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Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da

educação na USP

Celso de Rui BeisiegelI

Resumo

O artigo fundamenta-se na participação do autor como aluno de


graduação e pós-graduação no curso de Ciências Sociais da antiga
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São
Paulo (FFCL-USP). Considera também informações e experiências
por ele acumuladas como pesquisador do Centro Regional de
Pesquisas Educacionais (CRPE) de São Paulo (a partir de 1957) e
como professor da disciplina Sociologia da Educação, após a criação
da Faculdade de Educação no âmbito da reforma universitária de
1970. Situa a importância da visão de conjunto dos problemas
colocados à disciplina no livro Sociologia educacional, concluído em
1940 por Fernando de Azevedo, e encontra em Florestan Fernandes
e, especialmente, em Antonio Candido os pontos de partida para
a investigação sistemática da educação sob uma perspectiva
sociológica. Nesse sentido, o autor apresenta os primeiros trabalhos
de Luiz Pereira, hoje clássicos na disciplina, como admiravelmente
embasados nas orientações então encontradas em seus mestres
Antonio Candido e Florestan Fernandes. Em seguida, examina
a crescente ampliação do número de pesquisadores e das bases
institucionais de promoção da pesquisa em sociologia da educação,
ampliação esta que sugere amplo elenco de questões sobre a
situação atual da investigação sociológica no campo da educação.

Palavras-chave

Sociologia da educação – Origens da pesquisa – FFCL-USP e FEUSP.

I- Universidade de São Paulo,


São Paulo, SP, Brasil.
Contato: beisieg@usp.br

Educ. Pesqui., São Paulo, Ahead of print, 2013. 1


The early period of research in sociology of
education at USP

Celso de Rui BeisiegelI

Abstract

The article draws from the author’s experience as an undergraduate


and later as a graduate student of the course on Social Sciences at
the old Faculty of Philosophy, Sciences and Letters of the University
of São Paulo (FFCL-USP). It also incorporates information and
experiences accumulated as a researcher at the Regional Center for
Education Research (CRPE) in São Paulo (from 1957 onwards) and
as a professor in the discipline of Sociology of Education after the
establishment of the Faculty of Education within the scope of the 1970
university reform. It situates the importance of the group overview
about the problems posed to this discipline by Fernando de Azevedo
in his 1940 book Sociologia Educacional (Educational Sociology),
and finds in Florestan Fernandes, and especially in Antonio Candido,
the starting points of the systematic investigation of education under
a sociological perspective. In this sense, the author describes the first
works by Luiz Pereira, today classics of the discipline, as admirably
grounded in the guidelines then found in his mentors Antonio Candido
and Florestan Fernandes. Next, the text examines the expansion in the
number of researchers and institutional support to the research in
the sociology of education, an expansion that raises a wide range of
issues on the current situation of the sociological investigation of the
field of education.

Keywords

Sociology of education – Origins of research – FFCL-USP and FEUSP.

I- Universidade de São Paulo, São Paulo,


SP, Brazil.
Contact: beisieg@usp.br

2 Educ. Pesqui., São Paulo, Ahead of print, 2013.


Apresentação

Kimi Aparecida TomizakiII

No ano de 2012, a área de Sociologia da Educação do


Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), tendo em vis-
ta adensar o debate acadêmico entre seus pesquisadores, tomou a
decisão de iniciar uma série de seminários de pesquisa sobre dife-
rentes temas a serem abordados por seus próprios docentes. Para
dar início aos debates, pareceu-nos uma excelente opção abordar
justamente o processo de constituição do campo da sociologia da
educação no Brasil, em especial, na Universidade de São Paulo.
Certamente, ninguém poderia fazê-lo melhor do que o Prof. Celso
de Rui Beisiegel – primeiro professor de Sociologia da Educação na
FEUSP, logo após sua criação –, cuja trajetória poderia estabelecer
as conexões, os encontros e os desencontros entre a consolidação
da disciplina na Faculdade de Educação e seu surgimento e desen-
volvimento na Faculdade de Filosofia da USP.
Celso de Rui Beisiegel é professor emérito da USP, foi diretor
da FEUSP e pró-reitor de graduação, além de ser autor de extensa
obra sobre sociologia da educação. Graduado em Ciências Sociais
pela USP (1958), na mesma Universidade concluiu mestrado em
Sociologia (1964), doutorado em Sociologia (1972) e livre-docên-
cia em Educação (1981). Atuou na Secretaria de Educação e no
Conselho Estadual de Saúde do Estado de São Paulo, bem como no
Ministério da Educação e na Fundação do Livro Escolar.
Ao final do processo, o que inicialmente havia sido apenas
um convite para um seminário de pesquisa transformou-se, nas
mãos do Prof. Celso, em um belíssimo texto que analisa o surgi-
mento da disciplina Sociologia da Educação e, mais do que isso,
reflete de maneira crítica e lúcida sobre os principais impasses que
a envolvem na atualidade. Restam-nos o aprendizado e o deleite
com a experiência desse mestre.

II- Professora de Sociologia na FEUSP, junto ao


Departamento de Filosofia e Ciências da Educação
(EDF) e ao Programa de Pós-Graduação em Educação.
Contato: kimi@usp.br

Educ. Pesqui., São Paulo, Ahead of print, 2013. 3


Presentation

Kimi Aparecida TomizakiII

In 2012 the area of Sociology of Education of the Graduate


Program in Education of the Faculty of Education of the University of
São Paulo (FEUSP), with the purpose of strengthening the academic
debate among its researchers, decided to initiate a series of research
seminars on various themes to be conducted by its own faculty members.
It seemed to us an excellent choice to start the seminars by focusing
precisely on the process of constitution of the field of sociology of
education in Brazil, and more specifically at the University of São Paulo.
Clearly, no one is in a better position to do it than Professor Celso de
Rui Beisiegel – first Professor of Sociology of Education at FEUSP,
shortly after its establishment –, whose trajectory brings together the
connections, the agreements and disagreements from the inception and
early development of this discipline in the Faculty of Philosophy of USP
until its consolidation at FEUSP.
Celso de Rui Beisiegel is Professor Emeritus of USP, was Dean of
FEUSP and Adjunct Rector of Undergraduate Studies of USP, and is the
author of numerous works on the sociology of education. A graduate in
Social Sciences from USP (1958), he obtained also from USP an MA in
Sociology (1964) , a PhD in Sociology (1972), and his livre-docência
in Education (1981). He worked at the São Paulo State Secretary for
Education and at the São Paulo State Health Council, as well as at the
Ministry for Education and in the Fundação do Livro Escolar (Schoolbook
Foundation).
By the end of the process, what had started as just an invitation to
give a research seminar had been transformed at the hands of Prof. Celso
into a beautiful text analyzing the creation of the discipline of Sociology
of Education and, more than that, reflecting critically and lucidly on the
main dilemmas confronting it today. It leaves to us the learning and the
delight with the experience of this master of his discipline.

II- Assistant Professor of Sociology at


Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo, Department of Philosophy
and Sciences of Education (EDF), and
Graduate Program in Education.
Contact: kimi@usp.br

4 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP


Os primeiros tempos da tão que, sob esse parâmetro, nenhuma reflexão
pesquisa em sociologia da sobre o desenvolvimento da disciplina poderia
educação na USP ignorar os estudos de Fernando de Azevedo e
de seus primeiros assistentes, Antonio Candido
Apresento, em seguida, algumas infor- e Florestan Fernandes. Certamente se definem,
mações e reflexões registradas a fim de atender já aqui, uma lacuna e um amplo elenco de te-
ao convite das professoras Flávia Schilling e mas para investigações sobre a influência dos
Kimi Tomizaki para iniciar uma série de diálo- professores estrangeiros contratados no pro-
gos sobre a pesquisa em sociologia da educação cesso de constituição da Faculdade de Filosofia
na Faculdade de Educação da Universidade de ou mesmo na formação de outras escolas tra-
São Paulo (FEUSP). Começo pela delimitação dicionais, então envolvidas na criação da
da abrangência destas observações. Não rea- Universidade de São Paulo. Convém observar
lizei pesquisas sistemáticas sobre o objeto da ainda que, no processo de fundamentação de
exposição. Apresento somente resultados de posições, teóricas ou práticas, muitos de nos-
impressões colhidas ao longo de minha pas- sos antecessores atuaram como importantes
sagem pela Faculdade de Filosofia, Ciências precursores da pesquisa no campo das ciências
e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL- da educação, aí incluída a sociologia da edu-
USP) e pela Divisão de Estudos Sociais do cação. O Inquérito sobre a educação pública,
Centro Regional de Pesquisas Educacionais de realizado em 1926 por Fernando de Azevedo
São Paulo, nas décadas de 1950 e 1960. Fui alu- para o jornal O Estado de São Paulo, é um bom
no de Fernando de Azevedo, Antonio Candido exemplo de investigação conduzida com vistas
e Florestan Fernandes no curso de graduação à formulação e à defesa de propostas de inter-
em Ciências Sociais. Durante algum tempo, venção na política educacional. Outro exemplo
trabalhei como pesquisador junto ao Centro de é o Serviço de Medidas Educacionais criado
Sociologia Industrial e do Trabalho (CESIT), na por Lourenço Filho na administração do ensi-
Cadeira de Sociologia I, e depois colaborei com no do Estado de São Paulo nos primeiros anos
Florestan Fernandes no ensino de disciplinas de da década de 1930. Logo em seguida, em 1937
sociologia da educação em cursos ministrados e 1938, enquanto figura central nas iniciativas
no Centro Regional de Pesquisas Educacionais do Ministério de Educação e Saúde no Governo
de São Paulo, nos primeiros anos da década de da União, Lourenço Filho participou das gestões
1960. Acompanhei as andanças de Florestan voltadas para a criação do INEP (Decreto_Lei
Fernandes na Campanha de Defesa da Escola nº 580, de 30 de julho de 1938). Subdividido
Pública e participei de atividades de pesquisa nas seções de documentação e intercâmbio, de
de Luiz Pereira na elaboração de seus estudos inquéritos e pesquisas, de psicologia aplicada e
de mestrado e doutorado. Conversei com alguns de orientação e seleção profissional, o órgão foi
colegas sobre os estudos de sociologia educa- importante precursor da institucionalização da
cional nos primeiros tempos de seu ensino no pesquisa educacional no país. Há muitos outros
curso de Pedagogia da antiga FFCL. exemplos nessa mesma direção. Mas, naqueles
Há algum tempo, diante de uma pergun- primeiros tempos, nos estudos abrangidos no
ta sobre os principais marcos de nossa discipli- campo da sociologia da educação, seguramente
na, afirmei ser difícil responder a uma questão não havia uma tradição de trabalhos que pu-
formulada assim, de modo tão amplo. Para es- dessem ser identificados como integrantes de
treitar o campo de inevitáveis esquecimentos ou uma prática sistemática de pesquisa científica.
injustiças, em resposta à questão, tomei como Qualquer reflexão sobre as origens da
ponto de partida os primeiros tempos dos traba- pesquisa em sociologia da educação entre nós
lhos da disciplina na FFCL da USP. Afirmei en- deve considerar os trabalhos de Fernando de

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Azevedo, Antonio Candido, Florestan Fernandes da década de 1950, Antonio Candido publicou
e Luiz Pereira. Por seus estudos sobre a contri- o estudo intitulado As diferenças entre o cam-
buição de Mannheim para a análise sociológica po e cidade e seu significado para a educação
da educação e, depois, sobre os estudantes e a (SOUZA, 1957) e o artigo A estrutura da escola
transformação da realidade, bem como pelo tra- (SOUZA, 1964). As preocupações metodológi-
balho na organização da coletânea de leituras cas de Florestan e as orientações presentes nes-
Educação e sociedade (PEREIRA; FORACCHI, ses estudos de Antonio Candido constituem-se
1964), seria justo mencionar também Marialice em espinha dorsal dos primeiros trabalhos de
Mencarini Foracchi. Outros nomes poderiam ser Luiz Pereira. Embora editada alguns anos de-
acrescentados, mas, pelo menos sob meu ponto pois, a coletânea Educação e sociedade, orga-
de vista, sem igual contribuição para a confor- nizada por Luiz Pereira e Marialice Mencarini
mação inicial dos estudos na área. Foracchi, oferece ampla visão de conjunto so-
O livro Sociologia educacional (AZEVEDO, bre questões então focalizadas no ensino e na
1954), concluído em 1940 por Fernando de pesquisa na disciplina.
Azevedo, é um dos marcos significativos na Algumas lembranças de meus primei-
afirmação da disciplina. Embora a obra já es- ros anos na graduação em Ciências Sociais
teja quase esquecida, a qualidade de suas dis- ajudam a conduzir essas reflexões. Ainda não
sertações, os desafios apresentados aos leitores, era o tempo dos estudos em profundidade so-
a bibliografia e a sistematização das questões bre O capital, de Marx, iniciados após impor-
envolvidas no estudo sociológico da educação tante seminário realizado por Gianotti, Bento
merecem a atenção dos pesquisadores. No início Prado, Fernando Henrique Cardoso, Octavio
de sua atividade docente e de pesquisa na FFCL Ianni, Paul Singer, Roberto Schwarz, Weffort,
da USP, Florestan Fernandes não cuidava espe- Fernando Novaes e outros notáveis professo-
cificamente das questões da educação escolar. É res da Universidade. Logo no semestre inicial
bem verdade que em suas pesquisas sobre os tu- de meu primeiro ano no curso, em 1955, Ruy
pinambás encontram-se importantes contribui- Galvão de Andrada Coelho apresentou-nos
ções para o estudo da educação em sociedades o livro La vocacion actual de la sociologia,
primitivas. Ele também participou nas discus- de Georges Gurvitch. Em seguida, com Maria
sões sobre o ensino da sociologia e envolveu-se Isaura Pereira de Queiroz, lemos Crítica da eco-
nos debates concernentes à criação dos centros nomia política, de Marx, em edição de 1946
de pesquisa educacional do INEP, examinando- da Editora Flama, com tradução e introdu-
-os sob a perspectiva da intervenção na rea- ção de Florestan Fernandes (1975). Circulava
lidade social do país. Nessa etapa, porém, sua entre nós a edição doméstica preparada por
principal contribuição para a conformação de Aziz Simão (FERNANDES, 1954) das aulas de
nosso campo de estudos estava na insistência Florestan sobre os problemas da indução na
sobre a necessidade de se compreender a so- sociologia. Nas diversas disciplinas de socio-
ciologia, aí incluída a sociologia da educação, logia, antropologia, política, economia polí-
como ciência a ser rigorosamente construída a tica, além de outras, éramos introduzidos aos
partir da metodologia científica. Com Florestan, estudos dos principais autores da sociologia
o discurso anterior sobre questões da educação na Europa e também nos Estados Unidos:
caminhava inequivocamente para a investi- Marx, Max Weber, Durkheim, Mannheim,
gação sociológica empírica das realidades no Wright Mills, Znaniecki, entre muitos ou-
campo educacional. Naturalmente, a investi- tros. Esse equipamento intelectual marcava
gação empírica não prescindia da orientação as perspectivas de investigação sobre escola e
teórica sobre o que, por que e como pesquisar sociedade nos primeiros estudos de sociologia
nas realidades sociais na educação. Nos meados da educação.

6 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP


Ampliação dos recursos e pesquisa científica voltada para a re-
institucionais da pesquisa em construção educacional do país.
sociologia da educação
A autora também afirma que, ao justifi-
Como será exposto logo em seguida, carem seus projetos de pesquisa, os pesquisado-
os primeiros estudos aqui mencionados foram res do Centro
produzidos no âmbito da disciplina Sociologia
Educacional, ministrada por professores da [...] sempre enfatizavam o caráter científico
Cadeira de Sociologia aos alunos de graduação de suas proposições, procurando estabelecer
em Pedagogia. Já os primeiros estudos de Luiz critérios considerados cientificamente váli-
Pereira e o próprio comprometimento maior de dos através do estudo das teorias psico-peda-
Florestan Fernandes com as questões da edu- gógicas e sociológicas em uso no meio aca-
cação escolar evocam um quadro institucional dêmico da época. Essa característica fez com
mais amplo, no âmbito da cooperação que en- que alguns trabalhos de pesquisa do Centro
tão se estabelecia entre departamentos da FFCL servissem de ponto de partida para teses aca-
da USP e o INEP, do Ministério da Educação. dêmicas que se desenvolveriam mais tarde,
O Centro Regional de Pesquisas na USP. Os trabalhos de Luiz Pereira são um
Educacionais de São Paulo (CRPE/SP) foi cria- exemplo. (FERREIRA, 2001, p. 158)
do em 1956, como parte de um ambicioso pro-
jeto de Anísio Teixeira com a intenção explí- Mas, a esse respeito, é importante obser-
cita de colocar as ciências sociais a serviço da var que os trabalhos iniciados no período aten-
reconstrução educacional do país. Além de um diam a orientações propostas por Anísio Teixeira
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais para a pesquisa educacional na instituição.
(CBPE), foram criados cinco centros regionais, O CRPE/SP contribuiu em muitos senti-
nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, dos para a expansão da pesquisa educacional:
Minas Gerais, Bahia e Pernambuco (FERREIRA, intensificou as relações entre os pesquisado-
2001). O Centro de São Paulo foi instalado res de São Paulo e de outros estados, sobre-
mediante convênio celebrado entre o INEP e tudo aqueles igualmente contemplados com a
a USP, representada pelos departamentos de instalação dos centros regionais de pesquisa,
Pedagogia, Sociologia e Antropologia da FFCL. ampliou o campo de atuação de intelectuais e
No âmbito do convênio, competia aos departa- pesquisadores já então vinculados ao campo
mentos a indicação do diretor e dos membros educacional e, ao mesmo tempo, foi importante
do Conselho Administrativo. Na prática, quase canal de inserção das questões da educação en-
todos os pesquisadores eram ou haviam sido tre os pesquisadores de outros departamentos da
vinculados à Faculdade de Filosofia. Sob a Universidade. Um bom exemplo dessa afirma-
perspectiva dos agentes e das instituições en- ção está no próprio envolvimento de Florestan
tão envolvidas, o Centro podia ser visto como Fernandes com as questões da educação, expli-
uma extensão da Faculdade de Filosofia. Nesse cável em grande parte pela intensa participação
sentido, Márcia dos Santos Ferreira (2001, p. do sociólogo nas discussões que precederam a
158) observa que criação dos centros de pesquisa educacional.
Os trabalhos apresentados no Simpósio sobre
Florestan Fernandes, em um depoimento Problemas Educacionais Brasileiros também
em que faz referência à criação do CRPE/ exemplificam a afirmação: envolveu-se na dis-
SP, afirma que o Centro “suplementou” a cussão sobre a educação e seus problemas na
Faculdade de Filosofia e a Universidade sociedade brasileira um expressivo contingen-
nas áreas de atualização de professores te de intelectuais da Universidade (FERREIRA,

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2001). Naturalmente, nem todos os temas tra- da ideologia do desenvolvimento nacional, o
balhados incluíam-se numa sociologia educa- grupo de intelectuais reunidos no ISEB exerceu
cional, mas o evento atraiu a atenção de in- papel significativo em estudos realizados no
vestigadores de áreas diversas para a reflexão campo educacional. Além de sua influência nos
sobre questões de alguma forma pertinentes à debates sobre a educação, o Instituto promoveu
investigação sociológica na educação (VIDAL, a edição de livros como Ideologia e desenvolvi-
2000). Cabe ainda observar que, por ser ini- mento nacional (PINTO, 1956), Introdução aos
cialmente constituído por jovens, quase todos problemas do Brasil (RAMOS, 1956), A redu-
recém-egressos ou ainda estudantes dos cur- ção sociológica (RAMOS, 1958) e Educação não
sos de graduação em Pedagogia, Filosofia e é privilégio (TEIXEIRA, 1957). As construções
Ciências Sociais da FFCL, o CRPE funcionou de Vieira Pinto nessa publicação deram impor-
como campo de formação e posterior recru- tante contribuição aos primeiros ensaios de sis-
tamento de pesquisadores para outras escolas tematização das ideias de Paulo Freire. Nesse
de ensino superior na área educacional. Em final dos anos 1950, a intensa interlocução de
1962, o chefe do Departamento de Pedagogia Paulo Freire com as análises de intelectuais do
da FFCL, Laerte Ramos de Carvalho, assumiu Instituto, especialmente Viera Pinto, Guerreiro
concomitantemente a direção do CRPE/SP e, Ramos, Corbusier e Jaguaribe, chegou a identi-
em seguida, promoveu a mudança do curso de ficá-lo, em alguns círculos, como um educador
Pedagogia para as instalações do Centro, na isebiano (PAIVA, 1973, 1980).
Cidade Universitária. A partir daí ampliou-se a A partir dos anos 1970, a Fundação Carlos
colaboração entre as duas unidades: pesquisa- Chagas expandiu suas atividades no campo da
dores do CRPE foram recrutados por diversos pesquisa educacional: ampliou consideravel-
setores do Departamento de Pedagogia; pro- mente as atividades de prestação de serviços na
fessores do Departamento passaram a atuar em avaliação e na pesquisa, além de reunir um im-
atividades das divisões de pesquisa e de aper- portante grupo de intelectuais e pesquisadores,
feiçoamento do magistério do CRPE; ativida- alguns com passagem anterior ou concomitante
des e relações institucionais antes restritas à na USP, outros contratados posteriormente pela
atuação do CRPE estenderam-se naturalmente USP ou por outras universidades.1 Certamente,
aos âmbitos de atuação do pessoal dos departa- a inclusão da FCC e, sobretudo, do ISEB entre
mentos envolvidos. Alguns estudos importan- os recursos que possibilitaram a expansão da
tes datam desse período de maior colaboração pesquisa em sociologia da educação é aceitá-
institucional. Encontra-se um bom exemplo vel só até certo ponto, pois a própria natureza
disso nos estudos Educação e desenvolvimento dessas instituições dificulta a classificação de
(HAVIGHURST; GOUVEIA, 1969) e Ensino mé- seus trabalhos em um ou outro dos escaninhos
dio e estrutura socioeconômica (DIAS, 1967). O disciplinares vigentes no ensino universitário.
posterior ingresso de Aparecida Joly Gouveia Seus trabalhos, porém, enriqueceram o conhe-
na Cadeira de Sociologia II do Departamento de cimento disponível sobre a escola e a sociedade.
Ciências Sociais da FFCL contribuiu para essa A expansão do ensino superior am-
ampliação dos recursos da pesquisa em sociolo- pliou a base institucional de produção da
gia da educação na USP. pesquisa em sociologia da educação. Aos tra-
Outras instituições colaboraram para a balhos inicialmente limitados às faculdades
ampliação e a diversificação dos estudos no cam- de filosofia da capital, especialmente na USP,
po da educação, aí incluída a sociologia da edu-
cação. Em 1955 foi criado o Instituto Superior 1- Mais diretamente vinculados ao campo destas reflexões estão, entre
outros, Lólio Lourenço de Oliveira, Vitor Henrique Paro, Maria Helena Souza
de Estudos Brasileiros (ISEB). No desempenho Patto, Marta Kohl de Oliveira, Claudia Vianna, Guiomar Namo de Mello,
de seu compromisso explícito com a elaboração Teresa Neubauer da Silva, Celso João Ferretti.

8 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP


na Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) Cabe observar que, ao longo das últi-
e em suas instituições complementares, acres- mas décadas, a demarcação de áreas de estudos
centaram-se os estudos dos pesquisadores das pelas respectivas disciplinas foi penetrada por
faculdades de filosofia, ciências e letras pro- recortes alternativos motivados, entre outros
gressivamente instaladas no interior paulista a fatores, especialmente pelas exigências inter-
partir da segunda metade da década de 1950. É disciplinares dos processos de intervenção na
importante incluir neste item também a criação realidade educacional.
da Universidade Nacional de Brasília (UnB), no
Distrito Federal. Na sequência da interação es- Os primeiros trabalhos
tabelecida entre o CBPE e os centros regionais,
Darcy Ribeiro procurou levar pesquisadores de O ensaio de Antonio Candido sobre As
São Paulo para o corpo docente da Faculdade de diferenças entre o campo e cidade e o seu sig-
Educação que então se constituía na UnB. Após nificado para a educação remete à tese intitu-
convite não atendido por Luiz Pereira, uma lada Contribuição ao estudo de problemas do
das vagas disponíveis foi ocupada por Perseu ensino rural, apresentada em colaboração com
Abramo, ex-pesquisador do CRPE. Um pouco José Querino Ribeiro (1952) ao IV Congresso
depois, com a criação da Universidade Estadual Normalista de Educação Rural, realizado em
de Campinas (UNICAMP), as possibilidades de São Carlos, em 1951. Em sua versão mais elabo-
estudos e pesquisas em sociologia da educação rada, o texto foi publicado em 1957 no primei-
foram significativamente ampliadas. Deve-se ro número da revista Pesquisa e Planejamento,
registrar, ainda, os trabalhos efetuados por so- do Centro Regional de Pesquisas Educacionais
ciólogos na Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP). de São Paulo. Fundamentava-se, entre outros
No âmbito das mudanças observadas nos estudos, em A ideologia alemã, de Marx, em
recursos institucionais da realização de pesquisas L’homme des révolutions politiques et sociales,
em sociologia da educação é preciso mencionar de Lefebvre, bem como em análises de Sorokin,
a reforma da USP em 1970, com a criação da Zimmerman e Galpin sobre sociologia rural e
Faculdade de Educação. A disciplina Sociologia urbana (SOUZA, 1957).
da Educação do curso de Pedagogia passou a ser O ensaio começa por afirmar que o
ministrada por docentes da nova unidade, reser- século XX, ao contrário dos antecedentes,
vando-se para a Faculdade de Filosofia, Letras e aceitava as contradições da vida em sociedade.
Ciências Humanas somente um semestre de estu-
dos em Sociologia Geral. Posteriormente, mesmo Hoje sabemos que nem a natureza é um
esse semestre foi transferido para a Faculdade de sistema harmônico, nem o homem pode
Educação. Tal ampliação das atribuições na gra- esposar as supostas harmonias para se
duação, somada às novas exigências dos cursos de tornar um ser magicamente adequado ao
pós-graduação, explicam o progressivo aumento meio, à sociedade, aos outros homens e a
do quadro de docentes da disciplina, bem como si mesmo. (SOUZA, 1957, p. 52)
a diversificação e o aprofundamento dos estudos
no interior da área. Situação semelhante ocor- Era necessário dar ao educador a cons-
reu com outros setores da Faculdade, igualmente ciência de uma realidade marcada por rupturas
marcados pela expansão do quadro de professores e contradições, diferente do que afirmavam as
e pela diversificação dos trabalhos. Atualmente, teorias assentadas na visão de uma harmonia
encontram-se em diferentes setores da Faculdade fundamental do mundo da natureza e de sua
pesquisadores com formação em Ciências Sociais extensão ao mundo das normas. O processo
realizando estudos e pesquisas perfeitamente en- educativo não seria a promoção de um en-
quadráveis na área da sociologia da educação. contro feliz entre a natureza harmoniosa e a

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razão dócil ao seu ensinamento. Era perigoso crescente diferenciação dos meios de produção
desconhecer desarmonias, algumas ligadas à e das necessidades. Ao definir as condições de
constituição biológica dos indivíduos, outras desigualdade na repartição social dos bens e
definidas segundo as normas da vida em socie- serviços, a propriedade privada explicaria a di-
dade: como exemplos, Antonio Candido apon- cotomia entre campo e cidade: no sentido ver-
ta o choque entre a idade em que é necessário tical, ao longo das diferenças de classe; e no
estudar e os interesses que então predominam sentido da cultura, considerando-se os tipos de
entre os estudantes, bem como a tensão entre ocupação do solo.
as gerações e a necessidade de hierarquia na es-
cola. Ele observa que, segundo Lefebvre, seriam Sem falar nas consequências espirituais,
três as desigualdades fundamentais no mundo manifestas na forte diferença entre o ha-
moderno: entre o homem e a mulher; entre as bitante da cidade, potencialmente apto a
classes sociais (pobres e ricos); entre o citadino aproveitar imediatamente os benefícios da
e o camponês. Em seguida, identifica nessa últi- civilização e o do campo voltado para for-
ma uma das desarmonias da sociedade moderna mas retrógradas de cultura pelo isolamento
que necessariamente envolvem a educação: e a tradição. (SOUZA, 1957, p. 57-58)

[...] notadamente a oposição entre campo e Definem-se dois modos diferentes e con-
cidade como universos culturais e sociais traditórios de participação na vida cultural e
diferentes, gerando dois tipos contraditórios social. A sociedade brasileira apresentava for-
de existência e repercutindo na esfera edu- te oposição entre a vida rural e a vida urbana.
cacional. (SOUZA, 1957, p. 55) Essa polaridade era afirmada em termos tipoló-
gicos, pois, na realidade, ocorria a interpenetra-
Antonio Candido atribui a Marx, em A ção de aspectos da vida rural nas cidades e uma
ideologia alemã, a formulação moderna desse crescente penetração do urbano na vida rural.
problema nos termos do desenvolvimento téc- Entretanto, o progresso técnico e as modifica-
nico e dos recursos da análise social. ções em curso na estrutura social indicavam a
possibilidade de superar, em grande parte, essa
A oposição entre cidade e campo só pode oposição devido à supressão relativa de um dos
existir no quadro da propriedade privada. termos. O crescente deslocamento de habitan-
É a mais grosseira expressão da subordina- tes do campo para as cidades e a progressiva
ção do indivíduo à divisão do trabalho e a difusão de técnicas e modos de vida urbanos
uma atividade que lhe é imposta, uma su- nas áreas rurais favorecia essa possibilidade
bordinação que de um faz um animal limi- de futuro. O estudo apontava para o irresis-
tado da cidade; do outro, um animal limi- tível sentido da urbanização e a consequente
tado do campo, reproduzindo diariamente supressão do rural. Não se tratava, porém, de
a oposição de seus interesses. (SOUZA, uma supressão enquanto vida no campo, mas
1957, p. 56-57) de uma progressiva eliminação de formas rús-
ticas de vida despojada do acesso aos recursos
Acompanhando essas indicações de materiais e culturais proporcionados pela so-
Marx, ele parte da divisão social do trabalho, ciedade moderna. Havia resistências à urbani-
com a crescente especialização das ocupações e zação, expressas em movimentos ruralistas e
um tipo de ajustamento ecológico que se expri- ideologias de defesa das condições de vida no
mem na dicotomia campo-cidade como formas campo. Encontravam-se expressões dessas ide-
diferentes de ocupação do meio e distribuição ologias em posições defendidas para o ensino
dos grupos no espaço, caracterizadas por uma rural, por exemplo, em propostas de formação

10 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP


específica do professor rural, vinculado à vida Encontram-se aí, nessa atuação dos poderes
rural e comprometido com a busca de melhor públicos, os principais fatores de similaridade
ajustamento dos trabalhadores ao meio. O autor entre as escolas de um mesmo tipo em todo
concluía perguntando aos educadores em qual o território nacional. Assim, sob a perspectiva
sentido entendiam que deveria encaminhar-se a da racionalidade instituída pelo legislador, to-
educação do homem do campo. das as escolas de um mesmo tipo poderiam ser
O ensaio é admirável e tem contribuições vistas como semelhantes. Essa identidade seria
significativas em muitos sentidos. Uma delas ainda reforçada pelas similaridades da própria
será objeto de análise nas observações a propósi- vida social e pelas tendências comuns da so-
to da comunicação apresentada por Luiz Pereira ciabilidade infantil e juvenil. Mas, enquanto
no Simpósio sobre Problemas Educacionais produto da cooperação de seus membros, cada
Brasileiros, promovido pelo Centro Regional de grupo social escolar tem na própria dinâmica
Pesquisas Educacionais de São Paulo. interna os fatores de possibilidade de sua dife-
O outro artigo já mencionado de renciação: “A sua dinâmica interna dá lugar a
Antonio Candido sobre A estrutura da escola formações específicas, mantidas por um siste-
também resultava do esforço de contribuição ma de normas e valores também internamente
do sociólogo para os trabalhos do educador. O desenvolvidos” (SOUZA, 1964, p. 109).
texto começava por assinalar a existência de O estudo da estrutura social da escola
duas ordens diversas de normas de comporta- deveria começar pela observação da sociabili-
mento na escola. dade interna do agrupamento. Mas não basta-
va “estudar o desenvolvimento da sociabilida-
A estrutura administrativa de uma escola de, desde a formação do sentido do real, até
exprime a sua organização no plano cons- a aquisição de hábitos necessários à vida em
ciente, e corresponde a uma ordenação sociedade”; era
racional, deliberada pelo Poder Público. A
estrutura total de uma escola é todavia algo [...] preciso dar atenção ao que há de
mais amplo, compreendendo não apenas as específico na sociabilidade da criança e do
relações ordenadas conscientemente mas, adolescente em face do adulto; aos tipos
ainda, as que derivam da sua existência en- de agrupamento por eles desenvolvidos;
quanto grupo social. (SOUZA, 1964, p. 107) ao mecanismo de seleção dos líderes; ao
conflito com os padrões sociais impostos
Embora deva sua existência à coopera- pela educação, etc. (SOUZA, 1964, p. 110)
ção de seus membros, àqueles que aprendem
e aos que ensinam, enquanto grupo social Local de acomodação de tensões, espe-
instituído,2 a escola tem suas funções coleti- cialmente entre os imaturos e os membros adul-
vas e posições ao menos parcialmente insti- tos (professores e administradores) representan-
tucionalizadas por outros grupos sociais. Os tes dos padrões de conduta e expectativas da
instituidores (associações religiosas, empresas, sociedade, a escola constituiria um ambiente
agentes particulares em geral, entidades públi- social peculiar: era evidente que as relações en-
cas) estabelecem normas com vistas a adequar tre uma ordenação racional e uma população
a atuação das escolas aos seus interesses e às imatura com problemas específicos de conduta
suas finalidades. Antonio Candido adverte que, resultariam em diversificação de atitudes, com-
no Brasil, sobre todas as normas prevalecem portamentos, valores. A própria interação entre
as que foram estabelecidas pela legislação. seus diferentes segmentos constituía-se em um
2 - Antonio Candido remete ao conceito de grupo social instituído na obra dos fatores de possibilidade de diferenciação
de Znaniecki (1947). entre os grupos sociais escolares.

Educ. Pesqui., São Paulo, Ahead of print, 2013. 11


Apresentadas essas diretrizes para o es- Florestan Fernandes, assumiu a regência
tudo da estrutura da escola, o texto avançava da cadeira de Sociologia e Fundamentos
em seguida para a análise dos subgrupos iden- Sociológicos da Educação da Faculdade
tificáveis em seu interior e dos mecanismos de Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de
sustentação dos agrupamentos. Propunha o Araraquara. Em abril de 1963, transferiu-
estudo das formas e características dos agru- se para a cadeira de Sociologia I da FFCL
pamentos por idade, sexo, associações espon- da USP. (FÁVERO, 2002, p. 731)
tâneas, status e, enfim, por grupos de ensino,
o elemento central na realização das principais É importante registrar que, logo no iní-
finalidades declaradas da escola. Na sequên- cio de sua vida profissional, lecionou durante
cia, traçavam-se questões relevantes ao estudo cerca de um ano numa escola primária da peri-
dos elementos de sustentação dos agrupamen- feria do município de Santo André, na Grande
tos: a liderança exercida pelo educador e pelo São Paulo. Essa experiência teria participação
educando; as normas de conduta que regem o decisiva em seus trabalhos de pós-graduação,
comportamento do educador e as que regem o pois serviu como pesquisa exploratória no de-
comportamento do educando; o elenco de san- senvolvimento da investigação que apresentou
ções administrativas, pedagógicas e grupais; ao final dos estudos de especialização, em 1960,
e os símbolos, que completam o conjunto de e na tese de doutorado, defendida em 1961.
elementos favoráveis à coesão do grupo so- O conhecimento proporcionado pela
cial. No seu todo, o artigo realmente oferecia vivência da escola normal onde concluiu
aos estudantes um roteiro seguro e fecundo de os estudos secundários e as atividades pro-
orientação das investigações sobre a estrutura e fissionais na escola primária estadual em
o funcionamento dos grupos sociais escolares. Santo André, bem como as orientações en-
Assim como o anterior, A estrutura da escola contradas em Antonio Candido e Florestan
também foi um texto decisivo na condução das Fernandes, estão evidentes nos trabalhos pro-
primeiras investigações de Luiz Pereira na so- duzidos por Luiz Pereira nesses primeiros tem-
ciologia da educação. pos de pesquisador.
Convém iniciar o exame dessas evidên-
Os estudos de Luiz Pereira cias pelo estudo sobre Rendimento e deficiên-
cias do ensino primário brasileiro (PEREIRA,
Luiz Pereira foi aluno do curso de gra- 1968) relatado por Luiz Pereira no Simpósio
duação em Pedagogia da FFCL da USP entre sobre Problemas Educacionais Brasileiros.3 Na
1952 e 1955. versão original da comunicação, ele organizou
as informações disponíveis sobre evasão esco-
Iniciou suas atividades profissionais lar e reprovação no Estado de São Paulo, no
como professor de sociologia, história período de 1935 a 1955, discriminando-as pela
da educação, educação social e cívica localização das escolas segundo áreas urbanas,
e história da civilização brasileira em rurais e distritais. A evasão escolar e a reprova-
escolas normais particulares na cidade de ção, entendidas como expressão de deficiências
São Paulo. Entre agosto de1957 e maio de no rendimento do ensino, eram bem maiores no
1959, foi assistente de pesquisa no Centro campo do que nas cidades. Os distritos, peque-
Regional de Pesquisas Educacionais de nos agrupamentos urbanos, em geral vincula-
São Paulo. Em 1958, iniciou o curso de dos ao meio rural, apareciam em posição inter-
especialização (mestrado) em sociologia,
3- O Simpósio sobre Problemas Educacionais Brasileiros foi um encontro
sob a orientação de Florestan Fernandes. de intelectuais e educadores organizado por Fernando de Azevedo e
Em maio de 1959, por indicação de presidido por Anísio Teixeira no CRPE/SP, em setembro de 1959.

12 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP


mediária. Tratava-se, em seguida, de explicar normais também padronizadas, na programa-
o melhor desempenho diferencial das escolas ção dos conteúdos, no material didático, na
primárias nas cidades, nos distritos e no campo. própria organização das atividades escolares.
Em fiel cumprimento do roteiro reco- Se as variáveis intraescolares eram em grande
mendado por Antonio Candido, o estudo co- parte semelhantes, as diferenças de rendimen-
meça pelo exame da escola como grupo social to deveriam ser buscadas na maior ou menor
internamente diferenciado em subgrupos, com variação das denominadas variáveis extraes-
especial atenção ao subgrupo de ensino. Aí, colares ou, mais precisamente, no maior ou
enquanto grupo social instituído, no exercício menor grau de integração entre as variáveis
da função explícita do ensino primário, pro- intraescolares e as extraescolares.
fessores e alunos atuam como comunicadores As deficiências de rendimento do ensi-
e receptores de determinada parte da herança no primário definiam-se, nesses termos, como
sociocultural, composta pelas técnicas elemen- um problema social, como um estado de tensão
tares da leitura, da escrita e do cálculo, bem interna entre forças contrárias: fundamental-
como por elementos da chamada cultura geral mente, o choque de forças urbanas com as con-
– ciências físicas, higiene, história, preceitos e dições não urbanas de vida econômica, social
valores morais e cívicos, artes etc. Esse conte- e cultural das comunidades rurais e urbanas,
údo cultural seria parte bem como das camadas citadinas inferiores.
Impunha-se atentar para o caráter inevitável
[...] do patrimônio cultural de camadas dessa oposição. Com maior ou menor rapidez e
citadinas sócio-econômicas não inferio- intensidade nas diferentes regiões, a sociedade
res, em estreita ligação com um estilo caminhava inevitavelmente para a urbanização,
urbano de vida, vivido especialmente por com a progressiva extinção do rural enquanto
tais camadas. modalidade rústica de vida. Mas, na época, a
população não urbanizada ou semiurbanizada
Nesse processo, ao mesmo tempo, ainda ultrapassava em muito a urbanizada. A
realizaria também sua função implícita, expansão da rede de ensino primário estaria
pois, ao transmitir os conteúdos de um estilo alcançando crescentes segmentos de imaturos
urbano de vida, o subgrupo funcionaria, nas dos meios rústicos e semiurbanos, reduzindo
comunidades rurais e semirrurais, como agência relativamente a participação dos alunos pro-
de desintegração de um estilo rústico de vida, cedentes dos meios socioculturais das camadas
como agência de urbanização. Essa relação médias e superiores das cidades. Ampliava-se,
estende-se também aos imensos contingentes por conseguinte, o impacto da função urbani-
da população rural deslocados para as periferias zadora no funcionamento da escola.
urbanas em busca de empregos e melhores A fundamentação desse estudo nos tra-
condições de vida. balhos de Antonio Candido é evidente. Em am-
A atuação do poder público na padro- bos há a intenção de situar a pesquisa socioló-
nização da estrutura e do funcionamento das gica como subsídio para a atuação do educador.
escolas primárias está subjacente a toda a Tudo o que ocorre no processo educativo – no
análise. A atuação das escolas seria muito se- interior da escola e de seus agrupamentos, nas
melhante em todos os meios devido às orien- práticas educativas e nas superestruturas ide-
tações padronizadoras expressas não somente ológicas – é examinado sob a perspectiva da
nos conteúdos urbanos do setor do patrimô- dinâmica da sociedade mais ampla. Ambos fo-
nio sociocultural transmitido, mas também calizam, com especial atenção, as contradições
nas origens socioeconômicas dos candidatos da sociedade e suas decorrências para o pro-
ao magistério, em sua formação em escolas cesso educativo. Luiz Pereira acolhe as análises

Educ. Pesqui., São Paulo, Ahead of print, 2013. 13


de Antonio Candido sobre as implicações das E convém atentar também para outro as-
diferenças entre a cidade e o campo para a edu- pecto valorizado nas observações do professor
cação. A invasão do rural pelos estilos de vida orientador:
dos setores urbanos dominantes fundamenta
sua explicação das deficiências do rendimento [...] sua contribuição toma como unidade
escolar entre as populações rústicas. de investigação uma comunidade ope-
Essa mesma adesão às análises e orien- rária de áreas altamente industrializadas
tações de Antonio Candido está presente na do país. Podemos, por isso, contar com
monografia A escola numa área metropolitana um sistema de referência empírica e prá-
(PEREIRA, 1967), apresentada como requisi- tica muito produtivo. Como opera a esco-
to à conclusão do curso de especialização em la primária num bairro proletário? Como
Sociologia. Notam-se, aqui também, as expres- é valorizada a educação escolarizada no
sões dos estudos então realizados sob a orienta- horizonte cultural de uma população hete-
ção de Florestan Fernandes.4 Já na apresentação rogênea e em processo incipiente de clas-
da monografia, Florestan Fernandes assinala sificação profissional na sociedade indus-
que o aspecto mais importante do estudo estava trial? Quais são os obstáculos psico-sociais
no fato de e sócio-culturais que vêm impedindo, no
interior das próprias escolas, o ajustamen-
[...] traduzir uma mentalidade nova, cada to das instituições escolares às necessida-
vez mais arraigada nas preocupações dos des educacionais do meio social ambiente?
cientistas sociais brasileiros das gerações (FERNANDES, 1960, p. II)
ascendentes. Trata-se de delimitar bem um
campo de estudos e atacá-lo em profun- A monografia subdivide-se em uma in-
didade, para adquirir uma autêntica visão trodução, quatro capítulos e as considerações
científica da realidade. (PEREIRA, 1967) finais. Nessa última parte, definem-se as orien-
tações impressas pelo pesquisador ao estudo
A monografia continha uma significação da escola. Trata-se, afirma ele, de um estudo
pioneira. de sociologia da educação, esta concebida como
o estudo propriamente sociológico do campo
Luiz Pereira conseguiu, com os recursos educacional. Procurou, pois, evitar a consi-
limitados do investigador isolado, selecio- deração da vida social da escola destacada de
nar aspectos relevantes de nossa situação todo o contexto que a envolve. E mesmo esse
educacional, submetê-los a técnicas rigo- envoltório local – a área servida pela escola
rosas de observação e análise, e explicá- e a comunidade metropolitana inclusiva – foi
-las à luz da teoria sociológica. Com isso examinado em termos de algumas transforma-
ofereceu-nos uma contribuição que faz da ções atuais da comunidade nacional brasileira.
sociologia educacional uma disciplina em- Citando Florestan Fernandes, Luiz Pereira afir-
pírica e que nos permite confiar com outro ma, ainda, que:
espírito na contribuição que os sociólogos
podem dar, seja ao conhecimento positi- [...] na tentativa de integrar os resultados
vo da situação educacional brasileira, seja desta pesquisa no sistema conceptual da
aos planos de reconstrução educacional. sociologia em geral e no esforço de estudar
(FERNANDES, 1960, p. II) a escola como algo inserido no contexto
mais amplo, recorreu-se ao método de
4 - Ver, especialmente, a bibliografia mobilizada por Luiz Pereira na
exposição das características da área e das orientações da população interpretação funcionalista da realidade
atendida pela escola primária. social. (PEREIRA, 1967, p. 142)

14 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP


O capítulo inicial descreve a área ocupa- escola. A participação numa camada socioeco-
da pelas famílias dos alunos que frequentam a nômica superior à dos moradores favorecia a
escola investigada. Setor periférico da Região presença desse mesmo teor de representações
Metropolitana de São Paulo, a área apresenta- entre o pessoal docente e administrativo. O sis-
-se como meio dinâmico de ajustamento de po- tema idealizado sobre as relações entre a escola
pulações migrantes do meio rural aos padrões e a área escolar articulava-se com a concepção
sociais urbanos e de formação de nova concep- da escola primária como agência missionária e
ção de vida. As características dos habitantes com as representações paternalistas dos papéis
são discriminadas por procedências, experiên- definidos por funcionários e professores. Mas
cias profissionais pregressas, novas ocupações e essas representações estariam permeadas por
perspectivas de ascensão social no meio urbano, pressões geradas nos processos de urbanização,
condições de sobrevivência na área, trabalho secularização e democratização em curso na
das mulheres e dos filhos, escolaridade e expec- região. A ruptura das expectativas tradicionais
tativas de futuro etc. O segundo capítulo, dedi- seria maior por parte dos professores e admi-
cado ao estudo da escola primária, acompanha nistradores. O quarto capítulo focaliza questões
fielmente as indicações de Antonio Candido sobre inovação pedagógica e burocratização
no artigo sobre a estrutura da escola. A vida do magistério. Observa o autor que a escola
coletiva do grupo social escolar é analisada a investigada não atende às expectativas moder-
partir da distinção entre uma ordem de relações nizadoras expressas no Regimento Interno dos
institucionalizadas e outras relações espontâne- Grupos Escolares, representando um caso par-
as geradas na sociabilidade própria dos agru- ticular de desintegração da escola tradicional,
pamentos e em boa parte vinculadas ao meio tanto na utilização do tempo, do espaço e do
exterior. A ação institucionalizadora do poder equipamento disponíveis, quanto nas concep-
público – uma atuação racional legal, explicita- ções sobre a escola como um todo e sobre os
da no regimento interno dos grupos escolares – diversos papéis de seus membros.
determina posições e papéis sociais articulados O magistério primário numa sociedade
com vistas à realização dos objetivos estabeleci- de classes (PEREIRA, 1963b) dá continuidade,
dos para o grupo social escolar. Observa-se, po- aprofunda e amplia o âmbito de questões já
rém, a persistência de concepções, motivações, examinadas ou ao menos sugeridas no trabalho
atitudes e valores tradicionais. Esses compo- anterior. Seleciona para o estudo da profissão
nentes motivam comportamentos de resistência do magistério primário algumas características
à plena racionalização burocrática do agrupa- entendidas como especialmente relevantes em
mento. O terceiro capítulo é dedicado ao estu- sua caracterização. Após um primeiro capítulo
do das relações entre a escola e a área escolar. introdutório de considerações metodológicas,
Estudam-se as representações da escola pelos o segundo capítulo voltava-se para o estudo
seus diferentes segmentos, especialmente nas do magistério como uma ocupação feminina
suas expressões na interação entre os docentes e como um dos principais recursos de acesso
e administradores da escola com os alunos e os da mulher ao mercado de trabalho. Atividade
moradores. As percepções de moradores e alu- entendida como respeitável em face dos códi-
nos sobre a escola exprimiriam representações gos de conduta tradicionais que ainda pesavam
patrimonialistas e paternalistas, que impedem a sobre o sexo feminino, com duração da jornada
visão da escola como empresa pública de ser- diária de trabalho compatível com as atribui-
viços e de seu pessoal docente-administrativo ções domésticas da mulher, o trabalho na escola
como funcionários burocráticos. O mesmo teor possibilitava acrescentar renda às famílias, em
de representações estaria presente também na geral pressionadas pelas exigências do consu-
percepção de professores e administradores da mo na sociedade urbana. O capítulo seguinte,

Educ. Pesqui., São Paulo, Ahead of print, 2013. 15


sobre formação profissional e carreira no ma- sociedade brasileira; situação social da mulher;
gistério, descreve os aspectos estruturais do ocupações e situação de trabalho profissional;
ensino público estadual de São Paulo e, a par- magistério como ocupação profissional; fun-
tir deles, analisa a situação de trabalho então ções da educação escolar; e diagnóstico da si-
oferecida aos professores primários estudados tuação escolar brasileira. Foi concluído e apre-
no município da capital. Reunindo informações sentado como tese de doutorado em Sociologia
estatísticas exaustivas à engenhosa elaboração na FFCL da USP, em 1961.
dos dados disponíveis, o capítulo descreve e O livro Educação e sociedade: leituras de
analisa a estrutura e o funcionamento do ensi- sociologia da educação foi editado em 1964. As
no normal, a origens sociais de seus alunos e os questões da educação continuariam presentes
padrões de mobilidade dos quadros do magis- em publicações posteriores: em Trabalho e de-
tério. Essa ampla visão panorâmica é aprofun- senvolvimento no Brasil, concluído em 1965; na
dada em seguida, no capítulo sobre a profissio- coletânea de textos intitulada Desenvolvimento,
nalização do magistério primário. Construída a trabalho e educação, de 1967; e em Estudos
partir de formulações teóricas de Parsons (1958) sobre o Brasil contemporâneo, de 1971. A di-
sobre orientações societárias e individualistas, e mensão educacional dos processos sociais con-
de Mills (1951) sobre modelos artesanais e pro- tinuaria presente nos trabalhos de Luiz Pereira
fissionais de trabalho, uma escala de possíveis durante toda sua atividade intelectual, mas o
aspirações relacionadas ao magistério fornece centro de suas preocupações seria deslocado,
pistas e oportunidade para fecundas reflexões primeiro, para o processo de desenvolvimento
a propósito de problemas no funcionamento do e, depois, para as diversas faces do modo de
ensino primário. Os capítulos finais, sobre o ma- produção capitalista no Brasil. Após o ingresso
gistério primário como setor das classes médias e na Cadeira de Sociologia I, em 1963, o referen-
sobre o magistério primário em São Paulo, com- cial teórico de Luiz Pereira apresenta mudan-
pletam a monografia. Apoiado nas exaustivas ças significativas. O livro Trabalho e desenvol-
análises de Wright Mills, o texto situa os profes- vimento no Brasil, publicado em dezembro de
sores primários nas novas classes médias assa- 1965, é um seguro indicador dos novos cami-
lariadas. Nessa época, os professores, na grande nhos de seu projeto intelectual. Sua produção
maioria, já pertenciam a famílias de classe mé- intelectual e os cursos de pós-graduação que
dia. Persistiam nas ocupações do magistério ministrou posteriormente confirmam as indi-
cações de mudança apontadas nesse estudo. O
[...] traços ligados à ordem senhorial e foco das preocupações do pesquisador nos tra-
tradicionalista, em vias de desaparecimento, balhos seguintes está centralizado nas questões
ao lado de outros ditados pela necessidade do desenvolvimento. Posteriores reexames da
de ajustamento à ordem social de classes situação educacional contemplam suas leituras
ainda em consolidação. (PEREIRA, 1963a, de Althusser e, sobretudo, de Gramsci.
p. 157)
Diversificação e enriquecimento
Coincidia com a formação e o desenvol- do referencial teórico
vimento da sociedade de classes acentuada de-
gradação da ocupação no magistério primário, As análises de Althusser e de Gramsci,
tanto no plano econômico quanto no social. O primeiro, e de Bourdieu, depois, tiveram pro-
estudo fundamenta-se em extensa e adequada fundas repercussões na produção acadêmica
bibliografia sobre sociedades urbano-indus- brasileira sobre educação, principalmente a
triais; estratificação socioeconômica; mudan- partir de meados da década de 1970. Outros au-
ças sociais e formação da ordem de classes na tores, sob diferentes perspectivas, contribuíram

16 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP


para o progressivo enriquecimento dos referen- Percebe-se que as perspectivas socio-
ciais teóricos da pesquisa em sociologia da edu- lógicas de investigação das realidades sociais
cação. Ampliou-se consideravelmente a relação alargaram-se e penetraram outros campos das
bibliográfica mobilizada nos estudos de socio- humanidades, inclusive o campo da educação.
logia da educação da juventude, dos direitos Como exemplo, encontram-se na FEUSP soció-
humanos, da educação popular, dos gêneros, logos atuando com notável contribuição em di-
dos movimentos sociais, dos meios de comuni- ferentes setores de todos os departamentos. Os
cação de massas e de todas as demais especiali- estreitos limites dos estudos antes demarcados
dades focalizadas pela pesquisa na área. pelas disciplinas da graduação foram progressi-
Esta rápida passagem pelos percursos re- vamente esgarçados. A ordenação das áreas de
centes de nossa disciplina sugere muitas ques- pesquisa na pós-graduação exprime bem esse
tões para discussão. processo. Fica a impressão, porém, de que al-
Acompanhando a expansão do número guns campos de questões foram quase abando-
de professores e a diversificação dos estudos, nados em nossas pesquisas: o funcionamento
aprofundou-se a tendência à especialização dos subgrupos de ensino; os padrões de intera-
da pesquisa entre os integrantes da área. Daí ção no grupo social escolar; os valores, os pro-
a sugestão de incluirmos nesta série de deba- jetos e as expectativas dos agentes que atuam
tes5 uma exposição, de cada um dos colegas, na escola etc. Parece que os caminhos abertos
sobre o histórico das respectivas especialidades por Antonio Candido e Luiz Pereira não encon-
na Faculdade de Educação, o estado dos traba- traram continuidade em nossos estudos.
lhos realizados ou em andamento nas diversas Há um bom número de anos, Luiz
modalidades temáticas e as perspectivas de de- Antonio Cunha observou que, se no passado
senvolvimento de tais estudos. A discussão e o meio universitário foi dominado por uma
as reflexões sobre as especialidades poderiam quantidade relativamente restrita de indivíduos
apontar possibilidades e implicações significa- talentosos e, em muitos casos, eruditos, na atu-
tivas para a sociologia da educação na FEUSP: alidade essa excepcionalidade de nossos ante-
entre elas, uma possível diluição da discipli- cessores estaria sendo substituída e compensada
na em estudos especializados; o progressivo (com vantagens?) por equipes de profissionais
abandono da escola e dos subgrupos de ensino com formação especializada, trabalhando em
como objetos de investigação; a dificuldade de grupos, com melhores e maiores recursos. Mas
inserção da escola e, especialmente, do proces- será que estaríamos caminhando com seguran-
so de ensino-aprendizagem nas perspectivas ça em direção ao aprofundamento das especia-
de investigação de especialistas com formação lidades e, ao mesmo tempo, a algo como uma
nas ciências sociais; as perspectivas abertas à desejável interdisciplinaridade dos estudos no
atuação interdisciplinar das diferentes especia- campo educacional? Será que nesse contexto,
lidades etc. concomitantemente à especialização, ocorreria
também algo como uma perda de identidade
5- Referência aos seminários de pesquisa organizados pela área de
Sociologia da Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da dos estudos antes seguramente identificados
FEUSP, ocasião em que o presente texto foi apresentado. como próprios da sociologia da educação?

Educ. Pesqui., São Paulo, Ahead of print, 2013. 17


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Recebido em: 11.10.2012

Aprovado em: 09.11.2012

Celso de Rui Beisiegel é professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Possui graduação
em Ciências Sociais (1958), mestrado em Sociologia (1964) e doutorado em Sociologia pela USP (1972). Também na USP,
exerceu a chefia do Departamento de Filosofia da Educação e Ciências da Educação e a diretoria da Faculdade de Educação,
além de ter sido pró-reitor de graduação entre 1990 e 1993.

Educ. Pesqui., São Paulo, Ahead of print, 2013. 19


20 Celso de Rui BEISIEGEL. Os primeiros tempos da pesquisa em sociologia da educação na USP

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