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PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA PRIMEIRA REGIÃO

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N. 0002858-45.2015.4.01.3902/PA

RELATÓRIO

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal


contra decisão que rejeitou parcialmente a denúncia estatal, ante a ausência de justa causa para
o recebimento da acusação em face de JAMES ISAAC RAMOS e XAVIER NICOLAS MEHA pela
prática dos crimes previstos nos arts. 317 e 333, ambos do CP. Assim decidiu o magistrado a quo
ao fundamento de inexistirem indícios suficientes de autoria e materialidade no cometimento de
tais crimes.
Em suas razões recursais (fls. 03 e seguintes), em poucas linhas, o MPF aduz a
necessidade de reforma do decisum, por existirem fortes indícios de autoria e materialidade,
desaguando na justa causa para deflagração da ação penal. Ao final, pede o provimento do
recurso.
Narra a denúncia, litteris:
Extrai-se dos autos que por volta de dezembro de 2003, XAVIER
MEHA, proprietário da Madeireira Maracanã LTDA, conheceu ANTONIO
PENHA, sócio-gerente da Consultoria Madeireira da Amazônia LTDA,
estando aquele, à época, interessado em adquirir plano de manejo para
explorar madeira da espécie jacarandá.
Diante disso, ANTONIO PENHA declarou-se arrendatário de 400.000
ha (quatrocentos mil hectares) no Município de Aveiro/PA, área que teria
adquirido ao firmar parceria com o então Prefeito daquela cidade — o
denunciado ADALBERTO DA SILVA, e com o Secretário de Turismo,
Cultura e Meio Ambiente, Izolino Moreira de Souza (falecido em 2008,
conforme atestado médico acostado à fl. 493).
Após conversas preliminares, XAVIER MEHA e ANTONIO PENHA
formalizaram o negócio: o primeiro pagaria R$ 150.000,O0 (cento e
cinquenta mil reais) por 10.000 ha (dez mil hectares), consoante recibo de
fl. 05. Ocorre que a área negociada situava-se no interior da Gleba Arraia,
fato já conhecido por ANTONIO PENHA, ADALBERTO DA SILVA e Izolino
de Souza, os quais, obtiveram vantagem ilícita, ao manter XAVIER MEHA
em erro, incorrendo no crime de estelionato.
(...)
Dando continuidade ao negócio fraudulento, ANTONIO PENHA
informou que XAVIER MEHA deveria pagar R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a
JAMES RAMOS, servidor do INCRA para viabilizar a confecção de
Certificado de Cadastro de Imóvel Rural e Memorial Descritivo. O montante
foi entregue na presença de ANTONIO PENHA e Izolino de Souza.
Contrarrazões (fls. 57 e seguintes).
Parecer ministerial (fls. 65 e seguintes) pelo desprovimento do recurso.

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Nº Lote: 2018112849 - 2_1 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N. 0002858-45.2015.4.01.3902/PA - TR17650PS


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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N. 0002858-45.2015.4.01.3902/PA

É o relatório.

VOTO

Em que pese a irresignação demonstrada pelo MPF nas suas razões de recorrer,
levando-se em conta a fragilidade do conjunto probatório presente no feito, entendo estar bem
fundamentada a decisão do magistrado a quo em não receber a denúncia em face de JAMES
ISAAC RAMOS e XAVIER NICOLAS MEHA (fls. 13/18).
A denúncia imputa a XAVIER NICOLAS MEHA o delito de corrupção ativa (CP, art.
333) e a JAMES ISAAC RAMOS (servidor público do INCRA) o crime de corrupção passiva (CP,
art. 317)
De fato, como bem ressaltado pelo juízo a quo, não há qualquer prova de que
James tenha recebido a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) que Xavier alega que entregou
(fl. 15) ao réu Antonio Carlos da Penha para que ele repassasse a James, servidor público do
INCRA em Belém/PA, com o alegado intuito de que este confeccionasse Certificado de Cadastro
de Imóvel Rural e Memorial Descritivo.
Não há qualquer outra referência aos delitos de corrupção ativa e passiva e James
sequer foi indiciado ao fim do inquérito policial. Não há, portanto, elementos que confirmem a
alegação de oferta e/ou pagamento dinheiro ao servidor publico.
A Procuradoria Regional da República na 1ª Região se manifestou pelo
desprovimento do recurso, asseverando que, in verbis (fls. 65 e seguintes):
Conforme consta na denúncia, Xavier Meha era proprietário da
Madereira Maracanã Ltda e tinha interesse em adquirir plano de manejo
para explorar madeira da espécie jacarandá. Diante de tal interesse,
Antônio Penha declarou-se arrendatário de 400 mil há no Município de
Aveiro/PA, área essa que adquirira em parceria com o então prefeito do
Município, Adalberto da Silva. A partir disso, Xavier e Antônio formalizaram
o negócio, sendo que o primeiro pagaria R$ 150.000,00 (cento e cinquenta
mil reais) por 10.000 há (dez mil hectares), consoante recibo de fl. 05.
Tem-se ainda, que a área negociada situava-se no interior da Gleba
Arraia, incorrendo os acusados Antônio e Adalberto no crime de
estelionato, já que enganaram o corréu Xavier.
Ainda sendo a inicial acusatória, o corréu ADALBERTO VIANA,
então prefeito do Município de Aveiro/PA, requereu junto a Xavier ( fl. 05)
(...)
Ocorre que, a declaração de que ANTÔNIO PENHA informou que
XAVIER MEHA deveria pagar R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a JAMES
RAMOS, servidor do INCRA para viabilizar a confecção de Certificado
de Cadastro de Imóvel Rural e Memorial Descritivo, não encontra
substrato nas provas angariadas.
Antônio Penha e James Ramos não confirmaram esta informação.
Tampouco há mínimos indícios de que o pagamento realmente ocorreu ou
pode ter ocorrido. A única fonte probatória do possível cometimento destes
ilícitos é o depoimento do investigado Xavier Meha, o que não é índico
suficiente para sustentas uma instrução criminal.
Portanto, conclui-se que a denúncia não reuniu elementos
informativos mínimos para que fosse perfectibilizada a necessária justa
causa para deflagração da ação penal correspondente aos crimes de
corrupção ativa e passiva, razão pela qual o recurso em sentido estrito não
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deve ser provido, devendo, em contrapartida, ser mantida a decisão


impugnada que concluiu pela rejeição parcial da denúncia ante a falta de
justa causa.
Assim, não ficaram comprovados nem a oferta tampouco o alegado pagamento de
R$ 5.000,00 (cinco mil reais) ao funcionário público James Isaac Ramos.
Conforme se visualiza, carecendo os autos de indícios mínimos de autoria e
materialidade não há que se falar de justa causa, condição da ação penal, não restando outra
alternativa senão a rejeição da denúncia nos moldes do que reza o art. 395, inciso III, do CPP.
Nesse sentido, transcrevo julgado de minha lavra:
PENAL E PROCESSO PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO.
LAVRA ILEGAL DO MINÉRIO TURMALINA PARAÍBA. SUPOSTA
PRÁTICA DE TRÁFICO DE INFLUÊNCIA POR DEPUTADO ESTADUAL.
ENVOLVIMENTO DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS NO EXERCÍCIO DA
FUNÇÃO. CORRUPÇÃO PASSIVA. DENÚNCIA. MATERIALIDADE E
INDÍCIOS MÍNIMOS DE AUTORIA. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. REJEIÇÃO.
1. Trata-se de denúncia ofertada contra deputado estadual, que
supostamente solicitou promessa de vantagem para si e para outrem, a
pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da
função, incorrendo na prática do delito previsto no art. 332, parágrafo
único, do Código Penal (tráfico de influência) e contra funcionários públicos
que, supostamente, aceitaram promessa de vantagem indevida em razão
da função, para praticar ato com infringência de dever funcional,
incorrendo na prática do delito do art. 317, § 1º, do Código Penal
(corrupção passiva).
2. Nas palavras do Ministro Celso de Mello: "O sistema jurídico vigente no
Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório,
hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente
democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado
'reato societario', a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa,
objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta
prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro - cujos fundamentos
repousam, dentre outros expressivos vetores condicionantes da atividade
de persecução estatal, no postulado essencial do direito penal da culpa e
no princípio constitucional do 'due process of law' (com todos os
consectários que dele resultam) - repudia as imputações criminais
genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não
individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal
atribuída ao denunciado" (HC 84580, relator ministro Celso de Mello,
Segunda Turma, DJe-176 Divulg 17-09-2009 Public 18-09-2009 Ement
VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-513).
3. A denúncia, segundo a mais atualizada doutrina, deve cumprir, prima
facie, duas funções essenciais: (a) em primeiro lugar, cumpre a função de
informação (Informationsfunktion), mediante a qual a acusação deve
oferecer e transmitir ao acusado o adequado conhecimento da acusação
contra ele dirigida, de modo a propiciar-lhe a ampla defesa e o
contraditório, sabendo com clareza do que deve defender-se; (b) em
segundo lugar, exige-se que a denúncia cumpra a função de delimitação
(Umgrenzungsfunktion), de modo a revelar a concretização do delito,
demarcando-lhe, objetiva e subjetivamente, todas as fronteiras, permitindo
ao acusado e ao Poder Judiciário destacar o fato criminoso, com precisão

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Nº Lote: 2018112849 - 2_1 - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO N. 0002858-45.2015.4.01.3902/PA - TR17650PS


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e clareza, de todas as demais circunstâncias da vida. A acusação deve,


pois, definir e delimitar o delito imputado ao acusado com os seus
aspectos factuais (tempo, lugar e fato concreto), assim como todos os
aspectos pessoais, de tal forma que o acusado e o crimes possam ser
corretamente destacados dos demais fatos da vida e dos outros acusados.
4. Na causa em espécie, a denúncia não se desincumbiu da necessária
obrigação de descrever e delimitar, de forma concreta, com clareza e
precisão, em que teriam consistido os atos de responsabilidade do
investigado que, de alguma forma, tivessem implicado a prática de
corrupção ativa a ele imputada.
5. A peça acusatória não apresenta indícios que permitam inferir como
verdadeiros os fatos imputados aos acusados.
(...)
13. Por fim, a denúncia não aponta em nenhum momento fato que
demonstre, ainda que indiciariamente, onde, quando e como o deputado
João Bifano teria solicitado vantagem, nem muito menos como, quando e
onde iria buscar influir nos atos dos demais co-denunciados.
14. Ausentes os requisitos do art. 41 do CPP, deve a peça de acusação
ser rejeitada.
(PIMP 0069684-85.2016.4.01.0000 / DF, Rel. DESEMBARGADOR
FEDERAL NÉVITON GUEDES, SEGUNDA SEÇÃO, e-DJF1 de
21/02/2018)
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso em sentido estrito.
É como voto.

DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES


RELATOR

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