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74ª Reunião Anual da SBPC

6.01.99 – Direito

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DE CESSAÇÃO DE PERICULOSIDADE NO BRASIL: ABORDAGENS


INTERDISCIPLINARES SOBRE A REVOGAÇÃO OU MANUTENÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA.

Isabela Araujo Trevisoli1


Orientadora: Andressa Loli Bazo2
1. Estudante do curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM-CCT).
2. Professora do curso de Direito do Centro de Ciências e Tecnologia da Universidade Presbiteriana Mackenzie
(UPM-CCT).

Resumo

O presente artigo buscou compreender o termo “periculosidade” e a avaliação que o sujeito receberá
durante o cumprimento da medida de segurança. Neste sentido, destaca-se o modelo da Lei de Execução Penal
e de Direito Penal, em conjugação com a Constituição Federal e a Lei Antimanicomial, com foco em romper a
tradicional segregação pela qual os cidadãos definidos como loucos estão a mercê. Apresenta, também,
fundamentação teórica na qual juristas, profissionais da saúde e magistrados podem encontrar pontos de apoio
para reflexão sobre as razões e procedimentos realizados com relação à medida, especialmente no que diz
respeito ao exame de verificação de cessação de periculosidade. O trabalho também buscou ressaltar a
importância da interdisciplinariedade no momento da verificação da inimputabilidade do agente a fim de alcançar
a recuperação do doente mental e sua reabilitação no meio sócio-familiar.

Palavras-chave: Crimonologia; Direito Penal; Exame de Periculosidade.

Apoio financeiro: MackPesquisa.

Trabalho selecionado para a JNIC: Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM – CCT).

Introdução

A Medida de Segurança (MS), prevista no art. 96 do Código Penal (CP), é uma espécie de sanção
aplicada aos semi-imputáveis e aos inimputáveis que cometeram fato típico e antijurídico e foram classificados
como perigosos. Em teoria, essa medida tem finalidade curativa e preventiva, podendo ser executada na forma
de tratamento ambulatorial ou internação.
Ainda, o art. 97 do CP determina-se apenas um tempo mínimo pelo qual a medida deve ser aplicada. Ao
final deste tempo, aplica-se o exame de verificação de cessação de periculosidade, tendo como foco principal
reavaliar o risco e perigo que o paciente pode apresentar à sociedade no seu retorno à convivência. De imediato,
tal fato age em completo desacordo com a Constituição, sendo pauta de grandes debates na área. Hoje, o
entendimento predominante é o de que a duração máxima da medida de segurança não deve ultrapassar o limite
determinado para a pena abstratamente cominada ao delito praticado, nos termos da Súmula 527 do STJ.
A relação entre áreas distintas muitas vezes causa desavenças e discussões entre assuntos
convergentes, e neste caso não é diferente. Por se tratar de um controle de periculosidade e tratamento em
formato curativo, a medida se adapta a cada paciente. Portanto, após o término do tratamento mínimo realiza-se
o Exame de Verificação de Periculosidade (EVCP) visando a avaliar o prognóstico de risco que o agente
representa à sociedade, bem como a probabilidade deste cometer uma nova infração (ABDALLA-FILHO, 2016,
p. 131).
É importante ressaltar que, mesmo após anos de debates, o conceito de periculosidade, mesmo que
questionável, ainda é aplicado no sistema de justiça criminal brasileiro, não sendo devidamente definido os
elementos básicos e igualmente indispensáveis para o tratamente do paciente.
Estudando esse processo de averiguação (EVCP), vê-se o instrumento dúbio por um sistema de justiça
que tem consequências palpáveis na vida e no futuro do preso-interno (RAUTER, 2003. P. 84). A credibilidade
dada pelo Poder Judiciário a essa avaliação tem efeitos concretos no destino da população hospitalizada,
reforçando assim a cultura da segregação condenatória social.
Diante do exposto, a pesquisa teve como objetivo o exame supracitado, tal como os obstáculos
existentes para um melhor tratamento do internado em medida de segurança. Além disso, analisou-se a
precariedade na qual o preso-internado sofre, tanto na estrutura física dos Hospitais Psiquiátricos, como também
na falta de apoio por parte do Estado.

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Metodologia

Para elaborar este artigo, foi realizada uma reunião de textos bibliográficos e dados secundários, ou seja,
a partir da interpretação de dados levantados por outras pesquisas, compiladas em livros, artigos científicos,
teses e dissertações.
Durante o desenvolvimento do projeto, foram analisados os critérios de avaliação de periculosidade e o
tratamento do inimputável no Brasil. A pesquisa teve caráter qualitativo, tendo sido feita uma análise de
interpretação relacionando as ideias das pesquisas utilizados como base, uma vez que foi proposto a exploração
do tema a partir de referencial legal e bibliográfico.
Com fundamentação nas referências, o estudo foi aprofundado mediante as dificuldades
interdisciplinares (médica e jurídica) que surgem de modo constante ao verificar a periculosidade do indivíduo,
percorrendo as dificuldades encontradas durante o pronunciamento da sentença, acompanhamento na medida
de segurança até a decisão do juiz que se utilizará dos laudos do EVCP como subsídio para decidir se o
custodiado deve ou não permanecer em tratamento.
Por fim, o presente artigo teve seu desenvolvimento por meio do método dedutivo, visto que durante sua
elaboração foi necessária uma análise de informações do processo e eficácia do exame de cessação de
periculosidade, buscando a familiarização do tema e maior entendimento das dificuldades encontradas na sua
aplicação.

Resultados e Discussão

A tentativa de elaborar critérios objetivos e bem definidos para analisar a periculosidade do sujeito infrator
é objeto de estudos da Psiquiatria Forense, todavia, nenhuma variável sociodemográfica demonstrou certeza
significativa com o resultado do laudo psiquiátrico, em especial, a variável de suporte familiar. A Medida de
Segurança criou um espaço que transita entre prisão e hospital, visto que envolve saúde mental e políticas de
defesa social que historicamente, é uma discussão de difícil resolução e ainda se equilibria com dificuldade.
Atualmente, os critérios principais para delimitar a cessação ou não da periculosidade dos pacientes é a
presença ou não da sintomatologia produtiva – presença ou remissão de sintomas que possuem condições
relevantes na aferição de periculosidade -, o comportamento do internado e o apoio da família e sociados, de
forma então a serem critérios ligados diretamente à prática clínica do perito analista.
Foi verificado que, enquanto um internado em hospital comum a remissão dos fatores sintomológicos já
são válidos para a liberação do paciente, o paciente internado em MS no hospital psiquiátrico a remissão dos
sintomas não é suficiente para a cessação da sanção. Seria ainda necessário a comprovação de apoio familiar
ou social básico ao paciente. A falta desse quesito implicava (até a implantação da súmula 527 do STJ) em uma
“prisão-hospitalar” contínua, mesmo que, em sentença reconhecida a inimputabilidade, o Código do Processo
Penal determina que o réu seja absolvido, permanecendo através da MS em tutela do Estado Penal (WEIGERT,
2015, p.94). Não receber visita, resulta, então, em algo prejudicial ao sujeito, por ser o único meio de garantir a
saída, a existência digna pós segregação social. Este quadro transcende o paciente e se vincula à carência
externa de recursos sociais e pessoais do sujeito (MECLER, 2010, p. 80) e que viola os direitos humanos
fundamentais, visto que é inerente a ele e ao que ele pode realizar.
Outro quesito que dificulda a saída do internado é o devido acompanhamento do paciente durante sua
internação. Durante uma inspeção em hospitais psiquiátricos realizada em 17 estados brasileiros (através do
Conselho Federal de Psicologia, juntamente com outros órgãos), verificou-se que em 18 unidades fiscalizadas,
apenas em três delas (CFP, 2015, p.17) existiam advogados competentes para acompanhamentos de processos
de pacientes que não tem capacidade financeira para contratações próprias, representando, destarte, o descaso
do Estado em atender homens e mulheres tão marginalizados (CASTELO BRANCO, 2016, p. 249).
Além da falta de apoio por parte do Estado, a escassez de psicólogos nas unidades inspecionadas,
totalizando 45 profissionais divididos em 18 unidades. Isto é, um profissional para cada 21 pacientes, em
unidades em que há uma maior concentração de profissionais para realizar essa ligação entre médico/paciente;
e um profissional para cada 104 internados. Esta falta de acompanhamento resulta na ausência de
documentação e identificação do paciente, tanto de relatórios de psicólogos, como os documentos da chega do
sujeito ao HCTP.
Entre diversos instrumentos usados para averiguar a periculosidade do agente, o PCL-R e HCR-20 são
mais comumente utilizados no Brasil. O Psychopathy Checklist-Revised (PCL-R) baseia-se no conceito clássico
de psicopatia (MECLER, 2010, p. 72), visto que esse fator foi considerado um importante “preditor para eventos
violentos em uma amostra carcerária” (ABDALLA-FILHO, 2016, p. 132). Este consiste em 20 itens escolhidos
para realizar a avaliação comportamental, bem como os traços emocionais que são característicos à
personalidade psicopata. Defende a capacidade de apresentar tanto o diagnóstico, como possível prognóstico.
Ao contrário do PCL-R, que enfoca apenas na personalidade do indivíduo de forma exclusiva, o HCR-20
(Historical, Clinical ans Risk Management Violence Risk Assessmente Scheme) foi especialmente desenvolvido
para avaliar o risco de comportamento futuro que venha a ser violento (MECLER, 2010, p. 72). Tem por
característica principal a utilização da avaliação os elementos externos que possam afetar o indivíduo, como
exposição a desestabilizadores, falta de apoio pessoal etc. (ABDALLA-FILHO, 2016, p. 271). A checklist feita
pelo instrumento inclui 20 itens a serem analisados, dividindo-se entre itens históricos (passado), clínicos
(presente) e itens de manejo de risco (futuro).
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A legislação tem como determinado que cabe ao perito psiquiátrico averiguar a cessação de
periculosidade do paciente. Todavia, foi perceptível que os laudos estudados para apresentação ao judiciário são
pouco detalhados e completos parcialmente: “os laudos deveriam conter todos os registros do procedimento
pericial, mas o que ocorre [...] é que estes são em geral bastante econômicos em relação as informações”
(MECLER, 2010, p. 75). Existem diversos fatores que deveriam ser obrigatórios durante o laudo, entretanto, os
requisitos geralmente são citados bem ao final do documento, mas se baseiam apenas na presença ou falta de
sintomatologia deixando de lado os mais importantes e menos valorizados: gravidade do delito, história criminal
e psiquiátrica do periciado (Ibid., p. 77).
A medida de segurança tem o exame como ferramente para mascarar a violência existente dentro dos
hospitais psiquiátricos exercida pelo Judiciário e, num todo, pelo próprio Estado. Mantem-se a tradição de punir
no cárcere, o que se conectou à correção moral e física dos hospitais, focando na repressão, “proteção” e ameaça
à sociedade.

Conclusões

O EVCP tem a necessidade de possuir itens abordados que deveriam ter uma sistematização mínima.
A intensificiação de trabalho multidisciplinar, saídas terapêuticas monitoradas e reinserção social mínima são
vias de possibilitar uma desinternação precoce e reabilitação ao meio coletivo de forma mais branda. A Lei
Antimanicomial trouxe nova possibilidade de resgate da cidadania do sujeito internado, porém a promulgação da
reforma não provocou alteração eficaz e prática na sistemática penal da aplicação da MS.
A prognose (periculosidade) não poderia ser mais entendida como válida a fim de constatar se o sujeito
permanece ou não em um hospital-prisão em reação a um possível crime que talvez seja praticado futuramente.
A existência de uma doença mental não implica necessariamente em um perigo iminente para ele ou outras
pessoas ao redor, mas ainda é utilizado como muleta do Estado a fim de mantê-los em cárcere.
O retrato apresentado no percurso do estudo apela à reflexão e sobretudo à ação direta aos movimentos
sociais para escapar do abismo que separa abandona homens e mulheres, com a falsa submissão a um
''tratamento'' inexistente”, que muitas vezes é mais rígida do que a aplicada aos presos. A falta de políticas
públicas, restauração da índole social e econômica, bem como a compatibilização da ideia do tratamento
conforme determinado pela Lei Antimanicomial que foi especificamente criada para tratamento dos
marginalizados em hospitais psiquiátricos pelo Estado e sociedade.

Referências bibliográficas

ABDALLA-FILHO, Elias et. Al. Psiquiatria Forense de Taborda. São Paulo: Ed. 3, 2016.

BRANCO, Thayara Silva Castelo. Medidas de segurança no Brasil: o exercício do poder (penal) no âmbito da
normalização terapêutica. 2016. 267 f. Tese (Doutorado) - Curso de Direito, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Criminais Doutorado em Ciências Criminais, Pontifíca Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2016.
Disponível em: http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/6751. Acesso em: 07 set. 2021.

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Inspeções aos manicômios. Relatório Brasil 2015. Brasília: CFP, 2015.

MECLER, Kátia. Periculosidade: evolução e aplicação do conceito. Journal Of Human Growth And Development, [S.L.], v.
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<https://www.revistas.usp.br/jhgd/article/view/19945>. Acesso em: 05 fev. 2021.

RAUTER, Cristina. CRIMINOLOGIA E SUBJETIVIDADE NO BRASIL. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

WEIGERT, Mariana de Assis Brasil e. Entre Silêncios e Invisibilidades: os Sujeitos em Cumprimento de Medida de
Segurança nos Manicômios Judiciários Brasileiros. 2015. 211 f. Tese (Doutorado) - Curso de Psicologia Social e
Institucional, Instituto de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.

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