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Aula 1- Fundamentos da Psicologia da Saúde e Hospitalar

Prof.Me. André Prado e Profª.Ma. Rebeca Daneluci

Psicologia: Área de Conhecimento (Ciência) e Campo de Atuação. Influência do


Positivismo.

Brasil (1962): Regulamentação. Exclusivo ao psicólogo: “a utilização de métodos e


técnicas psicológicas com os seguintes objetivos: a) diagnóstico psicológico, b)
orientação e seleção profissional; c) orientação psicopedagógica e; d) solução de
problemas de ajustamento” (Lei número 4.119 de 27 de agosto de 1962).
Áreas: clínica, escolar e industrial. Ênfase: trabalho autônomo, individual, curativo e
voltado para uma clientela financeiramente privilegiada no acesso. (R.Silva, 1992;
Dimeinstein, 1998).

Década de 70: Crítica à Psicologia Clínica - modificação dos “modos de atendimento”


e “locais”: institutos de saúde, hospitais e postos de saúde: “consideramos a prática
psicoterápica individual fundamental e, sem dúvida, um dos pilares da Psicologia.
Entretanto, é indispensável que sua indicação seja correta...questionamos o uso
indiscriminado de tal modalidade de intervenção em determinados setores ou
contextos em que existem outros tipos de intervenção mais condizentes com as
necessidades dos indivíduos” (Castro & Bornholdt, 2004, p.57).

Década de 80: “Inserção” do Psicólogo no campo da Saúde: Hospitais (1945) e “Saúde


Mental”. Motivos desta “inserção”: a crise econômica ocorrida pela retração do
mercado liberal; a luta pela democracia da atenção psicológica. Foco: “serviços de
reabilitação”.

a) Psicologia da Saúde (SUS); Psicologia Hospitalar (Hospital Geral) e Saúde


Mental (Movimento Anti-manicomial, alas psiquiátricas, Centros e Clínicas)

Psicologia Hospitalar – Âmbito Nacional (1997- SBPH) - nível terciário de atenção.

Psicologia Hospitalar - como uma sub-especialidade da Psicologia da Saúde. (...) “tal


prática se restringe a um local específico, o que segundo Chiattone (2000) ao invés de
referenciar as atividades desenvolvidas, o próprio local se torna referência para
determinar as áreas de atuação: diagnóstico e tratamento do paciente-doente. Tradição
psicanalítica ou modelo biomédico - voltar-se para efeitos psicológicos das
enfermidades (doença) no paciente, e, posteriormente, em seus familiares, alcançando a
própria equipe de saúde. Eliminação ou redução de sintomas, ajustamento aos padrões
de normalidade.
Psicologia da Saúde - Âmbito internacional - todos os níveis de atenção. Valorização
dos fenômenos sociais no processo saúde-doença; ênfase na atenção primária. Spink
(1992): a Psicologia da Saúde surge como novo campo de saber, diferenciando-se da
Psicologia Clínica tradicional, esta última fortemente marcada pelo trabalho individual,
que acaba por desconsiderar as relações concretas e históricas.

Entretanto, a Psicologia da Saúde ainda mantém os padrões reducionistas e


individualizantes, “ainda continuamos presos em modelos que priorizam a modificação
de comportamento, mesmo quando trabalhamos sob o prisma da prevenção” (Roso,
2007, p. 80-81): “na prática, a Psicologia da Saúde tem continuado a privilegiar a
etiologia biologista, a divisão/interação corpo-mente-ambiente, em lugar de uma visão
integrada do indivíduo e o uso de variáveis psicológicas em sofisticadas, mas
reducionistas, análises estatísticas” (Traverso-Yépez, 2001, p.52).

(...) a confusão entre o que seria a área clínica, a área da saúde e também a Psicologia
Hospitalar não é somente de ordem semântica, mas também de ordem estrutural, ou
seja, estão em jogo os diferentes marcos teóricos ou concepções de base acerca do fazer
psicológico e sua inserção social. (Castro & Bornholdt, p.51,2004).

Psicologismo: identificar no indivíduo as causas do adoecimento sem considerar


condições sociais, econômicas, ambientais e de vida mais amplas, apontando a
necessidade de incentivar políticas públicas e discussões mais amplas do que somente o
atendimento individual.

 Saúde... para quem? Para todos? De que “saúde” se fala?

A Organização Mundial da Saúde (OMS) define em 1948 saúde como: “o estado de


completo bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de doença ou
enfermidade”.

Implicações:
* saúde não significa ausência de doença, possibilitando mudanças conceituais;
* saúde não se limita apenas ao corpo, dizendo respeito a mente, as emoções, as
relações sociais, a coletividade;
* existe necessidade do envolvimento de outros setores sociais e da própria economia
para que as pessoas possam de fato ter saúde;
* saúde de todos nós, além de ter um caráter individual, também envolve ações das
estruturas sociais, incluindo necessariamente as políticas públicas;

Será que é possível um completo bem-estar físico, mental e social?

Conferência Internacional sobre a Promoção da Saúde (Ottawa, 1986): conceito de


promoção de saúde.

* prevenção, não só tratamento


* a saúde não é utopia, é um processo, isto é, não acontece de um momento para o
outro, requer tempo e o envolvimento de várias pessoas;
* inclui uma ação nova e fundamental: o controle desse processo passa a ser
responsabilidade de todos os cidadãos. Ou seja, o Controle Social.

Em 1988, a Constituição Federal do Brasil passou a definir saúde como: um direito de


todos e um dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. (Art.
196)

Aqui, mais uma vez temos avanços, e quais seriam?

* saúde passa a ser um direito e não um favor de algum governo.


* Estado tem o dever de garantir esse direito.
* saúde está diretamente ligada às políticas sociais e às condições econômicas que
sustentam essa política.
* propõe-se a democratização no acesso igualitário e universal. Isto quer dizer que todos
e todas têm o mesmo direito, independentemente de nossas diferenças.

8ª Conferência Nacional de Saúde de 1986 elaborou outra definição de saúde: a saúde é


a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente,
trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de
saúde.

*Ênfase nas condições sociais para uma vida digna como condição para a saúde.
*A saúde deixa locais específicos, como os hospitais e centros de saúde, para ir para
outros lugares: nossa casa, nossa escola, o ar que respiramos, a água que bebemos, os
alimentos que ingerimos, o salário que recebemos, o que fazemos nas horas de lazer, e
na liberdade que temos ou deixamos de ter.
*Saúde também resulta da responsabilidade que cada pessoa precisa ter com o seu
próprio bem-estar.
*Diz de auto-cuidado: saber se prevenir, evitar as situações que colocam a saúde em
risco, prestar atenção à alimentação e higiene, pensar na vida a longo prazo (e não
apenas nesse instante).

Constituição Federal do Brasil - Art. 198:

“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e


hierarquizada e constituem um sistema único (SUS), organizado de acordo com as
seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.”

Atenção Primária da Saúde ou Atenção Básica:


• Estabelece todas as ações de promoção, prevenção e proteção à saúde em um
território definido e é de responsabilidade do município. Fazem parte da APS:
• Os profissionais devem ser capazes de resolver problemas de saúde mais comuns e
de dominar novos saberes que promovam a saúde e previnam doenças. A Unidade
Básica de Saúde (UBS) deve realizar assistência integral, contínua e de qualidade,
desenvolvida por uma equipe multiprofissional que atua na própria unidade ou nos
domicílios e em locais comunitários, como escolas, creches, asilos, entre outros.
Elas elaboram e executam programas educativos e de prevenção a doenças, a fim de
promover mudança de hábitos, costumes alimentares, higiene pessoal, atenção com
esgotamento sanitário e vacinação de crianças e animais. Realiza também triagem e
encaminhamento para outros setores.
• Inclui: Programas de Saúde da Família (eSF), equipes de Atenção Básica (EAB),
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), Programa Saúde na Escola (PSE),
entre outros. (http://dab.saude.gov.br/portaldab/pnab.php)
• Vigilância Epidemiológica: conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a
detecção ou a prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e
condicionantes da saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar ou
adotar as medidas de prevenção e controle de doenças e outros agravos.
• Vigilância Sanitária: conjunto de ações capazes de eliminar, diminuir ou prevenir
riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente,
da produção e da circulação de bens e da prestação de serviços

Atenção Secundária
• É prestada por meio de uma rede de unidades especializadas – ambulatórios e
hospitais –, garantindo o acesso à população sob sua gestão. Está baseada na
organização do Sistema Microrregional dos Serviços de Saúde, de acordo com a
definição do Plano Diretor de regionalização (PDR), que tem como objetivo definir
as diretrizes para organização regionalizada da Atenção Secundária.
• Pode incluir as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e os Centros de
Atendimento Psicossociais (Saúde Mental)
• A organização da Atenção Secundária se dá por meio de cada uma das
microrregiões do Estado, onde há hospitais de nível secundário que prestam
assistência nas especialidades:
 básicas (pediatria, clínica médica e obstetrícia), além dos serviços de urgência e
emergência,
 ambulatório eletivo para referências e assistência a pacientes internados,
treinamento, avaliação e acompanhamento da Equipe de Saúde da Família
(ESF).

Atenção terciária
• É a atenção da saúde de terceiro nível, integrada pelos serviços ambulatoriais e
hospitalares especializados de alta complexidade. A Atenção Terciária é organizada
em pólos macrorregionais, através do sistema de referência. O modelo técnico-
científico de atenção à saúde, que privilegia o hospital como ambiente para a prática
de cuidados, contribuiu para que a atenção terciária permanecesse no imaginário
popular como nível de atenção à saúde de maior importância. Com efeito, é comum
ver a mídia em geral destacar novíssimas tecnologias e até mesmo técnicas
experimentais como sendo soluções para os problemas de saúde. Liga-se a imagem
do hospital bem equipado à de eficiência de sistema de saúde.
Norteadores para se re-pensar a Saúde Mental

- Desospitalização dos pacientes psiquiátricos - extensão dos serviços de Saúde Mental


à rede básica. Atuação nos níveis: primário, secundário e terciário. Exigências
normativas – formação de equipes.

1989-1992 (São Paulo) – gestão direcionou o trabalho a partir do modelo


antimanicomial: “a instalação física e a contratação de profissionais não bastavam para
a sustentação do novo modelo de atenção à Saúde Mental. Uma modalidade de trabalho
centrada na atuação da equipe multiprofissional e a postura do trabalhador diante da
nova tarefa foram consideradas essenciais para a construção desse processo. Esses
profissionais foram convidados a repensar os modelos, instrumentos e posturas/atitudes
cuja formação acadêmica não previu, a fim de que, multidisciplinarmente e com a
participação efetiva da comunidade, pudessem promover leituras dos fenômenos sob um
outro contato que não o da psicoterapia, por exemplo”. (Fernandes e Scarcelli, 2005).

Vasconcelos (2004): crítica aos psicólogos - passaram a selecionar a clientela atendida


considerando a renda, grupos sociais mais próximos à cultura psicologizante, os níveis
de formação, o status no mercado de trabalho e o perfil clínico; sendo que a prioridade
deveria ser a “clientela considerada como psicótica” “consumidora dos hospitais
psiquiátricos”. “Nesse novo modelo proposto de assistência psiquiátrica integral, a
equipe multiprofissional assume um papel importante na medida em que era preciso
ampliar as técnicas de diagnóstico e de tratamento – só possível com diferentes
profissionais ... Assim observa-se mais uma vez uma preocupação em termos de
contratação de pessoal pelos órgãos públicos para preenchimento da rede ambulatorial,
quando certamente entraram muitos psicólogos sem qualificação para o tipo de serviço
demandado nessas instituições (Dimenstein, 1998, p.61).

Questionamento e provocações...

Quem chega até os serviços de saúde? Quem consegue se utilizar deles? A maioria?

O que é qualidade de vida? Quais são as imagens e ideias que vêm à mente? Há um
padrão (normalidade)?

O trabalho pode interferir na saúde? Como? Dá para separar a saúde física e mental?
E o consumo cada vez maior de antidepressivos e ansiolíticos?

Será que o que considero e reconheço como bem-estar será o mesmo bem estar
percebido por outras pessoas que vivem em contextos, situações sociais, extremamente
diferentes das minhas?
É possível determinar, externamente aos sujeitos, o que é o seu estado de bem-estar?

Não seria preciso escutar essa dor?


Saúde e educação aproximam-se tanto pelo sentido de promoção de cuidado e
integridade, quanto de manifestação de respeito e reconhecimento, via saudação.

No atual contexto, a responsabilidade do sujeito pelo seu adoecimento se vê aumentada,


ao mesmo tempo em que diminui sua contribuição na sinalização de seu sofrimento:
“estaria havendo um novo deslocamento do lugar do sujeito em que seu poder de indicar
seu sofrimento diminui, uma vez que este poderá ser previsto a partir do mapeamento de
seus genes, enquanto sua responsabilidade por seu adoecimento aumenta, quando cada
vez mais é levado a crer que as doenças que adquire dependem em grande parte de sua
subjetividade” (Silva, 2005, p.87).

Psicologia na Saúde: “resgatar para o sujeito o lugar na clínica”, dando-lhe voz para que
diga sobre seu sofrimento” OU “exercer o papel de “coadjuvante nas práticas
disciplinares da sociedade de controle”, contribuindo para a instauração de um
sentimento cada vez maior, nos indivíduos, a respeito de sua responsabilidade sobre sua
doença e “consequentemente, pela manutenção de sua saúde”.

- Diz respeito à crença no ato transformador que, para além da culpa assistencialista,
dispõe-se a cuidar de quem sofre, aceitando o desafio de confronto com o estranhamente
diferente, esperando que o assombro com o estranho, com acontecimentos inesperados
propiciados por essa abertura para o mundo, possibilite a criação de outras dimensões à
compreensibilidade da humanidade do homem.

Mais provocações para o pensar... abrindo as aulas para construir reflexões.


Qual é a relação do “bem-estar” com os aspectos emocionais do sujeito/paciente?

Seria a “doença somática” (câncer, úlcera péptica, colite irritativa, asma brônquica,
etc) apenas uma “via a mais” para externar a turbulência afetiva, tendo sido essa via
inconscientemente buscada pelo sujeito, incapaz de harmonizar os seus conflitos
interiores? Trata-se de uma relação de causalidade?

Como é relação do paciente com o médico e outros profissionais?

“Deve se tratar o doente e não a doença”. Mas, cada vez mais os diagnósticos são
computadorizados, utilizam-se programas de informática como anteparo para
relação...

Percebe-se a extrema dificuldade de aceitação, por muitos profissionais de saúde, do


fato de fincar-se o êxito terapêutico no relacionamento afetivo com o usuário (o termo
paciente não foi, propositadamente, usado para tornar mais distante a ideia de exclusiva
aceitação, paciente, submissa, com relação ao profissional de saúde?).

Pode se falar num processo de objetificação (“coisificação”) do sujeito nesta relação?

Poderia se compreender, a partir daí, o sucesso de práticas terapêuticas alternativas,


que não possuem embasamento científico, mas apostam no vínculo afetivo para a
melhora do paciente? Ex: ingestão de urina.
O vínculo afetivo, embutido de confiança recíproca, na dupla que empreende uma ação
de saúde (profissional-cliente), a par dos aspectos cognitivos, técnicos e científicos, é
decisivo para que se possa esperar a melhora do estado do cliente.

Admite-se que seja assim, em parte, pelo profissional de saúde, despreparado muitas
vezes para o estabelecimento daquele tipo de vínculo...

E que as aulas e os textos nos ajudem a responder essas questões... entre outras...

Referências

Castro, E.K. & Bornholdt, E. (2004) Psicologia da Saúde x Psicologia Hospitalar:


definições e possibilidades de inserção profissional. Psicologia: ciência e profissão
24 (3) 48-57.

Dimenstein, M. (1998) O psicólogo nas unidades básicas de saúde: desafios para a


formação e atuação profissionais. Estud. Psicol., Nata) 3(1) 53-81.

Fernandes, M.I.A & Scarcelli, I.R. (2005) Psicologia e políticas publicas: da construção
de modelos à implementação de praticas. In: Amarante, P. (org) Archivos de Saúde
Mental e Atenção Psicossocial 2. Rio de Janeiro: Nau.

Lei nº 4.119 de 27 de agosto de 1962. Dispõe sobre os cursos de formação em


Psicologia e regulamenta a profissão de psicólogo. Diário Oficial da União.Recuperado
em 20 de abril de 2008, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8142.htm

Roso, A. (2007) Psicologia Social da Saúde: tornamo-nos eternamente responsáveis por


aqueles que cativamos. Aletheia (26) 80-84.

Silva, R.C. (1992) A formação em Psicologia para o trabalho na Saúde Pública. In:
Campos, F.C.B. Psicologia e Saúde: repensando práticas. São Paulo: Hucitec.

Spink, M.J.P.(1992) Psicologia da Saúde: a estruturação de um novo campo do saber.


In: Campos (org) Psicologia e Saúde repensando práticas. Hucitec: São Paulo.

Traverso-Yépez, M. (2001) A interface Psicologia Social e Saúde: perspectivas e


desafios. Psicologia em Estudo, Maringá 6(2) 49-56.

Vasconcelos, E. (2004) Mundos Paralelos, até quando? Os psicólogos e o campo da


saúde mental pública no Brasil nas duas últimas décadas. Mnemosine 1(0) 73-90.

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