínio da própria mulher.
O prazer feminino já foi restringido ao sujo, satânico, impuro e desmo-
ralizante. A escritora Miranda Gray explica que, por um longo tempo, a
mulher que pedia por sexo ou que obtinha prazer a partir dele perdia qual-
quer respeito que pudesse ter dos homens ou da sociedade em que vivia.
Virginia Woolf, o grande nome da literatura, escrevia em 1929 que a
castidade ainda era uma questão em seu tempo, mesmo que encoberta por
preocupações e instintos. De forma que se libertar dela ainda era um ato
de coragem “das mais incomuns”. A lembrança desse senso de castidade,

Inspira - revistainspira.com 101


isto é, da conquista de algum respeito por meio da abstenção dos próprios
desejos, segundo a autora, é o motivo do anonimato das mulheres até o
século XIX.
Até hoje o jogo não está vencido. Perdemos o elo que conectava o pra-
zer feminino como a manifestação do divino. Perdemos Afrodite, e com
ela o sexo sagrado que libera a faceta divina existente no transe, bem como
a capacidade de renovação espiritual atingida no clímax da união.
E isso é terrível para todos, não só para a mulher.
Estamos falando do encontro entre Afrodite e Dionísio. A Deusa das
Sensações com o deus dos estados de êxtase e da ponte entre o humano
e o divino. Eles representam a união do feminino com o masculino sel-
vagens que foi jogada para debaixo dos panos como um tipo inferior de
barbárie.
Na Grécia e na Roma antigas, os festejos destinados a Dionísio (tam-
bém chamado pelos romanos de Baco) subvertiam a ordem social, abrin-
do uma brecha para a liberdade sexual feminina. Mulheres – e também
escravos – que eram socialmente sujeitadas a um plano inferior ao mas-
culino, alteravam a ordem estabelecida por meio do vinho, do transe e da
loucura ritual.
Nesses períodos, lhes era permitido que agissem feito às Mênades (ou
Bacantes), as acompanhantes de Dionísio. Isso implicava em uma entrega
absoluta e desmedida ao sexo, à embriaguez, à violência e à autoflagelação.
Tudo o que ficava reprimido da experiência cotidiana convencional na
pólis.
Dionísio simbolizava abraçar a loucura básica à natureza humana,
aquela que – quando bem integrada – acompanha a perfeita saúde. Dioní-
sio abre as portas para acessar as profundezas inconscientes onde moram
as forças da vida, como pensou o filólogo Kerényi. Quando ritualizado,
esse arquétipo dissolvia as dualidades, fazendo os opostos se fundirem: o
selvagem e o civilizado, o racional e o irracional, o consciente e o incons-
ciente, o divino e o humano e o feminino e o masculino. Entendendo a
masculino aqui não em uma visão heteronormativa, mas com o sentido

102 O Livro de Afrodite


de serem contrastes.
Essa fusão é sagrada. No transe orgástico, que os franceses chamam
de petite mort (uma pequena morte), o deus e a deusa morrem e nascem
de novo, renovados espiritualmente. Dessa união entre Afrodite e Dioní-
sio concebe-se Príapo, o deus da fertilidade e guardião dos jardins, para
recordar a capacidade fecunda que o sexo sagrado traz para o psíquico.
Bem como da liberação das tensões e do florescimento de força vital que
o êxtase sexual é capaz de proporcionar.
Nas filosofias ancestrais da China e da Índia, o orgasmo teria um poder
curativo e restaurador. Essas linhas de pensamento se coadunam com a
Psicanálise de Freud quando afirmam que a energia vital que move todo o
aparelho psíquico parte de uma fonte sexual.
O historiador grego Heródoto, no século 5 a.C., registrou um “repug-
nante costume babilônico” – em suas palavras – que permanecia vivo na
ilha de Chipre, Grécia (local onde, segundo o mito, Afrodite teria nasci-
do). De acordo com ele, esse costume levava “todas as mulheres da terra
a se sentarem no templo de Afrodite e terem relações sexuais com algum
estranho pelo menos uma vez na vida”, segundo Watson. Essa ideia era
chamada de prostituição sagrada, e em troca, o templo arrecadava dinheiro.
À primeira vista, o conceito causa uma estranheza, não é mesmo? O
nosso olhar de hoje consegue perceber as dimensões de exploração sexual
e do feminino que estavam implícitas nisso. Bem como Heródoto, com
sua perspectiva racionalista, já na Antiguidade, enxergava a prática com
um olhar crítico. Mas a psicoterapeuta Nancy Qualls-Cobertt se lançou
em uma pesquisa intensa sobre o assunto, na intenção de descobrir o sim-
bólico por trás da ação.
Suas descobertas foram sintetizadas no livro A Prostituta Sagrada: a face
eterna do feminino. Nesse livro, a autora traz uma compreensão da pros-
tituição sagrada como um ritual em que a mulher humana encarna as qua-
lidades da Deusa do Amor, podendo se capacitar a conhecer e a respeitar
essas qualidades em si mesma.
Esse “encarnar a Deusa do Amor” seria, nessa nova visão, um ato

Inspira - revistainspira.com 103


de resistência e de reconexão com o feminino divino subjugado em uma
sociedade que o reprime e o faz dançar conforme as leis do patriarcado
e do gozo masculino. Trata-se de um reconectar-se com a autoridade da
própria sexualidade e, com isso, trazer equilíbrio ao mundo. Isso é mani-
festar o sagrado. “Em sua encarnação da deusa, ela é a responsável pela
felicidade sexual, e é a veia através da qual os rudes instintos animais são
transformados em amor e na arte de fazer amor”, escreve a pesquisadora.
Se não enxergamos o sexo como algo sagrado, adotamos uma men-
talidade frígida sobre a vida e negligenciamos, julgamos ou culpamos o
próprio prazer de muitas formas. “Sou espiritualizada, sexo é baixa vibra-
ção, pecado”. “Sou uma mulher inteligente e/ou poderosa, sexo é uma
frivolidade”. “Sou uma boa mãe, sexo é sujo e impuro”. Essas podem ser
mentalidades em desequilíbrio.
Algumas pessoas realmente podem ser assexuadas, terem sofrido trau-
mas, terem baixa libido ou simplesmente não gostarem de sexo, e isso
pode ser reconhecido ao olhar suas questões com mais consciência. Mas
será que a baixa libido, a qual você usa como argumento, não é uma justi-
ficativa psicológica para negar uma crença ou preconceito que você tem a
respeito do seu próprio prazer?
Isso pode ser muito mais comum do que você imagina em uma socie-
dade como a nossa, em que o desejo feminino está associado ao mal. Tudo
pode tender ao equilíbrio e ao desequilíbrio, e com o sexo não é diferente.
Todo excesso esconde uma falta! Até o excesso de resistência. Entenda o
que há por trás da limitação do seu prazer.
Descolonizar o prazer é o caminho para uma vivência muito mais sau-
dável da própria existência. O caminho sagrado é fazer as pazes com a sua
sensorialidade, que é a chave para entender o seu prazer e, por isso, é tam-
bém um caminho de autoconhecimento; questionar crenças sobre o sexo
e observar o que você escuta por aí sobre o assunto, o que engole como
verdade, o que faz por gosto pessoal, o que faz porque ouviu que era o
certo a se fazer, o mais comum, o que não faz porque está associado a algo
nojento e indigno; experimentar o que te atrai e repelir o que te incomoda.

104 O Livro de Afrodite


Além disso, faz parte desse processo retirar as amarras que prendem a
mente a um modelo de dignidade feminina criado culturalmente, em que
não se é permitido nem mesmo pensar sobre sexo. E pensar sobre sexo é
fundamental!
Sexo não é uma mera fricção genital. E, inclusive, está para além do
corpo. Uma prova disso é a existência dos sapiosexuais, aqueles que sentem
atração sexual por pessoas inteligentes. Sexo é muito mais do que um
encontro físico. É acessar e se deixar ser guiada pelas fantasias, aquilo que
mexe com a sua imaginação.
Essa é uma forma de descobrir quem é você, o que te dá prazer de
verdade e, por isso, este é o caminho para ter mais prazer na vida.

o que você pensa sobre sexo?


Escreva o que vier à sua mente sobre as palavras a seguir:

Sexo:

Prazer:
Intimidade:

Tesão:

Gozar:

Fetiche:

Você consegue se lembrar de ensinamentos, lições, con-


versas paralelas de adultos ou mesmo imagens que você
viu ou ouviu sobre sexo durante a infância da parte de
seus cuidadores ou de pessoas lhe inspiravam alguma au-
toridade? O que eles pensavam sobre sexo? Escreva sobre

Inspira - revistainspira.com 105


elas e sobre a impressão elas lhe causaram. Essas impres-
sões ressoam em você ainda hoje?

Conte aqui uma situação em que você se sentiu julgada(o)


– por alguma pessoa ou por você mesma(o) – como uma
criatura vulgar ou de alguma forma inadequada(o) com a
sua própria sexualidade? De quem partiu o comentário?
Como você se sentiu? Você internalizou isso de alguma
forma?

106 O Livro de Afrodite


Quantas vezes você já sentiu como se o seu prazer (e seus
desejos) devesse estar condicionado a alguém ou a algo?
Como se você tivesse um dono e fosse uma criatura sem
autoridade sobre si mesma (seu corpo e seu gozo). Você
faz sexo também para você ou pensando apenas no outro?
Esse é um problema feminino, estruturante da sociedade
patriarcal. Por isso, é comum ouvir relatos de muitas mu-
lheres que fngem orgasmo. Você já fngiu? O que te levou
a fazer isso? O seu prazer não importa muito?

Inspira - revistainspira.com 107


em busca do seu prazer
O que você espera do sexo?

Complete as frases abaixo com o que funciona para você:

Quando penso em sexo, penso

Quando desejo, me sinto

Quando sou desejada, me sinto

Sexo é prazeroso para você? Na maior parte do tempo,


como você se sente com relação ao ato sexual: antes, du-
rante e depois dele terminar? Qual o sentimento e os pen-
samentos que dominam e que passam pela sua cabeça
nesse meio tempo? Depois de responder a isso, revele so-
bre como você gostaria de se sentir em cada uma dessas
etapas.

Antes:

108 O Livro de Afrodite


Durante:

Depois:

O sexo que você faz consegue te satisfazer? O que falta-


ria? Pergunte-se se isso não é alguma idealização criada
em algum flme pornô e impossível de ser reproduzida na
realidade.

Inspira - revistainspira.com 109


Lembranças, imaginação, contos eróticos, flmes sensuais,
informação... Parte do sexo é imaginação. A imaginação é da
ordem de Afrodite. Você já tentou estimular a sua mente se-
xualmente? Qual é a sua experiência com isso? Como você
costuma fazer? Que impressão esses conteúdos de causam?

Você costuma se masturbar? Como se sente fazendo isso?

Do que você gosta durante o sexo? Sentimentos, cheiros,


posições, carícias... O que te excita? Escreva aqui!

E do que você não gosta? O que te esfria?

110 O Livro de Afrodite


SEXO COMO AUTOCONHECIMENTO
A terapeuta de casais Esther Perel escreve que “Na fan-
tasia, representamos o que não temos coragem de fazer
na realidade”. Nossa imaginação erótica é livre. Imagens
que juramos repudiar na vida moral, podem povoar nossos
desejos mais satisfatórios. Agressividade, carência, violên-
cia, vingança, poder e pura luxúria são alguns dos afetos
que pululam em nossas fantasias.
Esse material se identifca com nossa porção incons-
ciente, sobretudo com a parte que reprimimos de nós
mesmos. Por isso, olhá-lo com atenção é se conectar com
nossos desejos mais profundos e à nossa história de vida.
Assim, nos enxergarmos em totalidade, o que ajuda a en-
tender e acolher quem somos com mais competência.

O que ocupa a sua imaginação? Você tem um momento


onde a sua mente costuma vagar criando fcções cons-
cientes? Onde ela costuma parar? Quais são suas fanta-
sias recorrentes? O que esse lugar seguro e fantástico re-
vela sobre o que seria um universo ideal para você?

Inspira - revistainspira.com 111


Essa fantasia que vive em sua imaginação se relaciona com
algum desejo seu em especial? Não necessariamente o de-
sejo que está sendo encenado de forma explícita na imagi-
nação, mas um desejo mais profundo de aceitação, vulne-
rabilidade, dominação, o desejo de não precisar controlar
nada, de ser cuidada, de não precisar ser forte em alguma
situação da sua vida? Pense.

Que parte de você está sendo reprimida e quer aparecer


em sua expressão sexual? O que seu corpo quer falar para
trazer equilíbrio à sua totalidade psíquica? Normalmente,
pode ser o oposto de como você se apresenta socialmente.

112 O Livro de Afrodite


SEXO... SAGRADO?
Te causa algum tipo de estranheza ler as palavras sexo e
sagrado na mesma frase? O que a expressão sexo sagrado
provoca em você? Que comentários surgem na sua cabe-
ça a partir da combinação dessas duas palavras?

Faça um esforço refexivo e escreva abaixo: de que forma


sexo pode ser considerado sagrado? Ou, pense o contrário:
por que sexo não seria sagrado?

Você está presente durante o sexo? Você está ali de corpo


e alma ou seu corpo apenas executa movimentos repetiti-
vos enquanto você está pensando nas contas, nos proble-
mas da casa ou do trabalho ou em como você precisa sair
dali logo?

O sexo sagrado é a integração do inconsciente com o


consciente. Você traz consciência para o seu momento de

Inspira - revistainspira.com 113


prazer? Já parou para refetir o que você quer do sexo e
como conseguir isso? Às vezes, queremos só prazer, outras
vezes queremos sentir amor, união; e outras, queremos ter
flhos. Como você se cuida de maneira consciente para ex-
trair apenas aquilo que você quer de cada relação? Preser-
var-se também é autocuidado e permite que a sensação de
prazer seja mais duradoura.

E com relação a liberar o inconsciente? O que te faria se


soltar durante a relação, liberar a sua loucura interior e se
entregar completamente ao momento?

Você respeita o seu parceiro(a) no que diz respeito ao sexo?


Permite que ele possa se entregar por inteiro sem ideali-
zações e sem julgamento? Entende sua energia sexual e a
falta dela? Tenta compreender os gostos e aquilo que a pes-
soa não gosta? Ou só se importa com o seu próprio prazer?
Pense sobre isso. Sexo sagrado é comunhão. Todas as partes
são integradas!

114 O Livro de Afrodite


Prazer

Uma sensação arrebatadora de profundo bem-estar: isso é o prazer.


Essa sensação é uma bússola para a sua vida e para os caminhos que você
escolhe? Ou você se guia mais pela mentalidade do sacrifício e da renún-
cia? Afrodite escolhe sempre a primeira opção. Onde há prazer, há uma
energia divina que merece ser reverenciada.
Quando se sabe incluir essa sensação na sua vida, esse prazer é não só
saudável, como essencial. Mas quando é orientado para uma incessante re-
petição do que faz bem, algumas coisas se tornam uma dependência, uma
muleta sem a qual acreditamos que não podemos nos guiar pela existência,
e assim o mesmo prazer se torna um vício. Já quando os sentidos estão
anestesiados, não há como buscar e desfrutar do prazer: assim se manifes-
ta o tédio. Vício e tédio são desdobramentos do entendimento do prazer.
Viver em busca do prazer não é apenas uma orientação da vida con-
temporânea. Na Grécia Antiga, o Hedonismo era uma linha filosófica que
acreditava que a vida deveria ser orientada na realização do prazer. Já o
Epicurismo, outra escola filosófica grega, traz o elemento da moderação na
procura dos prazeres como lastro para se atingir a ataraxia, tranquilidade
interior e a ausência de perturbação.
Mais de dois mil anos depois das filosofias gregas do prazer, Sigmund
Freud observou que a vontade da realização do prazer e a fuga pelo des-

Inspira - revistainspira.com 115


prazer é regida por nossos processos inconscientes. Essa parte pulsional
que direciona sempre à gratificação a todo custo e circunstância é denomi-
nada de princípio do prazer. Mas há também um filtro! O princípio de realidade
faz a mediação da vontade de realização do prazer e o mundo externo,
com suas regras e limites, operando por meio de renúncias, de trocas ou
da própria realização do prazer.
Após a Humanidade passar por épocas em que as restrições de prazer
e a penitência a alçava aos céus, período em que o arquétipo de Afrodite
foi deslocado da carne para a estética das telas e das esculturas, nos de-
frontamos com as vitrines de desejos prêt-à-porter, prontas para o uso em
série.
Para cada gosto, há um botão instantâneo para realizar o júbilo da
carne: consumismo de objetos e de afetos, pornografia, relações sexuais.
Zygmunt Bauman, o sociólogo que percebeu a liquidez da sociedade con-
temporânea, também observou que o consumo desordenado de objetos
remodela a nossa sociabilidade, ao passo que o outro, agora, é classificado
“pelo volume de prazer que provavelmente oferece e pelo ‘valor mone-
tário’”. Em outras palavras, as coisas e as pessoas valem o mesmo tanto
de prazer que elas são capazes de proporcionar. Mas quem define esse
prazer?
Quando não dispomos de seguir as pistas que apontamos involuntaria-
mente para entendermos os nossos desejos, não percebemos que consu-
mimos esses seriados prazeres plásticos com roupagem de “customizados
ao gosto do cliente”.
Todos os dias, o que nos causa prazer é apontado e enunciado. Seja
pela negativa, quando evitamos nomear e olhar para o que nos dá prazer
genuíno e dizemos o oposto – como que fugindo da culpa ou da vergo-
nha de ser admirador desse prazer; seja em meio ao que causa distração,
quando dizemos muito e não percebemos que, em meio à enxurrada de
pensamentos e palavras, passam, despercebidamente, os objetos do nosso
desejo. Então, a via que nos direciona para reconhecer o que nos causa
prazer é o autoconhecimento.

116 O Livro de Afrodite


O prazer é o deleite do corpo e da mente em sintonia. Também é a
satisfação das nossas fantasias em ato – outra descoberta a partir da escuta
do eco de quando passamos a nos ouvir.
Quem não reconhece o que lhe causa prazer, fica como uma pessoa
indecisa num restaurante, frente ao cardápio cheio de opções: por não sa-
ber o que deseja comer, pensa tanto e acaba por escolher qualquer prato.
Mas quando a comida chega, bate o arrependimento por não ter pedido
um outro prato que também lhe fez salivar. Assim, acaba não saboreando
nem sentindo prazer pelo prato que escolheu.
Acontece a mesma coisa na vida: se não vivermos o prazer no mo-
mento, se não tivermos a coragem de colocar o prazer como norte e guiar
nossa vida em sua direção; se, ao contrário, mirarmos o outro objeto de
potencial prazer como se o prato do outro fosse capaz de saciar mais nos-
sos sentidos, acabamos por não aproveitar o que está à nossa disposição.
O resultado disso é uma vida insípida, tão sem sabor quanto à escolha
impensada do menu.
O deleite do corpo, geralmente, é sinestésico. Ou seja, mais de um sen-
tido é acionado quando entramos em contato com o que nos dá prazer.
Uma comida, por exemplo, é apurada pelo olfato, visão e tato, não só pelo
paladar. Para encontrar o que te agrada de verdade, seja em uma refeição,
em um trabalho ou em uma pessoa, o corpo é sempre o termômetro. Os
sentidos têm todas as respostas que você procura quando o assunto é pra-
zer, e se abrir a ouvi-los é só o que você precisa.
Sentir prazer e saber reconhecer o que nos gera prazer é uma porta
para a autodescoberta e para o autoconhecimento – ou, inversamente, a
autodescoberta e o autoconhecimento podem ampliar e apurar as formas
de prazer.
A digitalidade atualizou as nossas chaves e fechaduras para o prazer.
Em meio às ofertas massivas de estímulos, a tendência é integrar como
parte emissora, levando ao avatar a roupagem do que selecionamos como
persona, aquilo que queremos “vender” como bom em nós. Na nossa
Natureza Selvagem construída digitalmente, “a felicidade só é verdadeira

Inspira - revistainspira.com 117


quando compartilhada... nas redes sociais”. Adicionamos à conta da busca
pela satisfação a necessidade do olhar do outro para oficializar o nosso
prazer.
Como reflexo da grande oferta de hiperestímulos com os quais convi-
vemos na atualidade, a demanda para o consumo é criada. Cada vez mais
é necessária a companhia de novos estímulos. Alguém consegue viver sem
olhar o celular de uma em uma hora ou até de um em um minuto?
Existe até um traço de personalidade chamado de sensation seeking (bus-
cadores de sensações), que, como o próprio nome já diz, é caracterizado
pela procura por novas e mais intensas sensações – às vezes, até colocando
em risco a própria vida.
Mas essa busca pela excitação constante, como se a vida fosse uma
eterna sexta-feira à noite e nunca uma tarde de domingo, revela uma cons-
ciência oposta à consciência hedonista. O sensation seeker busca lembrar
que está vivo a qualquer custo, ele quer o sentimento imediato que acal-
me a dor da falta de sentido. Como antídoto, ele quer a emoção rápida,
chocante, aterradora. Em oposição, uma consciência hedonista refinada
degusta e processa o conteúdo do que é apresentado a ela, encontrando
aquilo que lhe dá prazer continuamente e em toda a parte.
A mentalidade da degustação vive imersa em prazer, enquanto que a
da excitação só consegue encontrá-lo em alguns momentos: no instante
exato em que a corda do bungee jump se lança ao abismo, na raridade do
encontro de algo infamiliar e inédito, na piada inesperada que faz todo
mundo rir de nervoso.
A busca pelo prazer a qualquer custo acaba emperrando as portas para
a satisfação: essas portas são os nossos sentidos. Por excesso ou por falta,
ou mesmo por vontade de repetir a sensação do que se fez na memória,
existem duas vias: o vício e o tédio.
O vício é o desequilíbrio do prazer. Com o esvaziamento do estado de
êxtase deixado por uma atividade aprazível, a lacuna é ocupada por um
desprazer – do tipo “Poxa, acabou? Minha vida voltou a ser a mesma coisa
de antes?” –, a ser enxotado pelo retorno a um novo estado de prazer. É

118 O Livro de Afrodite


essa a origem da repetição no vício.
Mesmo os vícios “do bem” podem causar um mal. Por exemplo, al-
guém que é viciado no estímulo dos exercícios físicos, e os pratica com
tanta frequência e intensidade, que desenvolve um desgaste dos tendões.
No vício, já não é delimitado o estado de neutralidade, que faz o prazer
ser prazeroso. A neutralidade sentida logo após o momento de júbilo é
entendida como um desprazer.
Erich Fromm inclui à causa da lacuna do vício outro fator: a separa-
ção. O psicanalista nota que, para algumas pessoas, cujo sentimento de
separação com algo exterior que produzia sua unidade, como era o caso
da criança com a mãe, ainda é presente e não é aliviado por outros meios
de formação de união. Nesses casos, busca-se o orgasmo sexual ou ví-
cios de outra natureza na tentativa de fugir à ansiedade da separação. Em
contrapartida, o resgate da união com algo maior, como um artista com a
sua criação, tem efeito contrário, é apaziguador e revigorante. Dar vazão à
criatividade pode ser uma das alternativas para remanejar a energia voltada
a alguns vícios.

“Uma criatividade que surge a


partir de uma consciência des-
perta para criar um novo para-
digma: um mundo novo”.
Miriam Subirana

Um personagem histórico que vivia guiado pelos prazeres que a vida


tem a oferecer foi Giacomo Casanova, no século XVIII. Escritor e aven-
tureiro, viveu seus setenta e três anos de existência a explorar o campo dos
prazeres: a volúpia, a comida, a beleza e o dinheiro eram joias que procu-

Inspira - revistainspira.com 119


rava durante sua jornada. Contemplava a beleza da arte, mas sempre como
um prelúdio ao gozo. Esse Carpe Diem do gozo era pautado por elementos
fugazes: “a variabilidade, a troca, são o sal da sua vida, o sal do prazer, pois
para ele a vida é o prazer”, escreveu Stefan Zweig sobre Casanova.
Casanova, que virou adjetivo para se referir a alguém sedutor, era
orientado pelo aqui e agora (seu Hic et Nunc), que recusa a espera e a pa-
ciência em favor do imediatismo do gozo. Sua existência não suportava
as tediosas batucadas de dedo na mesa; ao contrário, dava a mão para
o inesperado e desconhecido em busca de preencher o vazio do tédio.
Como notou Zweig, “tudo o que está além do presente é, para ele, turvo
e problemático”. Precisava, então, do oxigênio da aventura para Casanova
não morrer na asfixia do tédio.
O tédio acontece quando já estamos com os nossos sentidos adorme-
cidos ou quando não nos encantamos mais com o que tem potencial de
nos estimular. Parece que o calendário é composto apenas pelo “dia inter-
nacional do tédio”, como os entediados cunharam o domingo.
É a sensação que ocupa nosso espaço interior por estarmos esvaziados
e tampados para o novo, ou, no seu oposto, por estarmos tão cheios de es-
tímulos que nada mais cabe. Realmente, como diz o ditado popular: temos
que ter cuidado com a vazio de uma vida ocupada demais.
O olhar nebuloso do tédio só é enxotado quando buscamos o brilho
de novas descobertas e possibilidades que emanam frente à nossa vista.
Mais uma vez, a via só poderia ser o autoconhecimento. É como retoma-
mos a narrativa da descoberta de quem somos. Assim, reconhecemos o
que nos dá prazer e nos livramos da angústia de fazer o que queremos,
sem sentirmos que estamos perdendo algo – aquilo que pode estar acon-
tecendo na casa ao lado –, ou mesmo nos livramos da dúvida de que de-
veríamos fazer outra coisa.
A vida não é só aprender a suportar os desprazeres, mas, sobretudo,
é reconhecer o que te dá prazer e saber aproveitá-lo. Como retomada da
narrativa dos próprios prazeres, devemos pensar em Afrodite. Ela sabe
reconhecer suas fontes de prazer, sabendo ser sua assinatura única – es-

120 O Livro de Afrodite


crita à própria mão. Após reconhecer o prazer, a Deusa está disposta a
desfrutá-lo: sempre no presente, recrutando todos os sentidos, com plena
atenção.

PRAZER? O QUE É ISSO?


Elenque 5 coisas que você faz por puro prazer mesmo sem
ter utilidade alguma ou a aprovação das outras pessoas.

O que você faria se tivesse muito dinheiro e tempo? Con-


tinuaria trabalhando? Com o quê? Como seria sua rotina?
O que você faria por amor, para o prazer da alma?

Inspira - revistainspira.com 121


Liste os prazeres que você já teve, mas que hoje em dia não
tem mais?

O que os seus prazeres revelam sobre você?

122 O Livro de Afrodite


DOLCE FAR NIENTE
Fazer nada pode não ser preguiça, e sim autocuidado. Os
italianos têm até uma expressão para isso, il dolce far
niente, “a doçura de não fazer nada” e deixar rolar, um
equilíbrio considerado fundamental para a saúde e a feli-
cidade. O seu dia tem 24 horas, você consegue fcar “sem
fazer nada” em algum momento desse dia? Como é isso?

O que você costuma fazer nas suas férias, folgas e fnais


de semana? Como você administra o seu tempo quando
você tem tempo livre?

Você consegue se divertir em um momento de lazer ou por


algum motivo se sente proibida(o) e fca tentando sempre
se colocar à disposição para ser produtiva? Quem – ou o
quê – te proibiu de viver em prazer? Quem te ensinou que
não se pode fcar parada?

Inspira - revistainspira.com 123


Para a maioria de nós, sentir prazer e êxtase na vida, é algo
tido como uma frivolidade, e reservado para momentos res-
tritos e curtos. Por que é assim? Como seria se buscássemos
prazer em tudo o que fazemos? O que você pode fazer para
buscar prazer em todos os movimentos na sua vida?

colocando o prazer na agenda


Sabe aquela frase: “Tome cuidado com o vazio que uma vida
ocupada demais”? Que áreas da sua vida estão esvaziadas
devido à sua indisponibilidade? Que partes da sua vida que
você sente falta de nutrir e preencher de presença? Há al-
guma crença ou aversão subjetiva que te afaste dela? Que
crença ou aversão é essa?

124 O Livro de Afrodite


O que você esconde de você mesma atrás de uma agenda
ocupada? De que compromisso você está fugindo? O que
você não quer olhar?

Você limita o seu prazer? Na sua agenda tem espaço para


sentir prazer ou esse não é um valor almejado? Pense em
que classifcação você coloca o prazer na sua vida.

Inspira - revistainspira.com 125


“SENTIR PRAZER É... RUIM”
Você tem vergonha de sentir prazer? Como você lida com
uma comida gostosa, por exemplo? Qual é a sua relação
com a comida? Você sente vergonha da sua relação com
a comida?

Você costuma ter sentimento de culpa relacionado ao pra-


zer? Investigue se isso não tem a ver com a repressão
cultural de Afrodite, a repressão do prazer em nossa so-
ciedade.

Você já deixou de fazer alguma coisa que você gostava/


sentia prazer por medo do julgamento? Abordamos mais
sobre culpa e julgamento no capítulo a seguir.

126 O Livro de Afrodite


Leia a sua resposta para a pergunta anterior como se ela
tivesse sido escrita por uma amiga querida, que conselho
você daria a ela?

O termo guilty pleasures, do inglês, se refere àqueles pra-


zeres culposos, prazeres que consideramos inconfessáveis
temendo que seremos julgados se descobertos, pois poderia
“pegar mal” para a imagem que você quer construir de si
mesma(o). Exemplos: assistir a um determinado programa
de televisão considerado alienante, ouvir uma música consi-
derada brega, comer algo que foi proibido pelo nutricionista,
fazer xixi na piscina.
Você tem algum guilty pleasure? Sinta-se livre e use o es-
paço abaixo para escrever alguns prazeres que você nunca
confessaria para ninguém ou que morre de vergonha de que
alguém possa descobri-los.

Inspira - revistainspira.com 127


COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ
Esta é uma lista com sugestões de coisas prazerosas que,
se você ainda não fez, pode fazer pela primeira vez. Circu-
le as que gostar!

Tomar banho gelado no calor (e vice-versa).


Acordar sem despertador.
Ajudar um desconhecido.
Fazer um corte de cabelo diferente e inesperado.
Massagem nos pés.
Fazer uma trilha em algum parque natural da sua região.
Acordar de madrugada, em um dia comum, para ver o sol
nascer.
Banho de chuva.
Flutuar na água.
Rolar e se espreguiçar na cama com os lençóis recém-la-
vados.
Brincar com uma criança.
Ouvir músicas da sua adolescência e cantar junto.
Ir a um lugar completamente novo.
Entrar em contato com um(a) velho(a) amigo(a) com
quem você não conversa há muito tempo.
Dançar enquanto toma banho.
Dormir pelada(o).
Dizer “eu te amo”.

128 O Livro de Afrodite


Agora, crie a sua própria lista de coisas para fazer pela
primeira vez.

Inspira - revistainspira.com 129


sobre o tédio
Como você lida com o tédio? O que você costuma fazer
quando sente tédio em sua vida? São comportamentos
saudáveis ou comportamentos que te colocam em situa-
ções problemáticas? Você desvirtua/esgota o sentido do
prazer?

OS INCONVENIENTES DO PRESENTEÍSMO
Viver no presente é bom demais. Mas, às vezes, pode
beirar à impulsividade e ao imediatismo, aquele não
pensar nas consequências. Você se descreveria como
uma pessoa inconsequente? Lembre-se de uma vez
que você agiu assim e dos desdobramentos que isso
teve na sua vida e na sua saúde mental. Valeu a pena?

130 O Livro de Afrodite


Conforme contamos no texto, o equilíbrio para o pre-
senteísmo é exercitar a pausa e o processamento en-
quanto se vive as coisas. Vamos fazer um exercício?
Pegue um chocolate ou alguma coisa que você ama
comer. Em vez de comer tudo rápida e desesperamen-
te, deguste devagar, fazendo notas mentais sobre o a
cor, o aroma, o barulhinho do chocolate ao ser mordido,
o sabor e a textura. Depois, escreva aqui como foi a
experiência de degustar o presente. Melhor ou pior do
que comer sem pensar?

Inspira - revistainspira.com 131


Culpa e Julgamento
Quem muito julga, nada cria.
Quem carrega o peso da proibição, não consegue sentir prazer.

A culpa e o julgamento são os dois grandes repelentes da Afrodite


interna. Quando eles gritam muito alto em nossa mente, há desequilíbrio
e falta fluidez. A vida fica estagnada, sem sentido e sem sabor.
Vamos começar pelo primeiro item: a culpa.
A culpa é também um julgamento. Ela surge quando nos julgamos
negativamente, quando nos sentimos falhos diante do cumprimento (ou
não) de algo que era tido como norma: social, cultural, moral ou mesmo
algo que fomos construindo como uma lei interior, um código de conduta.
Alguns psicólogos defendem que a culpa tem uma função adaptativa
de nos fazer repensar nossas atitudes, algo que os psicopatas não têm. A
partir desse argumento, a gente percebe que “sentir culpa” é culturalmente
transformado em algo até mesmo bonito, necessário para a nossa huma-
nidade.
Mas não é bem assim. Isso é responsabilidade, uma categoria mais
amadurecida. A culpa, por sua vez, é mais primitiva. Ela é um sentimento.
Você tem alguma história com a culpa? Então deve conhecer bem essa
sensação de ter um tipo de peso que se agarra à consciência, nunca te dei-
xa sozinha, gera vergonha e autodepreciação a todo instante e te impede
de ser livre e sentir prazer integralmente. Há sempre uma parte lembrando
que você deveria se punir pelo que você fez no verão passado. Em que
isso pode ser bom?
A responsabilidade, ao contrário, é um pensamento, uma atitude mais
amadurecida de consciência, de quem mediu as coisas na balança e encon-

Inspira - revistainspira.com 133


trou a parte que lhe cabe. Consegue olhar para a situação com empatia e
assumir seus próprios enganos. Pode ter a ver com arrependimento, mas
aqui a pessoa consegue se perdoar e pedir perdão, seguindo em frente sem
o peso. Isso sim é humano!
Mas, calma! Não estamos falando que você é uma coisa anormal por
sentir culpa. Não é nada disso. Todo mundo caiu nesse engodo.
A culpa traz dor. Talvez o seu inconsciente até a utilize porque vê um
ganho secundário nela: ela te pune por algum sentimento de indignidade
que você tem com você mesmo e faz você se sentir melhor por estar se
punindo? Ela fortalece o seu ego dizendo que a sua penitência lhe torna
alguém melhor? Essa culpa é seu escudo contra alguma coisa? Pergunte-
-se!
Mas o que queremos dizer é que a culpa dificilmente provocará alguma
reação positiva na sua vida. Você não vai se tornar melhor ao lado dela e
nem viver uma vida mais digna porque tem esse lembrete de repreensão
grudado em você. Ela é só um encosto criado culturalmente!
Sim, criado. A culpa não existe. A culpa é uma invenção. Uma invenção
de controle.
Ela vem de toda parte: da religião, dos padrões construídos pela mídia
e pela literatura, das regras de vida em sociedade... Ela funciona muito
bem para deter nossas pulsões mais violentas se quisermos viver em co-
munidade, mas não se pode passar da conta na internalização desses valo-
res impostos de fora.
Olha o tipo de coisas pelas quais a gente costuma sentir culpa: pelos
próprios pensamentos, por ter comido o quarto pedaço de pizza, por ter
se apaixonado, por não ter o emprego que os seus pais queriam que você
tivesse, por não ter conseguido aquela vaga dos sonhos, por não ter di-
nheiro suficiente ou por ter muito dinheiro, por não poder salvar o outro,
por não estar sempre disponível para corresponder a solicitação de alguém
(ou por estar sempre disponível), pelas próprias emoções (raiva, tristeza,
insatisfação), por estar doente, por sentir prazer, por estar feliz enquanto
a pessoa ao lado não está, por ter engravidado, por não ser a mãe/pai per-

134 O Livro de Afrodite


feitos, por não conseguir adivinhar o futuro, por ter feito o que dava para
fazer naquele momento segundo o seu grau de instrução e conforme você
pensava que fosse o certo naquela época.
Percebe como atitudes corriqueiras e completamente comuns se tor-
nam insuportavelmente insustentáveis com a culpa?
A culpa é uma maneira de patologizar a vida. Coisas naturais da exis-
tência são vistas como doenças, desvios do que instituímos como “norma-
lidade” em nossas cabeças recheadas de valores externos.
A culpa bloqueia o caminho para uma vida prazerosa. O julgamento,
por sua vez, é um obstáculo para a criatividade.
Muitas vezes, confundimos pensar com julgar. Achamos que devemos
dar uma opinião sobre tudo, e que isso é ser sincero e, portanto, é uma
força do caráter. Ou acreditamos que julgando, estamos nos passando por
alguém mais inteligente, e nosso ego se compraz. Existe também quem
julga por inveja ou por muitos outros motivos.
A gente julga o inimigo, julga o amigo e, quando dá tempo, julga a
si mesmo. E nessa posição de juízes que nós mesmos nos outorgamos,
ficamos imobilizados atrás de sentença em sentença, sem conseguir fazer
nada.
“Pensar é difícil, é por
isso que as pessoas
preferem julgar”.
Carl G.Jung
A pessoa que julga não consegue materializar suas criações por medo
dos seus próprios autojulgamentos de perfeccionismo – ela acredita que é o
que realiza, e depende sempre de realizar bem para estar à vontade com a imagem que
tem de si, e isso faz com que ela esteja sempre fazendo as mesmas coisas de

Inspira - revistainspira.com 135


sempre, as coisas que um dia falaram que ela era boa. Assim, essa pessoa
desiste de se lançar em novos caminhos que dariam mais alegria. Ela nem
mesmo tenta.
Outro receio, é o do julgamento que imagina vir dos outros, isso a
paralisa. E por que ela não temeria a crítica alheia, se ela mesma passa o
dia julgando tudo e todos? Na cabeça dela, todas as pessoas são assim, né?
Essa perspectiva a afasta da arena!
Há também quem disfarce isso tudo criando um ideal inalcançável,
para assim se manter num estado de inércia constante e não ser julgado.
“Sou bom demais para fazer isso” ou “Alguém vai me oferecer (do nada) o
cargo de CEO numa empresa, eu não preciso trabalhar assim como fulano
está fazendo. Ele está ridículo!”.
Esses são pensamentos que travam a vida, impedem o novo de surgir
e limitam a sua própria essência. É preciso desenvolver humildade perante
a vida e empatia com quem está tentando, dessa forma você consegue
abrir caminho para você mesmo e tratar seus próprios desejos com mais
humildade e acolhimento.
Experimente-se. Permita-se ir atrás dos seus desejos!
A vida é um mistério grande demais para você achar que sabe quem
está certo ou errado.

“Perfeição demais me
agita os instintos.
Quem se diz muito perfeito,
Na certa encontrou um
jeito insosso Pra não ser de
carne e osso”.
Zélia Duncan e Moska
136 O Livro de Afrodite
PASSO A PASSO DO (AUTO) PERDÃO
Do que você sente culpa? Em que momento você abando-
nou a si mesma ou a outra pessoa?

Por que você sente culpa disso? É um código de conduta


pessoal ou valor universal? De que lugar vem esse senti-
mento?

Como você pode transformar essa culpa em responsabili-


dade e deixá-la ir? Com qual protocolo de ação você pode
se comprometer para lidar melhor com isso de uma pró-
xima vez?

Lembre-se: pode ser


que você tenha co-
metido um erro, mas
você não é o erro!

Inspira - revistainspira.com 137


O que você aprendeu com isso que aconteceu e te gerou
esse sentimento de culpa? Esforce-se para encontrar algu-
mas lições e se fortalecer!

Pelas oportunidades de crescimento perdidas, pelas pala-


vras importantes que fcaram engasgadas e não saíram da
sua boca, pelas palavras que saíram ferindo quem estives-
se na sua frente, pelo comportamento de submissão a algo
que te bloqueou, pelo tempo desperdiçado, pelas injustiças
cometidas, pelos “nãos” que poderiam ser “sims”, e pelos
“sims” que deveriam ser “nãos”, por aquilo que você acha
que deveria ter feito e não conseguiu. Por tudo isso (e mui-
to mais), você merece o seu próprio perdão!

Escreva uma carta de desculpas para você mesma, por


ter se colocado para baixo com essa culpa. Se preferir, es-
creva uma carta pedindo perdão a quem você precisa se
desculpar. A carta não precisa ser enviada!

138 O Livro de Afrodite


julgando a vida alheia
Fofoquinhas entre amigos são comuns, mas nesse momen-
to você costuma julgar os outros? Lembre-se do tipo de
comentários que mais saem da sua boca quando você é
exposta à história de alguém que não está presente. Você
apoia e manda energias de luz? Ou ridiculariza, inferiori-
za e humilha? Responda aqui com sinceridade! Cada um
está passando por uma luta pessoal, inclusive você. Seja
bondosa!

Inspira - revistainspira.com 139


OS GANHOS SECUNDÁRIOS
Por que você não para de se sentir culpada(o)? O que você
ganha, mesmo sem ser de caso pensado, carregando essa
culpa com você? Ela te faz se sentir aceita(o) de alguma
forma? Refita sobre isso aqui.

Por que você não para de julgar os outros? O que você


sente que ganha com esse tipo de julgamento?

E sobre o autojulgamento? Você faz isso? Por que não


muda? O que você ganha sendo tão exigente com você?
Que sentimento bom vem acompanhado disso?

Refita sobre isso. Encontrar os ganhos secundários de si-


tuações ruins em que nos colocamos exige muita coragem
de nossa parte.

140 O Livro de Afrodite


ANTÍDOTO CONTRA A AUTOCRÍTICA
Comece a criar! Use essa página para criar uma poesia,
um desenho, uma música, o início de um conto, um cro-
qui de moda, o rabisco de uma ideia de produto: qualquer
coisa! A criatividade é um antídoto contra a autocrítica.
A partir dela você aprende que a imperfeição é a mãe da
originalidade e a criação é uma força divina que não se
restringe ao que alguém diz que é bom o sufciente ou não!
Ela cria, e ponto.

Inspira - revistainspira.com 141


Cobiça,inveja e ciúme

Nem só de sentimentos nobres é composta a natureza humana. Não é


à toa que existem estruturas do aparelho psíquico determinadas a conter
o receptáculo de desejos recônditos: Freud o chamou de Id; Jung o deno-
minou de sombra.
Por contermos em nós a morada de sentimentos e desejos tão difíceis
de aceitar ser portador, como a cobiça, a inveja e o ciúme, é importante o
alerta: muitas vezes, esses sentimentos e desejos são inconscientes e im-
perceptíveis. Mas isso não quer dizer que eles não se manifestem. Muito
pelo contrário: é mais comum do que podemos imaginar, e eles podem até
ser disfarçados em “boas” ações ou em “bons” conselhos.
Anterior ao arqueólogo do inconsciente e ao escavador dos arquéti-
pos, o filósofo Spinoza (Ética, IV, Def. 8) lançou luz sobre a natureza
desses sentimentos renegados e os classificou como “paixões” que, além
de “apassivarem”, são determinadas pelo outro. Quando sentimos inveja,
cobiça ou ciúmes é a partir da relação com o exterior (o outro) e nos por-
tamos como um reflexo da ação ou do existir alheio; é uma resposta, uma
reação, por isso não estamos no domínio e “apassivamos” a ação correta.
A cobiça e a inveja, apesar de serem comumente confundidas como

Inspira - revistainspira.com 143


quase sinônimas, carregam distinções na direção da energia reativa: uma
tem potencial mais direcionador do desejo, menos destrutiva; a outra é
arrebatadora e destrutiva.
Na cobiça, por exemplo, vemos e queremos o potencial de beleza ex-
terior, do outro. Desejamos ter o que é do outro. No lado positivo, pode
servir de parâmetro para reconhecer o próprio desejo e orientá-lo. Mas no
lado negativo, se for permanente, é um erro na direção do olhar: passa de
um norte para um porto.
Esse aspecto mostra que a sua Afrodite está desequilibrada ou des-
viada de seu centro de potência. Apesar disso, a latência da beleza está
em você, é só florescê-la. A beleza de Afrodite é genuína. Ou seja, ela é
inerente e própria à Deusa. Afrodite vive a beleza para sentir a beleza, não
somente para a acharem bela. A flor é uma representação: ela é bela por
natureza, está em sua essência. E todos carregamos essa essência.
Quanto mais despertamos a Afrodite dentro de nós com o cultivo
da beleza, do autorrespeito e da não-idealização exagerada nas relações,
menos mudamos a perspectiva do olhar para os sentimentos recônditos: a
cobiça, a inveja ou o ciúme.
No caso da inveja, ela nos cega frente ao outro, a partir das nossas
próprias idealizações. A origem etimológica da palavra já direciona o seu
significado: vem do latim in videre, que significa “não ver”. Diferente da
cobiça, que também tem suas origens latinas (Cupiditas: desejo intenso,
ambição) e quer ter (igual) o que o outro tem, a inveja quer, além de pos-
suir, destruir o que é do outro, pois não aceita que ele tenha.
Algumas vezes, a inveja toma formas irônicas. Podemos ilustrar essa
ideia com relacionamentos amorosos. Por exemplo, uma pessoa inveja um
casal. Pode ser que ela seja próxima a algum dos dois. Pode ser, também,
que ela esteja solteira. “Acho que o seu relacionamento não está te fazendo
bem; você mudou. Fiquei sabendo que tem alguém interessado em você”,
diz ela. É como alguém que está esfomeado oferecer, ironicamente, pratos
de comida a quem está se alimentando, só pelo prazer de o ver largar o
prato atual.

144 O Livro de Afrodite


Percebemos outro tipo de sentimento manifestado em relacionamen-
tos amorosos. Agora é interno, entre o próprio casal. Quando o exterior e
o novo geram o medo da perda, é que outro sentimento vem à superfície:
o ciúme. Às vezes, há até uma romantização do ciúme como moeda de
valor dentro dos relacionamentos. Mas um alerta deve ser acionado para
quem sente e para quem é o objeto de ciúme: a ideia errada de que a pos-
sessividade funcione como um possível antídoto para a perda.
Nas artes, esse impulso contra o outro e em defesa do objeto amado
pode ser o clímax de histórias trágicas, como é em Otelo, o mouro de Veneza,
de William Shakespeare.
Chamado de honesto por diversas personagens, Iago esconde dentro
dessa perfeita máscara social a inveja que sente por Cássio, o próximo
tenente promovido pelo general Otelo. Com desejo de destruir o pro-
tagonista, Iago convence Otelo que Desdêmona, sua esposa, o trai com
Cássio. Cego de ciúmes, a trama chega ao clímax com Otelo esganando
Desdêmona.
O ciúme e a inveja não escapam nem aos deuses gregos. Certa vez, a
Deusa do Amor descobriu que Psiquê, uma jovem humana, estava sendo
declarada pelos mortais como a nova Afrodite, tamanha era a sua beleza.
Muitos passaram a dedicar oferendas a ela, e não à verdadeira Deusa. Para
acrescentar à sua revolta, Afrodite descobre que seu filho Eros casou com
Psiquê, segundo o conto romano de Apuleio. Nem mesmo a Deusa Afro-
dite estava liberta de sentimentos tão humanos, quanto o ciúme e a inveja.
Quando não exagerada ao nível das tramas do personagem Iago, que
desdobra em violência, ainda assim a inveja sempre resulta em raiva e em
frustração. Em outra perspectiva, há o pai da cobiça, da inveja e do ciúme:
o medo. Quem vive com medo, é escravo do que teme. O medo de ser
menos que o outro gera a cobiça; o medo de ser deposto pelo outro gera
a inveja; e o medo de perder o objeto amado gera o ciúme.
O antídoto para esses sentimentos é reajustar o olhar da sua Afrodite
interior. A visão deve ser direcionada para si, com amor-próprio, e para o
outro, com admiração. Além disso, é necessário evitar a idealização de si e
do outro, que resulta na comparação desmedida.

Inspira - revistainspira.com 145


inveja é querer
A inveja é um sentimento normal, que tem uma função na
psique como qualquer outro. Enquanto você não olhar para
ela com gentileza, ela vai continuar a te dominar. Então,
vamos ver o que ela quer?
Faça uma lista das coisas pelas quais você tem julgado e
ridicularizado as pessoas ultimamente. Do lado, depois de
refetir, dê um check se você sente que no fundo, no fundo,
gostaria de ter algo daquilo dentro de você.
Esse é um exercício profundo, pois nem sempre é fácil
admitirmos que aquele julgamento, aquele olho virado ou
aquela fofoca maldosa são inveja. Mas faça esse exercício
de se olhar com humildade, humanidade e sinceridade.

146 O Livro de Afrodite


CIÚME É MEDO
O que desperta o seu lado competitivo? Relembre algumas
vezes em que você se sentiu competitiva, com sangue nos
olhos, e encontre o gatilho que estava presente em todas
ou na maioria dessas situações. O que você tem medo de
perder?
Exemplos do que as pessoas costumam sentir ciúme: ci-
úme de não ser mais reconhecida pelo que era antes, de
perder o seu posto para uma amante mais jovem, para
um colega de trabalho mais dedicado ou para um irmão
mais novo. Isso leva à competição, podendo não ser muito
saudável!

Você mede o seu valor em comparação com os outros?


Em outras palavras, você só reconhece que você é boa em
uma coisa, quando outra pessoa se dá mal nela?

Inspira - revistainspira.com 147


Você já se percebeu tendo a necessidade de ser o centro
das atenções em uma reunião, festa ou até na mesa do
almoço de domingo em família? O que você costuma fazer
para chamar atenção (ou não)? Por que você acha que faz
isso? O que espera que as pessoas vejam em você ou o
que espera esconder delas? Responda a essas perguntas,
mesmo se você costuma fcar na sua concha, sem querer
chamar atenção.

148 O Livro de Afrodite


O corpo
Você se sente bem em habitar o seu corpo?
Algumas pessoas sentem dificuldade em viver dentro de seus corpos.
Para elas, é quase insuportável ter que lidar com os excessos e faltas pelos
quais eles são apontados, com os olhares que eles atraem e com a lem-
brança de violências e invasões pelas quais eles já passaram ou vivem com
medo de passar.
Para amenizar esse desconforto de se identificar com esses corpos que
enxergam como sendo tão inapropriados, alguns abusam de drogas, comida,
álcool, cigarros, trabalho e exercícios, ou se privam totalmente daquilo que
lhes faria bem.
Para não se incomodar com o seu corpo, a gente poderia sugerir que
você não ligasse para ele, fingisse que ele não existe e passasse corrida pelo
espelho, ignorando o que aparece refletido nele. Mas esse não é o caminho
de Afrodite.
Antes as mulheres turvavam as águas do banho para não verem seus
próprios corpos, pois isso era considerado falta de pudor. Quais são os
motivos disso? Já se perguntou? Não existe pudor na natureza. As flores
desabrocham sem medo do julgamento; o Sol não se envergonha de seu
brilho, nem por ser quente demais; os pássaros fazem suas danças de aca-
salamento sem receios de serem ridicularizados e os rios não retêm suas
águas só porque elas deveriam ser menos turbulentas na opinião de quem
quer que seja.
Afrodite quer que você se olhe, e se olhe bem fundo. Com aquele olhar
que energiza o que vê. E, a partir dessa transferência de energia, ela quer
que você reconheça que nesse corpo há beleza, que nesse corpo mora o
divino.
Não é apenas sobre se conformar com o seu corpo, é sobre amar o seu

Inspira - revistainspira.com 149


corpo. Amar ser ele, se regozijar em poder existir a partir dele, cuidá-lo
com carinho, nutri-lo com prazer, reconhecer que ele é a materialização do
sagrado que é a sua existência.
Afrodite quer que você traduza os segredos que estão inscritos nele
e que veja nesse corpo aquilo que ele realmente é: um leitor de mundos,
um registro da história da humanidade, uma forma de se obter respostas,
um sistema inteligente de sustentação biológica do milagre da vida, um
modo original de existir, um hábil mensageiro, uma ferramenta de dar e
de receber prazer.
Abandone qualquer coisa que faça você pensar que o seu corpo é algo
diferente disso.
Ele não é um objeto, ele não é um aparelho a ser subjugado, nem uma
ferramenta de dominação. Ele não é a fonte do pecado, ele não é a ori-
gem de todo o mal, ele não é um chamariz para pervertidos, ele não é um
convite para a violência e nem algo a ser possuído por alguém. Ele não é
uma matéria inútil, nem tampouco deve ter alguma utilidade. Ele não está
aberto a opiniões. Ele não tem uma forma certa de ser e nem uma forma
errada. Ele é você!

O seu corpo é a
materialização do
sagrado que é você
existir.

150 O Livro de Afrodite


Um corpo saudável é um corpo que integrou o amor. Um trecho de O
Banquete, de Platão, traz o médico grego Erixímaco declarando que o êxito
do médico consiste em saber provocar o nascimento da amizade entre os
maiores inimigos recíprocos existentes no corpo humano e fazer estabe-
lecer-se um amor mútuo entre eles, fazer com que a harmonia prevaleça.
O psiquiatra e escritor Bessel Van Der Kolk diz algo parecido. Em
seu best-seller O corpo guarda as marcas, ele afirma que “traumatizados só
podem se recuperar depois que se familiarizam com as sensações em seu
corpo e as tratam bem”.
Você tem olhado para o seu corpo com essa lente amorosa?
Na maioria das vezes, nós nem lembramos que temos um corpo. Você
já sentiu que estava vivendo da cabeça pra cima?
A nossa sociedade faz todo tipo de paparicos para a mente, e coloca o
corpo como algo útil, mas não muito nobre.

“Nossa vida é um único corpo,


da concepção à morte, e eis o
que é preciso aprender: a
totalidade dele”.
Joseph Campbell

Isso é tão verdade, que a ciência pensa em substituir os corpos. Os


carros substituem a caminhada, os operários dão lugar às máquinas e os
robôs vão progressivamente assumindo o controle da maior parte das
nossas tarefas que demandam o corpo. Estudos dizem que, em 2045, um
em cada cinco jovens fará sexo com um robô de forma habitual (Itziar
Matamoros, El País).

Inspira - revistainspira.com 151


Os impulsos da ciência são um reflexo de nossas demandas coletivas,
e ela concluiu que usar o corpo o menos possível seria o melhor. Talvez
assim a gente pense menos na “limitação” que é ter um corpo.
Nessa onda em que tudo tem uma função, ou que tudo tem que fun-
cionar em alta capacidade, nos sentimos atraídos a dar um sentido utilitá-
rio aos nossos corpos, ainda que inconscientemente. Compramos próte-
ses que ampliam as nossas capacidades e destituímos nossas funções em
relação à máquina. Próteses de beleza, próteses de potência, próteses de
força e próteses de amor.
Enquanto reforçarmos a visão utilitarista de que o corpo é algo que
temos, e não o que somos, vamos continuar pensando nele como uma
compra ruim da Black Friday que gostaríamos de devolver, e não dá; ou
como aquele carro velho que a gente tem que ficar levando para a oficina
o tempo todo com vergonha de ele não ser o carro do ano.
Em resumo, enquanto continuarmos procurando as utilidades do cor-
po, vamos continuar pensando nele como uma coisa: um objeto a ser es-
condido ou ostentado, e não como o que ele é de verdade: uma ponte
sinestésica para o viver.

“Quando nossos sentidos ficam


abafados, deixamos de nos
sentir plenamente vivos”.
Bessel Van Der Kolk
Nos vemos como máquinas, mas não aprendemos a usar essas máqui-
nas da forma correta. O modo de uso é simples: com amor. Não lemos
o manual de instrução que está nos nossos sentidos, na nossa própria
sensibilidade que nos aponta o que é bom ou não e, pelo que parece,
nem sequer nos perguntamos quem é o real proprietário. Vamos apenas
recebendo ordens de cima, que apontam qual seria a “melhor maneira”

152 O Livro de Afrodite


de operar.
Você permite que o seu corpo seja você?
Diga a verdade: você costuma ouvir o que o seu corpo tem lhe dito?
Você respeita a dor de cabeça como um momento para desacelerar o pen-
samento? Você muda a sua postura quando as costas começam a pedir aju-
da? Quando a presença de alguém te faz revirar o estômago, você respeita
o sinal que o seu corpo está lhe enviando?
A psicoterapeuta Jean Shinoda Bolen defende que os corpos têm sa-
bedoria: “quando sabemos algo em nossos corpos, bem como em nossa
mente e coração, então sabemos algo profundamente sobre nós mesmos,
e é esta dimensão que está desequilibrada em nossa civilização. Tem sido
uma psicologia paterna, bem como uma teologia paterna, onde a mente,
as interpretações e a palavra são a experiência transformadora, e isso não
é verdade [absoluta]”.
Esse modo de ver que enxerga a mente como a única capaz de gerar
experiências dignas e transformadoras faz com que sintamos cada vez
menos o corpo. O médico Wilhelm Reich, dissidente da Psicanálise, fa-
lava que o bloqueio contra as excitações emocionais resultava em rigidez
no corpo e em falta de contato emocional, o que ele nomeou de couraça
muscular.
Funcionaria assim: uma criança que, por exemplo, não é ouvida ou que
tem sua fala invalidada por pais ou outras pessoas criaria um enrijecimento
na região da garganta que a inibiria de se manifestar em outras ocasiões
(apresentações escolares e comunicação interpessoal em outras fases da
vida). Além disso, esse enrijecimento poderia levar a somatizações como
dificuldades na fala, desconfortos na garganta e problemas respiratórios.
Com os sucessivos silenciamentos do corpo, vamos negando nossa
capacidade de sentir e a potência que reside em nossa materialidade física.
É preciso reaprender a sentir, a mover-se, a recuperar os sentidos. Isso
é ser inteiro. Visão, audição, olfato, paladar e tato são as ferramentas que
temos para apreender o mundo.

Inspira - revistainspira.com 153


De que mundo o teu corpo está te alimentando? Você tem desfrutado
das texturas, sabores, aromas, sons e cores do mundo? Quando você faz
os seus trajetos de rotina, você costuma ativar os seus sentidos para ab-
sorver as fontes de beleza do mundo? Você usa o seu corpo como uma
ferramenta de conhecer os mistérios da vida?

“O nosso corpo é basicamente a


nossa ligação com a
Terra, através dele nós
temos os nossos sentidos”.
Zelinda Orlandi Hypolito

Nossos sentidos atestam que estamos vivos, nos trazem para o mo-
mento presente e nos levam a perceber que existe um outro, com o qual
podemos nos comunicar e cujo toque, olhar e qualquer outra interação
sensorial podem nos lembrar de que realmente existimos.
Talvez essa seja uma sensação familiar para você! Sabe quando a gente
se sente triste, está passando por um dia difícil e recebe um abraço? A
partir daquele momento parece que todas as emoções são reorganizadas e
você se sente um pouco melhor para lidar seja lá com o que for.
O toque, apenas a título de exemplo, é o ato pelo qual se manifesta
o tato, que por sua vez é o primeiro sentido que desenvolvemos a partir
do nascimento. Inúmeras pesquisas trazem esse sentido como importante
para o sistema imunológico e para a saúde cardíaca e cognitiva. O Insti-
tuto de Pesquisa do Toque, da Universidade de Miami, comparou dois
grupos de bebês prematuros hospitalizados. O primeiro era tocado apenas
em situações inevitáveis, como durante a alimentação e a troca de fraldas,

154 O Livro de Afrodite


enquanto o segundo recebia 45 minutos de carinho por dia. Vinte dias
depois, os bebês do grupo que era tratado com carícias haviam ganhado
47% mais peso do que os demais e recebiam alta antes.
O pesquisador Armando Siqueira Neto, em artigo científico sobre a
importância do toque no desenvolvimento individual, revela que “a crian-
ça resiste à ausência de muitas outras coisas, desde que exista o toque
amoroso”.
Além desse fator social importante que nos leva à unidade, as sensa-
ções físicas criam a percepção que fazemos de nós mesmos. Que impor-
tância isso tem? Simplesmente, toda. Bessel Van Der Kolk escreve: “O
preço de ignorar ou distorcer as mensagens do corpo é tornar-se incapaz
de detectar o que é verdadeiramente perigoso ou nocivo para si e, por
outro lado, o que é seguro ou propício”.
Em outras palavras, o preço é não saber quem é e nem aonde quer
chegar, é a incapacidade de tomar decisões ou de criar planos e imaginar
situações prazerosas, porque você não sabe o que é sentir prazer para
você. É se sentir literalmente sem sentido(s).
Os sentidos são um presente de amor de Afrodite. Cabe a nós usá-los
para praticar amor com nós mesmos, identificar nossas preferências e ex-
perimentarmos as dores e delícias que estão à disposição.

ESCANEAMENTO CORPORAL
Deite-se em um lugar calmo, inspire e expire lentamen-
te e, a partir daí, preste atenção nas diferentes partes do
corpo sentindo como está cada uma delas. Comece pelo
topo da cabeça e vá descendo, sem se esquecer dos bra-
ços. Dor, desconforto, tensão, vibração, relaxamento, o que
você sente? Perceba o que você não estava percebendo
e, conforme expira, imagine que está mandando embora
tudo o que é desconfortável.

Inspira - revistainspira.com 155


perceba!
A partir do exercício de escaneamento corporal, você teve
a impressão de que algumas partes do seu corpo você não
sente mais, que por algum motivo pareciam desconecta-
das ou enrijecidas? Quais partes eram essas? Escreva so-
bre isso.

Você sente dor ou desconforto em alguma parte do seu


corpo? Qual? Se essa parte do seu corpo fosse um ser
animado e falante e você fzesse a pergunta mágica: “Por
que você está se sentindo assim?”, o que ela responderia?
O que veio à sua cabeça? Anote!

Feche os olhos e peça que alguém coloque um objeto em


suas mãos. Com os sentidos restantes (tato, olfato, audição
e – talvez – paladar), tente descobrir que objeto é esse.
Durante um dia, anote as sensações que você sentir no seu

156 O Livro de Afrodite


prazer, corpo!
corpo em momentos importantes do dia como: ao acordar,
ao sair de casa, ao chegar ao trabalho/faculdade, ao conver-
sar sobre assunto negativo, ao falar sobre algo positivo, ao
encontrar determinada pessoa. Não se atenha às emoções
como raiva, ansiedade ou alegria, mas a sensações físicas,
como: pressão, calor, tensão muscular, tremedeira involuntá-
ria, coceira, dor, fsgadas, formigamento, um vazio ou mes-
mo “borboletas na barriga”. Se dê conta do funcionamento
do seu corpo pela primeira vez!

Inspira - revistainspira.com 157


INTELIGÊNCIA SENSORIAL
Com o exercício anterior, você deve ter observado como o
seu corpo reage a determinadas pessoas, pensamentos e si-
tuações. Em um momento, o coração acelera ou o nervoso
aparece na barriga; no outro, você se sente calma e entre-
gue. Essa é a forma que o seu corpo tem de se comunicar
com você e te revelar muito conhecimento. Você aceita ou-
vir essa inteligência ou para você “não se deve dar muita
importância a ela, o cérebro é soberano”? Você valida as
suas sensações ou as desmerece, as rebaixando ao título de
“apenas uma impressão”?

158 O Livro de Afrodite


quem é esse corpo?
Antes, as mulheres turvavam as águas do banho para não
verem seus próprios corpos, pois isso era considerado fal-
ta de pudor. Em um momento de solitude, você com você
mesma, fque nua e se olhe no espelho, desbravando todas
as partes que você não presta atenção em você mesma.
Olhe-se, tente sentir o seu cheiro, a textura e a temperatu-
ra da sua pele. Descreva como você se sentiu!

O que o seu corpo representa para você?

Como você interpreta que a sua mãe se sente em relação


ao corpo dela? Essa sua impressão de como a sua mãe lida
com o próprio corpo pode ter refetido na maneira como
você lida com o seu corpo?

Inspira - revistainspira.com 159


minhas bênçãos ancestrais
Em algumas culturas, o corpo curvilíneo é aquele que re-
presenta o formato do planeta Terra, onde tudo ganha vida.
Os dentes incisivos, separados, se tornam uma abertura por
onde o divino se comunica. As pernas curtas te põem mais
perto do coração da terra. E o nariz grande te abre para
respirar o sopro da vida. Quais bênçãos ancestrais o seu
corpo carrega? Faça o exercício de olhar para si e reco-
nhecer as bênçãos que seus antepassados te enviaram no
código genético através do tempo. Depois, tente entender
como essa característica física sua pode estar imbuída de
sagrado. Veja a vida com mais poesia!

Você menstrua? Descreva como se sentiu a primeira vez que


esse ciclo se fez presente em seu corpo feminino? Quantos
anos você tinha? Quais pensamentos passaram pela sua ca-
beça? Quem te explicou o que estava acontecendo, e como?
Que sensação você teve com relação a isso? Que crenças
você carrega hoje sobre a menstruação?

160 O Livro de Afrodite


O sangue menstrual é o único que não parte da violência ou do sofrimento,
e ainda assim é comum pensarmos nele como um tabu. Ressignificar isso é se
reconciliar com nosso poder criador e criativo e, consequentemente, com o poder
pessoal feminino.
Quando o corpo da mulher era o equivalente ao corpo da Grande Deusa,
na infância cultural da humanidade, o corpo feminino representava o milagre
da vida. Acreditava-se, que, durante a gravidez, o corpo retinha o sangue para
manifestar um bebê e que quando a mulher parava de sangrar, na menopausa,
por exemplo, a crença era a de que agora o corpo retinha o sangue para gerar
sabedoria.
As culturas hopi, da América do Norte, e quéchua, da América do Sul,
têm a noção ritual de que o sangue menstrual deve ser devolvido à terra para
nutri-la. De acordo com sua profecia, o mundo foi tomado por violência quando
as mulheres pararam de “plantar a lua” – como ficou chamado o ritual de diluir
sangue em água e regar as plantas – e, quando elas voltarem a fazer isso, a
violência cessará. O poder do feminino nutridor, o poder de Afrodite, seria capaz
de transformar guerra em amor.

Inspira - revistainspira.com 161


TEMPO PARA A MULHER SELVAGEM
Ao longo da história e das diferentes culturas, o período
menstrual já foi interpretado ora como proteção e presen-
ça do sagrado, ora como maldição e feitiçaria capaz de
azedar a cidra, as carnes e o açúcar. Apesar das crendices,
o período pré-menstrual é um período em que os fltros
entre a mulher domesticada e a mulher selvagem se en-
curtam, e acaba que há uma maior possibilidade de ser
mais você mesma. Sem tantas máscaras. Como é você na
TPM? Você percebe alguma alteração na maneira como
você se posiciona nas conversas, no seu humor e nas suas
emoções?

162 O Livro de Afrodite


O TEMPLO DA DEUSA
O seu corpo é o templo da deusa. Como você cuida dele?
Alimentação, exercícios adequados, rituais de vestir-se e
aplicar cosméticos, massagem, toques gentis, bronzear-se,
banhar-se, conexão com os ciclos lunares, sexualidade sa-
grada, exames com regularidade, aceitação. É pelo corpo
que o amor entra em você!

Apesar disso, à primeira vista, parecem todos “assuntos


de menina”. E pelo mesmo motivo são considerados futi-
lidades em nossa sociedade, e mesmo uma afronta para
os avanços políticos e sociais das mulheres nas últimas
décadas. Isso pode sustentar a crença de que inteligência e
beleza se anulam ou de que beleza por fora é sinônimo de
vazio por dentro. Você deve estar percebendo que o femi-
nino foi negado de muitas formas na estrutura cultural em
que estamos inseridos. Mas qual é o problema de se amar
por inteiro (alma, mente e corpo)?
Gostando ou não dos cuidados que citamos acima, você
já sentiu um autojulgamento por dispensar tempo a essas
atividades? E, se você não se importa tanto assim com
isso e é daquelas pessoas que totalmente condenam a vai-
dade, será que você não se importa em como os outros
te veem porque, na realidade, nem você se importa muito
consigo mesma?

Inspira - revistainspira.com 163


TEMPO, TEMPO, TEMPO
Como você lida com a passagem do tempo pelo seu cor-
po? Com pesar? Temendo a “terrível” Lei da Gravidade
que faz os corpos tenderem para baixo? Pensando que a
vida acaba quando se chega aos 60 e que a partir daí é a
sua vez de deixar o palco e sair de cena? Ou imaginando
que quanto mais tempo você tiver, mais experiências pode
acumular e compartilhar e, assim, mais sabedoria, mais
amor, mais autonomia sobre si mesma e sobre o seu pró-
prio corpo, prazer, desejos e formas de se expressar e, por-
tanto, mais histórias para viver e em melhores condições
de ser você mesma? O que você pensa sobre envelhecer?

Independente da sua idade, faça o exercício de se imaginar


mais madura. Se for difícil visualizar isso, você pode con-
tar com a ajuda de um desses aplicativos que brincam com
imagens. Quem é essa pessoa? O que o olhar dessa mulher
conta? O que conta seu sorriso, suas manchas, suas rugas,
seus cabelos e seu corpo? Quem foi que inventou que isso
é feio? Que tipo de vida essa mulher está vivendo agora?
Ela não merece prazer? Ela não merece mais desejar? Ela
não merece se sentir viva? Sentir alegria em viver nesse

164 O Livro de Afrodite


corpo é algo vergonhoso? Você realmente pensa isso dela?

Envelhecer é a
manifestação
estética da
magnitude do tempo.
Relacionamentos

Afrodite é uma das deusas que mais teve casos amorosos de todo o
panteão grego. Hefestos, Ares, Hermes, Dionísio, Poseidon, Adônis, An-
quises... Acima dela em número de contatinhos, apenas Zeus.
O que essas relações sexuais e românticas significam na mitologia?
Elas são símbolo de uma força inédita que vai surgir dessa combinação
entre deusas e deuses ou entre deuses e mortais.
Se Afrodite é interpretada como promíscua, é exatamente pelo mesmo
motivo que pode ser lida simbolicamente como uma das divindades mais
poderosas. Ela vê o amor como uma forma de conhecer e de ser conhe-
cida, e dessa comunhão ela cria o novo em esferas físicas, psicológicas,
emocionais e espirituais.
Isso lembra muito a fala de Diotima de Mantineia, mulher sábia que
aparece dialogando com Sócrates acerca do amor n’O Banquete, de Platão.
Diotima afirma que a principal função do amor é ensinar virtude às almas
dos homens, e a mais alta de todas as virtudes é o saber.
Em relações íntimas – sejam elas românticas, familiares, fraternas ou
sororas –, temos a oportunidade de conhecer o mundo do outro, mas
também de conhecermos a nós mesmos.
Relacionar-se é o segundo parto. Está associado ao processo de indi-

Inspira - revistainspira.com 167


vidualizar-se, diferenciar-se, tornar-se quem se é. É a partir do contraste e
do respeito do outro que vemos quem realmente somos.
Quando nos relacionamos, aprendemos cada vez mais sobre nós e re-
conhecemos o limite de quem somos, e de quem é o outro. Talvez seja
por isso que Afrodite, com toda sua beleza e poder de sedução, nunca foi
submetida a violações de nenhuma natureza. Ela era dona de si, por ser
detentora do conhecimento de quem era. Quando uma deusa sabe muito
bem quem é e a que veio, ela sabe também impor seus limites.
Ainda em O Banquete, Platão dá a voz ao dramaturgo grego Aristófanes
que, em seu elogio a Eros, lança mão de um mito muito antigo: o Mito da
Alma Gêmea ou o Mito do Andrógino. No princípio, ele conta, o humano
era uma forma redonda, a perfeição para os gregos, composta de quatro
braços, quatro pernas, duas cabeças... E assim sucessivamente. Tudo o que
hoje temos em um corpo, no corpo do humano primevo era duplicado.
Esses corpos podiam ter dois pênis, duas vaginas ou uma vagina e um
pênis, o que foi chamado posteriormente de andrógino.
De forma circular, sua locomoção respeitava a mesma geometria, e por
isso eles eram ágeis como uma roda, detentores de força e vigor espan-
tosos, e dotados de uma grande presunção. Um dia resolveram se voltar
contra os deuses e tentaram escalar até o céu. Como punição, Zeus os
dividiu em dois: “Eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo
eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de se terem
tornado mais numerosos”, justificou o soberano do Olimpo.
Desde que a nossa natureza se mutilou em duas, cada metade começou
a vagar pelo mundo à procura de sua outra metade. Algo faltava. Estáva-
mos mais fracos.
Quando se encontravam, as metades se uniam com ardor, se entrela-
çando uma à outra, e ali morriam de fome ou de inércia, sem querer soltar
a outra parte.
Zeus se compadeceu e pediu que Apolo fizesse uma nova interven-
ção, colocando os sexos na parte da frente dos corpos e assim criando a
sexualidade e a reprodução. Dessa forma, poderiam se saciar no convívio

168 O Livro de Afrodite


de um com o outro, para logo em seguida, voltarem às suas ocupações no
mundo.
É assim que o amor representa um ponto de contato entre nós e a
nossa antiga natureza superpotente. Fazendo de dois, um só, ele é capaz
de relembrar quem somos e curar o vazio que a separação provocou.

“O encontro de duas persona-


lidades é como o contato de
duas substâncias químicas: se
houver alguma reação, ambas
são transformadas”.
Carl G. Jung

Se você não é da opinião de que o outro te completa, o mito nos faz


pensar que o outro – ainda assim – tem muito a nos agregar e nos fazer
crescer.
Acontece que, aqui, o remédio pode se transformar também em vene-
no. A própria palavra latina venenum faz referência à deusa Vênus, a versão
romana de Afrodite. Essa substância tóxica, prejudicial, em sua origem
venusiana guarda o sentido de uma poção do amor, um remédio para
todas as doenças.
Mas quando o amor vira um problema?
A maneira como vamos nos relacionar não surge do nada, ela vem da
infância e carrega marcas que se reencenam, senão por toda a vida, por

Inspira - revistainspira.com 169


boa parte dela. Essas marcas são a maneira como nossos pais se relaciona-
vam; a quantidade de amor que recebemos; se vimos isso como algo bom
ou sufocante, que impedia a liberdade; a segurança que a relação deles nos
passou; as crenças ligadas ao amor que construímos ao longo de nossa
educação inicial; os avanços desmedidos da parte dos outros que foram
entendidos como prazer, invasão, privação, pecado e os muitos outros
significados que podemos ter dado às situações e sensações a que fomos
expostos.
“Que fique claro para nós que, através da junção de predisposições ina-
tas e influências durante os anos de infância, todas as pessoas adquiriram
uma determinada idiossincrasia ao conduzirem a sua vida amorosa, ou
seja, daí vêm as condições que a pessoa estipula para o amor, as pulsões a
satisfazer e as metas almejadas.
Isso resulta, digamos, em um clichê (ou em vários deles), que ao longo
da vida é repetido regularmente, é reeditado, na medida em que as condi-
ções externas e a natureza dos objetos amorosos acessíveis o permitirem,
o que certamente não é de todo imutável, mesmo diante de impressões
recentes”. Quem diz é Sigmund Freud.
Percebeu que aí está a origem do que é popularmente chamado de
“dedo podre” ou do “azar no amor”?

“O problema é com a minha


infância, viu. Nunca soube
o que era amor...”
Charles Bukowski
Para o psicoterapeuta Gustavo Barcellos, a mitologia nos ensina a par-
tir das teias de relações que cada deus estabelece com os demais perso-
nagens de seus mitos. Dessa forma, Afrodite nos fornece as pistas de
algumas feridas que podem nos colocar na trilha errada para o amor.

170 O Livro de Afrodite


O amor como uma doação de caridade (Hefestos), como a supressão
de uma carência (Ares), como uma forma de minimizar a culpa (Adônis)
ou como uma nota de agradecimento (Hermes). Dentro de cada uma das
relações da Deusa há um lado sombra que podemos encontrar em nós
mesmos, tendo origem na infância e se propagando, como um padrão, em
todas nossas vivências amorosas ao longo da vida. Encontrar o lado luz
dentro de cada um desses mitos relacionais é o caminho para a transfor-
mação.
Outro fator de repetição não está ligado a nenhuma relação específica
da Deusa, mas a todas: a perspectiva da sedução como um jogo, no qual
seduzir e provocar desejo vai contando pontos para si mesma, fazendo
com que se avance casas como em um jogo de tabuleiro. Se o indivíduo
ainda possui a combinação de Ártemis (a deusa da caça) junto com Afro-
dite como arquétipos predominantes, essa pessoa pode se tornar uma ver-
dadeira caçadora de corações.
A série Modern Love, inspirada em histórias reais sobre o amor publica-
das na coluna homônima do jornal The New York Times, traz um episódio
que ilustra uma faceta dessa situação. Em um momento de sinceridade,
Yasmine revela ao seu pretendente um comportamento quase que invo-
luntário seu: “Por que essa necessidade de conquistar estranhos? Aquele
comentário que você fez sobre os caras ficarem me olhando. Eu provoco
isso. Minhas amigas e eu fazíamos isso no metrô na adolescência. Na es-
cada rolante, competíamos para ver quantos caras iam nos notar. Contato
visual e um sorriso. Só isso”.
Qual desejo infantil essa personagem reencenava em sua vida a cada
vez que fazia isso? Qual ferida a sua criança interior congelada em seu
inconsciente queria ter uma oportunidade nova de curar? Responder isso
é a chave que leva a se colocar melhor em cada novo relacionamento e
também com a visão que ela faz de si mesma.
Isso que falamos sobre padrões de repetição infantis também tem a ver
com projeções. É comum que esse conflito original se projete em perso-
nagens e situações bem parecidas, na tentativa de reencenar e resolver o

Inspira - revistainspira.com 171


dilema. Na prática, acontece que a tentativa de salvar o pai alcoólatra, se
torna o comportamento controlador com o marido; uma pessoa se vinga
da mãe dominadora fugindo das responsabilidades familiares, como se
dissesse “ninguém vai mandar em mim”; e abandona a família por supos-
tamente qualquer motivo só para sentir o que seu pai sentiu quando disse
que ia comprar um cigarro e desapareceu.
Pode acontecer também uma relação de dependência com o(a) parcei-
ro(a), quando a importância dos pais como sustentadores e guardiões da
vida não foi superada. Uma mulher, por exemplo, se sente frágil e despro-
tegida e reconhece as qualidades opostas no namorado, se apegando a ele
como se ele fosse a salvação de sua vida! Aos poucos, ela vai relegando a
ele seu poder pessoal e sobrecarregando cada vez mais o parceiro, enquan-
to não entender que aquilo que ela vê nele, também existe nela; tendo sido
apenas reprimido como forma de proteção e de se sentir aceita em algum
momento da sua vida...
Por isso, o primeiro passo para uma boa relação é: encontre as suas
projeções, e integre-as. Enquanto isso não acontece, com mais força so-
mos controlados por elas em um jogo de atração e repulsão extremos que
extraem nossa energia psíquica e fé na vida.
A projeção é um mecanismo psicológico inconsciente que nos “pro-
tege” de nós mesmos. Sabe aquelas partes que não reconhecemos em nós
mesmos e fomos colocando para debaixo do tapete? A maldade, a inveja, a
sexualidade, a sensibilidade, a criatividade, a rebeldia, a coragem... Depen-
dendo da fachada que criamos para nós, todas essas características (que
você pode julgar hoje como boas ou ruins) podem ter sido reprimidas
na fase da sua educação, mas nunca deixaram de existir. Elas existem no
plano inconsciente, no que Jung chamou de sombra.
O psicoterapeuta John A. Sanford explica que “essa parte não reconhe-
cida, mas muito viva em nós, projeta-se sobre outras pessoas de tal modo
que vemos algo nos outros que realmente é uma parte de nós mesmos”.
Esse é o fenômeno por trás das pessoas que ficam como que enfeitiça-
das pelo parceiro e também das pessoas que, depois de um tempo, come-

172 O Livro de Afrodite


çam a azedar o relacionamento, encontrando defeito em qualquer coisa e
sabotando a relação à maneira como ela acha que deve ser sabotada para
reviver a história que tem na memória dos pais ou do que acha que o amor
deve ser, inconscientemente. Ou mesmo da ideia que faz de como as pes-
soas devem ser: iguais a ela. Se ela reprimiu tudo aquilo, o outro também
precisa passar por essa repressão.
Mas quem integra aquilo que achou melhor jogar no inconsciente, não
projeta e nem mendiga amor.
O segundo passo para uma boa relação tem a ver com imagens mentais
que vem de fora, o que significa ver a grama do vizinho sempre como a
mais verde ou em acreditar na ideia de que haverá uma relação perfeita:
sem discussões, sem desentendimento, sem conversas sérias, sem discor-
dância e repleta de virtudes. Fuja da idealização!
O amor, tal como conhecemos, surgiu em oposição ao contrato do
casamento, que firmava a aliança entre benefícios e economias, mais do
que entre dois corações apaixonados. Comentamos isso no capítulo sobre
o Amor.
Hoje, no entanto, parece que estamos voltando ao sistema antigo, em
que só o que importa, como em um produto que você escolhe no super-
mercado, é o que aquela pessoa tem de bom: embalagem atraente, preço
razoável e útil ao freguês. Quando ela começa a mostrar seu quinhão de
humanidade, mandamos logo um “thank you, next!”. Descartamos e pro-
curamos um novo alguém. A idealização mascara o medo da solidão e o
medo da intimidade, ela é o oposto do relacionar-se, ela é de uma natureza
diferente da de Afrodite.
Entenda que cada relação tem um pacto próprio, você não precisa ter
uma relação igual a de outra pessoa só porque está na moda ou porque
é assim desde que o mundo é mundo. A equação é simples: você aceita
aquilo que te faz bem, e rejeita aquilo que não te faz bem. Você é sempre
o seu próprio termômetro. Assim como o seu companheiro(a) deve ter o
seu próprio, e isso deve ser comunicado e pactuado constantemente.
Tentar parecer o que não é, é um erro que cobra suas consequências

Inspira - revistainspira.com 173


mais cedo ou mais tarde.
Antes de amar qualquer pessoa, é preciso aprender a se amar e se acei-
tar. Sem isso, não há amor, há apenas relações de poder, onde alguém está
em sofrimento silencioso.

“Onde o amor impera, não há


desejo de poder; e onde o
poder predomina, há falta de
amor. Um é a sombra do outro”.
Carl G. Jung

Quebre as ilusões que existem sobre as pessoas e permita-se ser huma-


na, ser real, abrindo espaço também para a humanidade do seu parceiro(a).
Afrodite se relaciona com deuses, mas também com mortais. E, quando
for quebrar essas ilusões, quebre também a da estabilidade dentro de um
relacionamento. A de que tudo vai ser sempre igual e um eterno marasmo.
A psicoterapeuta Esther Perel conta, no livro Sexo no cativeiro, que a
maioria dos casais que atende reclamam que o desejo desapareceu com a
intimidade ao longo dos anos. Mas ela acredita que amor e desejo não são
opostos que se anulam. Dá para haver desejo onde há amor. A solução
para isso é encontrar o elemento de imprevisibilidade, descontinuidade e
novidade dentro do relacionamento amoroso.
Em uma linguagem mais prática, isso exige que um não se dissolva no
outro, que ambos continuem sendo pessoas autônomas e que guardem
seus próprios mistérios, e que se exercite o olhar permanente de enxergar
o que há de encantador no parceiro(a). Não é porque se aprendeu a viver
no cotidiano e na intimidade que essa pessoa passou a ser um objeto banal

174 O Livro de Afrodite


e ultrapassado, indigno de desejo e paixão. Cada ser humano é um mundo,
uma caixa sem fundo que contém e atualiza uma infinidade de temas des-
conhecidos que podem fazer com que você se apaixone de novo e sempre
pela mesma pessoa.

Afrodite e Hefestos:
No dia em que Afrodite foi levada ao Olimpo, Hefestos – o filho man-
co e renegado de Zeus – tramava uma vingança contra sua mãe biológica,
Hera, prendendo-a a um trono que havia fabricado especialmente para ela.
Zeus pediu que ele a libertasse, ao que o deus da forja respondeu que só
faria isso se pudesse desposar Afrodite. Vendo o sofrimento no olhar de
Hefestos e cheia de compaixão, Afrodite aceitou o pedido sem titubear.
Essa é uma das versões do encontro entre Hefestos e Afrodite. Nela,

Inspira - revistainspira.com 175


vemos que um lado sombra desse casamento é que Afrodite se relaciona
movida por caridade ou pena.
Para uma pessoa que age assim, a infância pode ter sido marcada por
pais que mandavam mensagens conflituosas para a criança: de que afeto é
uma questão de educação. Eles podiam até exigir que a criança se mostras-
se “educada”, demonstrando carinho, dando beijo ou abraçando alguém
como formas de expressar isso. Mas afeto é algo naturalmente espontâ-
neo: ou você gosta ou não gosta de algo, não tem como forçar.
Esse relacionamento é marcado pela insatisfação de Afrodite e por
inúmeras traições da parte da Deusa, que se apaixona pelo irmão de He-
festos, Ares. E também pela humilhação de Hefestos, que vê a mulher que
tem como musa e salvadora se desfazendo dele. Sofrimento generalizado!
Para reverter o quadro, além da tomada de consciência, a pessoa pre-
cisa recuperar a sua capacidade de ser criativa e reinventar a sua própria
vida, questionando as crenças que colocou como dogmas e aprendendo a
ouvir a sua musa interior. A ordem do dia é se reconectar com a sua sensi-
bilidade, assim como um artista, e aprender a ouvir aquela voz que inspira
lá dentro e que faz tudo pulsar.

Afrodite e Ares:
A relação entre Afrodite e Ares surge da carência da Deusa, constan-
temente abandonada por Hefestos. Seu marido tentava provar seu mereci-
mento produzindo as mais belas e úteis invenções que já existiram ou que
um dia ainda vão existir. Assim, ele se afastava cada dia mais da Deusa.
Carente e se sentindo sem amor, Afrodite cede aos encantos de Ares,
o deus da guerra, e se apaixonam. Seus encontros são tão regulares, que
eles são popularmente reconhecidos como um casal, muito mais do que
Afrodite e Hefestos, seu cônjuge. Com Ares, Afrodite tem três filhos.
Essa combinação, no entanto, é explosiva, podendo ser comparada
àquelas relações ping-pong, marcadas por idas e vindas, muitas brigas e
muito sexo, explosões emocionais, joguinhos amorosos e triângulos, acor-

176 O Livro de Afrodite


dos de traição tácitos, ciúme e possessividade.
A carência surge quando a pessoa está frágil, desconectada de seus
fluxos e da sua verdade interior e abre espaço para a entrada avassaladora
de qualquer um em seu coração. Tem origem também em feridas infantis
de abandono e de desamor, que faz com que a pessoa confunda a pos-
sessividade do parceiro(a) com a proteção e carinho que gostaria de ter
recebido dos pais.
O mito mostra que uma possível solução para essa ferida é viver com
Harmonia, como se chama a filha do casal. Como bem explica o médico
Erixímaco, na obra O Banquete, de Platão, a harmonia não é a simples
união de contrários, mas a união a partir de um acordo. É quando o grave
e o agudo concordam em fazer música, e não barulho.
Em outras palavras, a cura para essa ferida, a nível psicológico, é sair
de um lugar passivo que enxerga a carência de uma forma vitimista, e
encará-la de um lugar ativo. Entender que a falta existe, e que ela pode ser
apenas uma polaridade da abundância, dependendo da sua perspectiva.
Compreender que a carência é uma fase da plenitude e não uma situação
permanente e definitiva e, a partir daí, criar um acordo consigo para que
se possa produzir beleza com o que você tem, que é você mesma, a pessoa
mais importante do seu mundo.
Faça as pazes com você, se ame, aprenda a fazer música com as suas
polaridades e descubra que você merece ter um amor harmônico.

Afrodite e Adônis:
Um dia, a mulher do rei Cíniras, do Chipre, cometeu a bobagem de
dizer em voz alta que sua filha, Esmirna, chegava a ser mais bonita do que
Afrodite. Isso bastou para despertar a vingança da Deusa. Afrodite fez
Esmirna apaixonar-se pelo próprio pai. Descontrolada de amor, Esmirna
embebedou o pai e deitou-se com ele por muitas noites.
Quando o rei Cíniras descobriu que Esmirna estava grávida e que ele
seria o avô e também o pai da criança, teve um ataque de ira e a perseguiu

Inspira - revistainspira.com 177


com a espada até o alto de uma colina. Nessa hora, Afrodite transformou
Esmirna em uma árvore de mirra, mas o rei a cortou pela metade. Desse
corte, veio ao mundo Adônis.
Tomada de culpa, Afrodite resgatou a criança e pediu que Perséfone,
a deusa e rainha do mundo dos mortos, a guardasse em um lugar escuro.
Quando cresce, Adônis se torna um mortal de beleza destacável. Afro-
dite se fere acidentalmente em uma das flechas de Eros e acaba se apaixo-
nando perdidamente pelo filho de Esmirna. Adônis a corresponde e Ares
fica enciumado de perder sua amante.
O deus da guerra então envia um javali enorme para que, durante uma
caçada, o animal fira Adônis mortalmente. Quando Afrodite chega, já é
tarde demais: Adônis morre em seus braços.
Sofrendo, Afrodite coloca beleza em sua dor transformando o san-
gue de Adônis em flores vermelhas que recebem o nome do seu amado
e que são popularmente chamadas de flor-do-vento, pois o vento dispersa
suas pétalas destruindo a flor, mas também é assim que faz com que elas
renasçam em outros lugares e de outras formas.
Em seguida, Afrodite vai ao Hades, o lugar para onde vão as almas
dos mortos e pede que Hades, o deus dos mortos, ressuscite Adônis. Caso
contrário, ela promete acabar com o amor de todos os casais existentes
no mundo.
Zeus tem que intervir e decide que o jovem assassinado passaria um
terço do ano no submundo, outro terço com Afrodite, e no último terço,
poderia passar sozinho como melhor desejasse.
A capacidade de ressignificar as relações, deixar ir com o vento, trans-
formar morte em flor (nova vida). Todo esse simbolismo alude ao proces-
so de vida-morte-vida dentro de um relacionamento e é a chave central para
lidar com a ferida da culpa. É preciso deixar ir com o vento! Ressignificar,
se perdoar ou pedir perdão e continuar a germinar vida.

178 O Livro de Afrodite


Existem relacionamentos que acabam de forma consensual; outros
que deixam uma enorme sensação de traição, raiva, abandono, vazio; há
os que são levados pela morte física; e os que morrem a cada ciclo para
renascerem de novo como flores que voam com o vento, mais livres, mais
frescos e renovados.
Essa é a estrutura do amor entre nós mortais e esse mito ensina linda-
mente que a união se constrói a partir de muitas mortes interiores, mortes
da pessoa que éramos, morte da pessoa que projetávamos no outro, morte
das idealizações. Por regra, quando é amor, essas mortes acompanham
sempre a esperança de um renascimento em um plano superior.

“Temer o amor é temer a vida, e


os que temem a vida já estão
meio mortos”.
Bertrand Russell
A renovação é uma constante de tudo o que está vivo.
Nessa história, vemos também uma Afrodite humanizada: ela chora,
sofre. O amor também pode doer, e ela se permite sentir, pois é assim que
ela ganha forças para fazer a regeneração acontecer.
Sua relação com Adônis está em constante ameaça, o que lembra que
no amor não há garantias. Afrodite é flechada por Eros e se apaixona
perdidamente pelo mortal, mas Adônis não é flechado. Apesar do mito
contar que ele se encanta de imediato pela Deusa, nunca teremos a confir-
mação do tamanho e da profundidade desse apaixonamento. Quem ama
mais, quem ama menos? Não há certezas. Essa relação vem nos lembrar
que o amor humano sempre será um ato de coragem e um salto ao misté-
rio, a partir do qual podemos crescer como quem cai em um trampolim.

Inspira - revistainspira.com 179


Afrodite e Hermes:
Hefestos, certa vez, tramou uma armadilha para pegar Afrodite e Ares
no flagra e desmoralizá-los diante de todo o Olimpo. Ele cria uma rede
que os prende durante o ato de amor e chama todos os deuses para tes-
temunharem tamanho desrespeito. Os deuses caçoam dele, e Hermes co-
menta que se entregaria voluntariamente a tal vergonha se isso significasse
passar uma única noite ao lado de Afrodite.
Lisonjeada, ela retribui o comentário se deitando com o deus mensa-
geiro.
Essa ferida é a ferida de quem não reconhece a própria grandeza e se
dá de corpo e alma a quem quer que demonstre um pouco de respeito ou
admiração. Algumas vezes, essa pessoa chega a emular os comportamen-
tos do companheiro para se sentir digna de elogios, silenciando a própria
personalidade. Assim, a pessoa se sustenta como que em uma muleta.
Nesse caso, o companheiro(a) é obrigado a adotar uma postura de adora-
ção, sempre mimá-la e lembrá-la do quanto ela é maravilhosa e encanta-
dora, pois ela mesma ainda não descobriu ou vive num desejo infantil de
ser a deusa preferida de alguém.
Dessa união, entretanto, nasce a própria solução para a ferida: Herma-
frodito, um lindo deus, que não está interessado em compromisso e nem
nas armadilhas de amor de sua mãe, e sim em conhecer os segredos entre
céu e terra, como seu pai.
Em uma de suas viagens, Hermafrodito – que simboliza, como vimos,
o pensamento – desperta a paixão de uma ninfa obsessivamente apaixo-
nada, Samádis – que representa o furor das emoções.
Samádis agarra Hermafrodito em um lago e pede aos deuses que fique
junto desse belo deus para sempre. Alguém corresponde a esse desejo e,
no mesmo momento, os dois começam a se fundir em um só corpo.
O que o mito revela é que para se tornar um ser inteiro, total – e com
isso se livrar das armações mentais derivadas da baixa autoestima – faz-se
necessária a união entre as mentes consciente e inconsciente, entre a razão

180 O Livro de Afrodite


e a emoção, entre o cérebro e o coração.
Quando a Afrodite interior, que é pura emoção, consegue fazer aflorar
seu lado mais racional, sem perder a essência de quem é, ela consegue
olhar para si mesma, reconhecer seus padrões, contar seus mortos e feri-
dos, enxergar a consequência de seus atos e fazer escolhas sem pensar ape-
nas no que está sentindo, mas no que vai ser prazeroso para ela, e também
respeitoso para si mesma e para o(s) outro(s) da relação.

Inspira - revistainspira.com 181


O ETERNO RETORNO
O que você espera de um relacionamento?

Como você descreveria o relacionamento dos seus pais ou


os relacionamentos amorosos do seu cuidador(es) durante
a sua infância e durante toda a sua vida? Isso teria criado
uma imagem para você de como o amor deveria ser ou
não ser?

Pense nos últimos relacionamentos romântico-afetivos


que você teve e vamos traçar um paralelo do que eles ti-
veram em comum. Quais eram os pontos de semelhança
entre os seus últimos parceiros? Quais são os pontos de
contato entre uma e outra história de amor? O início e
o fm foram bastante parecidos? Os motivos pelos quais
você se irritava com cada um eram parecidos? O que es-

182 O Livro de Afrodite


ses relacionamentos te ensinaram sobre você? Cruzando os
pontos, o que você precisa aprender sobre a sua maneira de
se relacionar que ainda não aprendeu?

Agora, volte o seu olhar para você. Pense: por que você se
relaciona com pessoas assim? Com essas características
e comportamentos semelhantes? Será que você não é um
pouco assim também? Ou será que você está querendo que
a pessoa se encaixe em um ideal que você tem para si mes-
ma? Preste em atenção em você! No amor, há uma entrega,
uma união, mas o outro não é uma extensão sua.

Inspira - revistainspira.com 183


(DES)IDEALIZAÇÃO
Muitas das nossas projeções sobre o(a) parceiro(a) ideal
surgem na infância e agem inconscientemente sobre nós.
Quando entramos em um relacionamento, projetamos toda
essa enxurrada de idealizações no parceiro, esperamos
que ele(a) seja tudo aquilo pelo que sempre esperamos,
mas ninguém tem a obrigação de entender as suas ilusões
e muito menos de se adaptar a elas. Lembra que o desejo
de Afrodite é ser ela mesma e beber da fonte do que há de
mais original em cada ser?
Sabendo disso, vamos refetir um pouco sobre as idealiza-
ções que criamos: Você está esperando por um príncipe ou
princesa encantados ou já aprendeu a lidar com a norma-
lidade das pessoas com quem se relaciona? Se você está
em um relacionamento, faça aqui uma lista do tipo “10
coisas que odeio em você”.
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.

184 O Livro de Afrodite


• Em seguida, pense em como algumas coisas dessa lista
tornam o seu parceiro(a) especial por ele estar conseguindo
ser ele mesmo perto de você e das suas possíveis tentativas
de colocá-lo na caixinha das suas projeções.

• Como é quebrar essas ilusões tão enraizadas da espera


pela pessoa perfeita?

• Quais desculpas você inventa para manter o seu parceiro


no lugar de “parceiro ideal” que você criou para ele? Sem
abalar a sua imaginação e sem conceder-lhe o direito de ser
quem é.

Inspira - revistainspira.com 185


INTEGRAR PARA NÃO PROJETAR
Descreva aqui qual foi o seu primeiro crush da vida. Sabe
aquele enamoramento que a gente tem quando criança?
Pode ter sido um(a) coleguinha da escola, um famoso, um
personagem fctício ou até um desenho animado. Lembre
quem foi e escreva sobre as características mais marcan-
tes (psicológicas, físicas etc.) dele(a) aqui.

Agora responda: é possível que você esteja buscando al-


guém com esses traços como parceiro? Se não, responda à
seguinte pergunta: O que eu gosto ou costumo procurar no
meu parceiro(a)/crush? Trace o perfl de características
marcantes.

186 O Livro de Afrodite


Você considera que tem essas características psicológicas
em você? Se ela não está na consciência, está na sombra,
no inconsciente, sejam elas características que você consi-
dere positivas ou negativas. Tente relembrar momentos em
que elas apareceram em você, mesmo que em forma de um
pensamento que logo depois foi descartado e sumiu.

Inspira - revistainspira.com 187


ESPELHO DA ALMA
Você tem um relacionamento afetivo com alguém (ou já
teve)? Relacionamentos romântico-amorosos são como
um espelho alquímico. Você se enxerga refetido em seu
parceiro e é aí que as transformações ocorrem. A pergun-
ta é: como eu era antes de você? No que me transformei
depois desse encontro? Você se perde ou se encontra no
ser amado? Aí está a capacidade de Afrodite que a faz ser
conhecida como Deusa Alquímica. E é assim que entende-
mos como cada pessoa que passa em nossa vida importa.

Dizem que somos uma média das cinco pessoas com as


quais passamos a maior parte do tempo. Diga-me com
quem andas e te direi quem és. Anote o nome das cinco
pessoas com quem você mais convive. Se você for do tipo
mais solitária, o que é normal também, serve colocar o

188 O Livro de Afrodite


nome dos infuenciadores que você mais consome conteúdo.

Agora, responda: você já se pegou adotando o comporta-


mento deles de alguma forma? Uma expressão, um trejeito,
uma forma de reagir a uma situação, o jeito de se vestir, os
hábitos? Vamos buscar os motivos inconscientes que levam
você a adotar essa postura. Querer ser querido? Incluído?
Obter respeito? Se sentir dono de si? Superior? O círculo
social é do campo de Afrodite. Ela adora gente!

Inspira - revistainspira.com 189


SEM AMOR, NÃO SE DEMORE
O que você faz para conseguir ser amada? Em que recur-
sos você investe? Sucesso, beleza, dinheiro, poder, popula-
ridade, simpatia, autoanulação (do tipo ser quem a pessoa
quer que você seja)...

Você sustenta relacionamentos com pessoas que não tem


tanto interesse assim em você? Você mendiga afeto? Isso
já aconteceu antes? Acontece agora? Descreva como é e
como você se sentiu ou se sente. Mas a principal pergunta
é: por que você está querendo provar que pode ser amada?

Você se considera uma pessoa “difícil de gostar”? Se a sua


resposta for afrmativa. Tente lembrar: qual situação do
passado lhe fez acreditar que você era difícil demais para
ser amada(o)?

Você acredita de verdade nisso? Encontre 3 motivos pelos


quais alguém poderia te amar, e escreva-os:

190 O Livro de Afrodite


A FORÇA DOS RELACIONAMENTOS
Você tem a lembrança de alguém que te fez sentir ama-
da(o) e segura(o) durante a infância? Como era isso? Nun-
ca é tarde para reviver essa sensação ou para criá-la na
sua experiência amorosa. Ela é possível! Muitas pessoas
encontraram essa pessoa de segurança, talvez você mes-
ma já tenha encontrado uma pessoa assim antes.

Você tem, hoje, alguém que apoia seus sonhos, te serve de


inspiração, orientação e apoio? O que essa pessoa costu-
ma fazer que te deixa motivada?

Se você não tem uma pessoa assim, precisaremos criar e


fortalecer essa fgura dentro de você. Você deve ser a sua
própria vision carrier. Como fazer isso? São cinco coisas a
se fazer: ver beleza nas suas ideias por mais estranhas que
pareçam e escrever isso em um lugar para lembrar depois
o quão belas elas já foram para você no momento do en-
tusiasmo; gratidão pelo que já conquistou para se manter
frme no caminho, fcar no seu pé para trazer seu projeto
ao mundo (planejamento e disciplina); cercar-se de beleza
e inspiração, permitir-se o descanso e o deleite.

Inspira - revistainspira.com 191


Vamos começar com o segundo passo para fortalecer a sua
vision carrier interna. Agradeça por três coisas que você já
conquistou na sua vida, por mais óbvias que pareçam.

Na sua vida há alguém que sempre corta o seu entusiasmo


ou empolgação? Como você reage a esses cortes? Isso é
saudável? Como pode ser resolvido? Você faz (ou já fez)
isso com a empolgação de outras pessoas? Se faz, faz por
quê?

192 O Livro de Afrodite


Afeto: aquilo que te
afeta
Perto do fim de sua carreira, o biólogo inglês Charles Darwin publicou
A expressão das emoções no homem e nos animais, a síntese de um outro lado
de sua teoria sobre a evolução humana: o lado de dentro, das condições
internas que nos movem.
Nesse livro, Darwin defendia que o homem compartilhava muitos ins-
tintos em comum com outros animais: “Todos têm os mesmos sentidos,
as mesmas intuições, sensações, paixões, afeições e emoções, até mesmo
as mais complexas, como o ciúme, a suspeita, a competição, a gratidão e a
magnanimidade”, escreveu.
Talvez seja por isso que o discurso do homem civilizado sempre clas-
sificou nossas emoções – e as suas expressões – como animalescas, selva-
gens e infundadas diante do projeto de um indivíduo civilizado. Em nome
da sustentação da unidade e da coesão de grupos cada vez maiores, a
sociedade, o instinto foi intensamente reprimido e a vida emocional como
um todo ficou sem lugar, se acumulando entre as paredes do inconsciente
e, à espreita, aguardando a hora de explodir com violência.
A mitologia cristã, que formatou a cultura de todo o mundo ocidental,
colocou aquilo que nos afeta em um saco lacrado que chamou de “peca-
dos capitais”. Uma das definições de pecado no dicionário é a de “ação
que se considera extremamente repreensível; crueldade, maldade, perver-
sidade”. Grosso modo, o sentir foi enquadrado como maligno.
O maligno devia ser camuflado, escondido, renegado e reprimido. Isso
é exatamente o que aconteceu e ainda acontece com as emoções. Mesmo

Inspira - revistainspira.com 193


com a conquista crescente de espaços que a Psicanálise e a Psicologia
vêm ganhando desde o século XX, muitas pessoas ainda consideram a
expressão das emoções como coisa de gente fraca, “doida”, descontrolada
e assunto para desocupados. Você mesma já deve ter ouvido alguém soltar
algum comentário desse tipo.
Essa visão inibe a vivência natural das emoções à medida que ninguém
quer ser classificado como fraco, descontrolado ou maluco. E, assim, va-
mos nos acostumando a camuflar os sentimentos, e nos treinando a sentir
menos. Vamos sufocando a Afrodite interior. Aquela que tem as emoções
como guia e as sensações como instrumento de conhecimento. Mas será
que isso funciona? E, se funciona, até quando?

“Somos feitos de
carne, mas temos de
viver como se
fôssemos de ferro”.
Sigmund Freud
Nos esquecemos que as emoções não são uma doença ou um estado
inferior do ser, elas representam funções dentro do nosso existir. Segundo
Darwin, o objetivo fundamental das emoções é o de iniciar um movimen-
to que leve o organismo de volta à segurança e ao equilíbrio físico.
Sabe aquela invejinha que você sente da sua amiga, por ela estar se
dando bem na vida e você estar na mesma? Do ponto de vista dos gregos,
isso é uma força que põe em movimento. Essa inveja te obriga a olhar para
si mesma e ver seus próprios desejos. Essa é a sua função!
E aquela raiva que você sente quando é vítima de alguma injustiça?

194 O Livro de Afrodite


Esse ímpeto de energia nos obriga a defender nossos limites e assim recu-
perar a nossa integridade perante a vida. Essa é a sua função!
Você pode ainda estar lendo tudo isso e pensando: “Está bem, mas se
eu tiver uma explosão de raiva, chutar o pau da barraca e jogar a merda
toda no ventilador, vou ter sérios problemas”. E a gente só pode concor-
dar com você!
Mas isso só acontece quando você está num ciclo de ser serva das suas
emoções, e não a mestra delas. É justamente o que acontece quando você
vai varrendo as emoções para debaixo do tapete, uma hora a sujeira sai
pelos cantos. Quando isso acontece, normalmente, as emoções já tinham
dados seus sinais há muito tempo, e tinham sido ignoradas toda vez.
Elas apareceram como uma sensação física, um calor, aquele estôma-
go remexendo, acne súbita ou coceira. Elas tinham aparecido como um
pensamento que passa sem que percebamos, como aqueles aviões sem
barulho carregando mensagens. Mas você provavelmente ignorou tudo!
A desconexão com o sentir é tão real, que nós nem nos lembramos
de ter sentido nada disso. Emoções, sentimentos e sensações sutis vêm
e vão, e passam despercebidas, sem que o destinatário – você – pegue a
mensagem.
Pode acontecer também de você ter captado a mensagem, mas ainda
assim não ter validado seus sentimentos. O que quer dizer que você não
expressou como estava se sentindo, não se posicionou, nem comunicou
seus reais interesses. Os motivos podem ter sido vergonha, medo de re-
taliações, temor do abandono, sentimento de inferioridade, pudor, baixa
autoestima, orgulho ou qualquer outro.
Algumas emoções são classificadas em nossa sociedade com um selo
de inferioridade master. Elas são tidas como mais baixas e execráveis do que
outras. É o caso da inveja, do ciúme, do medo e da raiva, por exemplo.
Falar sobre elas, então, está fora de cogitação, de acordo com o que apren-
demos.
A gente pensa que precisa ser perfeito e que isso significa não sentir

Inspira - revistainspira.com 195


dor, não ter nenhuma vulnerabilidade, ser gentil com todo mundo, estar
sempre com um sorriso no rosto e com fé na vida. Mas o ser humano não
foi feito para ser perfeito, ele foi feito para ser inteiro, pleno. E isso implica
em viver todas as emoções, aceitá-las, integrá-las e saber a hora certa e o
meio mais consciente de usá-las.
O padre episcopal, analista junguiano e escritor John A. Sanford escre-
veu sobre um exemplo muito famoso e de fácil entendimento de como
integrar a agressividade da raiva pode até mesmo ser característica de um
“bom cristão”, pois o próprio Jesus Cristo soube fazer isso. O autor narra
a passagem da Bíblia que conta de quando Jesus expulsou os cambistas do
Templo, por esses estarem profanando um local que lhe era sagrado. Des-
se jeito, a raiva desencadeia também uma reação saudável em “situações na
vida que começam a se tornar intoleráveis para nosso espírito”.
Isso é integrar as emoções. Isso é ser totalmente você!

“A questão não é atingir a


perfeição, mas sim a
totalidade”.
Carl G. Jung
Outro motivo possível para você não ter expressado as suas emoções
é que esse é um assunto pouco presente na maioria das formas de educar.
Ele é tão ausente, que nos falta até vocabulário para identificar e reconhe-
cer o que está se passando dentro de nós.
Parece óbvio, mas às vezes não validamos nossas emoções, simples-
mente porque não conseguimos nem nomear o que estamos sentindo.
E aí como poderíamos comunicar e resolver? É preciso ampliar o nosso
repertório linguístico para conseguir dar nome ao que a gente sente. Isso
é fundamental para a nossa sanidade e para o nosso bem-estar na vida e
nas relações.

196 O Livro de Afrodite


Glossário dos afetos guiça” de experienciar o que quer
que seja.
Aceitação: abraçar as coisas como
são; receber aquilo que é ofertado Apreciação estética: sentir a be-
sem reclamação. leza para além da visão, com o cor-
po todo e para além dos sentidos.
Admiração: afeição, apreço e Isso normalmente acontece quan-
veneração por pessoa, coisa, pai- do você sente que, por exemplo,
sagem ou situação capaz de nos um quadro te interpretou ou que
levar a um estado de inspiração e um livro foi capaz de te ler.
que ressoa com aquilo que vemos
como positivo, belo e bom. Apego: é a avareza nas relações
interpessoais; sentimento de afei-
Alegria: sensação agradável de ção em que o desejo é prender os
contentamento e prazer. outros a nós mesmos, para nunca
Angústia: sensação interna de mais nos separarmos, de nunca
opressão e inquietação semelhan- perder aquela fonte de satisfação.
te a uma tortura, podendo gerar É próximo do sentimento de pos-
mal-estar físico. Falta de direciona- se e do desejo de obter segurança
mento, de explicações ou de uma afetiva. Como o apego é um sen-
base de apoio segura que lhe per- timento de uma pessoa, a que tem
mita enxergar mais à frente, gran- apego, ele corresponde à necessi-
de medo que pode não ter objeto dade de que o outro a faça feliz.
determinado. Avareza: inabilidade de comparti-
Ansiedade: intranquilidade física lhar originada em perdas emocio-
ou mental derivada do sentimento nais que aconteceram no passado
de incerteza ou impotência frente e que fazem com que a pessoa não
a uma situação futura, que ainda se arrisque a passar por isso de
não aconteceu ou nem mesmo de- novo.
monstrou sinais concretos de que Aversão/nojo: repulsa; não con-
vai acontecer. seguir tolerar algo ou alguém.
Apatia/indiferença: insensibili- Autopiedade: sentir pena de si e
dade diante da vida e das pessoas, se acomodar à posição de vítima
falta de ânimo e de fôlego ou “pre- do destino, usando as limitações e

Inspira - revistainspira.com 197


as dificuldades como um discurso da dor que alguém tem que levar...
de estagnação. e, assim, suavizar o peso nos om-
bros desse outro ser. Se apiedar da
Arrependimento: avaliação sin-
tragédia vivida por alguém e cuidar
cera de ato ou omissão praticados
de maneira altruísta para que a dor
no passado como algo negativo;
do outro se amenize.
sensação amarga de não poder
voltar no tempo e alterar suas ati- Confiança: a crença na segurança
tudes. e infalibilidade do caráter de uma
pessoa ou coisa. Cria um solo fir-
Bondade: atração psíquica para a
me que permite que a pessoa aja
prática do bem, das boas ações.
com “confiança”, acreditando em
Calma: falta de agitação física ou sua própria capacidade.
mental, mesmo em meio ao caos.
Coragem: a outra polaridade do
A passividade dinâmica. Encarar
medo, corresponde a aumento da
algo sem sentir tanta pressão.
energia de enfrentamento, vonta-
Cansaço: estado que coloca a de unida à força física, mental ou
pessoa sem energia ou disposição emocional para suportar o esforço
para fazer nada, por mais que ela que uma situação futura demanda.
precise ou queira. É motivado por Força que se mobiliza a partir do
esgotamento físico, mental ou por medo e do perigo para enfrentar
alguma patologia. aquilo que te oprime e ficar mais
Ciúme: medo de perder o que te- próximo daquilo que deseja: seja
mos, de que alguém leve o que nos abrir um negócio, ter um filho ou
pertence, o que nos é importante. se manter vivo diante de uma situ-
ação adversa.
Competitividade: sentimento de
disputa, ânsia de ganhar, de provar Culpa: consciência acusativa e pe-
suas qualidades por meio de um nosa movida por arrependimento.
teste que terá ganhador e perde- A culpa é um chicote que nos açoi-
dores. ta a todo momento nos castigando
por aquilo que fizemos de errado
Cobiça: desejo de possuir alguma ou que pensamos em fazer (e o
coisa que é igual à que o outro tem. simples fato de pensar já carrega a
Compaixão: carregar um pouco crença de algo maligno).

198 O Livro de Afrodite


Decepção: quando uma pessoa Euforia: alegria, excitação e ani-
ou coisa corresponde negativa- mação exagerados e súbitos.
mente a uma expectativa criada,
Frustração: não realização ou
criando desencantamento e rece-
não-êxito de um ideal de satisfação
bendo desaprovação.
perseguido. Provoca o sentimento
Desconfiança: suspeita e des- de incapacidade.
crença com relação às intenções
Gratidão: é reconhecer os bene-
de uma pessoa ou situação, como
fícios, auxílios, amparos e favores
se o pior estivesse sempre enco-
com uma postura de agradecimen-
berto.
to e reverência.
Desprezo: sentimento de repulsa,
Incerteza: dúvida, característica
afastamento, diante de algo que
do mistério da vida com a qual só
enxergamos como “de baixo va-
podemos aprender a lidar ou gera
lor”.
dificuldade em tomar decisões e
Diversão: mudança de direção do fazer escolhas.
espírito para aquilo que provoca
Inadequação: não se sentir ajus-
graça, leveza e/ou riso.
tado a um grupo, pessoa ou situa-
Entusiasmo: do grego in theos = ção. Se sentir um alienígena dentro
“em deus”, significa se sentir pos- de um relacionamento, de uma fa-
suído e inspirado por algo divino mília ou de acordo com as regras
capaz de gerar arrebatamento e sociais.
grande alegria, assim como imensa
Inveja: possuir o que é do outro,
dedicação a algo, de preferência ao
destruindo o outro.
ato criativo.
Luto: tristeza profunda pela perda
Esperança: crença de que coisas
de algo – comumente pela morte
boas podem acontecer e que dese-
de alguém amado. Passa pelas fa-
jos podem virar realidade; esperar
ses de negação, raiva, barganha e
com fé.
depressão até chegar à aceitação.
Estarrecimento: emoção que
Medo: aumento da energia de
deriva de ter sido exposto a algo
fuga, instinto de sobrevivência e
que causou espanto ou até mesmo
de integridade da persona que so-
horror.

Inspira - revistainspira.com 199


mos ou que acreditamos ser; surge ficará bem, mesmo que nada dê si-
da consciência de uma ameaça real nal disso.
ou imaginária.
Preguiça: falta de vontade de fa-
Melancolia: tristeza profunda ou zer as coisas, inércia, o desejo aqui
suave sem objeto definido que em- é o de permanecer parado. Aver-
bebe o espírito e nos leva à intros- são ao que o colocaria em movi-
pecção e a uma postura de desen- mento.
cantamento com tudo.
Raiva: emoção causada por irri-
Nostalgia: lembrança de experi- tação, aborrecimento ou rejeição
ências ou detalhes do passado que em que se demonstra estouros de
trazem um sentimento que mistu- violência contra algo (pessoa, coi-
ra prazer com um pouco de triste- sa ou situação). Tensão muscular,
za pelo que não volta mais. aumento de energia, impulso de
briga.
Ódio: profundo desprezo por al-
guém, que enraíza e se mistura à Rancor: mágoa profunda e repri-
sua própria identidade. mida oriunda de situação de injus-
tiça, ódio ou violência em que não
Prazer: é o deleite do corpo e da
foi possível extravasar a raiva.
mente em sintonia. Está ligado aos
sentidos (visão, olfato, audição, pa- Satisfação: prazer de sentir que
ladar e tato). Também é a satisfa- nossa vontade se realizou.
ção das nossas fantasias em ato.
Saudade: relacionado a ausência
Paranoia: o pensamento cons- de alguém ou algo. É o sentir falta
tante de que tudo vai dar errado, que se manifesta em algum grau de
ninguém é confiável e de que o tristeza e na vontade da presença,
mundo está contra você. Pode vir na vontade de reconstruir o que já
acompanhado do sentimento de existiu.
estar sendo perseguido e de que
Segurança: se sentir protegido de
você é o centro das conversas de
agentes que nos causariam algum
todas as pessoas.
mal.
Pronoia: o oposto da paranoia, a
Sentimento oceânico: termo
crença de que o universo está ao
cunhado por Romain Rolland,
seu favor e que tudo dará certo ou

200 O Livro de Afrodite


inspirado em Ramakrishna, para gado de estímulos, que se anulam
designar o sentimento de unidade, e provocam o mesmo estado de
de se sentir “um com o mundo enfado.
externo como um todo”, como se
Tranquilidade: a consciência de
todos nós fizéssemos parte de um
que tudo repousa em seu devido
único organismo eterno.
lugar, ausência de preocupações.
Simpatia: afinidade espontânea Ausência de perturbações.
com uma pessoa ou coisa que lhe
Tristeza: perda de algo que pro-
coloca com boa disposição para
porcionava alegria ou parte do
atendê-la, amistosidade.
sentido de eu construído; depois
Solidão: estar só e se sentir aban- de digerida, abre a possibilidade
donado, esquecido, sem sentido, de reinvenção.
sem auxílio ou proteção. Em resu-
Triunfo: contentamento inten-
mo, é a sensação de estar alheio a
so decorrente de ter conquistado
tudo de bom que a interação hu-
algo que lhe era importante, obje-
mana pode proporcionar.
to do desejo.
Solitude: sensação gostosa de es-
Vazio: aquilo que não é preenchi-
tar sozinho e poder se conectar
do por nenhum conteúdo, ocupa-
com o seu mundo interior, fazer
do pela falta. Em linguagem dos
aquilo que é um interesse unica-
afetos, que não é preenchido por
mente seu, e não compartilhado e
nada que lhe seja importante. Sen-
curtir a própria companhia.
timento comparável a um solo não
Surpresa: acontece quando uma fecundo, inanimado, inútil e sem
situação nos pega desprevenidos sentido.
causando admiração ou espanto
Vergonha: lembrança da própria
inesperados.
dignidade diante de uma situação
Tédio: sensação de monotonia, em que mediante um ato indecen-
de se estar preso em um continuum, te ou vexatório, há desconforto.
em uma rotina de mesmice, maras-
mo. É uma postura de se colocar
fechado para o que é novo ou, ao
contrário, de se estar sobrecarre-

Inspira - revistainspira.com 201


O QUE ME AFETA?
Escolha uma ou duas das emoções que estão mais presen-
tes no seu dia a dia. Em quais momentos e como elas se
manifestam?

Quais são as emoções que você mais sente falta ou gosta-


ria de sentir? Quando elas lhes faltam? Como você pode-
ria incluí-las no seu cotidiano?

Como você gostaria de se sentir na maior parte do tempo


da sua vida? Você já se sentiu assim antes? O que você
estava fazendo quando essa sensação te afetou? Isso pode
ser um guia muito bom para suas escolhas futuras!

202 O Livro de Afrodite


Você sente difculdade em assumir que sente as emoções
mais repudiadas (inveja, medo, ciúme, raiva, tristeza)? Abra
o seu coração aqui e seja sincera. Pergunte-se: “Quando eu
sinto inveja? De quem? Por quê?” e veja quais respostas
aparecem. Siga a lista e pergunte-se a mesma coisa sobre
o medo, o ciúme, a raiva e a tristeza. Anote suas respostas!
Isso é uma verdadeira investigação e você tem muita cora-
gem em olhar para dentro assim.

Inspira - revistainspira.com 203


A beleza

Beleza importa? Esse é um assunto polêmico. E, talvez, seja polêmico


porque a gente tende a enxergar a beleza com um olhar utilitarista, como
se as coisas belas tivessem que ter uma função, e fossem uma condição
para alguma outra coisa ou para nada – e por isso seriam imprestáveis e
deveriam ser descartadas. Como se a beleza fosse um caminho, e não um
fim em si mesma.
A beleza importa para satisfazer os prazeres do outro? Para suprir uma
falta ou defeito que eu acho que eu tenho? Esses motivos esvaziam a be-
leza ao dar a ela uma finalidade.

“A beleza não está ligada


a um fim, ela é
livre e viva”.
Immanuel Kant
Há entre nós também aqueles que olhem a beleza com desconfiança.
Na faculdade, estudávamos com uma moça realmente muito bonita. Ela,

Inspira - revistainspira.com 205


inclusive, trabalhava com beleza. Não me lembro ao certo se ela era mo-
delo ou miss. O fato é que toda vez que ela trazia suas reflexões durante
a aula, chovia uma porção de olhares tortos e risadinhas maliciosas, como
quem diz: “ela é bonita demais para estar falando algo que seja rico em
conteúdo e/ou moralmente aceito como correto”.
Esse é o tipo de julgamento que mais vemos saltar nas rodas de con-
versas: “Ele é muito bonito. O que ia querer comigo? Quando a esmola é
demais, o santo desconfia!”, “Uma mulher bonita dessa com um velho feio?
Só pode estar querendo dinheiro” ou, ainda, a clássica “Beleza não põe
mesa”, que acusa o belo de ser uma inutilidade de gente que não tem nada
na cabeça. Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu (ou emitiu) ao
menos um desses comentários!
Existe também o efeito rebote dessa crença na beleza como fonte de
todo o mal. Há quem enxergue, por exemplo, que aquilo que é belo está
acima de qualquer suspeita. Nesse delírio, esse tipo de pessoa se deixa
levar por uma aparência simpática aos piores infernos.
Mas em ambos os casos, o belo é condenado. Das duas formas, a be-
leza é interpretada por extremos, e extremos não conseguem dar conta do
significado do que é beleza, pois beleza é o equilíbrio de todas as propor-
ções.
O analista junguiano e autor Gustavo Barcellos, escreve: “Na cultura
monoteísta judaica-cristã, o belo é desconfiável, não confiável – o belo
é entendido como algo desviante. Houve a separação entre a ética e a
estética, separação essa que não existia para os gregos. Para os gregos ‘é
belo porque é bom, é bom porque é belo’”. E é isso que Afrodite vem nos
lembrar!
Mas se engana quem pensa que vamos advogar aqui sobre se matar
na academia para ter o peso “correto”, estourar o cartão de crédito com
cosméticos caros ou deixar um rim no consultório de algum dentista para
pagar o sorriso de lente perfeito. A gente já adianta: para Afrodite, beleza
não tem nada a ver com isso.
O sentido grego de aiesthesis (estética) é o de despertar os sentidos. Sen-

206 O Livro de Afrodite


do assim, é também o escritor Gustavo Barcellos que nos lembra que, na
visão dos gregos, beleza é aquilo que pode despertar a alma. E despertar
a alma é sempre bom!
Segundo o Dicionário Michaelis, beleza é...
Caráter do ser ou da coisa que desperta admiração ou sensações agradáveis (auditi-
vas, gustativas, olfativas, visuais etc.);
Qualidade de um ser ou objeto que suscita sentimentos de elevação ou simpatia por
seu valor moral ou intelectual.

A beleza, portanto, é do campo do sentir, e o sentir não pode seguir


um comando de massa. Ela pode morar tanto em se olhar no espelho e
sentir prazer no que vê, quanto em ouvir uma música que te faz sentir os
céus. Ninguém pode mandar no que o outro vai sentir! E é por isso que
o sentir foi considerado perigoso e condenado culturalmente – abordamos
mais este assunto no capítulo sobre o Afeto –, e a beleza foi no mesmo saco.
Alguma vez na sua vida, você já teve aquela experiência que as pessoas
com a sensibilidade aguçada têm de se sentir toda arrepiada ou muito
emocionada ao, por exemplo, ouvir uma música? Isso se chama “abertu-
ra”, um típico sintoma da beleza despertando a alma. Isso é Afrodite.
Charles Darwin escreveu certa vez: “Adquiri um gosto acentuado por
música de tal forma que às vezes, ouvindo um hino, sinto um frio na es-
pinha”.
O psicólogo Robert McCrae analisou dezenas de questionários res-
pondidos por pessoas de 51 culturas diferentes e descobriu que, em todo
o mundo, as pessoas de cabeça mais aberta sentem arrepios e tremores
estéticos ao apreciar uma obra de arte ou ao ouvir uma bela composição.
Essa sensibilidade à beleza e ao artístico se mostrou ainda, em outro es-
tudo, um fator de sucesso entre os empreendedores americanos. Aqueles
que tinham “abertura” conseguiam maiores oportunidades de crescimen-
to no mercado.

Inspira - revistainspira.com 207


Em 1817, o escritor francês Stendhal descreveu a experiência extática
que viveu em uma viagem que fez à Florença, na Itália: “Eu caí numa
espécie de êxtase ao pensar na ideia de estar em Florença, próximo aos
grandes homens cujos túmulos eu tinha visto. Absorto na contemplação
da beleza sublime... Cheguei ao ponto em que uma pessoa enfrenta sen-
sações celestiais... Tudo falava tão vividamente à minha alma... Ah, se eu
tão-somente pudesse esquecer. Eu senti palpitações no coração, o que em
Berlim chamam de ‘nervos’. A vida foi sugada de mim. Eu caminhava com
medo de cair”.
Stendhal não foi o único a se sentir assim. Somente em 1979, a psiquia-
tra e psicanalista italiana Graziella Magherini descreveu cientificamente
que o mal-estar que acometeu o escritor francês era uma síndrome de
origem psicossomática que sujeita alguns indivíduos quando entram em
contato com obras de arte de inestimável beleza: a Síndrome de Stendhal.

“Fazemo-nos semelhantes ao
que contemplamos”.
Aforismo grego

Quando somos atravessados pela beleza, é impossível que escapemos


inalterados. A beleza é aquilo que nos leva à elevação, à transcendência.
Isso porque ela espelha uma estrutura que nos tira da normalidade. E é
por isso que beleza importa.
E ela não importa por ser condição para alguma outra coisa. Ela im-
porta porque ela dá sentido à vida, ela é um impulso da alma em sua
tendência a se sentir organizada e íntegra. Por ser um impulso da alma, o
desejo de beleza é inerente ao humano, como um caminho de volta para
casa. Ou você conhece alguém que optou por viver em um ambiente feio
para se satisfazer? Isso não acontece!

208 O Livro de Afrodite


Se expor à beleza é se entregar a um fenômeno de simetria, equilíbrio
e harmonia. Essas são características das coisas bonitas. Em contato com
elas nos lembramos de que, se conseguimos harmonizar fora, consegui-
mos também harmonizar dentro. É como diz a Lei da Correspondência,
um dos sete princípios a filosofia hermética, ensinada somente aos altos
iniciados da escola de mistérios do Antigo Egito: “O que está dentro é
como o que está fora”.

“É preciso sair da ilha para ver


a ilha. Não nos vemos
se não saímos de nós”.
José Saramago

Às vezes, o caminho pode ser de fora para dentro também. O filósofo


Sri Ram dizia que a evolução nada mais é do que a depuração do gosto.
Você seleciona bem aquilo que os seus sentidos consomem? Aquilo que
tem beleza sempre vai nos fornecer esse centro de sustentação interno.
Assim vemos que a beleza não é uma coisa supérflua, fútil, inútil ou
antipraticidade. A beleza é um valor a ser cultivado, jamais negligenciado.
Se o corpo precisa de alimento, a alma também. E esse alimento é a beleza.

“Se tiveres dois pães, vende um


e compre um lírio”.
Confúcio
O filósofo e investigador da estética Roger Scruton, afirma que a bele-
za é que dá sentido à existência e que, se ignoramos essa necessidade, nos

Inspira - revistainspira.com 209


encontramos em um deserto espiritual.
Entre os séculos XVI e XVII, na Europa, surgiu uma categoria de arte
conhecida como vanitas. A palavra latina significa “vacuidade, futilidade”.
Para os artistas envolvidos nesse movimento, era interpretada como “vai-
dade”. Você já deve ter visto alguma pintura nesse estilo. Sabe aqueles
quadros de natureza-morta, com caveiras, flores e frutas envelhecendo em
cima de uma mesa? Isso é vanitas!
Essas artes expressavam um alerta de que o belo é efêmero e os praze-
res são inúteis diante da morte que se anuncia. Na perspectiva deles, a be-
leza nada mais era que vazia e insignificante. Trata-se daquele pensamento
de que “Se vamos todos morrer mesmo, para que estamos aqui? Vamos
só esperar a morte chegar”.
Mas é preciso entender que a beleza transcende a morte, e a vida. É
preciso lembrar que a morte é apenas um lembrete para gozar a vida, e
que a beleza é o que nos traz para o agora, nos lembrando da presença do
sagrado em cada momento.
Sentir a beleza é viver o presente, e colocar nosso foco apenas no pra-
zer do momento. Na cena bonita, na gargalhada de um bebê, no pôr do
Sol, no gatinho dormindo... É o deixar de procurar funções e se lembrar
de apenas Ser.
Como Freud mesmo escreveu: “Essa atitude estética para com o ob-
jetivo da vida não oferece muita proteção contra a ameaça de sofrer, mas
compensa muitas coisas”.

“A beleza salvará o mundo”.


Fiódor Dostoiévski

210 O Livro de Afrodite


VIVENDO A BELEZA
Quais são as suas primeiras impressões diante de uma
pessoa muito bonita? O que você pré-julga dela a partir
de sua aparência? Como ela te afeta? Qual é a sua pri-
meira impressão e julgamento de uma pessoa assim? O
sentimento muda de acordo com o gênero da pessoa que
você vê? Relembre algum episódio.

Você tem olhos para enxergar a beleza na vida? Ou enxer-


ga só aquilo que é feio, assimétrico, disforme e desarmôni-
co? Onde você foca?

Quais dessas ferramentas você pode tentar para começar


a treinar o seu olhar para a beleza?
Estar mais presente. Praticar a contemplação.
Contato com Experimentar o novo.
a natureza. Exercitar a (re)interpre-
Consumir mais arte. tação do cotidiano.
Fotografar. Buscar o equilíbrio: para
Jardinagem. algo negativo, busque o seu
equivalente positivo.
Ex. Notícia ruim, notícia boa.
Como você expressa beleza na sua vida?

Inspira - revistainspira.com 211


A sua casa/quarto tem elementos que te trazem um sopro
de beleza ou você é do tipo prática, que não está nem aí
para essas coisas? Escreva um pouco sobre os motivos de
você gostar ou não gostar disso.

Você já teve a experiência de “abertura” de que comenta-


mos no texto? O que foi o objeto da sua afetação e por que
ele te afetou tanto? Você reagiu como a essa experiência
numinosa?

Cite 10 coisas em que você vê beleza (pessoas, gestos,


atitudes, situações, paisagens, arte, relações...). Essa é uma
ótima forma de se conhecer. Aquilo que acho belo diz-me
muito sobre quem eu sou. Revela as inclinações da alma e
os meus gostos.
1. 6.
2. 7.
3. 8.
4. 9.
5. 10.

212 O Livro de Afrodite


TREINANDO O OLHAR
Quanto de você existe naquilo que você acha belo?

Encontre beleza em 5 coisas no seu dia: materiais ou me-


tafísicas. Depois volte aqui e escreva sobre elas.

1.
2.
3.
4.
5.

Abaixo escreva o nome de três pessoas que você convive


bastante e ao lado de cada nome faça o exercício de en-
contrar onde há beleza nessa pessoa.

Se observe por uma semana. Por fm, escreva aqui uma


coisa que você encontrou em você que é fonte de grande
beleza (pode ser no seu corpo, na sua personalidade, na
sua voz ou nos seus comportamentos).

Inspira - revistainspira.com 213


Reencantamento com o
mundo

Será que já vimos o mundo como um lugar encantado?


Talvez não nos lembremos, mas provavelmente isso aconteceu na in-
fância: a época dos por quês. Tudo era novo. E sempre dentro do novo, há
um encanto mágico que arrebata o olhar e a curiosidade. As nuvens eram
magicamente moldadas com formas de animais fantásticos. Hoje, pode
ser que elas sejam apenas gotículas de água condensadas. No máximo,
prenunciam a chuva.
Só temos a magnitude de experiência do encantamento novamente
quando somos confrontados com uma vivência que ultrapassa o nosso
cotidiano: para quem não mora numa cidade litorânea, a primeira vez que
viu o mar foi algo mágico; para quem nunca passou por um inverno rigo-
roso, a primeira vez que viu nevar foi fascinante. A natureza e os fenôme-
nos naturais, existentes há alguns bilhões de anos, são elevados à categoria

Inspira - revistainspira.com 215


de obra artística para quem os vê pela primeira vez: o velho como novo.
Isso mostra que é a visão do espectador que determina a experiência.
E, assim, também evidencia a importância de como olhar as coisas: com
curiosidade. Essa curiosidade depura a nossa visão e, consequentemente,
os nossos gostos.

“Viva cada instante como se


fosse o primeiro dia de sua vida,
de sua descoberta da existên-
cia, desse novo olhar para si
mesmo e para o mundo”.
Monja Coen

Mas quando estamos desconectados da percepção de nossos gostos


e desejos, pode ser que percamos o brilho nos olhos diante da vida: que
faz parte de enxergar o novo com entusiasmo e ver com admiração o que
é velho. É nessa brecha que deixamos a visão do outro, do que é externo
ao nosso interior, moldar a forma de perceber o mundo. E é assim que
o mundo, com toda sua riqueza para os nossos sentidos e aprendizados,
parece sempre “mais do mesmo”, esvaziado de significados e sensações.
A mesma cidade. O mesmo trajeto para o trabalho. No trabalho, os
mesmos problemas e as mesmas pessoas. Em casa, lugar de descanso para
repetir tudo de novo. Esse desencanto levanta uma questão interior: como
será que a nossa Afrodite está enxergando?

216 O Livro de Afrodite


Quando estamos desencantados com o mundo, a nossa Afrodite está
vendada, seus olhos não veem nada além da realidade turva. Assim, anda-
mos como sonâmbulos – caminhando sem ver, vivendo sem sentir.
Mas como tirar a venda dos olhos de Afrodite?
É preciso vestir os óculos da curiosidade novamente. Buscar ativamen-
te a beleza nas coisas é tirar a venda que encobre os olhos da nossa Afro-
dite: é ver além do utilitarismo das coisas; é despertar para o mundo que
fazemos parte.
Só quando despertamos, nos perguntamos: “Como essa árvore surgiu
aqui? Eu passo todos os dias por esse mesmo lugar e nunca a tinha visto”.
E ao olhar para cima, vê um “novo” grande prédio. E ao olhar para bai-
xo, nota as patas de um animal gravadas no cimento quando ainda estava
fresco. A beleza está no todo e também nos detalhes: às vezes, enormes
detalhes que não havíamos visto.
Depois de despertarmos, o brilho nos olhos é retomado. O exterior
parece se transformar, mas é no interior que a magia acontece: retomamos
a nossa narrativa pessoal, agora vislumbrando a capacidade transformado-
ra que existe em nós.
Como enxergar o mundo de forma encantada, se ele é repleto de ad-
versidades?
A reposta é: com harmonia – outra qualidade que deve estar ativada.
Faça o exercício de equilibrar as polaridades da vida. Às vezes, estamos
apenas recebendo e digerindo o que nos é direcionado e, de certa forma,
o que é inevitável: a reclamação e os dissabores de chefes, parceiros ou pa-
rentes; as notícias que emergem na mídia; os estresses cotidianos e ínfimos
que, de pouco a pouco, inflamam as emoções. Então, para cada contato
“inevitável” desse tipo, selecione um de polo oposto: para uma notícia
ruim, busque ou lembre de uma notícia boa; para uma imagem desagra-
dável do cotidiano, pesquise uma nova obra de arte; para um pensamento
ansioso, crie na sua mente a cena inteira de como as coisas ficam quando
tudo está em paz.

Inspira - revistainspira.com 217


Se Afrodite consegue transformar uma estátua em ser humano, como
fez para Pigmaleão, também nos fala do potencial de esculpirmos e dar-
mos à vida, do ideal para o material.
A sua Afrodite te ensina a olhar mais uma vez: será que vi tudo direito?
E depois de olhar, fechar os olhos para ver. Muitas vezes, necessitamos da
nossa imaginação para vislumbrar a beleza das coisas – é uma busca ativa:
é recrutar o poder transmutador, que transforma metal barato em ouro
frente aos nossos olhos.
“A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conheci-
mento é limitado, enquanto a imaginação abraça o mundo inteiro, estimu-
lando o progresso, dando à luz à evolução”, uma vez disse Albert Einstein.
Devemos treinar o nosso olhar para não ver apenas o estético, mas a
alma das coisas. É isso que faz elevar o nosso cotidiano ordinário à catego-
ria de arte – em que os artistas somos nós. Se o mundo é um palco, como
disse William Shakespeare, revezamos entre o papel de ator e de diretor:
há sempre a possibilidade de escolha dentro do inevitável do dia a dia.
Faz parte do encantamento pelo mundo entender o fluxo da vida e a
sua impermanência: é um portal para o novo, alimento da nossa curiosida-
de. O filósofo Heráclito lembrou que não há como banhar-se no mesmo
rio duas vezes, pois na segunda vez nem a pessoa nem o rio são os mes-
mos. “Tudo flui e nada permanece”, diz uma das máximas do filósofo.

TUDO NA VIDA É
MISTÉRIO.
Portanto, além de entendermos o fluxo da vida, devemos viver no ago-
ra. Este, que é o único momento que possuímos, é o ideal tempo para o
reencantamento com o mundo. A própria sensação que nos faz sentir que
vivemos em um mundo belo e prazeroso, portanto encantado, só pode ser
manifestada no agora.

218 O Livro de Afrodite


Até mesmo a filosofia nasce do assombro e do encanto humano frente
às coisas do mundo, como notou Aristóteles. O vácuo do desconhecido
é preenchido com significados e explicações. Está presente a magia do
encantamento.
Sempre devemos fazer o exercício de buscar o novo no que é velho,
de olharmos uma segunda vez, de percebermos a beleza ao nosso redor,
em quem está ao nosso lado, e em nós mesmos. Caso contrário, estaremos
existindo tal qual uma forma de olhar a vida que o escritor Liev Tolstói
notou: “Há quem passe por um bosque e só veja lenha para fogueira”.

ESTEJA AQUI
Exercício da Presença
Só escreva o seu nome e observe. Só esteja aqui neste mo-
mento. É isso: apenas seja!

Você vive todos os seus sentidos ou, normalmente, os deixa


no automático e usa só na hora que o corpo demanda: hora
de comer (paladar), hora do banho (olfato), hora do traba-
lho (visão, audição ou tato)? Faça o exercício de se abrir
ao sensorial ao longo do dia. Depois volte aqui e escreva
as sensações que mais te chamaram atenção, no que diz
respeito a:
Sabores:
Cheiros:
Toques:
Texturas:
Temperaturas:
Sons:
Cores:
Imagens:

Inspira - revistainspira.com 219


A VIDA ACONTECE NO SENTIR
Afrodite nos lembra que os sentidos são o maior presen-
te recebido pelo ser humano. É através deles que conse-
guimos apreender o mundo, o outro e, principalmente, a
nós mesmos. Os sentidos são mecanismos avançados para
você medir o que é melhor para você e ajustar seus mo-
vimentos aos seus verdadeiros gostos e, assim, poder al-
cançar a plenitude da vida: a de ser você mesma e sentir
prazer nisso.
Sinta com os seus próprios sentidos, experimente o mundo
conforme as suas próprias experiências e não com os rela-
tos de amargura, as regras e crenças extraídas das expe-
riências alheias. Assim, você vai ver que tem muita coisa
encantadora acontecendo.

Escreva suas top 3 sensações favoritas. Ex.: cheiro de pão


saindo do forno, toque da água do mar lambendo o seu
corpo, ver o sol aparecer depois de dias chuvosos.

Você vive tentando racionalizar tudo? Encontrar motivos


racionais, comprovar seu valor por títulos e papeladas,
basear seu modo de vida apenas no que é “comprovada-
mente” melhor e passando por cima das suas próprias ne-
cessidades, angústias e limites? Eu não posso explicar um
chocolate, eu só posso sentir o sabor dele. A vida é muito
mais sentida do que explicada. Por isso Afrodite é tão im-

220 O Livro de Afrodite


portante. Fazer as pazes com ela é fazer as pazes com a
vida como um todo. Escreva 5 coisas que não podem ser ex-
plicadas, apenas sentidas. Aquele tipo de coisa que só quem
viveu sabe...(Ex.: o bolo de fubá da sua avó, tomar banho
com meia, um beijo apaixonado, perder um ente querido).

1.
2.
3.
4.
5.
E na sua vida? Lembre-se de uma coisa que você adora
racionalizar e tente visualizar como seria apenas vivê-la?
Imagine! Depois volte aqui e conte como você se sentiu nes-
sa visualização, sem procurar explicações ou argumentos
que autorizem os seus desejos.

Inspira - revistainspira.com 221


Autoestima

A Deusa Afrodite era magnética: por onde passava, além de fazer bro-
tar lindas flores, atraía os olhares de todos – dos deuses e dos mortais. As
cenas de filmes hollywoodianos, em que a protagonista anda em câmera
lenta, e parece que o mundo para ao seu redor, representam imagetica-
mente esse poder atrativo da Deusa.
Como aliado de seu magnetismo, Afrodite tinha o Cinturão de Encan-
tamentos. Constituído do ouro mais precioso, armazenava todas as suas
joias de qualidades mágicas: o sorriso sedutor, a fala encantadora, o sus-
piro persuasivo e a expressividade do olhar. Assim, ninguém resistia aos
seus poderes encantadores.
A partir daí, podemos ver que a beleza exaltada na Deusa da Beleza
é muito mais subjetiva e abstrata do que os padrões que se refletem no
corpo, e que variam de acordo com o tempo, o espaço e a cultura de cada
grupo humano; os quais confundimos com o próprio significado do que
é beleza.
Afrodite sempre conseguia tudo o que queria. E como ela fazia isso?

Inspira - revistainspira.com 223


Usando seus encantos. Podemos traduzir esses encantos para qualidades
tangíveis: amor-próprio, autoestima e magnetismo pessoal.
É como mágica: a partir do momento em que alguém se aceita como
é, esse potencial latente e atrativo flui por todo o seu corpo e se exala pe-
los poros e, como que por um encantamento, essa pessoa causa uma boa
energia no ambiente. Esse é o poder gerado por viver a própria essência.

“Quando eu me aceito, eu me
liberto do peso de precisar
que você me aceite”.
Steve Maraboli
Quando falamos em amor-próprio, não estamos aqui nos referindo ex-
clusivamente à porção narcísica embrionária. E sim a virtudes e qualidades
voltadas ao bem-estar que devem estar ativas na pessoa para que ela possa
desenvolver suas potencialidades, com dignidade e respeito a si. O amor-
-próprio é uma relação de autocuidado. Essa é a primeira joia que orbita
quem cria para si o Cinturão de Encantamento de Afrodite.
O amor-próprio está ligado também aos nossos limites, às barreiras
intransponíveis para se ter dignidade. Jung escreveu que o humano se
revolta contra a ausência de limites, pois se sente perdido, cambaleando
no ilimitado. Colocar limites é um ato de amor! Principalmente por si. É
contrário ao caos e à desunião. Amar-se também é se proteger, evitar de-
terminadas pessoas e situações. É criar um distanciamento saudável para
ambos.
É tudo questão de perspectiva e de compatibilidade. Não é uma recusa
ao conflito, que é necessário para o crescimento, e sim uma consciência
contrária à violação de limites: quando o espaço é desrespeitado, mesmo

224 O Livro de Afrodite


após a imposição de limites, é melhor evitar o confronto e manter a dis-
tância digna para o respeito continuar sendo possível; quando o contato
é necessário, que seja com amorosidade e paciência – principalmente, a
você mesma.
Esse tipo de amor composto – que contém a si “próprio” dentro do
“amor”, voltado para si –, não deve ser excludente ao amor primordial,
voltado ao exterior. Em comum, os dois são formas ativas.
Praticar um amor ensimesmado (contrário ao amor-próprio) é reviver
o mito de Narciso, um herói que se apaixona pela própria imagem ao vê-la
duplicada nas águas de um lago e, dessa maneira, acaba por amaldiçoar
sua própria vida. Viver Narciso é não aproveitar os encontros que o mag-
netismo da Deusa proporciona, é usar a afeição dos outros apenas como
espelhos capazes de refletir a sua beleza e ampliar a sua grandeza. É só
gostar de quem lhe faz eco. Na maioria das vezes, esse complexo disfarça
uma falta de autoconfiança exagerada e alivia sentimentos de inferioridade
agudos. E Afrodite não tem esse tipo de questão. Ela se ama e, por isso
mesmo, não tem problema nenhum em dar o que mais tem.
O amor-próprio requer virtudes que devem ser colocadas em prática
diariamente, como respeito e autocuidado. De maneira prática, quando
você se percebe como um ser único e se escuta, notando todas as questões
que te fazem diferentes dos outros, é o primeiro passo para o respeito
vigorar: “me respeito por ser diferente do outro; e respeito o outro, por
entender que é diferente de mim”.
Já o autocuidado é desenvolvido quando você equilibra as demandas
do corpo: o prazer e a saúde, que não devem ser opostos.
O fruto do amor-próprio é a autoestima, a segunda joia do Cinturão de
Encantamento de Afrodite. A autoestima está diretamente ligada à ima-
gem que construímos sobre nós mesmos. Essa autoimagem foi constitu-
ída, desde a infância, no contato com o outro, numa relação de troca: ao
mesmo tempo que pegamos emprestadas, doamos algumas características
– cada fragmento forma esse mosaico reconhecido como “eu”.
A autoestima é ancorada na capacidade que temos de sustentar nossa

Inspira - revistainspira.com 225


autoimagem, frente a nós mesmos e às nossas demandas, bem como dian-
te das intervenções e atravessamentos pela relação com os outros e suas
opiniões sobre quem somos. Podemos sofrer por dois lados: se colocamos
padrões muito elevados do que deveríamos ser, que são inalcançáveis, ou
se deixamos a opinião dos outros orquestrar e validar a nossa imagem. Por
que, na maioria das vezes, não conseguimos nos aceitar? Porque aprende-
mos a nos enxergar com os olhos dos outros.
A busca da opinião do outro sobre mim e a procura da validação exter-
na, quase um “Diga-me quem eu sou!”, só é equilibrada com um “Conhe-
ça-te a ti mesmo”, que é o autoconhecimento – esse é o ouro precioso que
constitui o Cinturão de Encantamento de Afrodite: é a liga que sustenta e
perpassa todas as joias numa relação de harmonia e equilíbrio.

“A beleza começa no momento


que você decide ser
você mesma”.
Coco Chanel
Como desenvolvemos aqui, a escrita terapêutica é uma ótima ferra-
menta para ampliar essa percepção de si: te coloca a par de suas concep-
ções – que se não fossem enunciadas, não seriam percebidas e integradas
como peças de autopoder. Como o escritor Stephen King uma vez disse:
“Eu escrevo para descobrir o que penso”.
Ao integrarmos essa porção de amor-próprio e autoestima, nos pola-
rizamos: deixamos bem-delineado o nosso eu, o potencial do que somos
e do que não somos. É daí que emana a energia atrativa de Afrodite: o
magnetismo pessoal.
Afinal, enquanto você se disfarça do que você não é para obter aprova-
ção dos outros, você se enfraquece. Perde-se muito tempo e energia simu-

226 O Livro de Afrodite


lando as opiniões, os questionamentos, os comportamentos e os gostos
que não lhe são naturais, são de outros. É apenas quando você opta por
ser você mesmo que você se torna poderoso. Essa terceira joia do Cintu-
rão de Encantamento de Afrodite é emanada a partir da combinação das
duas primeiras joias: o amor-próprio e autoestima.
É o magnetismo pessoal que justifica um determinado indivíduo ser
rodeado de pessoas. Atualmente, esse atributo é visto mais como uma
arma persuasiva do que sua forma primal, que é encantar positivamente
o outro – como uma inspiração, não uma ferramenta de dominação. Mas
não deve ser assim. Se um dos lados do amor-próprio é fortalecer as nos-
sas barreiras de segurança, um dos lados do magnetismo pessoal é criar
pontes: compartilhar o que se tem de melhor – um dos maiores ensina-
mentos de Afrodite para a criação de um mundo com mais beleza e amor.
Após atrair com o magnetismo pessoal, a questão agora é manter. Para
isso, se requer os mesmos elementos do amor: cuidado com o outro, res-
ponsabilidade afetiva, respeito (por si e pelo outro) e conhecimento mú-
tuo.
Dois novos elementos entram em questão quando as joias do Cinturão
de Encantamento de Afrodite são desenvolvidas: a liberdade e a fidelidade
a si. E essas são escolhas que devem ser sempre renovadas. O amor-pró-
prio, a autoestima e o magnetismo pessoal – que compõem o Cinturão
–, abrem novos horizontes. Juntos, eles resultam no sentimento que faz
Afrodite ser dona do seu próprio caminho, dona de si.

“Ser livre é usar o tempo


segundo as próprias escolhas,
e viver segundo as
consequências dessas
escolhas”.
Jean-Paul Sartre
Inspira - revistainspira.com 227
É o reconhecer os próprios poderes (com suas potencialidades e limi-
tações). Isso faz a Deusa pisar com determinação a cada novo passo. Ela
é decidida do que quer e de quando quer.
O campo de escolha é vasto, por isso é necessária a fidelidade a si
mesma – que a faz seguir o caminho que decidiu, em vez de replicar o
caminho alheio. Em Antônio e Cleópatra, peça de Shakespeare, Charmiana,
uma das servas da rainha do Egito, a aconselha sobre sua relação com o
romano: “Ceder em tudo, e não contrariá-lo”. E Cleópatra, no alto de sua
conexão com Afrodite, responde com uma lição de verdade e honestida-
de: “Ensinas mal; assim o perderia”.
A posição de Cleópatra nos faz refletir que num relacionamento saudá-
vel um jamais deve querer desintegrar a personalidade do outro, a mesma
que tanto lhe atraiu no início. Por que alguém faria desaparecer a pessoa
por quem se apaixonou? Jogos amorosos e máscaras de perfeição mol-
dadas ao gosto do amante não combinam com Afrodite e, por isso, não
combinam com o amor. Uma pessoa com a autoestima ferida não é capaz
de servir à Deusa, pois antes de amar o outro, é preciso encontrar esse
amor em si mesma.

“AJUSTO-ME A MIM,
NÃO AO MUNDO”.
Anaïs Nin
Diferente de outras deusas que se relacionam, Afrodite se recusa a se
entregar ao controle de alguém. Ela se dá por inteiro, mas quando se dá,
é porque se tem. Ela é a única autoridade que segue. Essa verdade inscrita
no mito nos leva a pensar que para ser amor, deve haver autonomia, o
contrário disso é controle. Amar não é derreter-se inteiramente no outro, é
manter-se inteiro para que o outro possa ter com quem se relacionar, para
que o outro possa atravessar a ponte e acessar um mundo novo.
O autoconhecimento é uma poderosa fonte de direção e de segurança,
que possibilita à Afrodite guiar sua carruagem dourada puxada por cisnes
na direção correta: a que deseja ir e a que pode ir.
Pode ser que essa determinação cause espanto a quem está próximo.
Temos um exemplo clássico na literatura: Madame Bovary, uma persona-
gem que toma suas próprias decisões sozinha. Se isso hoje é um desafio,
imagine para o século XIX, época em que a obra foi publicada. O autor
Gustave Flaubert chegou a receber processos da parte dos leitores, por
esses não aceitarem a atitude tida como “libertina” de Madame Bovary.
Sua simples fidelidade a si mesma já bastava para que fosse considerada
promiscuidade. “Como poderia uma mulher decidir sua própria vida?”,
argumentavam os advogados de acusação.
É por isso que é preciso recuperar esse aspecto silenciado pelo com-
portamento de rebanho e também pela própria configuração social e his-
tórica do feminino: o aspecto de fazer o que se quer fazer, o que se decide
fazer, por conta própria, sem precisar ser autorizado por terceiros ou por
uma ordem social. Os encontros só são bons quando encontramos dentro
aquilo que procuramos fora.

“Só há revolução quando há


amor por nós mesmas”.
Ryane Leão

Inspira - revistainspira.com 229


A CRENÇA DO VALOR
Em que se pauta a sua autovalorização? No seu salário, na
quantidade de amigos que tem, nas suas fotos perfeitas e
hipercurtidas no Instagram, nas suas conquistas ao longo
da jornada, na sua beleza, na quantidade de pessoas que
você seduz, no número de livros que você leu, no título
acadêmico que você tem... Enfm: o que te faz se sentir em
alta conta?
Escreva um texto refetindo sobre isso. De onde isso vem?
Que crença sustenta essa cadeia de pensamento?

230 O Livro de Afrodite


DEIXANDO DE SER CLONE
Quando você se sente deslocada em um grupo, o que você
costuma fazer?

Escreva sobre algumas das vezes em que você deixou de


fazer/ser algo que queria ou mais conectado com o que
você pensa ou sente em nome de outras pessoas, como
para evitar o desconforto, julgamento ou se sentir aceita...
Qual foi a última vez que isso aconteceu? Que arrependi-
mentos e sentimentos isso carrega?

O que você faz quando as pessoas não gostam de você? O


que você faz quando quer que as pessoas gostem de você
e elas não gostam? Qual é o sentimento? Escreva sobre a
última vez que isso aconteceu e sobre como você se sentiu
e como lidou com a situação.

Inspira - revistainspira.com 231


Você se sente escrava das expectativas dos outros sobre
você?

Não traia a si mesma TENTANDO


agradar o outro. As outras pes-
soas da relação também podem
provar seu amor. Inclusive, você
falar o que sente de verdade
vai dar a oportunidade do outro
crescer. Não se sacrifique!

232 O Livro de Afrodite


SÓ VOCÊ
Você já foi ao cinema sozinha? Já comeu sozinha? Você
consegue fazer escolhas pequenas, médias e grandiosas
sozinha? Como você vive a sua independência?

Relembre a última vez que você fez algo sozinha, sem com-
panhias, tipo ir ao cinema ou comer. Como você se sentiu?
Refita um pouco sobre isso e deixe a escrita acompanhar
os seus pensamentos.

Escreva 5 qualidades suas que não tem a ver com as suas


funções no trabalho nem seu papel social na família.

1.
2.
3.
4.
5.

Agora escreva 5 gostos, opiniões e características de com-


portamento marcantes que você tem de diferente da pes-
soa mais próxima a você [pode ser em relação ao seu com-
panheiro(a), mãe, pai, flha(o) ou melhor amiga(o)]. Você se
sente bem em ser diferente? Sublinhe as características

Inspira - revistainspira.com 233


que você sente orgulho de ter.
1.
2.
3.
4.
5.

TESTE DE FIDELIDADE A SI MESMA


Será que você costuma ser fel a si mesma? Marque um X
nas frases que te representam:
Consigo recusar um trabalho para o qual eu fui indicado,
mas que não tem nada a ver comigo.
Gosto de ouvir todos os lados de um desentendimento
antes de ter uma opinião e, talvez, assumir um lado.
Nunca terminei nenhuma relação por infuência de pais
ou amigos(as).
Quando vou vestir uma roupa, nunca penso no que vão
achar de mim.
Nunca fngi gostar de um assunto só para me sentir in-
cluída.
Se eu sei o que quero, num restaurante por exemplo, nun-
ca fnjo estar indecisa com medo de que a minha opinião
pareça autoritarismo ou falta de educação.
Sair para lugares que não gosto, com pessoas que me
desagradam, não é para mim. Rejeito o convite!
A vida que você leva é boa para você, para uma versão sua
de tempos atrás ou para os outros?

234 O Livro de Afrodite


LIBERDADE PARA SER
Você realmente faz as suas escolhas com liberdade/consci-
ência de si? Qual foi a última vez que você se sentiu livre?

Qual foi a última vez que você fez uma coisa pela primeira
vez? Como você se sentiu? A experimentação é da ordem
de Afrodite.

Muito se fala sobre a capacidade necessária de saber dizer


“não” para colocar limites, mas e sobre o dizer “sim” para
se abrir para a vida e para conhecer novas partes de você?
Você sabe dizer “sim” para a suas vontades da alma? Para
a experimentação? Para coisas novas e para novos apren-
dizados? Observe no seu dia a dia quantos “sim” você diz
para convites, propostas, e até mesmo desejos seus. Será
que você está sempre sendo como um pai ceifador e car-
rasco para você mesma?

Inspira - revistainspira.com 235


Crie uma lista do “se joga”. Quais experiências você tem
muita curiosidade de viver, mas, por um motivo ou outro,
vive se colocando barreiras, desculpas, julgamentos e em-
pecilhos? A gente começa e você continua, ok? Quem sabe
isso funciona como um incentivo para você se permitir
mais. Vamos viver tudo o que há pra viver? Ex.: ir conhecer
a cerimônia de alguma religião diferente da sua, embarcar
em uma excursão de fnal de semana, subir um dos picos
da sua cidade, ir a um festival de música, comer uma fruta
exótica e desconhecida todo mês.

236 O Livro de Afrodite


A VOZ INVALIDADA
Você consegue ser você mesma na maioria das suas rela-
ções? Em alguma relação você se sente tolhida, com ver-
gonha de falar sobre o que pensa e de se expressar como
realmente é? Como é essa relação? Que parte de você ain-
da se esconde?

O que você faz que silencia a sua voz interior? Exemplo: di-
zer sim quando quer dizer não, tentar agradar todo mundo
e esquecer de si mesma, não se perguntar sobre seus ver-
dadeiros desejos: “O que eu quero fazer?”, não respeitar os
seus limites e deixar que todo mundo o ultrapasse, guiar-se
pela bússola de outras pessoas (Ex.: “Porque Fulana disse
que isso é coisa de gente desocupada”, “Sicrano disse que
isso é a coisa errada a se fazer”), pensar que seus desejos
são loucurinhas (acredite! Muita gente pensa isso e nin-
guém quer ser louco. Resultado: milhões de ideias geniais,
que nunca existirão na prática).

O primeiro passo para que as outras pessoas possam te


aceitar é você mesma aceitar a sua verdadeira identidade.
Escreva aqui 5 coisas sobre você (seu comportamento e

Inspira - revistainspira.com 237


personalidade) que você ainda sente difculdade em lançar
ao mundo. O que você pode fazer para revelar esse segredo
que mora dentro de você?

Crie para si mesma suas próprias formas de refetir e se


questionar, abra mão de consultar as autoridades compe-
tentes ou os supostos especialistas o tempo inteiro. Como
fazer isso? Veja um flme sobre o qual você nunca ouviu fa-
lar. Assista sozinha. Depois use o espaço abaixo para tecer
um comentário sobre esse flme. O que me chamou aten-
ção? Por que me identifquei ou desprezei o protagonista?
Por que esse flme é bom ou ruim? O que esse flme me fez
pensar? Não pergunte nada a ninguém e nem busque re-
senhas em blogs ou no YouTube, nesse momento, só a sua
refexão é que vale. Esse exercício te ajuda a reconquistar
o contato com o poder sobre a sua própria vida, te faz se
enxergar como uma autoridade em si mesmo, o que é uma
ferramenta para quebrar com dezenas de comportamentos
que tem origem em ideias consideradas verdades absolutas;
e desperta os mecanismos de autoexpressão. Enquanto você
faz essa atividade, fque com esse mantra: “Não existem do-
nos da verdade”.

238 O Livro de Afrodite


Inspira - revistainspira.com 239
EXERCÍCIO DO ESPELHO
É a coxa com celulite, a barriga que não diminuiu depois do
parto, as espinhas que aparecem por toda a parte, os pelos
que não deveriam nem existir, as estrias que denunciam
que você mudou, o cabelo que raramente está num bom dia
ou a calça jeans que parece que encolheu e não entra mais
em você. Por que não conseguimos nos aceitar? A resposta
é que: não conseguimos nos aceitar porque aprendemos a
nos enxergar com os olhos dos outros.
Agora é a hora de se enxergar com os seus próprios olhos.

Procure um espelho e faça essa busca agora mesmo! Quan-


do você se olha no espelho você consegue se ver para além
da sua aparência? Você é o que além da opinião estética
(bela/feia, gorda/magra, alta/baixa)?

Aparência não é tudo na vida! Beleza é um conceito que


não cabe em padrões. Consegue ver e sentir a força da
presença dessa mulher poderosa que está refetida? O que
você enxerga nessa pessoa do espelho para além da apa-
rência? O que a expressão dos seus olhos, suas marcas,
calos e cicatrizes dizem sobre ela?

240 O Livro de Afrodite


“Não ter mais confiança no corpo
é perder confiança em si próprio”..
Simone de Beauvoir

COMO UMA DEUSA


Você pode se aceitar? Olhando-se no espelho e pensando
nas suas forças e limitações, escolha 3 coisas em você que
você pode aceitar hoje. Faça esse exercício sempre que pu-
der!

Agora, olha bem no fundo dos seus olhos (Aliás, perceba:


de que cor eles são? Qual é o formato deles? Quando a luz
bate neles, eles mudam de cor?), repita: “eu te amo”.
Se quiser, pode acrescentar outras frases de amor e apoio
que você sempre precisou que alguém dissesse a você.
Você é essa pessoa que você estava esperando! Comece a
reverenciar a deusa que existe em você. Quando você não
faz isso, as punições são caras, e a gente vê isso refetido
na vida.
A palavra ‘”venerar” vem do latim venerari, que signifca
cultuar ou reverenciar. Possui a raiz de veneris, signifcan-
do amor, desejo sexual e encanto, dos quais o nome Vênus
deriva.

Inspira - revistainspira.com 241


Você já se venerou hoje?

Me olhei no espelho e me Me ofereci um dia bonito e


disse coisas bonitas. repleto de amor.
Cuidei do meu corpo. Respeitei meus tempos, sen-
Cuidei da minha mente. timentos e limites.

Agradeci por estar viva. Me concedi prazeres, sem


culpa.

Como você costuma reagir a um elogio?

Vamos praticar? Novas formas de responder a um elogio.


“Você é/está linda”:

“Seu trabalho é brilhante”:

“Você é uma das melhores (sua profssão ou hobby aqui)


que eu conheço”:

“Adoro sua energia”:

“Sua risada me faz rir”:

“Muito obrigada por ter feito isso. Foi muito importante pra
mim”:

“Conversar com você é muito bom, você é uma pessoa inte-


ligente que sempre me abre a novas perspectivas”.

242 O Livro de Afrodite


AUTOAMOR
Se você viu que dá para aceitar o seu corpo, vamos agora
passar para a outra fase: você pode aceitar aquilo que con-
sidera seus defeitos de comportamento, aquilo em que se
sente insufciente, aquela sua inabilidade em determinada
atividade, as formas de você se expressar para o mundo, as
suas ideias “mais loucas”? Pode aceitar que às vezes você
é mesmo assim, e não de outra forma... e não da forma que
seria mais aceitável, “correta” ou fácil?

Você gosta da sua própria companhia? Como você se sente


com o silêncio? O silêncio te incomoda? Você é a pessoa
que sempre tenta preencher os espaços daquele silêncio
constrangedor durante as conversas?

Se você não se aceitar,


ninguém vai te aceitar.
Se você não se aceitar,
as pessoas aceitarão uma
versão mentirosa de você.
Se você não se aceitar,
as pessoas só verão em você
um espaço em branco onde depositar
as próprias projeções.
Inspira - revistainspira.com 243
Escreva uma carta de amor para a pessoa que sempre es-
teve e sempre estará com você: você mesma! Elogie seus
pontos fortes, a motive, traga palavras de inspiração e faça
o compromisso de nunca abandoná-la.

244 O Livro de Afrodite


Criatividade:
a ação da imaginação

A fala, os mitos, as lendas, a escrita, o sistema monetário e, por fim,


a sociedade como a conhecemos hoje. Isso tudo foi desenvolvido após
a Revolução Cognitiva, há 70 mil anos, por meio de uma das maiores
qualidades do homo sapiens, a espécie que carrega a sabedoria no nome: a
criatividade.
Mesmo com o avanço da inteligência artificial, carreiras que valorizem
a criatividade como moeda de troca serão as menos afetadas pela substi-
tuição por robôs, como já apontou o escritor do best-seller Sapiens, Yuval
Harari.
A criatividade humana, literalmente, inventou a roda e a aperfeiçoou.
Há milhares de anos, nasceu na imaginação de alguém que um eixo deveria
ser acoplado a duas rodas. Assim surgiram os “pés” de outros objetos:
carroça, biga e cabriolé – os ancestrais do carro.
Se lançarmos o olhar ao redor, tudo o que facilita a nossa vida hoje,
surgiu do poder criativo de alguém sendo colocado em prática – de uma
simples cadeira ao celular. Todas essas criações, em seu tempo, tiveram
o impacto de uma Revolução copernicana – aquela que identificou o Sol
como o centro do Universo. Nada é óbvio e nada é impossível para o

Inspira - revistainspira.com 245


pensamento criativo.
Mas, geralmente, as criações não nascem utilitárias. As criações emer-
gem da mente de pessoas curiosas, como lembrou o educador americano
Abraham Flexner: “a maior parte das grandes descobertas que depois se
provaram benéficas à humanidade foi realizada por homens e mulheres
não guiados pela vontade de ser úteis, mas pelo mero desejo de satisfazer
sua curiosidade”.

“Eu não tenho nenhum talento


especial. Sou apenas
apaixonadamente curioso”.
Albert Einstein
A mitologia grega exemplifica como pode nascer a criatividade. É
como o fruto do casamento de Afrodite com Hefesto, deus do fogo e da
forja. Mesmo sendo coxo e disforme, a Deusa do Amor, com seu espírito
livre e curioso, aceitou a união. Podemos fazer uma leitura desse relaciona-
mento como a união da beleza inspiradora que impulsiona o artista a criar.
Juntos, Afrodite e Hefesto não tiveram filhos, mas criaram obras po-
tentes e encantadoras, capazes de alterar a história do mundo, como Pan-
dora, a primeira mulher. Essa história revela a capacidade humana de criar,
se equiparando à natureza. Ela mostra que o ato criativo não precisa ser
somente biológico, mas pode surgir também de uma vontade que se mo-
biliza por meio da sensibilidade (Afrodite) e do fazer (Hefesto).
Afrodite está presente em outras cenas de criação. O rei da ilha de
Chipre testemunhou o poder fertilizador da Deusa. Pigmaleão, que tam-
bém era escultor, se apaixonou por uma estátua que ele mesmo esculpiu.
Ao não encontrar na ilha uma mulher com tamanha beleza, Afrodite deu
vida à escultura. É a força da inspiração – que no nome carrega o sopro
da vida – fertilizando.

246 O Livro de Afrodite


Mas por que essa necessidade criativa move a humanidade? O poeta
Ferreira Gullar condensou a resposta em uma frase: “A arte existe porque
a vida não basta”. É do humano transcender à natureza e cocriar a exis-
tência. No mito de Pigmaleão, não é apenas a estátua que ganha vida. Ele
mesmo se reconecta com a vida a partir da escultura de marfim que cria. A
arte lhe despertou a potência de amar que estava adormecida dentro dele.
A arte conversa com as nossas emoções humanas, o que temos de mais
real, e as valida. Ela nos lembra de nossa própria beleza.

“A arte resgata a vida, só a arte dá


sentido à existência. Mas paramos de
procurar o sentido na poesia, na músi-
ca, na arte para procurar sentido na
lógica, na racionalidade. Ninguém uti-
lizando lógica e razão explica a vida.
A vida não se explica, a vida
se sente, se percebe”.
Viviane Mosé

Essa é mais uma prova de como o arquétipo da beleza e do amor pode


ser colocado em nossa vida prática, gerando novos mundos e novas vidas.
A fertilidade da maternidade e da paternidade também pode ser direcio-
nada para as coisas, como um artista dá à luz sua obra.
O cotidiano ordinário é a maior fonte de criatividade que todas as
mentes brilhantes tiveram contato: como inspiração ou como insatisfação.
As criações dançam virtualmente na imaginação de quem se abre para ver
o ordinário com uma nova perspectiva.
E é também no cotidiano ordinário que a criatividade se faz necessária.
Com o poder criativo, edificamos as pontes para conectar pontos distintos
e distantes. O simples fato de você estar aqui escrevendo, criando respos-

Inspira - revistainspira.com 247


tas com a caneta, é um ato de liberação de energia criativa. Insights podem
surgir daqui e lhe conectar com pontos distantes de você mesma! E isso
também é criatividade.
As vicissitudes e as constantes mudanças da vida nos empurram para o
pensar criativo. Geralmente, a solução dos problemas não é como um sim-
ples encaixe de peças num quebra-cabeça. As peças estão distantes umas
das outras e, muitas vezes, não existem: necessitam ser criadas.
Quando temos uma postura criativa diante da vida, passamos pelas
vicissitudes, pelos altos e baixos, com mais facilidade e tornamos cada
experiência um aprendizado. Não devemos esperar a necessidade de a vida
cobrar que sejamos criativos. Devemos buscar o nosso grito de “Eureka!”
no cotidiano.
Cada molécula criativa que flutua em nossos pensamentos materializa
o nosso amanhã. É pelo nosso potencial inventivo que ligamos o nosso
eu de agora com o nosso eu do futuro: é a imaginação que abre a estrada
inexplorada que nos aventuramos a trilhar.

“Se você pode sonhar,


você pode fazer”.
Walt Disney

Mas por algum motivo, parece que estamos imaginando menos. Como
se todas as imagens possíveis já estivessem dadas, como se nada de novo
pudesse ser criado, como se o mundo já estivesse saturado de artistas e de
inventores e como se o ato de imaginar não fosse útil para nada. Imaginar
seria coisa de crianças e de drogados. Você já deve ter ouvido isso. Acaso
essas pessoas não consomem filmes, seriados, novela, música ou literatu-
ra? De onde eles acham que surgiu tudo isso? Da mente de um computa-
dor ou caiu de uma árvore?

248 O Livro de Afrodite


Alguns especialistas alertam que a protuberância de imagens já monta-
das que as crianças têm consumido ao longo do dia em jogos eletrônicos
e desenhos animados, por exemplo, pode estar limitando suas capacidades
cognitivas de completar lacunas, elaborando o conteúdo internamente.
Em outras palavras, do ponto de vista psíquico, há uma preocupação
quanto à capacidade do público infantil em criar as imagens com suas
próprias cabeças, pensar e fazer escolhas. Este é o último golpe na car-
ne de Afrodite: o fim da imaginação. E esse é um grande risco, já que a
imaginação é uma forma de expressar nossa liberdade individual, como
aponta a psicoterapeuta Esther Perel. Sem imaginação, não há nem mes-
mo o humano.
Quando não se configura como um exagero que beira ao escapismo,
à fuga da vida, imaginar é um ponto de restauração. É uma cura para as
amarguras do dia, uma renovação do apetite de viver e da crença em nos-
sas próprias capacidades. Se estamos tristes, deitamos e imaginamos um
mundo onde se tem as chaves nas mãos para destrancar qualquer porta
em nossa vida, nos levantaremos com a energia bem melhor, a de quem
pode fazer alguma coisa.

“É impossível enfrentar a
realidade o tempo todo sem
nenhum mecanismo de fuga”.
Sigmund Freud

Se, nos dias de hoje, a capacidade imaginativa se esvai nas telas digitais
e é jogada para fora da ribalta pelo pensamento utilitarista, nos dias de
ontem a imaginação era o que constituía o mundo. Há mais de quatro
mil anos, a filosofia de Hermes Trismegisto ensinava, dentro das sete leis
herméticas, o mentalismo: “O Todo é mental. O universo é mental”. Tudo

Inspira - revistainspira.com 249


o que criamos na imaginação, bem ou mal, manifestamos no plano da re-
alidade. No que focamos nossa atenção, nossa imaginação, cresce. Assim,
o antídoto para uma situação desagradável é focar mentalmente no seu
oposto: da mente para o corpo em ação na realidade é uma via de fluxo
rápido e contínuo.
A imaginação é o próprio embrião que carrega o poder de autotrans-
formação. Ela é o primeiro passo da criatividade. Só assim, é possível mu-
dar o próprio mundo e, consequentemente, o mundo das pessoas ao redor
com o talento e peculiaridades que emanam de cada um de nós.
A imaginação é a maior defesa e antídoto a qualquer tipo de domina-
ção: é a instância em que estamos livres com nossa criatividade catalisa-
dora de realidades.

“A vida de uma pessoa tem valor


quando ela atribui valor à vida
das outras, seja por meio do
amor, da amizade, da indignação
ou da compaixão”.
Simone de Beauvoir

Como desenvolver o potencial criativo?


Afrodite nos ensina que devemos reconhecer a beleza, o amor e o pra-
zer no próprio processo criador. O ato da criação deve ser experienciado
como um momento de prazer pelo o que se está fazendo, pelo ato de
fazer, um fim em si mesmo.
Ela ensina que a criatividade é um processo quase “sensual”; algumas
pessoas o enxergam como uma experiência sensorial do momento, envol-

250 O Livro de Afrodite


vendo tato, som, imagem, movimento e, algumas vezes, olfato e paladar.
Um artista absorvido num processo criativo, como um amante, muitas
vezes acha que todos os sentidos ficam intensificados e que ele recebe
impressões perceptivas através de muitos canais.
Enquanto se trabalha numa imagem visual, num texto, prato ou mo-
vimento da dança, por exemplo, as impressões de percepção múltipla que
entraram por esses diferentes canais podem interagir, como em uma rela-
ção, para criar o resultado final.
Ou seja, a criação que ganha à luz pelo ventre da criatividade é como
um parto: mas no lugar da dor deve existir o prazer. É um processo de la-
pidação. Sempre que errar, pode corrigir. E quando não há como corrigir,
deve-se fazer igual a um desenhista: integrar a linha irregular no próprio
desenho.
Antes de nascer, toda atividade criativa inicia com uma ideia. Depois,
essa ideia passa pelo período de incubação, em que ela é analisada em di-
versos ângulos. A inspiração é o estalo que liga partes dos conhecimentos
já existentes (por isso, a importância de ampliar o catálogo de referências).
E, por fim, a ação: quando, por meio das habilidades já desenvolvidas,
recrutamos as nossas ferramentas para dar vida à ideia. Seja qual for a
criação, esse processo ocorre.
Como vimos, para desenvolver a criatividade, é necessário preparar
um terreno fértil para as ideias brotarem. Lançamos nesse terreno dois
elementos catalisadores que germinam as sementes criativas: a curiosidade
e a imaginação.
A curiosidade é um dos elementos base que catalisam a criatividade.
É necessário desenvolver uma perspectiva de que ainda não se conhece o
novo em completude ou que o velho pode ser visto por um outro ângulo.

“Nenhum grande artista vê as coisas


como são na realidade; se o fizesse,
deixaria de ser artista”.
Oscar Wilde
Inspira - revistainspira.com 251
Na prática, busque a beleza e a novidade onde quer que esteja dire-
cionada a atenção: filmes, natureza, conversas – tudo pode ser uma fonte
de aprendizado e inspiração. Leia mais: a leitura é a atividade que recruta
mais áreas do cérebro. Tenha um passatempo artístico: quando empacava
numa atividade, Albert Einstein ia tocar violino. O gênio da física dizia:
“criatividade é a inteligência divertindo-se”.
O maior empecilho para a criatividade como fonte de ação é o jul-
gamento. Ou seja, o antídoto para o bloqueio criativo é suspender o jul-
gamento: o próprio julgamento, que beira a um ideal de perfeccionismo
(ideal esse que, às vezes, é colocado à longa distância para continuarmos
na inércia), e o julgamento futuro dos outros. A própria prática de criar é
um caminho de afastar o julgamento.

“Antes de uma criança


começar a falar, ela canta.
Antes de escrever, ela dese-
nha. No momento que consegue
ficar de pé, ela dança. A arte é
fundamental para a
expressão humana”.
Phylicia Rashad

252 O Livro de Afrodite


NÃO É SÓ COISA DE ARTISTA
A criatividade não está somente localizada na criação ar-
tística. Esse ímpeto criador faz parte do nosso cotidiano:
quando resolvemos problemas, quando temos boas ideias,
quando ajudamos alguém a solucionar uma questão, quan-
do modifcamos um pensamento anterior ao nos pergun-
tarmos “será que tem algo a mais aí?” ou “deixa eu olhar
por outra perspectiva”. Quais são as formas de criativida-
de que você percebe em si? Escreva-as abaixo e diga em
quais momentos ela se manifesta.

Você acha que lida com os obstáculos e desafos que lhe


aparecem com uma postura criativa? Tente encontrar isso
em sua história!

Ao longo do tempo, você deixou de lado alguma forma cria-


tiva (como desenhar, cantar, escrever)? Por quê?

Inspira - revistainspira.com 253


QUANDO A MUSA VIRA CRIADORA
O equilíbrio está entre o consumir e o produzir. Será que
você está só consumindo? Que parte de você se materiali-
za nas coisas que você compra ou consome? Você não se
ressente de não deixar sua assinatura em nada? De não
tocar outros corações?

Como você gostaria de afetar os outros? Que espécie de


sensações gostaria de reverberar para si mesmo, para as
pessoas que te cercam e para o mundo? De que maneira
isso pode ser realizado? Já pensou nisso como um projeto
real?

“Não esconda seus talentos,


eles foram feitos para serem
usados. O que é um relógio
de sol na sombra?”.
Benjamin Franklin
254 O Livro de Afrodite
CRIATIVIDADE SE CRIA
Exercício: criatividade derivada.
É um engano achar que há algo de novo sob o sol. Essa
crença de originalidade é um dos empecilhos para a frui-
ção do ato criador (sobretudo, o artístico). “Na natureza,
nada se perde, nada se cria, tudo se transforma”, como no-
tou o químico francês Antoine Lavoisier. Os artistas sabem
muito bem como funciona essa máxima transformadora,
em que uma coisa já existente, passa pelo olhar criativo,
e dá origem a algo novo. Por isso, grandes escritores leem
muito outros escritores; pintores apreciam e estudam téc-
nicas de outros pintores... Então, o que propomos aqui é o
seguinte: você deve escolher alguma obra artística (seja
ela letra de música, fotografa, pintura) e tentar reprodu-
zi-la. Não se atenha à perfeição, o que tiver de diferente é
criação sua, e se errou, faça como um desenhista e integre
à obra as pontas soltas. Uma opção mais fácil de exercí-
cio é reproduzir no papel alguma obra de arte. Se quiser
deixar mais complexo o desafo, veja a obra apenas uma
vez e rabisque a partir do que você lembrar. Outra opção,
é escolher alguma música que você goste e introduzir na
melodia da letra suas modifcações, como numa paródia.
Não hesite; só deixe a sua imaginação fuir!

Inspira - revistainspira.com 255


Exercício: se conectando com o criador em você.
Dance intuitivamente as músicas da nossa playlist de Afro-
dite (está no nosso canal no YouTube: Revista Inspira) ou
qualquer outra música que te apeteça; cante a plenos pul-
mões e sinta a letra; escreva um poema ou música; faça um
desenho e pinte-o; se você costura, costure algo criativo;
faça uma receita legal na cozinha; faça biscuit; saia por aí
para fotografar alguma coisa, pode ser com o celular mes-
mo, depois revele e crie um álbum para o seu ensaio; faça
uma seleção de peças de roupa bem artística e criativa e
depois vista, mesmo que seja para desflar apenas diante
do seu espelho. Tudo isso é viver criativamente! Depois, es-
creva aqui como se sentiu.

256 O Livro de Afrodite


Riso:
o caminho mais leve

A Deusa Afrodite, muitas vezes, mostrava sua faceta mais sorridente.


Ela era apaixonada pelo riso, pelo sorriso e por toda sensação de bem-es-
tar e de leveza causada pela elevação do humor. A Deusa do Amor era
conhecida como philommeides, “aquela que ama o riso”.
Com um olhar atento aos momentos de prazer, talvez seja fácil justifi-
car mais esse atributo da Deusa. Todas as vezes em que estamos inseridos
em situações de prazer, o nosso corpo responde com risos e sorrisos.
Essa é uma linguagem que nos acompanha desde a tenra idade. Um
bebê ri e sorri com muita facilidade. Quando ficamos mais velhos, porém,
essa leveza da criança de abrir uma gargalhada para todas as coisas pode
parecer boba – ou, pelo menos, é isso que os padrões sociais fazem acre-
ditar.
Quem ilustrou essa “interdição” ao riso foi Umberto Eco, no livro O
Nome da Rosa. Ambientado numa abadia cristã do século XIV, uma das
perspectivas filosóficas do romance histórico é acerca do riso. Para orien-
tar a censura ao riso na abadia, uma das personagens toma como emba-
samento o segundo livro da Poética, de Aristóteles, considerado perdido.
A lei religiosa era alicerçada no medo do demônio. O riso suspenderia
a razão, o que anularia esse medo. Com o riso, não haveria o medo das
penalidades cristãs, o que deixaria os fiéis mais suscetíveis às investidas
do demônio. O riso na Terra seria a manifestação da felicidade em vida.
Quanto mais felizes, mais distantes estariam da dependência de uma pro-

Inspira - revistainspira.com 257


messa de satisfação numa vida pós-morte.
Alguns séculos depois, o riso chegou à categoria de terapia. Você já
ouviu falar na Terapia do Riso ou Risoterapia? Quem utiliza essa técnica
acredita que as risadas influenciam no bem-estar e na melhora de doenças.
A Gelotologia, ciência que estuda o riso, confirma o efeito positivo do
bom humor.
Em média, um minuto de risada faz com que você tenha 45 minutos
de bem-estar. Isso ocorre porque o hormônio da alegria (endorfina) é
liberado na corrente sanguínea. Como resultado, a ansiedade e até mesmo
a dor são aliviadas.
Pesquisadores, como o neurocientista Scott Weems, retiram o riso da
categoria de leviandade e o elevam à categoria de saúde. As análises de
Weems confirmam que o riso nos torna mais saudáveis, mais criativos e
mais inteligentes.
O riso é um dos principais instrumentos naturais que temos para pas-
sar pelas vicissitudes da vida. Quando queremos desmobilizar um inimigo,
quando esse inimigo é o nosso medo e a nossa tensão, devemos aprender
com a leveza de Afrodite a trazer o riso como antídoto. Essa atitude des-
morona muros e cria pontes.
Quem nunca reparou em alguém que encara a vida com leveza e faci-
lidade, e tem bom humor? Em verdade, o bom humor é que traz a leveza
e a facilidade para a vida.
Encarar com leveza a vida é uma mudança de perspectiva: afinal, por
que a vida não pode ser fácil e prazerosa? A penosa jornada herói enalte-
cida pela sociedade, cheia de reveses e aflições, que determina a posição
da mulher como heroína e do homem como herói, pode ser transformada
pela leveza das gargalhadas durante o trajeto.
Rir e dar boas gargalhadas é um atributo da natureza. Sempre que o
sorriso genuíno brotar em seu rosto, Afrodite está com você. E o mag-
netismo da Deusa pode até influenciar quem estiver ao seu redor: o riso
é contagioso.

258 O Livro de Afrodite


Outro atributo do senso de humor é que ele é a manifestação da nossa
sombra, que é a personalidade oculta que cada um de nós possui.
O analista John A. Sandford observou que quem ri é a personalidade
da sombra, justamente porque expressamos por meio da égide do humor
emoções e concepções que evitamos encarar, mas que vivem em nós por
baixo de uma camada de proibições e moralizações. Por isso, se prestar-
mos atenção no que induz o nosso senso de humor e nos gera o riso,
estaremos, também, obtendo conhecimento sobre a nossa sombra.
Além de ser um caminho para se encontrar com a sua sombra, o que
é muito importante, o riso é um portal para acessarmos a Afrodite inte-
rior: quando rimos, sorrimos e elevamos o nosso espírito, Afrodite faz o
mesmo.

VOCÊ É FEITA DO QUE TE FAZ RIR


Sobre o que você costumar rir e sorrir?

Qual foi a última vez que você deu boas gargalhadas? Foi
sobre o quê? Como seu corpo reagiu na hora? E qual foi a
sensação depois? O que motivou essas gargalhadas pode
dizer algo sobre você mesma, que talvez você nem tenha
percebido ainda!

Estar contente é conter em você todo o conteúdo de que


precisa para a vida. Pensando assim, o que tem a capaci-
dade de te deixar contente?

Inspira - revistainspira.com 259


PRIMEIROS SOCORROS
Leia esta página quando estiver precisando rir: liste aqui as
5 coisas que mais de fazem chorar de rir. (Exemplos: uma
foto em que eu apareço muito engraçada, uma amiga que
me mata de rir, determinada página de memes em uma
rede social, um flme ou série específcos, uma esquete de
comédia, uma lembrança de algo cômico que me aconte-
ceu).

Pela lista anterior, deu para ter uma média do seu tipo de
humor. Compare uma coisa com a outra e escreva o que
elas têm em comum. O que te faz rir diz tanto sobre você!

260 O Livro de Afrodite


RIR É TERAPÊUTICO
Rir de si mesma é um comportamento que faz parte da sua
personalidade? Zombar de si mesma e não se levar tão a
sério é um tipo de medicina. De um lado, escreva uma parte
sua que você leva muito a sério; de outro, faça um comen-
tário tirando um sarro. Um exemplo: levo muito a sério não
ter um rosto de feições mais adultas. Como posso rir disso?
Faça uma piada do que te incomoda!

A FERIDA DA HEROÍNA
“Eu gosto que as coisas venham de maneira fácil para mim”.
Que emoções essa frase te provoca?

Às vezes, a jornada da heroína/do herói, o confronto e a


postura da guerreira são comportamentos tão valorizados,
que pensar em um fuir com tranquilidade, dar e receber
com harmonia e viver a vida com leveza é algo difícil de se
engolir. É como se apenas o que se consegue a duras penas
e à base de muito sofrimento tivesse valor. Quem nunca
ouviu a frase “o que vem fácil, vai fácil”? Refita sobre isso!

Inspira - revistainspira.com 261


Afrodite e a riqueza
O modo de funcionamento da economia nas sociedades do Ocidente
nos leva a crer que os arquétipos mais propícios para uma pessoa mani-
festar bem-estar material são os das deusas mais mentais. Atena, com sua
postura estratégica e guerreira; Ártemis, com sua independência e cora-
gem para ir à caça de seus objetivos; ou mesmo Hera que, fascinada pelo
poder, elege seus companheiros de vida com base na classe social.
Para alguns autores, a pessoa que constela o arquétipo de Afrodite é
interpretada como aquela que vive na marginalidade, a que é mantida pelo
amante por ser a Outra ou aquela que se perdeu na imagem que fez de si
mesma e não se tornou apta a sustentar a própria existência.
Todas essas coisas podem realmente acontecer quando não sabemos
nos conectar de maneira saudável com a força de Afrodite. O que a bem
da verdade é o que mais acontece.
Quando Afrodite foi queimada nas fogueiras da Inquisição medieval
junto com todos os ideais que ela representava, deixando apenas uma fu-
maça escura e pesada cuja essência, nós, enquanto coletivo, jamais conse-
guimos trazer de volta à vida, reduziu-se às cinzas também o segredo de
como lidar com nossa própria materialidade telúrica.
A partir daí, a materialidade se tornou materialismo, com o sufixo gre-
go -ismo denotando seu significado mais preocupante, o de “condição pa-
tológica”, doença. Essa condição se reflete na coisificação das pessoas, na
sexualização das coisas, na perspectiva mercadológica dos relacionamen-
tos e na euforia para o consumo.
Essa é a ira de um conteúdo que foi fortemente recalcado. Mas, em
essência, Afrodite é a própria energia da abundância. Ela fertiliza a terra
com sua potência geradora de vida. Ela possibilita a duplicação dos seres
na Terra. Ela é a criatividade que encontra saídas para prosperar. Ela não
gosta do que é escasso, e sim do que é abundante. Sua matemática jamais

Inspira - revistainspira.com 263


seria a do subtrair. Ela pensa em termos de somar e multiplicar. A Deusa
do Prazer é também a Deusa da Riqueza e do Dinheiro.

Vênus de Willendorf. c. 25.000 anos a.C.


As estatuetas femininas que foram classificadas de Vênus Esteatopigia
têm em comum o exagero em certas partes de sua anatomia (seios,
nádegas, coxas, quadris, abdômen ou vulva). Essa exuberância material
era a marca da Deusa, que garantia a fertilidade da terra e
promessa de fartura.

264 O Livro de Afrodite


Freud, em seus textos de fundamentação da Psicanálise, sugere que a
maneira como uma pessoa lida com o sexo pode refletir na forma como
ela trata o dinheiro. Você trata o dinheiro com muito pudor, vergonha,
modéstia, como se tocá-lo fosse ferir a sua decência? Talvez você esteja
lidando com a sua sexualidade da mesma maneira: resistindo aos seus im-
pulsos saudáveis, reprimindo suas vontades por conta de alguma crença
elaborada de que dar voz ao corpo é um grande pecado ou tabu.
Você é hipócrita em seus câmbios financeiros? Promete que vai pagar e
não paga ou insinua que pagará a conta, mas nem mexe no bolso esperan-
do que alguém tome a iniciativa? Será que no sexo você também não está
enganando seu parceiro(a) para conseguir algo em troca, dissimulando,
fingindo orgasmos ou se passando por algo que não é de verdade?
A forma como tratamos a nossa vida sexual é a mesma com que trata-
mos de questões financeiras, e vice-versa. Percebeu como uma coisa está
conectada à outra?
Quando lidamos bem com os nossos mecanismos de dar e receber
prazer, o dinheiro também se inclui aí, pois ele também é uma forma de
materializar e distribuir prazer na nossa vida e na das pessoas por onde
ele passa.
Ele pode se transformar em bem-estar, evolução, conforto, saúde, des-
preocupação, a família feliz reunida para um almoço em um restaurante
legal... E isso é tudo o que Afrodite quer: que as pessoas sintam prazer
para gerar prazer e, com isso, fertilizarem a Terra de deleite, inspiração e
vida. Já ouviu aquele ditado que diz que “Gente feliz não enche o saco”?
É exatamente sobre isso.

Inspira - revistainspira.com 265


ANALISANDO CONEXÕES
Vamos fazer um exercício? Repita em voz alta: “Eu gosto
de riqueza”. Foi difícil? Escreva aqui qual foi o primeiro
pensamento que passou pela sua cabeça. Mas lembre-se:
você prometeu sinceridade!

Agora diga essa: “Eu adoro sexo”. Observe novamente as


reações e as escreva aqui sem fltrar nada. As sensações
são as mesmas das causadas pela frase anterior?

Como você descreveria a sua vida sexual? O que você sen-


te a respeito do tema sexo? Que pensamentos vêm à sua
mente. Culpa, vergonha e outros do tipo? Êxtase e leveza?

Como você descreveria a sua vida fnanceira? Que senti-


mentos você tem quando vai gastar dinheiro ou fazer uma
compra?

266 O Livro de Afrodite


O PODER DA CONTEMPLAÇÃO
Responda aqui: você aprecia de verdade aquilo que você
já tem/é? Você realmente tira um tempo para contemplar,
admirar, valorizar e agradecer à abundância que um dia
você desejou (ou não) e que hoje faz parte da sua vida?

A contemplação é o remédio para o consumismo sem pro-


pósito que vem da ira de Afrodite por ser invisibilizada.
Em vez de comprar próteses pré-fabricadas, saia ao ar li-
vre, num parque mais próximo, e contemple a beleza da
natureza, da folha verde à folha caída ao chão, que serve
de adubo para a própria árvore. Veja a sua vida como um
fuxo de abundância!

A essa altura você já deve ter compreendido que se você quiser lidar
melhor com questões como riqueza e abundância, você deve voltar ao
capítulo sobre o prazer e a sexualidade.
E se você ainda duvida dessa relação, basta pôr à prova o oposto.
Quando os prazeres estão desequilibrados e se transformam em vícios
torna-se praticamente insustentável fazer planos com o dinheiro que en-
tra, porque ele vai embora de maneira rápida e sem muito sentido, não é
verdade? O prazer vivido de maneira saudável, isto é, orientado a partir
da própria essência e consciência, é fonte de prosperidade.
Assim como os corpos se unem em prazer para criar uma nova vida,
todas as tarefas de multiplicação e geração devem seguir o mesmo cami-
nho. A riqueza acontece quando a mente está mais desligada e é a intuição
que age, no mesmo instinto dos corpos que se amam sem seguir nenhum
script. Não existe prazer sob (tentativa de) controle, e nem sob uma men-
te controladora.

Inspira - revistainspira.com 267


Afrodite e os sonhos
Ao acordarmos de um pesadelo, um reboliço de emoções vem à tona.
Essa espécie de filme, que geralmente não podemos controlar, surpreende
pela verossimilhança. Mas logo podemos nos acalentar: “era apenas um
sonho”.
A distância entre os acontecimentos oníricos e a realidade da vigília
não era óbvia para os nossos ancestrais, assim como é para nós. Na ver-
dade, o sonho era percebido como um território habitado pela alma dos
vivos e dos mortos.
Foi em algum momento do Paleolítico superior que surgiu uma divisão
de mundos: o mundo físico e o mundo da alma. Provavelmente, devido
aos sonhos, em que o sonhador se deparava com o contato de pessoas que
não estavam mais vivas. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche escreveu:
“Sem o sonho, não teríamos achado motivo para uma divisão do mundo”.
Essa singular percepção desembocou em inúmeras representações que
ainda estão bem vivas em nossa sociedade: sepulturas, zigurates, pirâmides
– com corpos enterrados repletos de adereços, porque notou-se que a vida
continua após a morte. O sonho seria um portal entre o mundo dos vivos
e o mundo dos mortos.
O sonho, e toda sua simbologia, tem posição de destaque em algumas
culturas. Para os povos védicos, o deus hindu Vishnu é representado re-
clinado enquanto “sonha o Universo”. Ou seja, a realidade é um sonho.
Já os gregos mobilizam alguns deuses do seu panteão para explicar o
sono e o sonho. Hipnos é o deus grego do sono, irmão de Thanatos, o
deus da morte – por isso, uma certa proximidade entre estar dormindo e
estar morto. O sonho em si é concebido por Morfeu. Mas são os Oneiros
que trazem a mensagem do sonho: se passarem pelo portão de chifre,

Inspira - revistainspira.com 269


geram sonhos proféticos de origem divina; já se cruzarem o portão de
marfim, os sonhos são enganadores. Isso aponta para crença oracular e
divinatória dos sonhos.
O significado oracular dos sonhos está presente nas sociedades há mi-
lênios. É comum acordarmos com a sensação de “o que será que esse
sonho quer dizer?”.
Na pólis de Epidauro, no período compreendido como Antiguidade
Grega, o grande templo do deus da medicina e da cura, Asclépio, fun-
cionava de modo que o indivíduo doente encontrasse ali um refúgio à
turbulência perturbadora do mundo lá fora, além de muitos dormitórios.
Acreditava-se que adormecer e sonhar ali faria com que a cura aparecesse
na atividade onírica, o que mobilizaria das profundezas do homem suas
próprias capacidades de recuperação.
Em meio às descobertas para a criação da Psicanálise, o médico psi-
quiatra austríaco Sigmund Freud também se fez essa pergunta sobre os
significados desses conteúdos oníricos, após sonhos de luto decorrentes
da morte de seu pai. Esse processo de “autoanálise” teve papel singular
na elaboração do livro A Interpretação dos Sonhos, revolucionário e um divi-
sor de águas. As explicações de Freud acerca dos sonhos foram um salto
quântico frente às teorias da época. A começar pela orientação da origem
dos sonhos, direcionando como fonte de criação do inconsciente – o que
hoje parece algo quase “comum”, foi como um raio epistemológico.
Em vez de vaticinar o futuro, Freud começou a olhar os sonhos como
se fossem um retrovisor, a mirar o que está atrás, o que já passou. “Os
estímulos que surgem durante o sono são os conhecidos ‘restos diurnos’
psíquicos”, escreveu Freud. E complementou: “o sonho continua a ser a
realização de um desejo, não importa de que maneira a expressão dessa
realização de desejo seja determinada pelo material correntemente ativo”.
Ao constatar que os sonhos, realmente, querem dizer alguma coisa,
instigado a entrar nas profundezas oníricas, Freud notou que a ponte com
o mundo onírico era o caminho para a base do iceberg, o inconsciente.
“O que para seus antecessores parecia um labirinto confuso sem saída

270 O Livro de Afrodite


e sem objetivo, é a Via Régia, a avenida principal que liga a vida incons-
ciente à consciente. O sonho é o intermediário entre o mundo dos nossos
sentimentos recônditos e aqueles submetidos à nossa razão: graças a ele
podemos saber muita coisa que nos recusamos a saber no estado de vigí-
lia”, escreveu o escritor austríaco Stefan Zweig.
O rico simbolismo do mundo onírico aponta para o simulacro da re-
alidade, que engloba nossos desejos, sentimentos, traumas e percepções.
É assim que o momento em que estamos dormindo ajuda a elaborar o
mundo em que vivemos e a nossa realidade, nesse simbólico emaranhado
de tempos: a conexão entre o passado e o presente.
Mas também edifica o mundo vindouro, do futuro. Se encaramos as
pistas de nossos sonhos como uma extensão da nossa própria percepção
do real, podemos notar a direção para onde estamos indo e sequer per-
cebemos, e chamar de “presságio”. Em outras palavras, o mundo onírico
serve também para acharmos as chaves que nós mesmos enterramos e
encontrarmos as portas que pintamos com as mesmas cores das paredes.
Essas portas abrem caminho para a riqueza simbólica que constitui a nos-
sa natureza psíquica.
Esse inconsciente, para Jung, tinha também sua parcela coletiva e im-
pessoal, herdada e constituída filogeneticamente. Em alguns pontos, nos-
sas histórias pessoais se assemelhavam à mitos, contos de fada, parábolas
e fábulas de toda parte. Viajando o mundo, o médico suíço encontrou, por
exemplo, pessoas que, sem conhecerem conscientemente um mito grego,
sonhavam com ele. O simbolismo estava preservado no inconsciente.
Sendo Afrodite um mito, e também uma imagem arquetípica, o mundo
simbólico associado a ela é repleto de elementos que podem direcionar à
Deusa e a seus temas agindo na vida do sonhador. A partir das narrativas
antigas que edificam a mitologia grega, podemos localizar as mais variadas
representações. Será que a sua Afrodite se manifesta em seus sonhos por
meio de alguma destas manifestações imagéticas?
Símbolos associados à Afrodite: água, mar, concha, pombas, cisnes,
rosas e flores em geral, pedra ônix (unhas de Afrodite que Eros cortou),

Inspira - revistainspira.com 271


espelho, doces fragrâncias, frutas (especialmente maçãs douradas e romãs
vermelhas), cor escarlate, mel e abelhas, lebres e coelhos, e animais selva-
gens em geral.
Preste atenção se esses símbolos aparecem em seus sonhos.
Mas como lembrar dos sonhos?
Coloque ao lado da cama um bloco de papel e uma caneta, caso acorde
no meio da noite. Anote tudo o que lembrar, e depois volte a dormir.
Ao acordar, desligue o despertador e volte a fechar os olhos para não
se distrair. O primeiro momento do despertar é o mais rico em lembranças
oníricas, que vão se perdendo progressivamente enquanto o tempo passa.
Assim, busque a primeira imagem que você lembra e tente seguir o fio
que te aprofunda na narrativa do sonho. Deixe que as lembranças te guiem
e não faça esforço para focar só num detalhe ou num momento específico,
que talvez tenha esquecido. Continue percorrendo a direção do fio onírico
aonde sua memória leva, até o fim.
Após isso, se você fez alguma anotação durante a noite, complemente
com o que acabou de lembrar. Se não anotou nada, pegue o bloco de ano-
tações e escreva as lembranças que você teve.
Agora é a hora de organizar e estruturar.
Vamos analisar um sonho juntos?
Sonho do dia: ___/___/_____.
Cenário:

Personagens:

272 O Livro de Afrodite


Elemento de destaque do sonho:

Qual é a primeira coisa que vêm à sua cabeça relacionada a esse elemento de destaque?

Elementos complementares (outras coisas que ambientavam a cena):

Você teve alguma sensação dentro do sonho?

Qual é a sua sensação ao lembrar desse sonho, é diferente?

O que você acha que essa reunião de elementos comunica sobre você e para você, e sobre
esse momento da sua vida?

“NÓS SOMOS FEITOS DA MESMA


MATÉRIA DE QUE SÃO
FEITOS OS SONHOS”.
William Shakespeare

Inspira - revistainspira.com 273


A deusa alquímica
A transformação é uma espécie de superpoder humano.
As células da camada mais exterior da nossa pele são renovadas a cada
28 dias. Nossos cabelos levam de 3 a 5 anos para completarem o mesmo
processo e, em questão de dias, nosso sangue é completamente substitu-
ído.
Com a fisiologia mental não é diferente. O nosso cérebro tem a incrível
capacidade da neuroplasticidade, que nada mais é do que a habilidade de
se adaptar às mudanças e a cada ambiente em que se encontra, por meio
da reorganização dos neurônios e dos circuitos neurais.
O nosso planeta existe há 4,5 bilhões de anos. Já o humano, esse co-
meçou a se desenvolver há cerca de apenas 2,5 milhões de anos, o que
é praticamente uma quantidade de tempo insignificante se comparada a
todo o mistério que nos cerca.
O famoso astrônomo Carl Sagan se fez a seguinte pergunta: e se a
história do planeta Terra fosse condensada em um calendário de 365 dias
cósmicos, com o dia 1º de janeiro sendo o Big Bang? Nesse modelo expli-
cativo, o homem surgiria apenas às dez da noite do dia 31 de dezembro.
Mesmo assim, com essas duas horas cósmicas que nos restaram, gera-
mos um impacto imenso na natureza que nos cerca. Dominamos o fogo,
domesticamos os animais, sobrevivemos a eles, inventamos uma forma de
nos comunicarmos por meio da linguagem, criamos narrativas e pensa-
mos em nossa finitude. Fizemos a natureza se curvar às nossas vontades
e inventamos a agricultura, formamos cidades, criamos a escrita, institu-
cionalizamos um sistema de trocas e até um sistema de crenças. Um não,
vários. E fizemos guerras em nome deles.
Por onde o homo sapiens pisou, deixou sua marca de criação e também
de destruição: a extinção dos neandertais, da megafauna australiana e ame-

Inspira - revistainspira.com 275


ricana... e seguimos assolando a natureza até hoje.
Embora alguém possa dizer que ainda temos muito o que melhorar,
ninguém pode desmerecer a nossa inegável capacidade de transformar.
Ainda assim, muitos de nós nos esquecemos dessa grandiosa aptidão
que nos trouxe até aqui. Nos sentimos incapazes de transformar até mes-
mo alguns de nossos hábitos mais simples. Vemos as grandes narrativas
épicas e as páginas dos livros de história, e nos questionamos se seriamos
capazes de construir coisas tão grandiosas quanto uma pirâmide, uma re-
volução, um boicote ou um discurso capaz de unir um povo em uma só
direção.
Nos sentimos imóveis, estagnados, incapazes de dar vida aos nossos
projetos e de realizar as mudanças que esperamos de nós. Você já se sentiu
assim?
Afrodite é um arquétipo que vem nos lembrar da capacidade transfor-
mativa do princípio feminino cíclico, mutante, impermanente e criativo.
No livro Deusas: os mistérios do divino feminino, o conhecido mitólo-
go Joseph Campbell investiga e reúne informações históricas e antropo-
lógicas sobre as sociedades neolíticas que se instalaram sob a ideia de uma
grande deusa mãe. O autor ressalta que as evidências do passado – que
sobreviveram na forma de artes sagradas e utensílios – retratavam essa
Grande Deusa pelo seu potencial transformador. “Ela é o meio transfor-
mador que torna todo o sêmen em vida. Ela recebe a semente do passado
e, através do milagre de seu corpo, transmuta-a em vida do futuro”, escre-
ve Campbell.
Mas é mais do que isso. Se as primeiras formas sagradas do feminino
no Paleolítico e no Neolítico destacavam o poder transformativo da Deu-
sa por meio da fertilidade, com seus seios e quadris protuberantes, nas
civilizações como a Suméria, esse poder transformativo podia ser lido na
delicadeza do rosto da Deusa, em seu papel de musa, em sua beleza capaz
de transformar o material em espiritual, elevar a alma e gerar um novo
nível de vida.

276 O Livro de Afrodite


Cabeça de Warka. Suméria. c. 3200 a.C.
Máscara de mármore representando cabeça da Grande Deusa suméria
Inanna. Uma das primeiras representações de rosto humano da história
da humanidade. Alguns dizem que seus olhos eram incrustados de lápis-
-lazúli e suas sobrancelhas de ébano ou de lápis-lazúli também. Pedras
preciosas e material nobre para provocar encantamento e
transcendência em quem quer que a visse.

Inspira - revistainspira.com 277


A psicoterapeuta Nancy Qualls-Corbett interpreta esse caráter trans-
formativo da Deusa do Amor como uma força ativa na psique, capaz de
reagir com os elementos de fora e de dentro de nós, promovendo êxtase e
um profundo alargamento da nossa própria personalidade.
Quando ativado, ele é capaz de romper a casca que nos limita e que nos
engessa na crença de que não temos opções e de que, portanto, estamos
condenados a um único e pobre destino. O aspecto transformativo eleva o
véu das ilusões que nos mantém cativos a convenções das normas sociais
e da vida razoável.
A psicoterapeuta Jean Shinoda Bolen chamou essa capacidade de
Afrodite de “alquímica”. Pois, assim como os alquimistas da antiga ciência
oculta medieval, essa Deusa é capaz de transmutar qualquer material sim-
ples em ouro: brilhante, precioso e íntegro. Nenhuma poluição consegue
corroer aquilo que seu poder toca. E isso vale para o mundo exterior e
também para o interior.
Transformar é reinventar o mundo a partir de si mesmo. Tudo passa a
ser enxergado sob uma nova luz, mais brilhante e colorida. Equivalente à
luz com que enxergamos alguém por quem estamos apaixonados.
Essa capacidade transformativa de Afrodite é possível graças ao meca-
nismo de se apaixonar pela vida. Dessa forma, qualquer ambiente, questão
ou coisa do dia-a-dia, considerado metal ignóbil, “sem valor”, pode ser
transformado em ouro pela influência criativa e amorosa da Deusa.
Onde quer que haja amor, há um processo entre substâncias que rea-
gem entre si e são transformadas.
Com o mundo externo, acontece assim: você passa a enxergar um ob-
jeto como belo, digno de atenção e de amor, e isso preenche o seu dia de
harmonia. O objeto dessa sua admiração – seja ele mineral, vegetal ou
animal – também sai desse encontro modificado. Agora ele foi visto, con-
templado, recebeu atenção e foi dotado de valor e de sentido.
Com o mundo interno é a mesma coisa. Se começarmos a amar a nos-
sa alma do jeito que ela é, reconheceremos que as feridas e sofrimentos

278 O Livro de Afrodite


para as quais procuramos as causas e explicações psicológicas nasceram
na verdade de uma falta de amor. É o que explica o psicoterapeuta John
A. Sanford. Por isso, é urgente restituir o amor à nossa alma. Amá-la do
jeito que ela é.
No mito, Afrodite transforma Galatéia, uma estátua de marfim criada
pelo rei Pigmalião, em uma belíssima mulher de carne, osso e vida. E ela
faz isso através do amor.
Quando mudamos a perspectiva com a qual nos olhamos e aprende-
mos a reconhecer que cada parte de nós está ali com uma função específi-
ca, e que nada precisa ser corrigido, podemos fazer as pazes com a nossa
própria natureza. E é só a partir daí que conseguimos nos desenvolver,
pois apenas amando quem somos é que investimos em nós. E só assim
nos desprendemos dos velhos padrões de dor, inadequação e não-mere-
cimento.
Mas como posso aceitar e até amar aquilo que considero feio em mim,
os meus defeitos, aquilo que me bloqueia, aquele sentimento de inferiori-
dade ou de insuficiência, aquilo que a meu ver está errado? Bem, por que
você não aceitaria? Será que você não está se olhando com os olhos dos
outros? Pensando em si mesmo a partir do que se espera de você e não do
que você é? Muitas vezes, não conseguimos nos aceitar porque há inter-
nalizada uma voz externa que nos diz que deveríamos ser de outro jeito,
fazer outra coisa ou estar em outro lugar. Pare de dar poder a essas vozes!
E quanto às minhas feridas do passado? Àquilo que me fez sofrer, o
grito que foi sufocado, o pedido de ajuda que não foi enviado a tempo, as
injustiças sofridas... Como posso conviver com isso? Também com amor.
Entenda que você precisa acolher com amor essa versão antiga de você,
tapar os buracos com autogentileza, autocompaixão e autoamor.
Essa versão sua não tinha as ferramentas de defesa, expressão e co-
nhecimento que você tem agora. Ela fez o que pode! Pare de culpá-la ou
de remexer suas feridas, e comece amá-la. O autoperdão também é uma
ferramenta de transformação. É preciso deixar ir o velho para que se abra
espaço para o novo.

Inspira - revistainspira.com 279


ALQUIMIA INTERIOR
Faça uma lista das coisas que você gostaria de poder mu-
dar em você para se sentir melhor. Em seguida, na outra
coluna, encontre um eufemismo, uma maneira mais agra-
dável de enxergar essa mesma coisa. Isso é olhar com amor
para si mesma! Quando você vê uma característica sua
como algo positivo, e não como um demônio a ser exorci-
zado, você começa a procurar com mais gosto formas de
incrementar essa sua característica inerente, desenvolvê-
-la, melhorá-la. E aí sim você vai ver transformação!
Exemplo:
Mandão -> Líder
Teimosa -> Persistente
Medrosa -> Imaginativa

280 O Livro de Afrodite


Agora, seguindo os exemplos, procure pesquisar mais so-
bre como você pode se tornar um líder ainda melhor, como
a sua persistência pode fcar ainda mais lapidada e a sua
imaginação pode ser endereçada para fcar ainda mais útil
para você. Como você pode ser um você ainda melhor?

Faça uma pequena lista das coisas, pessoas e situações


externas a você, que gostaria de poder transformar. Ao
lado, tente encontrar e escreva pelo menos alguma coisa
que isso tenha de positivo.
Salário pequeno -> tem pagado coisas preciosas para mim
que vão me levar a uma próxima etapa mais à frente.

Inspira - revistainspira.com 281


Colega de trabalho insuportável -> Aprendo que este é um
modelo do que não quero ser e cuido para não ser assim.

282 O Livro de Afrodite


A princípio, esse exercício pode parecer um tipo de delírio sobre fazer
vista grossa para o que há de ruim no mundo, e o seu lado mental prova-
velmente reagiu a isso sob este argumento. Algumas pessoas podem debo-
char dessa atitude, chamando-a de “Poliana” demais ou mesmo alienada.
Esse tipo de exercício não é para te acomodar em situações ruins, pelo
contrário. Mas nem a melhor coisa do mundo vai ser perfeita de acordo
com as nossas projeções, e entender isso é amadurecer. Então, tente ex-
trair coisas boas da vida a todo momento.

“Algumas pessoas riam ao vê-lo tão


mudado, mas ele deixava que rissem, e
não ligava; pois aprendera o suficien-
te para saber que nada na história do
planeta, nada de bom, aconteceu sem
que alguns tivessem se aproveitado
para rir no início; e sabendo que pessoas
assim são irrecuperavelmente cegas,
até preferia que franzissem os olhos
em sorrisos debochados a conhecer as
manifestações menos atraentes da
doença. Seu coração também ria, e
isso lhe bastava”.
Charles Dickens

Inspira - revistainspira.com 283


284 O Livro de Afrodite
bRINDE exclusivo

Mapa Alquímico
de Afrodite
Para transformar e conceber qualquer coisa na sua vida

A analista Jean Shinoda Bolen organizou essa força para a mudança do


arquétipo de Afrodite em um processo de cinco etapas que, se acontecem
num plano puramente físico entre mulher e homem, geram um bebê e, se
utilizada como um projeto criativo faz nascer vida nova em qualquer área
que você queira transformar. São elas: atração, união, fertilização, incuba-
ção e nascimento do novo.
Sistematizamos esse processo nas páginas a seguir para você dinami-
zar a aplicação desse segredo de Afrodite nas suas experiências e viver as
transformações com mais consciência e ritualismo.
Fazer nascer: parir não é um trabalho fácil, mas é sagrado. Comece pre-
enchendo o quadro pela última etapa e pense com consciência sobre o
que você quer trazer ao mundo. Seja específica com as suas escolhas, mas
tenha em mente às surpresas do fluir da vida. Nenhuma mãe conhece seu
filho antes de ele vir ao mundo.

Inspira - revistainspira.com 285


Atrair: responda o que te atrai à ideia de querer gerar essa nova vida. Em
que você esbarrou que te atravessou a ponto de querer gerar algo novo?
Isso gera senso de propósito e, assim, você dificilmente abandonará seus
planos no primeiro obstáculo. No quadro, preencha: o que você precisa
atrair para sustentar esse projeto? O que você precisa ter em mãos para
começar?
Unir: o casamento de uma ideia com outra, um talento com outro, um
modo de fazer algo que é só seu complementado por outra coisa que você
aprendeu em um curso, um produto legal com uma divulgação potente. O
que você vai precisar unir? É preciso combinar o melhor de dois mundos!
Fertilizar: como você pode tornar esse terreno cultivável? Como nutri-lo
para que ele dê o fruto esperado? Quais movimentos de adubar a terra
você precisa fazer?
Incubar: você está quase lá! Mas é aqui que tudo fica mais intenso. A
vida já está em você e precisa de mais cuidado para que ela possa vigorar.
O que esperar quando se está esperando? Controle a ansiedade e escreva
como você pode cuidar da sua saúde mental durante o processo de espera
de uma nova vida. Que medidas práticas você deve tomar para aguentar o
tranco de ser responsável por uma nova vida? É hora de se preparar para
o advento!

286 O Livro de Afrodite


“Sou todos os começos —
continuou ela. —
Sou a renovação da alma.
Sou a Verdade que não
pode ser manchada ou
comprometida. Jura para
sempre ajudar o que é bom a
chegar ao Nascimento?”.
Marion Zimmer Bradley

Inspira - revistainspira.com 287


MAPA ALQUÍMICO
Atração União Fertilização
de AFRODITE
Incubação Nova vida
guiando a concha de Afrodite no mar
Bem, você criou o seu Mapa Alquímico. Mas um mapa apenas mostra a
direção a ser seguida e o caminho mais adequado a percorrer. De posse do
Mapa, é hora de começar a viagem!
Ao longo de toda essa trajetória que você percorreu no despertar de sua
Afrodite interior, vários temas foram explorados a partir da reflexão e
da escrita terapêutica. Esses são elementos de descoberta cruciais para a
transformação e a ação, à medida que são incluídos na vida prática.
Agora, a pergunta que deve ser feita é: entre todos os temas, qual já sinto
que está em curso de transformação em minha vida?
Escolha apenas um tema, preferencialmente o que você sente mais afini-
dade. Após isso, determine como esse tema será colocado em doses no
seu dia a dia. Se preferir, divida essa meta em metas menores. Analise o
momento do seu dia que mais se encaixa à meta. Por exemplo: em vez
de buscar apreciar a beleza da natureza quando estiver indo ao trabalho,
inclua a contemplação durante a sua caminhada diária no parque. Assim,
fica mais fácil de prosseguir com a meta.
Se possível, tenha algo ou alguém para lhe cobrar a execução da meta di-
ária: um aplicativo para te alertar ou mesmo uma pessoa que te questione
como está indo o seu progresso. Ao longo do trajeto, não se esqueça de se
recompensar com a conclusão parcial do objetivo.
Quando a sua meta está fluindo em seu dia, quase que automaticamente,
ela já virou um hábito. Isso, claro, leva mais do que os conhecidos 21
dias. Alguns autores discutem que a média é de 2 meses para o cérebro se
reorganizar e se habituar à nova prática. Somente depois do desenvolvi-
mento do primeiro hábito, passe para outro tema que a sua Afrodite quer
explorar no seu dia a dia.
Para não desistir, lembre-se que somos o que fazemos repetidamente,
como já nos ensinou Aristóteles.

290 O Livro de Afrodite


1. O quê? Escolha uma meta.
2. Hora do corte. Divida a meta em pedaços práticos e aplicáveis no seu
dia a dia.
3. Quando? Determine a hora do dia em que você colocará esses peda-
cinhos em prática.
4. Quem? Defina quem vai te cobrar compromisso com a sua meta e
resultados.
5. Presente. A cada vitória, presenteie-se com uma recompensa.

GUARDIÃO
DA META

Minha meta é:

ações:

quando:

recompensas:

Inspira - revistainspira.com 291


bRINDE exclusivo

A Jornada de Psiquê
uma conduta evolutiva de integração das
polaridades psíquicas
Eros e Psiquê é um conto muito antigo de Apuleio,
escritor e flósofo romano. Quando analisado simboli-
camente e à luz da psicologia profunda, trata da eterna
busca da alma (Psiquê) por amor (Eros/Cupido) e do
amor por alma, como escreve Barcellos. E denota que
o amor – como bem vimos no capítulo sobre a Deusa
Alquímica – tem o potencial de acender em nós a cen-
telha divina.
Mas você precisa viver um grande amor para inte-
grar isso em você? Não é bem assim. O conto fala por
meio de símbolos e cabe a nós interpretá-los.
O que acontece é uma união, que no plano físico fala
de um casal que quer fcar junto, e no plano mental
trata do mesmo encontro, mas funciona de outra for-
ma. Nesse estágio, entenda que o casal – na sua psi-
que – são duas partes de você mesma que ainda não
se conhecem, ou que até se conhecem, mas ainda não
entenderam que tem tudo a ver juntas.
Quando unidas, essas duas partes de você são capa-
zes de manifestar vida, assim como um casal no plano
físico gera uma criança. Esse é o casamento sagrado
(hieros gamos) que todos precisamos fazer acontecer
em nós. É ele que nos faz nascer de novo em um novo
patamar. E é disso que se trata as tarefas de Psiquê.
Cada um dos desafos, dados pela Deusa do Amor,
são uma tomada de consciência e, à medida que se
vence um após o outro, se está mais perto de fazer
com que esse casal que vive no nosso inconsciente es-
tabeleça um compromisso sério. A partir do momento
que eles se juntam em um amor amadurecido, você

294 O Livro de Afrodite


está a um passo de encontrar sua porção divina, o que
signifca integrar a consciência.
Mas quem é esse casal? Quem são eles individual-
mente? Inúmeras foram as culturas que descobriram
esses dois elementos e mais numerosas ainda foram as
formas que escolheram para explicá-los. Os pares de
opostos, o masculino e o feminino, os polos positivo e
negativo da eletricidade. Na Índia, rajas guņa e tamas
guņa. Na Física de Einstein, energia e massa.
Um exemplo bastante popular se encontra também
no velho livro de sabedoria da flosofa chinesa, I Ching
(3000 a.C), que enxergava a existência de um par de
princípios opostos e complementares que estariam em
todas as manifestações orgânicas, inorgânicas e psi-
cológicas do universo. Eles eram chamados de Yin e
Yang. O Yin sendo a noite, a lua, o úmido, frio, receptivo,
inerte e intuitivo. Enquanto o Yang seria o oposto dis-
so, portanto: o dia, a luz, o sol, a secura, o calor, a ação
criativa e o racional.
Os nomes pelos quais esses dois princípios de ma-
nifestação foram chamados variam conforme a visão
cultural de cada sociedade, com um dos polos receben-
do uma carga simbólica mais negativa em relação ao
outro. Portanto, não se apegue a isso.
O que importa é que, por trás de todos os movimen-
tos de geração, regeneração e criação de algo único,
há o encontro desse duplo: aquele que semeia e aquele
que desenvolve. Na falta de um desses, nada acontece.
Esse, inclusive, é um dos princípios da antiga flosofa
hermética do Egito, que infuenciou tanto do pensa-

Inspira - revistainspira.com 295


mento Ocidental e mais ainda do Oriental, o princípio
do Gênero (relativo à geração).
No plano físico da vida orgânica, como já dissemos,
essa lei se manifesta de forma sexual. Homem e mu-
lher humanos geram um novo ser humano; o gameta
feminino e o masculino se unem e geram uma nova
samambaia, e isso se repete ad infnitum nos proces-
sos que criam existências diferenciadas em todos os
seres vivos.
No plano mental, a união dos opostos gera regene-
ração, e no plano espiritual, criação. E todas as pesso-
as contêm dentro de si os dois elementos necessários
para isso. É o que diz o Caibalion, o antigo escrito das
leis naturais de Hermes Trismegisto.
Jung se inspirou na leitura dos alquimistas medie-
vais – que por sua vez foram infuenciados pela escola
do Egito Antigo – e propagou a teoria de que dentro
de cada mulher, há um princípio masculino (animus) –
que seria mais identifcado com a energia Yang, aquela
que semeia –, e que em cada homem, há o princípio fe-
minino (anima) – mais identifcado com a energia Yin,
aquela que desenvolve.
Essa conceituação inventada em uma época distinta
da nossa, recebe hoje muitas críticas por sua hetero-
normatividade e por uma suposta visão limitante do
que é masculino ou feminino, sendo passível de revi-
são. Como vimos ao longo desse texto, masculino e fe-
minino são apenas nomes que algumas culturas deram
na fnalidade de explicar essas duas forças a partir de
algo que eles compreendiam, e da maneira como com-

296 O Livro de Afrodite


preendiam.
Mas a ideia dessa união de complementariedades e
opostos dentro de nós atraiu o médico suíço. Ele via no
equilíbrio entre os dois princípios um caminho para a
integração entre o consciente e o inconsciente.
O feminino representaria o Ser, o eu interior, o in-
consciente, a gestação de um conceito e o masculino
simbolizaria o Fazer, a vida exterior, o consciente e a
energia que dá início, a semeadura. Da fusão entre es-
sas energias se daria o hieros gamos (ou casamento
sagrado), que levaria ao encontro com o Self ou Si-
-mesmo, aquilo que somos em totalidade, quando re-
tiramos tudo aquilo que não somos e tudo aquilo que
pensamos ser.
Esse processo foi batizado por Jung de individua-
ção. Sua discípula, a psicoterapeuta Marie Louise von
Franz descreve a individuação como o processo pelo
qual o consciente e o inconsciente do indivíduo apren-
dem a conhecer, respeitar e acomodar-se um ao outro.
Estamos falando da união dos opostos que existem
em nós: ser frme e ao mesmo tempo fexível, ser amo-
roso e saber ser desagradável quando for necessário,
ser generoso e saber colocar limites, ir ao mundo da
Lua buscar criatividade e executá-la com os pés na
Terra.
Parece maravilhoso! Mas então... por que não fze-
mos isso ainda? Qual é a grande difculdade?
Nossa mente dual nos leva a dividir tudo como opos-
tos irreconciliáveis ao invés de pares complementares

Inspira - revistainspira.com 297


de um mesmo todo. Meninas ou meninos? Islâmicos
ou cristãos? Esquerda ou direita? Sagrado ou profa-
no? Flamengo ou Fluminense? Putas ou santas? As-
sim, fca difícil fazer qualquer casamento.
Você já tentou tirar o “ou” da lente com a qual você
vê o mundo e colocar o “e”? O caminho para a totalida-
de se parece com isso. É o que os budistas chamam de
caminho do meio. Isso implica se perceber como porta-
dor de todas as polaridades (se não de maneira cons-
ciente, no inconsciente), reconhecer sua humanidade e
escolher viver de uma forma mais amadurecida.
A psicoterapeuta Nancy Qualls-Cobertt enxerga
que essa falta de integração interna entre o feminino e
o masculino interiores pode ser percebida na vida ex-
terna. “O animus é tão negativo na vida interior dessa
mulher quanto o é o modo como ela vê o homem em
sua vida externa”, explica a autora. E o mesmo vale
para a forma como os homens digerem em seu pensa-
mento o conceito que fazem das mulheres ou daquilo
que é identifcado como feminino.
Quando esse princípio masculino está enfraquecido
na mente da mulher, ele lhe mostra a sua face cruel,
sabotadora ou ultraexigente e voltada para a aprecia-
ção externa. No caso do homem, quando o princípio fe-
minino está débil, a anima (o feminino interno) mostra
uma instabilidade emocional, impaciência e incapaci-
dade de encontrar beleza na vida, falta-lhe o criativo
ou ele é inteiramente sugado por ele em fuxos que não
consegue controlar.
Em ambos os casos, essa desconexão interna se pro-

298 O Livro de Afrodite


jeta fora, nos relacionamentos do plano físico, onde
falta laço emocional e há ressentimento profundo em
relação ao parceiro(a).
Muitas vezes, não sabemos lidar muito bem nem
com o princípio do gênero com o qual nos identifca-
mos. Por exemplo, é justamente pelas mulheres lidarem
tão mal com o feminino, que lidam ainda pior com o
masculino em si. E assim vive-se sem sentido, guiada
por um masculino nocivo que sufoca o feminino negli-
genciado. E vice-versa.
Para isso, Nancy Qualls-Corbett invoca novamente o
simbolismo da prostituta sagrada e de como ela destila
autoridade e elegância por ser quem é, justamente por
ter integrado seus dois elementos psíquicos, o feminino
e o masculino:
“Exatamente como a prostituta sagrada, que saía,
para o mundo, quando o ritual terminava, preparada
para entrar no casamento como pessoa plenamente
consciente de sua capacidade, assim também a mu-
lher moderna que tenha integrado seu animus está
preparada para a vida. O que quer que ela assuma, ela
o faz com segurança, sem regressão, sem submissão
ou sem sentimento de inferioridade em relação a um
sistema patriarcal (o que signifcaria retornar à casa
do pai). Ela não precisa competir com homens nem
adotar qualidades masculinas, isto é, identifcar-se
com animus. A mulher que reconheceu a presença do
poder masculino dentro dela passa a ser sua própria
autoridade, e se mantém constante em relação a sua
natureza feminina. Ela pode não ser capaz de mudar

Inspira - revistainspira.com 299


o sistema patriarcal em volta dela; mas, o que é mais
importante, não permite que o sistema a altere”.

LIDANDO COM O OPOSTO


Se você se identifca mais com o gênero feminino:
Conciliar os princípios masculino e o feminino no plano
mental é o que você vai ver nas próximas páginas. Mas, e
fora dele? O que você pensa sobre os homens? O que você
pensa sobre o seu pai? Cite algumas frases machistas que
você já ouviu dentro da sua casa. Elas de alguma forma
reverberam na sua postura diante da vida? Você já pensou
em desistir de fazer algo por ser mulher? Mesmo que in-
conscientemente passou pela sua cabeça um pensamento
de que “isso é coisa de homem”? Você justifcou algo com
o argumento de “é assim, porque ele é homem...”?

300 O Livro de Afrodite


Por outro lado, você já se viu tentando adotar uma postura
bastante “masculina” em algumas situações? Obs.: Mascu-
lina no sentido do que é socialmente atribuído ao masculi-
no na nossa sociedade, comumente: insensibilidade, frieza,
competitividade, dominação e imposição, máquina de tra-
balho, infalível e incansável.

Se você se identifca mais com o gênero masculino:


O que você pensa sobre as mulheres? O que você pensa so-
bre a sua mãe? Cite algumas frases machistas que você já
ouviu dentro da sua casa. Elas de alguma forma reverberam
na sua postura diante da vida? Alguma vez você já fez algo
só para mostrar que você é o que se espera socialmente de
um homem, mas que nem queria? Já cogitou fazer isso?

Inspira - revistainspira.com 301


PARA AMBOS
Você se sente desconectada(o) com o seu princípio femi-
nino? Marque as alternativas que forem uma verdade para
você:

Costumo ter reações dra- nha”, “artistas” e hippies.


máticas um pouco exageradas Não costumo olhar com
e explosões de raiva. acolhimento para o que estou
Tenho bastante difculdade sentindo.
em comunicar meus sentimen- Tenho difculdade em me
tos. relacionar com as pessoas.
Para mim, criatividade e Aceitar o mundo e as pesso-
arte são coisas de “mulherzi- as como são é um desafo.

E o princípio masculino, como anda? Marque as alternati-


vas que forem uma verdade para você:

Me cobro demais. trariada(o) quando isso não


Na maioria das vezes, me acontece.
sinto insegura(o), incapaz e in- Os pensamentos racionais
sufciente. são a única coisa que importa.
Gosto sempre de ter a últi- Julgo os outros com muita
ma palavra sobre um determi- rigidez.
nado assunto e me sinto con-
Se você marcou a maioria das frases, integrar os seus
princípios feminino e/ou masculino pode ser uma coisa
que você está precisando muito.
Embarque na Jornada de Psiquê!

302 O Livro de Afrodite


“EROS E PSIQUÊ”: O CONTO

Certa vez, Afrodite ouviu falar de uma mortal a


quem todos estavam chamando de “a nova Afrodite”,
por ter a beleza da Deusa. Pessoas de toda a parte co-
meçaram a destinar oferendas à essa mortal, de nome

304 O Livro de Afrodite


Psiquê.
A Deusa da Beleza se zangou e, furiosa, arquitetou
um plano contra a moça. Afrodite pediu que seu flho
Eros fechasse Psiquê fazendo ela se apaixonar pelo
mais desprezível dos homens.
Mas por algum motivo – talvez por pena, teimosia,
atração ou por ter se ferido na própria fecha – o deus
do erotismo não cumpriu os pedidos da mãe. Se casou
ele mesmo com Psiquê.
O casamento, no entanto, funcionava de uma ma-
neira um tanto estranha. Psiquê morava em um palá-
cio enorme, distante de tudo e de todos. Vivia cercada
por joias, banquetes e luxo de todos os tipos oferecidos
por criados de quem ela só ouvia as vozes. À noite, se
deitava às escuras com seu consorte, de quem des-
conhecia o rosto, o corpo e até mesmo o nome. Essas
eram as condições de seu marido e ela obedecia tran-
quilamente.
Apesar dessa conjuntura misteriosa, Psiquê não li-
gava. Estava feliz com seu marido, sua casa e com a
família que logo aumentaria. Para ela, tudo seguia a
mais perfeita ordem!
Um dia, pediu permissão ao marido para que suas
irmãs a visitassem. Prevendo o que aconteceria, mas
incapaz de negar um desejo de sua esposa, Eros autori-
zou o encontro. E é aí que a história ganha movimento...

Inspira - revistainspira.com 305


As irmãs – mal-casadas, castigadas pela vida e inve-
josas – observaram atentamente esse mundo de con-
forto e prazeres em que vivia Psiquê. E Psiquê ingenu-
amente compartilhava com as irmãs sua alegria por
estar ali.
Não deu muito tempo e as irmãs tramaram um pla-
no para que Psiquê caísse em desgraça. Elas começa-
ram a instigar a afortunada irmã a matar seu miste-
rioso consorte. Colocaram na cabeça dela que ele seria
uma serpente ou um monstro realmente desprezível e
maligno.
Um dia, incitada por esse tormento, Psiquê aprovei-
tou que seu marido dormia e acendeu o candeeiro na
intenção de conhecer a sua identidade.
Tomada pela visão da mais pura beleza, Psiquê re-
conheceu que estava casada com Eros. Incrédula de
alívio e felicidade, ela resolveu se aproximar de uma
das famosas fechas do deus para vê-la de perto. E,
pela própria vontade e curiosidade, se feriu com a pon-
ta da fecha testando seu poder. Na mesma hora, foi
tomada de amores por ele.
A sensação a fez se descuidar e o óleo do candeeiro
que iluminava o quarto se derramou e queimou Eros,
que acordou sobressaltado.
Psiquê descumpriu a promessa que havia feito ao
marido e, com isso, ele a abandonou.
Depois do ocorrido, Afrodite tomou conhecimento da
traição do flho e fcou ainda mais irada com Psiquê.

306 O Livro de Afrodite


A moça, que desde então vagava pela terra à pro-
cura do marido, descobriu que Eros se recuperava da
queimadura feita pelo candeeiro nos aposentos da
mãe, que tão mal a queria.
Obstinada a encontrar seu amado, Psiquê aceitou a
rendição e foi ao encontro de Afrodite, que a açoitou,
tirou-lhe as vestes do corpo, arrancou-lhe os cabelos e
a humilhou de diferentes formas, mesmo sabendo que
a mortal esperava um f- lho de seu flho. Por fm,
Afrodite sentenciou que Psiquê e o fruto em
seu ventre só poderiam sair dali vivos e dig-
nos de Eros se ela fosse capaz de cumprir 4
tarefas que a Deusa tinha para ela...

Inspira - revistainspira.com 307


primeira tarefa
Classificar as sementes

Afrodite misturou em um único monte uma grande


quantidade de grãos: trigo, cevada, milho, grão-de-bi-
co, sementes de papoula, lentilhas e favas. A tarefa de
Psiquê seria separá-las por espécie até a noite. Parecia
impossível, mas com a ajuda das formigas a esposa de
Eros conseguiu!

308 O Livro de Afrodite


Essa primeira tarefa traz algumas lições importan-
tes. Por ser o início de uma jornada de integração, a
tarefa fala sobre o poder da ação, do primeiro passo, de
se agir mesmo quando se pensa ser impossível.
Um segundo ponto é o pedir ajuda. A humildade de
apresentar sua vulnerabilidade e entender que não é
preciso dar conta de tudo sozinha para ser uma gran-
de heroína.
O terceiro ponto, que é o ponto central da tarefa, é o
discernimento. Quando Psiquê, com a ajuda desses mi-
núsculos seres que representam os instintos, organiza
e classifca as sementes, ela está aprendendo a ouvir
seus sons internos. O sentir ajuda a classifcar o que é
uma coisa e o que é outra, o que é para você e o que
não é.
“O monte desorganizado na mistura de sementes,
frutos e grãos, que Psiquê recebe como tarefa de Afro-
dite para ser separado e organizado por espécies, é
ao mesmo tempo o desorganizado-caótico e fecundo
monte de talentos e possibilidades que estão disponí-
veis no feminino, tal como Afrodite vê a feminilidade.
Somente depois da extraordinária ação de Psiquê é que
são organizados e se tornam úteis” (Erich Neumann).

Inspira - revistainspira.com 309


A PSIQUÊ É VOCÊ #1
Diluindo as tarefas:
separaR AS SEMENTES
Olhe diretamente para dentro de si e passe tudo pelo
fltro dos seus sentimentos, valores e motivos.
Plantar uma semente cujo fruto você não preten-
de aproveitar é um desperdício para a fertilidade do
solo. Então, conheça bem as suas potencialidades e em
quais você realmente quer focar.
Crie uma lista das coisas pelas quais você se inte-
ressa e gosta de fazer hoje – e também em outras fases
da sua vida.
Depois, passe-as pelo fltro do sentir. O que você
quer para a sua vida, marque um X no quadradinho.
Quando algo é realmente seu, você sente na hora a
emoção de ler palavras que remetem àquilo e de re-
lembrar o signifcado disso para você.
Coisas que eu adoro ...e que conversam com
a minha alma

310 O Livro de Afrodite


Somente quando nossos talentos
estão organizados é que eles se
tornam úteis.

Inspira - revistainspira.com 311


desafio aceito
A partir do momento em que você sabe diferenciar
entre o que é um interesse doutrinado e o que é um
interesse genuíno, use isso a seu favor!
De que forma você pode e quer organizar a sua vida?
Defna o que você quer e assuma isso sem vergonha
ou medo. Tomar decisões é sair do papel de vítima e se
tornar a dona da história.
Diga para você mesma em você alta:
Eu quero .

TRABALHO DE FORMIGUINHA
E, com isso, a gente quer dizer: comece com os re-
cursos que tiver. Dê o primeiro passo.
Faça uma lista aqui das três coisas mais importan-
tes que você precisa aprender, investir, desenvolver ou
simplesmente agir para sustentar o seu desejo.

Meus primeiros
passos no caminho
de ser eu mesma

1.
2.
3.

312 O Livro de Afrodite


S.o.s
Pedir ajuda é importante no processo de começar a
viver uma vida que conversa com a sua alma. Embar-
car rumo ao ainda não vivido é sempre um passo de
vulnerabilidade, e é exatamente aí que mora também
o tamanho da sua força. Se permitir estar vulnerável
abre espaço para a conexão.
Mesmo que a ajuda seja apenas conversar, é impor-
tante estar cercada das pessoas certas.
Pense bem nas coisas que lhe afigem. Quem poderá
te defender? O Chapolin Colorado? Um profssional es-
pecífco dessa área que te tira o sono? Um amigo que
já passou pela mesma situação e pode compartilhar a
experiência dele? A sua mãe ou o seu pai, que podem
te fazer um empréstimo ou fazer o compromisso de co-
brar os seus esforços? Os seus guias espirituais? Para
quem você pode pedir ajuda sobre esse movimento que
você está prestes a iniciar? Escreva aqui os seus con-
tatos de emergência e lembre-se de usá-los ao menor
sinal de que precisa de ajuda.

Inspira - revistainspira.com 313


segunda tarefa
A FORÇA PELA NÃO-FORÇA

314 O Livro de Afrodite


A vingativa Deusa quis difcultar ainda mais o de-
safo. Dessa vez, Psiquê teria que ir até os letais car-
neiros ferozes, cujo dorso era coberto de focos de lã de
ouro, para trazer à Afrodite alguns desses preciosos e
dourados pelos.
Antes de começar, Psiquê já se dá por vencida e
pensa em acabar com o tormento se atirando no rio,
mas um caniço (um pedacinho de pau) que futua-
va ali lhe dá a dica: não é necessário lutar contra os
carneiros, basta esperar o dia virar noite e sacudir as
árvores quando o rebanho já tiver se retirado. Lá se
encontrarão alguns pedaços da lã dourada agarrados
aos galhos.
Às vezes, quando estamos em um processo de au-
todescoberta, a vontade que dá é de bater no peito e
sair gritando com todo mundo que você sinta que, por
algum motivo, está tentando lhe oprimir.
Você acaba de reconhecer que passou por maus-bo-
cados anulando a sua real personalidade, e não quer
mais permitir que ninguém te coloque novamente nes-
sa posição. Você quer extravasar a sua raiva de ter
passado tanto tempo permitindo certos abusos e, para
se afrmar, acaba entrando em confrontos que não vão
te levar a lugar nenhum.
Isso pode te tornar uma pessoa reativa. Mas você
não precisa reagir. Agir já é o sufciente!
Você não precisa ser a mulher (ou o homem) selva-
gem o tempo todo. Você não precisa ser a que corre
com os lobos, nem o que volta liderando a alcateia.

Inspira - revistainspira.com 315


Animais domésticos também têm suas qualidades. Ou
você não vê isso no seu gato/cachorro?
Não mate o instinto selvagem dentro de você, apren-
da a direcioná-lo com a força certa. Você não precisa
ser assertiva, grosseira e gritona para isso. Essa tarefa
fala da capacidade de se conectar com a força, sem
usar de força ou violência.
As armas aqui são inteligência, consciência, uma
mente tranquila e estratégica, que aguarda o momento
certo de agir. A lição é ser forte sem perder a ternura
e/ou se tornar alguém amargurada.
O carneiro é um animal associado ao Sol e ao princí-
pio arquetípico masculino. Esperar o dia virar noite é a
representação da energia pacífca do feminino arque-
típico entrando em ação. Retirar-lhes os cabelos equi-
vale simbolicamente a amansar seu poder de opressão.
A pessoa que aprende a agir no momento certo e de
maneira pacífca e consciente, não chama a atenção de
forças contrárias para ela. Ela está protegida da opres-
são e livre para ser quem é, sem alimentar padrões
autodestrutivos. Ela está no controle da situação!

316 O Livro de Afrodite


A PSIQUÊ É VOCÊ #2
Diluindo as tarefas:
recriando a cena
Pense em uma situação em que você agiu ou reagiu
com reatividade na sua vida. Agora, reescreva aqui em-
baixo como essa cena poderia ter acontecido se você
utilizasse o princípio da força pela não-força para se
colocar no mundo como realmente é, sem desrespeitar
o outro ou se colocar em confrontos inúteis. O que você
poderia ter falado, silenciado, pausado ou gesticulado?
Como poderia ter sido o seu tom de voz?

Inspira - revistainspira.com 317


“Se você não conseguir domar a
fera, a fera poderá te rasgar e
te devorar. E só dá para domar a
fera quando estamos no corpo a
corpo com ela, quando queremos
nos aproximar dela, quando vemos
que não existe separação e então,
acolhemos e nos elevamos um
degrau acima dos instintos”.
Clarissa Pinkola Estés

318 O Livro de Afrodite


COMUNICAÇÃO AMOROSA
Nesse momento, tem alguma situação te roubando
seu espaço pessoal? Uma situação em que você sinta
que precisa se impor mas tem medo de magoar a ou-
tra pessoa? Escreva sobre essa questão. Em seguida,
escreva um script de como você pode comunicar isso
de uma maneira não-violenta e, quem sabe, até amo-
rosa?

Inspira - revistainspira.com 319


terceira tarefa
Aprendendo a compreender
o fluir da vida
Ainda não muito convencida de
que era Psiquê quem, de fato, realiza-
va as tarefas, Afrodite passou a ela
mais um teste de coragem: subir a
um rochedo escorregadio no cume
mais elevado de uma montanha. Lá
rolavam cascatas que alimentavam
dois grandes rios infernais. Da fon-
te mais alta, Psiquê deveria encher
uma frágil jarra de cristal com as águas nas-
centes.
O cenário era mais assustador do que a própria des-
crição. As águas do rio bradavam avisos para que Psi-
quê se afastasse, pois ela morreria caso tentasse algo.
Das pedras, serpentes venenosas sibilavam guardando
as águas.

320 O Livro de Afrodite


Mais uma vez, Psiquê pensa em pôr fm a tudo isso.
O que equivale ao nadar, nadar, e morrer na praia den-
tro de um processo de autoconhecimento.
Mas a águia de Zeus desce dos céus em seu socorro
e intercede por ela, voando ao alto da fonte e coletando
a água com o jarro.
Quando estamos imersos em uma situação, ver tudo
por uma nova perspectiva, como um observador que
se retira do micro e consegue ver tudo minimizado,
como um deus veria, é uma tarefa complicada.
A águia de Zeus, que simboliza a sabedoria e a razão
da consciência, aparece aí para nos lembrar de termos
momentos em que possamos nos retirar da lente dema-
siadamente emocional com a qual enxergamos alguns
de nossos relacionamentos e certas situações em que
nos encontramos, para que possamos ver
o plano geral, identifcando padrões
e peças que precisam mudar de
lugar.
Essa tarefa fala de apren-
der a ver de longe: em um
quadro total – as consequ-
ências de seus atos, os
padrões – e, assim, fazer
a manutenção (ou não)
de por onde quer que sua
vida caminhe.
No conto, a fala da águia
garante que até mesmo os deuses

Inspira - revistainspira.com 321


temem aqueles rios. O que refete também que, em cer-
tos momentos, não se pode conter o fuxo da vida que
jorra das fontes indomáveis da natureza. E até mesmo
a ave de um deus precisa se curvar a essas forças e
apenas respeitá-las.
O simbolismo da água também está associado ao
inconsciente, às forças de vida, morte e renascimento.
Mitologias muito antigas têm na água sua visão cos-
mogônica de como a vida emergiu na Terra. Por outro
lado, há também o receio da água como um solvente
natural, capaz de dissolver as formas e fazê-las imergi-
rem. A água incorpora assim os princípios da criação e
da destruição da vida, os próprios fuxos da existência,
o poder superior e misterioso da Criação.
Por isso, esse aprender a fuir com as águas da vida
fala de silenciar um pouco o ego e a dominação que ele
quer impor ao nosso Ser, para que possamos aprender
a escutar o nosso Eu-maior, pois ele tem sua própria
sabedoria.
Isso quer dizer que, em vez de fcar aceitando or-
dens autoimpostas, do tipo “eu deveria fazer isso” ou
“eu deveria estar fazendo aquilo em vez disso” ou ain-
da “eu preciso daquilo outro”, aprenda a se ouvir sem
os fltros e demandas que foram instalados em você
pela educação e pela cultura. Abra espaço para o seu
Ser entrar em cena e permita-o assumir o posto que
lhe é merecido.

322 O Livro de Afrodite


A PSIQUÊ É VOCÊ #3
Diluindo as tarefas:
aceitar o fluxo da vida
Exercício 1: Flutuar.
Em algumas regiões do Brasil, também é chamado
de boiar. Pode ser em uma piscina, em uma grande
banheira ou até mesmo na água do mar, de um rio ou
lagoa (desde que com muita segurança, em áreas mais
rasas e onde não há turbulência ou ondas).
Na Suécia, futuar é uma terapia que faz parte do
serviço de saúde e, de acordo com uma pesquisa da
Stress Management Society, tem um impacto super-
positivo na saúde mental e no alívio do estresse e da
ansiedade.
Mas mais do que isso, futuar é se entregar ao fuxo!
Senti-lo na prática. Por isso, essa é uma das tarefas de
Afrodite para a mulher contemporânea.

Exercício 2: Meditação. Dez minutos sentada(o) de


olhos fechados. Marque no timer do seu celular ou em
algum app de meditação. Não abra os olhos antes dis-
so, foque sua atenção na sua respiração. Isso é para
estimular a sua paciência com as coisas e principal-
mente se curvar ao fuir do tempo!

Inspira - revistainspira.com 323


Exercício 3: Liberte-se dos ideais que você criou para
você, e que não tenham a ver com o seu Eu. Ou da-
queles que, até tenham a ver com o seu Eu, mas que
se tornaram cobranças pesadas e enrijecidas demais
para serem bem direcionadas na realização completa
da sua essência.
Às vezes, é preciso que o ego saia de cena e dê es-
paço para que o centro divino da psique, o Si-mesmo,
dite as leis.
Sabe quando você aposta tudo em uma coisa que
tem tudo a ver com você, mas que com o tempo e com
a não realização das suas altas expectativas sobre isso
vai sugando a sua vitalidade, a paciência e o entusias-
mo? Ou quando você aprende a perseguir os objeti-
vos que outras pessoas plantaram na sua cabeça como
sendo coisas que você deveria ser/fazer/ter acima de
qualquer situação? É disso que estamos falando. Em
ambos os casos, essa é uma questão de apego negativo
aos eus ideais.
Ambos os exemplos falam da profunda e constante
negação da vida como ela é e da busca implacável pelo
que ela supostamente deveria ser.
Não estamos defendendo aqui que criar metas ou
defnir objetivos seja algo ruim. O convite é para que
isso não se torne uma obrigação para a sua realização
enquanto ser vivo, a ponto dessa busca insana destruir
a sua integridade.
A idealização muito mais afasta do que aproxima.
Em Psicanálise, fala-se que o desejo tem seus meios de

324 O Livro de Afrodite


continuar sendo desejo e, portanto, vai se distanciando
da realidade.
Ideias são formas puras e perfeitas. E são puras por-
que são uma coisa só. A gente sabe que ninguém é uma
coisa só. Uma pessoa pode ser muito trabalhadora e
bastante preguiçosa ao mesmo tempo, e nenhum des-
ses comportamentos a defne por completo. No entan-
to, nos identifcamos com a perseguição desses ideais.
E eles não são neutros. Alguns são supervalorizados,
enquanto outros são considerados uma desonra. Fica a
critério de cada cultura. Por isso, aquilo que você acha
que deve se tornar ou os meios que você utiliza para
chegar até lá podem nem estar dialogando com o cen-
tro do seu Ser. Isso é perigoso!
Escreva aqui os maiores ideais que você se colocou
e ainda não conseguiu alcançar. Ideais materiais, mas
também subjetivos: do tipo “Sou uma pessoa batalha-
dora e guerreira”, “Sou justa o tempo todo”, “Sou uma
pessoa muito bondosa e caridosa”. Em seguida, per-
gunte-se: “E daí que eu não consegui atingir esse ide-
al? O que isso muda na minha vida?”. Se você perder
essas imagens de que você é trabalhadora, responsá-
vel, amável, o que de pior pode te acontecer? O que
ainda sobra? Coloque em palavras.

Inspira - revistainspira.com 325


326 O Livro de Afrodite
APRENDENDO A VER O PLANO GERAL
Se permitir um tempo a sós com você mesma(o) é
fundamental se o seu objetivo for gerenciar as emo-
ções, ver a sua vida em um plano geral para fazer me-
lhores escolhas e, principalmente, para sentir que você
pertence a si mesma(o). Assim como a águia que se
afasta para as altitudes calculando uma rota menos
perigosa para pegar a água, esse afastamento voluntá-
rio é muito saudável e muito necessário.
Por isso, a atividade de Psiquê aqui se torna criar
tempo com você, tempo de solitude programada. De
quais meios você dispõe para ter esse momento? Quais
forças e agentes você pode movimentar para criar esse
tempo?

Escolha o seu retiro favorito e faça o


compromisso de não abandoná-lo
nas piores horas!
diário de escrita terapêutica dar uma volta
sozinha
psicoterapia
opção que
meditação você criou:

fugir para as montanhas

Inspira - revistainspira.com 327


quarta tarefa
dizer não

328 O Livro de Afrodite


Com a fúria ainda não aplacada, agora Afrodite
mandaria Psiquê diretamente para o mundo dos mor-
tos. Coincidentemente, essa era a última tarefa. Pois,
talvez, Afrodite não esperasse mesmo que a nora vol-
tasse viva do submundo. A tarefa seria pedir à Per-
séfone, a rainha dos mortos, um pouco de sua beleza
imortal condensada em seu creme de beleza.
Se ela teria que fazer a passagem ao mundo dos
mortos, então tinha chegado realmente a sua hora. Foi
isso que pensou Psiquê. “Tirar a própria vida seria o
caminho mais rápido até Perséfone”, concluiu a mortal
já se dirigindo a uma torre muito alta de onde pudesse
se atirar.
Mas a torre, que tudo vê, intercedeu. Ela dá um pu-
xão de orelha em Psiquê, que toda hora quer desistir
da própria jornada: “Tenha paciência. Por que recuar se
essa pode ser a última prova que te separa do êxito?”.
Durante todas as tarefas, Psiquê só pensa em dar
fm ao próprio sofrimento por meio do suicídio. Ela não
pensa que forças desconhecidas podem lhe socorrer.
Nem reconhece suas próprias capacidades de executar
as tarefas e sair vitoriosa do desafo. Pensa que tudo
é impossível. E, nessa hora, a torre lhe ensina a lição
da persistência, da fé que devemos ter de que o melhor
está por vir, da necessidade de se criar um sentido para
continuar e acreditar que o propósito será alcançado.
A torre também dá as instruções para que Psiquê
entre e saia do mundo dos mortos sem perder sua alma.
Entre as dicas, ela disse para que a moça tomasse cui-
dado com os desvios que lhe roubam a atenção de seu

Inspira - revistainspira.com 329


próprio caminho e objetivos. “Prossegue teu caminho
sem lhe responderes nada”, disse a torre.
Ela ainda acrescenta que Psiquê deve ter consciên-
cia para não tentar abraçar o mundo com as próprias
mãos e a proíbe da piedade “ilícita”, pois a compaixão
tem limites, e o limite é o seu amor-próprio. Ajudar o
outro é lindo, mas sem limites essa troca pode se tor-
nar prejudicial à medida que coloca travas à evolução
do ajudado e sobrecargas a quem ajuda.
É quando aprendemos a dizer “não” para o outro que
desbloqueamos a trava que nos impede de escolher
nossa própria vida. Quando aprendemos a dizer “não”
para o que não interessa e não combina com a nossa
essência, passamos a dizer “sim” para nós mesmas.
Você não precisa ser boa, e nem está concorrendo
ao prêmio da “mais boazinha do ano”. Você precisa ser
inteira e assumir o controle dessa força poderosa que é
você. Você precisa encontrar o seu poder pessoal!
Em outras palavras, a torre pede à Psiquê que seja
frme e saiba ter empatia sem se tornar um fantoche
nas mãos de pessoas mal-intencionadas, e que se con-
centre em seus próprios objetivos.

330 O Livro de Afrodite


A PSIQUÊ É VOCÊ #4 - PARTE I
Diluindo as tarefas:
criar sentidos é resistir
No conto, a torre cria um sentido para que Psiquê
acredite que vale a pena se manter viva e aceitar o
desafo de Afrodite. Quantas vezes – seja por impaci-
ência, cansaço, desespero, frustrações ou falta de cons-
ciência – nos deixamos levar por uma vida sem senti-
do e desistimos de oportunidades, ideias, projetos e até
mesmo de pessoas importantes para nós?
Essa é uma lição da criatividade de Afrodite sen-
do aplicada como um segredo da vida cotidiana. Você
costuma criar sentidos para as coisas que lhe aconte-
cem?
Escolha um evento pelo qual você está passando
agora ou algum que foi muito impactante na sua vida,
sobretudo no aspecto emocional. Em seguida, tente
responder:
Que sentido você criou para esse evento? O que ele
representou na sua vida? Como você o explicaria para
alguém?

Inspira - revistainspira.com 331


Ele aconteceu por algum motivo? O que você pode di-
zer que esse acontecimento veio te mostrar?

Qual valor você atribui a essa experiência? Como você


se lembra dela hoje ou imagina que deve se lembrar
dela daqui a 10 anos? De que maneira ela te enrique-
ceu? De algum modo ela te fez chegar mais perto de
um objetivo, conhecimento ou saltar para um novo ní-
vel de consciência? Pense sobre isso com a ajuda de
um lápis ou caneta!

332 O Livro de Afrodite


aprendendo a dizer “não”
Pense na última vez que você disse “sim” querendo
dizer “não” para alguém. Toda vez que isso acontece
uma parte de você se sente desrespeitada. É como se
você mesma não se levasse em consideração. Afrodite
chora quando uma pessoa dá aos outros o poder que
só ela pode ter sobre si mesma.
Liste três coisas para as quais você gostaria de ter o
poder de dizer “não”.

1.
2.
3.
Circule a seguir uma forma de dizer “não” com jei-
tinho que combine com você. Acione ela no automáti-
co, mas com frmeza e convicção, da próxima vez que
você precisar dizer “não”. Faça isso e, depois, volte aqui
para escrever o que você sentiu e em que resultou essa
sua nova ação.

Não.
Não quero.
Não posso.
Não estou interessada nisso no momento. Obrigada!

Inspira - revistainspira.com 333


Eu não me sinto confortável para fazer isso.
Me sentiria desconfortável se tivesse que fazer isso.
Isso não combina comigo.
Não tenho condições de fazer isso nesse momento.
Não posso me comprometer com isso.
Não, não estou com energia para isso.
Não, já tenho um compromisso.
Não, tenho outros planos.
Não, mas posso te explicar como fazer isso por conta
própria.
Não, preciso desse tempo para mim.
Hoje, eu não posso.
Isso vai me sobrecarregar, não tenho como te ajudar.
Não estou em um bom momento para isso.
Adorava fazer isso, mas hoje em dia prefro...
Não, mas posso te indicar uma pessoa que faria isso
bem.
Não, isso vai de encontro aos meus valores.
Não, não sei.

334 O Livro de Afrodite


Não se distraia
Quais são as distrações que tiram o seu foco nos
seus objetivos verdadeiros? Comparação? Falta de um
ideal frmado que se adquire a partir do momento em
que você se conhece (primeira tarefa)? Necessidade
de aceitação em um grupo ou de se moldar às proje-
ções de um amante? Se perder nos problemas e na
amargura da opinião dos outros sobre o seu caminho?
Refita sobre algum episódio em que você abriu mão
de uma oportunidade, conquista ou revolução na sua
vida. O que te distraiu de você mesma? Quem te rou-
bou de ti? Lembre-se que o seu maior compromisso é
com você!

Inspira - revistainspira.com 335


fazer escolhas com
o coração, sem se
esquecer da
consciência

A última recomendação da torre – e na qual ela foi


categórica – era a de em nenhuma hipótese Psiquê de-
veria abrir a caixinha que continha o misterioso creme
da beleza de Perséfone. E foi justamente aí que Psiquê
cedeu à sua própria curiosidade.

336 O Livro de Afrodite


Nesse momento, Psiquê – que antes era um joguete
nas mãos de sua família e dos deuses – escolhe uma
coisa por ela mesma. Com a consciência de que pode-
ria morrer se abrisse a caixinha, Psiquê faz uma esco-
lha por amor: fcar mais bela para reconquistar Eros.
Se a gente interpretar o conto ao pé da letra, essa
não é a escolha mais inteligente. Mas se olharmos nas
entrelinhas e desfarmos o simbólico, veremos que se
trata de uma escolha pessoal feita com base no amor.
Aqui, Psiquê molda seu futuro. Ela pega sua vida em
suas próprias mãos.
O fnal da história é que a protagonista entra em um
sono profundo, até ser resgatada por Eros que, com a
ajuda de Zeus, concede à Psiquê o direito a uma taça
de ambrosia, a bebida que a tornaria deusa, imortal.
Psiquê e Eros se casam, dessa vez seguindo o ritual
do Olimpo e sua flha nasce recebendo o nome de Vo-
lúpia, o prazer dos sentidos e das sensações.
Com sua jornada de interiorização, Psiquê passa de
mortal à deusa. Ela enfrenta seus medos, recupera sua
capacidade de sentir e seu poder pessoal, cria seu pró-
prio futuro e, dessa forma, altera estruturas sociais ao
integrar partes de sua própria consciência. Ao realizar
o casamento sagrado interno – curando os princípios
masculino e o feminino desequilibrados – ela muda rí-
gidas estruturas e abre caminho para uma vida com
mais prazer.

Inspira - revistainspira.com 337


A PSIQUÊ É VOCÊ #4 - PARTE II
Diluindo as tarefas:
a sua vida é você quem cria
Na primeira tarefa, você reconheceu as suas vonta-
des, escolheu os seus desejos e deu o impulso que te
arrastou para esta jornada. Agora, você está prepara-
da para fazer suas escolhas. Você tem em sua mente
uma chama acesa que te lembra que as decisões sobre
a sua vida só podem estar nas suas mãos e que tudo
está em constante mudança, incluindo você.
Ser livre é um processo. É uma conquista diária que
se constrói a cada decisão tomada de forma individual,
consciente e conectada a quem você é em essência. É
assim que funciona quando você se torna dona do seu
próprio desejo.
Você conquistou a sua autonomia subjetiva e a ca-
pacidade de assumir a responsabilidade de ser livre e
lidar com as consequências das suas próprias escolhas.
Escreva mais 3 intenções do que você pretende (e
vai) fazer na sua vida a partir do momento que você
descobriu que você pode:

1.
2.
3.

338 O Livro de Afrodite


mude o mundo!
A gente muda o mundo inspirando as pessoas com
a nossa capacidade de viver em plenitude com tudo o
que somos.
Se você chegou até aqui tendo disciplina em cada
uma das tarefas, você quebrou paradigmas, assim
como Psiquê o fez ao ser aceita no Olimpo. De verda-
de: quase ninguém sai do automático e persegue essa
integração a qual você está se submetendo e quando
uma pessoa sai, as pessoas percebem que ela tem algo
de diferente, não é mais a mesma, está modifcada e
com um aspecto melhor.
Se alguém lhe perguntar, comente sobre como você
está se sentindo, das transformações pelas quais vem
passando durante todo o processo do Livro de Afrodite
e altere essa estrutura que faz com que nossas Psiquês
internas permaneçam meras mortais, servis e domes-
ticadas.
O nosso destino é ser divino.

Inspira - revistainspira.com 339


A Jornada de Psiquê:
Reconhecer seu conteúdo interno e
separar o que é bom ou não para você.

Dar o primeiro passo mesmo com medo.


Recapitulando

Pedir ajuda às pessoas certas quando for


necessário.

Ser ativa, e não reativa.

Aceitar o fuxo da vida.

Gerenciar as emoções de forma mais


impessoal.

Criar sentidos para persistir.

Aprender a dizer “não”.

Ter mais compromisso com você.

Fazer as suas próprias escolhas!

Inspirar outras pessoas.

340 O Livro de Afrodite


bRINDE exclusivo

MANUAL DE ATIVAÇÃO
DA AFRODITE
INTERIOR

Rituais para encontrar a força divina de


Afrodite dentro da rotina.

Inspira - revistainspira.com 341


O Manual de Ativação da Afrodite Interior é composto por dicas de
bem-estar e pelos rastros que a Deusa Afrodite deixou na Terra. São 23
exercícios práticos para te conectar com a beleza interior, a da alma, a do
corpo e a dos sentidos, e a beleza exterior, a das pessoas, do mundo e de
tudo o que nos cerca.
São atividades simples, como acordar cedo e assistir ao nascer do Sol
ou mesmo cozinhar mesclando presença, criatividade, prazer e desejo.
Pegando de empréstimo do vocabulário sagrado dos gregos, o que se
trata de fazer aqui é ritualizar. Um ritual é a encenação em nível terreno da
narrativa mitológica, dos mitos divinos. Ao participarmos disso, ativamos
em nós energias correlatas e embebemos a existência de sentido. No caso
deste livro, preparamos rituais que convidam a sua Afrodite psíquica a
estar presente.
Aquilo em que jogamos luz, para onde destinamos a nossa atenção,
se ilumina e cresce. É uma força que percorre o nosso corpo. Por isso, a
ativação é necessária. Atividades práticas, como as do Manual, são impor-
tantes para retomar o contato com o próprio corpo, às vezes adormecido
e despercebido no cotidiano, e com a própria liberdade e espontaneidade
de ser quem você é.
Desperte a Deusa que está dentro você!

Acorde cedo e assista ao nascer do sol


Nesse caso, além de avistar a beleza da aurora, o planeta Vênus – conhe-
cido como Estrela da Manhã ou Estrela Dalva – pode ser visto na direção
do Sol.

Tome sol
O Sol é uma energia de criação e nutrição, assim como a Deusa. Afrodite
é descrita muitas vezes como “a dourada”. Se expor a essa luz dourada do
Sol, com os cuidados necessários e no horário recomendado, é uma forma

342 O Livro de Afrodite


de se aproximar do brilho dessa Deusa.

Um banho de mar
Você já deve ter visto muitas pinturas e esculturas que representam a Deu-
sa emergindo das águas do mar em meio a conchas e espíritos da natureza.
Você deve se lembrar porque são obras que reverberam um impacto de
beleza, frescor, pureza e feminilidade. O nome desse estilo de representa-
ção de Afrodite é Vênus Anadiômene, aquela “que sai do mar”. Foi assim
que ela nasceu. Toda vez que você tomar um banho de mar, imagine a
Deusa nascendo revitalizada em você. Em Pafos, na Grécia Antiga, havia
uma cerimônia de banho anual que representava a renovação e a purifica-
ção de Afrodite.

Plante uma flor e cuide bem dela!


Afrodite é uma Deusa ligada à fertilidade e à beleza. Uma
maneira simples de juntar essas duas características e de-
senvolvê-las é ao plantar uma flor e vê-la crescer: da ger-
minação na terra ao desabrochar. O florescer de uma
flor é uma metáfora viva de como podemos trazer mais
beleza ao mundo: ao germinarmos boas ações e com
o (auto)cuidado – que devem ser regados diariamente.

Atitude contemplativa
A contemplação, que é o próprio ato de pensar e
observar detalhadamente alguma coisa, é uma forma de
nos percebermos como parte integrante
do Todo. E como podemos fazer
isso? Escolha um local silen-
cioso, preferencialmente
na natureza, e sente-se
confortavelmente. Inspire e expire, profunda e calmamente. Inicialmente,
concentre-se no ambiente ao seu redor: deixe foco de visão passear por
cada ponto, perceba os detalhes onde se fixar; também abra os seus ou-
vidos aos sons. Depois, volte a atenção para você nesse ambiente: quais
são as partes que tocam o chão, como o ar entra e sai das suas narinas, o
calor do sol ou o frio da noite: tudo passa por você. Essa mesma sequência
pode ser feita em outros ambientes, como, por exemplo, ao contemplar
uma pintura. Foque nos detalhes e depois se pergunte: o que tem de mim
no que vejo? E no que sinto?

O físico também importa


Banhos com aromas especiais, inspirar óleos essenciais como camélia,
baunilha, ylang ylang e benjoim, usar perfumes, lavar os cabelos com um
shampoo especial e massageando a cabeça ao som de uma música gostosa,
cuidar da pele, se maquiar, vestir uma roupa confortável, que lhe
faça se sentir bem e bonita. Essa é uma sinestesia
de arte, presença, sensorialidade, beleza e auto-
nomia. Impossível Afrodite não estar presente
nesse momento.

Risoterapia
Você ri todos os dias? Comece o dia com uma gar-
galhada. Mesmo que seja forçada, depois você vai rir
disso e começar a rir de verdade. Depois, torne isso um
hábito: 30 minutos de risadas. Pode ser com um episó-
dio de série de comédia, vídeos engraçados na internet
ou uma saída com aquela pessoa que sempre te faz dar
boas gargalhadas. Afrodite era conhecida também pelo
epíteto philommeides, “aquela que ama o riso”. Quando es-
tamos amando, o mundo se torna um lugar de alegria – e
quando rimos, estamos nos reconectando a essa energia.

344 O Livro de Afrodite


Automassagem
No livro A Deusa Interior, os autores Jennifer Barker Woolger e Roger
Woolger revelam que a massagem tem o poder de explorar nossa natureza
sensual e tirar a limitação do “sexo na cabeça”, o que significa reencontrar
as zonas erógenas por todo o corpo por meio do toque e da sensorialida-
de, e não mais apoiar toda a sexualidade na imaginação e no pensamento.
A automassagem também ajuda a liberar as tensões, relaxar e trazer leve-
za para o dia. Além disso, libera ocitocina, um hormônio relacionado ao
amor e ao fortalecimento da sociabilidade.

Estimule o seu erotismo


Você não precisa esperar estar acompanhada(o) para sentir prazer com
você mesma(o). A masturbação é uma prática saudável de bem-estar e
autoconhecimento. Estimule o seu corpo, conheça seus pontos de prazer
e descubra suas fantasias.

Sexo Sagrado
Quando você for transar com alguém, tente utilizar os ensinamentos da
sexualidade sagrada de Afrodite e Dionísio e mesclar nessa experiência
o consciente com o inconsciente, o cuidado e a entrega. Esteja presente,
respeite o seu parceiro(a) e libere os seus desejos.

Fazer a sua energia circular


Afrodite é a deusa que mais se relaciona do Olimpo inteiro. Viver dentro
de casa como uma Héstia ou mais reclusa em sua caverna como Hécate,
não é da natureza de Afrodite. Ela é social e gosta de gente. Ela ama as
trocas, e é assim que ela aprende, ganha conhecimento e se entende. Co-
nhecer gente nova é uma boa forma de se fazer isso. Você pode procurar

Inspira - revistainspira.com 345


sair com um novo grupo de pessoas e aumentar o seu círculo de conexões
se matriculando em alguma aula da academia ou em um curso de idiomas.

Sagrado círculo
Crie um momento de encontro sagrado com pessoas que você gosta: fa-
miliares, amigas, amigos. Pode ser para tomar um chá da tarde e bater
papo, por exemplo. Você só deve começar a investir nesse quando tiver
passado do desafio a seguir...

Solitude
A solitude é a prima interessante da solidão. Sabendo conviver com uma,
você para de ter tanto medo da outra, e aí a sua vida muda. Segundo o
psicanalista Erich Fromm: “Paradoxalmente, a capacidade de ficar só é a
condição da capacidade de amar”. Quem aprende a encontrar prazer ao se
deparar sozinho consigo mesmo, não se une a outro ser como se pegasse
um colete salva-vidas, mas descobriu de verdade o que é amar. Tente ficar
só com você mesma. Não vale ler, fumar, ligar a televisão ou beber. Sem
escapismos. Apenas você com você. Esse exercício te perturba ou é mole-
za? Desenvolva essa capacidade!

Imaginação
Crie imagens dentro de si. Visualize algo que você quer que aconteça a
você, crie histórias na sua cabeça, filmes inteiros, casas, cidades, coisas
impossíveis... como no filme A Origem, mas acordada mesmo. Quer uma
ajuda? Faça o exercício de Alice no País das Maravilhas e imagine 6 coisas
impossíveis antes do café da manhã. Logo você vai perceber que a vida é
um ato imaginativo.

Estimule sua vivência estética

346 O Livro de Afrodite


Documentários, quadros, pintura, fotografia, maquiagem, museus, cine-
ma, poesia. Quando você olha para a beleza, a beleza te olha também.
Treine seu olhar para ver a beleza nas coisas.

Motive e incentive o sonho de alguém


Afrodite também é generosidade e compaixão, só assim pode-se falar de
amor. Para ativar isso, compre dos seus amigos empreendedores, dos seus
vizinhos. Dê um feedback positivo, compartilhe sobre o produto/servi-
ço/arte no seu Instagram. Pergunte sobre os sonhos das pessoas e incen-
tive-os como uma meta real, por mais inalcançáveis que pareçam. Seja
a pessoa que eleva a autoestima das que estão perto, seja a vision carrier,
a portadora da visão, seja aquela que diz “Você vai conseguir, eu tenho
certeza” ou “E aí? A quantas anda a sua carreira de cantora? Já deu o
próximo passo?”.

Gaste o seu dinheiro com você mesma


Isso não quer dizer que você não deva, se quiser e for
a sua realidade, dividir as contas, presentear pessoas ou
ajudar no orçamento da casa e da família. Ao contrá-
rio. Mas muitas pessoas se anulam quando vão distribuir
seus rendimentos. No fechar das contas, não sobrou nada
para ela ou tudo vai parar nas poupanças, que quase nunca
têm um objetivo ou uma data para o dinheiro ser retirado.
Enquanto isso, a pessoa vive sem aproveitar os lucros de seu
próprio trabalho. Afrodite é ser fiel a si mesma antes de qual-
quer outra coisa. Compras, estética, spa day, cortar os cabelos
em um salão legal, investir em autoconhecimento, cultura,
viagens, cursos e experiências. Não é futilidade só porque é
cuidado. O cuidado sempre foi uma característica atribuída
socialmente à mulher. E como tudo que é assim, acaba levan-
do uma carga simbólica negativa. Esteja atenta ao machismo
mascarado de espiritualidade, humildade, profundidade ou

Inspira - revistainspira.com 347


autoanulação.

Fotografe-se mais!
Pode ser fazendo mais selfies, chamando uma pessoa com quem você se
sente à vontade para tirar fotos suas ou contratando um serviço profis-
sional mesmo, por que não? Às vezes, para algumas pessoas, ver a própria
imagem causa uma profunda estranheza, reflexo de um alheamento do
corpo físico e da associação de tudo o que está na superfície de si como
sendo superficial, fútil, frívolo. Mas a carne que habitamos não é um mero
supérfluo, uma extravagância da existência. Ela é a forma que nossa alma
escolheu para se manifestar. Entender isso ao ver sua essência ressonante
nas fotos vai te colocar em profundo apaixonamento com a sua aparência
e com você mesma!

Faça um autorretrato
Esse exercício se parece com o anterior, mas os objetivos são diferen-
tes. No anterior, você aprendeu a enxergar beleza na sua imagem, aquela
sensação gostosa de habitar o seu corpo. Neste, você vai se desenhar evi-
denciando a sua essência, como você se vê em profundidade, como quer
ser enxergado pela sociedade. Pode ser por meio da fotografia ou de um
desenho ou pintura. Dê a sua cara trazendo novos elementos
ao cenário, à sua forma de se vestir, às suas expressões e
gestos. Criatividade não tem limites. Você é uma obra de
arte ambulante, o que está expressando?

Afrodisíacos
Mel, maçã, romã, morangos, pêra e figo
são alimentos repletos de vitami-
nas e considerados frutos de
Afrodite, ora por serem esti-
mulantes sexuais ou da fertilidade, ora por terem um erotismo imanente
à sua forma. Eles são consagrados à Deusa desde a Antiguidade, quando
consideravam que alguns continham propriedades mágicas. Acrescentar
esses presentes da natureza à alimentação é relembrar do simbólico asso-
ciado à Deusa.

Cozinhe para alguém especial


Cozinhar é um ato de amor que envolve a criatividade, a sensorialidade da
escolha dos temperos e aromas, o desejo e o prazer de comer uma comida
saborosa. Quando se divide isso com alguém, puxe mais uma cadeira, pois
é certeza que a sua Afrodite estará à mesa com vocês.

Faça você mesmo


Sabe aqueles vídeos de DIY que a gente encontra pela internet? Existe
uma porção deles. Você pode aprender a fazer o seu próprio caderno, criar
peças de decoração, joias, móveis e têm uns que te ensinam até a construir
uma casa. A dica é acionar o seu lado criativo e trazer coisas originais ao
mundo.

Movimente-se
O movimento é a integração entre o nosso corpo, a ciclicidade da vida e a
sensação de prazer. Existem muitas formas de integrar isso à sua vida coti-
diana: caminhada, corrida, dança, andar de bicicleta, nadar, jogar bola com
alguém, musculação, rebolar no bambolê ou praticar yoga são apenas algu-
mas delas. Qual é a sua? Escolha uma e pegue o ritmo. Fazer isso funciona
como uma verdadeira sopa de hormônios da felicidade e do bem-estar no
seu corpo, como a endorfina e a serotonina. Esses hormônios despertam
mais leveza, prazer e vitalidade. É como ingerir doses de Afrodite!

Inspira - revistainspira.com 349


Imaginação Ativa
Hora de abrir um diálogo com a sua Afrodite interna.
Essa é a técnica da imaginação ativa, uma ferramenta te-
rapêutica que existe desde a Antiguidade e foi adicionada
por Jung ao seu setting com a finalidade de conversar com o
inconsciente.
Vai funcionar assim: primeiro, relaxe e concentre-se em
um ponto exclusivo por alguns minutos – a chama de uma
vela ou o movimento rotatório do ventilador são boas op-
ções. Essa primeira atitude vai colocar a sua mente em um
estado entre o desperto e o adormecido, acalmando a ativi-
dade cognitiva do cérebro. A partir daí, escreva suas pergun-
tas à Afrodite arquetípica e espere pelas respostas. A primei-
ra coisa que vier à sua consciência é uma possível resposta,
escreva-a. Depois, leia e tente entender o que ela quis dizer.
As próximas páginas são para isso!
CONEXÃO DIRETA
Use o espaço abaixo para escrever uma carta endereçada
à própria Afrodite. Nela, você pode agradecer os ensina-
mentos da Deusa e relembrar os processos e aprendizados
mais importantes que você viveu nessa jornada.

356 O Livro de Afrodite


Este é o final do Livro de Afrodite, mas isso não quer dizer que acaba
por aqui.
Os ensinamentos aprendidos com Afrodite reverberam ao longo do
tempo. Dia após dia, novas oportunidades surgem para o contato com os
assuntos da Deusa: o amor, a liberdade, a vitalidade, o desejo, a beleza – e
todas as outras chaves para o reencantamento com o mundo. Ter a vida
como uma porta para a experiência prazerosa é próprio de Afrodite.
Como indicamos no início, após algum tempo, retorne ao Livro de Afro-
dite. Releia os textos e reelabore as suas respostas a partir das novas vivên-
cias e mudanças de concepção sobre cada tema. Esse Livro, assim como o
seu texto-resposta, é vivo: ele é transformado quando você se transforma.
Então, reescreva a sua mudança.
Caso você queira compartilhar a sua experiência sua com o Livro de
Afrodite, escreva e envie para uma de nossas redes sociais ou para o nosso
e-mail, livrosdainspira@gmail.com.
Como foi desenvolver os temas de Afrodite? Qual tema foi o mais
difícil? E o mais fácil? Qual exercício teve prazer em colocar em prática?
Nós vamos adorar saber como você trouxe mais beleza ao mundo.
Saudamos a divindade que vive em você!

Inspira - revistainspira.com 357


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Referências de imagem

Capa: BOTTICELLI, Sandro. O nascimento de Vênus. 1486.


Imagens de apoio: Sites. Freepik.com; Rawpixel.com; Vecteezy.com.
Pinturas: Albrecht Dürer; William-Adolphe Bouguereau; Walter Crane.

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