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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CENTRO DE HUMANIDADES II
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA
DISCIPLINA DE BASES NEUROFISIOLÓGICAS DO COMPORTAMENTO HUMANO
PROF. DRA. LIANA ROSA ELIAS

ANA FLÁVIA MONTEIRO SOMBRA


MARIA BEATRIZ GONÇALVES LEITE
THAYANE BANDEIRA GIRÃO

ANÁLISE DO ARTIGO “INTERAÇÃO ENTRE SISTEMAS E PROCESSOS DE


MEMÓRIA EM HUMANOS’’

FORTALEZA
2023
ANA FLÁVIA MONTEIRO SOMBRA
MARIA BEATRIZ GONÇALVES LEITE
THAYANE BANDEIRA GIRÃO

ANÁLISE DO ARTIGO “INTERAÇÃO ENTRE SISTEMAS E PROCESSOS DE


MEMÓRIA EM HUMANOS’’

Estudo teórico do artigo “Interação entre


sistemas e processos de memória em
humanos”, apresentado à disciplina de Bases
Neurofisiológicas do Comportamento Humano
da Universidade Federal do Ceará, como
requisito para obtenção da nota parcial
referente ao semestre de 2023.1.
Disciplina ministrada pela Profª. Dra. Liana
Rosa Elias.

FORTALEZA
2023
RESUMO

A ideia de que a memória não é uma entidade unitária, mas que se compõe de múltiplos sistemas
independentes, porém interativos, parece atualmente consensual. Na primeira parte do presente
trabalho são revistas evidências da literatura a favor da distinção entre os sistemas de memória de
curta duração e de longa duração, por um lado, e a subdivisão adicional entre os sistemas de
memória de longa duração, por outro. A evolução do conceito de memória de curta duração, que
resultou na ideia de memória operacional, por sua vez também composta de múltiplos sistemas, é
discutida, bem como no papel dos níveis de processamento no funcionamento mêmico. Na segunda
parte, são apresentados os principais modelos de organização dos sistemas de memória humana.

Palavras-chave: memória; habilidades; hábitos; neuropsicologia.

Disponível em:
<https://drive.google.com/file/d/1JKSF2NovQMrLoSURyxNMCuiX8iA94qOt/view?usp=share_lin
k>. Acesso em 18 de abril de 2023.
1 INTRODUÇÃO

No intuito de promover uma discussão a respeito da visão de homem, modelo


explicativo, além das vantagens e limitações de tal padrão, o trabalho científico designado por
“Interação entre sistemas e processos de memória em humanos”, com produção de Maria
Cristina Magila e Gilberto Fernando Xavier, é utilizado como ferramenta de investigação. O
artigo em análise, dessa forma, recorreu a uma revisão bibliográfica de diferentes autores
renomados, discutindo os métodos fisiológicos da memória ao buscar defender o processo
psicológico escolhido como permeado de sistemas independentes, todavia interativos.
Por intermédio de citações ao longo do presente artigo procurou-se comprovar as
teorias aludidas elaborando a intercessão entre o fisiológico-psicológico. A neuropsicologia,
desse modo, objetiva contemplar a relação mente, cérebro, cognição e comportamento,
compreendendo como o cérebro impacta diretamente nas funções cognitivas. Priorizando a
memória, no escrito objeto de estudo, discute-se as diferenciações do funcionamento da
memória de curto e longo prazo em pacientes amnésicos, especialmente na temporal, em
adição a diencefálica.
2 DESENVOLVIMENTO

2.1. VISÃO DE HOMEM E DE MUNDO

O artigo utilizado apresenta, logo em seu início, a definição de memória a qual irá
desenvolver sua teoria e defender suas conclusões ao longo do texto:

A memória pode ser definida como a “capacidade de alterar o comportamento em


função de experiências anteriores”. A noção de que a memória é constituída por
sistemas de curta e longa duração, cada qual com subdivisões adicionais, é
amplamente apoiada por diferentes fontes de evidência envolvendo sujeitos normais
e amnésicos. ( MAGILA; XAVIER, 2000, p. 143).

Ao citar a memória como uma construção de diversos sistemas independentes que


cooperam entre si, os autores vão se utilizar de diversas bases neurofisiológicas para
explicá-la, dividindo-a em um sistema de curta duração, o qual é influenciado por
determinadas partes do cérebro, como o hipocampo e a amígdala, e de longa duração,
associando esta aos núcleos talâmicos dorsomedial, ventrais anteriores e ventrais laterais:

O modelo modal de Atkinson e Shiffrin (1971) propõe a existência de um registro sensorial


que consistiria no primeiro estágio da percepção da informação, e estocagem de curta
duração,cuja função seria manter a informação disponível por tempo limitado. Por fim, uma
estocagem de longa duração, alimentada pelos conteúdos transferidos pela instância anterior.
De acordo com este modelo, a manutenção das informações na memória de curta duração,
bem como sua estocagem na de longa duração. ( MAGILA; XAVIER, 2000, p. 144).

Também irão discorrer acerca da acessibilidade do conteúdo contido na memória: este


pode ser o sistema declarativo, no qual as informações podem ser explicitamente acessadas
por meio de representações passadas, sendo ligada ao hipocampo ou um sistema
não-declarativo, onde as informações não são explicitamente acessadas se expressando por
meio do comportamento.
Ao longo do texto, os autores demonstram uma visão de homem marcada, sobretudo,
pelo monismo fisiologista, à medida que demonstram a memória como resultado de apenas
um conjunto de sistemas independentes regulados por diversas partes do cérebro humano. O
homem, como um todo, é visto, então, sob uma perspectiva organicista, gerido por reações
biológicas, explicitando, assim, um reducionismo fisiológico. Tais tendências podem ser
observadas no seguinte trecho:
Parece haver um consenso em relação à noção de que a memória não é uma entidade
única, mas compreende conjuntos de habilidades mediadas por módulos
independentes, porém cooperativos do sistema nervoso. Se por um lado há
divergências em relação à quantidade de módulos, por outro, pouca atenção vem
sendo destinada aos mecanismos de interação entre esses módulos. ( MAGILA;
XAVIER, 2000, p. 151).

Dessa forma, o artigo vai apresentar problemas associados à perda de memória como
consequência direta de lesões nessas estruturas cerebrais - explicando que, dependendo da
função interrompida de uma ou mais estruturas neurais, diferentes tipos de amnésia poderão
ser ocasionadas afetando um ou mais tipos de memórias. À exemplo disso, o trabalho
científico traz o caso do paciente HM, o qual adquiriu um estado de amnésia anterógrada
após retirar cirurgicamente partes do cérebro:

O famoso paciente HM, amnésico em decorrência de uma neurocirurgia para


controle de crises epilépticas na qual foram retirados, bilateralmente, dois terços
anteriores do hipocampo, giro parahipocampal, córtex entorrinal e amígdala. Os
autores relataram uma densa amnésia anterógrada e uma amnésia retrógrada
temporalmente graduada; porém, suas funções intelectuais e linguísticas estavam
preservadas, assim como sua memória imediata. Além disso, o paciente era incapaz
de adquirir novos conhecimentos relativos a acontecimentos posteriores a cirurgia,
mas conservava lembranças remotas de sua infância e de fatos ocorridos até dois
anos antes da operação. (MAGILA; XAVIER, 2000, p. 144).

Tal caráter monista fisiológico do artigo ignora a possibilidade de perturbação do


processo psicológico escolhido no qual não ocorra uma danificação das regiões cerebrais.
Portanto, os autores não abordam danos na formação de memória decorrentes de traumas
psicológicos e do contexto socio-cultural do indivíduo, excluindo a subjetividade desse
processo.

2.2 MODELO EXPLICATIVO

No objeto de estudo mencionado, predomina o reducionismo fisiológico como


representante do modelo explicativo - formulação da causa de um determinado fenômeno, o
qual tem como característica marcante o cérebro na explicação do comportamento, reduzindo
o evento complexo aos elementos que os compõem. Concomitantemente, a visão monista,
apontando, apenas, um esclarecimento a respeito da realidade, sendo essa em uma única
instância, o homem como o todo. Dessa maneira, isso pode ser observado e comprovado na
citação abaixo:
A memória operacional equivale a um sistema para a manutenção temporária e a
manipulação de informações necessárias ao desempenho de uma série de funções
cognitivas, inclusive a aprendizagem (Baddeley, I 992a, 1992b, 1986). Diferencia-se
da memória de curta duração por privilegiar a utilidade da informação e não o
simples decorrer do tempo, como fator determinante na manutenção ou descarte dos
conteúdos.

Adicionando a essas evidências, é preciso destacar as limitações do reducionismo


fisiológico ao decorrer da produção, permeado pela desconsideração da memória associada a
outros comportamentos, senão as variadas áreas do cérebro, eliminando a configuração social,
histórica, além da subjetividade do indivíduo. Tal questão propõe uma verdade irrefutável à
favor do cientista/pesquisador, descartando as especificidades. Aliado a essa conjuntura,
presencia-se o acompanhamento da falácia mereológica identificada pela utilização da
metonímia, ou seja, uma parte pelo todo, como visto a seguir:

inversamente, os pacientes com lesões parieto-temporais inferiores ou perisilvianas


no hemisfério esquerdo podem formar memórias verbais duradouras, não obstante
tenham intenso prejuízo de memória auditiva verbal imediata (Basso, Spinnler,
Vallar e Zanobio, 1982; Shallice & Warrington, 1970; Vallar and Baddeley, 1984;
Warrington and Shallice, 1969).

2.3 LIMITES E VANTAGENS DO MODELO EXPLICATIVO

A partir da verificação do modelo explicativo - reducionismo fisiológico - do artigo


trabalhado, pode-se, portanto, avaliar suas propriedades metodológicas ao tentar explicar o
processo cognitivo da memória.
Em primeira análise, percebe-se a vantagem da visão fisiológica na observação das
atividades mnêmicas, tendo em vista que essa abordagem busca explicar o fenômeno a partir
de um viés científico - através de levantamento de hipóteses, testes e comprovação - como
pode-se observar no seguinte trecho:

A fim de se testar a hipótese da memória operacional, foi desenvolvida a


metodologia da tarefa dupla. Considerando que a memória de curta duração tem
capacidade limitada e que pode ser mensurada através da capacidade de extensão
(span) verbal, primeiramente introduz-se a chamada "tarefa secundária", que
consiste na apresentação de uma série de dígitos a serem retidos através de repetição
continua; a seguir, uma ''tarefa primária" (envolvendo compreensão, julgamento ou
aprendizagem) é desenvolvida até o comando para a evocação da série de dígitos
(MAGILA; XAVIER, 2000, p. 146).
Dessa forma, os autores desconsideram as explicações intangíveis e não falseáveis (quando
não se pode provar ser falsa, pois não há um agente a ser determinado e testado) o que
impossibilita a utilização de eventos sobrenaturais na explicação do comportamento.
Entretanto, como um modelo reducionista, a medida em que se busca sempre padrões
e características genéricas, ele falha no momento em que é necessário levar em consideração
outros pontos essenciais não observáveis dentro da filosofia positivista da ciência, como os
aspectos históricos e sociais que interferem na determinação da subjetividade e do
comportamento do indivíduo, que são igualmente importantes para os processos mentais. Esse
fato pode ser verificado no seguinte trecho:

Diversas síndromes amnésicas são discrimináveis em função da etiologia e da


intensidade dos sintomas. Dois dos principais tipos, classificados segundo os sítios
de lesão neural, são as assim chamadas amnésia temporal medial da qual soma o
paciente HM e a amnésia diencefálica, cujo exemplo característico é o paciente NA
(MAGILA; XAVIER, 2000, p. 147).

A memória é, durante todo o texto, explicada como um processo que acontece única e
exclusivamente no cérebro de forma autônoma e numa relação causa-efeito entre suas partes e
funções. Assim, são observáveis outras falhas discursivas, como a falácia mereológica que diz
que “há evidências de que a memória declarativa possa se desenvolver, ao menos
parcialmente, a partir de experiências de aprendizagem não-declarativas, tais como a fluência
perceptual” (MAGILA; XAVIER, 2000, p. 151). Nesse trecho fica clara a personificação que
é dada ao processo cognitivo “memória” como uma entidade que existe por si só e que se
desenvolve de forma autônoma, o que não se verifica pois essa atividade é característica ao
indivíduo como um todo.
3 CONCLUSÃO

Através dos estudos apresentados sobre a abordagem do artigo trabalhado ao trazer o


conceito de memória, pode-se compreendê-lo como uma atividade mecanicista fisiológica,
onde os processos mentais são puramente biológicos - associando um tipo específico de
memória a uma região do cérebro, como hipocampo, por exemplo - e empíricos, mostrando-se
como única forma de pensar esse processo cognitivo.
Contudo, através da verificação de falhas discursivas presentes no texto, foi possível
questionar e verificar a fragilidade de tal visão, dado que a relação
mente-cérebro-cognição-comportamento extrapola os limites objetivos e corpóreos e não pode
ser analisada sob uma perspectiva monista pois o contexto histórico-social, assim como a
idiossincrasia de cada indivíduo, se desconsiderados, tornam o manejo das neurociências
extremamente duvidoso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FUENTES, D.; MALLOY-DINIZ, L.F.; DE CAMARGO, C.H.P.; COSENZA, R.M.


Neuropsicologia: teoria e prática. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. 432 p. ISBN
978-85-8271-056-2.

MAGILA, Maria Cristina; XAVIER, Gilberto Fernando. Interação entre sistemas e processos
de memória em humanos. Temas em psicologia da SBP, Ribeirão Preto, v. 8, nº 2, p.
143-154, 2000. Disponível em:
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2000000200004&ln
g=pt&nrm=iso. Acesso em: 1 maio 2023.

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