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The conformation of the security measure to the Brazilian mental health system
through the structural reform
CONTENTS: 1 Introduction • 2 The security measure in the Brazilian Criminal Justice System
• 3 Judicial asylum and the massive violation of fundamental rights • 4 The structural process as
a possibility of shaping the security measure • 5 Conclusion • 6 References.
ABSTRACT: The security measure in the Criminal Justice System, as a rule, implies
compulsory internment in judiciary asylums. This has resulted in substantial
violation of fundamental rights as it is in discordance with: Law number 10,216/2001
(which deals with the mental health care model), the United Nations Convention
on the Rights of Persons with Disabilities, and Law number 13,146/2015, which
adopted the social model of addressing disability. The possibility of shaping
the security measure to the mental health system through structural reform is
analyzed under the legal-sociological methodological approach, with a focus on
Fundamental Rights. Using the deductive method, the research seeks to reflect
on the systematic of security measures as a form of criminal liability for the
offender with a mental disorder, to verify whether the structural reform, through
the procedure, could promote a change that enables the realization of these
people’s Fundamental Rights.
1 Introdução
2 A abreviatura MJs adotada no texto pela autora, como ela esclarece, significa manicômios judiciários.
Vianna, 2005, p. 65), alguns manicômios judiciários foram até inaugurados depois
da Lei no 10.216, de 2001 (Diniz, 2013, p. 13). Ademais, não se constata a existência
de uma atuação do movimento social em saúde mental e da reforma psiquiátrica
em favor dos direitos das pessoas com deficiência mental autoras de ilícito penal.
Isto evidencia que a pessoa com transtorno mental, que tenha praticado delito,
somente seria incluída no Estado através de sua exclusão, o que constitui um total
descompasso entre o direito à saúde mental, a legislação sanitária e a medida de
segurança (Weigert, 2017, p. 118).
Embora o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por meio da Resolução no 487, de
15 de fevereiro de 2023 (Brasil, 2023), tenha instituído a política antimanicomial do
Poder Judiciário e estabelecido procedimentos e diretrizes para a implementação
da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência
– Carta de Nova York e da Lei no 10.216, de 2001, no âmbito do processo penal e da
execução das medidas de segurança, ainda não é possível dimensionar os impactos
e a efetividade das providências nela estabelecidas.
Os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen
(Brasil, 2021), de dezembro de 2021, demonstram que, à época, havia um total de
2.932 (dois mil, novecentos e trinta e duas) pessoas em cumprimento de medida
de segurança, sendo 2.032 (duas mil e trinta e duas) internadas e 900 (novecentos)
em tratamento ambulatorial.
Contudo, alerta Branco (2019, p. 147) que, nos estados sem Hospitais de
Custódia de Tratamento e Alas de Tratamento Psiquiátrico, não há registros de dados
oficiais nem de estudos sobre o quantitativo de pacientes, nem de como ocorria
a execução das medidas de segurança, o que demonstra a invisibilidade desse
grupo, que não foi rompida com os avanços da reforma psiquiátrica, mantendo-se
às margens dos processos políticos e sociais fundamentais ao Estado Democrático
de Direito (Diniz, 2013, p. 13).
Essa sistemática da medida de segurança também viola os princípios do
respeito à dignidade, à autonomia, à liberdade e à independência das pessoas
com deficiência, estabelecidos no art. 3o da Convenção das Nações Unidades sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência (Brasil, 2009), os quais, segundo Oliveira
(2020, p. 94), evidenciam um objetivo implícito que é o de ruptura com práticas de
segregação subjacentes ao modelo médico de abordagem da deficiência.
Soma-se a isso o afrontamento ao princípio do respeito pela aceitação das
pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade,
Apesar dos avanços trazidos pela reforma psiquiátrica e da edição de normas com
vistas a incluir o inimputável e o semi-imputável na nova política de saúde mental,
observa-se que essa política pública não é efetiva para esses sujeitos, que ainda são
assistidos sob a ótica de periculosidade social, com manutenção de internações em
instituições hospitalares com características asilares (Correia, 2017, p. 88).
Diante desse contexto, o processo jurisdicional revela-se o mecanismo
adequado para promover a reforma estrutural dessas instituições, possibilitando a
concretização de políticas de saúde mental e a tutela de direitos fundamentais que
compreendem esse grupo social.
Nesse sentido, deve ser adotada uma nova forma de atuação processual para
fazer frente a essa demanda, com utilização de nova metodologia, na medida em
que a provocação do Judiciário em casos desta natureza tende a exigir uma atuação
coordenada das três esferas do poder político, num diálogo interinstitucional e
comprometido com o tratamento do problema, a fim de que sejam alcançadas soluções
adequadas e em consonância com o ordenamento constitucional (Nunes, 2021, p. 690).
Essa nova forma de atuação constitui o processo estrutural, cuja origem está
vinculada ao direito norte-americano, a partir do processamento e do julgamento
pela Suprema Corte Norte Americana do caso Brown v. Board of Education of Topeka3,
em 17 de maio de 1954, que tratou da dessegregação racial nas escolas americanas.
Segundo Fiss (2004, p. 50), o foco da reforma estrutural é “uma condição social que
ameaça importantes valores constitucionais e a dinâmica organizacional que cria e
perpetua tal condição”. Advirta-se, todavia, que, embora o problema estrutural aqui
evidenciado esteja bem enquadrado segundo as delimitações teóricas definidas
quanto ao seu objeto, ainda no século passado, pela doutrina norte-americana, o
método das reformas estruturais encontra-se em franca expansão, dada a pródiga
realidade brasileira (Nunes; Cota, 2020, p. 376).
Essa espécie de processo reconhece que a atuação de grandes instituições4
tem afetado a vida em sociedade e que o processo tradicional (Chayes, 2017, p. 2-3),
criado para solucionar disputas privadas, não é suficiente para adequar a conduta
dessas instituições a um parâmetro mínimo de conformidade. Isso ocorre porque
a estrutura tradicional do processo, ao destacar o conflito do contexto social,
descomplica a resolução da causa, mas despreza elementos fundamentais para
a decisão, numa perspectiva de tutela de direitos (Violin, 2019, p. 2). A fisionomia
tradicional do processo descola o conflito do contexto social em que está inserido
e, ao fazê-lo, produz decisões que muitas vezes desconsideram elementos
importantes do tecido social, bem como, frequentemente, as consequências de
suas decisões na sociedade.
A situação delineada neste ensaio revela a existência de um importante
problema estrutural que, segundo Didier Junior, Zaneti Junior e Oliveira (2020,
p. 104-105) é “[...] um estado de desconformidade estruturada – uma situação de
ilicitude contínua e permanente ou uma situação de desconformidade, ainda que
não propriamente ilícita, no sentido de ser uma situação que não corresponde ao
estado de coisas ideal.”
Esse problema pode se desdobrar num litígio estrutural que possui
características, ou elementos típicos, que permitem diferenciá-los dos conflitos
clássicos, individuais ou coletivos, que são resolvidos pelas regras do processo civil
tradicional (Chayes, 2017, p. 2-3). São eles a complexidade, a policentria, e a causação
3 Esta é uma denominação do caso paradigma julgado na Suprema Corte dos Estados Unidos. Esta é a
referência usual, logo não há tradução. Acrescenta-se que a explicação sobre o caso está no próprio texto.
4 Aqui compreendidas tanto no sentido da instituição manicomial enquanto uma instituição total, como
do sistema instituído para responsabilização da pessoa com transtorno mental autora de delito, com a
aplicação das medidas de segurança.
5 O amicus curiae é um colaborador da Corte, e não das partes, e seu compromisso é com o objeto
do litígio, levando informações relevantes que possam aprimorar o debate, ampliando o contraditório,
potencializando a participação democrática no processo e contribuindo para formação de uma decisão
mais justa para o caso.
5 Conclusão
A aplicação e a execução da medida de segurança no Sistema de Justiça Criminal
Brasileiro apontam para uma realidade de graves, generalizadas e institucionalizadas
violações aos direitos fundamentais das pessoas com transtorno mental que
praticaram infrações penais. Sua imposição, que tem como regra a internação em
manicômios judiciários, fundamenta-se na periculosidade, conceito indeterminado,
fruto do entrelaçamento entre o Direito e a Psiquiatria, baseado na ideia de defesa
social, com o propósito de afastar da sociedade aqueles que não se enquadram no
conceito estabelecido de normalidade, o que desconsidera a diversidade humana.
Sua execução é realizada em instituições totais, que aniquilam qualquer contato
com a sociedade, acarretam a perda da singularidade da pessoa e desconsideram
o sujeito de direitos, o qual é tratado como mero objeto, situação em manifesta
desconformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Essas instituições
estão vinculadas ao sistema prisional e não às secretarias de saúde, o que enseja
a priorização de políticas de segurança em detrimento de políticas de saúde e
inviabiliza a implementação do modelo assistencial de saúde mental estabelecido
pela Lei no 10.216, de 2001.
Todo esse encadeamento de ações evidencia um sério problema estrutural, que
requer a alteração do funcionamento de toda uma engrenagem social, com a criação
de mecanismos que possibilitem a superação do estado de desconformidade instalado.
É preciso colocar um fim a essa política criminal. No entanto, não basta
uma mera desospitalização em massa do grupo envolvido, pois deve haver uma
reestruturação construída no âmbito de um plano de ações, com fixação de
metas e de responsabilidades, em que toda a coletividade possa ter um papel
protagonista e proativo.
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